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A
COMO POLÍTICA PÚBLICA
INTERDEPARTAMENTAL
JOAQUIM AGUIÁR

INSTITUTO NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO

INSTITUTO DE DEFESA NACIONAL


INSTITUTO NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO
INSTITUTO DE DEFESA NACIONAL

A Política de Defesa Nacional


COmo

Política Páblica Interdepartamental

Joaquim Aguiar

LISBOA
19 8 9
edição:i
Instituto Nacional de Administração
Instituto de Defesa Nacional

capa

RUI ALVES

revisão de texto:

TERESA POTIER

composiçāo grá ca:

Sociedade Industrial Grá ca Telles da Silva, ILda.


Rua deCampolide,133,1. Dto. - 1000Lisboa

tiragem: 1000 exemplares


1 edição: 1989

Direitos de Tradução, Reprodução e Adaptação desta ediçāão


reservados para todos os países por:

Instituto Nacional de Administração


Instituto de Defesa Nacional

Dep. Legal n.° 27702/89


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ÍNDICE

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INTRODUÇÃO ... ... ..

CAPÍTULO 1–AS POLITICAS PÜBLICAS E A FUNÇÃO DE COORDENAÇĀO 15

1. A análise das políticas públicas ... 15

2. A política pública como sistema de objectivos e como sistema institucional 2


3. A política pública como sistema de necessidades e como sistema de oportu-

nidades 26
... •..

4. As políticas públicas, a interdepartamentalidade e o papel moderno do Estado 33

5. O caso especí co da política de defesa nacional: área de inovação e de

37
oportunidade ... •.

6. O caso especí co da política de defesa nacional enm Portugal 44

7. Condições gerais de análise da interdepartamentalidade ... 47

CAPÍTULO 2-A POLÍTICA DE DEFESA NACIONAL NO SISTEMA DE


POLITICAS PÚBLICAS 49

1. A importância de uma política no sistema das políticas públicas 56

2. Defesa nacional e segurança nacional 60

3. A política de defesa como política condicionada e interdepartamental ... 66


..
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4. A localização da política de defesa no sistema das políticas públicas ... 69

5. Os condicionamentos na política de defesa nacional .. 82

CAPÍTULO 3-0 DESAFIOESTRATÉGICO NACIONAL


.
1. As mudanças na sociedade moderna na perspectiva da política de defesa ...
97

100

2. As condições de governabilidade 145

3. As áreas de coordenação ... 164

CONCLUSÃO 179

BIBLIOGRAFIA 187
INTRODUÇÃO

Este estudo tem uma característica híbrida no plano disciplinar, pro-


curando combinar quatro grandes áreas teóricas:

– teoria daspolíticaspúblicas;
– teoria da estratégia e da defesa;
-teoria do desenvolvimento e da modernização;
– teoria dadecisãopolítica.

Trata-se de uma combinação necessária quando se consideram as coorde-


nadas do problema que é colocado, nas sociedades contemporâneas, pela con-
cepção e produção de defesa nacional. Mas se um dos objectivos deste texto
consiste na ilustração prática desta necessidade revelada na teoria, é importante
sublinhar desde já que não se trata de uma combinação exclusiva de perspec-
tivas teóricas. Outras dimensões de análise relevante caram por explorar,
sem que isso signi que que se considerem ser, em abstracto, menos impor-
tantes do que aquelas que foram utilizadas.
Por exemplo, não é su cientemente desenvolvida uma teoria dos grupos
de pressão na formulação das políticas de defesa - uma dimensãoessencial
nas sociedades onde existe um «complexo militaro-industrial» mas que é menos
relevante na sociedade portuguesa onde os surtos, por vezes intensos, de inter-
vencionismo militar na política não têm correspondência em in uências dura-
douras na concepção e produção da política de defesa no seu sentido contem-
porâaico, alargado, que será apresentado e desenvolvido nestas páginas.
Também não é explorada a dimensão da teoria da organização na deter-
minação dos modos de funcionamento institucionais. Em parte, esta lacuna

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poderia justi car-se com a invocação de uma tradicional anarquia organizativa
nas instituições de decisão política portuguesas. Noutra parte, aquela lacuna
também se justi caria em função das mudanças que a alteração do contexto
histórico da problemática da defesa em Portugal, após a descolonização, pro-
vocou no quadro organizativo. Mas, essencialmente, a falta desta dimensão
explica-se pelo facto de o âmbito tradicional dos assuntos de defesa se ter
alargado de tal modo que as fronteiras organizativas tếm, neste período de
mudança e de adaptação a novas exigências, contornos mal de nidos.
Finalmente, não é utilizada uma óptica juridico-constitucional na inter-
pretação dos traços mais salientes das decisões e da legislação pertinentes para
este tema. É uma lacuna perigosa, na medida em que há normas jurídico-cons-
titucionais que delimitam as possibilidades de concepção e de produção de
políticas, designadamente no caso da política de defesa. Contudo, esta perspec-
tiva formalista, de tipo jurídico-constitucional, está muitas vezes condicionada
pelo efeito de concepções tradicionais, provavelmente relevantes no passado
mas que terão perdido a sua actualidade, sobretudo quando as mudanças são
muito rápidas e signi cativas como acontece nas matérias de defesa. Por
isso, a utilização desta dimensão de análise tende a prejudicar a exploração
de linhas novas de desenvolvimento e é pouco sensível ao efeito das novas
realidades.
O modelo de análise utilizado neste texto, neste estudo híbrido que com-
bina vários planos de observação mas que não utiliza outros, não se apresenta
nem com a vocação de exclusividade nem com a pretensão a uma superioridade
geral sobre outras perspectivas de análise possíveis. O modelo adoptado parece
ser aquele que revela melhor as diferenças que as condições modernas fazem
aparecer na problemática de defesa em comparação com os conceitos e as con-
dições tradicionais. Mas é também esta sua qualidade de revelação de diferen-
ças que totna este modelo de análise mais limitado quando se trata de apre-
sentar e preparar as mudanças institucionais necessárias e aconselháveis. Neste
sentido, trata-se mais de uma óptica de sensibilização das novas necessidades
em matérias de defesa do que de uma óptica de construção institucional. É uma
opção discutível e por isso mesmo se deseja deixá-la bem nítida: não se pre-
tende entrar na área da decisão política institucional em matérias de política
de defesa, mas apenas esclarecer as novas condições a que se subordina, em
todas as sociedades contemporâneas e, em especial, nas sociedades modernas,
a concepção e a produção da política de defesa. Quando muito, aspira-se a
de nir critérios que possam ser úteis para essas decisões políticas institucionais.
É neste objectivo de sensibilização para um novo modo de analisar uma
velha questão que se inscreve o que talvez seja a maior lacuna deste texto:
não é feita uma análise da evolução das concepções da política de defesa em
Portugal nos últimos anos mais exactamente, desde 1937, quando se realiza
uma importante reforma nos planos cónceptuais e institucionais e desde a ade-

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são de Portugal à Aliança Atlântica. É uma lacuna deliberada. Apesar de ter
sido escrito um texto referido a este aspecto, optou-se por nãoo incluit na
versão nal. Este texto e este tema introduziriam uma adicional dimensão
polémica a um texto que já é natural e necessariamente polémico e sem que
daí se retirasse uma melhor compreensão e uma maior sensibilização para os
problemas novos da defesa nas sociedades contemporâneas. A experiência por-
tuguesa durante o período em causa pouco tem a ver com estes problemas
novos: a sua característica básica terá sido a incapacidade ou a impossibilidade
de os detectar em tempo útil e de os compreender politicamente porque a pro-
blemática de defesa com que se confrontava era, ainda, de tipo tradicional,
pelo menos quando observada no âmbito dos decisores portugueses. Os efeitos
desta lacuna não são inteiramente resolvidos por estes argumentos. Mas o pre-
enchimento da lacuna, na fase actual da sociedade portuguesa, inda pode
distrair a atenção de outros pontos, porventura mais importantes em termos
do futuro.

Este estudo tem, por outro lado, uma bistória própria. Parece útil recor-
dá-la nos seus traços gerais para que melhor se compreendam as suas limita-
ções e os seus objectivos possíveis.
Na sua primeira formulação, elaborada em colaboação do Instituto Nacio-
nal de Administração e do Instituto de Defesa Nacional, este projecto obedecia
às seguintes coordenadas:
«A análise do processo de formulação da política pública não conhece
ainda em Portugal desenvolvimento metodológico e cientí co adequado. Muito
menos se encontra generalizada qualquer prática de avaliação sistemática de
políticas públicas designadamente no plano da intervenção governamental. Uma
e outra constituem hoje preocupações estratégicas da Ciência Administrativa e
propendem a ocupar um lugar do maior destaque nos programas de formação
e de investigação das instituições que, por vocação e por estatuto, se dedicam
com prioridade ao esforço de modernização da Administração Pública.
As perspectivas assinaladas encontram terreno particularmente fecundo no
quadro de:

a) políticas públicas de conteúdo eminentemente interdisciplinar e de


alcance
interdepartamental; otbsel: b oldi
b) políticas públicas que se de nem e desenvolvem na interface de
w in uências recíprocas de cactores» diversos: grupos de interesses,
alobbies»organizados,administraçõesestruturadas, etc.dogyi

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Pelas razões apontadas, a política de Defesa Nacional que, num conceito
alargado, respeita a todos os quadrantes da administração dos interesses públi-
cos, surge como pólo privilegiado de estudo, especialmente quando, como é o
caso de Portugal, decorre um processo complexo de estruturação de conceitos
e de solidi cação de enquadramentos normativos bem como de instituições
especializadas. A manifesta convergência de pontos de vista e de interesses
que, nesta matéria, se veri ca entre o Instituto Nacional de Administração e
o Instituto de Defesa Nacional, aliada à analogia de per s dessas instituições,
no que importa às preocupações de rigor, objectividade e independência dos
estudos que empreendem, propiciam condições muito favoráveis ao desenvol-

vimento do projecto em apreço».


Neste primeiro quadro orientador foram de nidos alguns objectivos espe-

cí cos que a seguir se reproduzem:

«1. Análise do enquadramento legal e institucional em que se desenvolve


a política de Defesa Nacional com especial ênfase sobre:

- edifício jurídico de suporte;


-estruturas e competências formais;
modos de funcionamento corrente;
-relações funcionais e interinstitucionais.

2. Análise da política de Defesa Nacional no quadro da política pública


governamental:
- caracterização dos diferentes agentes de decisão no processo de
formulação da política de Defesa Nacional;
identi cação dos grupos de interesses capazes de in uenciar a polí-
tica de Defesa Nacional;
estudo dos projectos puros e combinados dos agentes;
-ponderação de modelos comparados.

3. Avaliação da política de Defesa Nacional:


de nição do quadro temporal para a avaliação da política;
apuramento dos critérios e instrumentos metodológicos de avalia-
ção;
aferição da relação existente entre o programa de Defesa Nacional
de nido para um determinado período (programa de acção) e o
resultado desse programa (resultado esperado ).

4. Elaboração dos relatórios de conclusões e eventuais recomendações».

Como muitas vezes acontece na execução deste tipo de projectos, o seu


desenvolvimento foi sugerindo e provocando variações e alterações. Neste sen-

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tido, a segunda fase do projecto reforça a sua componente analítica e ilustra-
tiva do ramo da coordenação das políticas públicas, abandonando uma pers-
pectiva institucionalista por troca com um reforço do exame das condições
modernas de concepção e produção da política de defesa. Em suma, optou-se
por uma análise mais desenvolvida das problemáticas das políticas públicas e
da política dedefesa o que, por um lado, reforça o conteúdoanalítico e,
por outro lado, permite ultrapassar as circunstâncias conjunturais destas ques-
tões no caso português. Estas variações aparecem já re ectidas na segunda
versão deste projecto, como se pode ver no excerto seguinte, estraído do pro-
grama de trabalho:

«Os objectivos serão:

estabelecer as condições de coordenação na concepção e de produção


de uma política pública que implica uma série de relações interdepat-
tamentais para a sua execução. A política de defesa nacional é aqui
usada como ilustração prática do problema teórico geral da interdepar-
tamentalidade das políticas públicas;
estabelecer as condições a que deve respeitar a concepção e a produ-
ção de uma política de defesa que respeite as condições de relação
entre vátios departamentos. As condições de interdepartamentalidade
são aqui usadas como uma ilustração prática do problema teórico geral
da formulação de uma política de defesa nacional;
estabelecer critérios de avaliação teórica para dois tipos diferentes de
problemas políticos: i) a interdepartamentalidade e as condições da
sua coordenação; i) concepção, formulação, produção e execução das
políticas de defesa nacional;
estabelecer, com base nos critérios de avaliação teórica, uma aprecia-
ção da evolução ocorrida nos modos de produção da política de defesa
nacional em Portugal desde a adesão à Aliança Atlântica até à adesão

l Comunidade
à Económica
Europeia;
estabelecer, com base nos critérios de avaliação teórica, uma aprecia-
ção da evolução ocorida em Portugal nos dispositivos legais, quadros
institucionais e relações interdepartamentais referentes à política de
defesa;
estabelecer critérios teóricos aplicáveis às questões de política de defesa
paraoshorizontestemporaisdemédioprazo; i
estabelecer critérios teóricos aplicáveis às questões da interdeparta-
mentalidade no quadro das condições de acção previsíveis para a deci-
são política no futuro próximo, com aplicação às questões de defesa
nacional.

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A metodologia será orientada pelas seguintes condições: bh
-a fórmula de análisebaseia-se na colaboração de analistas de questões
de defesa com analistas de questões de decisão política e de coorde-
nação interdepartamental, esperando-se que desta colaboração cruzada
venha a resultar uma de nição satisfatória dos contotnos de possibili-
dades de política de defesa e das condições interdepartamentais e admi-
nistrativas;
o mesmo método será aplicado a uma análise do passado recente, não
só para teste dos métodos seleccionados mas também para identi cação
dos factores políticos, institucionais e administrativos que interferem
nas condições de decisão e acção política presentes;
a análise prospectiva não será orientada para a produção de propostas
concretas– seja sobre política de defesa ou sobre normas de coorde-
nação interdepartamentalmas sim para a produção de critérios de
avaliação abstractos e gerais>.
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Em relação a esta última versão do programa de trabalho há ainda que
revelar o facto de a versão nal do texto não incluir a apreciação da evolução
ocorrida nos modos de produção da política de defesa nacional em Portugal
desde a adesão à Aliança Atlântica até à adesão à Comunidade Económica
Europeia os dois marcos essenciais que condicionam a concepção da política
de defesa em Portugal. Contudo, a aceitação desta lacuna não interfere no
conteúdo dos restantes pontos e, como já foi referido, tem pelo menos a vir-
tude de não contribuir, ainda que involuntariamente, para uma polémica que
seria lateral aos objectivos essenciais deste estudo.

Este estudo tem um autor, que assume por ele todas as responsabilidades.
Mas não teria sido possível conclui-lo sem o estímulo do Instituto Nacional
de Administração e do Instituto de Defesa Nacional e, de um modo muito
especial, do Professor João Fraústo da Silva, dos Generais Rocha Vieira e
Castelo Branco e do Brigadeiro Lages Ribeiro. Mas devo sobretudo sublinhar,
com muita admiração pela sua abertura de espírito e pela sua capacidade de
re exão, os inestimáveis contributos dos Generais Bettencourt Rodrigues e
Abel Cabral Coutoe do Coronel João Geraldes. Os seus conhecimentos, a sua
atenção crítica e a sua tolerância permitiram evitar muitos erros e ajudaram
a cncontrar respostas para diversas di culdades na aplicação e desenvolvimento
dos modelos de análise. Seria, no entanto, uma prova de menor respeito pela

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sua honestidade intelectual pretender escudar-me na sua indiscutível autoridade
para desculpar os erros que, apesar de tudo, subsistirem, ou para justi car o
que houver de polémico nas análises e propostas apresentadas. A importância
do tema não é compatível com desvios para formar consensos ou com defesas
de estilo para permitir múltiplas leituras. Ainda que seja certo que em política
ninguém tem razão sozinho, que é preciso saber formar consensos que permi-
tam a realização das propostas, este texto não é um texto de política mas
sim um texto de análise elaborado com a intenção de abrir novas pistas de
re exão ajustadas às novas condições da modernidade. Por isso mesmo, o
agradecimento dos estímulos e das colaborações em nada altera a responsabi-
lidade natural e única do autor.

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CAPITULO
1 sotoict e
AS POLÍTICASPÜBLICASE A FUNÇÃO
DE
COORDENAÇÃOe os

1 A análise das politicas públicas


dly bvnsl b
ea A importância da análise das políticas públicas é proporcional ao aumento
do papel dos órgãos do Estado e das instituições o ciais na orientação, direc-
ção e funcionamento das sociedades modernas. Este papel pode ser visto em
termos do seu signi cado absoluto, identi cado pelo volume de recursos que
esses órgãos e instituições recolhem e manipulam, constituindo assim espaços
de acção, com os seus meios e objectivos, onde exercem funções exclusivas ou
predominantes. Mas aquele papel tem também 'um signi cado relativo, na
medida em que, por efeito da apropriação de recutsos ou por virtude das
expectativas sociais criadas, aquilo que não for feito pelos órgãos do Estado
e pelas instituições o ciais di cilmente poderá ser realizado por entidades e
agentesprivados a quem falta o efeitodimensãoou o efeito de legitimi-
dade e autoridade que estão associados às funções do Estado. Ao registar
estes dados de observação não se está a valorizar ou a criticar o papel do
Estado na realização destas funções; estáse apenas a referir que, nas condições
das sociedades contemporâneas, esse papel é relevante e essas funções não são
facilmente transferíveis para outras entidades, mesmo quando haja insu ciên-
cias evidentes na e ciência com que essas funções são realizadas. h to
Estes desenvolvimentos ocorridos no papel do Estado e das instituições
o ciais criam problemas que se impõem pela sua dimensão, pelo ritmo acele-
rado do seu crescimento e até pela sua relativa insensibilidade às variações

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de regimes políticos ou às alterações das linhas gerais de orientação política.
Em grande medida, o efeito dimensão e a sua inércia sobrepõem-se ao efeito
de orientação que, sendo em princípio mais exível, tem, no cntanto, de ter
em conta aqueles factores de inércia inerentes ao papel do Estado e da sua
área de intervenção.
Sendo problemas cvidentes na observação, cles são também problemas
novos tanto em termos de teoria política como em termos de teoria da admi-
nistração pública. Há neles uma novidade objectiva, que resulta da dimensão
e da rapidez do seu crescimento, a que se poderá atribuir a designação de
novidade quantitativa. Porém, a cspectacularidade deste aspecto objectivo,
quantitativo, super cial, não deve ocultar o signi cado da novidade subjectiva
ou qualitativa. Neste último sentido, a importância da análise das políticas
públicas resulta do facto de os hábitos de conceptualização da acção política
e das suas estruturas organizativas de apoio não estarem ajustadas nem à
dimensão quantitativa do fenómeno nem ao seu carácter exclusivista, onde a
passividade, a recusa de acção ou a descoordenação tendem a signi car, pela
inexistência de alternativas sociais de substituição, o bloqueamento da socie-
dade em relação a esses problemas concretos e, por difusão das consequências,
em relação a todas as áreas problemáticas que Ihe estejam conexas.
A resistência revelada pelos hábitos de decisão política em relação à novi-
dade qualitativa induzida pela expansão das actividades públicas não deve ser
motivo de surpresa. Por um lado, a lógica da relação democrática, baseada
numa função de representatividade, estabelece um paradigma de decisão polí-
tica em que esta é accionada pelos movimentos sociais, pela evolução da socic-
dade ou, para se ser mais realista, pela expressão dos seus grupos de interesses
organizados. Por outro lado, a generalização dos valores de justiça social e de
segurança individual (processo que não se limita às sociedades democráticas)
foi naturalmente introduzindo na área de responsabilidade da decisão política
a garantia de satisfação desses valores ( com tudo o que isso implica de intro-
missão e de intervenção no funcionamento espontâneo da sociedade de modo
a corrigir, equilibrar e alterar as suas relações naturais), alterando gradual-
mente aquilo que estava implícito na relação democrática clássica e obrigando
o decisor político a intervir directamente em problemas e áreas que antes eram
deixadas à livre interacção social. Finalmente, deve também ter-se em conta
que este processo de alargamento das políticas públicas, apesar de ter sido
rápido no tempo, é lento, gradual, incrementalista, em termos da consciência
política do fenómeno. O efeito de dimensão que vai estar associado a este pro-
cesso aparece mais como uma veri cação ex post do que como uma eventua-
lidade reconhecida ex ante. Mas a verdade é que a partir de um certo grau
de intervencionismo, de alteração das relações sociais naturais, a decisão polí-
tica ca presa da dinâmica que criou e não pode mais voltar a uma atitude de

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passividade ou de mera representatividade dos movimentos sociais espontâneos.
Tudo isto se revela, a nal, no facto simples de, não obstante a sua importância
efectiva ser muito anterior, o estudo das políticas públicas só se ter desenvol-
vido a partir do m da década de 60 (Thoenig, 1985).
Ainda que o desfasamento entre os hábitos políticos e as realidades seja
compreensível, isso não vem alterar a importância do problema que a formu-
lação das políticas públicas constitui nas sociedades modernas. E essa impor-
tância será tanto maior quanto mais acentuado for esse desfasamento (porque
será necessário superá-lo sem o beneffcio de uma aprendizagem incrementa-
lista) e quanto menos modernizada for a sociedade (porque exprime as mes-
mas necessidades das sociedades próximas mais evoluídas sem poder dispor
dos instrumentos de decisão e de acção que nestas já foram implementados,
experimentados e corrigidos).
Na perspectiva contemporânea, estudar as políticas públicas equivale a
estudar a acção governamental enquanto gestão da colectividade. Nem todas
as políticas públicas são resultado directo do governo (podem ser iniciativas
de outras autoridades políticas e administrativas, nacionais ou locais) mas está-
-Ihes senmpre associado umn atributo de autoridade, de coercibilidade, do mesmo
modo que lhes está associada a utilização de recursos públicos que, em prin-
cípio e em geral, não são susceptíveis de decisão ou de apropriação por parte
de entidades privadas. A análise das políticas públicas centra-se, assim, na
identi cação dos seus efeitos nas relações sociais, no exame do seu modo de
gestão e, porque os recursos do Estado não são in nitos, na interpretação do
tipo de selecção qưe é feito ao determinar as prioridades dessas políticas e o
seu efeito ao longo do tempo (designadamente no que se refere ao condicio-
namento actual de escolhas futuras).
A multiplicidade de vectores que coexistem em cada momento torna a
acção política complexa e obriga a colocar a dúvida quanto à possibilidade de
um agente político isolado, ou de um pequeno grupo de agentes políticos,
dotado de legitimidade, ter potêmcia su ciente para manter sob atenção e con-
trole todos esses vectores. A essa dúvida deve ainda juntar-se a di culdade
adicional que resulta da evolução da sociedade, criando novas actividades por
efeito da diferenciação e dando origem a novas necessidades e novas opotu-
nidades de decisão política. A convenção tradicional de que o decisor político
é um actor único (ou uni cável num único centro de decisão dotado de iden-
tidade ptópria), produtor de um comportamento racionalizado, é cada vez
menoscredível nascondiçõesconcretas da acção políticacontemporânea - e
não só porque af interferem as ambições e as motivações profundas de cada
personalidade, mas sobretudo porque se multiplicam os pontos de intervenção.
Pelas mesmas razões, terá de se perguntar até que ponto será o Estado contem-
porâneo identi cável com o Estado do século XIX ou mesmo com o Estado
anterior à Segunda Guerra Mundial. Este não é um ponto menor na análise

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das políticas públicas, pois se o objecto teve uma alteração marcada, também
o sujeito a teve- alterações que arrastam consigo a absolescência de muitas
teorias polticas que subsisten por inércia ou por falta de confronto com as
realidades, mas que já pouco têm a ver com as realidades sociais e políticas
contemporâncas. E porque se tem de aceitar, pela força das evidências, que
tanto as políticas públicas como as entidades que as produzem apresentam
movimentos com ritmos diferentes, não basta reconhecer as mudanças e a
necessidade de inovação, é preciso admitir a hipótese de não-correspondência
entre esses dois movimentos, com as consequentes situações de crise (Rose,
1980).
Uma política pública é um programa de acção especí co de uma ou várias
entidades públicas ou governamentais. Tem um conjunto de objectivos que
procuram estabelecer uma estrutura de comportamentos sociais, normalmente
através da explicitação de um grupo de normas, onde se insere uma condição
coerciva e que vai afectar um certo número de indivíduos, de grupos e de
organizações, supondo-se que tanto o seu conteúdo (conjunto de medidas )
como o seu processo (procedimentos dotados de legalidade) obedecem a uma
orientação racional, explícita ou implícita, manifesta ou latente.
Pela sua característica básica de pretender responder a um problema da
sociedade, um dos temas mais importantes da análise das políticas públicas é
o do estabelecimento da agenda política: quais são os problemas reconhecidos
e escolhidos para justi car a formulação de uma política pública? É um tema
que ganha um novo signi cado quando se veri ca a rapidez com que se alarga
o espaço de acção das entidades públicas (absorvendo cada vez mais problemas
sociais, reconhecendo-os como justi cando uma decisão política especí ca, uma
política pública) e, por outro lado, se comprova a crescente di culdade das
entidades públicas em dominar as respostas às agendas políticas que aceitam
(apropriando cada vez mais recursos, extraindo à sociedade aquelas que eram
as suas condições próprias de auto-subsistência e, por essa via, colocando numa
posição indefesa todos os que não são integrados nas agendas políticas mas
que também não têm meios próprios de auto-organização nem condições de
pressão sobre os agentes políticos). Dito de outro modo, a formação da agenda
política é uma das bases modernas da desigualdade social e da con itualidade
entre alternativas políticas. Os grupos sociais mais fortes impõem o reconhe-
cimento e a escolha dos seus problemas no quadro das políticas públicas. E os
confrontos eleitorais são disputados em termos de agendas políticas alternati-
vas, tentando atrair os eleitores para conjuntos favoráveis de políticas públicas
ou tentando apresentar uma concreta agenda política como a mais capaz de
responder aos problemas gerais da sociedade. Para que uma agenda política
tenha êxito é necessário, simultaneamente, responder às expectativas (respon-
dendo aos problemas tal como eles são compreendidos pelos grupos sociais
signi cativos) e controlar sas expectativas (através dos meios de formação

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da opinião pública, dos modos de organização colectiva e da função de orien-
tação política).
É um processo complexo de interacções, de pressões e de condicionamen-
tos que se pode analisar em termos dos quatro modos básicos de formação
da agenda política (Cobb, Elder, 1976):

reajustamento: correcção de uma situação quando se veri ca um dese-


quilíbrio em relação a interesses ou grupos que respondem sob a forma
de protesto ou de ameaça de abandono da relação política (Hirschman,
1972). Este é o modo de rotina na gestão de uma agenda política em
condições de evolução estável de um sistema político e da sociedade:
são relações incrementais que não exigem grandes alterações nas ten-
dências estabelecidas desde que nãg se adiem as respostas a estes dese-
quilíbrios por tempo excessivo (e porque o protesto se pode então
traduzir em violência e o abandono pode revestir a forma de anomia);
exploraçãão: ampli cação de um problema de modo a conseguir obter
uma alteração signi cativa da agenda política, no seu conjunto ou ape-
nas num sector. E um processo excepcional de dramatização e que
tanto pode ser usado pelos grupos sociais como pelos próprios agentes
políticos que através da ampli cação de um tema criam condições para
alteraçõesmais profundas - comoacontede,em geral, naspolfticas de
modernização;
- reacção circunstancial: a alteração da agenda política édesencadeada
por um cacidente», em sentido estrito ou gurado. Se o modo do
reajustamento pode ser entendido como a tendência de rotina na evo-
lução das políticas públicas, as reacções circunstanciais podem ser con-
sideradas como o «motor» da expansão das funções do Estado nas
sociedades modernas, que se terá processado mais por resposta às cir-
cunstâncias do que por concepção consciente, deliberada e estudada;
aperfeiçoamento: corresponde a inovações introduzidas na agenda polí-
tica que não se destinam a satisfazer interesses especí cos que as im-
põem ou propõem mas têm por objectívo efectivo a realização do
interesse público (Hirschman, 1982). Em sociedades complexas, com
organização dos interesses e com as autoridades políticas submersas
pot agendas políticas que não controlam (questão especí ca da gover-
nabilidade das sociedades modernas (Offe, 1982)) este modo de for-
mação da agenda política é cada vez menos provável, pois nenhuma
entidade tem autonomia su ciente para se posicionar de modo exclu-
sivo e «monopolista» nesta perspectiva de interesse público (Haber-
mas, 1987). É certo que a legitimidade nacional das entidades políticas
lhes oferece a base necessária para terem essa perspectiva; mas as con-

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dições concretas do exercício da sua actividade sujeita às pressões
permanentes dos reajustamentos, das explorações e das reacções citr-
cunstanciais - não sãofavoráveis ao tipo de distância críticanecessá-
ria a estas políticas públicas «desinteressadas».

A tradução da agenda política em políticas concretas não ca assegurada


só porque as entidades governamentais ou as autoridades administrativas acei-
tam conceder a sua atenção para a resposta a um problema. É necessária a
existência de recutsos e, depois, é necessário que o processo de decisão seja
accionado sem que o seu produto venha a resultar em efeitos perversos.
A anáise dos recursos revela com toda a clareza por que é que o Estado
assume responsabilidades crescentes nas sociedades modernas: nenhuma outra
entidade social tem acesso ao mesmo tipo, quantidade e combinação de recur-
sos nem é possível devolver a qualquer entidade social privada estes recursos
especí cos de modo a permitir-Ihe substituir as funções do Estado na formu-
lação e na realização das políticas públicas. Naturalmente, este papel do Estado
não tem de revestir sempre a forma de intervencionismo eo atributo de exclu-
sivismo: esse papel do Estado pode ser descentralizado e delegado em entida-
des privadas (Bachrach, Baratz, 1963; Dahl, 1961; Milliband, 1969), mas
essas variantes são modalidades de gestão que não anulamn nem substituem a
necessidade de coordenação que o Estado exerce através das políticas públicas
(Thoenig, 1985).
Esta especi cidade dos recursos das autoridades govenamentais e da admi-
nistração pública nacional e local pode ser sintetizada através de uma sigla,
NATO (Hood, 1983), formada pela primeira letra de quatro qualidades bási-
cas desses recursos:

- nodalidade (propriedade de estar no centro nodal das redes sociais,


das redes de informação e comunicação, das redes de interpretação das
condições de a rmação nacional);
-autoridade (qualidade do poder dotado de alguma forma de legitimi-
dade a que ca associada a formalização da legalidade e o consequente
poder de coercibilidade);
tesouro (resultante do poder extractivo ou scalidade, ele próprio
associado à legitimidade e à legalidade, mas que de ne uma priori-
dade de obtenção de recursos para nanciamento das políticas públicas
que «expulsa» as entidades privadas dos canais de acesso a esses meios
nanceiros e que ainda permite transferir para o futuro os encargos
das dívidas contraídas);
Organização (estrutura administrativa central e local a que se adicio-
nam estruturas institucionais, serviços especializados e empresas públi-
cas, articulados entre si por uma comunidade de interesses e de modos

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funcionais, facilitando a circulação das comunicações emitidas pelas
entidades políticas dotadas de poder legítimo ).

Cada um destes recursos não tem elementos de comparação ao nível pri-


vado, nem mesmo no campo da organização (onde as comparações de quali-
dades relativas perdem sentido perante os diferenciais quantitativos que estão
em causa). Mas é o conjunto destas qualidades especí cas dos recursos à dis-
posição das políticas páblicas que explica porque é que, perante os problemas
sociais mais signi cativos, a ausência de uma política pública implica o blo-
queamento da sociedade nesse ponto: a não-decisão do Estado é uma decisão
(Dye, 1975) na medida em que não há decisão de substituição nestas cir-
cunstâncias.
Nestes termos, será útil observar quais são os componentes de base pre-
sentes nos processos de decisão nas políticas públicas (March, Olsen, 1976):

problemas a resolver (decorrentes da agenda política, ela própria esta-


belecida numa relação complexa entre detentores do poder, grupos de
interesses e circunstâncias históricas, naturais, sociais ou simplesmente
eleitorais);
soluções a realizar (questão que se poderá considerar como essencial-
mente técnica, de análise custos-benefícios, mas a que a componente
eminentemente política das políticas públicas vem trazer uma proble-
mática con itual, sociológica e de consistência cultural qưe torna insu-
ciente a perspectiva técnica (Tuchman, 1984);
- actoresintervenientes(queinterferemnafomação daagendapolítica,
na elaboração das soluções, mas também na sua realização, o que signi-
ca que a sua colaboraçāo e a sua resistência não se referem apenas
a uma atitude para com uma política pública em concreto mas tếm
a motivação mais geral de continuar a interferir na agenda política,
seja para a consolidar ou para provocar a sua revisão (Crozier, Fried-
berg, 1977);
tempo favorável para a tomada de decisão (é, em primeira linha, uma
variável política: aqui se inscrevem, por exemplo, os ciclos económicos
associados aos ciclos eleitorais; mas é também uma variável interferida
pela intensidade dos movimentos sociais e dos seus graus de organi-
zação ou de saliência na sociedade, na medida em que isso condiciona
o tipo de resposta das entidades políticas (Thurow, 1980).

Neste quadro de condições, de recursos e de objectivos, a nalidade do


analista de políticas públicas deve consistir em «identi car problemas que os
decisores sejam capazes de tratar com as variáveis que controlame num hori-
zonte de tempo que Ihes seja acessível» (Wildavsky, 1979). Parecendo uma

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recomendação đbvia e prudente, esta indicaçāão revela a nal a contradição que
está inerente às políticas públicas em sociedades complexas e com decisores
políticos que não estão preparados para enfrentar essa complexidade com os
meios ao seu alcance (apesar da sua singularidade) e com os seus hábitos e
tradições. As políticas públicas são mais complexas do que as variáveis que
os decisores políticos são cațpazes de controlar, enquanto que os seus tempos
de realização e de efeitos são mais alargados do que o tempo normal dos
decisores políticos (Allison, 1971; Aguiar, 1984, 1985a, 1985b, 1986).
Mas sendo as coisas o que são, há algumas regras mínimas a respeitar
por parte do analista de políticas públicas (Rowen, 1974):

1–utilizar os métodos mais adequados às características do problema,


aos dados disponíveis e ao modo de reconhecimento e de avaliação
dosproblemas por parte dosdecisorespolíticos - e sempre com a
preocupação de tratar os dados com cepticismo;
2-explorar, reformular e inventar os objectivos de política pública
tendo em conta que há uma multiplicidade de interrelações a con-
siderar, há efeitos cruzados a controlar, há prioridades con ituais e
há que assegurar a realização de sucessivos objectivos intermédios
para evitar os efeitos perversos ou não-intencionais (Churchman,
1979; Boudon, 1977; Ackoff, Emery, 1972);
3-utilizar os critérios de escolha de modo prudente e adequado, refe-
renciando os aspectos quantitativos e qualitativos;
4– concentrar a atenção na concepção e invenção de alternativas, evi-
tando trabalhar com um leque de alternativas muito estreito e con-
siderando a multiplicidade de interesses que serão interferidos pela
política pública em análise (Allison, 1971);
5 tratar a incerteza de modo explícito (Simon, 1977); c
6- mostrarque oanalista
compreendeosfactorestécnicoscentraisdo
i problema,não sópara evitar umareacçãodedesinteressedodecisor
político mas também para poder prever as reacções de oposição que
da a política pública poderá gerar
7-utilizar modelos simples que esclareçam os aspectos importantes do
amit problema e que salientem as suas implicações políticas.

Em última análise, o estudo das políticas públicas está mais próximo da


política do que datéonica e acomponentetécnicatem mais por nalidade
a clari cação das implicações políticas do que a constituição de uma justi -
caçãotécnicaobjectivamentevalidada (Wildavsky, 1979). be
29 É nestequadroque sejusti ca referir umapropostamuitosimplessobre
o que são os critérios gerais aplicáveis à decisão sobre políticas públicas, e que
tem a virtude de estabelecer uma ligação estreita com os critérios típicos da

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acção política em geral (Hall, Land, Parker, Webb, 1975). Nesta proposta,
o que importa analisar a propósito de uma política pública são as três condi-
ções seguintes:

legitimidade;
capacidade de realização;
apoio.

Numa análise super cial, dir-seá que a legitimidade do poder e o apoio


social são os vectores essenciais que de nenm o grau de possibilidade das polí-
ticas públicas. A capacidade de realização, que é uma dimensão de tipo técnico
e organizativo, não será obstáculo considerável quando há uma vontade polí-
tica legitimada e quando há apoio social. Porém, esta leitura super cial é enga-
nadora, pois só conduz a resultados estáveis muma óptica estática ou de muito
curto prazo. De facto, o problema vital na política é o da articulação conti-
nuada de uma legitimidade conquistada com um apoio permanente. Para que
esta articulação seja possível é necessário um insistente trabalho de esclareci-
mento e de informação, procurando transmitir à opinião pública as motivações
das decisões e as razões dos seus resultados -numa tentativa para manter
níveis de apoio su cientes. Mas é também necessário avaliar, nesta perspectiva
dinâmica, a capacidade de realização em função das prioridades, isto é, em
função das combinações de recursos de modo a atingir uma harmonia de resul-
tados que, estando relacionados com os problemas que se vão colocando na
evolução da sociedade, permitam manter níveis elevados de apoio. Está-se
perante um problema que é essencialmente dinâmico, que existe no tempo e
na articulação e caz das decisões. É neste sentido que se pode justamente
falar de um problema de coordenação: a anáise das políticas públicas não se
faz por segmentos ou fragmentos mais sim pelo seu sistema, pela sua harmo-
nia, sen o que não haveráarticulaçãodurável entrelegitimidade,e apoio -
tendo então pouco interesse o grau de capacidade de realização que se possa
oferecer.
1sbot 202

2. A politica pública como sistema de objectivos e comoostet


L sistema institucional

Se é certo que cada política pública procura responder a um problema


social reconhecido através da de nição de um sistema de objectivos (eles pró.
prios inseridos no sistema de objectivos mais geral que é a política governa-
mental), não é menos certo que o sistema institucional que há de realizar essas
políticas públicas exerce uma função especí ca na concretização efectiva da
decisão política (Weber, 1922; Allison, 1971; Allison, Halperin, 1972; Cro-

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zier, 1964). De facto, as políticas públicas são realizadas através de um sub-
-sistema institucional singular, interno às estruturas do Estado, que se desen-
volve ao abrigo da expansão das funções do Estado, mas que se foi tornando
gradualmente auto-sustentado, dotado de autonomia prática própria. Em parte,
esse sistema institucional singular é legitimado pela sua interioridade ao Estado
e pela sua subordinação formal aos dirigentes políticos legitimados. Noutra
parte, os serviços associados a cada uma das diversas políticas públicas ganha
uma autonomia própria relacionada com o seu «eleitorado» próprio, com o
conjunto especí co de interesses que satisfaz ou que dependem desses serviços
(Bisenstadt, Lemarchand, 1981). A formaçāo da agenda política, entendida
agora não só ao nível da decisão governamental expressa no orçamento nacional
mas contemplando também a formação dos sub-orçamentos sectoriais e regio-
nais, é muito mais complexa do que cou descrito na primeira aproximação
a esta questão.
É esta maior complexidade real (Kaufman, 1976) que obriga a trazer
para o primeiro plano o papel da função de coordenação do sistema de órgãos
e de instituições que têm a responsabilidade de realizar as políticas públicas,
não esquecendo, neste tipo de análise, que as próprias políticas públicas, logo
ao nível da sua concepção e da sua formulação, também têm de ser coorde-
nadas. Não é por acidente que aqui se encontra um dos sinais mais evidentes
do desfasamento entre o alargamento das responsabilidades do Estado e as
suas possibilidades organizativas de controlo, de coordenação, das suas acti-
vidades.
A convenção tradicional e formalista de que essa coordenação é realizada
a nível do Conselho de Ministros ou a nível do Chefe do Executivo já não
corresponde às realidades contemporâneas (e mesmo em relação ao passado
só poderia ser aceite como uma descrição real mediante múltiplas quali cações
desse tipo de interpretação). A proposta inovadora de essa coordenação ser
assegurada por estruturas mistas de entidades o ciais e de utilizadorės dos
serviços pode ser e caz em certos casos, mas tem o inconveniente de tender
a criar grupos rígidos de interesses e de clientelas, agravando a tendência para
a formaçāo de grupos fechados, constituindo núcleos auto-sustentados forma-
dos por «segmentos de Estado e de sociedade» que se tornam autónomos desde
que mantenham o mesmo grau de acesso às verbas orçamentais - sendo óbvio
que resistirão a todos os esforços de alteração desfavorável dessa distribuição
de fundos, criando a rotinização e impedindo revisões efectivas do programa
de políticas públicas. As associações de entidades o ciais e de utilizadores, que
é possível em certas circunstâncias (como no caso de serviços comunitários ou
no caso de políticas orientadas para minorias sociais bem de nidas), não res-
ponde ao problema geral da coordenação de políticas públicas, antes o revela
com mais nitidez.

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Por outro lado, deve ter-se em conta, neste contexto, que as regras e pro-
cedimentos da democracia pluralista admitem a possibilidade de uma grande
mobilidade dos agentes políticos legitimados a quem ca entregue a respon-
sabilidade formal da coordenação das políticas públicas. Isto é, a função de
coordenação tende a tornar-se mais temporária e indeterminada no tempo do
que a função sectorial de execução das políticas públicas (função sectorial
gerida por entidades burocráticas com maior grau de continuidade e de segu-
rança do que as entidades políticas dotadas de legitimidade eleitoral) A fun-
ção de coordenação é, nestas circunstâncias, fraca e vulnerável a uma atitude
de resistência (a «política silenciosa») das estruturas burocráticas permanentes,
isoladamente ou em aliança com os interesses sociais directamente bene ciados.
Este é um tipo de di culdade que tem encontrado uma resposta «empírica»
nas democracias modernas, onde a mobilidade dos responsáveis políticos é de
certo modo compensada pela sua rotação: a permanência dos dirigentes parti-
dários permite a sua circularidade entre as posições do poder e da oposição,
o que lhes facilita o ajustamento às funções de coordenação quando para elas
são escolhidos. Porém, este artifício empírico não é uma resposta satisfatória
para a importância do problema, até porque da sua resolução e caz depende
a existência de respostas satisfatórias para todas as políticas públicas e para
a capacidade de realização que está ao alcance dos órgāos do Estado e das
instituições políticas. A importância da questão é demasiado grande para estar
ao sabor de respostas empíricas. E não se deve esquecer que este tipo de res-
posta empírica só conduz a resultados satisfatórios em sociedades dotadas de
uma ampla base de consenso, onde os dirigentes partidários obedecem a regras
de relaçāo e de propaganda que são estabilizadoras. Pelo contrário, este tipo
de resposta empírica é inviável em sistemas políticos e sociais que sejam vul-
neráveis a propostas populistas que, para lá do seu possível êxito eleitoral,
perturbam o processo de coordenação das políticas públicas (Aguiar, 1988).
Este é um problema global que se agrava nas sociedades fragmentadas,
onde nem se estabelecem maiorias alternantes nítidas («modelo de Westmins-
ter») nem se criam clivagens que segmentem a sociedade em sub-culturas
consistentes e coexistentes que permitam a prática regular da negociação no
modelo da democracia «consociativa> ou consensual (Lijphart, 1977). Nas
sociedades fragmentadas, onde nenhum destes dois dispositivos de estabiliza-
ção tem e cácia assegurada, a tendência para a instabilidade e para a proposta
de agendas políticas contrastadas (não-consensuais) torna mais imnprovável
uma resolução adequada da função de coordenação das políticas públicas. Há,
nestes casos, uma forte possibilidade de aumento descontrolado dos serviços
e funcionários píblicos, com uma elevada taxa de «mortalidade» das políticas
públicas e dos seus programas concretos que, não obstante, continuam a ser
retomadas como se não tivessem fracassado, condicionando as disponibilidades
orçamentais e as oportunidades para lançar novas iniciativas.

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Em suma, as políticas públicas não se podem estudar apenas em termos
dos problemas, das agendas políticas, dos objectivos e das medidas concretas.
É preciso considerar também o seu sistema institucionale, em directa asso-
ciação com ele, a função de coordenação entre as várias políticas públicas, que
se torna uma função tanto mais complexa quanto mais extenso é o campo de
intervençāo das políticas públicas. Este é um problema geral que se encontra
em todas as sociedades modernas (0'Connor, 1973; Offe, 1982; Habermas,
1981; Rose, 1980). Mas é um problema mais premente nas sociedades frag-
mentadas, politicamente instáveis, con ituais e, por isso mesmo, desprovidas
de um quadro de valores estáveis que sirva de referencial de avaliação dos
objectivos previstos e dos resultados obtidos pelas políticas públicas, dos seus
efeitos perversos ou paradoxais e da interferência que têm no funcionamento
global da sociedade.
iA procurade umainstânciadecoordenaçãoquesejae caz (o que inclui
a exigência de ter continuidade) aparece, assim, como uma necessidade para
uma análise das políticas públicas que não se limite a ser um exercício descri-
tivo. É, em especial, uma necessidade analítica quando se reconhece a impor-
tância dos factores dinâmicos e da articulação, da harmonia, de múltiplas polí-
ticas públicas que se realizam simultaneamente. O que poderia ser válido em
termos estáticos ou para políticas públicas isoadas é substancialmente modi-
cado quando se tem em conta o carácter sistémico das políticas pűblicas e
a sua existência num tempo político onde não é evidente a correspondência
continuada entre legitimidade e apoio.

3. A potilica pública comno sistema de necessidades e como


sistema de oportunidades

Na descrição do processo de formação da agenda política o conceito de


necessidade teve um papel decisivo. Uma política pública responde a um pro-
blema reconhecido, o que signi ca que se torna equivalente à explicitação de
uma necessidade à qual se tem de responder. Numa sociedade de organização
pluralista, «poliárquica» (Dahl, 1971), este sistema de necessidades é expresso
pela interacção dos diversos grupos sociais organizados, funcionando a instân-
cia política de representação (que tem a legitimidade para a decisão política)
como o ltro de reconhecimento dessas necessidades, como a estrutura de
organização das respostas e como o espaço de acumulação e de afectação de
recúrsos indispensáveis para a produção das correspondentes respostas. Mas
mesmo nestas sociedades (e, por maioria de razão, nas sociedades fragmentadas
e de fraca organização dos grupos sociais) há necessidades permanentes ou de
longa duração que não são expressas por nenhum grupo de interesses organi-
zado e que são vitais para a existência e desenvolvimento da sociedade. Nas

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concepções tradicionais, estas eram as «questões de Estado», cuja importância
se impunha para além das considerações referidas aos interesses de grupos
especí cos. Nas condições actuais, em que o Estado tem um campo de acção
alargado, este tipo de necessidades «indvisíveis» aparece sob a forma de nor-
mas de consistência da acção do Estado, como condições que têm de ser res-
peitadas para que o sistema de políticas públicas possa ser realizado. Ou seja,
há políticas públicas que respondem a necessidades globais, no sentido de não
serem formuladas por nenhum sector social especí co mas que são essenciais
para que outras políticas públicas, de objectivos mais imediatos e dirigidos,
sejam possíveis.
Exactamente porque não se dirigem a objectivos imediatos nem têm por
destinatários grupos sociais especí cos, estas necessidades «indiferenciadas» 'e
as correspondentes políticas públicas de apoio ou complementares tendem a
ser menos con ituais. De certo modo, estão retiradas do debate político e da
concorrência eleitoral. Também por isso, é natural que não sejam objecto de
atenção permanente dos responsáveis políticos, mais motivados pelas questões
colocadas pelas agendas imediatas. No entanto, a sua menor con itualidade,
a sua maior globalidade, a sua continuidade essencial e a sua relativa indife-
renciação quando comparadas com outras políticas públicas sugerem a possi-
bilidade de estruturarem a função de coordenação que constituí uma lacuna
frequente no sistema institucional das políticas públicas.
Há aqui lugar para expressar uma dúvida: será razoável pretender loca-
lizar a função de coordenação nas políticas públicas globais quando este tipo
de políticas públicas não merece, habitualmente, a atenção permanente dos
responsáveis políticos e tende mesmo a ser desvalorizado nos confrontos elei-
torais? Ao pretender resolver a di culdade constituída pela con itualidade de
políticas através do recurso a estas políticas globais poderá estar-se a cair num
risco de banalização: as políticas públicas globais seriam demasiado genéricas
e demasiado «fracas» em termos de mobilização política e social para terem
um poder coordenador efectivo.
A exploração deste tema poderá ser feita através de duas observações
conexas. Por um lado, sendo a função de coordenação das políticas públicas
aquela que se mostra mais de ciente e mais problemática nas sociedades mo-
dernas, será natural que os hábitos existentes não sejam o melhor indicador
para formular uma solução adequada a essa de ciência; são hábitos formados
em períodos com características muito diferentes das actuais e são, de facto,
hábitos desajustados aos problemas das políticas públicas no presente e no
futuro. Por outro lado, é a relatíva insensibilidade deste tipo de políticas
públicas globais às vicissitudes dos processos eleitorais que as torna candidatas
à função de referenciação das políticas públicas concretas, tomada hecessária
para que se realize a função de coordenação. A menor importância eleitora-
lista destas políticas reduz o seu poder de in uência na opinião pública e nas

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mobilizações políticas em termos imediatos; mas a função de coordenação é
justamente orientada para o médio e longo prazo, para a construção de conti-
nuidades que possam ser, tanto quanto possível, independentes dos agentes
políticos concretos e das conjunturas circunstanciais.
Esta é uma condição particularmente importante nas sociedades moder-
nas, sujeitas a um processo complexo e demorado de transição nos seus refe-
renciais orientadores (que se re ecte no próprio debate sobre a amplitude das
funções do Estado e, portanto, da amplitude das políticas públicas), obrigadas
a articular e conciliar interesses e objectivos contraditórios através da organi-
zação harmónica das políticas públicas e subordinadas a tempos políticos cada
vez mais curtos em consequência dos múltiplos procedimentos e oportunidades
eleitorais (Offe, 1982; Habermas, 1976; Lowi, 1985; Gaxie, 1985; Dobry,
1986). O recurso a políticas de valor pernmanente aparece, assim, como uma
possibilidade de compensação das execessivas utuações das políticas conjun-
turalistas.
Esta hipótese de localizar nestas políticas públicas «indivisíveis», indife-
renciadas ou globais, a função de coordenação das políticas públicas é reforçada
se for reconhecida a importância do factor tempo, das relações dinâmicas, na
formulação e gestão das políticas públicas. As necessidades individuais e sociais,
qualquer que seja o seu tipo mas designadamente aquelas que se reportam a
funções actuais ou potenciais do Estado, podem ser ilimitadas, mas não são
ilimitados nem os recursos nem as possibilidades concretas de satisfação dessas
necessidadesnem mesmo são ilimitadas as capacidades organizativas postas
à disposição da concepção, formulação, produção e execução das políticas públi-
cas. E sabe-se, por outro lado, que a continuada frustração das expectativas
sociais é um factor de instabilidade polfítica crítica (Gurr, 1970; Skocpol,
1979), pondo em causa, pela turbulência que lhe está associada, todo o sis-
tema de políticas públicas.
Torna-se, assim, claro que a noção de necessidade continuada no tempo,
de oportunidade de longo prazo, é pelo menos tão importante para as políticas
pűblicas como a análise das necessidades actuais e a formulação das respostas
adequadas para os problemas que se colocam no presente. A necessidade de
coordenação das políticas públicas não resulta apenas da execução das políticas
públicas no presente; é também visível, porventura ainda com maior relevo,
na consideração das oportunidades que o futuro coloca.
Estabelecida a importância desta noção de oportunidade de longo prazo,
de uma necessidade potencial identi cada em termos de futuro, é conveniente
salientar que ela tem duas leituras muito diferentes conforme se observa na
perspectiva do utilizador ou bene ciário dessa política pública, ou, pelo con-
trário, se escolhe a perspectiva do produtor e gestor das políticas públicas.
No primeiro caso, essa oportunidade que estará em vias de ser reconhe-
cida no sistema das políticas públicas tende a aparecer como o anúncio de

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um incremento de vantagens, seja como um aumento quantitativo em relação
a0 que já existia, seja como um ganho absoluto quand é reconhecida como
necessidade pública aquilo que até aí era apenas uma necessidade individuali-
zada e satisfeita por recursos pessoais. A parte mais substancial do desenvol-
vimento do welfare state processou-se deste modo: incrementos sucessivos nas
políticas públicas e integração de novos tipos de necessidades nas agendas
políticas. Mas os seus resultados práticos mostram que é um processo gerador
de múltiplas tensões e que, em última análise, encontra limites intransponíveis.
Haverá sempre outros interesses sociais que não receberam benefícios de idên-
tica intensidade ou que não viram reconhecida na agenda política a oportuni-
dade que directamente os interessava. E, por outro lado, a gradual integração
na agenda política de novos tipos de necessidade implica o alargamento das
funções do Estado, o que por sua vez implicará o aumento da funçāo extrac-
tiva do Estado através de impostos ou de outros tios de colecta de rendi-
mentos.
No segundo caso, para o produtor e gestor de políticas públicas, estas
oportunidades de longo prazo são uma condição de coordenação mais e caz
de uma parte ou de todas as políticas públicas se for possível integrar esse
tipo de oportunidades no controlo das políticas públicas correntes. Este efeito
será obtido com mais facilidade quando se trata de uma melhoria qualitativa
que, sem gerar resistências e protestos signi cativos, possibilite um maior
controlo sobre os recursos aplicados ou sobre os resultados obtidos como
acontece com a melhoria de e ciência de serviços e com novos modos de
racionalização na concepção e produção das políticas públicas. Enquanto para
o utilizador ou bene ciáio a oportunidade signi ca a previsão de maior quan-
tidade disponível de um bem ou de um serviço, para o produtor ou gestor de
políticas públicas essa oportunidade é importante se se puder traduzir em
critérios de avaliação, em programas que possiblitem economias de escala e
em antecipações preventivas em relação a necessidades que presumivelmente
viriam a ser expressas por algum grupo social em modalidades excessivas de
comportamento e mais difíceis de controlar se não houver esta resposta pre-
ventiva em tempo úil.
Para o produtor e gestor de políticas públicas, estas oportunidades de
longo prazo são o complemento racionalizador das. necessidades globais, indi-
ferenciadas ou «indivisíveis» que se exprimem no presente. Estas são as duas
dimensões em que o decisor político tem maior margem de manobra na medida
em que ainda não se formaram grupos de interesses especi cos com expectati-
vas rmes quanto ao que devem ser essas políticas públicas. E a capacidade
para utilizar essa margem de manobra dependerá da capacidade do agente polí-
tico para controlar as necessidades que são expressas e impostas no presente
assim como as que vierem a ser expressas e impostas no futuro. Há aqui uma

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função de racionalização que corresponde a uma programação política dinâmica
baseada, por um lado, nas necessidades globais, indiferenciadas e «indivisíveis»
do presente e, por outro lado, na perspectiva do que serão as necessidades
globais, indiferenciadas e «indivisíveis» do futuro. Esta é a base de coordena-
ção das políticas públicas para o decisor político na medida em que Ihe per-
mite referenciar as solicitações especí cas dos interesses concretos e imediatos
nestes quadros que são globais e se prolongam numa visão do futuro (Easton,
1953). Este efeito de referenciação equivale a uma deslocação da atenção dos
grupos de interesses imediatos para objectivos coordenados no presente e no
futuro e que se apresentem como factores de segurança e de continuidade.
Ë certo que a agenda política eo grau de satisfação de cada necessidade
também podem ser controlados pelo exercício da autoridade que está ao alcance
do decisor político legitimado. A autoridade política aparece como uma função
de coordenação natural das políticas públicas e, aparentemente, dispensa a
complexidade dos referenciais de racionalização, de convencimento de grupos
sociais e de deslocação da atenção das solicitações imediatas que se delinca-
ram atrás.
a Todavia, o recurso autoritário é complexo na sua utilização e, em última
análise, nito na sua utilidade efectiva (Weber, 1922; Broszt, 1969). Sabe-se
que a aproximação de um período eleitoral tende a revelar uma diminuição do
uso do critério de autoridade como coordenador das políticas públicas, impon-
do-se então um critério de índole diferente centrado na atracção de segmentos
do eleitorado através do alargamento da amplitude das políticas públicas. Por
sua vez, a acumulação de obstáculos repressivos tende a aumentar a intensidade
da expressão da necessidade reprimida, deslocando as expectativas sociais para
o que é reprimido (que assim se transforma num objectivo político interpre-
tado como vital e que, numa inversão paradoxal, pode mesmo vir a recolher
a sua legitimidade futura do facto de ter sido objecto de repressão autoritátia
no passado ou no presente, interferindo assim na formação das agendas polí-
ticas futuras). A utilização da autoridade como modo de selecção ou de gra-
duação das políticas públicas não é e caz (oscila ao longo do ciclo eleitoral)
nem pode ser sistemática e permanente (gera tensões de instabilidade, com
efeitos perversos e inesperados) para além de não poder satisfazer os objecti-
vos de uma função de coordenação dinâmica (na medida em que está a con-
dicionar, ainda que de um modo não-intencional, as agendas políticas futuras
ao associar um valor socialexcessivoao que tiver sido reprimido).i l
b A necessidade de encontrar uma alternativa à autoridade na concepção e
produção das políticas públicas obriga a sublinhar uma vez mais a importância
da função de coordenação. O aproveitamento das necessidades indiferenciadas,
«indivisíveis» (que são nacionais, que não são especí cas de nenhum grupo
social, mas de que dependerá, em última análise, a satisfação dos interesses
particulares e a estabilidade geral do sistema) e das oportunidades que o futuro

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oferece (e que também ainda são indiferenciadas e cindivisíveis» nessas suas
primeiras formulações) está directamente ligado ao, e condicionado pelo, esta-
belecimento de valores permanentes que sirvam como critérios de decisão a
longo prazo. É aqui que se situa a possibilidade de se criar uma rede de ava-
liação ou de referenciação das políticas públicas que seja superior ao nível da
con itualidade natural que se estabelece entre os diversos grupos sociais em
função dos seus objectivos imediatos. Esta instância de avaliação ou de refe-
renciaçãoé necessária para que o sistema de políticas públicas não seja uma
mera duplicação ou re exo das dinâmicas espontâneas do sistema social.
Contudo, esta instância de avaliação ou de referenciação não tem de ser
entendida - nem o deverá ser como uma instância superior de decisão
sobre políticas públicas. Se o fosse, estar-sc-ia a transferir para esta instância
o essencial da con itualidade política e social, na medida em que aí se estaria
alocalizar o centro do poder o que desde logo impediria que aí também
se localizasse a oportunidade de coordenação das políticas públicas. Uma coisa
é decisão e outra é coordenação. A decisão sobre políticas públicas pressupõe
uma legitimação e esta é atribuída através da avaliação política periódica esta-
belecida pelo eleitorado. A relação política estabelece-se entre o eleitorado e
os agentes políticos, tendo estes todo o direito de assumir os riscos que enten-
derem desde que se continuem a submeter, nos prazos previstos, à avaliação
eleitoral: é esta a instância de avaliação política por excelência, e o seu refe-
rencial está estabelecido nas leis fundamentais que regem o sistema político.
A instância de coordenação das políticas públicas, onde se pode estabelecer a
avaliação e a referenciação das políticas públicas é, muito diferentemente, um
especí co agrupamento institucional-administrativo que responde a uma carên-
cia veri cada no Estado modemo e que é provocada pela necessidade de for-
mular e gerir um conjunto alargado e complexo de políticas públicas (Wilson,
1970; Mackintosh, 1977; Rose, 1978; Sked, Cook, 1983; Hall, Land, Parker,
Webb, 1975).
A localização, a constituição eo âmbito deste agrupamento institucional-
-administrativo podem variar com as características de cada sociedade e com
as circunstâncias nacionais do sistema político ou dos sistemas institucional e
administrativo, sendo claro que aquele agrupamento não se confunde com os
órgāos políticos legítimos dotados de poder de decisão política (Presidente,
Governo, Parlamento) nem os pode substituir. Mas o que também parece
claro, pela experiência acumulada nos diversos sistemas políticos, é que a
variedade e a alternância dos poderes políticos legítimos seriam factores de
instabilidade não controlada se não existir alguma instância institucional-admi-
nistrativa com capacidade para realizar a coordenação das políticas públicas
inclusive para integrar os factores de inovação que derivam da variedade e da
alternância dos poderes políticos legítimos.

