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O paradoxo de Einstein-Podolsky-Rosen • Junho de 2014 • Mecânica Quântica A

O paradoxo de
Einstein-Podolsky-Rosen
Franciele Renata Henrique
Instituto de Física de São Carlos - Universidade de São Paulo, São Carlos, SP, Brasil
francielerenata@usp.br

Resumo

Neste trabalho apresentamos o paradoxo de Einstein-Podolsky-Rosen e suas consequências epistemoló-


gicas. Introduzimos a discussão sobre Teorias de Variáveis Ocultas através das desigualdades de Bell.
E, por fim, mostramos o famoso experimento de Alain Apect et al. que elucidou o paradoxo.

I. Introdução Consideramos agora duas observáveis A e


B que não comutam, ou seja, AB 6= BA com
m 1935, Einstein, Podolsky e Rosen pu-

E
autovalores a e b, respectivamente.
blicaram um artigo [1] que questionou
a interpretação de Copenhagen da Me-
BΨb = bΨb (2)
cânica Quântica. Esta interpretação era defen-
dida por Niels Bohr e, segundo ela, a função Sabemos, pelo princípio da incerteza de
de onda Ψ contém toda a informação necessá- Heisenberg, que se medirmos a a quantidade
ria para caracterizar um sistema. Dessa forma, b torna-se indeterminada e não pode ser pre-
a Mecânica Quântica seria a última descrição vista. O valor de b só pode ser obtido através
da natureza. de medida direta. Esta medida, porém, per-
turba o sistema e altera o estado para Ψb .
II. O Paradoxo EPR Utilizando a definição de realidade des-
crita acima, podemos concluir que, se a é
I. O Princípio da Incerteza de Hei- conhecido, b não apresenta realidade física.
senberg Dessa forma, podemos chegar a duas hipó-
teses: (1) a função de onda não nos fornece
Se pudermos prever com certeza o valor de uma descrição completa da realidade ou (2)
uma quantidade física sem perturbar o sis- quando dois operadores não comutam, as
tema, então existe um elemento de realidade duas quantidades físicas relacionadas a eles
correspondente a essa quantidade física. Esta realmente não apresentam realidade física si-
foi a definição de realidade utilizada por Eins- multaneamente.
tein et al. em seu artigo de 1935 [1].
Segundo a interpretação de Copenhagen
da Mecânica Quântica, a função de onda Ψ II. Estados Emaranhados
contém toda a informação sobre um estado.
Para uma quantidade fisicamente observável Consideramos agora dois sistemas 1 e 2 cujos
existe um operador A que ao atuar sobre uma estados são conhecidos num tempo t = 0. Es-
autofunção Ψ a resulta em tes sistemas interagem entre si por um tempo
finito τ. Através da equação de Schrödinger
Ψ0a ≡ AΨ a = aΨ a (1) podemos calcular o estado Ψ1+2 do sistema
combinado 1 + 2 em qualquer tempo t > τ.
onde a é um autovalor que pode ser medido. Ψ1+2 pode ser expresso da seguinte forma
Dessa forma, a observável A tem certamente
o valor a quando o sistema está no estado

Ψ a , ou seja, existe um elemento de realidade
correspondente a A.
Ψ 1+2 ( x 1 , x 2 ) = ∑ ψn (x2 )un (x1 ) (3)
n =1