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Perante o exame concreto das políticas públicas, da sua área de interven-
ção e da sua complexidade, não parece estar em causa a necessidade e a opor-
tunidade de se estabelecerem políticas públicas globais que tếm por objectivo
a coordenação de diversas políticas públicas especí cas, identi cando o que
se poderia designar por meta-politica páblica (Blondel, 1986; Budge, 1986).
E nem sequer é de excluir que essa função de coordenação das políticas públi-
cas seja realizada por mais do que um agrupamento institucional-administrativo,
por mais do que uma meta-política pública. Uma sociedade concreta, com o
seu circunstancialismo histórico, pode apresentar mais do que um meta-objec-
tivo integrador, o que seguramente aconselhará, onde isso se veri car sem
margem para dúvidas, que se estabeleça mais do que uma função de coorde
nação de políticas públicas. O que em qualquer caso parece aconselhável é qưe
OS critérios de avaliação e de referenciação na função de coordenação sejam
pouco con ituais em termos das relações políticas estabelecidas nesse eleito-
rado, estejam centradas em necesidades globais, indiferenciadas e «indivisí-
veis» e estejam orientadas por uma noção consistente de oportunidades de
longo prazo que assegure uma linha de orientação viável em termos de futuro.
O nível de análise em que se situa o estudo das políticas públicas não
tem de- nem pode- ser confundido com o nível constitucional da distri-
buição e dos equilíbrios dos poderes políticos. Para uma mesma organização
abstracta de poderes (nível constitucional) há múltiplas estruturas organizati
vas compatíveis (níveis institucional e adminístrativo ). Mas na medida em
que o segundo tipo de níveis corresponde também a uma distribuição concreta
de poderes (designadamente, o poder de traduzir a afectação dos ecursos
públicos entre políticas alternativas assumidas pelos agentes políticos legítimos
e o poder de distribuir os recursos afectados em direcção a segmentos espe-
cí cos da população) é inevitável que, no debate concreto, os dois tipos de
níveis de poderes se confundam e se possa mesmo discutir qual dos poderes
é mais importante - daqui se partindo para o debate dacomparaçãoentre o
poder legitimado e o poder das burocracias (Roth, 1987; Raynaud, 1987).
Apesar das evidências recolhidas nos debates concretos, insiste-se na indi-
cação de que estes dois tipos de níveis de poderes não devem ser confundidos
nem têm de ser confundidos -e que o facto de os confundir representadesde
logo uma incompreensão do que é a responsabilidade do poder político legiti-
mado e do que é o alcance efectivo do poder das burocracias. Na verdade,
a responsabilidade nacional assumida pelo poder político legitimado exige que
possa controlar o poder burocrático, exige que não que dependente das estru-
turas institucionais e administrativas permanentes para a realização prática das
suas decisöes polfíticas. Para isso, é necessário que os agentes do poder político
disponham de critérios de coordenação através dos quais a condução da poli-
tica geral se possa traduzir na concepção, formulação, produção e execução das
políticas públicas em efectivo controlo desses agentes legitimados do poder

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político. Só depois disso tem sentido político passar para a constituição dos
agrupamentos institucionais-administrativos que realizarão essa função de coor-
denaçãode modo regular e sistemático -e sempre sob comando daqueles que
forem os agentes políticos legitimados. Mas será óbvio que, na ausência desses
critérios e dessas estruturas intermédias de coordenação, os dententores do
poder político legitimado não terão condições de actuação nem competência
funcional para controlar as políticas públicas transferindo então esse papel
para as estruturas burocráticas que são permanentes e que têm as adequadas
competências funcionais, mas que realizarão esa função de modo a satisfazer
os seus interesses próprios e especí cos, sem relação necessária com as con-
dições de legitimação do poder.
Em geral, a função de coordenação das políticas públicas existe sempre,
com maior ou menor qualidade, com maior ou menor dependência das regras
da legitimação do poder. O que interessa analisar é, portanto, a sua qualidade
funcional ( tendo em conta que esta será tanto maior quanto melhor integrada
estiver com as linhas de orientação política geral) e a sua legitimidade interna
(isto é, a sua articulação com o poder político legitimado, respondendo assim
ao que forem as escolhas do eleitorado na sua função geral de legitimação do
poder político). A questão da função de coordenação não se coloca apenas em
termos da coerência ou da consistência do sistema de políticas públicas, no
presente e no futuro. O que está aqui em causa é o próprio fundamento prá-
tico da democracia pluralista e da suá regra de legitimação do poder. Para o
poder político legítimo, estruturar e explicitar a função de coordenação das
políticas públicas, estabelecendo os adequados agrupamentos institucionais-
-administrativos, é uma condição necessária para evitar a implantação, por
inércia e por rotina, do poder burocrático que se desenvolve ao abrigo das
políticas públicas, das funções do Estado de resposta às necessidades e às
oportunidades.

4. As politicas públicas, a interdepartamentalidade e o papel


moderno do Estado

A noção de agrupamento institucional conduz directamente à noção de


interdepartamentalidade e de polfticas públicas interdepartamentais. O alarga-
mento do âmbito das políticas públicas implicou o aumento da sua complexi-
dade e o rompimento das tradicionais fronteiras dos departamentos ministeriais
e da administração pública. É cada vez menos provável encontrar uma polfítica
pública que se possa manter circunscrita a um único departamento. Mas tam-
bém é verdade que a par desta maior complexidade global se observa uma
maior complexidade especi ca de cada política pública, resultante de uma cres-

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cente diferenciação das funções sociais que é acompanhada por um processo
convergente (ainda que de origem diferente) de diferenciação dos bene ciários
ou destinatários de cada política pública. As respostas de tipo interdeparta-
mental a estas evoluções parece ser não só natural como conveniente.
No entanto, em lugar de resolver a questão de fundo, este passo natural
apenas vem fechar o círculo da di culdade em que esta questão ca inserida.
Propor ou estabelecer a interdepartamentalidade como resposta ao problema
da complexidade das políticas públicas e da necessidade da sua coordenação
é uma construção do espírito mas não é uma sugestão pragmática. A relação
entre departamentos é con itual e sêlo-á tanto mais quanto maior for o âm-
bito das políticas púiblicas, quanto mais elevados forem os volumes nanceiros
que movimentam e quanto mais amplos forem os estratos sociais envolvidos.
As estruturas interdepartamentais implicam, para serem implementadas, uma
atitude prévia de reforma administrativa que não se a rma com facilidade
quando os seus autores são partes interessadas na salvaguarda dos seus privi-
légios institucionais e administrativos adquiridos. E, em geral, esses privilégios
serão sempre ameaçados pelo carácter provisório, não-permanente, dessas estru-
turas interdepartamentais, que não oferecem condições estáveis de carreiras
tal como estas estão tradicionalmente estabelecidas nas estruturas burocráicas
convencionais. A interdepartamentalidade aparece, em geral, como um risco
excessivo, designadamente quando associado a uma política pública que poderá
não ser permanente, eventualmente anulada ou esquecida numa outra conjun-
tura política com a consequente perda de relevância dos funcionários envol-
vidos. E a interdepartanmentalidade também aparece como uma perda relativa
de poder, na medida em que um departarnento tem de dividir com outros o
direito de gerir meios nanceiros, de recrutar e organizar serviços, de se
relacionar directamente com grupos de interesses. A interdepartamentalidade
pode ser uma construção teórica justi cada em função da análise evolutiva do
objecto das políticas públicas, mas não é uma solução aplicável genericamente
no sistema institucional e administrativo existente.
O argumento (e a realidade) é assim reconduzido à ques tão do papel do
Estado moderno (Weber, 1922). O alargamento do seu campo de acção terá
criado uma «força gravitacional» de tal magnitude que o Estado existe para
se justi car a si próprio, apropriando novas funções e estruturando novas rela-
ções de dependência social para assegurar a sua continuidade? A possibilidade
de «implosão» do Estado, caindo com o seu próprio peso (Thoenig, 1985;
Huntington, Crozier, Watanuki, 1975; Rose, 1978) ou a possibilidade da
sua fragmnentação com a constituição de núcleos fortes, quase-estatais, de tipo
neo-corporativo (Schmitter, 1986) são admissíveis em termos das tendências
conhecidas. Em qualquer caso, são tendências su cientemente fortes para que
se considere insu ciente a resposta dada com base na interdepartamentalidade
que, ainda que seja possível em alguns casos, não parece seu uma solução geral.

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Apesar de tudo, estas di culdades (pessimistas mas pragmáticas) vêm
sublinhar ainda mais a necessidade de o Estado moderno assegurar uma função
de coordenação das suas próprias actividades. Se isso é óbvio em termos da
dimensão dessas actividades, torna-se urgente quando se tem de admitir a
possibilidade de a dinâmica do Estado se tornar auto-centrada e auto-justi -
cada enguanto permanece a con itualidade social pelo acesso aos bens e ser-
viços distribuídos pelo Estado, mantendo-se também a con itualidade política
alimentada pelas propostas de agendas políticas alternativas (que continuam o
alargamento das actividades do Estado mas que talvez não sejam controláveis
por aqueles que recebem a legitimidade eleitoral). Ao carácter óbvio e urgente
desta questão deve ainda juntar-se o seu carácter vital para o desenvolvimento
da sociedade: pelo tipo de recursos que apropria e plo grau de coercibilidade
que está associado às suas decisões, o Estado não está em concorrência com
as organizações sociais privadas pois estas não têm condições para o substituir
na concepção, formulação e exxecução das políticas públicas.
A hipótese de constituição de entidades interdepartamentais ad boc é
uma resposta de circunstância a este tipo de di culdades. Poderá mesmo refe-
rir-se que é a solução mais corrente na fase que se segue à conquista do poder.
Contudo, é também este seu carácter improvisado, associado a uma corrente
polftica especí ca, que retira e cácia a este tipo de solição, facilmente rejei-
tada pelas estruturas burocráticas permanentes. Em prazos relativamente cur-
tos, esta <«solução» ca submersa pela complexidade dos problemas, ca condi-
cionada pelos interesses eleitorais da corrente política a que está associada ou
assiste à deserção dos seus elementos mais competentes que procuram plata-
formas de acção mais visíveis ou menos limitadas. Deve-se notar, no entanto,
que o método americano do spoils system (em que uma eleição presidencial
é acompanhada pela alteração da composição nas hierarquias das principais
organizações do Estado) se aproxima do modelo destas estruturas ad hoc no
que se refere à sua composição (ao contrário do que se passa com os perma-
nent secretaries em Inglaterra, com os inspecteurs de nances em França e
com o sottogoverno em Itália) mas a sua e cácia pode estar relacionada com
a especi cidade «poliárquica» da sociedade americana (Huntington, 1981 ).
Num sentido muito diferente de qualquer dos já referidos, a sociedade e
o sistema político japoneses (Wolferen, 1987) estabelecem a função de coor-
denação das políticas públicas em relação com objectivos nacionais permanen-
tes, realizando-a no interior de estruturas institucionais permanentes. Neste
caso, o critério de decisão principal parece ser a «defesa económica», que cor-
responderia à tradução em valores económicos de relações e de condições que
habitualmente se inscrevem na categoria de defesa nacional. Deve reter-se, no
entanto, que a singularidade japonesa é di cilmente comparável com qualquer
outra sociedade, designadamente comn as sociedades eutopeias, e que a tudo

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isso ainda se devem adicionar a sua singularidade histórica (determinada pela
derrota militar, impondo uma restrição drástica à sua capacidade de armamento
que, por sua vez, terá justi cado a concentração da vontade nacional na ver-
tente económica) e a sua singularidade política (continuidade no poder da
mesmå corrente política desde a instauração do sistema democrático). Não
obstante todas estas diferenças, é admissível que se sublinhe, a propósito da
exempli cação japonesa, que existe a possibilidade de se estabelecer a função
de coordenação das políticas públicas a partir de um critério nacional geral,
subordinando todas as outras decisões às condições referenciadas a esse valor
principal. E o caso japonês seria ainda um factor de con rmação do facto de
esta escolha se reforçar a si mesma, na medida em que a consolidação do
referencial assegura uma maior consistência e um maior controlo das políticas
públicas, generalizando-se a toda a sociedade e orientando a sua dinâmica,
economizando assim a afectação de recursos para as funções especí cas de con-
trolo. É caro que este dispositivo de referenciação não reduz a complexidade
das actividades do Estado; mas oferece uma linha de orientação mais estável
do que a que existe em sociedades e sistemas políticos que estão desprovidos
de qualquer dispositivo deste tipo.
Onde este dispositivo existe (isto é, onde está estabelecido um critério
ou referencial nãopolémico que permite estabelecer prioridade gerais e deter-
minar o quadro geral da agenda política em condições de coordenação ) a inter-
departamentalidade aparece como a resposta funcional a uma decisão política
anterior eé uma resposta exível relacionada com as prioridades entretanto
de nidas. Na aparência, a solução formal é a mesma que a que se encontra
em sociedades e em sistemas políticos desprovidos desse dispositivo: a decisão
reveste a mesma forma, mas o funcionamento é completamente diferente. Na
sua dimensão «interior», as diferenças revelam-se no grau de controlo, na capa-
cidade de direcção e no potencial de orientação isto é, e ecte-se na capa-
cidade de o decisor político compreender e produzir, em tempo útil, as con-
dições de viabilidade do Estado ce da sociedade. Este é, em última análise, o
objectivo global da relação democrática, pelo que se justi ca considerar que
a resposta ao problema que o Estado moderno coloca à lógica democrática
impõe o esclarecimento prévio do conteúdo e modo de acção deste dispositivo
coordenador, essencial para que o poder político possa regular e orientar.
Como ilustração desta possibilidade de interdepartamentalidade será ana-
lisado no ponto seguinte o caso da política de defesa nacional. Ainda que a
escolha deste tipo de exemplo obrigue a antecipar argumentos que só podem
ser devidamente desenvolvidos nos capítulos próprios, esta escolha tem a vir-
tude de permitir uma primeira sensibilização genérica ao tipo de potenciali-
dades que está inerente à área de políticas páblicas onde as matérias de defesa
nacional têm relevância.

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5. O caso especi co da politica de defesa nacional: ấrea de inovaçãoan
e de oportunidade

A átea problemática em que tradicionalmente se situava a política de


defesa nacional é uma das que registaram nos últimos anos mais profundas
alterações, ainda que estas não se manifestem do mesmo modo de outras alte-
rações também ocorridas nas políticas pűblicas e que se prendem mais directa-
mente conm o papel do Estado no funcionamento corrente da sociedade.
Desde logo, houve uma alteração marcante na política de defesa nacional
no que se refere ao problema em si mesmo a que esta política pública pretende
responder: as alianças militares do pós-guerra e os sucessivos equilíbrios de
poderesmilitares criaram um ambiente -- estratégico, político, culturalem
que a ameaça de guerra foi substituída pelo estado necessário de não-guerra,
o que não poderia deixar de ter grandes implicações nas concepções e políticas
de defesa, conduzindo-as para áreas que tradicionalmente se inserem nas ques-
tões de política geral e que cada vez menos se referenciam a questões de tipo
estritamente militar.
Depois, a evolução tecnológica dos meios militares veio trazer um novo
contexto para a ideia de guerra, onde a sua improbabilidade como guerra
nuclear global (pelas consequências de um con ito muclear generalizado) se
conjuga com a proliferação de guerras limitadas de tipo convencional (de
duração inde nida exactamente porque são locais e limitadas), conduzindo
en m à difusão da ideia super cial de que a defesa é uma tarefa impossível
para os países que não têm acesso nem podem produzir os meios militares
decisivos nas realidades contemporâneas. O conceito de guerra, outrora unitấ-
rio, passou a ter múltiplos signi cados conforme as regiões, as dimensões dos
países e, até, conforme os contextos con ituais em que estão inseridos.
De um modo indirecto, pouco perceptível pela opinião pública ou até
pelos decisores políticos de formação tradicional, a própria noção de indepen-
dência nacional (uma das nalidades básicas da defesa) foi sendo alterada e
substituída pelas relações de interdependência, por onde se veiculam in uên-
cias, se transmitem expectativas, se criam condicionalismos que interferem nas
ordens intemas de cada país (Tilly, 1975; Pye, 1966; Kazancigil, 1985; Grew,
1978; Zolberg, 1985; Rokkan, 1987; Badie, Birnbaum, 1979). E na medida
em que se altera o conteúdo da noção de independência nacional, do grau de
autonomia da ordem interna de cada país, vai-se alterar a noção de defesa,
quanto mais não seja porque perde sentido continuar a defender o que já não
existe nos termos em que tradicionalmente era colocado. É uma transformação
conceptual radical, mais imposta pelas novas circunstâncias (em que tem um
papel essencial o rápido aumento das trocas económicas e o impacto dos novos
canais e técnicas de comunicação) do que por uma acção deliberada das enti-
dades políticas. Mas o que talvez se venha a revelar como mais importante

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nesta transformação é o facto dela não ser acompanhada pela opinião páblica,
de não ser imediatamente percebida nas relações sociais correntes, o quetem
efeitos complexos nos sistemas de motivação da população: como traduzir o
seu sentimento patriótico em condições que estejam ajustadas às novas neces-
sidades?
Uma noção social tradicional de defesa, centrada na questão militar tor.
na-se irrelevante quando a acção militar ca condicionada pelos factores novos
do pós-guerra; em contrapartida, essa xação tradicional não permite que a
sociedade entenda a defesa no sentido global de preservação da independência
ou de garantia da autonomia possível num contexto de não-guerra militar mas
de intensa con itualidade em todas as outras áreas em que alguma superiori-
dade se possa conquistar nas relações entre países. Nas condições internacionais
contemporâneas, o espaço de competitividade entre nações não se referencia à
defesa das fronteiras ou às intenções de expansão militar. O espaço real da
competitividade, aquele espaço problemático para o qual a política páblica
desighada por política de defesa nacional tem de encontrar uma resposta é o
espaço de toda a sociedade -pois esse é o espaço de vulnerabilidade à «pene-
tração» (já não apenas militar, nem sobretudo militar) do exterior, assim como
é o espaço em que se devem desenvolver os meios e condições de a rmação
nacional (meios e condições que já não são apenas militares, nem sobretudo
militares ). Por tudo isto se compreende até que ponto é vital a diferença dos
ritmos de comunicação destas novas condições por parte dos decisores políti-
cos de formação tradicional e por parte da opinião páblica: é provável que
se encontre um desfasamento, nestes dois grupos, de tal modo acentuado entre
a concepção e a realidade que se tenha de concluir pela irrelevância das deci-
sões e das atitudes; e não se pode excluir a eventualidade desta irrelevância
ser ainda reforçada pelo desenvolvimento de modos de con itualidade interna
que agravam as vulnerabilidades nacionais sem que os seus responsáveis tenham
disso consciência.
As metamorfosesdopós-guerra (Poirier, 1985) são radicais mastambém
paradoxais. O confronto tecnológico para determinar a superioridade nos meios
reduziu o papel militar clássico. O estado de paz que melhor se designa como
estado de «nãoguerra» situa'a função militar um contexto de uma contin-
gência nuclear improvável, subordinada à expectativa dominante de que não
haverá guerra e, se houver, de que será uma guerra convencionalpois se
também não fosse assim pouco haveria a fazer para evitar as consequências
catastró cas. Mas o ponto interessante nesta evolução está na veri cação de
que esta alteração nas funções e nos papéis clássicos do sistema militar.ter
sido acompanhada por uma reavaliação da função e do papel da defesa nacio-
nal, que transcende o domínio militar para passar a interessar múltiplos estra-
tos da sociedade. São alterações radicais, que não se limitam apenas às novas
condições técnicas impostas à arte da guerra e à gestão do efeito militar mas

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se alargam aos próprios conceitos básicos em que a existência nacional se coloca
e em que se estruturam as lógicas das políticas.
Esta é uma transformação óbvia nas grandes potências, onde todo o poten-
cial nacional (ou «imperial») é empenhado na procura da determinação da
superioridade. A con itualidade moderna entre nações é totalizante, não tem
limites (que não sejam os da destruição mútua assegurada) nem convenções
tradicionais. Seria errado pensar que este carácter totalizante da realção con-
itual só se veri ca entre as grandes potências que disputam a liderança do
sistemainternacional,deixando os outrospaísesem paz e que assimteriam
conquistado para si a possibilidade de se manterem imunes ou neutros no
quadro dos con itos entre as grandes potências. Pelo contrário, não só todos
os países são arrastados para essa con itualidade que Ihes é superior como
também as relações de nível intermédio passam a obedecer à mesma fórmula
totalizante em que todos os recursos nacionais devem ser empenhados para
responder a ameaças, para proteger vulnerabilidades ou para explorar oportu-
nidades. Este não é um domínio em que o poder político possa racionalmente
escolher entre actuar e não actuar, entre decidir e não decidir: a não-decisão
implica sempre uma vantagem concedida ao exterior e, inevitavelmente, uma
diminuição das potencialidades nacionais.
Nas condições contemporâncas, quanto mais vulnerável é um país mais
importante é a sua política nacional de defesa, que assim aparece como uma
inståncianaturaldecoordenação
depolíticaspúblicas. s les s lns
Os hábitos adquiridos, que associam, de um modo convencional e já ultra-
pasado desde o aparecimento do facto nucdear com o m da Segunda Guerra
Mundial, a função de defesa à função militar, constituem uma forte resistência
à adopção do conceito moderno de defesa, mesmo quando ele é imposto pela
força das circunstâncias. E, pelo menos em parte, estatá aqui uma das razões
que explicam a resistência às interferências da função militar na decisão polí-
tica que, erradamente, se continua a considerar como uma associação necessária
aos problemas de defesa nacional.
e A ideia de que a função militar possa ser uma instância de coordenação
das políticas públicas é, evidentemente inaceitável nas sociedades modernas.
Mas, justamente, não é disso que se trata: é óbvio que a função militar é uma
componente da política nacional de defesa; porém, de modo nenhum a esgota
nem teria sentido que o pretendesse fazer quando o problema da defesa nacio-
nal nem é essencialmente militar nem provavelmente esse problema virá a
revestir uma expressāão militar signi cativa. É claro que também não há razão
nenhuma a priori para se cair no extremo oposto de pretender anular aquela
componente militar, mesmo nos países que não dispõem de armamento so s-
ticado, pois a improbabilidade do con ito nuclear não anula o risco de con ito
convencional (antes o torna um degrau muito provável de uma escalada con-
itual e ao qual se deve responder de modo decisivo para assim evitar a con-

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tinuação da escalada através da facilidade com que se concretizan as pimeiras
conquistas). E, para além deste papel militar estrito, que não perdeu o seu
signi cado, deve ainda ter-se em conta o contributo especí co do pensamento
militar e dos conceitos produzidos a partir da re exão sobre o facto militar,
sobre a relação de alteridade con itual que está na origem da guerra, e que
é essencial para o cquacionamento das questões de defesa.
O ponto televante para a compreensão da função e o papel da política
de defesa nacional não está nestas posições extremas (em geral, assentes em
questões secundárias) mas sim na compreensão de que os problemas do pós-
-guerra e as suas metamorfoses criaram áeas de inovação essencial na acção
política que fazem da política nacional de defesa uma política pública de voca-
ção e de alcance coordenadores.
Esta é uma conclusão de especial importância para os países que não têm
condições para entrar na competição dos meios militares e que, estando assim
mais vulneráveis, têm uma obrigação acrescida de preparar a sua defesa por
outros meios designadamente, para estabelecer uma estrutura de dissuasão
credível que envolva toda a sociedade e que, portanto, torne mais difícil e
dispendiosa a tentativa de penetração e de ocupaçāo por interesses externos.
E se as ameaças à independência nacional já não são apenas militares (nem
são predominantemente militares), compreende-se que também a política nacio-
nal de defesa se dirija à protecção das ameaças prementes e comuns: a econo-
mia, a gestão dos recursos humanos, o sentido de a rmação nacional, a gestão
dos meios militares de defesa - onde, em suma, se revelam ascondiçõesda
viabilidade nacional.
No sistema das políticas públicas, a política nacional de defesa é relativa-
mente «indiferenciada» no sentido de não privilegiar nenhuma área especí ca
de actividade, nenhuma especialização (ainda que, num tributo pago à tradi-
ção, possa apresentar um vector militar saliente), nem nenhum estrato social
especí co. Nem é técnico-administrativamente especializada nem é socialmente
orientada ou dirigida a um segmento social espec co. É, por outro lado, uma
política onde se re ectem mais as necessidades da gestão política do que as
necessidades correntes de grupos sociais (que, como acontece com o seguro,
precisam sempre de defesa mas só.o descobrem após se ter veri cado o aci-
dente, isto é, após se terem perdido as condições de autonomia de que depende
a realização dos seus interesses). É, nalmente, uma política onde a detecção
de oportunidades futuras e a organização dos meios necessários para o seu
aproveitamento tenderão a ser mais importantes do que as respostas a cir-
cunstâncias imediatas (salvo em situações de emergência). Pela perspectiva da
formulação e da compatibilização de políticas públicas não parece excessivo
admitir que a política de defesa -entendida no contexto contemporâneo e
considerando o tipo de relações entre diversas políticas que terá de conceber

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para ser e caz e para ser factor de viabilidade nacional- pode constituit uma
instância coordenadora de políticas públicas.
No quadro institucional e na sua organização de departamentos adminis-
trativos continua a fazer-se sentir o efeito da tradição, não se podendo esque-
cer que, tanto no caso português como em muitos outros países, a designação
originátia do Ministério da Defesa era Ministério da Guerra (Valença, 1987;
Amaral, 1987). Nos hábitos institucionais, quando se fala de defesa aparece
de imediato a referência militar, mesmo quando a componente militar já não
tem, pela mais elementar observação, condições para assegurar uma efectiva
independência nacional no sistema de relações internacionais contemporâneo.
Contudo, entre as di culdades de uma reforma administrativa que concretize o
ajustamento das estruturas do Estado à complexidade das suas funções actuais
e as di culdades de constituição e funcionamento de um agrupamento institu-
cional consultivo que ofereça aos decisores políticos legítimos (maxime, ao
Primeiro Ministro) a perspectiva coordenadora de defesa para o sistema das
políticas públicas, parece razoável concluir que as segundas serão menores,
menosexigentesem tempo eo quenão émenosimportante - menoscondi-
cionadoras da liberdade de decisão dos dirigentes políticos legítimos. Não será
esta, evidentemente, a solução geral para os problemas do Estado moderno,
mas poderá ser um contributo positivo para a situação presente de descoor-
denação, de indeterminação de critérios e de ausência de referenciais na deci-
são sobre as políticas públicas.
Finalmente, importa não esquecer que as políticas públicas se realizam
numa sociedade concreta, com as suas características e condições de con i-
tualidade, de clivagens políticas e de comportamentos de grupo. Em especial,
numa sociedade marcada pela existência de racionalizações sociais divergentes,
pelas expectativas distribucionistas e de consumo imediato, a gestão das polí-
ticas públicas estará sempre ameaçada de descoordenação por falta de crité-
rios de avaliação e de referenciais conhecidos e aceites que permitam uma
interpretaçāo estável de intenções políticas e de consequências das decisões.
Numa sociedade com estas características, não haverá nenhum conjunto de
valores nem nenhum programa que suscite o consenso nacional: esperar que
esse consenso aconteça espontaneamente é lusório e, em qualquer caso, se
existisse momentaneamente estaria à mercê de qualquer apelo populista que
estimulasse de novo o desejo distribucionista latente, voltando a trazer ao
primeiro plano o efeito con itual das racionalizações sociais divergentes.
Esta di culdade crónica neste tipo de sociedade em que se integra o
caso português não pode ser interpretada como constituindo um mandato
implícito para que o decisor político actue sem qualquer preocupação pela
formação de consensos tão alargados quanto possível. Não seria politicamente
adequado nem, qualquer que fosse o seu êxito, estaria assegurada a continui-
dade desse êxito, Mas também não seria politicamente realista pretender for-

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LLJU.
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mar uma base social consensual através da manipulação de valores ideológicos,
pois é aí que tende a localizar-se a clivagem mais diffcil de superar desig-
nadamente quando as relações político-sociais nessa sociedade tendem a produ-
zir racionalizações sociais divergentes. A determinação de uma base objectiva
de critérios que permita referenciar e avaliar os objectivos e os programas, os
conteúdos das políticas públicas, é, assim, uma necessidade para quem decide
politicamente numa sociedade dividida. Essa base objectiva de critérios não
deverá ser unidimensional (apenas a economia, ou apenas as relações inter-
nacionais ou apenas a a rmação ideológica). Para que os fundamentos das
decisões sejam expostos com clareza (nāo sendo susceptíveis de estimular as
divergências de racionalização na interpretação das intencionalidades subjacen-
tes) e para que haja um efeito de formação da opinião pública (diminuindo
a con itualidade das racionalizações divergências através do confronto com os
argumentos e com os factos) é desejável que essa base objectiva seja ela pró
pria uma estrutura de coordenação de várias políticas (para que se possa expor
o. efeito global que reşulta do cruzamento dos efeitos sectoriais ). Também
nesta perspectiva, a política nacional de defesa aparece como uma oportuni-
dade a considerar quando se quer criar um dispositivo e caz e viável para a
função de coordenação de políticas públicas. E tem, para além das já referidas,
a vantagem de não ser fáci a um candidato ao exercício do poder apresen-
tar-se aberta e comprovadamente como contrário, através das suas propostas,
aos valores da independência nacional e da autonomia da decisão política
interna. 2
cA política nacional de defesa não é a única área política global onde a
função de coordenação de políticas públicas pode ser realizada, nem será
sequer a que mais frequentemente é utilizada com esse objectivo. A políticą
orçamental é a que mais frequentemente é escolhida para realizar esse objec-
tivo, até porque está directamente relacionada com a afectação de recursos
para o nanciamento da generalidade das políticas públicas, Contudo, a lógica
da afectação de recutsos é aquela que mais se presta à con itualidade ideo-
lógica e, portanto, à aplicação das racionalizações divergentes sobre o.que
serão ,as intencionalidades dos decisores políticos. E mesmo nas relações inter-
nas ao poder há uma forte con itualidade a propósito deste pretexto, conver-
gindo sobre o responsável ministerial pela afectação destes recursos todas as
solicitações sectoriais e, ao mesmo tempo, todos os condicionalismos conjuntu-
rais - de que não sepode retirar ocondicionalismoeleitoralista. Apesar da sua
tradição coordenadora, a política orçamental é cada vez menos uma oportuni-
dade segura e consistente para realizar a função de coordenação das políticas
públicas.
uA política deconcertaçãoé outra áreapotencial decoordenaçãode polí-
ticas públicas, como se pode ver na generalidade dos casos de países de social-
-democracia avançada, correspondendo à interiorização das racionalizações sociais

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divergentes no próprio processo de decisão política. Porém, este típo de res-
posta pressupõe um hábito de debate entre estruturas institucionais do Estado
e estruturas institucionais de representação de interesses sociais que se desen-
volveu naturalmente ainda antes de ter assumido especial gravidade a questão
da governabilidade. A amplitude das divergências de racionalização não se che-
gou a acentuar, o que facilita a possibilidade de cooperação e, o que é ainda
mais importante, permitiu que se estabilizasse o referencial de concepção e de
avaliação das políticas públicas.ns
No casodos Estados Unidos da América são múltiplas as instâncias de
coordenação de políticas públicas (National Security Council, Federal Reserve
Board, comissões especializadas do Congresso e do Senado, Joint Chiefs of
Staff, entidades de coordenação dos próprios epartamentos, diversas institui-
ções privadas com ligações estreitas com o poder executivo, grupos especí cos
formados por iniciativa presidencial, etc.). O caso japonês tevela, 'por sua vez,
com o MITI (Ministério do Comércio Internacional e Indústria) que é possí-
vel associar a programação económica a uma concepção especial de defesa,
associando nesse exame permanente as entidades ptivadas e as entidades polí-
ticas. O caso inglês mostra uma longa e complexa experiência com organizações
de coordenação da políticas, com graus de sucesso muito variados mas sempre
com a insistência nos processos estáveis de coordenação. Os casos francês e
italiano são, de certo modo, singulares, mas não deixam de apresentar o mesmo
tipo de preocupação com os efeitos de cootdenação: os primeiros, com as suas
escolas especiais para a formação de funcionáros (criando as bases do que se
poderia designar por coordenação ex ante implícita, mas que tem a tendência
para se traduzir em redes de in uência pessoal que transcendem divisões de
opinião poltica e de liação partidária ); os segundos, com a institucionalização
informal de um sottogverno (que mantém a continuidade da função de coor-
denação apesar das frequentes crises de goveno, o que é um modo singular
de respeitar as notmas democráticas mesmo quando estas não parecem produzir
resultadosestáveis).vi nl
Não será excessivo considerar todas estas experiências como respostas de
circunstância a um problema que é comum a todas as sociedades modernas: a
coordenação das políticas públicas. Cada sistema político procura a solução que
se apresenta como mais fácil em função da sua história institucional, o que
desde logo indica que não será prudente tentar implantar esquemas de imitação
sem ter salvaguardado a compatibilidade institucional e social dessas soluções.
Há, entretanto, um ponto comum a todas esas soluções: elas situam-se
institucionalmente nos, ou têm canais de comunicação fácil com, níveis mais
elevados de responsabilidade política, isto é, a0 nível do chefe do Executivo
(qualquer que seja a sua designação, Primeiro Ministro ou Presidente da Repú-
blica). É o chefe do Executivo o principal «consumidor» dos produtos da fun-
ção de coordenação das políticas públicas, até porque é ele que está dotado

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da legitimidade necessária para a tradução das propostas e recomendações em
decisões políticas efectivas. Por outro lado, é também sobre o chefe do Exe-
cutivo que recai a avaliação eleitoral quanto às suas concepções e decisões-
sendo certo que a regra essencial da democracia se consuma na possibilidade
de substituir por meios pací cos o Executivo quando a sua acção não é consi-
derada satisfatória pela sociedade. Por isso mesmo, compreende-se que seja no
chefe do Executivo que se concentra a responsabilidade pela inciativa da orga-
nização institucional da função de coordenação, competindo-lhe escolher a área
de localização que lhe pareça mais conveniente em termos da história institu-
cional (departamentos existentes e suas relações) e da história política (cliva-
gens e graus de con itualidade) da sociedade.
O que não parece possível é que o chefe do Executivo possa ser e caz
e possa produzir programas políticos que assegurem a viabilidade da sociedade
sem ter respondido a esta questão -que é, nas condiçőes contemporâneas,
uma necessidade e uma oportunidade (Neustadt, 1980; Rose, 1976; Kernell,
Popkin, 1986; Lowi, 1985; Schlesinger, 1959, 1973).

6. O caso especi co da politica de defesa nacional em Portugal


o
A história institucional da política de defesa em Portugal, analisada desde
os anos 30, não oferece indicações favoráveis para que se possa pretender que
tenha sido baseado nos critérios de defesa o exercício da função de coordena-
ção das políticas públicas. Resta saber se esta indicação negativa tem uma jus-
ti cação sólida ou se, pelo contrário, pode antes ser entendida como o produto
de circunstâncias que devem ser repensadas à luz das condições contemporâncas
ou que já não existem e foram substituídas por outras que colocam as questões
dedefesanumplanodeimportância
superior. nt whsas eoolb
l Por razõesque seprendemdirectamentecom ascirounstânciaspolíticas,
a política de defesa nacional cou subordinada em Portugal à política externa
e à política militar. Por um lado, as condições de consolidação do regime polií-
tico não aconselhavam a que fosse reservado a entidades militares umn papel
activo na coordenação de políticas nem essa era uma concepção importante na
época. Por outro lado, a concepção dominante de defesa (e a única que foi
politicanmente executada) estava assente numa relação de aliançae de protec-
ção diplomática que permitisse a Portugal defender os seus interesses e a sua
autonomia no contexto de um eventual con ito europeu e, depois, que per-
mitisse a Portugal preservar uma posição protegida no con ito Leste-Oeste.
E na medida em que na política de alianças se desenhava o quadro das grandes
possibilidades, era para a acção diplomática que convergiam as atenções de
curto prazo como condição básica pata a gestão das possibilidades nacionais glo-
bais. Dito de outro modo, a concepção de defesa era estabelecida e executada

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do ponto de vista de um decisor político uni cado em relação com o exterior
numa atitude de preservação do espaço de manobra e estabelecendo-se nesse
decisor único a coordenação de todas as políticas públicas subordinadas a essa
nalidade global. Quanto às condições internas de defesa, no sentido em que
hoje as entendemos como a convergência de vários vectores da actividade social
e de vários vectores das políticas públicas, parece mais correcto considerá-las
como integtadas naquilo que então se designava como a política geral do país.
A outra componente da política de defesa, a política militar, é relevante
desde o período de institucionalização do regime político safdo do 28 de Maio
de 1926 em grande medida porque a instituição militar tem um peso con-
siderável na ordem política interna, porque é preciso absorver essa importância
política através de uma delimitação precisa das suas funções e porque a com-
ponente militar é instrumentale complementar do sistema de alianças. Con-
tudo, a razão principal da importância da política militar na concepção da
defesa decorre da problemática colonial. Não terá sido uma preocupação pre-
mente inicial, certamente porque esse tipo de ameaça não fazia parte das con-
cepções dominantes no perfodo anterior à Segunda Guerra Mundial, período
de formação dos principais dirigentes políticos. Mas a partir do momento em
que a ameaça potencial se traduz num con ito efectivo as condições militares
assumem um papel de primeiro plano. E, o que não é menos importante para
a interpretação das concepções e decisões políticas deste perfodo, as condições
militares interferem na condução das operações diplomáticas essenciais para a
tentativa de otganização de apoios internacionais, o que vem tornar ainda mais
fechado e internamente consistente o círculo formado pela política externa e
pela política militar na concepção e condução da política de defesa.
Écerto que estes dois vectores dominantes da política de defesa estavam
coordenados ao nível do chefe do Executivo. Porém, trata-se de uma coorde-
nação instrumental, isto é, de utilização dos instrumentos disponíveis e ime-
diatamente necesários para a resposta a um problema nacional. Também é
certo que as exigências imediatas colocadas por aqueles dois vectores interfe-
riam nas disponibilidades que restavam para as outras políticas públicas -mas
isso era mais a consequência das prioridades impostas pelos factos do que uma
verdadeira coordenação de políticas públicas feita em função de uma concepção
moderna de defesa que fosse, pelo menos, ajustada às condições concretas do
sistema de relações internacionais decorrente do pós-guerra.oco ob
Pode-se dizer que, em grande medida, a evolução natural da política de
defesa perante as novas condições concretas internacionais cou subordinado
em Portugal aos circunstancialismos colocados pela questão colonial, que assim
teria alterado radicalmente o quadro conceptual. A noção integrada de defesa
associada à modemidade não foi articulado em todas as suas consequências
de organização e de motivação, seja porque as urgências militares o não per-
mitiam ou potque o modo de decisão permitia dispensar esse tipo de coorde-

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nação de actividades e de políticas públicas. E não terá sido por mero acidente
que, por falta de coordenação, a política de esforço militar e a política de
desenvolvimento acabaram por ser entendidas como clivagens de orientação
política, como linhas que seriam, em última análise, antinómicas, separando um
«projecto europeu» de um «projecto colonial». Ao circunscrever-se a política
de defesa ao esforço militar e às iniciativas diplomáticas criava-se a percepção
política e social de que a política de defesa e a política de desenvolvimento
eram incompatíveis, estabelecendo-se assim uma contradição entre esses dois
termos de importantes consequências na medida em que ambas as linhas polí-
ticas saíanm enfraquecidas e nenhuma delas ganhava su ciente hegemonia para
servirdeorientaçãoglobaldasdecisões
políticas. oxg todo n lviysli
O impacto do vector militar tornou-se ainda mais visível durante o pro-
cesso de mudança política. O protagonismo da instituição militar neste pro-
cesso criou um novo problema militar que teria de ser absorvido para que
o funcionamento do sistema democrático pudesse ser normalizado. Mas, por
outro lado, a tentativa de salvaguarda de poderes por parte de alguns grupos
militares levou-os a condicionar éssa normalização democrática à conservação
de importantes prerrogativas na áera da política de defesa (a nível do Conselho
da Revolução e a nível do ministério respectivo ). Em lugar de ter contribuído
para uma rápida actualização da concepção de defesa, naturalmente justi cada
pelas novas condições nacionais nos campos interno e externo, esta circuns-
tổncia complexa veio provocar uma reacção de deslocamento da questão central
(como se pode posicionar um pequeno país como Portugal no contexto das
relações internacionais e como pode organizar os seus recursos de modo 'a sus-
tentar essa posição) para se veri car uma concentração na questão acessória,
ainda que conjunturalmente dominante (como controlar a possibilidade de in-
tervencionismo militar ). Ou seja, em lugar de uma nova concepção de- defesa
nacional há apenas uma preocupação permanente com os arranjos institucionais
quepermitamabsorveroefeito militar.edn sa rireco
l Nestaperspectiva,aproduçãolegislativa - deque apeça'maisimportante
é a Lei de DefesaNacional e dasForçasArmadas - não permite.fundamentar
o que deveriam ser as linhas orientadoras de política de defesaeo que poderia
ser a sua função coordenadora de políticas públicas. Quando muito, estabele-
cem-se equilíbrios institucionais. E no mesmo sentido aponta o facto de os
órgãos de coordenação entretanto criados se limitarem a analisar questões de
defesa-no seu âmbito mais estrito, de tipo predominantemente militar.
oba Em suma, não parece que a história institucional relacionada com a polí-
tica de defesa nacional revele que ela tenha sido base de uma função de
coordenação de políticas públicas. Implicitamente, poderá pôr-se em dúvida
que uma efectiva interdepartamentalidade se venha a desėnvolver a propósito
das questões de defesa nacional, não obstante a sua conveniênciai e a sua
necessidade.

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o Apesar destas indicações, não são elas que fazem desaparecer a importân-
cia da perspectiva nacional de defesa e o papel que uma concepção de defesa
actual poderia ter no estabelecimento de critérios para a avaliação e a refe-
renciação de muitas políticas públicas. Se a tradição política e administração
portuguesa apontasse para outra possibilidade de localização da função coorde-
nadora, de avaliação e de referenciação, não constituiria problema rejeitar que
esse papel fosse desempenhado pela política de defesa. Mas porque esse sinal
não existe ou não é inequívoco, continua a justi cat-se olhar para a área (po-
tencial) da política de defesa como candidata a essa função desde que, evi-
dentemente, se proceda à actualização do conceito de defesa, que não pode
mais ser considerado como o que resulta trivialmente do cruzamento da polí-
tica externa (e da questão das relações de aliança) com a politica militar.
Para além de todas as razões originadas na evoluçăo internacional desde
o pós-guerra, para além dos problemas de governabilidade criados pela expan-
são das políticas públicas, para além das alterações introduzidas no posiciona-
mento de Portugal na era pós-colonial, há ainda que atender às novas questões
colocadas pela integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia.
Na acepção tradicional de defesa, dir-se-ia que uma relação comunitária eco-
nómica não vem alterar o equacionamento das questões de defesa. Mas uma
breve re exão mostra que, nas condições contemporâneas, todas as questões
económicas se integram na concepção de defesa, assim como todas as relações
económicas estreitas, como são aquelas que se estabelecem num quadro comu-
nitário, interferem nos espaços de liberdade de cada país e no seu grau de
autonomia. Não se trata apenas de uma lógica de estratégia indirecta (Beauf-
fre, 1965), trata-se de uma alteração substancial das condições de análise tra-
dicionaldasposiçõesepotencialidadesdecada país.a cn oo rin
Não se trata, pois, de uma questão menor ou de um mero arranjo insti-
tucional. Trata-se de uma questão essencial de modernização e de defesa das
condições de viabilidade nacional.

7. Condições gerais de análise da interdepartamentalidade

A análise da política de defesa nacionale dos conceitos associados que


aqui se apresenta tem como nalidade principal o estudo das suas condições
de actualização, de ajustamento. às realidades contemporâneas.
Não é, nem em nenhuma circunstância deverá como tal ser interpretada,
uma, proposta de política de defesa nacional. Essa é uma questão de ordem
política, que compete aos decisores políticos legitimados e cujo conteúdo varia
com o tipo de linha política dominante que se estabelecer. O que se pretende
aqui de nir, numa óptica analítica, é o sistema de componentes que permite
constituir uma política de defesa nacional que respeite a forma contenporânea

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de valores essenciais como a independência nacional e a autonomia de decisão
possível.
Para atingir estes resultados, considerou-se conveniente centrar a análise
em dois tipos de considerações. Por um lado, a dedução abstracta do que é
necessário conjugar, numa óptica interdepartamental, para que exista uma polí.
tica de defesa, respeitando os constrangimentos que se colocam a um pequeno
país integrado numa dimensão comunitária europeia. Por outro lado, procurou-
-se explorar as diferenças, as mudanças e as transições que ocorreram a propó-
sito do conceito de defesa nacional, não só porque os sinais disponíveis revelam
uma ctescente inadequação das fórmulas tradicionais para a inteligibilidade dos
problemas actuais, mas também porque é essencial compreender que se está
perante uma questão dinâmica, na qual se re ectem as grandes transformações
entretanto ocorridas no processo de modernização.
Porém, não se considerou adequado ou justi cado incluir recomendações
especí cas, propostas alternativas ou sugestões de acção. Parece ser mais im-
portante, nas actuais circunstâncias, proceder a uma re exão centrada em ele-
mentos analíticos, sobretudo quando se temn em conta a necessidade urgente
de actualização de conceitos e de modetnização de comportamentos.
E se alguma recomendação se justi ca, ațesar dos limites referidos, ela
deve resumir-se ao reconhecimento da necessidade de coordenação de políticas
públicas nas condições actuais da governabilidade e da complexidade da acção
política. Não se está apenas perante um caso de conveniência política para
assegutar a coerência entre programas diversos. Estáse perante uma imposição
nova que resulta da dimensão desses programas, dessas políticas públicas, pois
esse tipo de coordenação não pode ser realizado por nenhuma outra entidade
social se o Estado a não realizar. Esta imposição contemporânea não signi ca
uma aprovação ou uma rejeição do intervencionismo estatal- este é um modo
deslocado de colocar esta questão. Esta imposição apenas signi ca que o poder
político legítimo tem uma responsabilidade inalienável e intransferfvel de ase-
gurar a coordenação de políticas públicas -o que não tem de signi cat que
pertença ao Estado a responsabilidade de as realizar nas suas operações con-
cretas. Onde localizár essa função de coordenação de políticas públicas é já
uma questão de concepção política e sobre ela apenas se deve indicar que uma
das suas localizações possíveis é'o nível da política de defesa, opção seguida
com êxito em pequenos países de democracia estável.

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Obiectivos

váias
CAPITÜLO
2

A POLÍTICA DE DEFESA NACIONAL NO SISTEMA


DE POLÍTICAS PÚBLICAS

condicionantes e para onde


i
hr n bin

O objectivo geral deste capítulo é a determinação da localização da polí


tica de defesa nacional no conjunto das políticas públicas.
i
Trata-se de um objectivo possível, na medida em que a política de defesa
é uma área sujeita a convergem
in uências e efeitos de outras políticas e até de outras concepgões políticas
gerais. Haverá, pois, uma localização da política de defesa que resultará da
sua articulação com outras políticas.
t
3ogs DUp2h svisiii
É, por outro lado, um objectivonecessário:não sepoderápensar e orga-
nizar uma política de defesa se não se conhecer a rede de condicionantes,
várias

de
dein uênciase deefeitosdequeeladepende. b log oubg a
É, pois, um objectivo possvel e necesário que, uma vez atingido, deverá
permitíir resolver alguns dos factores de ambiguidade e até de indeterminação
que rodeiam as questões da política de defesa umas vezes entendidas de unm
modo tão geral que se sobrepõem a todas as outras questões políticas, outras
vezes colocadas em modos tão estritos que cam praticamente limitadas às
questões de âmbito militar, às questões de administração dos meios de defesa.
A construção do referencial de localização aparece, assim, como 'o primeiro
passo, possível e necessário, para estabelecer o âmbito, o conteúdo e o modo
de produçāo da política de defesa nacional, contribuindo então para reduzir,

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ou para cari car, a ambiguidade que muitas vezes caracteriza a utilização do
conceito de defesa nacional.
Contudo, esse referencial não deve car limitado a uma função descritiva
pela qual cassem explicitos o tipo de condicionantes, de in uências e de etei.
tos que convergem na área onde se localiza a política de defesa no sistema das
políticas públicas. Este ainda seria um resultado .útil, mas poderia ter implícita
a noção de que a política de defesa seria o resultado passivo de condicionantes,
in uências e efeitos vindos das outras polfticas públicas. Não seria um incon-
veniente grave se se pudesse assegurar que todas essas outras políticas públicas
estavam elas próprias marcadas por um «espírito de defesa»- como acontece
em algumas sociedades fortemente consensuais e como se pode admitir que,
em geral, acontecerá em situações de guerra. Mas como estas duas condições
são raras ou, pelo menos, não são permanentes nem generalizáveis a todas as
sociedades, terá de se reconhecer que aceitar que a política de defesa seja de -
nida de modo passivo ou residual será fonte de numerosos equívocos, designa-
damente aquele que decorre de se admitir como existente um «espírito gene-
ralizado de defesa» que não está con rmado nas situações reais. Dito de outro
modo, a política de defesa pode existir num espaço equívoco, supondo-se que
existe sem que, entretanto, se tenham realizado todas as decisões e todos os
investimentos necessários.
Por isso, a nalidade última do referencial de localização da política de
defesa será a sua utilização como base fundamentadora do método adequado
para a produção de uma política de defesa nacional numa atitude activa e
positiva, que não se limite a ser o reconhecimento passivo e residual de con-
dicionantes, in uências e efeitos.

A politica de defesa como politica complexa

A noção intuitiva de que a política de defesa é uma política complexa,


implicando a convergência organizada de diversos vectores vindos de outras
políticas públicas, não é su ciente para se estabelecer o método adequado para
a produção da política de defesa.:
Em condições ideais de pura racionalidade na realização do interesse pú-
blico, talvez essa noção intuitiva fosse su ciente numa sociedade de máxima
consensualidade e onde todos os seus segmentos sociais tivessem uma cons-
ciência permanente das implicações das suas atitudes e das suas decisões nos
objectivos de defesa nacional. Nessas condições ideais, seria admissível esperar
que a convergência de in uências e de efeitos se realizasse sem especiais di -
culdades de coordenação. E seria também admissível que as condiciohantes
gerais da política de defesa nacional, sendo resultado de uma avaliação con-
sensual, constituíssem o factor dominante de todas as decisões signi cativas

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tomadas nessa sociedade. Nem por isso a política de defesa nacional deixaria
de ser complexa, mas seria uma complexidade resultante do ajustamento às cir-
cunstâncias variáveis, ajustamento realizado por uma entidade nacional dotada
de racionalidade e consensualidade num quadro uniforme de decisão.
Essas hipotéticas condições ideais não se veri cam nas sóciedades modet-
nas. A complexidade dos problemas e as especializações das outras políticas
públicas geram diferenças de avaliação quanto à importância dos seus contri-
butos para os objectivos de defesa e até quanto ao modo de entender as ques-
tões da defesa. E, por outro lado, duas características frequentes nas socieda-
des modernas, a con itualidade ideológica e a concorrência na apropriação de
recursos lmitados, geram divisões de opinião social quanto às prioridades, a
respeitar.
Não basta, portanto, dizer que a política de defesa é complexa. Isso ape-
nas enuncia o problema, não o identi ca na sua composição real e muito
menos o pode resolver.
Nas sociedades modetnas, a política de defesa móstra a importância da
coordenação de políticas públicas e a necessidade de uma consensualização
social sobre o que são as condições da política de defesa. Se a primeira regra
não estiver satisfeita, haverá uma utilização inadequada de recursos é será
diffcil estabelecer uma orientação política geral que respeite as condições da
defesa. Se a segunda regra não estiver garantida, as decisões políticas estarão,
ainda que involuntariamente, a alimentar a con itualidade social. E estas duas
regras estão interrelacionadas, pelo que o desajustamento numa provoca o
agravamento do desajustamento na outa.

Politica de defesa e constrangimentos

Para identi car o problema da produção da política de defesa nacional é


necessárioexplicitarquaissãoosseusvectoresconstituintes o queimplica
determinar de onde vêm, como são formados e que contributo oferecem para
açomposição nal da política de defesa e de que modo essa política de
defesa se integra no conjunto mais geral que forma 'a estratégia política nacio-
nalo conjunto de acções polfticas que procura assegurar a continuidade da
entidade nacional.
Neste sentido, determinar a localização da política de defesa no sistema
geral das polfticas públicas é um passo importante para compreender o modo
da sua composição e para identi car qual é a série de produtos parciais neces-
sários para a formação desse produto complexo. O que interessa de nir com
precisão não é tanto o grau' de complexidade da política de defesa (que é um
evidência intuitiva) mas sim o modo da sua composiçãoeo tipo de contribu-
fi
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tos que tem de receber para existir o que justi ca sublinhar-se os papéis
de cordenação e de consensualização, de acordo com a noção de que qualquer
destes papéis é importante para que a política de defesa seja consistente (no
quadro das políticas públicas) e realizấvel (no contexto de con itos que exis-
tam nessa sociedade).
É certo que se pode pensar a política de defesa sem considerat os cons-
trangimentos que derivam de uma certa localização na rede das relações polí.
ticas internas e externas sejam económicas, sociais, culturais ou ideológicas.
Mas não se poderá produzir uma política de defesa sem ter em conta essa rede
de múltiplas interferências. A diferença básica entre pensar e produzir uma
política e a decisão política, está no reconhecimento dos constrangimentos que
derivam de uma certa localização no referencial das políticas públicas. Esta é
uma questão que pode ser analisada em várias perspectivas, seja em termos
das relações de uma política com todas as outras (quais são as relações de
input-output no interior do sistema de políticas), em termos de inserção dessa
política na sociedade (qual é a hierarquia da sua importância no sistema de
objectivos sociais, qual é o seu grau de prioridade), em termos da sua articula-
ção com as circunstâncias externas (qual é o quadro de ameaças e qual é o
tipo de oportunidades existentes) e atể em termos do seu signi cado variável
no tempo (função do que vierem a ser as alterações das circunstâncias e que
se re ectem no tipo denecessidadese de prioridades a considerar )..
ps Na medida em que este texto se situa na perspectiva da produção da
política, analisando em especial as relações interdepartanentais, compreende-se
que o problema da localização da política de defesa seja entendido como um
passo prévio para a identi cação dos constrangimentos, condição prévia para
que se possam enfrentar com segurança as questões práticas da coordenação
e da consensualização. É este o alcance concreto de se procurar estabelecer um
método adequado para a concepção e produção da política de defesa, conside-
rando-se essencial associar o acto de pensar ao processo de produzir.
D Dentro desta perspectiva, e ainda no âmbito da identi cação dos cons-
trangimentos, é necessário ter em conta o que é especf co das circunstâncias
portuguesas.
b No entanto, importa não cometer o erro frequente de utilizar essaespe-
ci cidade para tentar fundamentat aquilo que apareceria como uma singulari-
dade como se fosse possível em Portugal pensar e produzir políticas de
defesa nacional que não respeitem os códigos básicos, gerais, desses típos de
políticas. É preciso adaptar esses códigos ao que são as circunstâncias e as
possibilidades nacionais, mas isso não quer dizer que se possa produzir uma
estrutura radicalmente original para a política de defesa. Mesmo nos casos em
que a preocupação com a manutenção de alguns equilíbrios políticos ou sociais
internos, no plano das ideologias ou no plano da distribuição de recursos,
venha a conduzir a soluções híbridas em relação a esses códigos básicos, é

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necessário avaliar cuidadosamente os custos adicionais que essas adaptações e
esses arranjos de circunstância implicam.
Este é um domínio onde uma concepção errada, idealista ou ingénua, da
autonomia nacional produz consequências muito onerosas. O sistema de rela-
ções internacionais obedece a esses códigos básicos eo facto de uma entidade
nacional se afastar provisoriamente deles poderá ser tolerado num intervalo
curto mas não é sustentável em prazos longos. O afastamento a esses códigos
básicos (controlo do sistema de ameaças, exploração do sistema de oportuni-
dades, equilíbrio das relações económicas externas, produtividade dos factores,
grau de preparação, coesão e de consensualidade internas, consistência do sis-
tema de alianças, a mação da identidade nacional, etc.) produz situações de
vazio que não deixatão de ser preenchidos por interesses externos, seja na
forma de penetração ou na forma de imposição, ambas tendentes ao estabele-
cimento de relações de dominação. A noção precisa do que são estes custos
da singularidade e da originalidade é algo que não deve ser esquecido quando
se invocam, por vezes justi cadamente, as especi cidades nacionais.
Há ainda que referir, neste nível ainda muito primário da identi cação
dos constrangimentos da política de defesa, um outro critério geral: uma ex-
cessiva rigidez conceptual conduz a soluções elegantes na teoria mas irrealizá-
veis na prática; um excessivo experimentalismo nacionalista pode ser grati -
cante no curto prazo mas terá custos elevados no médio e longo prazo. Na
produção de uma política de defesa há constrangimentos nacionais a respeitar,
mas em geral comn vista à sua transformação ou correcção. E há constrangi-
mentos globais (quadro de possibilidades nacionais) ou intetnacionais (códigos
básicos das relações internacionais) que di cilmente poderão ser transformados
e corrigidos apenas com base na vontade de uma única entidade nacional. Por
isso, o equilíbrio viável entre os constrangimentos de ordem interna é os de
ordem global e externa não será, na generalidade dos casos, um mero ponto
médio mas sim um ponto que aparecerá deslocado na direcção dos constrangi-
mentos
globaiseexternos. p a oitnenti oe up
sho
Omodode
tratamento
analticonp its bst co

A resolução analítica das questões relacionadas com a política de defesa


não permite, como se observa já neste primeiro pequeno desenvolvimento
introdutório, um tratamento linear. Ë um campo onde existem numerosas for-
ças de distorção, com variados pólos de in uência e de interesse, com efeitos
cruzados e até com linhas de acção cujas bases de racionalização não são ime-
diatamente compatíveis ou sobreponíveis.
s Não é objectivo deste texto de nir uma concreta política de defesa nacio-
nal mas sim estabelecer as condições a que deve obedecer a produção da polí-

S3
fi
fl
fi
fi
fi
fi
fi
fi
tica de defesa. Não se encontrará aqui, portanto, juízos de valor sobre opções
concretas. É neste sentido que se deve interpretar a importância atribuída à
construção. de um referencial que possa ser usado não só para a produção de
uma política de defesa mas também para a avaliação crítica de políticas de
defesa concretas se este for o objectivo dos utilizadores desse referencial.
rePara que este programa de análise se possa cumprir conduzindo a resul.
tados objectivos e susceptíveis de avaliação da sua utilidade (isto é, que não
se limitem a expressar posições doutrinárias abstractas ou posições ideológicas)
é necessário admitir que serāo satisfeitos dois requisitos primários, sem os
quais esta análise não poderia ser construída. Esses dois requisitos são os
seguintes:

ser possível de nir em termos gerais as condições de produção de uma


política de defesa;
ser possível identi car os circuitos interdepartamentais que têm de se
accionar para produzir uma política de defesa.

Não são requisitos de veri cação incerta ou que se possam interpretar


com margens amplas de ambiguidade. Nas condições contemporâneas de acei-
tabilidade social da acção e da decisão políticas a satisfação desses requisitos
é imperativa -isto é, não será socialmente aceite nem será susceptível de
legitimação continuada uma acção política ou uma decisão que se apresente
violando aqueles requisitos.
Em geral, admite-se que uma entidade nacional está dotada de uma polí-
tica de defesa embora se justi que manter a precaução de não confundir
esse juízo de existência com um juízo de valor sobre a qualidade ou a viabili-
dade dessa política de defesa. E embora não se possa pensar que as políticas de
defesa sejam intermutáveis e tenham as mesmas especi cações (são diferentes
os contextos nacionais, o tipo de recursos disponíveis e o quadro de ameaças
em que se inserem ), impõe-se admitir que todas as políticas de defesa devam
obedecer a condições de concepção e de produção semelhantes, ainda que sejam
diferentes as entidades nacionais e distintos os seus circunstancialismos.
Por outro lado, também se admite que, em geral, uma política de defesa
não é uma construção isolada, que seja independente das outras políticas secto-
riais, regionais e nacionais. Esta admissão equivale a reconhecer uma necessi-
dade interdepartamental que, na sua expressão mínima, se de ne ao nível dos
efeitos de vátias políticas convergentes ou complementares em relação aos
objectivos da defesa mas que, numa expressão mais integrada, deverá já incluir
as fases de concepçāo e de formulação de diversas políticas páblicas que se
articulam em relação a esses objectivos de defesa. Esta interdepartamentalidade
aparece como o modo rigoroso e organizado de traduzir o que atrás se iden-
ti cou como a complexidade intuitiva que se encontra na política de defesa.

54
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fi
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fi
fi
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De facto, a defesa pode e deve ser uma preocupação global da decisão política,
correspondendo a uma atitude permanente. Mas isso só tem sentido concreto
sempre mais importante do que as pro ssões de fé abstractas quando se
esclarece qual é a regra de composição dessas políticas articuladas e se expli-
citam quais são os contributos, necessários ou esperados, de cada departamento
ou políticapáblica paraessapolítica global de defesa.h obad r
Ld Aqueles dois requisitos são também condições mínimas indispensáveis para
a validade de uma concreta política de defesa. Se qualquer deles não se veri-
casse ou pudese ser posto em dúvida, não seria posstvel elaborar nenhuma
análise objectiva do modo de produção dessa política de defesa. Esta seria,
então, um mero produto da vontade dos agentes detentores do poder, um pro-
duto estritamente singularizado em termos dos seus autores e, portanto, intei-
ramente condicionado pelo seu quadro de circunstâncias. A análise não poderia
aspirar a mais do que descrever um objecto que seria personalizado e tempo-
ralizado, sem qualquer possibilidade de generalização para outros períodos,
para outras situações e para outros agentes do poder. A poltica de defesa
nacional apareceria, então, como uma sucessão de cortes, de soluções de con-
tinuidade, em linhas políticas que, por serem personalizadas e circunstanciais,
mudariam com as personalidades e as circunstâncias.
Toda a teoria política contemporânea, assim como as condições sociais -de
atribuição da legitimidade política, rejeitam este tipo de visão singularizada e
circunstancial, empirista e oportunista. O Estado e a sociedade têm interesses
permanentes que transcendem as personalidades e as circunstâncias. A decisão
política tem de satisfazer normas de legitimação, de publicidade e de raciona-
lização colectiva que controlam o grau de subjectividade da decisão política e,
sobretudo, impõem a sua inserção em programas de longo prazo que respon-
dem a csses objectivos permanentes. Nenhum decisor político poderá exercer
duradouramente a sua acção numa sociedade moderna se apresentar as suas
decisõese osseusobjectivosemtermosarbitrários. o s aanelavit
-Du3 Aqueles dois requisitos devem, pois, ser aceites e será esta a convenção
explícita em que se baseia este texto. nolo ovisajlb 0iieusoci
Porém, a sua aceitação não é incondicional nem deve fazer esquecet uma
precaução elementar imposta pelas situações concretas, sobretudo quando se
reportam a políticas nacionais globais como é a política de defesa. Em certas
circunstâncias históricas, pode existir um discurso político racionalizado sobre
a política de defesa nacional mas a que não, correspondem decisões polfíticas
concretas que respeitem as exigências desses discursos racionalizados. Nestes
casos, os conceitos e as palavras, ou até mesmo as preocupações, não têm
tradução real nas acções organizadas e nas decisões políticas. Está-se, então,
perante uma situação difícil e paradoxal. A elaboração de análises críticas sobre
estaspráticas não tem e cácia - pois o discurso o cial dosdecisoresrecolherá
sem qualquer resistência essas sugestões considerando-as como suas. Mas uma
fi
fi
fi
fi
atitude de aceitação passiva dos discursos o ciais estará a contribuir para que
se agrave o fosso entre o projecto intencional e o projecto real que está a ser
concretizado à margem ou em contradição com o discurso o cial. O que se
encontra neste caso é a violação prática, mas não deliberada, dos dois requi-
sitos, com especial nitidez do segundo.
É em função desta precauçăo que se deve entender a proposta de um
método adequado para a produção da política de defesa, que não será só a
proposta de uma atitude política (concepção) mas deve também conter a
determinação das relações interdepartamentais e dos agrupamentos institucio-
nais-administrativos necessários para que aquela atitude tenha uma tradução
concreta
(produção
). 23)8ob 3 boobbe

1. A importáncia de uma politica no sistema das politicas públicas

ph2 Nenhuma política existe num vazio social ou em termos estritamente abs-
tractos. Uma política responde a questões concretas, e estas por sua vez, estão
inseridas numa certa hierarquia de ques tões nacionais. Esta é a óptica da aten-
ção ou da relevância politica, pela qual cada problema tem uma certa posição
'numa orden de prioridades, e esta por sua vez, está dependente da impor-
tância que socialmente lhe é atribuída. Esta é a óptica dominante nas decisões
políticasconjunturais e do jogo dasin uências e não se deveesquecerque
nos sistemas democráticos, com períodos eleitorais bem de nidos, um número
signi cativo de decisões é in uenciado por estas razões conjunturais.
D Porém, há que considerar também a óptica das condições e dos efeitos,
pela qual cada política está inserida num certo quadro de possibilidades e cada
política depende, de algun modo, dos contributos vindos de outras políticas
ou das decisões tomadas sobre outras políticas que limitam os recursos dispo-
níveis para essa especí ca aplicação. Esta é a óptica das decisões estruturais,
pressupondo-se que nem todas as opções caram esgotadas na perspectiva con-
junturalista. Os objectivos de longo prazo são os factores de orientação de
múltiplas decisões políticas que devem convergir para uma combinação de efei-
tos conjugados ou cruzados, numa sequência onde cada ponto é necessário para
a realização continuada do programa.
Quando se analisam as políticas públicas pela primeira óptica, a impor-
tância de uma política varia com as conjunturas e com as condições sociais.
Neste caso, não há nenhuma garantia de que uma política de defesa possa ser
deduzida de modo unívoco a partir de um conjunto de regras com validade
absoluta. Cada país,_cada sociedade, com as suạs situações concretas, comas
suas coordenadas.e experiências históricąs, com as suas linhas de orientaçãg
para o futuro, com os seus interesses sociais e Çomas_suas relações externas,
tendeaestabelecerum modopróprio de resolver aquestão dadefesanacio
56
fi
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fl
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fi
fi
nal,variável com as circunstâncias imediatas ou mesmo de índoleabertamente,
oportunista –entendendo a polfítica de defesa como uma política pública resi-
dual, o que resta depois de satisfeitas as necessidades conjunturais mais ime-
diatas. E, por isso, necessário ter em conta o que é especí co nas concepções
de cada país, de cada sociedade, para se poder analisar o que são as fotmas
possfveis, as modalidades, que a política de defesa ai poderá assumir no
que se tem de incluir a sua hierarquia de importância no sistema das políticas
públicas. E essa hierarquia não será uma consequência apenas da avaliação de
factores objectivos, mas também será o resultado dos graus de atenção política
quesão
associados
aessas
questões.a SN sA t O
boTodavia, esta «nacionalização» ou «interiorizaçāo» dos temas de política
de defesa origina um outro tipo de di culdades que, em última análise, tornam
insu ciente esta primeira óptica. Quando se veri ca, na evolução mundial, uma
tendência no sentido da multipolaridade, com processos de regionalização plu-
rinacional, com dinâmicas de interdependência crescente e com mundialização
dos problemas, há uma redução do alcance prático daquelas características
nacionaisespecí cas a menos queessascaracterísticasnacionais já estejam
em sintonia com o que está a ser a evolução global. Nestas condições, aquela
«nacionalização» ou interiorização» pode ser um factor autónomo de etro de
concepção ou de avaliação. É óbvio que -os factores nacionais não desapare-
cem, mas é indispensável proceder à sua integração em códigos de análise e
em métodos de avaliação e de acção que se globalizaram. A resistência a este
processo geral- tem como custo inevitável uma crescente irrelevância no con-
texto internacional, na medida emn que assim se oferecem oportunidades a
outras entidades nacionais que não deixarão de as aproveitar na a rmação dos
seus interesses. L
Éeste tipo de tendências onde a dominante aponta claramente nu sen-
tido da adptação das especi cidades nacionais a códigos regionais e universais
que os problemas associados à políțica de defesa nacional assumem uma
importância crescente no sistema das políticas. A óptica da atenção política
ou do jogo de in uências internos tende a perder e cácia para ser substituída
pela óptica estrutural das condições e dos efeitos exactamente potque a
política de defesa assume o estatuto de política de importância permanente, na
qual se re ectem as condições da soberania nacional. Da sua acepção clássica
de preparação para a guerra que ainda hoje se encontra re ectida nas organi-
zações administrativas dos governos (defesa das fronteiras, guerra regional ou
guerra alargada por efeito do sistema de alianças e das obrigações por essa via
assumidas, com o consequente planeamento dos dispositivos de forças e dos
sistemas de armamento) a política de defesa evoluiu nos tempos modernos até
incluir no seu âmbito de preocupações e de objectivos gerais a autonomia da
decisão poltica num quadro generalizado de concorrência internacional. É este
o sentido que se encontra re ectido na indicação dos objectivos da defesa

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como sendo a independência nacional, a integridade territorial e a unidade do
Estado, o que justi ca que a política de defesa deva ser pensada em termos
doconceitodedefesaglobal(Couto,1981). dim, dsaot ppull
Ao longo desteprocesso,a política de defesanacional evokuiu das dimen-
sões predominantemente internas, orientadas para o objectivo de preparação
perante eventualidades relativamente bem de nidas e num quadro de ameaças
que era simpli cado pela identi cação relativamente estável dos inimigos, até
atingir a sua forma actual de dimensões mais complexas de respostas a amea-
ças múltiplas num contexto internacional de concorrência generalizada, com
maior grau de incerteza e com maior número de participantes, onde se justi ca
falar de planeamento estratégico de uma entidade nacional num quadro de
acção regional e mundial e em intérvalos temporais alargados (obrigando por
isso mesmo a uma programação que não que limitada a solicitações conjun-
turais e a umconceitorestritivode ameaça).iut th ooe ot tonbarss
Observando o mesmo processo numa outra perspectiva, dir-se-á quea
política de defesa tem vindo a perder a sua tradicional especialização militar
para se orientar no sentido dos problemas globais que se colocam a uma enti-
dade nacional num sistema de concorrência generalizada e não tradicional o
que obriga a considerar a política de defesa como um meio essencial para a
criação de condições satisfatórias de acção política geral.
ooico
Quer isto dizer que a política de defesa é mais importante do que outras
políticas públicas sectoriais? Embora seja uma pergunta real, que é efectiva-
mente colocada nos sistemas políticos contemporâneos, é provável que se trate
de uma questão mal equacionada. Do ponto de vista da importância relativa
dos diversos departamentos e das divisões administrativas do Estado, a res-
posta a esta pergunta tem todo o interesse não số pela importância dos
respectivos funcionários mas também pelo peso das correspondentes dotações
orçamentais. Contudo, do ponto de vista das concepções políticas, gerais, o
que importa referir é que a política de defesa é um dos re exos globais das
condições de acção política de uma entidade nacional-não é a única, não é
menos nem mais importante do que outras políticas públicas que também têm
a característica de serem re exos globais das possibilidades de acção de uma
entidade nacional, mas é certamente uma das perspectivas obrigatórias que
tếm de serconsideradasnasanálisespolíticasgerais. s abieib: se aup
u Não é por acaso que um dos factores discriminatórios na classi cação das
entidades nacionais em termos do seu poder está no grau de globalidade e de
consistência que se encontra nas suas políticas de defesa. Mais do que o po-
tencial absoluto dessas sociedades (população, recursos, capacidade produtiva,
coesão social, a rmação cultural, capacidade militar) importa identi car o seu
potencial de planeamento estratégico da sua autonomia, isto é, a sua capaci-
dade para actuar num campo de concorrência generalizada sem perder as con-
dições de a rmação nacional. E a esta questão que a política de defesa terá

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de responder (directamente ou como re exo do que pode estabelecer em resul-
tado da articulação das outras políticas públicas), pelo que a classi cação do
estatuto de uma sociedade no sistema internacional pode ser deduzida de uma
avaliação da globalidade e da viabilidade da sua política de defesa.
Nas realidades contemporâneas, este potencial de autonomia nacional é
uma condição dinâmica: temn de se ajustar rapidamente a circunstâncias em
mutação, não esquecendo que o mesmo estarão a tentar todas as outras enti-
dades nacionais concorrentes. E por isso mesmo que as relações de interde-
pendência, que são uma das características das relações internacionais actuais,
podem ser entendidas como modalidades de aliança fraca, que apenas se man-
têm enquanto não surgir uma outra relação com outras entidades nacionais que
assegure um potencial de autonomia mais favorável a uma das partes. A inter-
dependenca tem no seu interior uma lógica de diferenciação e dé especialização
que corresponde a uma relação de troca, mantendo-se apenas enquanto não se
puder estabelecer outra relação de troca mais favorável. Por isso, o enfraqúe-
cimento de uma das partes tende a fazer da interdependência uma simples
dependência. E mesmo a mamutenção dos equilíbrios de vantagens na relação
de interdependência, sendo uma condição favorável à subsistência dessa rela-
ção, não é uma garantia su ciente de que essa aliança fraca não venha a ser
rompida logo que alguma das partes encontre 'mais vantagens noutra ligação.
2 Perante as exigências colocadas por esta condição- dinâmica, as condições
de coordenação nacional das diversas políticas, com o objectivo último de
garantir a soberania, assumenm uma importância crescente.
Em termos da óptica da atenção política, esta importância impõe que a
política de defesa seja estruturada ao mais alto nível da decisão política
seguindo uma regra bem exptessa em Clausewitz (para quem os assuntos das
guerras só têm sentido como expressão da política). Do ponto de vista da
óptica das condições e dos efeitos, a política de defesa aparece como uma área
de con uência de várias políticas públicas, o que implica que só possa ser con-
cebida como a resultante global de uma organização de políticas que contêm,
nos seus domínios sectoriais, uma mesma intencionalidade orientada para os
objectivos da defesa. Neste sentido, tambéếm esta organização das políticas
públicas, éste desenho dos agrüpamentos institucionais-administrativos, deve
ser considerado como uma construção estratégica que deve ser decidida ao
mais alto nível de responsabilidade política.
Con rma-se, assim, a necessidade de estabelecer a localização da política
de defesa no sistema das políticas públicas no sentido de de nir a sua locali-
zação em termos da decisão política e institucional (cumprindo as exigências
colocadas pela óptica da atençāo política ou da relevância das decisões) e no
sentido da sua localização na organização das políticas públicas (cumprindo as
exigências colocadas pela óptica das condições e dos efeitos). Não se trata de
uma questão de importância relativa da política de defesa em relação a outras

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políticas públicas. Trata-se de reconhecer que a componente da defesa na deci.
são política é uma condição essencial da coerência das políticas páblicas.

2. Defesa nacional e segurança nacional

2.1 Os conceitos básicos

Não há na doutrina produzida em Portugal sobre os conceitos básicos de


defesa e de segurança um entendimento unânime sobre os seus conteúdos.
Esta di culdade não se limita a uma querela de conceitos; em muitos casos,
envolve consequências práticas muito diferentes, sobretudo em termos dos
papéis institucionais e das hierarquias entre instituições. Embora não se pre-
tenda resolver aqui essa di culdade, irá apresentar-se um nodo de organizar
estes conceitos que procura superar as divergências mais imediatas através da
referência a outros conceitos superiores, designadamente aos conceitos de sobe-
rania nacional e de Estado.
A posição que aqui se apresenta parte do conceito de soberania nacional
e, consequentemente, do conceito de Estado, na medida em que a soberania
nacional é uma qualidade geral que precisa do suporte geral em que se con-
cretizará e que é o Estado, com o seu quadro institucional e os seus meios
de acção.
Para Max Weber, «uma relação será considerada política quando e na
medida em que a sua existência e a validade das suas regras dentro de uma
certa área geográ ca estão continuamente asseguradas pelo uso, ou pela ameaça
de uso da força física por parte dos seus agentes executivos. O termo «Estado»
será usado para referir uma organização institucional com carácter político
quando e na medida em que os seus agentes executivos invocam com sucesso
o uso legítimo da força física para impor o cumprimento das suas regras»
(Weber, 1922). ssaesa t/ ghnờctssie ese
bsit Ao sublinhar o uso legítimo da força que está na quadro das acções pos-
síveis do Estado, mas que constitui o seu especi co monopólio baseado numa
relação de legitimidade, Weber identi ca uma entidade soberana dentro de um
determinado território –pois é nessa área que a qualidade da legitimidade é
válida e é nessa área que o exercício daquele monopólio do uso, ou da ameaça
de uso, dos meios violentos estão assegurados. Deste modo, o exercício do
poder implica necessariamentea capacidade de defesa, isto é, a capacidade
para evitar que outros poderes externos, que estariam desprovidos daquela qua-
lidade de legitimidade, possam ser exercidos no interior desse territótio.
8Numa de nição mais recente, Charles Tilly de ne o Estado como «orga-
nização que controla a população que ocupa um território de nido na medida

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em que se diferencia das outras organizações que operam no mesmo territótio,
na medida em que é autónoma, centralizada e na medida em que as suas sub-
divisões são coordenadas entre si» (Tilly, 1975). 36 2i2o
Em relaçāo à de nição de Max Weber desaparecem nesta de nição de
Tilly as noções de monopólio do uso da força e de legitimidade; em contra-
partida, reforçam-se as noções de tipo organizativo, de constituição de um apa-
relho, como são as noções de diferenciação, de autonomia, de centralização e
de coordenação. Não havendo contradição entre as duas de nições, há perspec-
tivas diferentes: no caso de Weber, os fundamentos do poder do Estado; no
caso de Tilly, os organismos pelos quais se expressa o poder do Estado.
Mas em ambas as de nições há uma qualidade básica associada ao Estado:
a autonomia de decisão em relação a qualquer outro centro de in uência que
exista ou que se manifeste. dentro de um certo território. Por maioria de
razão, esta autonomia de decisão impõe que exista a capacidade para resistir a
centros de in uência extenos, sem o que estaria posto em causa o conceito
de soberania nacional. Uma vez mais, a capacidade de defesa nacional aparece
como constituinte do conceito de Estado.
i Entretanto,outrosdesenvolvimentosecentes doconceitodeEstadotêm
sublinhado uma outra dimensão deste conceito, a dimensão que surge nas
relações do Estado com o exterior. É, evidentemente, uma dimensão que sem-
pre existiu mas que cou relegada para segundo plano perante a necessidade
de interpretar analiticamente o fenómeno da organização interna do Estado
como poder que se autonomiza de outros poderes sociais. Mas à medida que
se desenvolve o processo de internacionalização das sociedades vai-se tornando
mais visível a importância do sistema de relações do Estado com o que é
exterior às fronteiras nacionais. Para J. P. Nettl «o Estado é uma estrutura
política com duas faces, uma dirigida para o interior e outra dirigida pará o
exterior» (Nettl, 1968). Para A. Z. Zolberg «é necessário incluir o factor
estratégico internacional como variável explicativa em qualquer macro-sociolo-
gia comparada da formação do Estado ocidental, da sua evolução e da sua
diferenciação»(Zolberg, 1985).
O reconhecimento deste efeito externo na formação do Estado não altera
a validade abstracta das citações de Weber e de Tilly, mas oferecem um me-
Ihot ajustamento às realidades concretas: numa época em que as relações inter-
nacionais são rápidas e intensas, os Estados não podem ser mais entendidos
como entidades isoladas, apenas com uma realidade interior a um certo terri-
tório. E se já no passado não o eram (os Estados foram formados por forças
internas mas também pelas pressões e condicionalismos vindos do exterior),
menos
pooderão
ser
agora. vcoe eta r incar o
Nestas suas múltiplas dimensões constituintes (uma relação de legitimi-
dade válida num certo território, o monopólio do uso ou da ameaça de uso
-da vioência, uma organização diferenciada e com autonomia, uma face diri-

61
fi
fl
fl
fi
fi
fi
fi
gida para o interior e outra para o exterior), a existência do Estado pressupõe
a sua capacidade para regular os equilíbrios internos e externos que permitam
preservat estas características.

2.2 Soberania nacional e sociedade s sare


O conteúdo concreto associado à noção de soberania nacional vária com
os tipos de sociedade, com as épocas, com os modos de entender as ameaças,
as vulnerabilidades e as oportunidades em suma, com o modo como uma
sociedadeinterpreta assuaspossibilidadessociais. hdes rs sll
U Neste sentido, importa recordar que uma proposta política está sempre
dependente da sua aceitabilidade social. É em função das respostas sociais que,
em última análise, uma acção política será considerada congruente com as na-
lidades essenciais da política designadamente quando tem como objectivo a
garantia da soberania nacional, um objectivo para o qual se pode aspirar a
conseguir um elevado grau de consenso. Esta é uma condição necessária de
avaliação de políticas, na medida em que qualquer juízo analítico sobre a satis-
fação daquelas nalidades não pode ser desligado da vontade social, das suas
formas de expressão e da sua evolução, do grau de mobilização e de motivação
dos diversos grupos sociais.
bs Numa sociedade onde esteja assegurada a liberdade de expressão, como
acontece nas sociedades demnocráticas, esta condição de aceitabilidade socialé
ainda mais importante, na medida em que é pelo debate das razões e das con-
sequências das políticas que se pode formar uma consciência nacional infor-
mada - e, portanto, umaorganizaçãoe ciente dascondições de acção e um
aproveitamento articulado, e caz, dos efeitos conjuntos das várias políticas
parciais. oni
olo Dentro do contexto geral de a rmação da soberania nacional que é
uma condição de aceitabilidade social de uma qualquer política e sem o que
não teria sentido falar de Estado justi ca-se considerar que «os ns últimos
da política são a segurança, o progresso e o bem-estat social» (Couto, 1981).
Na medida em que agaraintiada soberanianacional implica acápacidade
de impedir 'a penetração de interesses extemos que pössam afectar a autono-
mia da decisão do Estado, a acção política do Estado (distinta da sua acção
administrativa ou burocrática), exercida através dos seus agentes legítimos,
consubstancia-se na organizaçāo de meios para a realização daqueles « ns últi-
mos» que, conjugados, proporcionam os equilíbrios internos e externos indis-
pensáveis à garantia da soberania nacional. A formação do consenso social
básico sobre a garantia da soberania nacional, a aceitabilidade social das polí
ticas, terá de se basear naqueles três grandes objectivos em simultâñeo por-
quẻ a realização de cada um está dependente da realização dos outrose porque

62
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ás atitudes sociais, nos diversos estratos e interesses, se de nem em relação a
qualquer deleso que signi ca que qualquer um deles é um factor especi co
de vulnerabilidade nacional.
Nestes termos, os « ns últimos» s valores globais podem ser entendidos
num nível diferente daquele em que se vão situar as políticas conctetas que
devem conduzir à concretização dessas nalidades últimas.

2.3 A segurança como nalidade e a defesa nacional como politica

Esta distinção entre segurança e defesa não é considerada essencial por


alguns autores nemé considerada relevante em algumas sociedades. Num im-
portante «clássico» é expressamente a rmado que «os termos 'defesa' e 'segu-
rança nacional' serão usados indistintamente» (Hitch, McKean, 1960, 1974)
e mesmo na organização administrativa norte-americana aparece um Departa-
mento da Defesa mas também um Conselho Nacional de Segurança com áreas
de interesses que se sobrepõem (e que se acumulam também com os assuntos
de política externa).
Um outro caso interessante para o esclarecimento désta separação entre
segurança e defesa é o caso japonês. É uma situação nacional sui generis
(ainda que, na sua singularidade, seja comparável com a separação das duas
Alemanhas, separação que também coloca um complexo problema de identi -
cação do' conteúdo da soberania nacional) criada por vários condicionalisnos
históricos que di cilmente se podem aplicar a outras entidades nacionais. Con-
tudo, é um caso que revela um processo de adaptação do qual se pode tentar
extrair um contributo para compreender a relação entre segutança e defesa.
b Existe na sociedade japonesa um forte grau deconsensualidade,tanto nos
seus diversos estratos sociais como nás suas estrututas orgânicas, sejam elas
políticas, económicas ou culturais. Por razões de ordem histórica relacionadas
com a 'sua derrota na Segunda Guerra Mundial, os agentes políticos japoneses
foram forçados a realizar uma adaptação da sua estratégia nacional. De um
modo diferente do que de niram como orientação global antes da Segunda
Guerra Mundial, desenvolvem agora uma estratégia onde o seu empenhamento
em meios de defesa é muito desproporcionado em relação ao seu papel mun-
dial. Isso é posstvel porque maximizou o efeito de protecção oferecido pelo
seu sistema de alianças, atproveitando em seu favor o facto de esse sistema de
alianças lhes impor a minimização do seu esquema de defesa militar. Entre
tanto, esta minimização do dispositivo próprio de defesa militar não leva a
sociedade japonesa a descurar as condições de autonomia da sua decisão nacio-
nalo que se traduz, na prática, na percepção social generalizada da necessi-
dade da expansão económica externa, condição para poder assegurar a impor-
tação das matérias-primas indispensáveis à subsistência da sua população, ao

63
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fi
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desenvolvimento dd sua economia e, consequentemente, ao exercício da sobe-
rania nacional. É um contexto social singular, ohde o estado de segurança é
atingido com um empenhamento mínimo em meios de defesa, mas tendo
como contrapartida uma deslocação dos factores tradicionais de defesa para o
domínio económico. Comparativamente, poderia então dízer-se que as grandes
potências mundiais, com as suas acumulações dos mais diversos tipos de arma-
mento, só atingem o estado de segurança com um sobre-investimento em meios
de defesa.
Ao realizarem a sua adaptação às condições que lhe são impostas depois
da Segunda Guerra Mundial a sociedade japonesa estabelece o conceito de
segurança nacional compreensiva ou global (comprehensive national security),
apresentado como o conceito de orientação estratégica e de concepção organi-
zativa que é consistente com a especi cidade japonesa, considerando que:

- a resposta a fontes diversi cadas de insegutança deve ser também uma


resposta diversi cada, o que implica que todas as actividades sociais
devem estar sintonizadas com esse objectivo nacional permanente;
-na era das armas nucleares evoluídas e caracterizada pela interdepen-
dência entre nações não seria concretizável para o Japão um esforço
de defesa militar independente, o que justi ca a utilizaçăo do sistema
de alianças como parte integrante do seu sistema de defesa;
-o Japão está obrigado pela sua Constituição a renunciar à guerra e à
ameaça do uso da força como meio de resolução 'de con itos interna-
cionais, dispondo apenas do direito de organizar forças de auto-defesa
(Smith, Vittorelli, Saeki, 1983).

É certo que este conceito de «segurança nacional compreensiva ou global»


está especi camente ajustado às conveniências da estratégia nacional japonesa.
E, portanto, uma racionalização prática ou interessada. Porém, todas as polí-
ticas nacionais têm uma componente de racionalização interessada, cottespon-
dendo ao' que for a melhor adaptação às condições globais de acção. 0 que
este exemplo mostra é que é conceptualmente possível e, nalguns casos, neces-
sário, distinguir defesa de segurança nacional: a sociedade japonesa atinge um
elevado grau de segurança nacional com um investimento mínimò em meios
de defesa.
A importância do exemplo transcende a singularidade japonesa se se tiver
em conta qúe nas condições contemporâncas de crescente so sticação de atma-
mento e onde a potência militar nuclear é um discriminante de poder entre
nações, há muitas sociedades que têm de estabelecer a sua estratégia nacional
com óbvias limitações nos seus meios de defesa. Nesta perspectiva, estas socie-
dades que não podem competir na dialéctica dos meios militares estariam, em
contrapartida, mais orientadas para o desenvolvimento de estatégias de segu-

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rança nacional, aproximando-se gradualmente da concepção produzida na socie-
dade japonesa.
Não obstante admitir-se a possibilidade deste desenvolvimento conceptual
pelo qualo conceito de segurança nacional acabaria por absorver o conceito
de defesa nacional, esta acepção extrema não será adoptada neste texto. Por
muito importante que seja, nas condições contemporâneas, o constrangimento
operacional imposto pelos meios militares e pelo armamento disponível, con-
tinua a tet sentido distinguir entre defesa nacional como política ou como con-
junto de políticas, e segurança nacional, como estado desejado ou m último
de um conjunto de políticas. Dito de outro modo: apesar daqueles constran-
gimentos operacionais, a política de defesa não deixa de existir e é mesmo
essencial a sua formulação concreta para que se possa avaliar o peso desses
constrangmentos e para que se possa procurar compensar essas de ciências
de meios militares com outras politicas de defesa convergentes ou complemen-
tares. E o åmbito da política de defesa pode ser alargado, para corresponder
às necesidades contemporâneas, até à expressão da defesa global como «a
defesa de todos os objectivos, contra quaisquer ameaças e recorrendo a medi-
das em todos os domínios» (Couto, 1981). Por outro lado, continua a ter
utilidade considerar a segurança nacional como uma nalidade última, como
um estado desejado mas que pode variar com as circunstâncias históricas
ou com as circunstâncias políticas gerais, induzindo assim, por reacção, dife-
renças mais ou menos acentuadas nas políticas de defesa que cam associadas
a esses objectivos globais de segurança nacional.

2.4 A hierarguia de conceitos

Na proposta apresentada neste texto há uma hierarquia básica de concei-


tos: garantia da soberania nacional, condições de segurança nacional e política
de defesa nacional.
Esta hierarquia básica, que preside a todo o texto, é, no entanto, uma
fórmula esquemática que será de facto trabalhada em formas mais complexas:
a garantia de soberania nacional aparecerá como o resultado de um núcleo
de condições (condições de segurança nacional, condições políticas, condições
económicas e condiçöes de a rmação nacional) que, quando sujeitas a um
processo de diferenciação das suas várias componentes, permitem estabelecer
várias políticas, entre as quais se inclui a política de defesa em sentido estrito
ou clássico como administração dos meios de defesa. Contudo, o que se pro-
curará mostrar é que é o conjunto coordenado desas políticas derivadas do
núcleo de condições que identi ca o que seria uma política de defesa em sen-
tido global e integrado, analisada nas suas vertentes interna e externa, ajus-
tada ao que são as exigências das condições contemporâneas.

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Esta proposta de quadro conceptual não contraria os textos mais recentes
escritos sobre esta matéria em Portugal (Cardoso, 1981) mas não tem com
eles uma ligação directa, seja como expressão de adesão ou como referência
crftica: é uma proposta autónoma, resultado de uma re exão sobre o quadro
doutrinário disponível, mas essencialmente justi cada por razỗes próprias que
decorrem do modelo global apresentado no texto.

3. A politica de defesa como politica condicionada e interdepartamental

3.1 As re exões práticas

Pata além das deduções de tipo doutrinário importa também ter em conta
as re exões e as experiências concretas dos que actuam nestas áreas de pro-
dução de políticas públicas. Para ilustrar estas indicações referem-se dois tex-
tos de dois agentes políticos dotados de uma vasta e respeitada experiência.
E embora tenham recolhido o essencial da sua experiência actuando na pers-
pectiva de uma grande potência, nem por isso as suas indicações deixam de
ser úteis para outros países que tếm outros modos e outras possibilidades
de actuação.
Para George Kennan (Kennan, 1986) não subsistem dúvidas de que a
política de defesa é uma política condicionada por múltiplos factores: «Os
interesses de uma sociedade nacional, aqueles que um governo tem de pro-
curar realizar, são basicanente os da sua segurança militar, da inviolabilidade
da sua vida política e do bem-estar do seu povo (....). O conceito de segu-
rança nacional que é assumido como estando na base das preocupações gover-
namentais, deve ser concebido de um modo razoável e não de umn modo exces-
sivo. Numa era marcada pela existência do poder nuclear ofensivo, a segurança
nacional só pode ser concebida em termos relativos; e na medida em que possa
ser realizada, deve estabelecer os seus ctitérios tanto na avaliação das intenções
das potências rivais como na análise das suas próprias capacidades. Um con-
ceito de segurança nacional que ignore esta realidade e, sobretudo, que não
aceite conceber o mesmo tipo de legitimidade às necessidades de segurança
dos outros que reivindica para as suas, ca sujeito a uma crítica moral (...).
O primeiro imperativo positivo que daqui decorre está estreitamente ligado
com a aceitação das limitações próprias. Daí se deriva a necessidade de conce-
ber os objectivos e compromissos de um modo atrticulado com o que forem
as possibilidades reais de acção no quadro internacional. Isto não é, de modo
nenhum, apenas uma questão de poder militar e, sobretudo, não é uma ques-
tão relacionada com a força destrutiva e, em última análise, auto-destrutiva,
que se encontra na arma uclear. Também não é inteiramente, nem sequer
principalmente, uma questão de polftica externa. É, antes de tudo o mais,

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uma obrigação que impõe que a sociedade seja orientada de um modo que
assegure o máximo controlo sobre os recursos próprios e a máxima capacidade
para os aplicar com e cácia onde forem necessários para a tealização do inte-
resse nacional e para os objectivos da paz mundial».
A preocupação que está latente neste texto é a que resulta do descontrolo
na afectação e utilização dos recursos que, se não for corrigida, cria vulnera-
bilidades imediatas e futuras, podendo então desencadear situações de facto em
que quem postos em causa objectivos nacionais essenciais. Não se trata de
uma questão de tipo militar nem é um problema suprível pela arma nuclear.
Ë uma questão de condicionamento das possibilidades nacionais por efeito de
um concreto sistema de políticas públicas, da sua articulação e da sua harmo-
nia - sendo certo que a concepção de defesa cará condicionada por esse
resultado. Em geral, não há nenhum motivo que impeça a aplicação destes
critérios e valores na política de defesa de um país não nuclear. Mas é inte-
ressante veri car que esses critérios e valores são produzidos no contexto de
uma potência nuclear, o que revela que o sistema global de condicionamentos
da polftica dedefesanão terá sido altetado antes terá sidosublinhado -
pelo desenvolvimento uclear.
Para George Shultz (Shultz, 1985) é clara a necessidade mas também
é clara a di culdade que existe em fazer reconhecer essanecessidade de
estabelecer as condições de produção interdepartamental para se poder chegar
uma concepção e caz de política de defesa: «Os Estados Unidos procuram
a paz e a segutança; procuramos o progresso económico; ptocuramos promo-
ver a liberdade, a democraciae os direitos humanos. O modo convencional de
pensar estes problemas consiste em tratá-los como tipos de actividades sepa-
radas. Mas é agora cada vez mais generalizadamente reconhecido que há uma
ligação crucial entre eles».

3.2 Defesa, controlo de meios e complemnentaridade


de politicas páblicas

A combinação destas duas notas permite con rmar que a política de


defesa exige o controlo continuado dos meios próprios (o factor de viabili-
dade) e a compreensão das posições e objectivos dos outros que actuam no
quadro da concorrência internacional (factor de estratégia ). Mas para que
estas exigências possam ser satisfeitas em termos práticos, para que essas dinmen-
sões de problemas possam ser cobertas, é necessário que a política de defesa
seja ela própria concebida como um encaixe de políticas, ou seja, concebida
como uma realidade interdepartamental.
Pensar uma política de defesa com a
.
nalidade de a produzir em situa-
ções reais exige que se possam explorar as relações de complementaridade e
de suporte cruzado com outras políticas que convergem na mesma nalidade

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ou que são produtotas dos instrumentos necessários dessa política de defesa
(ou, inversamente, que são factores de vulnerabilidades que a política de defesa
. deve procurar compensar ).
Mas o movimento contrário não seria possível. Pensar uma política de
defesa de modo isolado para depois impor as suas exigências sem ter em conta
a sua articulação com as outras políticas públicas em termos de convergência
de resultados, de harmonia, seria um exercício sem conteúdo - mesmopara
uma grande potência. Por sua vez, equacionar todas as outras políticas públicas
para depois determinar o que seria possível em termos de política de defesa
também não conduziria a nenhuma realidade política coerente: é certo que o
Japão atribui um papel muito limitado à política de defesa militar mas, em
contrapartida, essa limitação é mais do que compensada pelo papel atribuído
ao conceito de segurança nacional global que integra todas as políticas com a
nalidade geral de garantir a soberania nacional -não apenas no sentido for-
mal mas também no sentido do substancial de assegurat a sua viabilidade, a
mobilização e a preparação da comunidade, a resposta às vülnerabilidades e
ameaças, a optimização das suas oportunidades no contexto de uma estratégia
nacional adequada às condições internacionais (Long-Term Outlook Commit-
tee, Economic Planning Agency, 1983). Para pensat a política de defesa no
sistema das políticas públicas, nem os preceitos da hegemonia nem os preceitos
da subordinação são e cazes ou aplicáveis.
Por outro lado, pensar uma qualquer política nacional com a nalidade
prática de a produzir em situações reais não se limita a um estudo da sua
localização no sistema das políticas públicas, a uma articulação de complemen-
taridadese de suportes cruzados e, por m, à de nição do trajecto interdepar-
tamental que tem de percorrer. Tudo isso é necessário e já seria um progresso
considerável em relação às práticas tradicionais. Mas seria um progresso pro-
visório se não se tivesse em conta que no interior das sociedades, designada-
mente naquelas que apresentam maior con itualidade interna e sobretudo nas
sociedades dependentes, há factores importantes que vão interferir no modo
de concretizar aquelas regras gerais. Os objectivos con ituais de diversos gru-
pos sociais e pro ssionais, as intencionalidades especí cas dos agentes respon-
sáveis pela decisão política e os efeitos burocráticos originados nos departa-
mentos responsáveis pela execução das políticas constituem outros tantos canais
distorcedores que alteram aquelas sequências ideais.
Por isso se sublinha que a questão colocada pela política de defesa é, em
parte, um problema do modelo interdepartamental que controle as condicio-
nantes e os efeitos e, noutra parte, é um problema do controlo das redes de
in uência que incidem mum certo sistema de políticas públicas. É destes dois
vectores que se poderá deduzir o método adequado para a produção da polí
tica de defesa.

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4. A localização da poltica de defesa no sistema de politicas páblicas
6abnt eL
4.1 A fase primitiva: o «núcleo em fusão»

Esta secção tem por objectivo o estudo dos uxos constituintes da polí-
tica de defesa, isto é, do tipo de contributos que são necessários para que se
estruture, com condições de realização, uma política de defesa. Corresponde,
portanto, a uma análise de interrelações necessárias ou a um estudo de Com-
posição de políticas. Contudo, não é ainda um estudo ajustado às condições
políticas reais de uma sociedade real, na medida em que não são aqui consi-
deradas as distorções provocadas pelas in uências e pelos interesses que se
encontram nas relações reais entre os departamentos responsáveis pelas formu-
lações das diversas políticas nem são considerados outros condicionamentos
associados às especi cidades nacionais.t
O que aqui se procura determinar é uma composição ideal de polítícas
(no sentido de se construir um «tipo ideal» como é comum nas ciências sociais
para estabelecer um referencial que permita comparações com as situações
reais) que permita determinar a localização da política de defesa no sistema
de políticas.
Na fase mais primitiva da concepção de uma política de defesa há um
«núcleo em fusão» de factores ainda indistintos ou indiferenciados mas que,
por resultarem da experiência do passado e por condicionamento das necessi-
dades da acção política presente, se podem organizar e classi car em quatro
grandes áreas: condições económicas, condições políticas, condições de moti-
vação e condições de segurança nacional. h lsuu Aasb ta
Na sua interrelação, estas quatro grandes áreas contêm todas as proble
máticas políticas que se podem colocar numa entidade nacional. E, por isso
mesmo, pelo seu elevado grau de generalidade, este «núcleo» não é su cien-
temente discriminante para localizar qualquer política especí ca. É neste sen-
tido que se pode falar de «núcleo em fusão» ainda não diferenciado. Todavia,
nada é pensável em política sem que se parta deste «núcleo», o que signi ca
que ele deva ser considerado como a base primitiva que depois se difetencia

de
modo
ordenado
econtrolado.ns l ie eboq
cyataisigl
Ao designar-se estas quatro grandes áreas como condições estáse a sub-
linhar a sua qualidade de fraca diferenciação e de grande plasticidade. As con-
dições em política orientam -no sentido de terem de ser respeitadas na for-
mulação das políticas concretas mas nãodeterminam -na medida em que
váias políticas alternativas são possiveis a partir de um certo quadro primi-
tivo de condições.
As condiçõeseconómicassão as condições da viabilidade global da enti-
dade nacional. Elas variam com as tecnologias, com os hábitos e expectativas
sociais ou até com as práticas correntes de relação e de concorrência interna-

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cional. Entre muitos exemplos possíveis, será útil indicar dois casos em que
ć patente essa variabilidade: as indicações históricas mostram, e a evolução
recente con rma, que os fndices de endividamento admissível para uma enti-
dade nacional variam com as circunstâncias, possibilitando, pot essa via, pro-
longar situações de inviabilidade nacional objectiva como se esta não existisse,
ainda que esse encobrimento das relações reais implique uma sobrecarga das
gerações futuras e uma limitação considerável das margens de autonomia nacio-
nal. No mesmo sentido se devem entender as variações nas realções de troca
que, por razões de mercado ou por efeito das alterações tecnológicas, alteram
os potenciais económicos mesmo que não se tenha veri cado nenhuma alte-
ração signi cativa nas outras condições. Apesar de todas estas possibilidades
de variação, que são em si mesmas factores de incerteza, é geralmente aceite
que, com os conhecimentos disponíveis e com os elementos estatísticos reco-
Ihidos pela administração pública, toda a entidade nacional contemporânea
pode estabelecer indicadores signi cativos do que são as suas condições eco-
nómicàs, derivando daí uma indicação precisa dos seus efeitos e dos seus con-
dicionamentos sobre as outras políticas nacionais.
As condições politicas são as condições de orientação da sociedade no
tempo (de acordo com os critérios de legitimidade em que se fundamenta a
autoridade e de acordo com os indicadores de e cácia em que se fundamenta
a continuidade dessa orientação política) e as condições de regulação das suas
relações sociais (normalmente no âmbito do território sobre o qual se exerce
a jurisdição das entidades que formam o Estado). É a área ou dimensão do
poder político, entendida como conjunto de procedimentos que determinam o
processo de escolha social e de legitimação do exercício do poder, como qua-
dro institucional em que actuam esses agentes legitimados, como processo
complexo de decisāão e como expressão organizada da con itualidade de orien-
tações existentes numa sociedade (normalmente através de partidos políticos
e de outras organizações representativas de interesses sociais). Também aqui
não se pode considerar estas condições apenas na sua forma estática: os regi-
mes políticos mudam, as orientações políticas da sociedade podem variar, a
e cácia da decisão política depende de múltiplos factores e até as regras de
legitimaçāo podem sofrer alterações. Contudo, essas variações não impedem
a análise da dimensão política: a sua possibilidade assenta na hipótese de que
é possível identi car, em cada entidade nacional, o que são as suas condições
políticas sob pena de se ter de considerar que a condução política da socie-
dade é arbitrária. E também são estas condições políticas que constituem um
contributo para a determinação do que é possível realizar com as várias polí.
ticas nacionais.
As condições de motivação correspondem às possibilidades existentes
numa certa sociedade de integrar os seus elementos através de comportamen-
tos individuais e sociais que sejam ajustados às potencialidades económicas e

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políticas, que sejam culturalmente consistentes com os traços da identidade
nacional e que satisfaçan os ctitérios de continuidade dessa sociedade no
futuro. Trata-se da dimensão sócio-cultural, onde se realizam as funções inte-
gradora e orientadora sem as quais não existiria sociedade mas apenas uma
justaposição de grupos. Contudo, e como se sabe do estudo da evolução das
sociedades, pode haver uma dinâmica das condições sociais que não esteja em
sintonia com os movimentos veri cados nas condições económicas e polticas
(aí se originando uma das razões principais das crises). Mas não estará em
causa que, em cada período, é possfvel identi car para cada entidade nacional
o que são as suas condições de motivação, delas derivando uma indicação essen-
cial quanto ao que é possível realizar através da acção e da decisão políticas.
2 As condições de segurança nacional são as que se relacionamn com a
garantia da soberania nacional, sendo esta entendida comno o atributo nal
que identi ca a existência do Estado num determinado território e assegura
a expressāão da identidade nacional que faz da comunidade uma nação. Ainda
que esse objectivo possa ser a rmado de modo voluntário (assente em valo-
res nacionalistas ou em pressupostos ideológicos), a verdade é que esta dimen-
são não existe de modo autónomo: é a consequência, ou a expressão organi-
zada e permanente, das três outras dimensões ou condições. Está, em linha
directa, dependente do que forem os outros três conjuntos de condiçöes
económicas, políticas e motivacionais. Mas está, também, dependente da inten-
sidade das ameaças externas à continuidade da soberania nacional ou da ava-
liação que se faz, interna e externamente, do signi cado dessas ameaças. Por
isso, dos quatro elementos diferenciáveis deste «núcleo» inicial, são as condi-
ções de segurança nacional que aparecem, por um lado, como uma resultante
sistémica e, por outro lado, como o ponto de partida para a determinação,
no quadro de uma estratégia nacional, das condições de invencibilidade como
suporte das decisões políticas que defendem ou reforçam a soberania nácional.
Podese, então, esquematizar este «núcleo» inicial do seguinte modo:

CONDIÇÕES DE SEGURANÇA NACIONAL

g
CONDIÇÔES CONDIÇÕES
ilPOLİTIČAS DE MOTIVAÇÃO/

6i53 adao, d cONDIÇÕES


ECONÓMICAS
t t c L6 Nácleo»
prinitivode
concepção
de
politicas
71
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clul 4.2 As quatropoliticas básicaso ronle

A partit destas quatro condişões ou dimensões primitivas é possível dedu-


zir quatro tipos de políticas necessárias, isto é, quatro tipos de políticas que
resultam do cruzamento ordenado daqueles elementos primitivos e que cortes-
pondem a quatro respostas da sociedade aos seus problemas.
No estatuto de necessidade destas quatro políticas ca desde logo contida
a indicação de que embora a segurança nacional seja um dos ns últimos da
política, ela nunca poderá ser o m exclusivo. De facto, a segurança nacio-
nal não existe por si mesma nem é um objectivo que possa ser atingido de
um modo isolado e por uma política especí ca. A segurança nacional, como
tradução política da condição de soberania, é uma resultante do sistema de
políticas e só existe desde que as diferentes políticas construam os pilares em
que essa cúpula- nalidade se possa apoiar.
sot121236
Este sistema das quatro políticas básicas pode ser apresentado do seguinte

CONDIÇÒES DE SEGURANÇA NACIONAL

h
ilt POLİTICA
DE DEFESA
POLÍTICA DE
MOBILIZAÇÃO
SOCIAL

CONDIÇÓES CONDIÇÕES
POLİTIČAS DE MOTIVAÇÃO

POLİTICA POLÍTICA DE GESTÃO


3 itECONÓMICA 1,41C Si 23 DERECURSOS
NACIONAIS

CONDIÇÔES ECONÓMICAS

As quatro politicas báicas

Vejamos, de um modo resumido, quais são os conteúdos destas políticas


básicas.
A poltica económica é o produto de uma decisão, estabelecida pelas enti-
dades com legitimidade para isso, que ten sede política e que interfere sobre
as condições económicas.
A poltica de gestão dos recursos nacionais implica uma combinação entre
as condições económicas e as condições de motivação, não apenas no sentido

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de orientar a utilização dos recutsos existentes em função das necessidades da
estratégia produtiva (designadamente na escolha básica entre o consumo ime-
diato e o consumo diferido que permite o investimento), mas também no
sentido de associar um valor especí co a cada tipo de recutso ou de factor
produtivo, assim condicionando a sua oferta e o seu papel nos custos sociais
globais (o que corresponde a uma determinada política de distribuíção do
rendimento entre factores e que condiciona a regulação social e o papel estra-
tégico atribuído a cada grupo social e a cada tipo de recurso). Nestas duas
políticas básicas, a dimensão dominante é constituída pelas condições econó-
micas, sendo a política económica e a política de gestão dos recursos nacionais
modos de estabelecer a orientação da sociedade para o futuro procurando
garantir a viabilidade desta entidade nacional. E é aqui que natutralmente se
incluem as condições de progresso e de bem-estar social essenciais para uma
sociedade contemporânea politicamente organizada.
Já as duas outras políticas básicas terão como dominante as considerações
de segurança nacional. E o que acontece no caso da politica de defesa, que
corresponde à resposta ao que forem as ameaças e as vulnerabilidades que
permitem a expressão dessas ameaças e obedece a umn pensamento estratégico
sobre o que são as melhores vias de assegurar a neutralização dessas ameaças

vulherabilidades.
e cins3020ind cioee sht attmvAycsz a
ab Mas também a politica de mobilização social, correspondendo à integra-
ção e orientação dos elementos da sociedade (cidadãos e grupos) em compor-
tamentos consistentes e sustentáveis no tempo, tem uma relação estreita com
as condições de segurança nacional, no sentido óbvio de que uma sociedade
motivada e mobilizada tem assim assegurado um contributo essencial para a
sua invencibilidade e, portanto, para a salvaguarda da sua soberania (porque
pode organizar uma resposta social às ameaças e vulnerabilidades ao mesmo
tempo que tem as condições sociais necessárias para explorar as suas poten-
cialidades). oa
pi Com aidenti caçãodestaspolíticasbásicas - aquelasa partir das quais
múltiplas combinações são possíveis articulando diversos problemas ou ques-
tões sectoriais - cou resolvido um dos problemas que se colocam à política
de defesa nacional: a sua localização no sistema de políticas nacionais.
Mas, do mesmo passo, cou indicada, de modo substantivo, a necessidade
da interdepartamentalidadę no sentido de que estas quatro polfíticas básicas
têm de ser pensadas em conjunto porque partem de um mesmo «núcleo» pri-
mitivo de interrelações necessátias, onde nenhuma existe sem as outras. Isto
implica que, embora o trabalho de diferenciação das políticas em relação ao
que era a sua «fusão» no «núcleo» originário tenha de prosseguir, não se pode
esquecer, ao trabalhar com esses segmentos diferenciados, que a sua origem
comum exige o respeito pelas suas regras de interrelação.

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Tudo isto parecerá óbvio no quadro do modelo de diferenciação do sis-
tema de políticas nacionais que está a ser usado neste texto. Porém, é necessá-
rio não cair na ilusão de que as relações reais entre as diversas políticas têm
este grau de sistematicidade. Pelo contrário, as divisões tradicionais entre polí-
ticas, re ectidas nas próprias divisões entre as instituições políticas que por
elas são responsáveis (dos órgãos de soberania aos ministérios e aos departa-
mentos especializados ), tendem a fazer esquecer, ou a di cultar, aquilo que
se torna óbvio neste modelo. É por isso que se insiste que o grau de evidência
obtido pelo modelo que aqui está a ser usado não tem como correspondência
idêntica facilidade real de realizar, nas condições práticas, as suas indicações.
Também por isso se a rma queo objetcivo deste modelo é a produção de um
referencial critico do qual se possa partir para, por um lado, interpretar as
práticas correntes e, por outro lado, estabelecer as normas a que deve obedecer
um método adequado para resolver com rigor as questões da defesa nacional.