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onde x1 e x2 são as variáveis utilizadas para descrição completa do sistema ou (2) quando
descrever os sistemas 1 e 2, respectivamente; dois operadores não comutam, as duas quan-
un ( x1 ) são autofunções de um operador A tidades físicas relacionadas a eles não apre-
relacionado ao sistema 1 com autovalores an . sentam realidade física simultaneamente. No
ψn ( x2 ) podem ser considerados como os co- Gedankenexperiment realizado acima conside-
eficientes da expansão de Ψ1+2 na base orto- ramos como falsa a hipótese (1) e chegamos à
gonal formada por un ( x1 ). conclusão de que autofunções de operadores
Se agora medirmos A no sistema 1, en- que não comutam correspondem à mesma
contrando um valor ak , o estado do sistema realidade. Dessa forma, chegamos a uma con-
combinado é reduzido para um único termo tradição, pois a negação de (1) leva à negação
da equação 3 : ψk ( x2 )uk ( x1 ). Esse processo de (2). Portanto, somos forçados a concluir
é conhecido como redução do pacote de onda, que a função de onda não fornece uma des-
sendo que os sistemas 1 e 2 encontram-se crição completa da realidade.
nos estados uk ( x1 ) e ψk ( x2 ) após a medida,
respectivamente.
Podemos utilizar como base ortogonal o III. As desigualdades de Bell
conjunto de autofunções vs ( x1 ) de um ope-
rador B com autovalores bs . Dessa forma, Com o advento do artigo de Einstein-
o estado do sistema pode ser expandido da Podolsky-Rosen [1] e sua conclusão final de
seguinte forma que a Mecânica Quântica não seria completa,
surgiram teorias que buscavam complemen-
∞ tar a Mecânica Quântica com parâmetros adi-
Ψ 1+2 ( x 1 , x 2 ) = ∑ φs (x2 )vs (x1 ) (4) cionais. Para estados emaranhados, esses pa-
s =1 râmetros seriam propriedades comuns dos
onde φs ( x2 ) são considerados como os coefici- membros do sistema que não seriam tratadas
entes da expansão de Ψ1+2 na base ortogonal pela Mecânica Quântica. Estas teorias ficaram
v s ( x1 ). conhecidas como Teorias de Variáveis Ocultas.
Se medirmos B no sistema 1, obtendo Estas teorias têm como base fortes con-
como resultado br , o estado do sistema com- dições de localidade. Em um Gedankenexpe-
binado será reduzido para φr ( x2 )vr ( x1 ). O riment do paradoxo EPR (Einstein-Podolsky-
sistema 1 estará no estado vr ( x1 ) e o sistema Rosen), localidade significa que uma medida
2 está no estado φr ( x2 ). no sistema A não pode ser afetada por opera-
Através do Gedankenexperiment acima po- ções feitas no sistema distante B com o qual
demos concluir que duas medidas diferentes A interagiu no passado.
realizadas no sistema 1 deixam o sistema 2 O confronto entre a Mecânica Quântica
em dois diferentes estados. Como as medidas e as Teorias de Variáveis Ocultas permane-
são feitas num instante em que os sistemas ceu no âmbito epistemológico durante mui-
não mais interagem, algo que seja feito com tos anos, bem como a questão da completude
o sistema 1 não provoca nenhuma alteração da Mecânica Quântica. No entanto, em 1964
no sistema 2. Com isso, concluímos que é John S. Bell demonstrou que, devido às suas
possível que as duas funções de onda ψk e fortes condições de localidade, as Teorias de
φr correspondam ao mesmo elemento de re- Variáveis Ocultas são restritas a certas desi-
alidade, ou seja, as duas funções de onda gualdades que não são sempre obedecidas
correspondem ao sistema 2 após a interação pela Mecânica Quântica [2].
com 1. Para construir seu formalismo matemá-
É possível demonstrar [1] que as observá- tico, Bell utilizou uma versão do EPR Gedanke-
veis A e B podem corresponder a operadores nexperiment em que um sistema emaranhado
que não comutam. Dessa forma, autofunções composto por duas partículas com spin 1/2
de operadores que não comutam pertencem está no estado singleto. As componentes de
ao mesmo elemento de realidade. spin em várias direções são as observáveis
Na subseção I chegamos a duas hipóteses: não-comutantes que podem ser medidas. O
(1) a função de onda não nos fornece uma estado do sistema combinado deve ser sem-

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pre singleto. Com esses argumentos Bell tirou cada fóton carrega uma propriedade que de-
a discussão fomentada pelo paradoxo EPR da termina sua polarização para cada direção
cena epistemológica e a levou para o ramo ma- de análise. A violação da desigualdade de
temático, criando desigualdades que podem Bell para esse caso, indica que a correlação
ser testadas experimentalmente e modificadas entre as medidas não pode ser explicada por
conforme a natureza do experimento. variáveis ocultas.