4.3 As ấreas de expressão das politicas básicas

De nido o quadro das políticas básicas, é agora possível associar a cada


uma delas as suas áreas de expressão dominantes. Depois do que já cou dito,
será claro que essas áreas de expressão dominantes não são exclusivas de cada
política nem cada política se pode entender como tendo uma única área de
expressāo. Na medida em que se reconhece que essas políticas são concebidas
a partir de um «núcleo» comum, quando se fala de áreas de expressão domi-
nantes está-se já no plano da produção dessas políticas e admitindo como asse-
gurado que nessa produção já está tido em conta o requisito da interrelação
ou da interdepartamentalidade que deverá ter sido satisfeito na sua concepção
e que deverá continuar a ser respeitado na sua execução e na sua avaliação.
Por outro lado, estas áreas de expressão dominantes devem também ser
entendidas como áreas que não se repetem nem se sobrepõem, ao mesmo
tempo que, no seu conjunto, cobrem todas as áreas signi cativas de expressão
das políticas nacionais. Esta é uma condição de validade da arquitectura do
modelo.
Éessa organização de áreas de expressão que decotrem das políticas bási-
cas que se pode ver na gura seguinte:

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SISTEMA DE AFIRMAÇẢO
CONFLITOS NACIONAL

SISTEMA DE COESÃO
AMEAÇAS SOCIAL
cSN

PD PMS

-- CP-
PE PGRN
CM -

CE

ESTRATÉGIA ORIENTAÇÃO
£CONOMICA SOCIAL

CAPACIDADE
PRODUTINA £STRATÉGIA DE
1 CAPACIDADE DESENVOLVIMENTO
ORGANIZATIVA

Ấreas de expressão dominantes das politicas básicas

As áeas de expressão da politica económica são, na vertente política, a


estratégia económica e, na vertente económica, a capacidade produtiva e a

.
capacidade organizativa. São de nições correntes e usadas aqui também nessas
acepções, pelo que não se torna necessário desenvolvé-las.
Na politica de gestão dos recursos nacionais as áreas de expressão domi-
nantes são, na sua vertente económica, a estratégia de desenvolvimento (dis-
tinta da estratégia económica no sentido em que se coloca em intervalos de
longo prazo e implicando o ajustamento de comportamentos sociais a novas
normas de modernização que tenham em vista as condições futuras da activi-
dade económica) e na suą vertente motivacional a orientação social (entendida
como a produção dos horizontes de futuro que actuem como metas de moti-
vação e como factores de regulação dos comportamentos sociais em ópticas de
prazo
longo). itit ib
As áreas de expressão da politica de mobilização social são, na sua ver-
tente motivacional, a coesão social (que corresponde a uma dinâmica social
integradora e de que depende, em última análise, a consistência interna dessa
sociedade e a sua capacidade para produzir respostas organizadas) e, na sua
vertente de segurança nacional, a a rmação nacional (que constitui não só a

75
fi
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áea de realização consensual dos objectivos ou interesses nacionais mas tam-
bém a sua a rmação organizada perante o exterior através do reforço dos
factores de identidade nacional; de modo inverso, pode-se também dizer que
será essa permanente relação com o exterior que permitirá de nir com maior
nitidez o que são esses interesses nacionais e o que são as exigências impostas
pela defesa dos factores de identidade nacional).
Finalmente, as áreas de expressão da politica de defesa são na vertente
política, o sistema de ameaças (incluindo nelas não só as ameaças declaradas,
as ameaças admitidas e as agressões mas também as vulnerabilidades, cando
assim de nido neste conjunto o nível de risco com que se confronta a defesa
da autonomia de decisão) e, na vertente da segurança nacional, o sistema de
con itos (que identi ca, em cada período, o contexto internacional relevante
para essa sociedade e que interfere na sua autonomia de decisão, seja através
dos compromissos assumidos em alianças, ou por indução dos seus efeitos ou
ainda pelo estado de isolamento em que essa entidade nacional tiver decidido
colocar-se).
Quando se observam estas áreas de expressão dominante pela óptica da
sua articulação, é imediato concluir-se que o seu encaixe só será e caz e eco-
nómico na utilização dos recursos disponíveis se todas estas políticas básicas
forem pensadas no conjunto das suas interrelações de modo a que a sua pro-
dução prática permita atingir o máximo de harmonia entre todas aquelas áreas
-designadamente, sem repetições e sem contradições.
Não se está, portanto, perante uma preocupação de método estritamente
teórica. Estáse perante uma necessidade prática e a que se procura responder
considerando razões e condições práticas.
E neste sentido que se justi ca considerar estes quadros como um refe-
rencial de localização de uma determinada política no sistema de políticas e,
portanto, como um crivo crítico ao qual se pode submeter a anáise de situa-
ções políticas reais. Não há, nestas construções, qualquer. interferência de tipo
ideológico ou programático–isto é, não se está a tentar de nir a «boa polí-

tis.
tica» mas apenas o caminho crítico adequado que deve ser percorrido para se
chegar a uma «boapolítica».

44 Osinstrumentos
politicosessenciaisboat t ao so
Este modelo deve ainda ser prolongado um pouco mais para que se de na
o que são os instrumentos políticos essenciais de cada uma daquelas políticas
básicas e que permitem actuar nas suas áreas de expressão dominante. É o que
seindicanoquadroseguinte.lue tcei ss brsb
LU O instrumento essencial da política económica é a regulação económica,
mas com um prolongamento necessário na política externa, no sentido em que,

76
fi
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fi
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fi
fi
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fl
fi
fi
POLİTICA POLÍTICA
EXTERNA EXTERNA

ADMINIS TRACAO

b
DOS MEIOS COMUNICAÇÃO
DE DEFESA
CSN

PD PMS

CP CM

PE PGRN

CE en t
REGULAÇÃO AEGULAÇÃO
ECONÓMICA SOCIAL

POLİTICA POLİTICA
EXTERNA EXTERNA

Os instrumentos politicos essenciais das politicas básicas

nas situações contemporâneas, nenhuma entidade nacional pode conceber a Sua


gestão económica sem a consideração permanente dos uxos económicos inter-
nacionais e sem ter em conta os efeitos políticos que se desenvolvem (ou se
justi cam) a propósito desses uxos económicos.
Para a política de gestão dos recursos nacionais, o instrumento essencial
é a regulação social, mas que, em sociedades abertas e de relação permanente
com o exterior implica que tenha também uma ligação com a politica externa,
designadamente no que se refere ao controlo do «efeito de demonstração» pelo
qual se importam necessidades e expectativas e se alteram os equilíbrios de
subsistência.
Na política de mobilização social, o instrumento essencial é a comunica-
ção, na medida em que as sociedades contemporâneas apresentam uma forte
dependência das condições de justi cação das acções políticas por regras de
racionalização o quesigni caque osconsensospossíveissãoconstruídospor
acções deliberadas e socialmente comunicadas, não se podendo limitar a ser
um lento processo de maturação das condições naturais de evolução de uma
sociedade e do livre jogo de confrontos entre as diversas posições sociais. Mas
porque essa comunicação não está circunscrita ao espaço interno, compreende-
-se que seja necessário articular essas linhas de comunicação com aquilo que
for a politica externa, designadamente no que se refere à escolha das áreas de
in uência em que a entidade nacional se insere.

77
fl
fl
fl
fi
fi
fi
Finalmente, para a política de defesa, o instrumento essencial é a admi-
nistração dos meios de defesa, que resultam de uma decisão global que respeite
as condições de interrelação já descritas mas que depois, em termos práticos,
apresenta exigências especí cas que são variáveis em função do quadro de res-
ponsabilidades que é atribuído aos que conduzem a realização desses objectivos
gerais identi cados na formulação circunstanciada de uma concreta política de
defesa e de uma concreta organização administrativa e departamental de pode-
res. Esta administração dos meios de defesa não se pode desligar das condições
de politica externa, não só porque a evolução externa condiciona a identi ca-
ção dos objectivos circunscritos da política de defesa mas também porque essa
é uma área de atenção permanente para a programação de contingências e para
o accionamento dos dispositivos de defesa.
Esta identi cação dos instrumentos básicos pode também ser apresentada
através da diferenciação de funções de regulação que, em última análise, é o
instrumento essencial de toda a política.
A gura anterior poderá então aparecer com um novo tipo de informa-
ções:

COMPONENTE COMPONENTE
EXTERNA EXTERNA
ameaças identidade nacional
vulnerabilidades num contexto
alianças plurinacional
contitos
REGULAÇÃO REGULAÇÃO
DE DEFESA CULTURÁL
CSN

PD PMS

CP CM

PE PGAN

CE

REGULAÇÃO
ECONÓMICA REGULAÇÃO
i SOCIAL
COMPONENTE
COMPONENTE
EXTERNA

bse
EXTERNA
balanças
especializações -importaçào de
relações de troca necessidades
expectativas
equilibrios de
subsistência

78
Funções de regulação
is
fi
fi
fi
fi
fi
É agora possível apresentar a versão nal do modelo que corresponde a
uma referencial geral de localização das políticas nacionais ou políticas públi-
cas. É o que se apresenta na gura seguinte:

POLİTICA POLİTICA
EXTERNA EXTERNA

SISTEMA DE AFIRMAÇÃO
CONFUTOS NAGIONAL

ADMINISTRAÇÃO
DOS MEIOS COMUNICAÇÃO
DE DEFESA

CONDIÇÖES DE SEGURANÇA NAGIONAL

SISTEMA DE POLİTICADE POLÍICA DĘ COESÃO


AMEAÇAS DEFESA MOBILIZAÇÃO NACIONAL
SOCIAL

CONDIÇÒES CONDIÇÒES DE
POLİTIČAS MOTIVĂCÃO

ESTRATÉGIA POLİTICA POLÍTICA DE ORIENTAÇÃO


ECONOMICA ECONÓMICA GESTÄO DOS SOCIAL
RECURSOS
NACIONAIS

CONDIÇÕESECONÓMICAS

REGULAÇÃO REGULAÇÃO
ECONOMICA
3is SOCIAL
CAPAC. PRODUTINA ESTRATÉGIA DE
CAPAC. ORGANIZ. DESENVOLVIMENTO

POLITICA POLİTICA
EXTERNA EXTERNA

Localização du politica de defesa no sistema de politicas

4.5 Os modelos e a prática politica

Não há nenhuma garantia a priori de que as indicações do modelo que


se apresentou estejam em correspondência exacta com as divisões institucionais
e administrativas que caracterizam o campo prático da acção política. E não
há, também, nenhuma garantia a priori de que o modo concreto de concepção
de políticas obedeça ao tipo de racionalidade relacional ou sistémica que está
na base daquele modelo. Pelo contrário, as observações mais elementares apon-
tam para a previsão de que se veri cam disparidades acentuadas entre as indi-

79
fi
fi
fi
caçõesteóticas - pelo menos as que foram deduzidasatrás -e asotmas
correntes de preparação das decisões políticas.
Os quadros institucionais existentes decorrem da acumulação deexperièn.
cias anteriores que formam tradições administrativas e otganizativas, que se
mantêm mesmo depois de a evolução dos acontecimentos e a maior complexi.
dade das condições de decisão política recomendarem a revisão dessas prátics
estabelecidas. Este tipo de desajustamento não se corrige apenas pela argume.
tação racional, pois foram entretanto criados interesses e hábitos ligados a
essas otganizações ea esses modos de decisão que resistem à justi caçãoracio.
nal das mudanças. Esta identi cação das resistências previsíveis é importante
para sublinhar a importância excepcional que passa a revestir, neste tipo de
contextos, a função de coordenação na concepção e na produçāo de políticas.
Se é óbvia a resistência provável dos quadros institucionais, administra
tivos e organizativos tradicionais, torna-se claro que só através de uma função
de coordenação sintonizada com as exigências de concepção e de produção de
políticas interrelacionadas se poderá compensar as distorções criadas por aque-
las resistências e, gradualmente, se poderá ajustar o sistema concreto dedecisão
às condições de actuação adequadas.
Oproblema da coordenação das políticas públicas terá assim deseresol-
ver de tal modo que lhe esteja associado o tipo de poder (e de legitimidade)
correspondente às exigências de articulação de políticas e de transformação de
práticas usuais que estão associadas ao respeito pelas indicações do sistemade
políticas públicas. Será claro, em função do que cou indicado, que essafunção
de coordenação terá de estar situada ao mais alto nível de responsabilidade
política e com condiçöes de coordenação geral sobre todas as políticas.
A localização concreta deste centro de decisão varia com as condições
constitucionais (que determinam o sistema de poderes e oscorrespondentes
quadros institucionais) e pode também variar com os modos concretos de
organizaçāo do modelo de decisão político posto em prática (o que temespe-
cial signi cado para a política de defesa que, cm vários sistemas políticos, é
considerada uma área de consenso necessário e de résponsabilidade conjunta
tanto dos partidos do poder como dos partidos da oposição). Neste sentido,
trata-se de uma questão que só pode ser encarada depois de se ter explici-
tado o que são as imposições constitucionais e legais que regulam este tipo
de problemas.
p Contudo, pode desde já referir-se que, essa coordenação tem deobedecer
aosimperativosdecoordenaçãodeáreaspolíticas. jo

4.6 0 principio da interdepartamentalização sden


O princípio da interdepartamentalização é uma necessidade, mas não deter
mina uma otganização única e rígida. Foi por isso que se sublinhou o carácter

80
fi
fi
fi
fi
indiferenciado ou «em fusão» do «núcleo» primitivo de onde detivam as diver-
sas políticas que depois se diferenciam em áreas de acção especí cas. O modo
de diferenciação dese «núcleo» pode variar com as circunstâncias políticas
concretas de cada período, conduzindo a articulações de departamentos e a
arranjos institucionais diferentes daqueles que foram obtidos noutros perío-
dos ainda que se tenha seguido sempre o mesmo processo de diferenciação
recomendado pela teotia. É em função desta essencial variabilidade das condi-
ções políticas que se tem de reconhecer que a aceitação do princípio da inter-
departamentalidade não implica qualquer conclusão rígida quanto aos arranjos
constitucionais mas exige, em contrapartida dessa necessária exibilidade, que
as decisões sobre a distribuição dos objectivos, de recursos e de impactos polí-
ticos sejam tomadas ao mais alto nível de responsabilidade.
8Mantendo o texto, neste capítulo reservado a questões de método, situado
em planos de generalidade que não se referem a um quadro legal concreto,
podem-se considerar como básicas as seguintes polfíticas departamentalizadas:

COMPONENTE
EXTERNA

ol
ASSUNTOS
DE DEFESA
INFORMAÇÃO
COMUNICAÇÃO
CULTURA

COORDENAÇÁO
DE POLİTICAS
PUBLICAS

ECONOMIA POLÍTICAS
FINANÇAS SOCIAIS

Areas politicas departamentais envolvidas na concepção e produção


de uma politica de defesa nacional

No entanto, e ainda nestes planos de generalidade, não é possível extrair-


-se das conclusões anteriores o tipo preciso de organização que deve presidir
à resposta prática a todos estes quesitos. irnig
Uma hipótese mínima consistiria em depositar essa responsabilidade última
e
no Primeiro Ministro como coordenador do Governo mas com o sério incon-
veniente de colocar uma única individualidade confrontada com um campo de
decisão de enorme complexidade, provavelmente sem a possibilidade de avaliar
ou corrigir qualquer erro de concepção ou de execução ou mesmo qualquer
desvio a um programa. A garantia de interrelacionamento das condições não
teria, entāão, correspondência na interdepartamentalidade, e o progresso teótico
não teria tradução prática. Uma segunda hipótese consistiria em criar um sub-

81
fl
fi
-grupo do Conselho de Ministros (por analogia com o que se passa nas áreas
dos assuntos económicos) incluindo os responsáveis pelas quatro políticas bási-
casmelhorando assim a capacidade de avaliação e de correcção mas ten-
dendo a criar con itos com outros ministros ou a gerar contextos de debate
repetitivo em relação a outras reuniões do Conselho de Ministros. Uma ter-
ceira possibilidade consistiria na inclusão de especialistas em defesa e segutança
em todos ou em alguns ministérios mas com o inconveniente de não estar
assegurada a sua coordenação, sendo provável que cada um desses elementos
acabasse por ser assimilado pela lógica butocrática do departamento onde fosse
incluído. A quarta hipótese consistiria na institucionalização de um órgão pró.
prio para a concepção e avaliação das políticas de defesa de que necessaria-
mente faria parte o coordenador do Governo, de onde emanariam as orienta-
ções gerais que depois seriam realizadas nos diversos departamentos - COm
vantagem de permitir uma programação de longo prazo, mas com os sérios
inconvenientes de poder estabelecer uma relação de con itualidade com o tra-
balho do Conselho de Ministros e dos diversos ministros, para além de não
car assegurada a legitimidade eleitoral desse órgão (o que é um ponto digno
de realce se se tiver em conta que os seus elementos terão, pelo menos em ter-
mos potenciais, um grande poder que ca exterior ao controlo do eleitorado).
Esta referência a questões práticas de organização institucional serve para
mostrar que a resolução da questão da localização da política de defesa, sendo
um passo necessário, não é su ciente para a explicitação das condições con-
cretas da sua produção.

5. Os condicionamentos na politica de defesa nacional

5.1 Ascondiçõesbistóricases o
O modelo apresentado com a nalidade de encontrar a localização da
política de defesa no quadro das políticas públicas foi estabelecido sem entrar
em linha de conta com qualquer restrição de importâncias e de prioridades
nas interrelações que não fossem aquelas que derivariam do modo de diferen-
ciação de um «núceo» primitivo de quatro condições básicas. Mas não há
dúvida que perante cada política concreta ié preciso analisar o tipo de condi-
ciotialismos que a seu propósito se fazem sentir nas situações reais e que deri-
vam tanto do conhecitmento acumulado no passado como dos graus de atenção
política que, em cada período, são atribuídos a cada uma dessas políticas.
Numa sociedade onde os problemas de defesa tenham assumido historica-
mente um papel importante, será elevado o grau de atenção política que lhes
está associado. É o caso do Japão, ondė o facto de se ter imposto uma redu-
ção da política de defesa militar para um papel de quase-irrelevância apenas

82
fi
fi
fi
fi
fl
fl
signi ca que esse tipo de objectivos foi transferido para outros modos de acção
política, potventura mais e cazes e até mais económicos, mas continuando a
obedecer a um único e tradicional sistema de preocupações sociais: como asse-
gurar a autonomia dessa sociedade através do acesso a recursos de que não
dispõeoriginariamente o queimplica,aliás, que o seuconceitoestratégico
de segurança se alargue a posições e áreas que são exteriores ao seu território.
Por isso, não é surpreendente que a redução forçada da componente militar
de defesa tenha encontrado, na concepção estratégica global, uma resposta con-
sistente na política de penetração económica em vastos espaços multinacionais.
Mas numa sociedade onde o modo histórico de resoluçāo dos seus pro-
blemas de soberania e de invencibilidade estiver concentrado num sistema de
alianças, a preocupação política com os problemas especí cos de defesa nacio-
nal tende a ser menot-e isso será assim porque os interesses sociais não
estão. af concentrados, enquanto que os dirigentes políticos, confrontados com
essa atitude social, se encontram limitados a gerir do melhor modo possível
a relação de aliança. Numa observação super cial, dir-se-á que se está perante
uma questão de afectação de recursos entre usos alternativos, não sendo a
defesa nacional uma área que mereça a prioridade em temos dos interesses
sociais. De facto, a relação que aqui se encontra é mais profunda e tem a ver
com as concepções políticas gerais que se desenvolvem nessas sociedades, onde
o sentido da autonomia nacional de decisão é substituído pela procura da pro-
tecção de uma potência mais forte com a inevitáível consequência de ter de
se aceitar a sua penetração ou os seus efeitos de in uência nas realidades
internas.

5.2 As condições sociais

Por outro lado as tendências sociais contemporâneas com expectativas


crescentes em consumos individualizados e com alteração rápida daquilo que é
convencionado considerar como padrões de necessidades mínimas, obrigam a
que a atenção dos dirigentes políticos seja canalizada para este problema ime-
diato da satisfação material individualizada (que tem importantes efeitos nas
condições de motivação e nas políticas de gestão dos recursos nacionais, além
de interferir directamente nas políticas de mobilização social), relegando para
um segundo plano de prioridade e de utilidade as elevadas imobilizações de
recutsos que são necessários para sustentar uma política de defesa credível ou
recusando as políticas de controlo de dependência (impondo o controlo das
expectativas, das necessidades e dos consumos) que seriam justi cáveis numa
perspectiva de autonomia nacional. Se, em suplemento a tudo isto, não houver
nesse país interesses económicos signi cativos associados às actividades de
defesa, estarão reunidas as condições para se prever que a política de defesa
estará situada nos intervalos inferiores das escalas de prioridades políticas.

83
fi
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fi
fi
fi
fi
fi
Nestas circunstâncias, que não são raras, as questões de defesa tendem
a ser encaradas como estando afectas ou pertencendo à responsabilidade de um
sub-grupo social especializado (como o corpo militar). Será, então, de prever
que as condições de motivação social, que pressupõem o envolvimento de toda
a sociedade, não estarão sintonizadas para este tipo de problema nem para as
decisões que impliquem afectações signi cativas de recutsos para estas na-
lidades.
Nas situações históticas em que os problemas de defesa se equacionavam
em termos de defesa militare esta se identi cava com a mobilização de com-
batentes dotados de equipamento rudimentar, esta responsabilização de um
sub-grupo social especializado ainda poderia ter algum sentido. Nas condições
contemporâneas, é a complexidade e o custo dos equipamentos so sticados
que torna estą transferência de responsabilidades inconsequente (a especiali-
zação técnica só é possível se previamente a sociedade, no seu conjunto, tiver
canalizado os recursos necessários para a produção ou para a aquisição desses
equipamentos), ao mesmo tempo que a globalização dos problemas de defesa,
transcendendo o campo estritamente militar, implica que toda a sociedade se
iasira dentro do «espírito de defesa». Por qualquer das vias, a ideia de uma
especialização militar nos assuntos da defesa aparece como uma visão ultra-
passada sem referência útil para os problemas contemporâneos.
J Todos estes pontos con mamn qúe uma sociedade concreta, com os seus
hábitos de hierarquização das questões políticas, com as suas experiências prấ
ticas de resolução das questões de defesa, com as suas expectativas especí cas
quanto ao que os decisores políticos devem produzir ou assegurar, introduz
alterações importantes ao que seriam as consequências neutras derivadas do
modelo de localização de uma política de defesa no sistema de políticas públi-
cas ou nacionais.

5.3 Os condicionamentos de um pequeno pais na formulação


da sua politica de defesa nacional

Haverá umą especi cidade na concepção e produção da política de defesa


em função da quali cação de uma entidade nacional como grande potência ou
como
pequeno
país? ,l st s coi
: Se esta pergunta for colocada em têrmos
há efeitos óbvios da dimensão nacional (território,
absolutos, a resposta é trivial:
população, recursos, carac-
terização geográ ca, comparação com as entidades nacionais vizinhas, etc.) na
programação da política de defesa. A pergunta só é interessante quando colo-
cada em termos relativos: em que é que o «número», os indicadores quanti-
tativos, in uenciam as possibilidades de defesa?

84
fi
fl
fi
fi
fi
fi
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fi
fi
5.4 Pais aliado, pais intersticial

A primeira noção elementar que esta questão, colocada nestes termos rela-
tivos, faz surgir é a de que um pequeno país ou é um país aliado ou é um
pafs intersticial. Ou seja, o efeito de «número» tem de ser compensado seja
poragregaçãocom uma média ou com uma grandepotência - modalidadede
ailança - seja peloestabelecimentode um equilíbrio diferencial emtermnosde
áreas de in uência que permita a um pequeno país situar-se numa posição neu-
tralizada entre essas áreas de in uência–modalidade intersticial.
Em qualquer destes casos, é manifesto que o «número» um factor essen-
cial da- concepção estratégica. De facto, um pequeno país encontra-se num
estado de incerteza essencial que não pode controlar e cujos efeitos só podem
ser minimizados através de um intenso trabalho político.
Nesta óptica, um pequeno país não pode subvalorizar a componente
externa das suas políticas e qualquer que seja o tipo de política considerado.
Os seus equilíbrios económicos dependem estritamente da área regional
económica em que se situa. Os seus equilíbrios políticos dependem da sua
congruência com a área política envolvente e, de um modo vital, com as carac-
terísticas da área política de aliança e sempre que essacongruêncianão se
veri ca essa situação só se manterá por muito tempo se não puser em causa
interesses vitais dessa área de aliança. E também os seus equilíbrios sociais
estão condicionados pelos efeitos da comunidade cultural global em que a enti-
dade se insere.
A regulação global num pequeno país tem uma componente política deci-
siva que, por sua vez, tem como tradução prática uma considerável limitação
das possibilidades de aí se estabelecerem políticas de defesa que sejam autó-
nomas em relação à área de aliança. E se esta é uma propriedade geral, por
maioria de razão será encontrada e reforçada quando o desenvolvimento das
tecnologias militares retira aos pequenos países as condições de uma auto-
-defesa credível com base nos seus meios próprios, quando o desenvolvimento
das relações económicas limita as condições de funcionamento de economias
fechadas e quando a generalização dos meios de comunicação internacionais
impõe a superação das fronteiras nacionais culturais.
É certo que há casos de intersticialidade (como a Suíça e a Costa Rica)
ou as «excepções» (como Cuba e Nicarágua -pequenos países alimentados
por um pipeline económico -ou como Israel e Vietnam-pequenos países
que estabelecem um equilíbrio regional através de uma dominação militar, ao
mesmo tempo dissuasora e ofensiva). Contudo, o caso intersticial corresponde
a uma singularidade regional que utiliza em seu benefício uma convenção que
só é e caz porque é aceite pelos outros e enquanto o for; não é uma opção
que possa ser livremente escolhida. Quanto às «excepções», elas são isso
mesmo: casos não generalizáveis, produtos de circunstâncias nacionais, regio-

85
fi
fl
fl
fi
nais e históricas e que não são irreversíveis. Embora em graus diversos, tanto
os casos intersticiais como as «excepções» são situações que dependem de com-
plexos equilíbrios regionais ou mesmo mundiais e só existem enquanto esses
equilíbrios
smantiverem.
e o siug u 4 h
5.5 A dimensão interna

Voltando a0 que será o caso mais frequente nos pequenos países, o pro-
blema central para estas entidades nacionais é o estabelecimento de posições
de autonomia relativa. Mesmo que não esteja enm causa, nas regras do direito
internacional, o reconhecimento formal da sua soberania, o grau de autonomia
relativa de um pequeno país está estritamente dependente da sua capacidade
para controlar os seus equilíbrios internos. Em geral, quanto menos visível
internacionalmente for um pequeno país maior será o seu grau de autonomia
relativa- quanto mais não seja porque essa «invisibilidade» também signi -
cará que não se está a agravar a sua dependência ao ponto de criar um pro-
blemaparaa
comunidade
internacional. 3 te t
Não é surpreendente, assim, que a área dominante dos objectivos de
defesa de um pequeno país se situe no seu interior primeiro porque essa
estabilidade interna é uma condição de continuidade das alianças necessárias
para a sua protecção e, depois, porque esse equilíbrio interno é uma necessi-
dade de auto-controlo dessa sociedade, sendo destas duas condições que decorre
a qualidade, a consistência e a e cácia dos seus dispositivos e da sua política

de
defesa. ooc 0
a5.6 Apenetraçãodosinteressesexternos
ihe
pls Umna terceira característica típica das questões de defesa dos pequenos
países é a possibilidade e a facilidade de penetração dos interesses externos
nessas sociedades. Este é um processo naturalmente facilitado pela relação de
aliança: não é fácil resistir à entrada de interesses aliados quando se depende
desses mesmos interesses para estruturar as condições de autonomia relativa do
pequeno país. Mas é também um processo procurado por interesses internos
que encontram nesta relação uma oportunidade e talvez a mais importante
de todas asoportunidadesdesse tipo que se podem gerar nestassociedades -
para criar diterenciais de poder interno. Em casos extremos (mas que não são
raros), este efeito de penetração pode ser estabelecido com entidades externas
contrárias às alianças estabelecidas, sobretudo nos casos de sociedades dividi-
das onde a resolução da con itualidade interna também se faz com recurso a
apoios externos. e a diferenciais de poder construídos do exterior para o inte-
ríor. Os casos de penetração dos Estados Unidos na América Latina ou do
Japão na Coreia do Sul são exemplos de estabelecimento de redes económi.

86
fi
fl
fi
cas e políticas que transcendem as fronteiras formais das entidades nacionais.
O caso do Líbano é um exemplo extremo de penetração destrutiva, onde as
facções internas se de nem numa interrelação permanente e viciosa com os
seus apoios externos que terão começado por ser os factores de um equilí.
brio instável para, depois de rompida essa relação ainda viável, terem evoluído
até um ponto em que já nenhum controlo, interno ou externo, é possível.tz
o Nestas circunstâncias, em que os agentes dominantes internos (tal como
os seus concorrentes) são os tradutores e os bene ciários intermédios das
racionalizações e dos interesses externos (aliados ou não da entidade nacional
em causa), qual o alcance que terá o conceito de política de defesa nacional?

o 5.7A de niçãodoinimigo c
bIC É esta pergunta que conduz à quarta característica típica dos pequenos
r te
países em termos das exigências que se colocam às suas políticas de defesa
nacional: a de nição do inimigo, naturalmente associada à de nição do sis-
tema de ameaças.
Ao contrário do que sepassa com as grandespotências, para um pequeno
país a de nição do inimigo, a identi caçāo exacta do seu quadro de ameaças,
a determinação dos efeitos derivados das suas alianças e o efeito conjunto
da interrelação destes factores formam um campo de grande indeterminação.
Mesmo os aliados podem vir a constituir, em certas cintrcunstâncias, uma
ameaça. Por exemplo, os interesses do complexo militar-industrial da potência
mais forte, que não encontram factores de compensação ou de resistência no
pequeno pas porque este não tem as capacidades produtivas indispensáveis
para a formação desses complexos (mas onde há, pelo contrário, razões comer-
ciais ou de política interna que facilitam a penetração desses interesses exter-
nos), podem impor que um pequeno país que equipado com um sistema de
defesa inadequado ou obsoleto depois de ter feito um investimento que, dada
a sua exiguidade de recursos, não poderá ser repetido a curto prazo. Grande
parte da ajuda militar entre uma grande potência e pequenos países apresenta
este tipo de efeito perverso. E também pode acontecer que os interesses da
potência mais forte envolvam um pequeno país seu aliado num con ito onde
não tem nenhum objectivo próprio a realizar:.é o que acontece no quadro da
concessão de facilidades estruturais que habitualmente estão associadas ao
esquema da aliança. Em contrapartida, as acções do inimigo, sejam directas
ou indirectas, podem mostrar-se muito favoráveis ao pequeno país que por
elas é ameaçado, na medida em que lhe oferece argumentos e ilustrações para
explorar em seu benefício os instrumentos previstos na aliança ou para reco-
Iher vantagens adicionais concedidas pela potência mais forte. A incerteza
neste campo é tão acentuada que se pode justi cadamente dizer que é preciso

87
fi
fi
fi
fi
fi
fi
fl
fi
fi
fi
manter um permanente esforço de planeamento de contingências, que é pre.
ciso manter um permanente esforço de interpretação das tendências políticas
globais e que é preciso concentrar as capacidades internas em intenso traba-
Iho político.
Neste sentido, a política de defesa nestes pequenos países, sujeitos a
estas incertezas, não poderá ser concebida em termos estritamente militares e
menos ainda em termos de mera defesa militar. A política de defesa tem de
contemplar, com exibilidade e com mecanismos que assegurem a rapidez de
resposta, tanto os factores intenos como os externos, naquilo que são e no
que podem ser as suas possibilidades de evolução.
Não será por mera coincidência que as sociedades de maior consensuali.
dade são também aquelas que têm uma de nição mais estável do inimigo e
do que são os objectivos que este prossegue em relação a essa entidade nacio-
nal. Essa consensualidade interna cria condições de maior di culdade de pene-
tração de interesses externos e, naturalmente, já teria permitido historicamente
que se estabelecesse um hábito social de gestão e caz dos equilíbrios internos,
reduzindo assim o seu grau de dependência e, portanto, a sua incerteza quanto
à evolução do quadro internacional exactamente porque dispõem de reser-
vas internas para resistir a algumas evoluções desfavoráveis nas relações inter-
nacionais. As sociedades divididas não têm habitualmente essa possibilidade de
controlar os seus equilíbrios internos e cam vulneráveis às múltiplas formas
de penetração e, consequentemente, à interiorização das incertezas do campo
externo na sua evolução interna. Por outro lado, essas penetrações agravam
as divisões políticas e a con itualidade interna, tornando improvável que se
venha a de nir, de modo estável e continuado, a identidade e os objectivos
do inimigo ou as vulnerabilidades que são criadas pelos aliados.
Esta di culdade que se encontra nas sociedades divididas reforça a ten-
dência já referida de se proceder a uma transferência das questões de defesa
para os, debates políticos internos, fazendo daquelas questões um factor de
diferenciação e propostas políticas globais. Por esta via, as políticas de defesa
integram-se nas disputas internas do poder, estabelecendo assim uma relação
em «curto-circuito» entre as condições de segurança nacional e as condições
políticas internas acabando por criar formas adicionais de incerteza (porque à
incerteza das evoluções externas se adiciona a incerteza do próprio poder polí-
tico interno).

5.8 Arelação
«interior»/«exterior»sue di
Esta é uma quinta característica da especi cidade dos pequenos países
em termos da sua política de defesa e que globaliza os pontos anteriores: a
estreita relação <interior»/«exterior> que é imposta pela concepção e produção

88
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fl
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fi
fi
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fl
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da política de defesa. A validade do modelo global de localização das políticas
públicas no sistema de políticas não é posta em causa, mas passa a ser necessá
rio ter em conta os «curto-circuitos»> que se estabelecem entre algumas dimen-
sões e condições daquele referenial e que distorcem de modo pronunciado
a limpidez da relação entre essas dimensões ou condições e, portanto, a apli.-
cação directa dos resultados obtidos nesse referencial.
Em síntese, a vida dos pequenos países não é simples.
Esta crise de simplicidade tem como consequência a necessidade de deta-
Ihar as diferentes possibilidades de con guração dessas relações, num processo
sistemático de planeamento de contingências, incluindo aí a obrigatoriedade de
contemplar os motivos, as forças e os agentes de con itualidade interna.
Mas, curiosamente, esta menor simplicidade não altera antes Ihe vem
dar maior importância -– um ponto que é comum às políticas de defesa nacio-
nal dos pequenos pafses e das grandes potências: a necessidade de articular
rigorosamente os seus objectivos com as suas possibilidades próprias -pois
esse é o condicionamento essencial da acção política autónoma. Mas enquanto
nas grandes potências esse é um problema de empenhamento (engagement),
nos pequenos países esse problema assume a forma da gestão das dependências
oudaconquistadegrausdeautonomiarelativa. p mo ca5
bie b oicail g kngisl. shosesp omeniotab sp
Ldo 5.9 Os condicionamentos na decisão e execução da politica
de defesa nacional.
koi
i Numasociedadedividida epenetradapormúltiplasin uênciasexternas
(e algumas mais imaginadas do que reais mas nem por isso menos relevantes
para as atitudes políticas internas ), com uma elevada vulnerabilidade econó-
mica (em parte por exiguidade de recursos mas, noutras partes, também por
efeito de expectativas sociais desajustadas, por comportamentos desregulados
e desequilibrados e, ainda, por erros de gestão política, eles próprios agudiza-
dos pelos estados de con itualidade social) e com um grau anormal de depen-
dência do exterior - como é o caso de Portugal –a determinação das polí-
ticas de defesa nacional não é trivial.
o Em lugar de aparecer como a resposta organizada, consensual e legiti-
mada, aos problemas nacionais, esta de nição estratégica é um problema em
si mesmo, um factor adicional de incerteza e, consequentemente,é uma
oportunidade adicional de penetração de interesses externos e de agravamento

dos
graus
dependência.
de p ) enly icbos Su e
LiL No limite, uma sociedade nestas condições está num permanente estado
de vulnerabilidade internacionalmente muito visível pela evidência do seu
grau de dependênciae a sua única possibilidade real de subsistência como
entidadesoberana a menos que resolva a'vulnerabilidadeinerente à sua

89
fl
fi
fl
fl
fi
con itualidade interna e às suasdesregulaçõesinternas - está em não se tor-
nar uma árca atractiva, o que depende em grande medida de factores que não
controla (designadamente, não controla o facto de se encontrar, ou de se vir
a encontrar, num campo de turbulência internacional).yale

5.10 Agentes de decisão e linhas de necessidade

Tendo em conta estas indicações limitativas, e que se podem mesmo trans-


formar em vulnerabilidades absolutas, terá interesse determinar como os agen-
tes de decisão política interpretam essas condições nacionais e lhes respondem
com formulações estratégicas. Para isso, será útil combinar dois tipos de
perspectivas:

-a dos agentes de decisão política que têm legitimidade (governantes


e parlamentares) ou algum estatuto de legitimidade funcional nestes
assuntos (militares, quadros da administração pública e técnicos espe
cialistas) para de nir o conteúdo da política de defesa nacional;
-e uma outra óptica que é de nida pela avaliação das condições objecti-
vas que determinam o que se pode designat por linhas de necessidade,
isto é, aquelas condições e linhas de acção a que a entidade nacional
não se pode subtrair e cuja consideração é necessária para que tenha
sentido prático o conceito geral de soberania nacional.

A combinação dos dois tipos de perspectivas é necessária porque a divi-


são da sociedade em interesses diferenciados ou mesmo con ituais tende a
provocar processos de ilusão política e de maximização das diferenças internas
(esquecendo as condições objectivas que deveriam ser respeitadas numa ava-
liação rigorosa das possibilidades no quadro da concorrência internacional ),
porque os efeitos de penetração do exterior tendem a desviar a atenção dos
decisores daquilo que seria o sentido do interesse nacional (acabando por atri-
buir uma importância excessiva a esses condicionamentos externos, e sem que
haja um controlo nacional sobre esse prOcesso na medida em que ele é função
da intensidade dos interesses externos e até da evolução das conjunturas inter-
nacionais) e porque a fraca direcção política que resulta destas tensões não
assegura uma correspondência e caz entre o que aparece como a vontade dos
agentes de decisão política e o que são as acções sociais concretas, designada-
mente nos campos económico e cultural (já que os efeitos de penetração ex-
terna e de condicionamentos com origem no exterior não permitem que haja
uma efectiva e continuada motivação social organizada em torno destas ques-
tões de defesa nacional quando não há uma permanente compreensão social
do que são as linhas de necessidade).
po
90
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O esclarecimento destas questões exige que se siga uma série de procedi-
mentos analíticos. O primeiro desta série de procedimentos é o que se repre-
senta na gura seguinte:

POLİTICA ACÇÔES OBJECTIVOS


DE DEFESA POLiTICASs NACIONAIS

AGENTES LINHAS DE
DE DECISÅO NECESSIDADE
LEGİTIMA

Processo politico racional

A relação analisada neste quadro é a que se estabelece entre os agentes


de decisão política e as linhas de necessidade com que se confrontam e que
devem interpretar para estabelecer as políticas, os programas e os planos de
contingência. Nestes termos, a política de defesa não é uma relação directa
estabelecida entre os decisores políticos e os objectivos nacionais. É, de facto,
um circuito de input-output com retroacção, que passa pela identi cação pre-
cisa das linhas de necessidade, o que implica que a avaliação da e cácia das
acções e a sua evolução no tempo é feita através de sucessivos ajustamentos
–até porque essas linhas de necessidade podem apresentar uma elevada taxa
de variação. Numa sociedade consensual, este primeiro procedimento seria su -
ciente para estabelecer a política de defesa, basicamente porque os objectivos
nacionais não seriam susceptíveis de debate e a questão central na elaboração
da política consistiria na qualidade da interpretação das linhas de necessidade.
E também seria um procedimento su ciente num sistema político onde a deci-
são fosse tomada de acordo com uma racionalidade estrita, na medida em que
essa racionalidade permitiria estabelecer uma ligação linear entre a análise de
necessidades
e osórgãosdedecisãopolíticalegitima. h bsiatsi ti

a5.11 Processopolitico-burocrático
k Contudo, o pressuposto básico deste tipo de racionalidade da decisão polí-
tica não se con rma nas situações concretas, designadamente em Portugal-

91
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mas não «penas em Portugal (AllisOn, 1971), Para ter em conta on efcitos
eNpocicos do modelo de declaão polftleoburocrátlco, é necesário recorrer a
um segundo procelimento, complementar do prlmelro, e que se indica na
gura seguinte:

MODO DE AQENTESD!.
DECISAC JDECISAOLealrIMA

EFEITO QUADRO MODO DE


POLİTICO INSTITUCIONAL RECONHECIMENTO
BUROCRATICO INSTITUCIONAL. |DAS LINHAS DE
NECESSIDADE

Processo politico-burocrático

Neste segundo processo já é necessário ter em conta que os agentes de


decisão têm um certo modo de reconhecimento do que são as linhas de neces-
sidade (scja por efeito das sequências de atenção polftica que hes são permi-
tidas pelas sucessões de ncontecimentos que esperam a sua decisão e que não
é uma atenção instantânea nenm homogénea para todos os problemas polticos,
seja por efeito das conveniências polfticas desses decisores que estão relacio-
nadas com os processos e as datas cleitorais, seja ainda por efeito das suas
condições de diagnóstico e de interpretaçīo das situações reais e das suas
potencialidades). Mas para além disso há ainda que considerar a existência de
um certo quadro institucional com agências e departamentos especializados na
análise das questões de defesa, com os seus hábitos, interesses e concepçöcs
próprias. Este quadro institucional introduz em todo o sistema um efeito pró.
prio, de tipo político-burocrático que, combinado com o efeito de ordem polí.
tica derivado do modo de reconhecimento das linhas de necessidade, vem a
constituir um certo modo de decisño que nem é trivial nem corresponde a
uma racionalidade cstrita.
Nem sempre se atribui, nas análises concretas, a devida importância a
estes factores, sobretudo à combinação de um certo quadro institucional com
uma determinadu capacidade de reconhecimento das linhas de necessidade.
Todavia, o exame crltico de situações reais revela que um dos factores expli-
cativos mais poderosos dos fracnssos em polftica & a incapacidade dos decisores
pollticos parn identi car as linhas de necessiclade, designadamente quando a
cssa incapacidade se junta um quadro institucional passivo ou interessndo na
reproduçīão das rotinas.

92
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5.12 Processo politico-social global

Esta não é, porém, a única distorção signi cativa. Há ainda um outro


tipo de efeitos a comsiderar e que correspondem à expressão, num determinado
período, dos problemas políticos e sociais uma tradução pormenorizada e
temporalizada das linhas de necessidade e onde se incluem as condições polí-
ticas gerais que limitam a liberdade e a acção dos que exercem o poder.
Éeste terceiro tipo de procedimento que se regista na gura seguinte:

POLİTICA ACÇÓES
DE DEFESA POLITICAS
NACIONAL

AGENTES LINHAS DE
DE DECISÃO NECESSIDADE
LEGİTIMA

H condiçòes de
reprodução
do poder

expressáo divisöes
processos
eleitorais

efeitos de
interna dos
objectivos
nacionais
e con itos
sociais
- penetraçáo
do exterior

expressåo integraçáo
continental modernização
dos objectivos penetração
nacionais

expressao ameaças e..


multicontinental oportunidades
dos obectivos globais
nacionais

Processo politico-social global

O que esta gura revela é a necessidade de considerar uma sequência de


condicionantes que não podem deixar de ser tidas em conta pelos decisores
políticos sob pena de perderem a sua base de legitimidade e, em qualquer
caso, de gerarem efeitos contrátios tão poderosos que os seus recursos de deci-
são não seriam su cientes para vencer esses obstáculos. Em particular, este
modelo indica que não terá êxito uma política de defesa nacional que se con-

93
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ceba e produza sem ter em conta que a identi cação do sistema de interesses
nacionais não é um dado mas sim um problema permanente, não só porque
variam os interesses sociais e as condicionantes externas, mas também porque
as próprias exigências da conquista ou conservação da legitimidade (qualquer
que seja a sua fórmula, a legitimidade é sempre essencial ao exercício do
poder) podem implicar in exões na concepção, na produção ou só na apre-
sentação dessa política de defesa.
Pata a utilização operacional deste quadro importa ter em conta que o
conteúdo destes pontos varia com o tempo – não só porque evolui com a
experiência mas, sobretudo, porque se altera com as circunstâncias, o que é
essencial para um pequeno país. Neste sentido, na apreciação da validade do
modelo deve-se ter em conta que as categorias indicadas devem permanecer
necessárias para a interpretação das situações reais mesmo quando se alteram
signi cativamente os seus conteúdos ou os contextos em que os conteúdos se
de nem -como, por exemplo, acontece com as «condições de reprodução do
poder» após uma mudança de regime, ou com a «expressão continental dos
objectivos nacionais» depois de se ter iniciado um processo de integração na
Europa.
Trata-se, em suma, de uma lista de variáveis que devem ser tidas em
conta para identi car os pontos básicos de uma dada situação concreta.
Esta parte da análise dos condicionamentos impostos pelos processos con-
cretos de decisão política pode ser resumido no seguinte sistema de relações:

PROCESSO
POLITICO
RACIONAL

SITUAÇÃO AGENTES LINHAS DE


REAL DE DECISÃO NECESSIDADE
LEGİTIMA

PROCESSO
POLİTICO
BUROCRĀTICO

PROCESSO
POLİTICO
SOCIAL GLOBAL

Processo de concepção e produção de politicas

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Para além da proposta de soluções possíveis para a formulação de uma
política de defesa consistente e adequada, é sempre necessário ter em conta
que a sua realizaçāo concreta será in uenciada pelos modos gerais de decisão
que caracterizam uma sociedade. b
Embora a decisão, em si, possa ser objecto de uma análise racional, a
verdade é que as decisões em sistemas complexos, como é a decisão política,
são condicionadas por múltiplos factores que acabam por Ihe determinar a
con guração possível. Neste sentido, pode-se associar a alguns tipos básicos
desociedadesoutros tantos tiposbásicosdemodosdedecisãopolítica. r
Numa sociedade dirigida, a atitude decisional dominante em política é
programática e voluntarista, assente na perspectiva de que a incapacidade dos
grupos sociais para procuzir por si mesmos linhas consistentes de orientação
cbriga o poder político a de nir, por sua iniciativa, e em geral com os recut-
sos que apropria autoritariamente nessa sociedade, as linhas de orientação e
até as condições regulamentadas da sua concretização. Ao dirigismo político
corresponde uma decisão autosustentada èi autojusti cada, sem que se Ihe
contraponha uma alternativa consistente nessa sociedade mas podendo essa
sociedade resistir e reagir através da multiplicação de modos clandestinos de
acção e de subsistência marginal que, no entanto, não têm base su ciente para
formarumpoderalternativoaoqưeestá
estabelecido. e t dca ttt
Em alguns casos de sociedades dirigidas, como acontece na sociedade por-
tuguesa, essa atitude programática e voluntarista tem também uma forte carga
utópica, estabelecendo uma tradição que se poderia designar por «profético-
-racional» (em homenagem ao padre António Vieira) e que, a prazo- seja
pelo efeito do idealismo que a con gura, seja por efeito do autoritarismo que
está associado à necessidade de fazer realizar esses programas idealizados
contribui para que se alargue o fosso que separa os diversos grupos sociais
daqueles que exercem o poder político.
Este tipo de atitude decisional em política está associado a uma sociedade
fragmentada, com um reduzido grau de autonomia e de decisão própria dos
diversos grupos sociais que tem como contrapartida um excessivo grau de
autonomia das entidades que exercem o poder político. Mas é uma atitude
decisional que também está associada a sociedades periféricas e com poucos
recursos, até porque nelas é mais atraente para os dirigentes políticos apre-
sentarem-se como portadores de projectos ideais, ainda que utópicos, do que
terem de se apresentar como os gestores realistas dessas insu ciências, infe-
rioridades, limitações e vulnerabilidades.
Uma alternativa a este tipo de atitude decisional é a que se baseia numa
perspectiva pragmática e realista. Porém, isso só é possível numa sociedade
participada, onde haja uma dinâmica social dotada de um forte grau de auto-
nomia, com uma forte interacção de posições, de interesses e de objectivos
dos diferentes grupos sociais que assim estariam a balizar as condições da

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decisão política. No lugar do reformador profético-racional passaria a estat o
observador realista das possibilidades sociais concretas, tal como elas Ihe são
reveladas (ou mesmo impostas) pela interacção livre e autónoma dos diferen.
tes grupos sociais e pela articulação viável dos seus interesses.
Nos processos de concepção e de produção de políticas, o segundo tipo
de atitude decisional tende a estabelecer modelos interdepartamentais e com
fortes graus de coordenação e de interrelação entre as várias políticas secto-
riais. A própria função administrativa dos aparelhos institucionais está cen-
trada nas actividades de regulação, exactamente porque a dinâmica social cria
naturalmente as oportunidades para esse tipo de função.
Já no primeiro tipo de atitude decisional essa interdepartamentalidade e
essa especialização da acção política nas funções de regulação são menos pro-
váveis -e, quando existem, têm menos condições de continuidade. Afragmen-
tação social tende a produzir a atomização das orientações políticas, enquanto
que a falta de consenso interno ou mesmo as divisões da sociedade tendem
a produzir estados de con itualidade política, substituindo uma relação de
complementaridade por uma rlação adversarial.
É essencial ter em conta estas particularidades das sociedades e os seus
efeitos nos modos de acção política para que as avaliações críticas que se ze-
rem sobre uma concreta política como a política de defesa nacional- não
se estruturem em função de padrões abstractos que depois não encontram
nenhuma con rmação nas situações reais.
É certo que esta precaução não tem de implicar uma necessária subordi-
nação aos comportamentos tradicionais. Mas o que seguramente implica é uma
atitude de precaução e de inovação gradual e controlada para que não se venha
a perder, por excesso de perfeccionismo idealista, o que se poderia ter conse-
guido de modo mais consistente se se actuar por ajustamentos sucessivos.
oio

nieeshriress

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CAPÍTULO 3

O DESAFIO ESTRATÉGICO NACIONAL

Qualquer análise breve e ainda que incidindo apenas nos seus traços
dominantes é su ciente para revelar a importância das transformações ocorri-
das nas condições estratégicas da sociedade portuguesa -- em si mesma, no seu
enquadramento externo e no modo como se pode conceber a defesa ea rea-
lização continuada dos interesses nacionais.
No entanto, e para além dos circunstancialismos ideológicos de cada uma
das fases em que se podem dividir as últimas cinco décadas, é possível dizer-
-se que o debate realizado sobre as questões de defesa em Portugal aparece
como desajustado perante a intensidade das mudanças que durante esse período
ocorreram no mundoe na Europa e, na última década, também na sociedade
portuguesa.
Esta evolução nas condições e nas circunstâncias objectivas, nas linhas de
necessidade, foi produzindo uma crescente inadequação dos conceitos tradicio-
nais e das concepções rígidas e persistentes que se tinham fomulado em, e
para, quadros mundiais e nacionais muito diferentes dos actuais. Em poucos
países europeus terá sido essa inadequação tão acentuada como em Portugal.
O carácter súbito e, em grande medida, desregulado, das transformações aqui
ocorridas nos últimos anos é o preço a pagar por essa inadequação. Mas é
também a prova do risco nacional inaceitável em que se incotre quando se
limita numa sociedade a re exão e o debate sobre as condições de a rmaço
nacional, sobre a adequação das condepções políticas orientadoras ao que são
os recursos nacionais e ao que são as condições de evolução do sistema de
relações internacionais. Neste aspecto especí co, Portugal oferece uma ilustra-

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ção da imprudência que caracteriza a rotina política e a sistemática rejeicão
da análise das dinâmicas continentais e mundiais.
Não obstante a evidência do preço que se tem de pagar por um risco
inaceitável e por uma imprudência exemplar, não obstante a evidência das
transformações ocorridas, não obstante a evidência da desregulação que catac.
terizou a fase mais aguda da mudança interna, não há ainda sinais que pemi.
tam pensat que essas condições e contextos não se venham a repetir, năo se
estejam a repetir.
O quadro institucional disponível para a acção política mudou considera-
velmente por efeito da mudança de regime: existem partidos políticos, há um
processo de selecção eleitoral, a estrutura de relações entre poderes legitimados
tem uma espect ca tradução constitucional. Contudo, o quadro institucional
da decisão política não apresenta alterações que correspondam à intensidade
das transformações concretas ocorridas. Há adaptação a novas circunståncias,
mas não há inovação que corresponda às novas exigểncias decorrentes de um
novo contexto de a rmação nacional e de um novo enguadramento internacio-
nal. E mesmo as oportunidades de inovação da orgânica institucional relevante
para este tipo de questões, como foi a produção de legislação básica sobre
defesa nacional, parece terem sido perdidas em preocupações conjunturalistas:
como impedir a ameaça interna de intervencionismo político dos militares
(uma questão que tinha sido já resolvida pot meios naturais no momento em
que foi eleita comoquestão prioritária ou mesmoexclusiva - e tinhasido
resolvida pelo argumento mais poderoso entre todos e que era formado por
duas linhas convergentes: a impossibilidade de o corpo militar se uni car poli-
ticamente e a impossibilidade de um corpo militar, ainda que unido politica-
mente, poder responder aos probelmas de uma sociedade já medianamente
complexa como era a portuguesa). Aliás, o funcionamento real do Ministério
da Defesa e do Conselho Superior da Defesa Nacional após a produção daquela
legislação básica não mostra nenhum factor de inovação em relação a rotinas
do passado e pode mesmo considerar-se que terá havido uma degradação na
coordenação de políticas que estas instituições deven realizar.
Esta rotina ou continuidade do funcionamento do quadro institucional da
decisão política não implica necessariamente que não tenha havido progressos
no plano conceptual. Poderia até admitir-se que a inovação institucional aguar-
dasse uma maior maturação de ideias para que não se estivessem a ensaiat
novos formatos institucionais e organizativos quando ainda não hánocões.benm
estabilizadas, quando ainda se está numa fase de debate, quando ainda há
ajustamentos a fazer em relação a novas realidades. Infelizmente, não há sinais
reais que con rmemn esta expectativa benévola. Quanto a debate de ideias,
seja sobre as questões da defesa nacional nas condições contemporâneas, seja
sobre as questões mais gerais do processo e dos efeitos da mudança, ou se
encontra o silêncio ou se encontram tentativas sem sucesso de reabilitar noções

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que já não têm aplicação ou que têm uma e cácia meramente conjuntural na
decisão de problemas menores (como foi o do intervencionismo militar na
condução política, superado numa sociedade moderna pela sua complexidade
intrínseca e ultrapassado no caso português, após um período de agitação, pela
transformação operada na função militar depois do m do império e com a
integração da Europa comunitátia). E quanto à eventual gestação de novos
quadros institucionais que possam servir de suporte a novas concepções polí-
ticas, a novos modos de decisão política, o mínmo que se pode dizer é qưe
não há nenhuma indicação que a con rme, antes parecendo que há uma satis-
fação generalizada com o tipo de equiíbrio a que, mais por inércia do que
por intenção, se chegou em temos do sistema de decisão em política.
Há, assim, razões para pensar que a rotina institucional, seja na concep-
ção de defesa nacional, na coodenação de políticas públicas ou na sua inter-
departamentalidade, corresponde a uma atitude de passividade ou de expecta-
tiva quanto à interpretação das mudanças ocorridas na sociedade portuguesa
e quanto às suas consequểncias. Não é surpreendente que assim seja. Um pro-
cesso de mudança muito rápido, profundo, turbulento, sem efectiva regulação,
não é a melhor oportunidade para revisões conceptuais e para inovações con-
sistentes nos quadros institucionais -que só são inovações efectivas quando
a base conceptual e as próprias dinâmicas sociais estão relativamente estabili-
zadas. Em lugar de um pensamento inovador há apenas um desejo generalizado
de alguma segurança que seja oferecida por alguns equilíbrios, mesmo que essa
segurança e esses cquilíbrios só existam porque se encobrem os problemas do
passado que caram sem resposta satisfatória e porgque se procura esquecer os
novos problemas que foran criados durante as fases difíceis de mera adaptação
à mudança ocorrida (aqui com o argumento que essa di culdade intrínseca é
a origem, de algum modo inevitável, desses problemas ). Mas se este tipó de
atitude generalizada não é surpreendente, também não deve surpreender que,
por estas mesmas razões, os resultados obtidos nem sejam satisfatórios nem
duradouros. Os equilíbrios estabelecidos, por meritórios que sejam quando
comparados com a turbulência recente, não oferecem nenhuma garantia de
poderem suportar as tensões do presente e do futuro imediato -designada-
mente se houver um esforço consistente de modernização da sociedade portu-
guesa. E ainda que daqui não se possa partir para a previsāo de novas fases
de turbulência política e social, esta é uma indicação su ciente de que o futuro
contém a possibilidade de uma crise nacional acentuada e já não por efeito
de uma con itualidade interna aberta mas sobretudo por incapacidade de for-
mulação das condições de a rmação nacional no quadro das relações contem-
porâneas entre sociedades.
Éesta eventualidade que justi ca a análise do desa o estratégico nacional
e da noção da política de defesa no sistema de políticas públicas interdepar-
tamentais. Tal como nos outros capítulos, também aqui a perspectiva utilizada

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é analítica, sem intenções prescritivas ou de apresentação de propostas con.
cretas detalhadas. Não se poderão deixar de referir algumas consequênciasprá
ticas que deveriam decorrer das formulações analíticas, mas essas referências
práticas são apenas exempli cações que não se devem confundir com propostas
bem de nidas e orientadas já para a sua con guração institucional. A referên.
cia a esta salvaguarda é uma condição importante de apreciação e de utilização
deste texto, que se procura situar num debate político de ideias e não na área
de um debate político prático orientado para a tomada de decisões imediatas.
Esta salvaguarda não resulta de qualquer conveniência em evitar as questões
políticas de ordem prática– até porque, como se verá, é rme a convicção de
que são urgentes decisões neste domínio. É, antes, uma imposição de método,
tanto no que se refere ao método de produção do texto como ao método da
sua utilização. Antes de poder ter uma tradução prática, a apreciação destes
temas de elevada complexidade e de poderosas implicações políticas práticas
deve ter uma base analítica su cientemente detalhada para permitir delimitar
os seus conteúdos. Se esa base analítica for sólida, as consequências práticas
deverão aparecer como uma sequência natural, mas apenas depois de a base
analítica ter sido aceite nos seus traços gerais. É por isso que se insiste na
importância do investimento analítico, deixando para desenvolvimentos poste-
riores, exteriores a este texto, a derivação das propostas especí cas que corres-
pondam à aplicação das indicações analíticas.
ti Estaorientaçãodemétodojusti ca-se,em última análise, no factodeser
ainda muito insu ciente o debate em Portugal sobre as condições e as conse-
quências da mudança ocorrida em Portugal na última década e que terá nos
próximos cinco anos uma evolução crucial - sendo certo que é também um
período crucial para a construção europeia. Não faltam os exemplos de análise
de qualidade sobre situações conjunturais ou sobre circunstâncias sectoriais
especí cas. Porém, as análises das variações estruturais, das mudanças ocorri-
das na sistema estratégico nacional, são pouco frequentes ou, quando existem,
cam condicionadas pelo seu papel em debates de tipo conjuntural. Ao situar-
-se deliberadamente numa óptica analítica de longo prazo – em termos do
passado e em termos de futuro-este texto procura escapar a esse tipo de
limitações --o que é uma razão adicional para que não venha a ser interpre-
tado como um texto de pressão interessado em veicular uma proposta concreta.

1, As mudanças na sociedade moderna na perspectiva


da politica de defesa

Amudança ocorrida na sociedade portuguesa nos últimos anos éespecial-


mente impressiva pela rapidez com que se processa e pela profundidade que

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atinge. A passagem de uma estrutura nacional de tipo imperial-colonial para
a dimensão de um pequeno país em integração num espaço continental supra-
nacional, a passagem de uma economia protegida por vários proteccionismos
e de articulação com mercados coloniais para uma economia aberta em con-
corrência com áreas cconómicas desenvolvidas, a passagem de um conceito de
defesa apoiado em relações de aliança e no vector militar para um conceito de
defesa alargado em que é necessário conceber e realizar as condições de a r-
mação nacional e de aliança numn processo de internacionalização num espaço
integrado são, semn dúvida, transformações importantes e que se realizam em
circunstâncias excepcionais. Mas o conjunto destas passagens ou transforma-
Ções não tem nada de original no contexto da evolução das sociedades euro-
peias das últimas três décadas. O que acontece em Portugal nãoé sequer a
recuperação de um atraso evolutivo; é, de facto, a ruptura, por inviabilidade,
de linhas de tendência que as sociedades europeias tinham abandonado de modo
mais gradual. E embora a rapidez e a profundidade destas passagens ou trans-
formações contribuam para explicar algumas das di culdades de regulação e
de estabilização na política portuguesa (como, aliás, também aconteceu, ainda
que em outros contextos históricos, em outras sociedades europeias), elas não
explicam todas as di culdades. O ponto importante a ter em conta é simulta-
neidade de três ordens de transformações. De um modo mais visível, as passa-
gens do tipo das referidas atrás formam o que se pode designar como uma
mudança retardada e cuja complexidade resulta essencialmente da sua mani-
festação concentrada ou compacta. Num plano menos visível, mas mais impor-
tante em termos do futuro, a sociedade portuguesa manifesta também todos
os problemas típicos dos sistemas políticos actuais, ainda que os indicadores
quantitativos desses problemas possam ser inferiores aos que se encontram nas
sociedades mais desenvolvidas; é o que se pode designar por mudança moder-
nizadora, que só em parte está relacionada com a mudança política iniciada
em 1974. Finalmente, deve também ter-se em conta que circunstâncias espe-
cí cas da evolução política recente na sociedade portuguesa tiveram importan-
tes efeitos destruidores das organizações mais evoluídas em diversos sectores,
com a consequência última de se terem desmantelado os seus centros de racio-
nalização e as suas condições de concentração de recursos nanceiros, que
entretanto foram transferidos para o Estado ou para entidades dependentes
das relações burocrático- estatais; é o que se pode designar por mudança des-
regulada, no duplo sentido de ter sido um produto da con itualidade política
(e não de um programa nacionalmente assumido) e de não ter conseguido
substituir com e cácia as organizações, os centros de racionalização e as con-
centrações nanceiras destruídos (com a consequência adicional de ter empe-
nhado promessas políticas que depois são di cilmente reversíveis, até porque

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alimentam expectativas e poderes que de outro modo não se teriam chegado
a expressar com relevância social).
São estas três ordens de transfomações ou três tipos de mudanças que
têm de ser consideradas quando se analisa o estado actual da sociedade por.
tuguesa, pois é a sua articulação e a sua manifestação conjunta que caracteri
zam o modo espec co de expressão dos problemas polfticos em Portugal. Por
um lado, há uma contracção dos tempos de evolução: a sobreposição da mu.
dança retardada com a mudança modernizadora faz acontecer num curto inte:.
valo uma importante série de transformações, com a consequência provável
de surgirem respostas sociais inadequadas e insatisfatórias. Por outro lado, a
série de dé ces organizativos, institucionais e de recursos nanceiros acumu-
lados que é resultante da mudança desregulada tem como consequência a dii
culdade de produção de um sentido consistente de evolução e, em associação
com este factor de falta de orientação da sociedade, conduz também a uma
utilização menos e ciente dos recursos nanceiros existentes, dispers0s, mal
aplicados ou mesmo aplicados para prolongar a vigência de actividades e mode-
los înviáveis.
De um modo que transcende a vontade política e as declaraçõesideoló.
gicas, esta série de fases conduz a uma excessiva concentração de funções e de
expectativas no Estado. Esta concentração não resulta necessariamente de uma
superior e ciência das instituições e organizações do Estado, mas sim do facto
trivial de serem estas instituições e organizações aquelas que restam depois da
degradaçāo que atingiu todas as outras sendo certo que as novas organiza-
ções privadas que entretanto se poderão ter formado são ainda incipientes,
frágeis e vulneráveis, para além de, em muitos casos, terem sido constituídas
de modo distorcido para poderem escapar às relações turbulentas que caracte-
rizaram esses períodos. Durante a fase de mudança desregulada, obedecendo
ou não a uma intencionalidade política, é para a Estado que convergem as fun-
ções de orientação da sociedade e de racionalização das decisões, assim como
é no Estado que se concentram os recursos nanceiros com dimensão su -
ciente paar nanciar este tipo de funções. É das instituições e organizações do
Estado que depende, en m, o restabelecimento de normas de regulação, já que
nenhuma outra entidade social interna dispõe de poder su ciente para realizar
este objectivo. Não deve surpreender, portanto, que ao Estado que reservado
o papel essencial de condução da evolução da sociedade e que nele se venham
a re ectir as principais di culdades de gestão de uma mudança complexa.
Esta descrição simpli cada regista um caminho percorrido por uma socie-
dade concreta, mas não é garantia da qualidade e da adequaçāão desse caminho
para responder aos problemas nacionais que se foram colocando ao longo deste
período. Só por si, a articulação dos três tipos de mudança -retardada, mo-
dernizadora,desregulada - produz questões de grande complexidade a que

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qualquer sociedade teria di culdade de responder de modo controlado. Mas,
para além disso, é pouco provável que as características funcionais das insti-
tuições e organizações do Estado em Portugal, designadamente quando tam-
bém elas estiveram sujeitas a continuadas tensões de instabilidade durante este
período, sejam as mais adequadas para encontrar respostas satisfatórias para
este tipo de questões.
Há, assim, um dé ce acumulado de decisões orientadoras da evolução da
sociedade portuguesa. O poder político e a sociedade respondern às circuns-
tâncias mas não as moldam nem as antecipam. Há uma sucessão de respostas
oportunistas, muitas vezes contraditórias ou inconsistentes, e não é fácil atri-
buir-Ihes um sentido estratégico, ainda que através de reconstruções retrospec-
tivas. É uma de ciência que transcende os dirigentes políticos e as suas qua-
lidades individuais. Onde faltam estruturas organizativas com capacidade de
interpretação dos movimentos sociais e internacionais complexos e com capaci-
dade de coordenação de decisões multisectoriais, os dirigentes políticos pouco
mais poderão fazer do que responder pontualmente às circunstâncias. ot
sb Chega-se, assim, a uma dupla veri cação. Por um lado, o processo de
mudança criou novos quadros de complexidade, coexistindo factores de mo-
denidade idênticos aos das sociedades mais desenvolvidas com factores de
evolução retardada que não foram assimilados e que tendem a ser esquecidos
perante as novas circunstâncias de mudança acelerada induzidas pela integra-
ção europeia. Por outro lado, há um signi cativo dé ce organizativo e insti-
tucional que algumas excepções não dhegam para neutralizar e que tem como
principal manifestáção o facto de não ter havido uma inovação institucional
correspondente à intensidade da mudança ocorrida (salvo no que se refere
às instituições previstas na Constituiçāo -- mas ainda aí com um persistente
debate quanto à sua melhor articulação ou até quanto aos seus contributos
para a formação da decisão) e como principal manifestação paradoxal a ambi-
guidade com que é politicamente concebido o papel do Estado, ao mesmo
tempo essencial (no poder que detém e nos recursos que apropria) e limitado
(na dimensão das organizações e na qualidade dos produtos). Expressa de um
outro modo, esta dupla veri cação pode resumir-se em duas necessidades ainda
não satisfeitas: é preciso pensar de modo diferente, é preciso ter suportes
organizativos muito mis amplos e diversi cados.
Pensar de modo diferente mão é uma questão de moda, é uma exigência
imposta pela intensidade da mudança. E a necesidade de inovação institucio
nal e organizativa, no Estado e na sociedade, deriva da exigência de pensar
de modo iferente: nas condições actuais e futuras de complexidade, pensar
de modo diferente, isto é, actualizar os quadros conceptuais em que se formu-
lam decisões e cazes, não é um objectivo que esteja ao alcance de esforços
individuais ou deestruturasorganizativasincipientes. srscaot

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1.1 A dupla metamorfose

Pensar defesa nacional em termos contemporâneos implica o reconhec.


mento da dupla metamorfose associada ao facto nuclear: a não-guerra e a dia.
léctica dos meios, istoé, o reconhecimento de que as nalidades tradicionais da
guerra são interferidas pela incapacidade de utilização da atma nuclear e o reco-
nhecimento de que as relações de superioridade e de equilíbrio instấvel entre
nações se estabelecem através da concorrência de inovações tecnológicas de
armamento, esteja este orientado para a utilização efectiva ou para a dissuasão.
Quando analisadas nas suas indicações absolutas, as implicações da dupla
metamorfose parecem situar-se a um nível que transcende as condições objec-
tivas da concepção de defesa nacional para um pequeno país com a dimensão
e os recursos de Portugal. Não sendo potência nuclear e não concorrendo na
dialéctica dos meios, um pensamento de defesa nacional para Portugal depois
da ocorrência da dupla metamorfose limitar-se-ia a prever um ajustamento ine-
vitável a circunstâncias externas -o que é o mesmo que dizer que não teria
nenhum pensamento próprio de defesa nacional nem, no limite, precisaria de
uma política de defesa. As suas relações externas e, em especial, as suas rela-
ções de aliança determinariam todas as condições e possibilidades do que ainda
se poderia continuar a designar por política de defesa apenas para conservar
uma designação tradicional mas à qual já não está associado o sentido tradi-
cional de garantia do exercício da soberania mum certo território com meios
próprios. E se Portugal ainda teve uma política de defesa durante algumas
décadas após a ocorrência da dupla metamorfose, isso deve-se essencialmente
à importância da relação colonial que mantinha, ao nível da concepção de
defesa e ao nível da estratégia no terreno, características relevantes que eram
anteriores à dupla metarmofose e ao reconhecimento dos seus efeitos. Mas
mesmo nessas circunstâncias especiais, era iscutível que Portugal tivesse con-
dições de autonomia, tanto no plano operacional como no plano da grande
estratégia: estava dependente e vulnerável em termos de equipamento, assim
como estava dependente e vulnerável das decisões que os poderes nucleares
quisessem tomar sobre esses con itos coloniais con tmando-se nos factos
que a vulnerabilidade aos equipamentos e às decisões das potências nucleares
foi-um dos factores instrumentais na decisão nal desses con itos.
Este tipo de argumentos revela uma interpretação incorrecta da dupla
metamorfose ao considerá-la em termos absolutos, extrapolando o que poderá
ser válido para as potências nucleares a todas as outras situações, a todas as
relações entre sociedades. Não admira que nesta perspectiva absoluta os peque-
nos países não existam como realidades susceptíveis de produzir uma política
de defesa. Apenas existiria a realidade dos blocos de alianças, eles próprios
centrados em países nucleares ou com potencialidade nuclear. É nesta mesma
matriz de pensamento que se insere a proposta do «não-alinhamento», que

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aparece como o contraponto possível (ainda que inoperante) ao «linhamento»
em blocos organizados em tono do poder nuclear.
Todavia, a dinâmica desencadeada pela dupla
oh o
metamorfose tem uma
interpretação em termos relativos que conduz a conclusões muito diferentes.
O estado de não-guerra e a dialéctica dos meios tem uma tradução especí ca
nas relações entre as potências nucleares mas tem também uma tradução pró-
pria para as relações e para as lógicas de defesa dos países não-nucleares.
E pode mesmo dizer-se que é o processo da dupla metamorfose que abre pers-
pectivas novas para a concepção da defesa nacional nestes países, não só ajus-
tada à realidade muclear mas tanmbém adequada ao novo modo de conceber
a dinâmica das relações internacionais.
on ov
O que a realidade nuclear veio revelar, ao impor o estado de nãoguerra,
ća multiplicidade de estados e formas de con ito entre nações. Alargou-se a
complexidade dos estados e das estratégias de con ito e é neste campo con-
ceptual alargado que agora se integra a guerra como estado último de con i-
tualidade que se quer evitar porque se sabe que o resultado de uma guerra,
com escalada de meios nucleares, é certo e de nitivo (e a lógica da dissuasão
baseia-se na possibildade de se tornar esse resultado certo e de nitivo, tor-
nando assim inútil o recurso à guerra como factor de decisão). É o bloquea-
mento do recurso à guerra a nível absoluto que transfere os objectivos conven-
cionais da guerra (o seu factor de decisāo levado aos extremos) para muitos
outros níveis, agora com o objectivo de vencer mas sem combater com os
meios nucleares. O estado de não-guerra é, assim, um estado de «guerra dis-
persa e sempre latente», de guerra conduzida por meios que podem ser dife-
rentes dos convencionais meios militares.
Longe de anular o papel da defesa nacional nos pequenos países e nos
países não-nucleares, a dupla metamorfose provocada pelo facto nuclear vem
revelar a sua importância numa nova perspectiva, vem revelar o seu carácter
vital na programação política. É certo que diminui a importância absoluta da
sua componente militar, na medida em que os meios militares disponíveis
nesses países são obviamente inferiores no contexto contemporâneo da con-
corrência dos meios militares. Mas, em contrapartida, aumentou a importância
da componente estratégica do pensamento de defesa nacional, que já não está
apenas circunscrita à relação estabelecida no con ito militar, à relação de vio-
lência entre vontades nacionais que se opõem, mas se estende a todas as rela-
ções con ituais cuja nalidade última seja vencer sem precisar de combater.
A lógica da defesa nacional deixa de estar limitada à relação, real ou potencial,
com um inimigo que ameaça a integridade territorial através da utilização de
meios militares. A lógica da defesa, sobretudo nos pequenos países e nos países
não-nucleares, estende-se à necessidade de protecção de todas as vulnerabili-
dades nacionais, pois qualquer uma delas (e não só as militares, nem predo-
minantemente as militares ) pode pôr em causa as condições de a rmação e

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de resistência dos interesses nacionais nas suas relações com outros países-
mesmo que estes não tenham nenhuma intenção de desencadear uma agressão
militar, como normalmente não terão nem precisam de ter para atingit os seus
objectivos.
Este alargamento do conceito de defesa nacional aproxima-o da noção de
defesa biológica, onde funções orgânicas especí cas reagem às relações com o
exterior de modo a garantirem a viabilidade da entidade biológica que defen-
dem. É uma relação de grande complexidade porque se trata de um campo
diversi cado ( tanto na dimensão do ataque como na dimensão da defesa) e
porque todos os recursos têm de ser organizados numa dinâmica de equi na-
lidade (ecursos diversos coordenados para atingir uma nalidade global de
viabilidade da entidade defendida), sob risco de se desencadear um processo
de desregulação em que se perde o sentido de viabilidade da entidade bioló-
gica global.
Esta analogia entre defesa nacional e defesa biológica (que deliberada-
mente se deixa neste nível primário para que não. se pretenda fundar nela
uma «demonstração» por comparação directa entre sistemas que não são com-
paráveis) serve apenas para mostrar que os novos conceitos de defesa nacional
elaborados (e tornados necesários) após a dupla metamorfose são mais com-
plexos dos que os tradicionais (menos lineares e menos especializados nas
funções políticas e socias que envolvem), têm um âmbito tanto mais alargado
quanto menos nuclear é o país em causa.e quanto menos recursos tiver para
entrar na concorrência dos meios militares (pois Ihe falta capacidade de dis-
suasão de tipo militar) e, nalmente, são conceitos mais exigentes em termos
de capacidade de organização e em termos de capacidade de coordenação de
múltiplas políticas sectoriais.

1.2 A con itualidade ideológica

Com a con itualidade ideológica passa-se algo de comparável com a dupla


metamorfose: há uma leitura a nível absoluto e.outra leitura a nível relativo
-e ambas interferem na formulação dos conceitos de defesa de modos dife-
rentes conforme se analisam grandes poténcias ou pequenos países.
O confronto ideológico a nível absoluto sobrepõe-se ao confronto entre
as duas maiores. potências mucleares e entre os seus blocos de alianças. Esse
confronto pode ter várias designações: democracias pluralistas versus democra-
cias populares, sistemas de mercado versus sistemas de planeanmento central,
liberalismo versus socialismo, etc. Todas essas designações recobrem uma
mesma relação dualista e constituem, no estado de não-guerra, a forma ime-
diata da con itualidade principal no mundo contemporåneo. Esta estrutura
dualista não esgota as relações de con ito: há con itos de dimensão regional

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ou con itos em torno das possibilidadės de «terceiras vias»; mas, em geral,
também estes tipos de con itos secundários são reconvertíveis ou integráveis
no tipo de con ito principal, como se veri ca com a passagem do tempo
quando estes con itos secundários perdem a sua potência e são abosrvidos
pela
lógica
dualista
maisforte. iglo h
Entretanto, é também possível, e muitas vezes necessário, analisar este
con ito absoluto nas suas manifestações relativas em cada sociedade. Na sua
dimensãoprópria, cadasociedadereproduz, à suaescala,o con ito mundial -
e este pode ser analisado como o somatório das resoluções concretas que o
con ito principal vai tendo em cada sociedade. De facto, um dos modos de
vencer sem combater mais e cazes é o que consiste no desenvolvimento indu-
zido, provocado, de um con ito ideológico interno conduzido até ao ponto de
um dos vectores ganhar a supremacia ou, se não o conseguir, até ao ponto de
evitar a vitória do outro vector: a dinâmica das esferas de in uência estabe-
lecidas a partir dos centros da con itualidade principal é muitas vezes alimen-
tada pot este processo.
R A necessidade de integrar esta componente ideológica do con ito na átea
de preocupações da defesa nacional não levanta dúvidas quando se tem pre-
sente a e cácia do con ito ideológico na evolução da con itualidade contem-
porânea. Não é um factor novo nas relações internacionais: a força das ideias
tem constituído em muitas circunstâncias um meio de preparação da conquista
ou um meio de divisão, de paralização ou de neutralização. Todavia, a sua
importância aumenta num estado de não-guerra, porque a impossibilidade de
conduzir o confronto entre nações até aos extremos da violência militar torna
mais atraente (e mesmo necessário) o recurso a este modo de continuar a
guerra por outros meios.
A importância dos factores de con ito ideológico nas sociedades moder-
nas é um dos sinais mais fortes que a evolução contemporânea oferece da
necessidade de alargar o conceito tradicional de defesa nacional. É a «politi-
zação» da con itualidade ideológica ou, se se preferir, a sua «socialização»
(para a distinguir dos con itos ideológicos religiosos que marcaram a história
da Europa e que ainda hoje se encontram no fundamentalismo islâmico
onde, naturalmente, as estruturas religiosas se confundem com as estruturas
de defesa nacional) que revelam para a Europa, desde a Revolução Francesa,
que a concepção de defesa nacional não é independente dos valores que são
socialmente dominantes e que, por isso mesmo, a produção política destes
valoresnão é uma questão a que o poder político possa ser alheio. E essa
necessidade será tanto maior quanto menor for a possibilidade de estabelecer
uma defesa su ciente com base estritamente militar.
É por esta via que a dupla metamorfose, nas suas leituras absoluta e rela-
tiva, encontra o seu re exo na con itualidade ideológica, também susceptível
das leituras absoluta e relativa. No plano dos absolutos, as duas principais

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fórmulas ideológicas têm ao seu alcance os meios da destruição total-e por
isso, no paradoxo nuclear, não podem usar esses meios militares de destruiçāo
para encontrar a resolução do seu con ito ideológico. É, assim, necessário
passar para o plano da relatividade, onde de facto se desenvolvem os processos
reais de resolução do con ito ideológico, caso a caso, formando as esferas de
in uência: é em cada sociedade, a nível relativo, que decide o resultado da
con itualidade mundial, colocado em termos globais mas sem recorrer aos
absolutos da subida aos extremos da violência.
A sociedade que melhor revela esta passagem de planos do absoluto para
o relativo, da lógica militar da defesa nacional para a lógica global da defesa
nacional, é uma sociedade «ambígua» e «excêntrica» ao con ito ideológico
principal: a sociedade japonesa. É uma sociedade «ambígua» na medida em
que a sua derrota militar no advento do facto nuclear conduziu à transplan-
tação de um modelo político que Ihe era exterior e que foi assimilado sem
pôr em causa a estrutura profunda das suas relações sociais e políticas: é uma
democracia «ocidental» numa sociedade oriental e que, por imposição consti-
tucional vinda do exterior, não pode ter forças armadas «agressivas». E uma
sociedade «excêntrica» ao con ito ideológico principal mundial porque não é
fácil distinguir no seu modelo interior o que é o mercado e o que é planea-
mento central; e ainda que se integre geopoliticamente no mundo ocidental
no seu referencial de alianças é, pelo menos, concebível e, na prática, visível,
que os seus interesses nacionais sejam uma ameaça efectiva para outras enti-
dades nacionais ocidentais ou mesmo para a coesão do agregado de nações que
formam o sistema ocidental. Esta sociedade «ambígua» e «excêntrica» também
foi a sociedade que alimentou um projecto imperialista clássico apoiado na
extrema agressividade militar. Depois da derrota, e perante a impossibilidade
de competir na escalada de meios militares formalmente por imposição ex-
terna, mas na prática comevidentesbenefíciosimediatos e continuados é
ainda esta sociedade que elabora o conceito de defesa nacional global ou com-
preensiva, transferindo a sua relação de con itualidade com outras nações
(mesmo que aliadas) para o domínio das relações económicas. Haverá uma
diferença essencial entre a agressividade militar do imperialismo clássico e a
agressividade económica da penetração nos mercados e nas instituições ou orga-
nizações económicas de outras nações? O que o caso japonês revela, de um
modo exemplar, é a virtualidade inerente à passagem de planos do absoluto
para o relativo, mostrando que essa passagem não anula a essência da relação
con itual, apenas altera os seus modos instrumentais. Porém, é essa alteração
dos modos instrumentais que contém a virtualidade: permite concentrar a aten-
ção e os recursos no essencial nas relações económicas.
Esta é uma mudança que tem implicações decisivas nas concepções moder-
nas da defesa nacional e a mais importante é a necessidade de globalizar essas
concepções: não há nada na evolução da sociedade que possa ser alheio ao âm-

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bito da defesa nacional, e esta globalização será tanto mais necessária quanto
mais evidente for a inferioridade dos meios militares disponíveis. O que poderá
ter começado por ser a força das circunstâncias inerentes ao m da última
grande guerra mundial acaba por se con gurar como uma condição essencial
de viabilidade das sociedades modernas. all
Para que esta análise não seja considerada como uma mera construção
abstracta sem relevância prática será indispensável mostrar que esta passagem
do plano absoluto para o plano relativo, da con itualidade ideológica entre
superpotências ou blocos de alianças para a con itualidade ideológica das rela-
ções entre sociedades, contribui para a resolução dessa con itualidade absoluta.
Se essa resolução no plano absoluto não fosse possível através das resoluções
no plano relativo a globalização da concepção de defesa nacional não serviria
para muito, pois a con itualidade no plano absoluto continuaria o seu curso
sem que as políticas de defesa nacional de cada sociedade o pudessem regular.
A evidência disponível, sobretudo depois das crises económicas mundiais
de 1973-1974 e de 1979-1980, mostra que se têm veri cado desenvolvimentos
no sentido da resolução da con itualidade ideológica relativa que, provavel.
mente, contribuirão para progressos de resolução na con itualidade ideológica
absoluta. Os circunstancialismos destas crises económicas não foram indife-
rentes para estes desenvolvimentos e progressos. Foram crises que puseram à
prova a capacidade de adaptação das sociedades e, em muitos casos (como em
Portugal) , originaram efeitos perversos ou paradoxais que permitiram revelar
e demonstrar as insu ciências das diversas propostas ideológicas que então
dominavam os debates internos. As di culdades entretanto acumuladas (e com
manifestações que vão desde o endividamento generalizado de empresas e dos
Estados até à perda de viabilidade de empresas, de sectores e até de econo-
mias nacionais) não encontram resposta satisfatória nas fórmulas ideológicas
dominantes, enfraquecendo a sua capacidade mobilizadora e contribuindo assim,
por razões de ondem prática, para a superação dos termos da con itualidade
ideológica que se tinha estabelecido após a Segunda Guerra Mundial.
Não pertence aos objectivos deste texto a previsão do sentido que virá
a tomar esta resolução da con itualidade ideológica. A este respeito, apenas
importará dizer que a nova compreensão da complexidade das relações políti-
cas, nacionais e internacionais, se opõe a todas as fórmulas ideológicas simpli-
cadas. É cada vez menos provável que se possam manter níveis elevados de
con itualidade absoluta perante fórmulas ideológicas que são cada vez menos
convincentes. E o mesmo se poderá esperar da evolução da con itualidade
interna entre os grupos sociais que se orientam por estas fórmulas ideológicas
gerais. É, assim, provável que a resolução da con itualidade ideológica que se
coloca no plano absoluto se venha a consumar por uma aproximação de con-
trários, sendo a síntese estabelecida em termos de maior coordenação de polí-
ticas e de maior diversidade de centros de racionalização e de decisão. Será,

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em suma, uma evolução de uma organização dualista da con itualidade para
uma organização multipolar, onde os entendimentos e acordos a nível superior
são compatíveis com diversas áreas de con itualidade a nível inferior.
Parece, assim, haver elementos su cientes para se considerar que a dinâ-
mica da con itualidade relativa tem contribuído para esbater a intensidade da
con itualidade absoluta, deslocando-a para outros níveis de manifestação e
reduzindo gradualmente a sua expressão dualizada. Mas, em contrapartida,
esta mesma dinâmica traduz-se na proliferação de áreas e de motivos de con-
itualidade no sentido relativo, tornando as relaçöes entre sociedades muito
mais complexas do que eram aquelas que tinham como marcos orientadores
concepções ideológicas bem de nidas e opostas.
Para um leitor de boa-fé este ponto da con itualidade ideológica poderia
considerar-se tratado com a conclusão de que se tem veri cado um abranda-
mento da tensão ideológica no plano absoluto e que as suas expressões no
plano relativo, dentro de cada sociedade e nas articulações entre sociedades,
tếm contribuído para esse abrandamento na força dos argumentos ideológicos
-ainda que com a consequência de ter transferido para outros tipos e níveis
de con itualidade o confronto de interesses dentro de cada sociedade e entre

sociedades.nhe iD etobiaisobenso0ieda
Contudo, há uma variante perversa deste tema da con itualidade ideoló-
gica que importa esclarecer, pois a sua inovação frequente (que é um vestígio
de outros períodos históricos) prejudica a compreensão do que é essencial na
evolução recente. Essa variante perversa pode resumir-se no conceito de ini-
migo interno, que seria um agente da con itualidade ideológica actuando no
interior de uma sociedade e servindo os interesses de uma outra potência ou
estratégias internacionalistas através da utilização do vector ideológico. Ë ur
modelocomumalongatradição a perversãoinquisitorial,tambémdebase
ideológica e instrumento de luta ideológica, é um exemplo signi cativo. No
entanto, é uma perversão da tese, apresentada neste ponto na medida em que
a identi cação, denúncia e perseguição de um «inimigo interno» que tenha
estas características de agente da con itualidade ideológica impede a resolução
completa desse con ito, mantendoo latente, oculto e até porventurạ distorcido
pela atribuição de um estatuto de vítima a esse «inimigo interno», oferecendo,
numa relação paradoxal que é típica das dinâmicas de con ito, uma condição
de superioridade aos agentes que se pretendia derrotar. A superação do con-
ito ideológico numa sociedade moderna exige que a derrota seja obtida por
uma demonstração socialmente visível da inviabilidade dessas propostas ideo-
lógicas- ainda que para essa demonstração se tenha de pagar um custo social
elevado pela experimentação. A superioridade das democracias pluralistas reside
exactamente na sua capacidade intena para superar os con itos ideológicos
através da compreensão da inviabilidade das propostas, dispensando a repres-
são política e a censura de ideias que, em lugar de provarem a inviabilidade,

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antes sugerem o seu interesse, designadamente para todos aqueles que se jul-
gam desfavorecidos. Seria, no mínimo, absurdo perder essa superioridade do
pluralismo democrático recorrendo a métodos arti ciais -e de e cácia apenas
temporária -para ocultar a con itualidade ou para a resolver na aparência.
A este primeiro atgumento, que rejeita a utilidade da tese do «inimigo
interno» (o que não signi ca que não haja inimigos internos entre a descri-
cão e a estratégia há uma distância a ter em conta e o que se procurou mos-
trar é que uma estratégia baseada naquela tese reforça aquilo que queria enfra-
quecer dando realidade ao que tem cada vez menos importância nas relações
internas de cada sociedade), deve juntar-se um outro baseado no papel do
pluralismo interno para a preparação de uma sociedade nas suas relações com
outras sociedades, tendo em conta que esta con itualidade externa é um traço
essencial das relações modernas.
A tensão interna pode ser super cialmente considerada como um factor
de divisão e de enfraquecimento das possibilidades de uma sociedade e pode
admitir-se que há algum fundamento nessa apreciação numa óptica de curto
prazo, na análise de uma situação concreta. Mas a longo prazo é a variedade
interna que permite a uma sociedade não só preparar-se para responder a mú-
tiplas ameaças simultâncas mas também para compreender o signi cado e o
sentidodessasameaças.Voltando ao conceito de defesabiológica e com a
mesma precaução de não pretender fazer destas imagens analógicas uma base
dedemonstraçãomasapenasuma lustração a vacina é um factor impor-
tante no exercício das defesas existentes de modoa aumentar a sua potência
ou arevelarassuasinsu ciênciasemcontextoscontroláveis. i es
Em suma, pode dizer-se que a enorme importância da con itualidade
ideológica para a evolução das sociedades não diminuiu mas teve uma consi-
derável variação de tipo e de expressão. O papel da con itualidade interna
em cada sociedade, dos con itos de interesses de grupos sociais e dos con i-
tos de classe (que eram os modos relativos de expressão da con itualidade
dualista que se estabelecia no plano mundial e no modo absoluto) evoluiu
perante a evidência que era na con itualidade entre sociedades (mesmo que
integradas num bloco de aliança) que realmente se decidia a viabilidade de
cada uma delas e a sua posição relativa nas hierarquias de in uência. É cada
vez mais, esta con itualidade entre sociedades que contém a resposta para as
resoluções dos con itos internos em cada sociedade. E é também nesta multi-
polarização das. relações con ituais entre sociedades que se vai encontrando a
resolução possível do con ito dualista mundial-cada vez menos dualista e
menos bipolarizado. Há assim: uma con itualidade relativa intermédia, a con-
itualidade entre sociedades, com múltiplas expressões, que se apresenta como
oespaçoreal da decisão da con itualidade - ela próptia também cada vez
menos expressa em termos ideológicos e cada vez mais estabelecida em termos

quantitativos.o1esi o ioot avp


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É uma evolução com evidentes efeitos nas concepções tradicionais de poli.
tica de defesa nacional. Do mesmo modo que a con itualidade se generalizou
para estes níveis internmédios e múltiplos, também os objectivos de defesa
nacional se generalizam e multiplicam. A tradicional defesa militar passa a ter
outro signi cado quando a eventualidade da guerra é muito fraca ou é mesmo
improvável ao mesmo tempo que os espaços de expressão dos interesses nacio-
nais são penetrados por agentes externos que exploram as suas melhores opor-
tunidades, deixando para os agentes internos a responsabilidade de gerir os
probelmas mais difíceis e limitados a explorar as oportunidades menos inte
ressantes ou de maior risco. Uma concepção tradicional de defesa aplicada às
condições contemporâncas tende a apresentar-se como uma mera ilusão, tanto
mais perigosa quanto dá uma falsa noção de segurança que não tem tradução
prática. O vectot militar da defesa passou a estar necessariamente integrado
no conceito global e interdepartamental de política de defesa nacional e só
nesse contexto sistémico tem sentido.

1.3 A lógica paradoxal

Na base da concepção da defesa nacional está a estrutura da relação de


con ito. E na base das relações de con ito está a lógica paradoxal, isto é, a
impossibilidade de aplicar lógicas lineares e nitas de causa-a-efeito porque é
preciso ter sempre em conta as reacções do outro e estas prolongam-se no
tempo. Dito de outro modo, na relação de con ito as coisas raras vezes são
o que parecem, mas só é e caz nessas relações quem consegue penetrar para
além das aparências imediatas e detecta as possibilidades dinâmicas da lógica
paradoxal.
A relação de con ito é estruturada em termos da interdependência das
decisões e, em especial, em termos da interdependência das expectativas quanto
ao que serão os comportamentos eventuais dos adversários e quanto ao que
serão os objectivos normalmente atingíveis pelas partes envolvidas na relação
con itual. A relação de con ito é uma relação dinâmica, onde o presente é
apenas um passo de uma sequência de acções possíveis que se projecta no
futuro. Nas relações que interessam à defesa nacional, a relação con itual con-
tém a possibilidade da guerra, a subida da escalada con itual até a0s extre-
mos. Mas antes de se atingirem os extremos, e sobretudo quando os extremos
não podem ser atingidos (propriedade da não-guerra que está inerente à dupla
metamorfose provocada pelo factó nuclear), as relações que interessam à defesa
nacional são todas aquelas que pre guram uma dinâmica de con itualidade
com uma entidade externa, sem nunca esquecer que essa relação de con ito
com agentes externos terá ecos e re exos nas relações internas. Estas relações
de eco ou de re exo, que interiorizam os efeitos dos con itos com o exterior,

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não são necessariamente, nem são essencialmente, estabelecidos através do «ini-
migo interior» (noção que, como se viu no ponto anterior, é uma variante
perversa da con itualidade ideológica numa sociedade pluralista ou é uma deri-
vação do espírito inquisitorial numa sociedade autotitária e em ambos os casos
oculta as razões reais que levam agentes internos a defender interesses exter-
nos). Estes ecos ou re exos da con itualidade externa nas relações internas
são sobretudo importantes quando diminuem a coesão interna, quando di cul-
tam a organização e gestão das forças e recursos internos para interpretar e
responder às ameaças externas. Estas di culdades podem ser alimentadas por
crúticas internas ao modo como a con itualidade está a ser gerida (críticas que
decorrem dos efeitos desse modo de gestão nos diversos interesses internos)
e ao modo como se está a procurar a resolução da con itualidade. As posições
nacionalistas e maximalistas, frequentes nas situações de con itualidade intensa
e visível, podem ser prejudicadas pelos ecos ou re exos dessas relações com
o exteriot e que irão pôr em causa a capacidade e a estabilidade dos respon-
sáveis políticos nacionais pela condução das relações de con ito com o exterior
-prejudicando assim a unidade de acção que, aparentemente, aquele naciona-
lismo e maximalismo pretenderia assegurar.
Um dos aspectos mais importantes das relações de con itualidade está no
facto de não ser possível adiar inde nidamente a sua resolução depois de ter
ultrapasado o nível da visibilidade social: uma vez reconhecida a existência
do con ito, a sociedade forma a expectativa da sua resolução. É o tipo de
relações políticas em que a passagem do tempo não serve de compensação para
a crítica da falta de preparação e da atitude de surpresa. Pelo contrário, são
a preparação e a capacidade para utilizar a surpresa que constituem as vanta-
gens inciais na relação de con itoe que serão vantagens tanto mais acen-
tuadas quanto mais curto for o tempo de resolução do con ito. Neste sentido,
a preparação para todas as contingências con ituais é uma exigência para uma
concepção de defesa nacional e é também uma precaução que o dirigente polf-
tico deve respeitar para não perder a con ança dos cidadãos se tiver de res-
ponder de improviso e em estado de surpresa à manifestação de um con ito.
E uma exigência que se torna mais complexa quando o estado de não-guerra
e as desigualdades de meios militares transferem para outros tipos de con itos
mais diferenciados, mais generalizados e menos visíveis socialmente nas suas
formas iniciais a resolução dos confrontos entre interesses nacionais. A relação
con itual decide-se cada vez menos em termos da conquista de territórios ou
em termos de subjugação militar de nações e decide-se cada vez mais em ter-
mos de condicionamento das decisões de outras nações através da imposição
de constrangimentos tecnológicos, económicos, políticos, ideológicos ou mesno
através de decisões vinculativas tomadas em instituições transnacionais.
Tudo isto implica que a concepção de defesa nacional e as suas traduções
políticas devam ser anti-dogmáticas e anti-rotina. O anti-dogmatismo é uma

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necesidade para se poder ter a percepção antecipada das intenções dos outros,
para se poder utilizar a previsão das suas expectativas de modo a condicionat
os seus comportamentos e a neutralizar as suas ofensivas, reais (resposta) ou
potencial (dissuasão). As matérias de defesa nacional exigem um pensamento
relativista, uma permanente abertura e atenção aos sinais, verdadeiros ou dissi.
mulados, que os outros vão revelando. A exibilidade do pensamento é uma
condição necessária para a exibilidade das respostas. E esta necessidade de
salvaguardat a exibilidade é importante mesmo em termos da gestão dos
recursos internos, pois a criação de expectativas excessivas quanto à rapidez
e facilidade de resolução do con ito tende a ser um factor de rigidez com
consequências na estabilidade da direcção política. Mas o pensamento da defesa
nacional deverá conduzir também a uma concepção e a um conjunto de polí.
ticas anti-rotina, pois a instalação de rotinas nestas matérias é uma indicação
de rigidez de expectativas e de comportamentos, indicação que é oferecida aos
outros permitindo-Ihes programat as relações de con ito de acordo com as suas
conveniências e sem incertezas signi cativas quanto ao que serão as nossas ati-
tudes. Prolongando esta lógica, a concepção e as políticas de defesa nacional
são também anti-rotina no sentido de que não podem car limitadas às divi-
sões burocráticas tradicionais nem mesmo à clássica especialização militar
que no passado podia aspirar a dominar ou monopolizar a problemática da
defesa nacional.
Se forem conjugadas as características das matérias de defesa nacional
referenciadas neste ponto (a noção alargada de con ito que exige a globaliza-
ção das concepções de defesa nacional, a interdependência de decisões e de
expectativas nas relações de con ito, a necessidade de anti-dogmatismo e de
anti-rotina) é possível passar para a noção mais potente de lógica paradoxal
como a lógica que se aplica nas relações de con ito, isto é, nas relações onde
cada acção tem de ter em conta as reacções da outra parte ou das outras par-
tes: são relações onde não se pode manter inde nidamente o mesmo tipo de
atitude, onde não se pode actuar em guadros dogmáticos e em modelos de

rotina.t a
A lógica das relações con ituais é uma lógica dinâmica onde todas as
situações de equilíbrio são instấveis e onde o afastamento da posição de equi-
líbrio desencadeia escaladas de con ito. É, por outro lado, um tipo de dinâ-
mica que se veri ca mesmo quando há uma relação de dominação clara que,
super cialmente, deveria ser dissuasor de qualquer con ito: de facto, o que
então se encontra é uma dupla dinâmica, em que coexiste uma relação de equi-
líbrio estável a nível superior (no nível onde a dominação é clara) com uma
relação de tensão e de con ito a níveis inferiores, em que a parte mais fraca
procura ganhar alguma vantagem. Mas essas escaladas, por sua vez, são auto-
-correctivas com a passagem do tempo: o êxito de um certo tipo de acção por
parte de um dos protagonistas do con ito gera no outro protagonista processos

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de ajustamento e de adaptação que irão, rápida ou gradualmente, restringir a
margem de superioridade inicialmente conseguida. A dinâmica das vontades
que se opõem é o motor desta lógica paradoxal que conduz ao encontro de
opostos e, depois, à sua inversão. Na relação de con ito, entendida como pro-
cesso ou tendência, há uma sequência de acção, culminaçāo, declínio e inver-
são: o êxito gera o fracasso e há uma contínua oscilação em relação a uma
linha ideal que seria constituída pelos sucessivos pontos de equilfbrio instável.
Quando este processo é observado globalmente ele aparece sob a forma de
um movimento pendular. Contudo, essa observação global é demasiado simpli-
cada, ocultando o processo real formado pelas tensões e pelas transformações
que se vão dando em cada ponto, em que cada parte vai alterando as suas expec-
tativas, as suas condições de acção e até os seus critérios de êxito -e são
estas vatiações do campo de acção que vão depois provocar as inversões de
sucesso e de fracasso. Nas análises globais, o movimento pendular pode apare-
cer como inevitável; nas análises concretas, na condução da acção, essa inevita-
bilidade não existe, são os ajustamentos e as adaptações às circunstâncias que
irão permitir formar a oscilação pendular do movimento global.
Todas as matérias de defesa nacional estão marcadas por este tipo de
lógica paradoxal que resulta da complexidade das relações dinânicas entre von-
tades que se opõem. Desde logo, compreende-se que sejam matérias que acon-
selham um modo de pensamento anti-dogmático e anti-rotina, pois nem sempre
as situações são aquilo que parecem numa lógica linear (e ainda menos o ten-
dem a ser quando não é possível recorrer ao confronto militar para decidir o
con ito e quando relações de dominação num nível superior coexistem com
tensões con ituais a níveis infetiores, sectoriais ou pontuais ). Mas, para além
destas elementares precauções, deve também ter-se em conta que o modo de
pensamento aconselhável é de tipo relacional e globalizante: cada manifestação
de con ito tem de ser inserida no conjunto de con itos em curso num certo
período e isso só é possível se as matérias da defesa nacional integrarem todas
as relações da sociedade que, directa ou indirectamente, interferirem na dinâ-
mica dos con itos com outras sociedades.
Poder-se-á considerar que se trata de um conjunto de exigências excessivas
para os hábitos políticos correntes e para as capacidades normais dos responsá-
veis políticos. E não é um argumento convincente dizer-se que só dirigentes
políticos excepcionais podem satisfazer este conjunto de exigências, assim como
não temn sentido útil aguardar pot uma auto-reforma das estruturas burocráti-
cas existentes para que estas possam abandonar a cómoda lógica linear e pos-
sam enfrentar as complexidades da lógica paradoxal e sistémica que caracteriza
as relações con ituais e que é necessária para sua compreensão. A excepciona-
lidade dos dirigentes políticos não é uma contingência su cientemente segura
para baseat nela uma concepção de defesa nacional e a hipótese da auto-reforma
das instituições burocráticas é, em última análise, um círculo vicioso quando

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são essas entidades que aparecem ao mesmo tempo como um obstáculo à satis-
fação destas exigências do pensamento paradoxal e sistémico da defesa nacio.
nal. Em qualquer caso, não se deve esquecer que a veri cação deste tipo de
limitações ou de de ciências numa sociedade signi ca que é concedida uma
vantagem a outras sociedades que tenham conseguido superar essas limitações
e de ciências: do mesno modo que a superioridade dos meios militares cons-
titui um valor especí co da defesa nacional, também a superioridade dos meios
de concepção de política de defesa e de coordenação global das matérias de
defesa é um valor genérico nas relações de con itualidade entre sociedades.
Será, então, uma concepção de defesa nacional entendida neste nível de
complexidade uma impossibilidade em certas sociedades que não têm condições
para produzir e manter este tipo de concepção? Se essa concepção for enten-
dida como um acto individualizado ou como uma função especializada que
seja atributo de uma única instituição ou organização (mesmo que seja um
departamento de assuntos de defesa nacional) é, de facto, uma missão impossÍ-
vel. Nenhum dirigente político, por excepcional que seja, assim como nenhuma
instituição ou organização, por e caz que seja, poderá realizar o cálculo com-
plexo e permanente das condições de acção em relações de con ito que envol-
vem toda a sociedade nem poderá organizar os recutsos necessários, orientados
e motivados, para actuar com êxito no contexto da lógica paradoxal envolvendo
comportamentos colectivos. Por estas mesmas razões, pode dizer-se que em
certas condições institucionais e organizativas (como são aquelas ainda preva-
lecentes em Portugal) não é possível produzir uma concepção de defesa nacio-
nal e um conjunto de políticas de defesa nacional que não venham a ser pre-
judicados por aquelaslimitações e de ciências. ci
Mas se a defesa nacional for entendida, como deve ser, como uma expres-
são global da sociedade, como o seu sistema de reacções (reais e potenciais)
nas múltiplas situações (e possibilidades) de con ito que tem de enfrentar,
as exigências que se tem vindo a apresentar para a concepção da defesa nacio-
nal já não aparecem como excessivas ou como impossibilidades. A produção
da concepção da defesa nacional é um trabalho colectivo da sociedade, é um
modo de respostà da sociedade no contexto internacional e, nas condições con-
temporâneas das sociedades modernas, é uma condição da existência de uma
sociedade
como
entidade
nacional. h nh rn
A primeira responsabilidade dos dirigentes políticos é organizar esse traba-
Iho colectivo, dando-Ihe um sentido e uma possibilidade permanente de inter-
pretação dos acontecimentos e das situações, orientando as respostas para uma
maior vantagem colectiva. E dentro dessa responsabilidade insere-se a criação
do sistema de instituições e de organizações que, em diversos níveis da acção
política, estão sensibilizadas e orientadas para a problemática da defesa, isto é,
para a decisão favorável das relações de con ito que se desenrolam no contexto
da lógica paradoxal.

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Por isto mesmo se insiste na conclusão básica de que a concepção de
defesa nacional não pode ser desligada da instalação de uma rede de institui-
ções e organizações que acompanhe e estimule o trabalho colectivo da socie-
dade nas suas relações de con ito com o exterior (e os seus ecos ou re exos
nas relações internas). As matérias de defesa nacional não formam uma disci-
plina teórica isolada que pudesse ser objecto de uma estrutura institucional
única e especializada. As matérias de defesa nacional resultam de um modo
de pensar as relações sociais e políticas e, em especial, as relações da sociedade
com o exterior, com as outras sociedades, tanto nas suas relações de con ito
como de cooperação (porque também estas se podem vir a tornar relações de
con ito com o tempo) – em suma, em todas as relações que condicionam a
autonomia de decisāo da sociedade sobre o seu próprio futuro.
A defesa, tal como a prosa, é algo que todas as sociedades fazem, mesmo
sem o saber. O esforço de conceptualização das matérias de defesa nacional e,
antes do mais, um esforço para tornar inteligível para a sociedade o que signi-
ca e o que implica a relação con itual tornando assim inteligível a lógica
paradoxal que comanda esse tipo de relação e que deve ser expressa para que
as decisões tenham sentido. Mas parece evidente que a formação e exploração
dessa consciência colectiva da con itualidade e das suas implicações só serão
possíveis se houver uma rede institucional e organizativa com capacidade para
manter permanentemente actualizada a interpretação das novas formas de con-
ito e para organizar as respostas colectivas consequentes e consistentes. Estas
duas dimensões evoluem em interrelação: a consciência social da problemática
da defesa nacional e das suas condições será tanto maior quanto mais e caz
for a rede de instituições e organizações dedicadas ao tratamento destas ques-
tões, não só ao nível global da produção de políticas de defesa mas também
nos múltiplos níveis sectoriais onde os diversos tipos de con ito irão encon-
trar a sua resolução concreta.
Estas noções são válidas para a generalidade das sociedades contemporâ-
neas na medida em que o seu maior grau de interrelação a diversos níveis com
outras sociedades e a di culdade de recorrer à resolução militar vieram alargar
o papel das relações de con itoe vieram revelar a importância dos seus efeitos
e dinâmicas paradoxais. Por maioria de razão, estas noções são vitais para uma
sociedade que desenvolve um processo de modernização por integração num
espaço continental como acontece com Portugal no contexto da Comunidade
Económica Europeia. Numa leitura super cial, linear e não-paradoxal, trata-se
de uma relação de cooperação tão intensa que poderia mesmo justi car as pro-
postas dos que consideram dispensável uma política de defesa nacional. Mas
uma leitura mais atenta do que é este novo sistema de relações para Portugal,
tendo em conta as indicações da lógica paradoxal, mostra, pelo contrário, que
é exactamente neste novo contexto que mais importante será estabelecer uma
concepção de defesa nacional e que mais necessário será dotar os decisores

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portugueses, qualquer que seja a área em que exercem o seu poder de decisão,
de informações trabalhadas e interpretadas sobre o que é o sistema de con itos
relevantes para Portugal- nunca esquecendo que esse sistema está em perma-
nente mutação, exigindo um trabalho e uma atenção permanentes.