IV. O experimento de Aspect V. Arranjo experimental

I. A interpretação óptica do EPR Ge- Alain Aspect et al. estudaram a correlação


entre a polarização linear de pares de fótons
dankenexperiment através de um experimento com o arranjo ex-
A formulação das inigualdades de Bell abriu perimental da Figura 2.
caminho para experimentos cujo objetivo era
testar a completude da Mecânica Quântica.
Em 1982, Alain Aspect utilizou a interpreta-
ção óptica do EPR Gedankenexperiment para
realizar seus experimentos [3].
Na interpretação óptica, uma fonte emite
pares de fótons fortemente correlacionados.
Medidas da correlação entre as polarizações
lineares dos dois fótons são feitas. Como
mostra a Figura 1, dois fótons ν1 e ν2 são
Figura 2: Arranjo experimental do experimento de As-
analisados pelos polarizadores lineares I e II,
pect et al. Imagem retirada de [3]
que fazem medidas ao longo dos eixos ~a e ~b
perpendiculares a z. Neste arranjo, dois switches optoacústicos
são seguidos por polarizadores lineares. Esse
sistema faz com que a polarização salte entre
duas orientações em um tempo curto compa-
rado ao tempo de vôo do fóton da fonte até o
analisador. Aspect et al. utilizaram pares de
Figura 1: A interpretação óptica do EPR Gedankenex-
fótons correlacionados com comprimentos de
periment. Imagem retirada de [4]
onda λ1 = 422, 7nm e λ2 = 551, 3nm obtidos
Cada medida tem dois possíveis resulta- pela excitação de dois fótons do cálcio. Se
dos: + ou −. As probabilidades das medidas os dois switches trabalham randomicamente
realizadas nos fótons individuais podem ser e não são correlacionados é possível escrever
encontradas para várias orientações dos po- uma desigualdade de Bell semelhante a de
larizadores. Cada fóton pode ser encontrado Clauser-Horne-Schimony-Holt [5]:
aleatoriamente nos canais + e −. Mas se o fó-
ton ν1 é encontrado positivamente polarizado, −1 ≤ S ≤ 0 (5)
seu fóton gêmeo ν2 também é encontrado po- com
sitivamente polarizado.
Os fótons não interagem mais e a infor-
mação se propaga com velicidade máxima N (~a,~b) N (~a, ~b0 ) N (~a0 ,~b)
S= − + +
igual à velocidade da luz c. Podemos mudar N (∞, ∞) N (∞, ∞0 ) N (∞0 , ∞)
a direção de análise da polarização antes que N (~a0 , ~b0 ) N (~a0 , ∞) N (∞,~b)
os fótons cheguem ao polarizador. Ainda as- + − −
N (∞ , ∞ )
0 0 N (∞ , ∞)
0 N (∞, ∞)
sim, a medida da polarização de ν1 em uma (6)
certa direção implica que ν2 se encontrará
polarizado na mesma direção. Pelas Teorias Os coeficientes N correspondem à contagem
de Variáveis Ocultas isso ocorreria porque de pares de fótons cuja polarização é a mesma

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nos sistemas I e II. A quantidade S envolve de que a Mecânica Quântica não seria com-
as contagens feitas em diferentes configura- pleta. Por um lado concluímos que a Mecâ-
ções dos polarizadores (N (~a,~b), N (~a0 ,~b), etc.), nica Quântica é uma teoria completa, mas
contagens feitas sem nenhum polarizador pelo outro observamos a não-localidade de
(N (∞, ∞), N (∞0 , ∞), etc.) e contagens feitas sistemas emaranhados. Ainda não sabemos
sem o polarizador em um dos lados (N (~a0 , ∞), se essa não-localidade é realmente um pro-
N (∞,~b), etc.). Alain Aspect et. al obtiveram blema para a descrição da realidade.
como resultado
Referências
S = 0.101 ± 0, 020 (7)
[1] A. Einstein, B. Podolsky, and N. Rosen.
Este resultado viola a desigualdade de Bell Can quantum-mechanical description of
descrita acima. physical reality be considered complete?
Phys. Rev., 47:777–780, May 1935.

VI. Conclusão [2] John S Bell et al. On the einstein-podolsky-


rosen paradox. Physics, 1(3):195–200, 1964.
O resultado obtido por Alain Aspect et. al
indica que não podemos explicar o compor- [3] Alain Aspect, Jean Dalibard, and Gérard
tamento correlacional de um sistema emara- Roger. Experimental test of bell’s inequa-
nhado por variáveis ocultas. Dessa forma, não lities using time- varying analyzers. Phys.
podemos afirmar que num sistema formado Rev. Lett., 49:1804–1807, Dec 1982.
por dois fótons fortemente correlacionados
[4] Alain Aspect. Bell’s inequality test: more
todas as suas propriedades são determinadas
ideal than ever. Nature, 398(6724):189–190,
na fonte e por eles carregadas. Concluímos,
1999.
então, que um par de fótons emaranhados
é um objeto não-separável, dessa forma não [5] John F. Clauser, Michael A. Horne, Abner
podemos atribuir realidade física local para Shimony, and Richard A. Holt. Proposed
cada fóton. experiment to test local hidden-variable
O experimento de Aspect et. al tornou theories. Phys. Rev. Lett., 23:880–884, Oct
falsa a hipótese de Einstein-Podolsky-Rosen 1969.

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