1.4 A estratégia

Quando se analisa a política de defesa nacional nesta acepção de prepa-


ração para, interpretação de, e de resposta a situações de con ito, aparece no
primeiro plano a noção de estratégia. Não se trata já apenas do sentido militar
clássico de estratégia, pois o recurso militar para resolução das relações de
con itualidade é menos provável; mas continua a tratar-se de estratégia como
dialéctica de vontades opostas que enpregam os meios adequados (e não ape-
nas a força violenta, os meios militares) para resolver o seu con ito (o que
permite utilizar, com a ligeira variação do conceito de meios adequados, a de -
nição clássica de estratégia proposta por André Beauffre). Neste alargamento
do conceito de estratégia encontra-se, uma vez mais, o efeito da dupla meta-
morfose introduzida pelo facto nuclear, pelas mesmas razões e pelos mesmos
processos que justi cam o alargamento do conceito de defesa nacional para
além das suas tradicionais áreas militares. Em ambos os casos, é o alargamento
do conceito de con ito relevante (e do correspondente modo de resolução)
que obriga a estas novas formulações, não só porque elas são necessárias para
se actuar politicamente no sistema de relações sociais contemporûneas (sem
estas formulações há áreas de acção política que cam sem conceptualização,
não obstante a sua relevância prática), mas tambếm porque sem esse alarga-
mento tanto o conceito de defesa nacional como o de estratégia cariam redu-
zidos a dimensões pouco signi cativas ou mesmo inoperacionais (designada-
mente para as sociedades que não têm potência nuclear nem podem utilizar
modos imilitares de resolução dos seus con itos com outras sociedades, cando
então sem espaço conceptual para estruturar a política de defesa e a estratégia).
Entretanto, a alteração que as condições das relações internacionais con-
temporâneas produzem no conceito de estratéyia não se limitam a este efeito
de alargamento do seu âmbito de aplicação, ultrapassando a sua acepção militar
de uso de forças violentas para incluir também todos os outros modos e meios
relevantes de resolução de con itos estabelecidos entre sociedades. O mesmo
tipo de razões que produz este alargamento de âmbito produz também uma
inversão de posições na.relação.que se estabelece entre a estratégia e a guerra.
Enquanto nas situações clássicas a estratégia estava contida na guerra (era o
modo de uso, ou de ameaça de uso, dos meios violentos, do combate, para
o objectivo da guerra), nas situações modernas é a estratégia que contém a
guerra como um dos modos de resolução dos con itos - mas que não é já

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o principal modo de resolução dos con itos nem é, provavelmente, um meio
utilizável (facto nuclear) e, quando o é (espaço de guerra convencional) está
inserido num sistema de tesolução de con itos mais amplo (áreas de in uên-
cia, pressões internacionais, decisões das superpotências que têm capacidade
nuclear que, de modo directo ou indirecto, condicionam as possibilidades de
acção dos beligerantes). Sem se perder de vista que o conceito de estratégia
está relacionado especi camente com a dialéctica de vontades que se desen-
volve na relação de con ito, deve reconhecer-se que o conceito de estratégia
se autonomizou da sua utilização militar e está hoje presente em todas as deci-
sões políticas com relevância para a resolução da con itualidade com o exterior
isto é, é inerente à problemática da defesa nacional.
Neste contexto, falar de desa o estratégico nacional tem agora um sentido
muito mais amplo do que aquele que se encontrava nas situações tradicionais,
pré-modernas. A atitude estratégica aplica-se a múltiplos sectores da existência
social: a todos aqueles em que tem de ser decidida uma relação de con ito
com o exterior. O espaço da con itualidade é o espaço da estratégia e em
ambos impera a lógica paradoxal. Será útil, neste ponto preciso, referir uma
passagem de um texto recente (Luttwak, 1987): «Quando os estados actuam
para preparar ou para evitar a guerra, ou quando usam a sua capacidade de
fazer a guerra para obter concessões por via da intimidação sem recorrerem
de facto ao uso da força, a lógica da estratégia aplica-se inteiramente como se
aplicaria na guerra e independentemente dos instrumnentos políticos que são
usados. Assim, e excepto nàqueles aspectos que são puramente administrativos,
a diplomacia, a propaganda, as operações secretas e as medidas económicas
estão subordinadas à lógica da estratégia como elementos das relações adver-
sariais que os estados estabelecem entre si. (...) A sequềncia de acção, cul-
minação, declínio e inversão da lógica paradoxal está no núcleo do conceito
de estratégia (...) O confronto dinâmico de vontades opostas é a parte desta
lógica que nunca muda, embora os factores que ela condiciona variem em fun-
ção do nível em que se estabelece o confronto.»
Esclarecida a acepção alargada atribuída ao conceito de estratégia, pode-se
agora estabelecer a sub-divisão deste conceito global nos seus diversos níveis
de manifestação em que cada um dos níveis tem a sua especi cidade. Há
vários modos de estabelecer essa sub-divisão, sendo a mais frequente aquela
que distingue entre a estratégia operacional e operativa, a estratégia estrutural
e a estratégia genética. No entanto, não será esta a divisão aqui utilizada, con-
tinuando a seguir a proposta de Luttwak na obra citada que identi ca cinco
níveis de classi cação das expressões da estratégia: técnico, tático, operacional,
estratégia de teatro e grande estratégia.
A aplicação desta classi cação a actividades nãomilitares é sugestiva
em muitos casos, é já um hábito que se desenvolveu por comunicação e osmose
das linguagéns conceptuais ajustadas a cada tipo de actividade. Contudo, o

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ponto interessante desta classi cação está no facto de permitir identi car duas
dimensões distintas na estratégia, aspecto desenvolvido por Luttwak: uma
dimensão horizontal (onde se desenolvem as dinâmicas próprias a cada um
dos níveis, que têm os seus percursos próprios e que se desenvolvem em simul-
taneidade com o que acontece em todos os outros níveis) e uma dimensāo ver-
tical (que corresponde à interacção entre os diversos níveis e que irá formar
a harmonia global –ou a falta de harmonia - da estratégia). Estaproposta
de identi cação do mecanismo interno do processo de concepção e de produ-
ção da estratégia é especialmente e caz para se compreender como se forma
a concepção estratégica na concepção alargada proposta neste texto e que se
liga directamente com a concepção da política de defesa também na acepção
alargada aqui defendida. De facto, quando se articulam estas duas dimensões,
a horizontal e a vertical, ambas necessárias para que a estratégia exista em con-
dições de concretização na sociedade, surgem duas novas noções: a noção de
complexidade (não há relações lineares, e isso ainda é mais marcante quando
as áreas de con itualidade são múltiplas e diferenciadas, forçando assim à exis-
tência de várias estratégias, cada uma delas associada ao seu tipo e área de
con itualidade, e todas elas impondo a mesma articulação entre a sua dimen-
são horizontal e a sua dimensão vertical) e noção de coordenação (porque o
êxito de váias acções simultâneas, para áreas diferenciadas e com recursos
limitados, isto é, a concorrência entre estratégias diferenciadas, não será possí-
vel sem uma e caz compatibilização dessa multiplicidade). Estas duas noções
de complexidade e de coordenação são su cientemente importantes para exigi-
rem tratamentos próprios, mas importa desde já notar que elas derivam direc-
tamente da multiplicidade de con itos relevantes que têm de ser decididos
sem se poder recorrer ao «simpli cador» por excelência que é o con ito mili-
tar e decorrem, consequentemente, da necessidade de alargar o conceito de
defesa nacional para se poder contemplar o sistema real de con itos de uma
sociedade moderna sistema de con itos esse que tem de ser decidido com
estratégias próprias para cada tipo e área de con ito. É certo que nas relações
tradicionais de sociedades pré-modernas esta complexidade e esta necessidade
de coordenação tamnbém existiam. A diferença essencial está no facto de elas
então existirem de modo agregado enquanto que agora elas se desagregam em
várias áreas de con ito, cada uma delas importante e todas elas interrelacio-
nadas: já não é possível tratar esses con itos de modo agregado e não é possí-
vel tratá-os isoladamente como se cada um pudesse ter uma resolução que
fosseindependentedaresoluçãodosoutros. :
Mas antes de se passar à exploração destes dois conceitos de complexi-
dade e de coordenação é necessário retomar a questão da lógica paradoxal,
agora no contexto das indicações fonecidas pela noção de estratégia.
O aspecto que aqui importa sublinhar é ele próprio paradoxal, o que pro-
voca complexos problemas de comunicação: se é fácil descrever após os acon-

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tecimentos a sequência paradoxal que se veri cou na resolução do con ito, é
diffcil apresentar a uma sociedade e a propósito de uma ou de várias relações
con ituais ainda em desenvolvimento uma estratégia que tenha abertamente
em conta os efeitos da lógica paradoxal. Para poder respeitar e explorar as
potencialidades da lógica paradoxal, as políticas propostas têm de ser elas pró-
priasparadoxais -e não é fácil apresentar políticas com estascaracterísticas
numa sociedade aberta, com liberdade de informação, com expressão de projec-
tos políticos alternativos, democrática e pluralista e onde a con itualidade
externa tem ecos e re exos na con itualidade interna.
an Esta é uma di culdade considerável nas sociedades democráticas contem-
poråneas e em nenhuma outra área essa di culdade é tão evidente como na
política de defesa nacional, exactamente porque é nesta política que a relação
con itual é mais central e onde, portanto, o domínio da lógica paradoxal é
mais necessário. As respostas práticas que se tếm encontrado para esta di -
culdade têm assentado nos métodos de «dissimulação especializada»: as socie-
dades não são inteiramente informadas das políticas de defesa nacional que
estão a ser executadas e, em geral, isto é justi cado pelo carácter especializado
destas políticas. Não têm sido respostas satisfatórias nem parece que o possam
vir a ser. Estas soluções geram dé ces de mobilização social, na medida em
que a sociedade não está informada e nem sequer está «treinada» nos modos
de análise da lógica paradoxal e da formulação da estratégia. Nãoé difícil,
nestas condições, que a maior visibilidade das razões de con itualidade interna
venha a facilitar uma articulação perversa com as dinâmicas de con itualidade
extetna, produzindo assim uma mistura que é desfavorável à política adoptada.
E ainda que os dirigentes políticos tenham consciência de que essa mistura é
negativa, os seus esforços para separar esses componentes indevidamente mistu-
rados fracassam porque acabam por ser socialmente interpretados como razões
adicionais para a radicalização da con itualidade interna. Ao dé ce de mobili-
zação irá corresponder, portanto, uma menor e cácia na organização e gestão
dos recursos nacionais: não surpreenderá mesmo que elementos da sociedade
estejam a trair interesses nacionais nas relações de con ito com o exterior sem
terem disso consciência, sem sequer se aperceberem do efeito que tem a sua
posição nas relações de con itualidade interna na dinâmica das relações de
con itualidade
externa.olocit oiilG: ob
uoO método da «dissimulaçãoespecializada» tem também como consequên-
cia um dé ce de responsabildade política, na medida em que os decisores polí-
ticos, dotados de legitimidade democrática, tomam decisões que não são públi-
cas, ou que não são públicas nos seus fundamentos, que são deliberadamente
encobertas para não serem conhecidas dos seus eleitores e, muitas vezes, vio-
lando normas legais com estas suas atitudes cando a dúvida sobre se sāão
as normas legais que estão desajustadas dos problemas da relação estratégica
ou se, pelo contrário, são as pressões urgentes sobre os decisores políticos que

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lhes retiram a possibilidade de uma exposição clara das suas intenções e das
razões das suas decisões. Em qualquer caso, é sintomático da complexidade
destas relações que a condução da polftica de defesa nacional e da estratégia
tenha de ser dissimulada, encoberta, perante a sociedade cujos interesses pte-
tende defender, como se o decisor político tivesse de se confrontar com dois
tipos de adversários, os internos e os externos.
Estes métodos de «dissimulação especializada» poderiam ainda ter alguma
e cácia enquanto era possível reduzir as relações de con ito a confrontos ideo-
lógicos simpli cadores. Essas bases ou fórmulas ideológicas funcionam então
como uni cadores e mobilizadores sociais, mas actuam numa base emocional
que, em muitas circunstâncias, é contrária à exigência de racionalidade do pen-
samento estratégico. O que se ganha em facilidade de mobilização perde-se em
capacidade de controlo dos movimentos sociais iniciados por esses modos emo-
cionais e o decisor polftico volta aencontrar-sena difícil situaçãode ter
de controlar, pelo domínio da lógica paradoxal, não só as relações exteriores
mas também as interiores. Seja como for, este artifício é cada vez menos e caz
quando as relações de con ito se tornam mais complexas e diversi cadas e
quando as fórmulas ideológicas, pela acumulação de fracassos que Ihes cam
associados, perdem grande parte do seu poder orientador. Estes dois desenvol-
vimentos caracterizam as realidades contemporâneas: as fórmulas ideológicas
tradicionais perderam potência, o mundo bipolar da con itualidade absoluta
fragmenta-se em dinâmicas multipolares de con itualidades relativas e até as
dinâmicas de con ito se tornaram mais variadas à medida que a componente
militar foi sendo bloqueada (pela dissuasão nuclear, pelos equilíbrios de alian-
ças e de acordos, pela melhor compreensão das escaladas de con itos do nível
local para o regional e para o mundial, o que tem permitido concentrar as
resoluções da con itualidade ao seu nível relativo) e as relações de con ito
se passaram a manifestar com relevância em todos os planos das relações entre
sociedades. O processo de simpli cação ideológica é, assim, cada vez mais uma
memória do passado, uma memória de tempos e de relações mais ordenados
mas que não se veri cam no presente nem parece que se venham a reconstituir
no futuro próximo.
As di culdades da lógica paradoxal do pensamento estratégico, da inter-
pretação do signi cado profundo dos con itos de modo a determinar as linhas
de acção possíveis e mais favoráveis e as di culdades adicionais da sua comu-
nicação na sociedade aparecem assim como características próprias da política
contemporânea. Em relação ao exercício do poder político, passa-se como pen-
samento estratégico e com a elaboração da política de defesa nacional algo de
semelhante com o que se passou com o reconhecimento dos direitos polticos
para todos os cidadãos e com o reconhecimento do pluralismo das expressões
políticas, do pluralismo das concepções do que é o interesse nacional. Também
nos processos destes reconhecimentos foram postas em causa as noções das

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hierarquias rígidas dos graus de poder e das especializações «autoritárias» dos
detentores do poder. Para establizar as relações políticas num ambiente de
liberdade sem cair om dinâmicas de indeterminação anátquica foi necessário
organizar as expressões políticas na forma partidária, constituindo uma «socie-
dade política» (designação de Tocqueville, bem mais interessante do que a
expressão de «sociedade civil») formada por níveis intermédios de especiali-
zação em matérias políticas e servindo de suporte para o processo de informa-
ção e de formação dos diversos estratos da sociedade e dos diversos sistemas
de interesses sociais. Parece ser este, também, o caminho mais promissor para
desenvolver na sociedade a consciência estratégica, a informação e a formação
nos conceitos e na especi cidade da defesa nacional, o hátbito da utilização da
lógica paradoxal na interpretação colectiva das relações de con ito que uma
sociedade estabelece com outras sociedades.
O talento estratégico de alguns dirigentes políticos de nada serve se não
estiver apoiado numa efectiva mobilização social orientada para a realização
desses objectivos e nesses modos estratégicos: pode mesmo acontecer que a
aceitação colectiva das nalidades de nada sirva se não houver uma aceitação
colectiva dos modos estratégicos para as realizar. Acresce que, por maior que
seja o talento estratégico de alguns dirigentes políticos, ele não será aplicável
de modo continuado e e caz se o conhecimento das suas intenções e propostas
estiver restrito a um pequeno grupo de especialistas, ainda que estejam dota-
dos de poder legitimado. essencial que exista na produção do pensamento
estratégico e na sua aplicação concreta em políticas de defesa nacional su -
ciente diversidade para que também a atençāo às relações de con ito seja
diversi cada, alargada e permanente. Em suma, esta é uma área de responsa-
bilidade política onde nem a especialização é razão de exclusivismo nem a so s-
cação necessária na análise pode justi car as «dissimulações» dos dirigentes
polítícos ocultando dos seus concidadāos a realidade dos con itos e das suas
respostas reais. te
o Todas estas relações são agora mais importantes do que no passado por-
que a dinâmica da interdependência entre as sociedades modernas faz das
vicissitudes da con itualidade externa uma parte essencial da expressão e do
condicionamento dos interesses sociais internos, parte tão importante que pode
mesmo ser mais relevante do que a própria con itualidade interna, cuja reso-
lução ca dependente do que forem as possibilidades de resolução da con i-
tualidade externa. Por isso mesmo, não só não é possível (em termos de e -
cácia da defesa nacional) como não é conveniente (em termos da regulação
geral da sociedade) isolar as questões estratégicas do debate social corrente.
Uma vez mais, veri ca-se que, a par da atitude intelectual exigida pela
relação estratégica e pela lógica paradoxal, há a necessidade absoluta de um
aparelho institucional e organizativo su cientemente diversi cado para poder
manter a atenção sobre todos os con itos relevantes e para poder informar

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e formar um conjunto vasto de agentes políticos e sociais preparados para
cumprir as exigências desta atitude intelectual. É natural que este tipo de pro-
posta receba como comentário o receio tradicional de assim se estar a alargar
a estrutura burocrática de serviços não-produtivos e muito dispendiosos. E, de
facto, um receio tradicional no sentido de estar associado a formas tradicionais
de organização da sociedade. Uma sociedade actuando nas condições de moder-
nidade não pode dispensar estas estruturas, pagando um preço muito superior
ao seu custo em ine ciências, descoordenações, crises de mobilização e dinâ-
micas descontroladas de con itualidade interna que não têm em conta os seus
efeitos perversos na resolução da con itualidade externa.

1.5 A politica da complexidade

A questão da complexidade na política contemporânea pode ser analisada


por três vias: pelo aumento dos graus de interrelação entre os vários níveis
e sectores da sociedade e entre as diversas sociedades; pelo maior grau de plu-
ralismo e de diferenciação no interior de cada sociedade, tornando mais di cil
o estabelecimento de hierarquias nítidas e estáveis de autoridade política; pela
veri cação gradual da inadequação das grandes ideologias simpli cadoras, que
já não têm capacidade para estabilizar e normalizar os comportamentos de
grandes massas sociais. Essas três vias de anáise estão, por sua vez, interrela-
cionadas. A experiência de contacto entre sociedades, alargando o âmbito das
relações de con ito, obriga a que cada sociedade estabeleça uma pluralidade
de respostas e organize uma pluralidade de agentes para poder actuar simul-
taneamenteem diversasáreas e não será provávęl que esse contacto com
outras sociedades e essa pluralidade interna de organização e de acção venham
a favorecer ópticas ideológicas simpli cadoras, rígidas, maniqueistas, quando a
experiência corrente se baseia no reconhecimento prático da diversidade.
As sociedades contemporâneas não se tornaram complexas, nem aparecem
ao nível da análise com estas formas múltiplas, porque haja uma degeneres-
cência intelectual que esteja a impedir o aparecimento de novos grandes pen-
sadores capazes de produzir novas sínteses interpretativas, novas ideologias.
O que de facto acontece é que as grandes construções ideológicas do século
passado perderam validade (e surpreendente seria que tal não tivesse aconte-
cido) porque são demasiado simples, rudimentares, demasiado rígidas no seu
esquematismo para poderem dominar as relações sociais e internacionais con-
temporâneas. As sociedades contemporâneas tornaram-se complexas porque as
mudanças que nelas aconteceram tornaram, ao mesmo tempo, mais variadas as
suas possibilidadese também mais intercondicionados os seus movimentos e é
o cruzamento da variedade com o intercondicionamento que torna as situ-
ções, existente e possíveis, menos simples do que no passado. Não parece, por-

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tanto, que tenha sentido útil ou justi cação analítica olhar para o passado
recente (de que a última manifestação estável terá sido a dos Trinta Glotiosos
Anos do pós-guerra, mas onde o rápido crescimento económico e desenvolvi-
mento tecnológico de uma parte do mundo desencadearam as dinâmicas que
hoje criam a complexidade) como se fosse possível retomar ou reconstituir a
sua «ordem estabilizada». Este é, aliás, um exemplo da lógica paradoxal que
se encontra no pensamento estratégico: foi o «êxito» desse período que desen-
cadeou reacções que tornam agora impossível repetir as mesmas decisões e
atitudes com a esperança de obter um êxito» idêntico. Aquilo a que chama-
mos maior complexidade das sociedades actuais não é mais, a nal, do que
uma outra designação de modernidade, da condição básica das relações con-
temporâneas.
Entretanto, importa não esquecer que as designações analíticas têm con-
sequências políticas, devendo ser consideradas pelos decisores políticos nessa
perspectiva: não como uma moda mas como a identi cação de um traço da
realidade. Não terá sentido utilizar no discurso político os conceitos de moder-
nidade, de complexidade, de variedade, de diferenciação e de interrelação e,
ao mesmo tempo, continuat a actuar politicamente nos quadros conceptuais,
organizativos e institucionais que eram válidos nos modos tradicionais de acção
política mas que já não correspondem às exigências dos problemas contem-
porâneos. Todavia, ainda que não tenha sentido esta sobreposição de valores
(verbais) modernos com valores (práticos) tradicionais, a verdade é que é
esta a indicação mais forte que se retira da análise da política contemporầnea:
há um ajustamento no discurso às novas realidades problemáticas a que.não
corresponde uma mudança efectiva nas práticas, nas instituições e nas organiza-
ções, com a consequência última de se alargar o fosso entre o reconhecimento
da complexidade e o domínio da complexidade.
Esta «esquizoidia» da política contemporânea sugere a existência de uma
quarta via para analisar o problema da complexidade nas sociedades contempo-
râneas e nas suas vertentes políticas: a complexidade seria o conceito cómodo
para agtupar a série de efeitos paradoxais que resultam de decisões políticas
elaboradas e aplicadas num contexto (conceptual, organizativo, institucional)
tradicional que já não existe na realidade social embota persista no equipa-
mento mental dos decisores políticos ou na arquitectura institucional e orga-
nizativa de que dispõem. A complexidade não seria assim entendida como uma
característica própria das sociedades contemporâneas mas sim como um resul-
tado temporário de crises políticas ou até mesmo como uma circunstância infe-
liz que resulta da falta de qualidade adaptativa dos dirigentes políticos, da
falta de personalidades de génio com potência para se anteciparem às mudan-
ças das sociedades. A complexidade não seria um facto novo mas, muito mais
simplesmente, seria o resultado produzido por decisões políticas não controla-
das nem inteiramente compreendidas pelos agentes políticos que as tomam.

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Logo que reaparecessem os dirigentes políticos de génio, capazes de integrar
a multiplicidade das relações sociais, internas e externas, desapareceriam os
problemas do descontrolo e da incomprcensão, cando então corrigidos os
cfeitos paradoxais e perversos.
O exame desta hipótese de personalização da política (uma forma univer-
salizada do sebastianismo português), utilizada para explicar o sucesso ou para
justi car o fracasso, aConselha que cla seja considerada com particular cuidado
na polftica contemporânca. Não se pode recusar a importância do efeito caris-
mático na condução da política, designadamente quando se está perante fenó.
menos demassacedecomplexidade o que atribui uma maior importância
à relação de con ança, de empatia, que se estabeleça entre o decisor político
e a sociedade, no seu conjunto ou em estratos sociais signi cativos. Contudo,
esta acrescida importância da relação carismática para compensar da falta de
«simpli cadores» ideológicos encontra também importantes obstáculos nas rela-
ções contemporâneas. A rede de interrelações que se estabelece entre diversas
sociedades implica que a resolução satisfatória dos problemas de uma sociedade
pouco signi que se o mesmo tipo de resoluções não for encontrada ao mesmo
tempo nas outras sociedades com que se relaciona. A solução carismática tem,
assim, uma validade condicionada pelo que se passa nessas outras sociedades
-e é improvável que a escassez de políticas de génio seja resolvida simulta-
neamente em todas essas sociedades. A planetarização das relações e dos pro-
blemas cria contextos políticos novos, em que não é mais possível pensat em
soluções para sociedades fechadas, imunes ao que se passa nas outras socieda-
des. Em contrapartida, o poder carismático em cada sociedade está dependente
da comparação entre a imagem que oferece e as imagens da e cácia do poder
político noutras sociedades. A relação de con ança associada ao carisma não
se estabelece em abstracto e de um modo isolado: também ela é uma imagem
relativa e só se mantém duradouramente se a comparação com as atitudes e
os resultados obtidos por outros dirigentes políticos, os seus modos de actua-
ção e de preparação das decisões, for satisfatória. Em suma, a questão da genia-
lidade em política como resposta ao problema da complexidade não é mais do
que um instrumento de alcance limitado e não será por esta via que se com-
preende e se domina o problema da complexidade nas sociedades modernas.
Esta breve digressão por uma hipótese pouco produtiva serve, no entanto,
para sublinhar que a complexidade das relações contemporâneas na sociedade
e entre sociedades é, de facto, um problema novo na política pela sua dimen-
são e pela sua importância. Não é apenas uma consequênica da acumulação de
fracassos e de crises de adaptação. Não é, sequer, um problema que tenda a
desaparecer com o tempo ou que o simples aparecimento de uma nova gera-
ção política, menos dependente dos hábitos instalados, possa por si só resol-
ver. Pelo contrário, a dinâmica mundial previsfvel aponta para o aumento da
complexidade. A importância deste fenómeno é tanto mais evidente quanto

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ele incide sobre dois dos valores básicos da delimitação tradicional da acção
política: a soberania, nas relações externas; e as hierarquias sociais, nas rela-
ções internas. O que a complexidade contemporânea transporta é a diluição
das fronteiras, das distinções segmentadoras e classi catórias, seja em termos
de espaços nacionais ou de especializações sectoriais. Estas fronteiras não desa-
pareceram – seria um erro equacionar complexidade com a fórmula de que
tudo é possfvel porque não há referenciais e tudo é indeterminado. As fron-
teiras continuam a existir mas têm menor nitidez e menor capacidade de iso-
lamento das interrelações, obtigando por isso mesmo a uma maior ponderação
dos efeitos reais das decisões que se tomam, ponderação apoiada numa inter-
pretação mais cuidadosa daquilo que está em causa em cada tipo de relação
que se interpreta. Esta porosidade das fronteiras signi ca que não é possível
impedir o contra-efeito ampli cado das decisões depois de elas terem inter-
actuado com outras decisões tomadas pot outros decisores noutras sociedades:
o sistema de reacções já não se limita às forças internas.
A complexidade não é algo a que se possa atribuir um valor positivo ou
negativo. É um facto inerente às relações sociais contemporâneas, directamente
associado à condição de modernidade. Não tem sentido útil procurar encontrar
os responsáveis pela complexidade, procurar identi car os dirigentes políticos
que, por imprudência ou falta de génio, desencadearam as dinâmicas de inter-
relação que tornaram as sociedades interdependentes. Nem terá sentido útil
pretender depositar no génio de futuros dirigentes políticos a esperança de que
se possa retornar a um estado de relações simples. O efeito da complexidade
é do mesmo tipo daquele que se encontra no efeito da arma nucleat: uma vez
atingida essa fase de conhecimento tecnológico não é possivel voltar para situa-
ções anteriores, a transformação ou metamorfose já ocorreu,e a única atitude
possfvel consiste em integrar o fenómeno nos processos de análise e de acção.
Écerto que, tal como com o facto nuclear (onde um equilíbrio a nível supe-
rior pode manter válidos os meios convencionais a níveis inferiores e locais
ou régionais), também a complexidade a nível superior pode estabelecer con-
dições de «simplicidade» a níveis inferiores e sectoriais; porém, facilmente se
veri ca que este não é um modo de resolver o problema da complexidade,
que continua a existir ainda que, através de expedientes práticos, se tenha
conseguido isolar (e por quanto tempo ou à custa de que restrições de liber-
dades individuais e de grupo?) áreas de aparente simpli cação das relações.

1.6 As fuções de coordenaçãolard


atdinl
S Os cinco pontos anteriores convergem para uma conclusão básica: a dupla
metamorfose ocorrida no domínio militar, o papel da con itualidade ideológica
no desenvolvimento das relações entre sociedades num estado de nãoguerra,

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a importânca da lógica paradoxal na interpretação e na conduçāo das relaçöes
de con ito, a função estratégica generalizada como dialéctica de vontades que
procuram a resolução do con ito em que se cmnpenham e a noção nova da
complexidade implicam um novo papel e uma nova importância para as fun-
ções de coordenação na análise e nas decisões políticas. Onde antcs, em socie.
dades com fronteiras externas e internas bem de nidas, conjuntos bem ordena-
dos, prevalecia o exercício do poder como autoridade, hoje as formas possíveis
de autoridade e caz impõem que o poder apareça como coordenação de múl.
tiploscentrosde poder - nenhum deles com autonomia su cienteparaactuat
com e cácia de modo isolado mas todos necessitando da coordenação global
realizada pelo poder democrático superior, o único que está dotado de legiti
midade democrática nacional que é uma condição do poder coordenador numa
sociedade moderna.
Esta é uma metamorfose considerável nos hábitos de pensamento e nas
tradições políticas. Em sociedades internamente con ituais, o poder político e
o exercício da autoridade estão integrados numa função de dominação que
mantém essa con itualidade interna controlada e que tem como nalidade
última a reprodução dessa ordem continuidade da con itualidade
social-e
interna é também uma justi cação su ciente da continuidade da autoridade
(ou do autoritarismo) político. É uma relação auto-sustentada: a autoridade
política exerce-se para resolver a con itualidade interna e enquanto esta per-
manece ca justi cado o exercício do poder como autoridade. A estarealidade
do exercício do poder como vector concreto que mantém as relações de domi-
nação internas, que preserva uma certa ordem social, contrapunh-se a utopia
do internacionalismo socialista: a ruptura das relações de dominação internas,
de classe sobre classe, só seria possível com a emancipação das classes domi:
nadas nas diversas entidades nacionais quando fossem rompidas as fronteiras
nacionais, realizando-se então a «fusão» libertadora de todos os explorados.
Estas duas linhas básicas de interpretação da função de dominação e da na-
lidade última do exercício do poder político nacional sofreram diversas vicisi-
tudes históricas: o alargamento do recenseamento e a maior mobilidade social
que esbatem as hierarquias sociais nacionais, por um lado, e a guerra tevolu-
cionária, a exportação da revolução e a realização do socialismo num só país,
por outro lado. Apesar desses acidentes, estas linhas principais mantiveram-se
actuantes e estruturantes da interpretação dos fenómenos políticos até que
a primeira crise económica moderna, aquela que pela primeira vez sedesen-
volve em termos de interrelações e de interdependências alastrando em escala
planetária, vem pôr em causa frontalnmente ambas as linhas tradicionais, con-
cluindo o longo processo que apontava gradualmente para a sua inadequação.
A primeira linha a ser atingida foi a da solidariedade internacionalista
socialista. Em lugar da grande «fusão» revolucionátia dos explorados e oprimi:
dos, o que se veri cou foi o restabelecimento do desejo de protecçãonacional

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para que se pudese manter o nível de vida entretanto atingido. Pelo menos
em termos imediatos, e enquanto durasse a ameaça de crise, os explorados e
oprimidos preferiam reforçar o Estado nacional protector do que avançar para
a destruição dessa estrutura e elemento essencial da estrutura de dominação.
Décadas de propaganda e de previsão de levantamentos revolucionários centra-
das na eclosão da crise económica mundial caram relegadas para o depósito
das curiosidades.
Entretanto, a linha conservadora, baseada no Estado reprodutor da ordem
social vigente, o Estado democrático ocidental ou Estado «burguês», era tam-
bém ela confrontada com uma nova realidade composta por dois vectores fun-
damentais: por um lado, os dispositivos equilibradores das tensões sociais inter-
nas baseados nas polítcas de bem-estar e de segurança social encareciam com
os efeitos directos e indirectos da crise económica mundial mas não podiam
ser desmantelados sob risco de descontrolo político interno e de agtavamento
adicional da crise económica; por outro lado, os decisores empresariais acele-
raram o processo de internacionalização como meio de escapar às limitações
e vicissitudes dos' mercados internos e, desse modo, escapavam também às
estruturas de controlo dos Estados nacionais, assumindo não só uma nova
autonomia (especialmente nítida no sistema nanceiro e na circulação de capi-
tais) mas ganhando também um novo tipo de poder na con guração das rela-
ções, dos equilíbrios e dos con itos internacionais.
São exemplos interessantes dos efeitos da lógica paradoxal: a classe domi-
nada, ideologicamente internacionalista (ou como tal apresentada), reforça o
Estado macional; a classe dominante, ideologicamente nacionalista (ou conmo
tal concebida), torna caducas as estruturas e os modos de acção do Estado
nacional tradicional.
Ainda que, retrospectivamente, se possa dizer que houve sinais prenun-
ciadores destas mudanças, a verdade é que a metamorfose foi mais rápida,
mais profunda e mais inesperada do que esses sinais permitiam pensar. Maio
de 1968 em França, a tese dos limites do crescimento do MIT ou a tese do
crescímento zero do Club de Roma, acontecimentos dos nais da década de
60,nãoanunciavameste tipo detransformação - emboraanunciassema even-
tualidade de uma ruptura nas tendências que vinham do passado não indicavam
nem o seu ponto de impacto, nem a sua intensidade nem, sobretudo, a sua
possibilidade de evolução após o ponto de impacto transformador. O caso do
petróleo é, neste aspecto, sgni cativo: a designação da variável de simulação
estavacorrecta mas já não se pode dizero mesmo da simulação propriamente
dita -o problema essencial imediato não era o esgotamento das reservas mas
sim o preço do barril produzido (efeito económico imediato mas que também
tinha um efeito a prazo ao tornar rentáveis explorações que antes não tinham
interesse) e as características das sociedades onde se localiza a principal pro-

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dução mundial de petróleo a preço baixo (efeito geopolítico induzido pelo
reaparecimento do fundamentalismo islâmico, ameaça oculta há séculos). Os
sinais anunciadores de uma crise de transformaçāo eram interessantes, mas não
esclareciam que tipo de crise se iria concretizar e muito menos as suas con-
sequências mais nítidas: a planetarização da economia e a autonomização da
esfera nanceira como núcelo de um produto económico especí co, o que vem
alterar radicalmente o modo de conceber o exercício do poder político emcada
sociedade nacional.
Do mesmo modo se pode dizer que a transformação ocorrida nadimensão
política e no Estado foi súbita. Também aqui se anunciavammudanças - a
sociedade unidimensional e o crescente controlo político através dos meios de
comunicação de massa, eles próprios controlados pelos agentes do poder polí
tico - que não corresponderam nem ao ponto de impacto real nem à intensi-
dade ou ao sentido da transformação. De facto, o poder político e o Estado
foram submersos pelo que se pode designar como uma crise de governabli:
dade, onde não é a concentração de poderes que permite resolver os problemas
que se acumulam e onde, pelo contrário, quanto maior é a concentração de
poderes mais intensa é a crise de governabilidade.
Parece claro que tanto os hábitos de pensamento como as tradições polí-
ticas não tiveram mudanças correspondentes à intensidade da transformação
das condições de acção política que é simbolicamente (já que as tendências de
fundo lhe são anteriores) marcada pela primeira crise económica moderna de
1973-1974. Mas entre a falta de resistência dessas concepções tradicionais e a
sua substituição há uma considerável diferença e é nela que se inscreve a crise
política contemporânea: os modelos tradicionais já não servem mas ainda não
há novos modelos experimentados e provados, nascidos da re exão sobre as
novas condições e tealidades.
Nestas situações, parecerá natural a procura de soluções globais, envol-
ventes de todos os problemas e com capacidade para encontrar resposta satis-
fatória para cada um deles. Este tipo de aspiração esquece que quando seestá
perante tendências contraditórias não será possível produzir soluções globais.
Mas como também não tem sentido nem optar pela passividade perplexa nem
insistir na aplicação de modelos já ultrapassados pelas circunstâncias, parece
que o caminho aconselhável se deverá basear no esforço de explicação e de
compreensão dessas tendências contraditórias para se de nir o caminho possí-
vel mais favorável em cada caso-como quem calcula uma recta deregressão,
mas com a preocupação de reconhecer que os pontos dispersos são móveis,
têm as suas interrelações, o que pode conduzir à existênca de várias rectas
conforme os períodos, isto é, conforme o prazo concedido para o desenvolvi-
mento dessas interrelações e para a maturação das decisões políticas introdu-
zidas no sistema.

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O tipo de atitude a que se chega é, portanto, anti-dogmática. Não parece
que alguém possa ter certezas neste tipo de contexto a não ser a certeza
de que todas as decisões são relativas a um especí co intervalo de validade e
que muita coisa se pode alterar quando se alarga o referencial de observação.
A função política, em geral, e o Estado, em particular, alargaram signi -
cativamente a sua átea de intervenção. Isso não se deve apenas à crescente
politização das relações sociais, internas e externas, que integrou na esfera polí-
tica áreas que antes eram privadas, individuais ou familiares. Mais importante
do que esta veri cação de facto é a compreensão de que esse largamento
resulta do grau crescente de interrelação: mesmo o que ainda é privado em
termos formais deixa de o ser por efeito da rede de interrelação da socializa-
ção e da politização. Por outro lado, a importância da função política e do
Estado também aumenta nas condições contemporâneas porque a dimensão dos
recursos necessários para sustentar uma acção social relevante transcende as
capacidades privadas, familiares e individuais, de acumulação ou de captação
desses recursos. Neste aspecto, as dinâmicas de socialização e de politização,
na dimensão interna, e de internacionalização, na dimensão externa, aumen-
tando a amplitude das iniciativas e as suas exigências em tecursos são um
contributo poderoso para este alargamento da função política e do papel do
Estado: mesmo que não seja essa a sua intenção política, a participação do
Estado é necessária para a consolidação dos projectos. Finalmente, deve tam-
bém considerar-se que estes desenvolvimentos têm em si mesmos uma lógica
articulada e cumulativa: cada alargamento das funções e papéis tradicionais
do Estado ctia novas oportunidades de alargamento, formando uma habituação
social que se re ecte também na transformação dos modos de racionalização
das situações sociais e dos comportamentos tanto os agentes políticos como
os agentes privados passam a equacionar as suas decisões na perspectiva (en-
tendida como favorável ou como desfavorável) deste alargamento da função
política 'e do papel do Estado.
Em contrapartida, aumentou também a di culdade de controlo dafunçāão
política e a di culdade de gestão das instituições, organizações e recursos do
Estado. Em parte, isso é o resultado das novas responsabilidades e das expec-
tativas criadas: seria, então, um problema de ctise de crescimento, perante o
qual se poderia esperar que uma melhor compreensão dos processos em causa
permitiria corrigir os desequilíbrios mais acentuados. Contudo, noutra parte,
e não menos importante, essas di culdades resultam das interrelações de uma
sociedade com outras, produzindo segmentações internas inprevistas, estabele-
cendo alianças «privadas» (económicas, ideológicas, culturais) com interesses
extenos que passam à margem dos circuitos o ciais do poder legítimo e das
instituições e organizações do Estado. Neste sentido, o processo de internacio-
nalização das economias e das culturas nacionais é um contraponto poderoso

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(ou um antídoto) às tendências nacionais orientadas para a estatização. Toda-
via, será obvio que este contraponto não responde ao problema global da esta-
tização, pois apenas o transfere para equilíbrios estabelecidos com o exterior,
seja na forma de dependência de outro Estado ou de dependência de uma
organização externa poderosa, privada ou pública.
Entre estas tendências contraditórias de alargamento do âmbito da função
política e do papel do Estado e de acentuação da di culdade de realizar essa
função e de cumprir esse papel, tanto o Estado como a função política apare-
cem num equilíbrio instável entre a tendência para novos alargamerntos (com
as consequentes ine ciências e tensões) e a tendência para o recuo e devolu-
ção de funções e papéis (igualmente com as consequentes ine ciências e ten-
sões resultantes da transição de serviços e de modos da acção). Os problemas
inerentes a qualquer destas tendências possíveis após o abandono do actual
equilíbrio instável mostram que, ao contrátio do que pretendem as simpil -
cações ideológicas correntes, não é fácil optar por algum destes dois caminhos
ou por alguma combinação dos dois com a certeza de que se sabe controlar
as suas consequências. Novos alargamentos das funções e papéis do Estado só
não conduzirão a relações sociais de tipo totali tário (isto é, de controlo directo
das expectativas e possibilidades de expressão dos consumidores) se as refor-
mas das organizações do Estado permitirem ganhos signi cativos de e ciência
que compensem a sua vulnerabilidade buroctática -o que não se está a veri-
car em nenhuma sociedade, qualquer que seja' o seu regime político. Não é
uma questão de ideologia ou mesmo de orientação política, é uma questão de
capacidade para responder à complexidade das sociedades modernas, não pare-
cendo que as estruturas de decisão, as instituições e as organizações tradicio-
nais do Estado, assim como as suas motivações burocráticas prevalecentes,
sejam as mais indicadas para responder a estes tipos de problemas. Mas tam-
bém a outra hipótese, que consistiria na devolução a entidades privadas ou
aos indivíduos e famílias de funções e papéis antes apropriados pelo Estado
encontra numerosos obstáculos, o mais óbvio dos quais é a dimensão dos
recutsos necessários e do seu nanciamento continuado para conseguir satis-
fazer as expectativas sociais criadas: se a capacidade organizativa do Estado
não é satisfatória, também não é seguro que a privatização seja, só por si, uma
garantia de maior e ciência global.
O contraste entre estas duas tendências, radicalizando posições e polari-
zando atitudes, é, provavelmente, um erro de perspectiva, revelando uma ex-
cessiya dependência de uma con itualidade ideológica que, denunciada noutros
planos, retoma aqui algum do seu antigo vigor. E será um erro sobretudo
porque não é possível estabelecer critérios gerais que constituam estas duas
posições em verdadeiras alternativas, cada uma com o seu espaço de validade
próprio. A evolução imediata apresenta a necessidade de se continuar a gerir

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um equilbrio instável entre duas tendências, a de novos alargamentos e a de
recuos e devoluções de funções e de papéis do Estado, mas, apesar de tudo,
com um progresso qualitativo: nenhuma das vias se apresenta como exclusiva,
como base para um dogma político. A experiência já recolhida em diversas
sociedades-incluindo asociedade
portuguesa- ésu cientementeclarapara
ter produzido um efeito de aprendizagem social (em resultado dos fracasos
acumulados, das expectativas frustradas e dos efeitos perversos) que também
contribui para tornar politicamente menos con itual a gestão daquele equilí-
brio instável.
a Para além deste progresso, tambémo modo de gestão deste equilíbrio ins-
tável poderá ser substancialmente aperfeiçoado quando a decisão política reco-
nhece que não há uma solução simples nem uma opção única ao seu alcance.
É neste aspecto que a importância das funções de coordenação é mais saliente.
Quando a função política, os papéis do Estado e as dinâmicas sociais são obser-
vadas por uma perspectiva comum ou, pelo menos, em perspectivas não-anta-
gónicas, cada uma das partes é necessária para qualquer das outras e deixa de
ter sentido estruturar essas relações num modo con itual- sobretudo quando
se tem a evidência política de que os principais tipos de con tos são aqueles
que se estabelecem com entidades externas. Por sua vez, quando a função de
decisão política reconhece as di culdades intrínsecas do exercício do poder
numa sociedade moderna, será natural que procure ganhar a colaboração de
todas as organizações sociais disponíveis e de todas as atitudes sociais que
estejam informadas do que está em causa na gestão dos recursos existentes, na
exploração das oportunidades detectadas e nas dinâmicas de con ito. Num con-
texto deste tipo, a direcção política aparece essencialmente como uma função
superior de coordenação, utiizando todos os recursos sociais com uma insis-
tência mínima em argumentos de autoridade e com uma insistência máxima em
argumentos de racionalização. É este estado de entendimento da função polí-
tica que se podedesignar por política deregulação - quereconhecesimulta-
neamenteo equilíbrio instável de nido entre os espaços de intervenção política
e os espaşos de intervenção do Estado, a di culdade intrínseca do exercício
do poder político numa sociedade moderna e a evidência de que os con itos
com as outras sociedades são mais importantes do que os con itos internos em
cada
sociedade. i
Não haverá ainda exemplos concretos e consolidados deste estado de
entendimento da função política nas sociedades modernas. Os vestígios do
passado são ainda demasiado actuantes para que a con itualidade interna que
subordinada às condições da con itualidade com o exterior. As próprias dispu-
tas internas pela conquista do poder, naturais em sociedades pluralistas, sobre-
põem-se à re exão sobre os modos de exercício do poder, isto é, sobre o que
são as condições a respeitar para que se assegure a viabilidade da sociedade

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sem pôr em causa de modo nítido as expectativas sociais formadas. E muitas
das motivações dos comportamentos políticos continuam baseadas em objecti-
vos de dominação e de exploração, objectivos virados para o interior e que
alimentam as razões da con itualidade interna. Apesar de tudo, há já modi -
cações sensfveis em relação a estas concepções e práticas políticas tradicionais.
Em muitos casos, são indicações que têm a sua origem em factos negativos,
provocados por fracassos políticos, por efeitos paradoxais e perversos, por pre-
visões que não se veri caram, por circunstâncias inesperadas que se impuseram
para além das capacidades de controlo das entidades políticas. Mas nestes
factores negativos há um cfeito de aprendizagem que permite ajustamentos
graduais, porventura lentos, às novas condições de acção política.
Destes ajustamentos, o que parece mais promissor em termos de resul-
tados imediatos e com uma inovação mínima em termos dos hábitos políticos
éo que se localiza na função de coordenação. Não é mais possível concebê-la
de um modo isolado e exclusivista: embora o poder político legítimo seja bem
identi cado nos órgãos de soberania, nenhum deles isoladamente, nem mesmo
o seu conjunto, pode cobrir todas as actividades sociais com relevância poli-
tica. Parafraseando um importante estudo sobre a Presidência norte-americana,
os órgāos de soberania numa democracia pluralista «precisam de ajuda», justa-
mente para que Ihes seja possível realizar o trabalho de coordenação política.
A omnipotência do poder político é uma ilusão e a ideia de que o poder con-
centrado é o mais e caz é uma imprudência numa sociedade moderna. Por isso
mesmo, as estruturas decisórias hierarquizadas e verticalizadas, que eram uma
aspiração do poder político tradicional (que assim procuravam reproduzir as
condições de e ciência que encontravam nas organizações empresariais) já não
têm hojeo mesmo atractivo para os dirigentes políticos que se confrontam com
as questões de decisão nas sociedades modernas. Tal como aconteceu com
empresas modernas, onde as estruturas dirigistas (típicas da monopolização do
conhecimento técnicoe empresarial e da rigidez funcional do trabalho) são
substituídas por estruturas organizativas exíveis e participativas (que se tor-
nam possíveis quando o conhecimento relevante está su cientemente distri-
buído para permitir a descentralização da decisão sem que se perca a unidade
nos objectivos e para permitir a máxima exploração das condições de criativi-
dade e de inovação), também na relação política o efeito de politização de
múltiplas áreas de actividade social e a difusão da informação relevante per-
mitem descentralizar a preparação da decisão da decisão política e diferenciar
a sua execução em diferentes alternativas ou soluções optativas.
Não se trata da diluição do poder político, em fórmulas que directa ou
indirectamente se aproximem da utopia autogestionária. Os detentores do poder
legítimo e responsáveis pela coordenação superior que conduz às decisões vin-
culativas continuam a ser bem identi cados e é a eles que pertence a respon-

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sabilidade política pelas decisões tomadas. A descentralização da preparação
das decisões políticas e a diferenciação da execução das decisões políticas não
implica que haja a diluição do poder de decisão política nem que haja a dis-
persão da correspondente responsabilidade política. Mas é exactamente para
que este poder de decisão possa ser exercido, e a correspondente responsabili-
dade imputada, que se torna necessário ajudar os decisores políticos, sendo
certo que as sociedades modernas oferecem aos seus responsáveis políticos o
tipo de ajuda de que necessitam sem que para isso tenham de alargar os âm-
bitos da função polfítica e do papel do Estado nem, através de um processo
inverso deste, reduzir esses ẩmbitos para criar estruturas paralelas ou concor-
rentes do poder.
Ao contrário do que se passava nas estruturas políticas tradicionais hierar-
quizadas e verticalizadas, onde a função de coordenação política era exercida
ao nível superior da decisão política (como o Conselho de Ministros ou mesmo
pelo Chefe do Executivo de modo isolado e em responsabilidade individual),
o que se desenha hoje como a tendência mais forte nas sociedades modernas
é a multiplicidade de funções intemmédias de coordenação que asseguram às
entidades que estão nos níveis de superior coordenação política o grau de pre-
paração e de atenção ao essencial que é necessário para enfrentar a complexi-
dade das sociedades modernas e que só por si não poderiam atingir de modo
regular e continuado. E um processo que, na área política, é idêntico ao que
se veri cou na área económica com a multiplicação das estruturas de serviços:
numa óptica de produtivismo industrial (que também existiu em termos de
concepções da política nas hierarquias verticais e nos modos de concentração
das cadeias de decisão) as estruturas de serviços são improdutivas e duplica-
ções dispendiosas de funções; numa óptica de gestão da complexidade, a mul-
tiplicidade das estruturas de coordenação é um valor essencial de segurança
de qualquer organização e uma garantia -a garantia possível de que são
cobertas com um grau de atenção adequada as áreas relevantes para a decisão,
com exame atempado dos sinais de mudança e de inovação. Na área política,
este tipo de atençãoé vital para que se compreenda em tempo útil o sentido
da movimentação das forças e dos interesses; e na medida em que se veri ca
um processo de politização de numerosas actividades sociais, com o consequente
aprofundamento da especialização das decisões políticas e a multiplicação de
relações con ituais, torna-se indispensável que essas estruturas de serviço, de
apoio e de preparação de decisões tenham a capacidade para dominar a lógica
paradoxal e sistémica que tipi ca as relações de índole política.
iz Evidentemente,seránecessárioaplicar recursos -humanos, nanceiros e
organizativos para que stas funções de coordenação sejam realizadas com
qualidade e com persistência. Mas o cálculo não se deverá fazer em termos
deste empenhamento de recutrsos como se se tratasse de valores absolutos.

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É mais realista fazer o cálculo dos prejuízos sociais gerais que decotrem de
decisões políticas tomadas sem o necessário apoio das funções intermédias de
coordenação. L A sboghornat

1.7 A função politica

Quando se analisa a função política em termos gerais há três dimensões


considerar: a orientação, a direcção e a regulação.
A orientação está relacionada com as cosmovisões que caracterizam um
tempo histórico de uma sociedade, com as suas formulações ideológicas globais,
com os modelos de sociedade: é a dimensão da formação política da sociedade,
que a referencia em termos da sua história e em termos das suas relações com
a evolução do mundo. A direcção está relacionada com a decisão política, com
exercício efectivo do poder e está dependente de uma certa fórmula de
legitimação desse poder e de aceitação social das suas decisões: é a dimensão
concreta da acção política. A regulação é a combinação das duas dimensões
anteriores, por um lado atenta aos confrontos entre linhas de orientação alter-
nativas e à expressão pluralista da sociedade, por outro lado atenta às condi-
ções concretas de decisão, ao que está em jogo em cada relação con itual e
às condições de uma decisão e caz: é um modo especí co de exercício do
poder, atento aos movimentos sociais e procurando gerir os seus equilíbrios,
muitas vezes instáveis, de modo a manter as condições de viabilidade da socie-
dade tanto nas suas relações internas comoexternas.
or A evolução recente da função política nas sociedades modernas tem-se
processado de um modo que reduz gradualmente a importância da função
orientadora, na medidą em que a perda de relevância das grandes ideologias
tradicionais em relaçăo aos problemas contemporâneos e a expressão livre do
pluralismo interno limitam os efeitos atractivos deste modo de expressão polí-
tica, incapaz de xar a atenção e os comportamentos de grandes massas sociais
por períodos longos. Não se trata do « m das ideologias», na medida em que
a necessidade ideológica das sociedades permanece; trata-se, de facto, da perda
de e cácia das ideologias disponíveis, fenómeno natural de obsolescência, de
perda de relevância. Esta perda de in uência social das fórmulas ideológicas
simpli cadoras tem como efeito a redução do grau de con itualidade interna,
nias inplica também uma maior di culdade de controlo social porque difunde
a incerteza na sociedade, tornando os comportamentos e as expectativas mais
voláteis e mais dependentes de satisfações materiais. Esta relativa desideologi-
zação (a que não corresponde uma expansão social do pensamento objectivo;
o que existe é uma crescente incongruência entre as propostas ideológicas e as

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realidades sociais) permitiu diminuir a intensidade, a rigidez e o fanatismo dos
con itos internos nas sociedades e permitiu também realizar alguns progressos
nas negociações internacionais. Mas, paradoxalmente, isso só se conseguiu com
o preço de uma maior incerteza global, na medida em que os decisores polí-
ticos caram sen referenciais estáveis para interpretar e prever os comporta-
mentos sociais. E, nalmente, não se pode assegurar que não se venha a desen-
volver no futuro próximo um novo período de produção ideológica mobiliza-
dora de grandes massas sociais, seja na forma de recuperação de formas ide0-
lógicas já conhecidas (revivalismo) ou na forma de movimentos colectivos
centrados em personalidades carismáticas (idolatria). Não será um desenvolvi-
mento provável se apenas for tido em conta o papel das elites culturais, até
porque elas estão orientadas para as noções de complexidade, de pluralismo
e de multiplicidade possíveis. Mas quando se considera o novo problema que
será constituído nos próximos anos pelas grandes concentrações urbanas de
grupos sociais com uma reduzida formação cultural global, sujeitos a múlti-
plos factores de incerteza e confrontados com uma variedade de possibilida-
des de síntese difícil, compreende-se que a tendência para a desideologização
não será, a nal, tão positiva para a estabilidade social como parece ser quando
apenas se considera o seu efeito na reduçāo da con itualidade interna em
cada sociedade moderma.
Em contrapartida desta menor importância da dimensão orientadorá de
tipo ideológico, a dimensão da direcção política teve um incremento excepcio-
nal nas sociedades modernas e, por imitação ou por necessidade, em todas as
sociedades contemporâneas. É uma consequência natural do alargamento do
âmbito da função política e dos papéis do Estado, realizado de modo gradual,
por incrementos pontuais, mas que, pelo seu somatório, produziu uma nova
realidade política e social. Mas esses incrementos foram também apoiados pelo
modo como a actividade de direcção política, o exercício do poder, se apre-
senta aos cidadãos eleitores no processo de concorrência entre forças e con-
cepgões políticas: dotado de uma capacidade de racionalização que lhe permite
enfrentar qualquer problema surgido na sociedade e com recursos su cientes
para organizar a resposta adequada. Veri cou-se, assim, üm considerável au-
mento das expectativas sociais em relação ao serviço político, o que, curiosa-
mente, é um efeito que transcende as divisões ideológicas: é comum às demo-
cracias pluralistas e aos sistemas políticos de planeamento central. E um
desenvolvimento que produz uma acentuada instabilidade dos agentes do poder
(esencialmentee porque a sua capacidade para responder às expectativas cria-
das não é satisfatória, por incapacidade própria ou porque as necessidades
crescem mais depressa do que as possibilidades da sua satisfação) mas sem
que isso corresponda realmente a uma idêntica variação nas linhas políticas
efectivamente seguidas pelos sucessivos detentores do poder político (que,

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pelo contráio, são relativamente constantes apesar das mudanças dos seus
autores e responsáveis).
A dimensão da regulação é aquela que tem ainda um desenvolvimento
menor nas práticas políticas conhecidas, essencialmente porque a sua plena
expressão số existirá quando a crítica das duas dimensões anteriores da função
política tiver produzido os seus efeitos, isto é, quando a diminuição das ten-
sões ideológicas permitir uma plena expressão do diferencialismo e do plura-
lismo e quando os fracassos do dirigismo político conduzirem à formação e
expressão de estruturas intermédias de preparação e de execução das decisões
políticas. A função reguladora é naturalmente gradualista e corresponde a um
pensamento político consciente da lógica paradoxal, dos cfeitos complexos, não-
-lineares, muitas vezes perversos, das decisões políticas. Não é um pensamento
político orientado para a mera reprodução de ordem social existente (a regu-
lação não é um conservadorismo) nem é um pensamento político dogmático
(a regulação não é um revolucionarismo ). É um pensamento político plura-
lista, que aceita a diversidade da sociedade e das suas diferenciações e especia-
lizações com a nalidade última de coordenar esses diversos vectores de um
modo que assegure a viabilidade continuada da sociedade -o que desde logo
implica uma atenção permanente aos sinais de mudança internos e externos e
um cuidado especial na gestão do tempo de maturação dos movimentos sociais
tal como ele se traduz na formação de organizações intermédias com capaci-
dade própria deracionalização política.eh w
Estas três dimensões analíticas da função política têm correspondência com
trê dimensões da função e dos papéis do Estado tal como elas se expressam
através do funcionamento das suas instituições e organizações: a intervenção,
a racionalização e a coordenação.
Todas as funções e papéis do Estado têm uma dimensão intervencionista
que é inerente ao exercício do poder. Mas esse intervencionismo tem graus,
dependentes, por um lado, da intensidade da base ideológica que lIhe serve de
orientação e, por outro lado, dependente também do suporte organizativo de
que se pode servir, da sua e ciência e do grau de cobertura que estabelece
em relaçāo às actividades sociais (grau de estatatização dentro do processo
geral de politização das actividades sociais). Nos períodos de maior intensidade
do debate ideológico, o constrangimento organizativo tende a ser relegado para
segundo plano, considerando-se que a vitória ideológica será su ciente para pro-
duzir uma nova dinâmica nas estruturas organizativas existentes (efeito mobi-
lizador) e para justi car a instalação de novas estruturas (efeito inovador e
de provável alargamento do intervencionismo de Estado apoiado nessa ideo-
logia vencedora). Pelo contrário, nos períodos de menor tensão ideológica a
componente organizativa, nas suas capacidades e nas suas limitações, aparece
como o critério principal na determinação do grau de intervencionisno possí.

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vel. É uma escolha que não depende inteiramente dos decisores políticos: essa
escolha é interferida por circunstâncias históricas, por fases de evolução, por
constrangimentos organizativos e até pela possibilidade de se formarem na
sociedade organizações alternativas que possam realizar em condições satisfa-
tórias funções e papéis que antes estavam apropriados pelo Estado. Há nesta
dimensão de intervenção razões relacionadas com o grau de desenvolvimento
de umasociedadequeultrapassamasintençõespolíticasabstractas e esque-
cer este condicionalismo equivale a car in uenciado por critérios ideológicos
a que irá faltar uma consistência prática.
A dimensão de racionalização nas funções e nos papéis do Estado apa-
rece como um serviço político prestado por estas instituições e organizações
a toda a sociedade com a nalidade de esta seguír caminhos de viabilidade.
Corresponde assim a uma combinação da orientação ideológica com a direcção
política -e a parte mais substancial da produção legislativa insere-se nesta
dimensão de racionalização. Todavia, também aqui é útil distinguir graus.
A racionalizaçãopode ser intervencionista -e tende então a tornar-se uma
racionalização unicitária e autoritária, impondo um único caminho para o com-
portamento social e para a evolução da sociedade (tendendo então a ter uma
forte carga ideológica). Mas a racionalização pode também ser participativa e,
em grande medida, supletiva de outros modos de racionalização existentes na
sociedadepermitindo então que a sociedade organize múltiplos centros ou
órgãos de racionalização, interrelacionados com os que estão associados ao poder
político e que habitualmente integram os serviços o ciais do Estado. No pri-
meiro caso, há uma simpli cação de estruturas e de canais de comunicação,
mas há também uma limitação das possibiildades que são analisadas e conside-
radas na preparação das decisões, do mesmo modo que há uma maior di cul-
dade na correcção dos ertos. No segundo caso, a multiplicidade das estruturas
racionalizadoras pode gerar con itos e incompatibilidades entre acções secto-
riais, pode introduzir contradições e dispêndio adicional de recursos. Mas essa
maior desordem é também um factor de vitalidade, de diversidade, de capaci-
dade de atenção múltipla e pode assim constituir uma ordem superior. Tam-
bém nesta dimensão de racionalização a opção por um dos dois ramos básicos
não é uma opção livre: ela depende do estado de desenvolvimento e de moder-
nização da sociedade. Porém, é aqui mais claro do que na dimensão anterior a
importância da determinação da vontade política em fazer evoluir a sociedade
num sentido ou noutro. Aliás, o dilema do intervencionismo tem na dimensão
da racionalização um primeiro factor discriminante: para que o Estado dimi-
nua o seu grau de intervencionismo numa sociedade moderna é necessário que
forme e estimule centros e órgãos de racionalização dispersos pelos diferentes
níveis de actividade na sociedade. Onde esta rede de centros e órgãos de
racionalização existe, a questão do intervencionismo estatal ca secundarizada

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porque perde importância. É, de facto, secundário se se trata de uma entidade
privada, pública ou mista, empresarial, estatal ou universitária, nanciada pelo
Orçamento do Estado ou pela remuneração dos seus serviços desde que a
lógica do seu funcionamento seja compatível com a avaliação dos interesses
globais da sociedade e das suas condições de viabilidade continuada, em suma,
se tem uma capacidade efectiva de racionalização política. É certo que esta
compatibilidade se torna mais fácil quando o reconhecimento da importância
dos factores externos obriga a concentrar a racionalização política na análise
da con itualidade nas relações entre sociedades, diminuindo a intensidade dos
con itos internos e, consequentemente, diminuindo a justi cação do papel do
Estado como entidade arbitral interna ou como entidade que se coloca acima
dos interesses internos em con ito – na medida em que essa isenção interna
tem pouco sentido prático quando a relação con itual essencial se processa com
entidades externas sobre as quais o Estado não terá signi cativa capacidade
de in uência. Em contrapartida, esta maior importância da con itualidade com
o exterior signi ca também que aumentou o número de organizações de racio-
nalização que, no interior de uma sociedade, desenvolvem objectivos que inte-
ressam a entidades externas - o que torna ainda mais difícil a postura tradi-
cional de um Estado arbitral, designadamente porque só tem poderes sobre
uma das partes.
Na análise das funções e dos papéis do Estado há ainda uma terceira
dimensão relevante, a coordenação. Em termos das funções políticas, a coorde-
nação corresponde à combinação da direcção com a regulação e é a dimensão
mais evoluída, de maior complexidade e de maior grau de modernidade. Mas
do mesmo modo que a função de regulação só é possível onde haja a possibi-
lidade da regulação (isto é, numa sociedade moderna onde os diferentes grupos
e interesses sociais tenham uma capacidade própria de racionalização política
permitindo assim que o poder político legítimo concentre os seus recursos na
compatibilização dessas racionalizações múltiplas e diferenciadas), também a
função de coordenação só é possível onde haja entidades a coordenar (isto é,
onde não haja excusivismo das cntidades estatais na análise das situações e
na preparação da decisão e, pelo contrário, onde o hábito da avaliação política
esteja difundido na sociedade pelos seus vários níveis). Dizer que a regulação
e a coordenação só têm sentido onde há posições políticas para regular e enti-
dades com relevância política para coordenar é o mesmo que dizer que as
práticas damodernidadeem política exigem uma sociedademoderna - um
exemplo de evidência lógica a que nem sempre corresponde o adequado reco-
nhecimento político.
Estas relações entre as dimensões da função política e as dimensões das
funções e papéis do Estado podem resumir-se no seguinte quadro esquemático:

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FUNÇÃO POLÍTICA FUNÇÕESE PAPEIS
DO ESTADO

ORIENTAÇÃO INTERVENÇÃO

DIRECÇÃO RAGIONALIZAÇÃO

REGULAÇÃO COORDENAÇÃO

O interesse deste desenvolvimento em torno de noções gerais de análise


política não está nas suas indicações no plano teórico mas sim nas suas impli-
cações práticas. De facto, este esquema sintetiza a dinâmica da evolução das
sociedades no sentido da modernização: as orientações ideológicas e o inter-
vencionismo estatal são possíveis, e talvez su cientes, nas sociedades pouco
complexas, mas são inviáveis (pelo menos nas formas actualmente conhecidas)
em sociedades modernas, internamente complexas e abertas às relações com o
exteriot. Utilizado nesta perspectiva, o esquema apresentado estabelece um pro-
grama de modernização: qualquer que seja a qualidade das políticas concretas
concebidas pelos dirigentes políticos, a evolução modernizadora só existirá, só
será sustentada, se conduzir a uma função política reguladora e a funções e
papéis do Estado com maior incidência na racionalização e na coordenação do
que no intervencionismo.
No caso especí co da sociedade portuguesa, a correcção gradual do exces-
sivo intervencionismo estatale da concentração das expectativas na direcção
política não se fará con êxito sustentado apenas pela manipulação da produção
legislativa (que ainda é um modo de intervencionismo e uma dependência da
sociedade em relação ao dirigismo político). É óbvio que a produção legislativa
não pode ser dispensada, quanto mais não seja para corrigir os vícios deixados
pela fase de intervencionismo intenso de base ideológica que cou associado
a elevado grau de ampli cação das funções e papéis do Estado. Todavia,
essa produção legislativa correctora não terá grandes efeitos práticos se não
for acompanhada (ou mesmo precedida) pelo estímulo e formação de centros
e órgãos de racionalização diversi cados pela sociedade, especializados em diver-
Sas áreas da actividade social, que constituam uma rede de produção política
sustentando as políticas de regulação e as funções de coordenação.

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A área onde esta necessidade se faz sentir de modo mais premente, pelo
seu atraso actual e pelo novo tipo de importância que estas questões têm nas
sociedades modernas, é justamente a área da defesa nacional seja ela enten-
dida como concepção global, como atitude perante os problemas da entidade
nacional ou como sistema de políticas concretas.
É uma necessidade premente, antes do mais, porque o reconhecimento
do facto externo e da sua inerente dimensão con itual (que, repete-se, existe
mesmo nas relaçeõs de cooperação, pois também elas contêm uma exigência de
concorrência que se manifesta em termos de con itos de interesses sectoriais
e em di culdades de concertação equilibrada ), sendo um factor de moderniza-
ção, não dispensa uma atitude de defesa nacional, antes a torna vital como
factor de racionalização dos comportamentos e das decisões.
Mas é também uma necessidade premente na medida em que a racionali-
zação das implicações das relações com o exterior é um factor de organização
interna da sociedade e, em especial, é um factor de superação de con itos ideo-
lógicos que persistem (mesmo depois de terem perdido relevåncia, o seu efeito
orientador permanece enquanto não forem propostos e implantados outros cri-
térios de orientação) e que podem voltar a agudizar-se se não se propuserem
à sociedade outros e novos referenciais de orientação.
3 Finalmente, é uma necessidade premente na sociedade portuguesa potque
os temas de defesa nacional permanecem encobertos pela questão militar (uma
questão recorrente na política portuguesa e caracterizada pela ameaça interna
de intervencionismo militar na decisão política ou mesmo na formação do
poder político) enquanto que as organizações e entidades dedicadas à análise
dos temas de defesa nacional continuam a ser relegadas para as especializações
militares ou continuam a ser receadas como centros potencialmente interessa-
dos em racionalizar o intervencionismo militar na política. Isto é, nem os
temas da defesa nacional em Portugal são actualizados para as questões reais
contemporâneas típicas de uma sociedade em modernização e já relativamente
complexa (o que só por si reduz a credibilidade da ameaça do intervencio-
nismo militar na medida em que está limitada pelos problemas da complexi-
dade social) nem as organizações e entidades com capacidade para analisar,
interpretar e racionalizar politicamente estes temas tếm um desenvolvimento
su ciente (em quadros, em recursos e em acumulação de análises) para realizar
essa função. E o exemplo mais óbvio desta insu ciência institucional e orga-
nizativa é o próprio Ministério da Defesa Nacional, essencialmente limitado à
componente militar da defesa nacional uma clara xação em conceitos tra-
dicionais que foram já superados pela evolução veri cada nas sociedades mo-
dernase atépelaevoluçãoocorridanasociedadeportuguesa.sh qen h
Esta situação de carência pode ser interpretada de dois modos: ou como
circunscrita às questões da defesa nacional ou como um sinal mais geral de
desajustamento nas estruturas de modernização da sociedade portuguesa. No

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primeiro caso, bastaria um investimento sectorial para recuperar esse atraso
especf co. No segundo caso, porém, um investimento especí co que se reali-
zasse nessa área pouco signi caria, até porque as questões de defesa nacional
envolvem todos os níveis e actividades da sociedade e o seu desenvolvimento
e caz implica o desenvolvimento coordenado de todas as áreas da sociedade.
Neste sentido, pode justamente considerar-se que as lacunas existentes no
quadto português de produção de defesa nacional (como concepção, como ati-
tude e como sistema de políticas concretas) são um indicador privlegiado das
vulnerabilidades existentes no processo de modernização português, designada-
mente quando, como agora acontece, essa modernização se processa na forma
de internacionalização. De facto, o processo de integração nacional num espaço
continental, espaço esse que, por sua vez, está inserido num sistema mundial
multipolarizado, coloca as questões de defesa nacional na óptica alargada cujos
contornos se procuram aqui delinear, sendo claro que o número e a complexi-
dade dos vectores a considerat são superiores ao que se encontrava nas entida-
des nacionais «clássicas», de tipo fechado, com fronteiras políticas e cconómi-
cas bem de nidas. Esta nova complexidade não é, pois, uma questão menor
ou que só deva interessar aos que se dedicam aos temas de defesa nacional.
O que aqui se re ecte é, também, a problemática da modernizaçāo da socie-
dade, adaptando-se a um contexto continental e mundial que é novo.

Os sete pontos desenvolvidos nas páginas anteriores nāão esgotam o diag-


nóstico das mudanças ocorridas nas sociedades modernas e que têm especial
relevância para a interpretação do processo de modernizaçāo em curso na
sociedade portuguesa. Mas são os pontos de mudança que mais claramente
revelam o papel estruturante que a concepção e as políticas de defesa nacional
têm neste processo de modernização, no que constitui uma alteração signi -
cativa em relação ao que foram os sectores estruturantes do desenvolvimento
noutras fases passadas.
Entretanto, os sete pontos referidos incidem sobte temas e matérias que
estão ainda em processo de mutação e que, por isso mesmo, têm ainda formas
variáveis, formas que não estão inteiramente consolidadas.
Assim, por exemplo, o papel atribuído nestas páginas ao facto nuclear --
como constituinte da dupla metamorfose que conduz ao estado de não-guerra
e à função dinâmica da dialéctica dos meios militares, que certamente é essen-
cial para a análise das quatro últimas décadas - aparece agora sob uma forma
potencialmente diferente com a possibilidade de se concretizar um acordo de
limitação de armamento nuclear celebrado entre as duas super-potências e com

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os desenvolvimentos tecnológicos admitidos como realizáveis na iniciativa cstra.
tégica de defesa. Em si mesmo, o facto nuclear não desapareceu nem a sua
tecnologia será esquecida. Mas a eventualidade de se vir a estabelecer um novo
tipo de equilíbrio entre as super-potências, a consequente alteração das suas
prioridades geo-políticas e até a alteração das suas relações de aliança aponta
para a possibilidade de novas con gurações nas relações de conlitualidade.
E dessas novas con gurações, a concretizarem-se, passa a fazer parte a atribui.
ção de uma maior importância aos dispositivos convencionais, uma maior pro.
babilidade de con itos convencionais na Europa depois de ter perdido e cácia
o dissuasor nuclear implícito nos anteriores equilíbrios entre assuperpotências
ou mesmo a possibilidade de con itos localizados de tipo nuclear com utiliza.
ção de armas nucleares de maior precisão e de efeitos limitados. São contextos
que, a' realizarem-se, constituiriam novidades radicais na dinâmica europeia.
condicionando decisivamente a sua evolução modernizadora. Mas são contextos
já anunciados, seja com a concretizaçāo do acordo sobre redução das armas
nucleares intermédias, seja com as dúvidas quanto à e cácia de uma dissuasäo
europeia que tem implícita a eventualidade de utilizar armas nucleares no tea.
tro europeu, seja, ainda, com as novas concepções norte-americanas de discri.
minante. deterrence (Iklé, Wholstetter, 1988). São eventualidades que não
podem deixar de ser consideradas, sobretudo para um pequeno país que se
integra numa dinâmica de evolução continental, a cujas vicissitudes não se po
manter alheio. Mas, em qualquer caso, as variantes que seriam introduzidas
por estas eventualidades não alteram, para um pequeno país como Portugal, as
indicações essenciais que decorrem dos sete pontos atrás apresentados. A invo-
cação das contingências que se podem vir a manifestar ao nível dos equilfbrios
mundiais não serve como justi cação para a passividade dos agentesportugue-
ses em relação a estas áreas problemáticas concretas, de menor generalidade,
mas que são aquelas que directamente interessam a países da dimensão de
Portugal.
Importa recordar, a este propósito, que o objectivo deste texto não é a
elaboração de uma política de defesa concreta, para um prazo determinado,
mas sim o de deduzir as condições da sua elaboração nas circunstâncias de
uma evolução modernizadora, explicitando as razões da necessidade deestabe-
lecer uma perspectiva interdepartamental. Na elaboração de uma política de
defesa, que é um acto de política, tem de se escolher uma previsão depossi-
bilidades, assumindo as prioridades daí decorrentes. Na análise dascondições
de elaboração de uma política de defesa, que é um acto de teoria (e que é a
perspectiva aqui usada), tem de se apresentar o sistema de passos asatisfazer
para os diferentes tipos de possibilidades que estão inseridas nas relaçõescon-
temporâneas, admitindo diferentes sistemas de prioridades (que possam
escolhidos pelos decisores políticos) e concentrando a atenção no que são os
factores de modernização (potque são aqueles que limitam a e cácia de con-

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cenções e métodos tradicionais ). Em síntese, não se desconhece a importância
das inovações que poden vir a ser introduzidas se se concretizarem desen-
volvimentos ainda só anunciados como possíveis, mas importa não perder de
vista que o nível das questões relevantes para Portugalé mais elementar e
em grande medida independente da concretização destas novas possibilidades
mundiais.

2. As condições de governabilidade

Este texto não tem por objectivo a análise das questões gerais de gover-
nabilidade nas sociedades contemporâneas e as referências que são feitas a
estas questões gerais são apenas aquelas que se julgam úteis para esclarecer as
condições em que se pode conceber e claborar a política de defesa nacional
nestas sociedades. Porém, é visível que há uma relação estreita entre as con-
dições de governabilidade e as condições de política de defesa nacional. Numa
acepção restrita de política de defesa nacional, esta aparece integrada nas con-
dições gerais de governabilidade: sempre que estas são postas em causa essa
crise também se vai re ectir na política de defesa. Numa acepção ampla de
política de defesa nacional como éa que se apresenta neste texto, a questão da
governabilidade é uma das preocupações permanentes da política de defesa e
não tanto porque isso vai interferir na qualidade de todas as políticas mas
sobretudo porque essas condições de governabilidade interferem na própria
concepção da política de defesa nacional, na identi cação das ameaças e das
oportunidades, na interpretação das relações de con ito, na avaliação dos recur-
s0s disponfveis e das possibilidades reais de acção. Nesta acepção ampla de
política de defesa, uma sociedade em crise política ou uma maior complexidade
nas condições de governabilidade colocam problemas de defesa nacional muito
diferentes daqueles que surgiriam numa sociedade politicamente estável e onde
as relações dos agentes políticos com a sociedade (com as suas organizações,
com os seus interesses, com os seus centros de racionalização) se estabelecem
de um modo fácil.
Numa acepção restrita de política de defesa nacional, como um mero
departamento especializado de um governo, a questão da governabilidade não
tem de ser integrada no âmbito da defesa nacional. E um problema político
geral, que deve ser tratado pelo poder político legítimo, que a política de
defesa pode considerar como um dado de situação, mas para o qual não tem
de procurar uma resposta, já que esta transcende a sua responsabilidade espe-
cializada. É isto o que necessariamente deve acontecer quando se restringem
as matérias de defesa nacional à sua componente militar. Na medida em que
os responsáveis militares não têm legitimidade democrática própria, não lhes

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compete procurar uma resposta para as questões da governabilidade e qualquer
tentativa nesse sentido seria interpretável como um sinal de intervencionismo
militar na vida política. Estas relações triviais e habituais são mais um contri-
buto para que se compreendam as limitações implíitas numa acepção restita
da defesa nacional numa sociedade moderna. Sendo a relação de con ito entre
sociedades uma das condições essenciais da dinâmica das sociedades modernas,
e sendo a disciplina analítica da defesa nacional aquela que está mais vocacio-
nada para interpretar essas relações de con ito no quadro da lógica paradoxl
e na perspectiva do pensamento estratégico, a restrição institucional do seu
âmbito e, sobretudo, a sua equivalência implícita com a componente militar
de defesa, constituem uma de ciência política e um prejuízo para a sociedade.
Só por si, uma política de defesa nacional, entendida numa acepção ampla
e respeitando as condições de interpedartamentalidade, não pode resolver as
questões da governabilidade que se colocam numa sociedade contemporânea.
Mas uma política de defesa nacional numa sociedade tem a obrigação de con-
siderar as questões da governabilidade no seu processo próprio de concepção
e de realização. Se não as considerar, é uma mera abstracção, mas nem pot
isso será desprovida de consequências: porque já existe formalmente uma polí.
tica de defesa nacional, ainda que inadequada, é pouco provável que haja
incentivos para se produzir outra mais correcta. E se, por uma concepção ultra-
passada dos âmbitos de responsabilidade política, os responsáveis pela proposta
de políticas de defesa nacional considerarem que não lhes compete pronunciar-
-se sobre questões de política geral e sobre o posicionamento estratégico nacio-
nal, que seriam reservadas aos decisores políticos superiores, estar-se-á a dep0-
sitar nestes decisores superiores uma carga que estes não poderão suportar em
condiçöes de e cácia, com a resultante nal de se chegar a uma concepção de
política de defesa que só por coincidência poderá corresponder às condições
políticas
reais. b q o fhs obliebimhRolne
h
As notas que se seguem sobre as questões modernas da governabilidade
não pretendem tratar este problema na sua .forma geral mas apenas indicar
alguns aspectos que, pela sua importância, não devem ser esquecidos na con-
cepção da política de defesa nacional.3 to

2.1 Expectativas sociais e serviço politico

in liog obogobqosk
o As sociedades modernas são sociedades de crescimento, não apenaspor
que esta é a condiçāão de sustentação das actividades económicas na sua forma
contemporânea (vulneráveis à intensidade dos ritmos por efeito das taxas ele-
vadas de endividamento e pela necessidade de assegurar uma retribuição ao
capital investido sob pena de ele se desviar para outras aplicações) mas tam-

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bém porque essa é a exigência imposta pela formação de expectativas sociais
baseadas na previsão de um crescimento continuado de rendimentos e de possi-
bilidades de aquisição.
Também as condições de concorrência política nas sociedades modernas
estimulam estas necessidades do funcionamento da economia e estas expecta-
tivas sociais de crescimento. E, por um lado, uma consequência da dinâmica
dos processos políticos: cada candidato ao exercício do poder apresenta-se ofe-
recendo mais do que os seus antecessores e do que os seus concorrentes. Mas
é também, por outro lado, uma consequência da dinâmica da sociedade: é pre-
ciso o crescimento da economia para que o Estado possa apropriar recursos
(e nanciar os dé ces que são aceites na perspectiva de crescimentos futu-
ros), é preciso o crescimento dos rendimentos e das possibilidades de aquisição
para que haja estabilidade nas relações internas entre grupos sociais.
As dinâmicas da economia, da sociedade e da política interrelacionam-se
de modo positivo, acelerando o crescimento e as expectativas de crescimento.
Estas sociedades «quantitativas» vão-se tornando gradualmente sociedades não-
-ideológicas ou de fraca intensidde ideológica em consequência da importância
atribuída ao efeito de quantidade: há incompatibilidade entre a defesa de
valores orientadores de elevado grau de abstracção e a expectativa imediata
dos indivíduos e dos grupos que está centrada em indicadores quantitativos.
A própria relação social evolui para uma relação de serviço, marcada pela uti-
lidade, pela produtividade e pela monetarização da relação- um valor que é
tanto mais defensávele difundido quanto a agregação dos benefcios de pro-
dutividade e os indicadores quantitativos da monetarizaçāo contribui para a
realização de beneffcios nacionais (o que em parte explica que o nacionalismo
tenha resistido ao processo gradual de desideologização, do mesmo modo que
permite compreender o papel das relações económicas com o exterior e das
indicações das balanças de pagamentos para a avaliação das possibilidades
nacionais).
Entretanto, a importância do quantitativo e das relações sociais transfor-
madas em relações de serviço estende-se tanmbém à função política. Ao perder
a cobertura das fórmulas ideológicas que segmentavam a sociedade em grupos
clivados e que simpli cavam a avaliação dos interesses sociais e dos seus pesos
relativos, o agente poltico ca agora confrontado com a necessidade de demons-
trar a produtividade do seu própria serviço: garantir a satisfação das expecta-
tivas sociais (que ele próprio ajudou a formar, o que não pode deixar de fazer
dentro das regras da concorrência política) e fazendo-o sem gerar coligações
de interesses prejudicados que possam ameaçar o seu poder ou instabilizar a
sociedade (a preocupação com o equilíbrio- ainda que seja um equilíbrio
emcrescimentocontinuado - não éespecí cade umaconcepçãopolítica entre
várias, é uma necessidade da própria acção política numa sociedade pluralista
e com comportamentos que estão dependentes dos resultados quantitativos

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obtidos). Ao evoluir para esta condição de serviço político, o exercfcio do
poder ca sujeito à necessidade de mostrar «produtividade» a curto ptazo, o
que signi ca que di cilmente aceitará ou poderá iniciar projectos de mudança
a longo prazo na medida em que este tipo de programas raramente oferecem
resultados que possam ser distribuídos a curto prazo e assim apareçam nos
indicadores de «produtividade» do serviço político. Em lugat desses projectos
de mudança, o que tende a existir são projectos de continuidade mas que vão
tendo dimensões cada vez maiores: não há alteração da organização estrutural
-e, nesse sentido, não há mudança ou as mudanças vão sendo adiadas mas
sim alteração da quantidade dentro da mesma organização estrutural. Por um
lado, este modo de exercício do poder político tende a ser mais reprodutor do
que transformador, o que cria di culdades importantes quando se está numa
fase de desenvolvimento que exige inovação. Por outro lado, esta continuidade
com quantidades crescentes é um meio de que os agentes do poder se servem
para reforçar as organizações existentes e os correspondentes interesses que
Ihes estão associados, designadamente através da concessão de concursos e, em
geral, através da associação dessas entidades ao próprio Estado de modo a que
os agentes políticos recebam a con rmação social de que a «produtividade»
do seu serviço político é satisfatória.
Preso nestas circunstâncias, condicionado a realizar um serviço em que
não pode deixar de satisfazer interesses sociais de curto prazo (porque há elei-
ções periódicas e porque, tendo em conta, os diferentes tipos de eleições --
presidenciais, legislativas, autárquicas, plurinac em que estãoempenha-
dos os mesmos partidos e os mesmos dirigentes, esses períodos são muito cur-
tos), o decisor político moderno não tem muitas condições nem muitas opor-
tunidades para estabelecer análises globais, para conceber políticas globais,
para realizar com persistênciae continuidade programas políticos globais, para
cotrer o risco da inovação. Nas condições modernas, o exercício do poder
parece estar mais relacionado com a dinâmica balística do que com a lógica
estratégica: uma vez lançado o projéctil, a questão está em saber quando come-
çará a cair e onde irá cair por exemplo, analistas políticosnorte-americanos
admitem que o tempo de efectividade decisória de' um mandato presidencial
de quatro anos não ultrapassa, de facto, os dezoito meses.

2.2 A generalização do conceito de con ito

As sociedades de crescimento são naturalmente sociedades em con ito


com outras sociedades e a naturalidade desta relação resulta do facto de todos
os crecimentos quantitativos serem «expansionistas», isto é, não podem car
contidos no interior das fronteiras de uma sociedade. Este «expansionismo»,
por sua vez, generaliza as relações de con ito entre sociedades. Num universo

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abstracto onde não houvesse atrito de nenhuma espécie, onde a comunicação
e a comunhão de valores fosse total, onde houvesse mobilidade total de recur-
sos, seria concebível que estas sociedades de crescimento viessem a formar uma
rede de relações de cooperação que superasse aquela tendência natural para a
con itualidade entre sociedades de crescimento. Mas esse universo abstracto e
ideal não tem nenhuma correspondência nas situações reais, pelo que todos os
argumentos que se estabelecem na base do que seria possível nestas condições
ideais não só são errados como têm um efeito nefasto ao distrair a atenção
do que realmente existe.
O que realmente existe é uma transferência do centro da con itualidade
social do interior para o exterior e a consequente generalização das relações
de con itualidade. As sociedades de crescimento diminuem a intensidade do
con ito interno (o crescimento continuado do que há pata distribuir torna
socialmente mais suportável a desigualdade da distribuição em cada momento
e torna aceitáveis os argumentos de que essa desigualdade de distribuição é
o motor do crescimento) mas com o preço de aumentarem a con itualidade
com o exterior (a «expansão» de uma sociedade colide com os espaços de
«expansáo» das outras sociedades, a menos que seja possível contê-las em cres-
cimento limitado, o que por sua vez signi caria o aumento da sua con itua-
lidade interna). O que existe, em suma, é a guerra permanente por outros
meios. E a escolha põe-se entre esta guerra «expansionista» ou a guerra «civil».
Quando a política nas sociedades modernas tem de reconhecer necessariamente
o facto externo e, porque são sociedades de crescimento, a relação externa é
também uma relação de con ito (mesmo quando tem a forma da cooperáção
ou da aliança), a guerra já não é apenas a continuação da política por outros
meios, pois a política corrente já integrou, em cada um dos seus passos, mesmo
os mais elementares, o facto da guerra possível. Sublinhese que não se trata
da guerra no sentido estrito de confronto de forças armadas (ainda que tam-
bém possa ser isso nos con itos regionais, susceptíveis de resolução com meios
convencionais e muito dependentes de confrontos ideológicos). Do que se fala
aqui é da relação de guerra em sentido lato, a guerra do estado de não-guerra,
a guerra que é possível quando a ordem internacional superior impede a «subida
aos extremos> da violência armadae transfere essa «subida aos extremos> e
a violência consequente para outras áreas e para meios não armados.
Mas nem por isso se pode dizer que os con itos modernos sejam limita-
dos dentro das áreas especí cas em que se manifestam. As áreas de con ito
podem ser limitadas, mas não € limitada a intensidade dos con itos em cada
uma dessas áreas. O que a ordem internacional tem assegurado, até agora, é
que não se veri que a interrelação e sobreposição de áreas de con ito até
se chegar a um con ito total. E onde o con ito total se manifes ta, tem sido
possível contê-lo dentro de limites regionais. Não obstante os sucessos de ges-
tão política obtidos ao evitar a contaminação entre diversas áreas de con ito,

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não é possível alimentar ilusõcs quanto à existência de limites imperativOs A
inultrapassáveisem cada con ito dentro da sua área respectiva -tecnológica
cconómica, cultural.
Esta generalização da realidade do con ito é encoberta pelo estado de
não-guerra a que se pode ainda atribuir a designação de paz possível. Essa
ocultação cómoda ć, contudo, um erro de observação política. Desenvolver a
função política numa sociedade moderna sem ter em conta a generalização, até
mesmo a prevalência, das relações de con ito será uma fonte especí ca de tra
cassos políticos -designadamente daqueles fracassos que se podem identi cat
como efeitos da imprudência ou da ingenuidade quando não se quer reconhecer
as caracterfsticas do campo em que se actua, dois efeitos que certamente não
fazem a boa política.
É certo que a crescente evidência dos con itos entre sociedades é acom-
panhada por uma diminuição dos con itos intenos em cada sociedade. Não
são desenvolvimentos independentes-do mesmo modo que não era acidental
a identi cação de um inimigo externo ou mesmo o recurso à guerra como
modo de controlar ou de prevenir possibilidades de con itos internos nosperío-
dos pré-nucleares e que ainda se pode veir car agora nas dinâmicas de con itos
regionais. De facto, é a generalização dos con itos como exterior,designada-
mente os que se manifestam na área económica, que oferece uma nova pers-
pectiva (e condições de menor intensidade) à con itualidade interna, cla pró.
pria concentrada em razões económicas.
Deve notar-se, até para evitar caricaturas teóricas, que não desapareceu
a con itualidade interna em cada sociedade nem foram neutralizadas asrazões
que a alimentam. Em muitos casos, essas razões são mais nítidas nas socieda-
des modernas do que em outras situações do passado. O que se veri ca nas
sociedades internacionalizadas, com o aumento dos graus de interrelação entre
sociedades, é que aparecem novos factores e novas razões a considerar que têm
uma potência superior a qualquer resolução interna: a decisão interna do con-
ito só tem validade continuada se respeitar as possibilidades externas; quando
isso não acontece, qualquer benefício interno é meramente provisório, até que
os constrangimentos externos se façam sentir. E tudo se torna ainda mais com-
plexo com a formação de instituições, organizações e agentes intrinsecamente
internacionais, «apátridas», que não só se colocam acima dos con itos internos
de cada sociedade como podem mesmo ter neles uma interferência decisiva se
nisso tiverem algum interesse. A complexidade destas relações tenm ainda um
passo adicional quando se veri ca que decisores políticos nacionais recorrem
a essas entidades internacionais (como os centros nanceiros e, em especial, o
Fundo Monetário Internacional ) para introduzir e justi car políticas internas
que, por si, não seriam capazes de implementar.t
Tudo isto produz uma alteração radical no âmbito e nas concepções de
muitas políticas -mas a que terá tido uma alteração mais acentuada é a polí

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tica de defesa nacional. Num paradoxo que não tem que surpreender neste
tipo de matérias, o desenvolvimento tecnológico que limita as possibilidades
de recurso à guerra é também o factor que provoca a difusão das relações de
con ito para muitas outras áreas, onde já existiam de modo latente mas que
só se manifestam em plenitude depois do processo de internacionalização e do
aumento do grau de interrelação entre sociedades. A lógica destes novos con-
itos é a mesma que se colocava na guerra, mas os seus instrumentos e os
seus modos práticos de decisão são diferentes. Da sua clássica especialização
militar a política de defesa nacional é projectada para áreas mais amplas e
maiscomplexas- para a defesa da sociedade.

2.3 A missão impossivel do decisor politico

Todos estes desenvolvimentos recentes tiveram preços elevados para a


generalidade das sociedades. O facto de eles não estarem previstos nos quadros
das grandes ideologias disponíveis (estruturadas em bases nacionais; mesmo
quando apontavam para o internacionalismo este não era mais do que uma
macro-estrutura social estrati cada à imagem das estruturas sociais nacionais,
com os seus estratos dominantes e os seus estratos dominados) criou um dé ce
de orientação política. E se as novas situações foram tornando gradualmente
caducas essas fórmulas ideológicas, reduzindo o seu poder de interpretação, de
motivação e de mobilização nas relações de con itualidade interna, isso não
signi ca que as sociedades modernas estejam politicamente orientadas. A demo-
lição dos velhos ediffcios não exempli ca o que será a nova arquitectura.
Por outro lado, o ajustamento às novas situações e às novas condições
não é instantâneo. Há fenómenos de atrito, há desenvolvimentos desiguais, há
processos de tentativa e erro que demoram a ser avaliados e a consolidar os
seus resultados. Há decisões tomadas no quadro de referenciais orientadores
já ultrapassados mas que continuam a fazer sentir os seus efeitos. O estado de
incerteza em que se encontram os dirigentes políticos leva-os ao optimismo
expansionista ou ao pessimismo conservador sem poderem evitar os efeitos
perversosdas suasdecisões um entre muitos exemplos: adesregulamentação
do transporte aéreo conduz à repetição dos acidentes mas já não é possível
voltar às regulamentações anteriores e, entretanto, a nova complexidade torna
a re-regulamentação mais diffcil, sem que se possa determinar com segurança
se tudo isto não teria acontecido em qualquer caso, houvesse ou não a decisão
inicial de desregulamentação. Em todos os processos deste tipo, é a credibili-
dade da função política que ca posta em causa quando mais importante seria
que ela pudesse estabelecer as condições gerais da racionalização e a condução
do ajustamento da sociedade às novas circunstâncias.

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i personalização
A dopoderpolítico,a
carismatização
dasua
legitimidade
são, ainda, manifestações da incerteza política que caracteriza as sociedades
modernas, confrontadas com situações novas e vivendo um dé ce de orienta-
ção com a desvalorização dos quadros ideológicos tradicionais. Para responder
a situações complexas pareceria aconselhável criar estruturas organizativas tam-
bém complexas. Mas essas estruturas complexas em política têm a forma im.
pessoal das burocracias, entidades perante as quais as sociedades não podem
exercer o seu direito de escolhae de responsabilização, o seu poder de prémio
e de punição. O poder burocrático é demasiado distante, rígido, auto-protegido,
para ser um apoio desejado em tempos de incerteza, de mudança, de ansiedade
-e que não podem deixar de o ser quando as sociedades estãocondicionadas
pelo crescimento continuado. Mesmo que isso contrarie todas as indicações
racionais sobre o controlo da complexidade, as sociedades preferem a persona-
lização do poder que Ihes oferece a oportunidade de constituir a gura sacri.
cial, o bode expiatório, em quem se podem depositar as frustrações acumu-
ladas através da sua destruição simbólica em eleições.
A missão do decisor político personalizado e singularizado é, nestas cir-
cunstâncias, uma missão impossível. A evolução das possibilidades funcionaís
do Presidente norte-americano é, neste aspecto, um indicador interessante e
impressivo tendo em conta a diversidade de estruturas burocráticas a que pode
recorrer -e mesmoassim sem êxito continuado no confronto com acomple-
xidade da sua função. Não obstante, a tendência para a personalização do
poder não mostrasinais de enfraquecer, o que justi ca preocupação e reco-
menda a insistência nas precauções de interpretação deste fenómeno.
Não é possível, nem será possível, que um dirigente político singularizado
possa responder simultaneamente às exigências de sociedades de crescimento
e de sociedades abertas em relação con itual permanente com outras socieda-
das baseando-se apenas nos seus recursos pessoais ou nas estruturas institu-
cionais e organizativas do Estado tradicional. A disparidade entre os meios e
as necessidades é tão acentuada (e agrava-se tão rapidamente) que o efeito
bené co da diminuiçāo do grau de con itualidade interna não chega para com-
pensar as di culdades da gestão da crise global da sociedade.
Porếm, falar de missão impossível a propósito de uma missão necessária
não é mais do que uma construção de espírito, um artifício expositivo para
reforçar um argumento. Haverá sempre uma direcção política – melhor ou
pior. Haverá candidatos ao exercício deste poder personalizado, qualquer que
seja a suą di culdade, e certamente esses candidatos recusarão a inevitabili-
dade do estatuto de mera gura sacri cial. E enquanto se mantiver o estado
de incerteza e de indeterminação num contexto de sociedades de crescimento
continuarão a formar-se maiorias eleitorais essencialmente motivadas pela atrac-
ção carismática, sendo esta essencialmente baseada na combinação das propos-

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tas atraentes com a credibilidade da sua realização, o que desde logo revela
a fragilidade deste tipo de poder, dependente dos seus sucessos quantitativos.
Ao referit-se que se trata de uma missão impossível pretende-se sublinhar que
este tipo de direcção política e esta imagem do poder não oferecem perspec-
tivas de êxito continuado para quem a exerce e, consequentemente, tende a
contribuir para o agravamento dos problemas políticos da sociedade, designa-
damente quando a multiplicidade de factores críticos impede a re exão sobre
as condições novas e conduz à tentativa de imposição de métodos e processos
tradicionais que já não podem ser e cazes.

2.4 «O decisor politico precisa de ajuda»

É no contexto de uma realidade que indica ao mesmo tempo que se está


perante uma missão impossível e perante uma missão necessária (o que só é
contraditório em termos de lógica abstracta mas não o é em termos das rela-
ções na dimensão política) que se têm desenvolvido esforços institucionais e
organizativos para constituir sistemas de apoio e cazes ao decisor político.
Estes esforços têm as suas expressões mais desenvolvidas no sistema político
norte-americano porque é aí mais nítida a personalização do poder e a sua
responsabilização mas também porque nessa sociedade é mais natural a pro-
cura de respostas organizativas para problemas de gestão complexa de procura
(expectativas sociaise outras implicações gerais das sociedades de crescimento)
e de oferta (capacidade de orientação, direcção e regulaçāão por parte do poder
político de modo a assegurar a viabilidade continuada da sociedade moderna).
Mas não são esforços circunscritos ao sistema político norte-americano; esta
questão é comum a todas as sociedades modernas e qualquer que seja o seu
regime político, assumindo especial importância nas sociedades pluralistas na
medida em que estas de ciências põem em causa a funcionalidade das suas
diversas estruturas políticas e, em particular, as funções dos partidos políticos.
No entanto, a referência ao caso norte-americano tem o interesse de mos-
trar que a resposta adequada a este tipo de problemas não está necessaria-
mente dependente da abundância de recursos (humanos, nanceiros, organiza-
cionais, institucionais). Esses recursos são necessários, mas a sua existência
não é su ciente para garantir a sua e cácia. Se é inegável que o decisor polí-
tico precisa de ser ajudado para dominar o sistema complexo de áreas de acção
que esperam a sua decisão, não é ainda claro qual o modo mais e caz de con-
ceber e de organizar essa ajuda.
haininee
Não se pretende neste texto apresentar uma resposta global para este pro-
blema. Contudo, o caso da política de defesa nacional, uma política que tem
de enfrentar a articulação das questões da complexidade com as questões da

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con itualidadenasrelaçõescom o exterior - articulação própria dassocieda
des modernas pode oferecer algumas indicações quanto ao sentido que csa
resposta global deverá respeitar.
Sendo uma política permanente, a política de defesa nacional não €, em
geral, uma política «urgente» e «polémica» que justi que um alto grau de
espectacularidade e de atenção pública. A política de defesa nacional é uma
política de tipo estrutural, de médio e longo prazo, com tendência para apare.
cer como coordenadora de váias políticas sectoriais e para se de nir essencial.
mente no modo regulador da função política. E, em suma, mais uma política
de re exāo do que uma política de acção na medida em que é mais impor-
tante para o seu êxito conseguir estabelecer a harmonia entre diversas polfticas
sectoriais do que intervir ou decidir directamente em cada uma dessas áreas
sectoriais.
Por outro lado, na concepção da política de defesa nacional convergem
todos os problemas políticos da modernidade. Este é um ponto vital mas que
é difícil de reconhecer na medida em que ainda têm muito peso as condições
tradicionais de defesa, a importância que aí tinha o conceito de guerra e, con-
sequentemente, o papel das instituições militares. O facto nuclear veio per-
turbar esta concepção tradicional de defesa, colocando as instituições militares
perante a incerteza quanto ao futuro da sua missão (uma vítima do progresso
quantitativo da tecnologia) e colocando as entidades políticas perante o blo-
queamento da via extrema da resolução de con itos (criando-se assim uma
aparência de paz que era cómoda e que efectivamente coexiste com um im-
portante processo de desenvolvimento técnico e económico ). Porém, estas
mudanças, com os seus aspectos positivos e as suas incertezas, não foram acom-
panhadas pela reapreciação do conceito de con ito, não conduziram à veri ca-
ção de que os con itos se diluiam agora por múltiplas áreas e usavam diversos
meios e não provocaram uma reavaliação dos meios de defesa e, em especial,
do papel da instituição militar. A paz aparente encobriu as novas realidades
con ituais e permitiu a conservação, com meras alterações de pormenor, das
concepçõestradicionais de defesa.un
A existência de um con ito ideológico a nível mundial estabelecido entre
duas grandes construções ideológicas, entre duas visões-do-mundo su ciente-
mente diferentes para delimitar os campos, contribuiu também para a conser-
vação ou recuperação das concepções tradicionais de defesa. A identi cação da
ameaça por parte de qualquer sociedade era simpli cada pela existência de dois
grandes códigos de interpretação, que formavam assim a matriz principal da
con itualidade. E ainda que as circunstâncias obrigassem ao reconhecimento
de con itos regionais e sectoriais, a sua especi cidade era subsidiária, subor-
dinada à con itualidade ideológica principal. En m, o facto de os equilíbrios
undiais estarem polarizados por- duas superpotências, cada uma delas organi-
zando o seu sistema de alianças, tornava mais fácil que as diversas sociedades

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intégradas nesses sistemas de alianças transferissem para as sociedades domi-
nantes o encargo de conceberem as linhas políticas de defesa. Este seria um
domínio do pensamento político com pouco interesse para os pequenos e mé-
dios países que não podiam concorrer na escalada do armamento nem, em
última análise, poderiam defender-se a si próprios sem a colaboração do seu
aliado principal. Não só não há inovações interessantes no plano das concep
ções de defesa (há apenas a exploração de novas técnicas de guerra em con-
itos militares limitados e o desenvolvimento técnico dos instrumentos milita-
res) como a produção teórica neste domínio ca concentrada nas duas super-
potências.
No entanto, é também neste período que as metamorfoses derivadas do
facto nuclear alteraram a incidência das relações con ituais. Por uma via por-
ventura inesperada, a política de defesa assume uma importância nova porque
é a que está em melhores condições para interpretar o que são as relações de
con ito entre sociedades, para produzir o pensamento estratégico relevante
para essas situações, para coordenar diversas políticas sectoriais envolvidas
nessas relações de con ito em virtude do facto de dispor dos critérios adequa-
dos para a avaliação das possibilidades e dos efeitos. De um modo exemplar,
a política de defesa nacional ajustada às condições contemporâneas apresenta-se
como uma política reguladora e coordenadora.
a Um desenvolvimento posterior ao facto nuclear, relacionado com a gra-
dual diminuição de intensidade da con itualidade ideológica bipolar e também
com o desenvolvimento de novos con itos ideológicos de tipo regional (ideo-
logias regionalistas e nacionalistas, fragmentações terroristas e, mais recente-
mente, o islamismo ), veio colocar a política de defesa nacional no estatuto de
poder ser o principal vector de orientação nas sociedades modernas. No silên-
cio das ideologias ou na sua crescente irrelevância para equacionar as relações
contemporâneas, a linha de orientação das sociedades passa a ser estabelecida
em função da sua viabilidade continuada dentro de um sistema global de con-
itos o queestabeleceumaconvergênciasigni cativacom oobjectonatural
das concepções de defesa nacional.
Dentro desta mesma óptica, deve também notar-se que o silêncio das ideo-
logias em sociedades de crescimento, em sociedades marcadas pelas expectati-
vas e pelas avaliações sociais de tipo quantitativo, cria condições favoráveis à
desrtegulação interna destas sociedades. Na falta de critérios de acção comuns,
de padrões de comportamento, cada elemento da sociedade (grupo ou indiví-
duo) procurará obter a máxima vantagem quantitativa no mais curto prazo,
reagindo em rejeição dos dirigentes políticos em exercício, ou mesmo do regime
político, sempre que não conseguir realizar esses seus objectivos. Se uma socie-
dade com fortes clivagens ideológicas é uma sociedade internamente con itual,
uma sociedade sem tensões ideológicas por desagregação desses valores orien-
tadores tende a produzir um outro tipo de con itualidade, uma desordem

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competitiva que é fortemente instabilizadora, porventura mais instabilizadora
do que a con itualidade ideológica tradicional. Neste sentido, a procura de
uma área de concepção política que possa ser ao mesmo tempo orientadora e
reguladora, que tenha no seu centro o problema vital das sociedades modernas
(a difusāo por múltiplas áreas das suas relações de con ito com as outtas
sociedades) e que se possa desenvolver mais no modo re exivo do que no
modo intervencionista (estabelecendo programas de médio e longo prazo, de
tipo coordenador e menos dependente dos critérios quantitativistas que tipif.
cam a acção política corrente) seria uma das vias mais promissoras para a
melhor preparação das decisões políticas, sobretudo se esse mesmo modo de
pensar a política se difundir por toda a sociedade e por todas as áreas de
decisão política.
A política de defesa nacional é claramente candidata a este estatuto. Mas
não haverá outras políticas que também podem atingir este tipo de objectivos?
As posições exclusivistas não são muito produtivas nas análises políticas
contemporâncas. Os objectos de estudo são, em geral, demasiado complexos
para permitirem respostas únicas. E não se deve perder de vista que o exclu-
sivismo em política é fonte de privilégios institucionais e administrativos, o
que pode prejudicar a e cácia dessa função, seja porque lhe diminui a potên-
cia criativa, seja porque aumenta a oposição ou a descon ança de outras ins.
tituições, serviços ou sectores. Não obstante estas indicações e a necessidade
de tomar as consequentes precauções, parece justi cado reconhecer-se que a
política de defesa nacional, na sua acepção alargada, oferece uma base consis-
tente para analisar as sociedades modernas e para coordenar a sua produção
de políticas, designadamente em perspectivas de médio e de longo prazo e
naquelas áreas em que é essencial dominar a lógica da con itualidade com
outras sociedades.
A política económica e nanceira pode realizar também essa função, mas
o facto de ter de atribuir uma maior importância às condições internas (é
essencialmente um regulador interno) e de ter de responder a pressões conjun-
turais limitam-Ihe a sua capacidade re exiva: é uma área de políticas que está
demasiado envolvida na relação política corrente para poder ser orientadora,
racionalizadora, reguladora e produtora de estratégias globais para as relações
de con ito com o exterior mesmo quando reconhece a sua importância.
A política externa pode tambếm realizar aquela função, mas está essen-
cialmente orientada para as relações com o exterior é essa a sua especializa-
ção, não parecendo que a compelxidade dos temas que tem de tratar permita
ainda novos alargamentos de modo a ter uma função coordenadora de outras
áreas políticas, pelo menos em termos sistemáticos. A política externa éessen-
cialmente uma política resultante, algo que se situa no m de um processo e
que está dependente da qualidade das fases anteriores desse processo.

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Ainda se poderia admitir que a combinação destas duas áreas de políti.
cas, economia e nanças mais negócios estrangeiros, oferecesse uma cobertura
su cientemente ampla para integrar as questões vitais nas sociedades modernas.
O seu somatório linear é, à primeira vista, satisfatório: cobre a principal área
de con itualidade, tanto no plano interno como externo (a produção e dis-
tribuição de bens, serviços e rendimentos), domina o recurso político interno
mais importante (recursos nanceiros e orçamento), integra a área especiali-
zada de relações com o exterior (diplomacia). Todavia, os hábitos políticos
ocidentais acumulados nestas áreas não permitem esperar que este somatório
linear seja estável e satisfatório, como as experiências práticas de coordenaçāo
de políticas através destes dois departamentos têm comprovado. A elaboração
de políticas económicas e nanceiras contempla as relações de con ito (inter-
nas e externas) mas recolhe essas indicações como dados de situação, não as
integra numa concepção global nem reconhece uma responsabilidade especí ca
na intervenção nas razões desses con itos. As práticas diplomáicas, por sua
vez, estão ainda demasiado presas às relações institucionais entre Estados, des-
conhecendo, na generalidade dos casos, as relações económicas entre socieda-
des, assim como a dimensão vital de con itualidade que caracteriza essas rela-
ções económicas nas sociedades modernas.
Uma terceira área que seria candidata a uma função de orientaçãoe de
coordenação políticas seria a área cultural e de a rmação nacional, onde uma
produção ideológica autónoma, de cunho nacional, procuraria compensar a
perda de relevância das construções ideológicas dominantes com a produção
de uma ideologia nacionalista própria. Poderá parecer uma ambição excessiva:
produzir uma visão-do-mundo não é uma tarefa fácil ou simples num mundo
de relações culturais abertas, frequentes e de permanente intercâmbio. Apesar
disso, é uma tentativa mais frequente do que a di culdade e complexidade de
tal tarefa levaria a admitir. Com os meios de propaganda que estão ao alcance
das sociedades contemporâneas, é atractivo para os agentes políticos explorar
os quadros culturais nacionais tradicionais, sobretudo em sociedades pouco
desenvolvidas, tentando criar uma imagem de originalidade e de singularidade
que lhes permita escapar aos constrangimentos das relações políticas normais.
É uma opção condenada ao fracasso quando o sentido da modernização aponta
para a internacionalização, o que seguramente é pouco favorável à expressão
de ideologias originais, que pretendem escapar às normas e condições prevale-
centes no sistema de relações internacionais. No fundo, trata-se de um artifício
político que procura, sem êxito, escapar às duas marcas da modernidade: a
complexidade (não a reconhecendo e pretendendo substituí-la por fórmulas
ideológicas simplistas) e a con itualidade generalizada (recusando as suas im-
picações estratégicas e substituindo-as por uma atitude maximalista de auto-
nomia, de singularidade ou mesmo de originalidade -o que quer que isto
queira dizer num sistema internacional de interdependências ). Não é, pois, por

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infeliz acidente que as sociedades que optam por este modo de respostas às
questões da modernidade evoluem para formas de poder autoritário (como
modo de ocultar o fracasso da sua tentativa de originalidade) e para um
estado de dependência descontrolada do exterior (consequência da pouca aten-
ção atribuída às relações reais do con ito e às normas de concorrência entre
sociedades).
Em suma, se é certo que o decisor político precisa de ajuda, a melhor
ajuda de que pode dispor nas circunstâncias contemporâneas é a que lhe é
oferecida pela perspectiva da defesa nacional. É a área política mais potente
nas sociedades modernas em termos de orientação e de regulação, em termos
de racionalização e de coordenação. É, também, a átea política que permite
uma atitude re exiva e que favorece a formação de programas de médio e
de longo prazo. Poderá também dizer-se que é a área política onde se expres-
sam com menos intensidade interesses sociais organizados (sobretudo naquelas
sociedades onde não há uma indústria de defesa desenvolvida que, pelo seu
poder especí co, possa interferir nas grandes opções orientadoras) que desejam
obterresultadosimediatos o que é uma condiçãoexcepcional na política
contemporânea. shoe
Sb Mas se a política de defesa nacional, nesta acepção alargada, tem múlti-
plas virtualidades como ajuda à decisão política superior, a sua principal van-
tagem é outra. A perspectiva da defesa nacional, a sua natural dimensão de
pensamento estratégico, é um poderoso orientador político geral quando essa
perspectiva, e o correspondente pensamento estratégico, está difundida na
sociedade, passa a fazer parte dos modos habituais de interpretação. Apesar da
sua complexidade, das sinuosidades da lógica paradoxal, das so sticação possí-
vel das suas teorizações, a relação con itual com outras sociedades é aquela
que mais primariamente é apreendida no interior de uma sociedade-sobre-
tudo se a sua con itualidade interna é abertamente expressa, como acontece
nas democracias pluralistas, onde não se coloca a questão do interesse de um
entendimento com potências externas com o objectivo de derrubar um regime
autoritário ou totalitáio. E uma sociedade informada, consciente das relações
con ituais em que está envolvida, reconhecendo o carácter decisivo desses con-
frontos (mesmo quando se estabelece entre aliados que, aliás, são os con itos
mais complexos exactamente porque são socialmente menos visíveis) é uma
sociedade que dispõe de um potente critério de racionalização dos seus com-
portamentos e decisõeso mais potente critério de racionalização quando os
tradicionais (como a noção de que a poupança era um acto necessário e em
absoluto condicionador de aumentos futuros do consumo ou como a noção de
que o investimento e a criação de emprego pressupõem a acumulação de capital
e a garantia de viabilidade das actividades económicas) perderam a sua capa-
cidade de orientação das expectativas e das atitudes sociais.

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A difusão na sociedade da perspectiva de defesa nacional e da atitude
estratégica (reconhecendo os efeitos da oposição de vontades até à resolução
do con ito) aparecem, assim, como uma necessidade natural para o decisor
político que pretenda cscapar ao círeulo vicioso da sua missão impossível-o
que certamente todos pretendem mas que nem todos sabem como conseguir.
E se essa difusão social de critérios for bem sucedida, o decisor político recebe
uma ajuda ainda mais importante: as diversas entidades, instituições e organi-
zações e grupos que integram a sociedade pasarão, gradualmente, a estabelecer
as suas posições, a formar as suas expectativas e a proceder às suas avaliações
de possibilidades num quadro referenciador que é comum e que corresponde
também ao referencial de decisão político: as condições de viablidade da socie-
dade num sistema permanente de con ito com outras sociedades.
Há, entretanto, precauções a tomar para que esta hipótese sedutora, e
que se julga já su cientemente con rmada com os argumentos apresentados,
não venha a ser prejudicada por uma exploração indevida das suas potencia-
lidades. Seria, no mínimo, ridículo e contraproducente que os decisores políti-
cospassassem a utilizar até à exaustão o argumento da con itualidade tanto
mais que este é um argumento complexo, frequentemente compatível com rela-
ções de cooperação e de interdependência positiva que cariam prjudicadas
se cassem marcadas por expressões de agressividade. A problemática da con-
itualidade deve ser explorada de modo gradual, começando pela formação
dos decisores políticos e dos meios políticos, evoluindo para a formação da
opinião pública e só depois disso se pode esperar que quem em funciona-
mento os dispositivos automáticos de interpretação e de resposta aos sinais de
con itualidade. O tempo gasto nesta exploração gradual não é tempo perdido
na medida em que, sendo esta a tendência de evolução mais forte para as
próximas décadas, a sociedade irá sendo cada vez mais sensível a este tipo de
racionalidade veri cando-se assim uma convergência entre as necessidades
da política e as necessidades da sociedade, o que será o sinal mais positivo de
recuperação do sentido de possibilidade para a missão do decisor político. Não
se trata, portanto, de uma operação de manipulação ideológica, que tivesse
de ser concretizada de imediato para estabilizar um poder político concreto.
É, antes, uma imposição da própria modernidade, algo com quese terá de
viver durante décadas, tal como se terá de viver com a complexidade das
sociedades modernas.
No caso especí co da sociedade portuguesa, esta hipótese surge no mo-
mento crítico da sua internacionalização que é também o momento real da
mudança modernizadora - mais decisivo do que a mudança do regime polí-
tico, embora a internacionalização não fosse possível, nem sequer concebível,
sem a democratização. As fases de evolução recente da sociedade portuguesa
São, a vários títulos, exemplares mas é na experiência da con itualidade e do

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facto externo (duas vertentes básicas da concepção da defesa nacional e que
se exprimem inteiramente em democracia) que estas fases de evolução ganham
o seu sentido mais potente. Tendo aberto os seus processos de democratização
e de descolonização praticamente no mesmo período em que se iniciava a pti.
meira crise económica mundial moderna, a sociedade portuguesa começa por
experimentar a con itualidade interna intensa de origem ideológica, condu:
zindo a viabilidade da entidade nacional a níveis de risco imediato. Como en
outros períodos da sua história, e por razões idênticas de pressão de um risco
efectivo, a sociedade portuguesa reconhece e utiliza o facto extetno comoins
tumento regulador em última instância: os programas de estabilização nan.
ceira elaborados em colaboração com instituições nanceiras internacionais são,
de facto, meios de racionalização de comportamentos políticos e sociais, permi-
tindo tornar evidentes os efeitos perversos e sustentáveis resultantes de deci
sões políticas que tinham sido racionalizadas por factores ideológicos. Enquanto
se desenvolvia este processo de aprendizagem social, formador de novos modos
de racionalização política e de regulação nanceira (processo naturalmente
incompleto e que deixou no seu curso numerosos problemas que continuam
sem solução satisfatória), prossegue uma outra linha política que serádecisiva
para a consumação da mudança real: a integração na Comunidade Económica
Europeia. Na sua versão primitiva, esta linha é ainda defensiva e reguladora:
a associação institucional com as democracias curopeias seria uma segurança
para a consolidação da democracia pluralista portuguesa. De facto, a versão
efectiva desta linha política (e é por isso que é o factor decisivo damudança
real) é outra: corresponde ao reconhecimento prático de que a relação decon-
corrência se estabelece num espaço externo alatgado (contraponta histórico do
império colonial ), de que a viabilidade da sociedade portuguesa se decidenesse
espaço alargado e nessas condições de concorrência e, nalmente, que às poli
ticas tradicionais de proteccionismo (possíveis no contexto de umasociedade
fechada e colonizadora) se seguem necessariamente políticas de nidas paracon-
textos concorrenciais complexos, con ituais, externos. É aqui que selocaliza
revolução - ainda que asconvenções históricas possam continuar alocalizat
o ponto de viragem na mudança do regime político.
Este novo quadro de possibilidades (isto é, de oportunidades e deamea-
ças) consubstancia o desa o estratégico nacional. Sendo um desa o que é
colocado a toda asociedade e a que só esta, no seu conjuntoplural,pode
efectivamenteresponder - elecoloca-se em primeira linha aosdecisores
poli-
ticos. E por isso que é também para eles que se coloca, em primeira linha,
necessidade de organizar a ajuda que Ihes é oferecida pela óptica dadetesa
nacional, aquela que lhes permite enfrentar em melhores condições acomple
xidade, a con itualidade, as relações de uma sociedade com as outras soieds
des, a modernização e a modernidade. 22

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2.5 A interdepartamentalidade

As decisões políticas são habitualmente apreciadas em termos da sua ex-


pressão nal, tal como são publicamente apresentadas - até porque é a partir
desse momento que se tornam vinculativas e exercem os seus efeitos. Porém,
mais importante do que esse resultado nal é o processo de preparação da
decisão, o estudo das alternativas que são colocadas ao decisor legítimo para
que este resolva o con ito entre alternativas tendo emn consideração o sistema
de efeitos directos e indirectos que lhes estarão presumivelmente associados.
Se a decisão pode ser personalizada, a preparação da decisão jamais o será
numasociedademoderna. É neste domínio da preparaçãoda decisão - uma
condiçãoessencialda governabilidade - que a interdepartamentalidade aparece
como o instrumento organizativo adequado à complexidade das sociedades
modernas.
A interdepartamentalidade pode ser usada como um expediente para a
resolução de con ltos entre políticas alternativas ou para a resolução de con-
itos de competências entre gabinetes. Quando não se sabe o que decidir,
nomeia-seuma comissão interdepartamental este é o tipo de imagem crítica
com que os adeptos dos métodos tradicionais de decisão política apreciam as
organizações complexas que colaboram na preparação das decisões nos sistemas
políticos modernos. E se a interdepartamentalidade fosse apenas isto, ou se
fosse predominantemente isto, essa imagem crítica seria justi cada.
Porém, a interdepartamentalidade não é um artifício organizativo, é uma
imposição re ectida no plano organizativo das condições reais de decisão numa
sociedade moderna. Antes mesmo de se avaliar para que serve a interdeparta-
mentalidade tem de se reconhecr que não pode deixar de existir: a interdepar-
tamentalidade é uma imposiçāão porque as necessidades sociais, as mudanças e
as decisões políticas são interdepartamentais nas sociedades modernas, nenhuma
dessas realidades existe restrita a áreas bem de nidas e estanques. Aquilo que
para cada cidadão são necessidades individuais e bem de nidas (emprego,
segurança, consumo, perspectivas de futuro) é a nível da sociedade e para o
decisor político o resultado de uma articulação de múltiplas decisões e de
múltiplas circunstâncias: se o decisor político tentasse atingir cada um desses
objectivos de modo isolado estaria condenado a falhar cm todos. Também as
mudanças na evolução da sociedade não acontecem em blocos bem organizados,
auto-sustentados,em progressão regular, ea procura da harmonia em todos
estes movimentos, que é a prova do talento político, não terá resultados satis-
fatórios se não souber coordenar essas múltiplas manifestações. Nas condições
das sociedades modernas, as decisões políticas ou são interdepartamentais ou
não são decisões consistentes.
Todavia, a imagem social da poder não é (ou não é ainda) interdeparta-
mental. Pelo contrário, nas sociedades de crescimento, com modelos ideológicos

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enfraquecidos e com relações de solidariedade social pouco nítidas, a imaper
social do poder é personalizada, seja no sentido da esperança, no sentido d
desilusão ou no sentido da procura de um responsável pela frustraçãod
expectatívas. Mesmo em relação às entidades colectivas - um governo, um
instituição, um pattido, umaempresa o que os grupossociaisprocuram
a indenti cação de um responsável, de um nome, que de algum modo siry
de ponto xo numn sistema de relações complexas, que o cidadão comum nã
domina em todos os seus pormenores. A interdepartamentalidade é umaexy
gência política prática mas não é um hábito social nem pertence às imagen
sociais do que é o poder político. As burocracias anónimas, as comissões e
trabalho de gabinete não oferecem à sociedade a possibilidade de identi ca
um responsável, o que certamente contribui para explicar a rejeição quemere
cem da parte da sociedade.
Há, assim, uma crise de sintonia entre as exigências da função polític
e os modos como a sociedade interpreta o trabalho político. Esta crise de sin
tonia tem duas consequências importantes. Por um lado, estimula aformaçã
de expectativas sociais que não tếm em conta as condições complexas dasu
realização. Por outro lado, isola os dirigentes políticos perante a suarespon
sabilidade pessoale perante a urgência de satisfazer as expectativas sociais
forçando-os a oscilar entre respostas eleitoralistas e respostas consistentes com
aspossibilidadesreais - oscilaçãoque só por si explica uma parte
substancia
dos fracassos políticos. Esta crise de sintonia acontece num período em qu
os dirigentes políticos não poden recorrer aos instrumentos tradicionais de
introdução de ordem numa sociedade: as fórmulas ideológicas perderam vigor.
e se é certo que isso permitiu diminuir a con itualidade dentro dasociedade
também é verdade que aumentou a intensidade das expectativas dos indivíduos
perante os responsáveis políticos; a abertura das sociedades e oestabelecimento
de relações de interdependência com outras sociedades retiram aos dirigentes
políticos nacionais a possibilidade de imporem uma ordern interior controlada
através do proteccionismo, seja de tipo econớmico, de movimentaçõessociais
de cultura ou de informação. A continuidade desta crise de sintoniaaparece
assim, como um motor su ciente da continuidade da instabilidade política.
Não há muitas fórmulas para responder a estas di culdades. Odirigism
político e o intervencionisno estatal agudizam esta crise de sintonia, porque
concentram as expectativas sociais num conjunto restrito depersonalidades
em condições inferiores de e ciência, o que agrava o desequilíbrio entreexpec
tativas e realizações. A esperança de se vir a constituir em breve uma nov:
base orientadora de tipo ideológico é uma opção política que não tem qual
quer garantia de êxito e, em qualquer caso, não parece ser um objectivo qu:
esteja ao alcance de um dirigente político actuando de modo isolado ou nurn
pequeno país. Restam, assim, as vias da regulação, da racionalização e da coor
denação -isto é, restam as vias que estão associadas à resolução do problem

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da governabilidade nas condições da modernidade. Não é por acaso que se
chega a esta conclusão: ela resulta da experiência e da interpretação dos fra-
cassos. E também não é por acaso que esta conclusão se associa à questão da
interdepartamentalidade: aquelas vias de resposta à crise de sintonia entre
política e sociedade excluem a possibilidade de êxito de concepções e acções
cxclusivistas numa sociedade de relações internas complexas e que tem de
decidir múltiplos con itos com as outras sociedades com as quais estabelece
relações de interdependência (isto é, relações que não podem ser decididas
pelos meios de destruição e de aniquilamento, na medida em que ao tentar
destruir a outra parte se estão a pôr em causainteresses próprios). o
O que esta conclusão também mostra é que a interdepartamentalidade
não deve ser entendida apenas como um arranjo institucional interior ao exer-
cício do poder, apenas como um modo de articular com e ciência as relações
dos diversos departamentos. A interdepartamentalidade é um projecto muito
mais vasto, incluindo todas as entidades sociais, políticas ou não, que têm
capacidade de racionalização dos comportamentos sociais e que, nesse seu esta-
tuto, são instrumentos de formação da opinião pública, inserindo-a no quadro
das condições de modernidade -e, em especial, inserindo-a nas condições de
compreensão da con itualidade e do pensamento estratégico.
A resolução da crise de sintonia entre política e sociedade não se conse-
guirá levando a sociedade à política (seja num projecto autogestionário ou
num projecto de participação espontânea e desordenada) mas sim levando a
política à sociedade– estimulando a formação de centros de racionalização
com capacidade para interpretar e desenvolver a lógica política, apoiando a
exploração analítica de alternativas de acção colectiva, fomentando o debate
pluralista, coordenando a produção destas entidades com a dupla nalidade de
preparar as decisões a tomar pelos agentes políticos legítimos e de preparar a
sociedade para compreender as condições e os objectivos dessas decisões. Não
se trata de uma delegação ou de uma concessão do poder político: este con-
tinua a ser uma função directa da legitimidade eleitoral. Trata-se, sim, da pro-
moção de estruturas intermédias de serviço político, com utilidade para a polí-
tica e para a sociedade -por isso mesmo, com utilidade para resolver a crise
de sintonia que actualmente existe nas relações da sociedade com a política.
Mais uma vez, é a política de defesa nacional que melhor pode ilustrar
as virtualidades deste projecto ainda que, evidentemente, tal projecto não se
limite ao que uma utilização adequada da política de defesa nacional permite
obter. Mesmo na sua acepçāão tradicional associada à guerra ou à sua eventua-
lidade. O êxito da política de defesa nacional estava directamente dependente
da sua capacidade para mobilizar toda a sociedade e todos os seus recursos
ainda que em contextos de menor participação política da generalidade dos
cidadãos, de menor complexidade intetna das sociedades e onde a declaração
de guerra actuava como um condicionador automático dos comportamentos

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sociais e individuais possíveis nessa sociedade. Por maioria de razão, esta
capacidade para mobilizar toda a sociedade é ainda mais necessária (e mais
complexa) quando os con itos não são tão nítidos ou espectaculares como
acontecia quando eram assinalados pela declaração de guerra ou pela sua even-
tualidade, e quando os con itos são permanentes, não permitindo mesmo uma
distinção estável entre inimigos e aliados. Nas condições contemporâneas, o
teatro do con ito não é bem de nido, não há divisões departamentais utili.
záveis, todas as dimensões da sociedade estão envolvidas. E se estes são os
problemas da modernidade política, não parece adequado tentar responder-Ihes
sem aceitar a necessidade de algumas inovações.

3. As áreas de coordenação

O desa o estratégico nacional que se coloca à sociedade portuguesa sinte-


tiza-se na necessidade de um ajustamento rápido às condições de modernidade
-a complexidade e a con itualidade. Mas este desa o estratégico especi co
tem também uma componente que é comum a todas as sociedades modernas
e que se relaciona com a problemática política contemporânca: como assegutar
condições de funcionalidade e de estabilidade à «missão impossível» dos tes-
ponsáveis políticos, como resolver a crise de sintonia entre a política e a socie-
dade, como estabelecer condições de mobilização da sociedade para enfrentar
a dinâmica de con ito permanente e de interdependência entre sociedades. Não
se trata, portanto, apenas de um problema de modernização. Trata-se também
de compreender e enfrentaro novo tipo de problemas que está associado ao
êxito da modernização.
Neste aspecto, a consideração dos suportes institucionais e organizativos
do processa de modernização e de produção de respostas aos novos problemas
associados com a modernização tem uma importância indesmentível: de nada
serviria a concepção estratégica de resposta ao desa o nacional se não houvesse
o suporte instrumental para a realizar.

3.1 Complexidade, con itualidade e coordenação máltipla

As respostas políticas em situações de complexidade e de con itualidade


aconselham que se formem estruturas de coordenação múltiplas que permitam
preparar as decisões dos órgãos legítimos (que são em número necessariamente
reduzido, e sempre mais reduzido do que seria necessário se esses órgãos legí-
timos prtetendessem estabelecer por si todas as funções de coordenação ). Este
parece ser um resultado claro da experiência política das sociedades modernas:
a e cácia dos seus órgãos políticos legítimos está directamente relacionada com

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a vitalidade, a multiplicidade e a pluralidade de órgãos intermédios de coorde-
nação de acções sociais com relevância política ou mesmo com capacidade de
interferência na coordenação de várias políticas. O papel destes órgãos inter-
médios, integrados ou não na estruturação do Estado, não está relacionada
com o exercício legítimo do poder mas sim com a preparação das decisões (o
que, sendo substancialmente diferente do exercício legítimo do poder, é essen-
cial em situações de complexidade e constitui mesmo, por esta via, uma forma
especí ca de poder, o poder da competência) e com a difusāão social das justi-
cações, das lógicas paradoxais, dessas decisões (o que, sendo substancialmente
diferente da atitude dos decisores políticos legítimos, é essencial em situações
de complexidade e constitui mesmo, por esta via, uma forma especí ca de
poder, o poder da racionalização que está na base do poder de mobilização
social). A complexidade tem de ser tratada de modo re exivo, analítico, pon-
derado,detalhado - característicasque di cilmenteestãoaoalcancedodecisor
político, demasiado pressionado pelas circunstâncias imediatas. A con ituali-
dade tem de ser tratada de modo sistemático, criativo, paradoxal e socialmente
mobilizador-características que di cilmente estão ao alcance do decisor polí-
tico, inseguro quanto à duração e continuidade do seu mandato, tendo de res-
ponder nas relações políticas internas a outros concorrentes e estando colocado
perante as circunstâncias já em fase de consumação. Em ambos os casos, é
essencial que o decisor político bene cie do auxílio que Ihe poderá ser ofere-
cido por estes órgãos intermédios, especializados em áreas políticas especi cas
ou especializados na coordenação de diversas áreas políticas.
Já se referiu que estes órgãos de coordenação desempenham um papel que
não se confunde com o exercício do poder pois não lhes está associada uma
relação de legitimidade mas apenas uma certa competência - em geral, asso-

ciada à prova de que os seus produtos são relevantes para a melhor compteen-
são dos problemas concretos. Importa agora referir também que estes órgãos
de coordenação, estejam ou não integrados na estrutura institucional do Estado,
não devem estar subordinados a divisões político-administrativas rígidas que
Ihes limitea dimensão interdepartamental (e que, em última análise, os torna-
ria meras repartições tradicionais ). O que se deve pretender ganhar com estes
óngãos de coordenação é a ampitude de análise e a variedade de alternativas,
pois se não for assim também não será grande o seu contributo para a prepa-
ração das decisões políticas nem constituiriam uma verdadeira inovação.
sa Por último, deve ter-se em conta que a actividade de coordenação não
deve constituir mais um elo de uma relação hierárquica do poder mas sim uma
actividade que não é susceptível de ser concebida em termos de exclusividade
e, pelo contrátio, deve estar sujeita a uma permanente concorrência. A vitali.
dade das funções de coordenação depende da sua multiplicidade e da sua capa-
cidade difusora de racionalidade tanto nas áreas políticas como na sociedade.
Neste sentido, a possibilidade de exercer funções coordenadoras não pode ser

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entendida como um atributo exclusivo de entidades integradas no Estado.
E será também através da relação de concorência, através da avaliação dos
resultados que alguns órgãos coordenadores se poderão desenvolver enquanto
outros desaparecerão, abrindo espaço para a formação de outros.
A sociedade e a política portuguesa não têm experiência deste tipo de
organização auxiliar da preparação da decisão política. A tendência para o inter-
vencionismo do Estado, a burocratização das relações políticas, a tentativa de
colonizaçāo destas entidades impondo a sua dependência de partidos políticos,
a exiguidade dos recursos nanceiros e humanos, um acentuado individualismo
que se projecta em relações clientelares, uma elevada propensão para relações
clandestinas que economizamn a organização de estruturas visíveis e transpa-
rentes, a confusão tradicional entre serviços de apoio à preparação da decisão
e funções de in uência sobre as decisões, são alguns dos factores responsáveis
pelas enormes carências veri cadas na dimensão de coordenação, praticamente
inexistente no sentido de exercício das políticas de regulação que é proposto
neste texto.
Não será com propostas analíticas, mais ou menos elaboradas, que essas
carências começarāo a ser corrigidas. Nem mesmo a determinação política de
proceder a reformas administrativas nas instituições do Estadoé factor de espe-
rança neste domínio. O factor decisivo será, uma vez mais, o fracasso político:
é a acumulação de problemas sem resposta satisfatória que acabará por pro-
vocar o que nenhum texto analítico conseguirá realizar. E se for correcta a
identi cação que se apresentou do que serão os grandes problemas do futuro
imediato –a complexidade e a con itualidade, conjugando-se na necessidade
de produzir, na política e na sociedade, um pensamento estratégico sistemá-
tico- será também inevitável que se terão de veri car progressos rápidos na
dimensão da coordenação.

3.2 Coordenação e centros de racionalização privados


) Iieate
A problemática política própria da sociedade moderna (complexidade e
con itualidade) não será satisfatorianente enfrentada apenas com os meios
políticos, por mais poderosos que sejam e por mais desigual que continue a
ser a distribuiçãa de recursos entre as instituições e organizações do Estado e
as entidades privadas. É uma problemática que não se relaciona directamente
com a quantidade de meios mas sim com a amplitude de cobertura das men-
sagens políticas -e para que essa amplitude cubra toda a sociedade é indis-
pensável que possa utilizar as redes de racionalização que são constituídas pelas
entidades privadas, seja como complemento ou ampli cação, seja como produ-
tores próprios do pensamento estratégico. É a sociedade no seu conjunto que
tem de estar empenhada nas respostas diversi cadas à problemáica política

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da sociedade moderna. É, como se viu, uma necessidade decorrente do tipo
de problemas políticos que são colocados a uma sociedade moderna. Mas é
também, como igualmente se referiu, uma necessidade para que a missão do
decisor político não seja uma missão impossível, comprimido entre expectativas
sociais que não pode satisfazer e problemas globais a que não pode responder
com os meios especi camente polticos que tem à sua disposição.
A coordenação dos centros de racionalização privados (pressupondo, natu-
ralmente, que existem, que são estimulados e que não são perseguidos, que
não têm de recorrer a modelos clandestinos de organização e de expressão)
não se poderá fazer por decisão política, sob pena de se desvirtuar o seu esta-
tuto privado. Mas também não se pode fazer na modalidade de pressões e
reivindicações de entidades privadas dirigidas contra os decisores políticos, sob
pena de se recriar assim um neo-corporativismo de con itualidade interna em
que entidades privadas procuram usurpar a legitimidade da decisão política,
deixando o decisor político preso entre duascon itualidades -a interna e a
externa -sem condições para estabelecer uma linha duradoura de viabilidade.
O modo mais promissor de estabelecer esta coordenação será na modali-
dade das políticas de regulação, associando os centros de racionalização priva-
dos às instituições e organizações do Estado (e a outras entidades políticas
representativas de posições sociais signi cativas) na preparação das decisões
para que se forme uma opinião informada sobre o que são os constrangimentos
e as nalidades dessas decisões. O exercício do poder político não será, nestas
condições, um trabalho singularizado e personalizado mas sim o resultado de
um trabalho colectivo produtor de diversas alternativas e que é nalizado por
quem tem a legitimidade especí ca para o fazer -- o decisor político superior.
Este trabalho de coordenação e as correspondentes políticas de regulação
não se resumem a, nem sequer precisam de se traduzir em, formação de con-
sensos. A ideia obsessiva do consenso político numa sociedade é uma reacção
à con itualidade interna (agora menos intensa) e à instabilidade política (que
não deriva da falta de consenso mas sim das circunstâncias especí cas em que
o poder político é exercido, estimulando expectativas sociais que não podem
ser satisfeitas, singularizando ou personalizando um poder de tipo carismático,
o que facilita a acção daqueles que exercem um efeito e uma prática de contra-
-poder, de crítica sistemática ao poder existente e independentemente das con-
dições concretas do seu exercício). Em si msmo, o consenso político pode ser
um sinal de estagnação e um indicador preocupante de falta de variedade nas
respostas possíveis às ameaças externas. E, em qualquer caso, a procura deli-
berada do consenso político é uma iniciativa raras vezes coroada de xito dura-
douro: a insistência na uniformidade indica o receio do pluralismo e revela
uma forte vulnerabilidade a uma iniciativa política ou ideológica que introdu-
zisse com êxito fortes clivagens numa sociedade que tivesse esse tipo de carac-
terísticas.

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A coordenação e as politicas de regulação têm como principal nalidade
a preparação política da sociedade para que comprenda as suas possiblidades,
as suas oportunidades, as suas ameaças, os seus limites. A preparação polftica
de uma sociedade não decorre da fotmação cívica mas sim da participação
cávica. Quando esta participação cívica é estimulada (o que não se confunde,
como se referiu, nem com auto-gestão, nem com basismos desordenados, nem
com núcleos de neo-corporativismo) forma-se uma efectiva opinião pública, há
um espaço público de debate, e a sociedade tem condições para salvaguardar
as suas normas de viabilidade mantendo o pluralismo interno de posições e de
concepções políticas.
Entretanto, importa uma vez mais sublinhar que a coordenação e as polí.
ticas de regulação não são estados de acção política que se possam atingir ins-
tantaneamente, por mero voluntarismo decisório. É um trabalho que só tem
sentido se for persistente, se estiver orientado para um horizonte de várias
gerações. Contudo, ao contrário de propostas de raiz utópica como as que se
baseiam na mudança de mentalidades ou as revoluções culturais, o que aqui
se sugere é realizável de modo gradual sem pôr em causa os modos disponíveis
de decisão política e contribuindo, em cada passo que for dado, para melhorar
a sua e ciểncia. Para utilizar uma linguagem comum e directa, não apresenta
contra-indicações e permite sempre obter alguns progressos, alguns benefcios
sobretudo numa sociedade como a portuguesa, onde faltam manifestamente
algumas características das sociedades modernas como a existência de uma rede
de órgãos intermédiose como um espaço público de debate político informado
das di culdades intrínsecas do exercício do poder.

3.3 O papel da arquitectura institucional

Ainda que os progressos a realizar no domínio da coordenação de modo


algum se possam circunscrever ao quadro institucional, é por este que é mais
fácil começar -e, de facto, é por este que o poder político tem a obrigação
de começar.
Todavia, as reformas institucionais tendem a ser iniciativas políticas de
duração inde nida e de resultados desconhecidos, até porque se pode manter
em aberto enquanto algum dos intervenientes o considerar conveniente. É uma
actividade que se assemelha ao restauro do património: por de nição, é uma
tarefa interminável.
Não é esse o tipo de iniiativa que parece mais adequado para enfrentar
os problemas políticos especi cos das sociedades modernas. Mais do que uma
arquitectura institucional é necessário um sistema exível de órgãos com capa-
cidades múltiplas e compossibilidadesde utilizaçãodiversi cadas - mascom
o mesmo tipo de atitude perante os problemas da modernidade, com capacidade

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para produzir um pensamento estratégico relevante para ese tipo de proble-
mas. Mais importante do que a localização institucional especí ca desses órgãos
será a sua mobilidade, a sua utilização em diferentes tipos de problemas para
que possa existir uma efectiva função de coordenação entre diferentes áreas
políticas e entre diferentes departamentos de decisão política ou de adminis-
tração pública. Nem sequer tem especial interesse determinar de modo rígido
a composição destes órgãos de racionalização e de coordenação: públicos, pri-
vados ou mistos, organizados por programas ou por contratos a longo prazo,
inseridos de modo estável na estrutura do Estado ou mantidos em espaços mar-
ginais. O que conta é a sua produção inserida nos objectivos de coordenação.
Essencial é que nessa produçāão não haja confusão entre o que é preparar
uma decisão satisfazendo os requisitos da modernidade e o que é tomar uma
decisão política. O segundo nívelé especí co dos agentes políticos com legiti-
midade e deve ser justamente essa a sua especialização: não se lhes deve exigir
que produzam a preparação das decisões políticas mas sim que tenham a capa-
cidade e o talento de escolher entre diversas alternativas que foram devida-
mente preparadas.p
Incidentalmente, deve também referir-se que este conjunto de órgãos que
forma a rede de coordenação oferece aos agentes políticos legítimos (designa-
damente aos membros do governo) a oportunidade de contactos regulares com
uma audiência especializada, receptiva a um discurso político complexo através
do qual sejam transmitidas as principais instruções a respeitar na preparação
das decisões. E tendo em conta que essa audiência especializada é formada por
elementos com capacidade de ampli cação dessas mensagens, será fácil veri -
car que este é um canal de formação de opinião com potência efectiva -e
certamente mais e caz do que o tradicional método dos despachos escritos
enviados a burocracias estáticas e inamovíveis.

oiodtoenSLd
3.4 papel formador de umpensamentointerdepartamentalcb coo
da defesa nacional

As indicações de ordem prática que se apresentam, decorrentes da inter-


pretação do desa o estratégico nacional, das mudanças ocorridas nas sociedades
modernas e das suas condições de governabilidade são susceptíveis de aplicação
em diferentes bases políticas, institucionais e organizativas. Todavia, uma das
bases políticas e institucionais que oferecem melhores condições para a dina-
mização deste processo é a defesa nacional entendida na sua acepção ampla,
exactamente porque nela se veri ca a con uência de todos os factores da mo-
dernidade. Mas pelo menos tão importante como esta primeira característica
será o facto de a polfítica de defesa constituir a área política em que é menor
a concentração de expectativas sociais imediatas e onde, por isso mesmo, será

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maior a oportunidade de re exão, sem o que o pensamento estratégico não
terá nem profundidade nem continuidade. O que a política de defesa oferece,
se as suas potencialidades forem sistematicamente exploradas, é a oportunidade
dc uma função de racionalização não-ideológica e que constitui, nas condições
contemporâneas, a hipótese mais consistente de estruturar uma função de
orientação. lci
No quadro de uma hipótese tão ambiciosa a dúvida imediata que ele sus.
cita é a de determinar até que ponto se está perante uma utopia. O desejo de
racionalização e de uma ordem orientadora dos movimentos sociais é um desejo
natural, sobretudo em períodos de crise. Mas entre o desejo e a sua satisfação
há o espaço real da complexidade política, dos atritos institucionais, dos hábitos
adquiridos, dos vestígios que permanecem vindos de outros períodos e que,
embora já não tenham a e cácia do passado, ainda não foram substituídos. Este
efeito de atrito é especialmente nítido em sociedades com poucos recursos mas
que, não obstante estas limitações, atravessam uma fase de rápida modernização.
A superfície, há novos comportamentos e, sobretudo, novas expectativas ou
novos modos de formar as expectativas (não apenas de consumo mas também
de modos de racionalização de atitudes e de acções). Em níveis mais profun-
dos, porém, continua a haver carências importantes em estruturas de suporte,
em funções de rotina e de continuidade, que para serem e cazes precisam de
acumulação de informação e que não podem ser improvisadas nem compensa-
das por esforços individuais. No caso da sociedade portuguesa, é visível que
o desa o da modernização é muito mais difícil porque as carências organizati-
vas e as indeterminações de racionalização são vulnerabilidades que mais cedo
ou mais tarde porão em causa a consistência dos progressos realizados. E, nal-
mente, não se pode esquecer que um processo de modernizaçāo de uma socie-
dade é um processo aberto, que se realiza no presente e se orienta para o
futuro num horizonte de incerteza essencial. A modernização não é uma cópia
de outros processos de modernização, pela śbvia razão de que esses outros pro-
cessos de modernização se passaram noutros tempos históticos, perante outras
condições e circunstâncias.
Gerir umn processo social com esta amplitude não pode ser uma função
sustentada por uma única áed política, pois todas as áreas políticas são neces-
sárias. Neste sentido, a óptica da política de defesa não tem potência su ciente
para se candidatar à função de produção de um programa de modernização.
Não é, portanto, uma área com uma vOcação exclusivista. Mas o que a óptica
da política de defesa nacional pode realizar em melhores condições do que
qualquer outra área política, neste contexto de um desa o de modernização e
nas circunstâncias actuais, é a função de racionalização e de coordenação den-
tro de uma perspectiva de pensamento estratégico e de regulação, isto, satis-
fazendo as condições de complexidade e de con itualidade justamente duas
característicasda modernidade.bni sal c

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A política de defesa nacional não é, pois, a matriz de uma nova utopia,
para onde se procurasse transferir, a função que antes fora desempenhada pelas
orientações ideológicas. É apenas um contributo para a condução política geral,
mas um contributo especialmente importante nas actuais circunstâncias porque
a concepção de defesa já não tem como componente principal a quetsão da
guerra (tem mesmo de se ajustar a estados de não-guerra) mas continua a ser
aquela concepção política que melhor pode compreender a dinâmica da con i-
tualidade (na sua lógica paradoxal e no pensamento estratégico) e a que tem
melhores condições para uma avaliação re exiva das questões da complexidade
e da articulação de diversas áreas políticas na realização dos objectivos nacio-
nais. Em lugar de ser a base de uma nova utopia (que se poderia designar por
4s0ciedade aberta auto-regulada» ), a concepção da política de defesa nacional
produz um quadro instrumental útil como auxílio à decisão política superior,
oferecendo a oportunidade de constituir um referencial de avaliação, ou uma
mera check list, das diversas políticas que assim seriam analisadas globalmente
em função dos seus cruzamentos, interdependèncias e sobreposições de recur-
sos e no tempo. E, em suma, um auxiliar poderoso para o exercício do poder.
É, além disso, o tipo de referencial de decisão política que pode ser social-
mente difundido com relativa facilidade (desde que se proceda a um esforço
persistente nesse sentido, designadamente ao nível do discurso político e da
apresentação de polfíticas). A difusão social destes critérios é necessária: a
defesa nacional é uma atitude colectiva, é um hábito de interpretação da socie-
dade nas suas relações com outras sociedades. Mas se essa atitude colectiva é
essencial para o êxito da política de defesa nacional, deve também notar-se
que ela se apresenta como uma das poucas oportunidades de ligação efectiva
entre a sociedade e a política, o que signi ca que é um contributo especí co
para a resolução da crise de sintonia entre a política e a sociedade, para a
estabilidade do poder político, na medida em que através da óptica da defesa
( tecnológica, económica, cultural, militar, de racionalização dos recursos nacio-
nais, de interpretação das ameaçase das vulnerabilidades, de clari cação das
oportunidades) é mais fácil a compreensão social dos constrangimentos da deci-
são política e dos seus objectivos no médio e no longo prazo.
São, pois, de duas ordens as potencialidades racionalizadoras implícitas na
política de defesa nacional: a produção de um pensamento estratégico (essen-
cial no sistema de con itualidade a que estão sujeitas as sociedades abertas e
interdependentes) e de um pensamento coordenador (essencial no sistema de
complexidade das sociedades modernas) com capacidade e condições de pen-
samento re exivo (nāão dependente das circunstâncias conjunturais da concor-
rência interna entre agentes políticos); e o estabeelcimento de um código de
comunicação simples entre os decisores políticos e a sociedade, contribuindo
para responder, nas melhores condições possíveis, à crise de sintonia entre a
sociedade e a política (que se tem agravado nas sociedades modernas, onde

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a desagregação dos grandes modelos ideológicos é acompanhado por formas de
individualismo, de neo-corporativismo e de burocratização que escapam a qual-
quer racionalização social global ).
En m, não se pode esquecer que a nalidade última da viabilização da
entidade nacional é comum à concepção de defesa nacionale à política geral
global. Esta nalidade última da viabilização é o mais potente racionalizador
social na ausência de fórmulas ideológicas estáveis, de visões-do-mundo nacio-
nalmente partilhadas. É, pois, um racionalizador prático, ajustável a diferentes
circunstâncias - porventura o únicoreferenciale caz em tempos de crise,jus-
tamente porque são tempos de acentuadas e rápidas variações de circunstâncias.

3.5 O suporte institucional

Não há um e um só quadro institucional compatível com as sugestões


apresentadas. Aliás, ainda que útil, o quadro institucional, sobretudo se for
rígido e burocratizado, com excessivas hierarquizações e demasiadas garantias
de carreiras pro ssionais (factores contrários à criatividade e ao exercício da
análise crítica e re exiva), poderá ser mais prejudicial do que estimulante.
Contudo, há alguns parâmetros de construção institucional que podem desde
já ser indicados.

(a). Decisão do Chefe do Executivo

Qualquer que seja o tipo de quadro institucional a criar, essa é uma


decisão que pertence ao Chefe do Executivo na medida em que a função da
óptica da defesa nacional é a preparação e a avaliação de decisões nas suas
condições de complexidade, de con itualidade e de coordenação para utilização
do decisor político legítimo. Neste sentido, é este decisor especí co quem deve
determinar a amplitude e a composição do quadro institucional dedicado ao
desenvolvimento da óptica da defesa nacional nesta perspectiva alargada.
Poderá considerar-se que esta dependência do Chefe do Executivo intro-
duz uma excessiva margem de instabilidade e arbitrariedade nestas entidades
institucionais, que estariam demasiado dependentes das circunstâncias políticas.
Mas deve-se também ter em conta a delicadeza desta função numa sociedade
democrática: se esta função se viesse a transformar muma fonte própria de
poder político (como poderia acontecer se estivesse independente das circuns-
tâncias políticas e com uma garantia de permanência e de autonomia que fose
superior às variações da vontade democrática e à legitimidade do poder polí.
tico) estaria a evoluir para a introdução de uma nova forma de poder político
não prevista nos equilíbrios de poder democrático, distorcendo o fundamento
da legitimidade democrática e prejudicando a c ciência da função. Assim, a

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subordinação ao poder democrático, garantida através da possibilidade de subs-
tituição de pessoas e de instituições em consonância com a vontade do Chefe
do Executivo, parece ser a solução mais adequada até para evitar a tentação
de desvios nas suas nalidades.
Por outro lado, a óptica da defesa nacional não está circunscrita às enti-
dades o ciais. O seu êxito e a sua vitalidade estão relacionados com a possi-
bilidade de constituição de centros de racionalização com o mesmo tipo de
perspectiva em toda a sociedade de modo a estabelecer uma rede de estruturas
intermédias com capacidade de análise, de produção de alternativas e de for-
mação da opinião pública. Deverão ser desenvolvimentos e iniciativas estimula-
dos e apoiados, que naturalmente não estarão subordinados ao mesmo tipo de
dependência do poder democrático que se prevê para os órgãos o ciais.
Finalmente, há ainda importantes progressos a obter com a actualização
das instituições e otganizações que tradicionalmente se dedicam à análise das
questões de defesa nacional. O facto de a generalidade estar integrada na ins-
tituição militar não é surpreendente tendo em conta o peso da dimensão mili-
tar nas concepções tradicionais de defesa e o papel que essas concepções tradi.
cionais tiveram nas circunstâncias do passado recente na sociedade portuguesa.
Porém, é indispensável a sua actualização, porque as circunstâncias se alteraram
profundamente e porque é importante desenvolver e aproveitar uma capacidade
espec ca, uma competência, da formação militar que é vital na problemática
da modernidade (o domínio conceptual da lógica do con ito e das particula-
ridades do pensamento estratégico) e que é susceptível de utilização produtiva
em todas as entidades dedicadas à elaboração da concepção de defesa nacional.
Esta será mesmo uma via de modernização da função militar em Portugal,
ajustando-a às novas realidades tanto no plano da estratégia nacional como no
plano da integração da sociedade portuguesa no continente europeu.
Estes três níveis de suporte institucional da concepção da defesa nacional
(novas entidades o ciais, entidades privadas actuando como centros de racio-
nalização e dotadas da perspectiva de defesa, actualização das entidades que
tradicionalmente se dedicam aos problemas de defesa nacional) constituiriam
uma rede de modernização que, pelo seu efeito de ampli cação, produziriam
um importante choque de reformas no sistema de decisão política e no sistema
de administração pública em Portugal porventura um choque mais potente
do que qualquer reforma administrativa global e formal.

(b). Articulação de instituições e de serviços especializados

A arquitectura institucional e organizativa nas matérias de defesa nacio-


nal não precisa de ser concebida de acordo com os princípios da linearidade,
da economia e da não-sobreposição. Pelo contrário, a redundância é um factor
útil para o poder e caz porque é a base da prudência. Estas opções adminis-

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trativas baseadas na exploração da redundância são mais simples nas socieda-
des com mais recutrsos, mas não é cortecto pensar-se que as outras sociedades
não podem utilizar os benefcios da redundância, das sobreposições, desde que
optem por instituições e serviços mais pequenos, investindo mais em meios
técnicos e em e ciência dos recursos humanos aplicados do que em quantidade
de recursos humanos e em grelhas funcionais muito pesadas.
A sobreposição de funções globais (como são as que se integram na área
política da defesa nacional) é uma condição necessária para a análise crítica
e re exiva. Se, para satisfazer razões de economia, as instituições e serviços
são reduzidos ao mínimo ou são dispersos como colaboradores permanentes
(e marginais) de outras instituições e serviços, as suas potencialidades não
serão concretizadas e todo o investimento que se zer será perdido. Inversa-
mente, a criação de macro-estruturas com divisões funcionais detalhadas cria
expectativas de produção que provavelmente não serão satisfeitas nas primeiras
fases (é uma área política em que a acumulação de informação e os hábitos
de análise têm um papel essencial para a qualidade dos seus produtos ), com
consequência de se induzir uma perda de prestígio com consequências de
longo prazo e que, de certo modo,estavamimplícitas noexcessode ambi-
ções e de custos iniciais. A escolha da posição média não é, neste caso, uma
mera opção de prudência: é a solução que parece ser aqui adequada e que
permite um desenvolvimento gradual através de melhorias progressivas de qua-
lidadedosserviçosprestados.il Jonoe csiroel o) bali
Por outro lado, é também através da sobreposição de instituições e de
serviços especializados que se pode estabelecer a avaliação da qualidade dos
produtos obtidos. Em instituições e serviços protegidos pelo exclusivismo e
pela reserva de competências não é possível estabelecer uma avaliação compa-
rativa nem é possível bene ciar da existência de propostas alternativas. E num
caso como o da sociedade portuguesa, sujeita a pressões de modernização mas
também caracterizada pelos privilégios associados à função pública e aos cor-
porativismos de competências exclusivas, o que se perde com a sobreposição
de funções é mais do que compensado com a possibilidade (e a ameaça) de
estabelecer avaliações comparativas entre os produtos de diversas instituições
e serviços especializados, com a opção adicional de extinguir os menos e cien-
tes para desenvolver a formação de outros que possam competir com os que
forem mais e cientes.
Um problema conexo que se coloca na composição destas entidades é o
da formação dos seus elementos. A solução mais prática -ea que será mais
e ciente a prazo parece ser a de estabelecer essa composição numa fórmula
mista, numa parte por convite a personalidades consideradas competentes e
noutra parte por voluntariado vocacional, fazendo-se a formação nos próprios
serviços (o que deveria ser entendido como uma responsabilidade especí ca
e permanente dos elementos dirigentes) complementada com reciclagens de

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curta duração numa instituição cspecializada em formação nestas matérias. Em
qualquer caso, parece ser recomendável que nestas entidades, quando integra-
das na estrutura do Estado, não sejam estabelecidos vínculos de nitivos com
os quadros técnicos superiores: a modalidade dos contratos renováveis é a
condição de base para que a avaliação das actividades possa ter consequências
práticas e para que a necessidade de criatividade não desapareça na comodidade
burocrática -o que seria fatal numa área de competência que está em perma-
nente mutação e tendo de concorrer com entidades de outras sociedades que
estão em permanente renovação.

(c). Análises de coordenação ex ante e ex post

Um dos produtos adicionais destas instituições e serviços especializados


em matérias de defesa nacional é o estudo das condições de coordenação de
várias polfticas sectoriais ou departamentais acompanhando depois a sua exe-
cução nas situações concretas e avaliando as suas consequências.
Já se referiu atrás em que medida é importante a dimensão da coordena-
ção na decisão política nas sociedades modernas. Mas não foi então indicada
a importância da revisão dos efeitos das políticas e até do grau de efectividade
da sua execução. Este segundo aspecto apresenta-se como crucial no caso da
sociedade portuguesa, onde muitas decisões políticas geram efeitos perversos
inesperadose onde há uma longa série de decisões políticas que não se tradu-
ziram em efeitos práticos enquanto que outras, pelos seus efeitos eleitorais,
são mantidas ou reforçadas sem que se tenha em conta as suas consequências
a médio e longo prazo. Não se trata de fazer a avaliação das execuções orça-
mentais (embora também aqui muito haja a fazer dentro de um programa de
reforma administrativa) mas sim de fazer a avaliação das consequências em
termos de harmonia política das decisões. Apesar da frequência destes fenó-
menos (e que aplica tanto ao que tếm de negativo como ao que têm de posi-
tivo) não há nenhumaentidade que sistematizeestasobservações- trabalho
que é deixado aos eleitores, já que também a Assembleia da República, apesar
do seu poder scalizador, não se dedica a esta avaliação.
Será este, mesmo quando entendido como um produto adicional, um papel
que se integre na concepção de política de defesa nacional? Na medida em que
a sua acepção alargada contém a função de coordenação dentro dos seus atri-
butos, parece clato que sim. Mas ainda que enventuais argumentos baseados
na pureza dos conceitos levassem a uma conclusão oposta, haveria que ter em
conta a utilidade desta função de avaliação e de coordenação ex post. O objec-
tivo último da defesa nacional é a viabilidade da sociedade como entidade
nacional. Mas dessa nalidade faz parte, necessariamente, a satisfação das con-
dições de governabilidade. E é natural que o decisor político, ao deliberar
sobre novos quadros institucionais, tenha em conta prioritariamente o seu con-

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tributo imediato potencial para a resolução dos problemas de governabilida.
com que se confronta. Para além da pureza dos conceitos, elaborados em di.
cunstâncias e para contextos diferentes, há que ter em conta asnecessidade:
do presente e do futuro.

(d). Produios para consumo do Conselho de Ministros, doConselho


Superior da Defesa Nacional e de comissões especializadas da
Assembleia da Repáblica

Os destinatários principais dos produtos elaborados pelas entidadesespe.


cializadas na óptica da defesa nacional são os decisores políticos legítimos.
actuando aquelas entidades essencialmente na perspectiva de preparação da
decisão. Neste sentido, têm uma função de staff, accionável em termosdas
necessidades dos decisores superiores.
Contudo, o seu papel não se limita à criação das melhores condiçõesde
funcionamento dos órgãos onde se localizam os decisores políticos legítimos.
Há um outro produto que se destina a todos os centros de racionalizaçãoexis.
tentes na sociedade e, em última análise, à sociedade no seu conjunto. Este
papel informativo e formativo generalizado tem uma importância indiscutivel
numa sociedade de comunicação, onde a possibilidade de transmissão deconhe.
cimentos especializados de modo rápido e impressivo aparece como umacon-
dição de mobilização social, de organização e ciente de recursos, deformação
política, de condição de participação política e, portanto, degovernabilidade.
Em termos práticos, este é um produto secundário desde que tenha sidotet
lizado o produto primário que se destina à preparação da decisão dosrespon-
sáveis políticos. Mas é óbvio que não haverá o produto secundário se não
forem criadas as condições institucionais e organizativas indispensáveis àobten-
ção do produto primário. E a verdade é que só este produto secundáriojá
justi caria os investimentos necessários.

(e). Necessidade de outros suportes institucionais equivalentes para


outras funções de coordenação

A política de defesa nacional não é o único caso em que se coloca a posi:


bilidade de coordenação de políticas na sociedade moderna. Por isso, oesquema
institucional cujos prinípios genéricos foram aqui apresentados ésuscepivel
de aplicação em outras áreas políticas que tenham uma vocaçãocoordenadora,
criando-se então a possibilidade de estabelecer a interrelação dessasestruturas
intermédias de tipo institucional (eventualmente articuladas também comou-
tras estruturas intermédias sociais) que permitem uma melhor decisãopolítica
e que facilitam uma melhor ligação entre a política e a sociedade. Adimensáo
da coordenação não é, só por si, a resposta a todos os problemas polticos;

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mas é a fotma mais elaborada de exercício da política, só possível se existir
o quadro institucional que possibilite a sua realização continuada. Não é o tipo
de questões que se resolva de modo improvisado ou com esforços individuais.
Mas, quetr se queira quer não, é este o tipo de questões que se coloca num
processo de modernização como aquele que caracteriza a sociedade portuguesa
no presente: essa modernização não se consolidará se não existirem respostas
e cazes para estas questões.

3.6 Estado, sociedade politica, nodernização

O processo de modernização da sociedade portuguesa não é um processo


politicamente controlado. As situações sucedem-se numa relação de necessidade
prática antes mesmo de terem atingido a maturação nos programas políticos.
Em si mesmo, não é um factor negativo: muitas dinâmicas sociais seguem este
percurso de necessidade prática e enquanto o percutso é positivo não haverá
que lamentar os caminhos que a evolução segue. Porém, este factor será um
factor de fracasso se não for reconhecido como aquilo gue é (o sinal de inca-
pacidade de as instituições e agentes políticos anteciparem as dinâmicas das
circunstâncias e da sociedade) e se não for gradualmente neutralizado. Os
processos politicamente descontrolados não se podem manter nesse estado inde-
nidamente e, por maioria de razão, quando o processo de modernização se
estabelece num contexto de internacionalização, de rompimento das barreiras
proteccionistas e das defesas nacionalistas.
O papel predominante do Estado era possível no quadro de uma socie-
dade tradicional, fechada, de con itualidade interna. Mas não há condições
para manter esse predomínio estatal numa sociedade moderna, aberta, confron-
tada com a con itualidade externa. Por isso, uma das incógnitas básicas que
se colocam no processo de modernização da sociedade portuguesa reside justa-
mente na dúvida quanto ao modo concreto como se vai proceder a esta revisão
do papel predominante do Estado. Se a manutenção da situação actual não é
possível, a sua inversão pura e simples também não é: não há na sociedade
entidades organizadas e com dimensão su ciente para quem pudessem ser
transferidas algumas funções actuais do Estado. Ễ um problema essencial para
o qual não há uma resposta cómoda, simples e rápida.
A resposta possível, gradual, demorada, mas e caz, está na construção
institucional de novas entidades preparadas para a articulação com a sociedade,
delibetadamente orientadas para a formação de entidades mistas e privadas que
possam vir a substituir o actual exclusivismo das entidades públicas estatais
nestas matérias. É esta, aliás, a parte mais signi cativa do papel actual do
Estado como força modernizadora: estimulare promover o que não é o Estado,
não parą o substituir num processo mecânico (e impossível) de devolução de

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funções mas sim para criar uma nova rede de estruturas intermédias comcCaba.
cidade racionalizadora. Nas sociedades modernas, confrontadas com a complexi.
dade e com a con itualidade imposta pelos factores externos, a diminuição do
papel predominante do Estado não se poderá fazer sem um reforço da dimen.
são de coordenação e da produção de políticas de regulaçāo. Neste sentido, se
a correcção gradual do papel do Estado é um contributo essencial para o desen.
volvimento das instituições e organizações da sociedade política, o êxito da
modernização continuará dependente da qualidade da coordenação e da regu.
lação, isto é, da qualidade das novas entidades.
O facto de ser esta também a conclusão global a que chega a perspectiva
da defesa nacional (ninguém pensaria estruturar a defesa de uma sociedade
moderna apenas nas estruturas e nos funcionários do Estado) não é uma mera
coincidência, é o resultado de uma correspondência estreita entre modernízą.
ção e defesa nacional: o tipo de problemas e de respostas é idêntico.

3.7 O espaço estratégico de Portugal

A correspondência referida no ponto anterior entre modernização edefesa


nacional tem uma outra consequência que não é menos importante: a questão
mais importante da defesa nacional contemporânea é a questão da modeniza-
ção porque ela constitui o valor estratégico mais signi cativo no contexto da
internacionalização, isto é, numa dinâmica que introduz a sociedade portuguesa
em relações con ituais que são novas, tanto para os cidadãos como para as
organizações da sociedade e para as estruturas institucionais ou para os deci-
sores políticos.
Écerto que o nível super cial desta modernização aparece sob uma forma
cooperante que pode mesmo revestir aspectos de solidariedade europeia. Mas
seria ilusão colectiva e inconsciência política não compreender que sob esse
nível super cial há uma corrente de con itualidade, aquela que deriva da
concorrência de qualidade, da concorrência de produtividade dos factores, da
concorrência de recursos, da concorrência de organizações, da concorrência de
capacidades de coordenação política.
São contextos relacionais a que a sociedade portuguesa, no seu conjunto,
nunca esteve exposta. São situações tão radicalmente novas que é provável que,
por comodidade ou por incapacidade de re exão estratégica, se mantenham
ocultas no debate político e ignoradas nos comportamentos sociais.
Enfrentar estas situações radicalmente novas sem uma óptica de defesa
nacionalé importante.

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CONCLUSĀO

Interdepartamentalidade e coordenação

A possibilidade de se considerar que a política de defesa nacional é enten-


dida em Portugal como uma política pública interdepartamental não encontra
ainda nem suporte legislativo nem con rmação institucional ou prática.
Esta veri cação nāo implica necessariamente que os decisores políticos
rejeitem, nas suas decisões, as condições de interdepartamentalidade nos temas
de defesa nacional. Porém, essa eventual preocupação dos decisores não será
su ciente para resolver questões desta complexidade se não houver outro tipo
de meios que permitam concretizar regularmente esse tipo de exigências. É in-
dispensável, ao analisar estes problemas, atender às limitações concretas a que
está sujeito o decisor político individual nas sociedades modernas: «para o
chefe de Estado nas condições modernas há um factor limitativo que é consti-
tuído pela existência de demasiados assuntos e problemas em demasiadas áreas
de governo para que possa ter uma compreensão profunda de todos eles, tendo
demasiado pouco tempo para re ectir entre audiências de quinze minutos e
resumos de análises em trinta páginas. Fica aberta a oportunidade para o que
se pode designar por estupidez protectora. Entreanto, a burocracia, repetindo
cautelosamente hoje o que já zera ontem, continua inelutavelmente como um
grande computador que, depois de cometer um erro, o reptoduz sempre. Acima
de tudo, a ambição pelos lugares, designada nos Estados Unidos como a febre
do Potomac', limita uma nelhor e cácia do governo. O burocrata sonha com
a promoção, os funcionários superiores procuram ampliar os seus pderes, os
deputados e o chefe de Estado querem assegurar a re-eleição; e o princípio
orientador que permite realizar estes objectivos consiste em agradar ao maior
número possível e em desagradar a tão poucos quanto possível. Um governo

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comandado pela inteligência exigiria que aqueles que ocupam as funções mais
clevadas formulassem e executassem as políticas em função de uma avaliacžo
cuidada do que será o inconveniente menor. Mas o problema da re-eleiçãoestá
permanentemente nos seus espíritos e esse passa a ser o critério decisivo»
(Tuchman, 1984).
A hipótese de se deixar à capacidade individual de um decisor político,
por excepcional que seja, a responsabilidade de realizar a compatibilização das
políticas públicas não conduz a resultados satisfatórios – e inda que opudesse
fazer num período limitado, nada pode assegurar que mantivesse essae cácia
no futuro. O decisor político pode reconhecer a necessidade da interdeparta-
mentalidade, mas esse reconhecimento não é, só por si, condição para a sua
concretização. Estes são os limites reais da decisãơ política nas sociedades con-
temporâneas que, como se vê, pouco têm a ver com os equilíbrios ou as con-
centrações de poderes. Antes do mais, estes limites da decisão política referem-
-se a questões de organização, de articulação de instituições, de complexidade
c de govetnabilidade.
Todas asindicaçõesdisponíveis - a teotia das políticas públicas,aanálise
especí ca dos problemas de defesa nacional e as experiências de outros países
mostram que a realização dos objectivos de defesa nacional exige a interde-
partamentalidade. Mas isso, por sua vez, exige um enquadramento institucional
para que essa interdepartamentalidade seja uma realidade efectiva e não apenas
uma intenção sem conteúdo. Não há possibilidade de substituir esseenquadra-
mento institucional, fosse pela capacidade individual de um decisor, fosse por
um atranjo tácito de cooperação «voluntária» entre instituições. No primeiro
caso, a capacidade de atenção permanente é limitada e a intromissão periódica
de motivações eleitorais distorce as decisões. No segundo caso, a eventualidade
de um con ito de prioridades entre ministérios torna demasiado frágeis os
arranjos tácitos.
No caso português, a limitação do âmbito do Ministério da Defesa à com-
ponente militar da defesa parece impedir que seja este ministério o centro de
orientação da interdepartamentalidade necessária para a realização consistente
e continuada dos objectivos de defesa. É certo que nos casos em que o Minis-
tro da Defesa é também vice-Primeiro Ministro se abre uma possibilidade de
coordenação interdepartamentalmas, uma vez mais, isso ca dependente da
capacidade de uma personalidade (e dos equilíbrios de relações pessoais que
conseguir estabelecer com o Primeiro Ministro e com os diversos ministros)
e não de uma estrutura permanente de coordenação ou de relações rotinadas
entre departamentos. Resta, assim, a hipótese de a interdepartamentalidade
exigida por uma política de defesa consistente ser conseguida através do pró-
prio chefe do Executivo, através do Primeiro Ministro (no caso português
actual), seja em termos de uma organização ad boc de relações entre serviços
ministeriais, seja através da formação de grupos de especialistas que, vocacio-

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nados para a análie dos problemas de defesa nas suas múltiplas vertentes, acon-
selhem a decisão política, avaliem os seus resultados e sugiram modos de com-
patibilização das decisões ministeriais (o que constituiria um serviço prestado
ao Primeiro Ministro, única entidade com legitimidade e com justi cação ins-
titucional para decidir de nitivamente neste contexto). A opção por qualquer
destas vias é uma decisão que pertence ao chefe do Executivo e dependerá do
seu modo de conceber o processo de decisão. Na primeira hipótese, a estrutura
de base é oferecida pelo quadro institucional existente, podendo gradualmente
conduzir à formação de estruturas horizontais comuns a vátios ministérios,
ainda que com o inconveniente de criar algumas di culdades de gestão (mas
que sempre serão menores do que as di culdades de gestão da decisão política
que decorrem da falta de uma política de defesa consistente e da falta de coor-
denação interdepartamental dos vectores de defesa). No segundo caso, a acção
de um grupo de especialistas não interfere imediatamente na acção dos minis-
térios, mas aumenta a complexidade das decisões do chefe do Executivo que
tem de decidir em última instância, embora com a vantagem de só ele dispor
de toda a informação relevante se a quiser e puder utilizar.
A Esta questão da interdepartamentalidade (que não está resolvida no caso
português) é anterior a, e portanto não deve ser confundida com, a hipótese
de a política de defesa ser escolhida parao exercício da função de coordenação,
total ou parcial, das políticas públicas. Não é impossível ultrapassar a fase da
interdepartamentalidade e avançar directamente para a função coordenadora,
realizando por aí as condições desejadas da interdepartamentalidade. É isso,
aliás, o que acontece em situações de emergência. Contudo, os riscos de uma
evolução rápida deste tipo são naturalmente maiores, cando dependente o
seu êxito da qualidade e da continuidade dos agentes envolvidos, sem que se
possa dispor da segurança de estruturas organizativas no exercício de funções
derotina. ta o ab
A utilidade de uma função de coordenação (ou mais do que uma) das
políticas públicas nas sociedades modernas não está em causa. Mas a política
de defesa é apenas uma das candidatas a esta função e nem sequer é a mais
tradicional (com a excepção do caso japonês, onde essa relação é estrutural à
noção de nacionalidade, mesmo no caso das grandes potências a importância
das questões de defesa é mais um produto de questões derivadas de outras
áreas políticas do que uma verdadeira base de coordenação, e só a importância
posterior dessas decisões veio a sublinhar o seu peso no sistema das políticas
públicas). A política orçamental é mais frequentemente usada nesta função de
coordenação impondo a selecção de prioridades através dos condicionalismos
nanceiros. Nas sociedades desenvolvidas, este já não é um modo satisfatório
de coordenação e tem comno consequências habituais uma tensão excessiva entre
departamentos e que, nalmente, se exerce sobre o Ministério das Finanças
(diffcultando o exercício das suas funções próoprias de concepção, formulação

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e execução das políticas monetátia e scal), o que se conjuga com uma ten.
dência regular para o recurso ao endividamento (modo de facilitar as opoões
de coordenação através da dimensão nanceira transferindo os seus encargos
para o futuro). No período áureo do crescimento económico que se seguiu à
Segunda Guerra Mundial, a generalidade dos países europeus localizou a fun.
ção de coordenação nas políticas de rendimento e de segurança social (welfare
state). Este período caracterizado pelas excepcionais possibilidades de distri.
buição terminou com a primeira crise do petróleo, que obriga a re-equacionar
as condições de viabilidade de cada sociedade e que veio ilustrar em que me-
dida as condições de defesa nacional transcendem as meras questões de ameaca
ou agtessão militares.
Não sendo impossível, não parece provável que a nova função de coorde.
nação ajustada aos problemas do presente e do futuro próximo seja realizada
pelos departamentos o ciais de plancamento. Em grande medida, detiveram
essa funçāo, em articulação como departamento nanceiro, no welfare state e
os resultados globais não foram satisfatórios em grande parte porque a sua
lógica de decisão ou de avaliação foi facilmente penetrada por questões ideo-
lógicas que, por sua vez, impediramo estabelecimento de critérios claros,está
veis e continuados. O elevado grau de autoritarismo e de imperatividade que
está associado à coordenação pelo planeamento não parece ser o método mais
e caz para actuar politicamente no guadro de incerteza que caracteriza as socie-
dades contempotâneas. E o tipo de simpli cação que o planeamento impõe
para que possa atingir resultados nítidos também não será o mais indicado
para regular a complexidade das sociedades contemporäneas, complexidade que
é interna e externa – sendo claro que os métodos de planeamento têmpoucas
possibilidades de interferir nas dinâmicas externas. Não se negando a utilidade
do planeamento (a complexidade será mais difícil de regular e controlar se
não existirem estes instrumentos de intervenção), não parece justi cado loca-
lizar aqui a função de coordenação de políticas públicas nas condições con-
temporâneas.
Perante o quadro de problemas existentes e perante as agendas políticas
que são mais frequentes nas sociedades democráticas pluralistas, a função de
coordenação e caz de políticas públicas deverá ser exível, multivalente, gera-
dora de fraca con itualidade e centrada nas condições de viabilidade da socie-
dade sendo este último ponto aquele que tem uma importância vital para
as condições de autonomia de uma sociedade, para o seu exercício da soberania
e para a sua garantia de independência nacional. Estas são razões su cientes
para admnitir que a política de defesa nacional pode ser candidata ao exercício
da função decoordenaçãodepolíticaspúblicas - designadamentenumpequeno
país que apresente clivagens políticas complexas, variáveis com as circunstân-
cias e com elevados graus de instabilidade ou de descontinuidade das orienta-
ções políticas dominantes.

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Crise de governabilidade

As di culdades observadas na função governativa moderna não são apenas


um produto da complexidade que caracterizam as sociedades contemporâneas.
Essas di culdades decorrem também da mudança e da transformação que ocor-
rem nestas sociedades, assim como do seu ritmo de evolução. A passagem de
modos de actuação baseados em concepções de sociedade fechada para as reali-
dades das sociedades abertas e interdependentes é um dos pontos onde mais
agrante se torna o contraste entre o passado tradicional e a novidade mo-
derna. A realidade das novas armas, com um potencial destrutivo tão elevado
que ele tem, até agora, evitado a sua utilização, é outro aspecto da novidade
radical em termos de comparações históricas, tendo como efeito paradoxal a
generalização da con itualidade para todos os níveis das relações entre as
nações substituindo a função decisiva do con ito militar, di cultando a
limpidez e a linearidade das estratégias nacionais e, desse modo, tornando ao
mesmo tempo mais difícil e mais necessário o processo de mobilização social
em torno dos objectivos nacionais. Por sua vez, a crise do welfare state é, só
por si, um factor su ciente da actual crise de governabilidade. Na sua fase
de expansão, criou expectativas que já não podem ser satisfeitas e instalou
estruturas institucionais que já não são e cazes, ainda que mesmo a insu -
ciente satisfação daquelas expectativas e o nanciamento dessas estruturas ins-
titucionais exijam dotações orçamentais muito signi cativas, alterando, porven-
tura de modo irreversível, os equilíbrios sociais conhecidos sem instalar novos
equilíbrios viáveis. O crescimento do Estado criou não só problemas de gestão
especí cos como poderá ter já atingido uma dinâmica em que a simples inér-
cia impede o processo inverso dedesestatização - mesmo quando éexpressa
e legitimada uma vontade política com esse objectivo.
Estas mudanças assumem uma importância ainda maior quando se relacio-
nam com as alterações veri cadas ao nível dos equilíbrios mundiais. O factor
dimensão das entidades nacionais dominantes tem como cnsequência a necessi-
dade de integração de entidades nacionais de menor dimensão, o que tem um
signi cado especial no contexto europeu. Mas a alteraçāo das posições relativas
das potências dominantes terá, por sua vez, um efeito de instabilidade que faz
prever para as próximas décadas uma alteração considerável no sistema de rela-
ções saído do pós-guerra. A tendência para a multipolarização, combinada com
a abertura das sociedades nacionais, anuncia uma época nova, criando novas
di culdades
paraagestão
política
tradicional. ntavog bi uon
A articulação destes vários problemas de mudança e de transformação
parece conduzir, na fase mais imediata, a duas necessidades complementares.
Por um lado, é necessáio assegurar no interior das entidades nacionais o tra-
balho produtivo dos factores para que seja possível actuar com condições de
êxito num quadro de concorrência aberto internacional. Por outro lado, é

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necessário assegurar uma política de solidariedade para que seja possível supor.
tar socialmente as consequências internas destes ajustamentos às condições de
concorrência e às imposições dos processos tecnológicos (no sentido produtivo
e no sentido dos canais e meios de acção nanceiros). Este parece ser, na
actualidade, o núcleo da problemática política. E nesse núcleo convergem os
vectores essenciais que constituem a problemática da defesa numa sociedade
contemporânca, no sentido de não haver condições e cazes de defesa nas
actuais circunstâncias sem que as dimensões da competitividade económica e
da
mobilização
social
estejam
garantidas. 3 i e
Daqui não se pode concluir que a crise de governabilidade esteja exclu-
sivamente dependente da resoluçāo satisfatória da problemática da defesa. Mas
já é justi cado considerar-se que uma concepção adequada de defesa é um
poderoso contributo para o controlo da crise de governabilidade e para a sua
posterior superação. Não havendo lugar à proposta de exclusivismos, há todas
as razões para propor a complementaridade, parecendo justi cado esperar-se
dessa complementaridade um aumento de criatividade -objectivo necessário
quando se veri ca a ine cácia crescente das soluções tradicionais e das rotinas
estabelecidas na decisão política. lu

Crise de referenciação
et istq ot
Éneste quadro que assume o seu sentido analítico a procura de um refe.
rencial teórico que explicite o conteúdo da interdepartamentalidade no caso
da política de defesa. A sua nalidade é a de estabelecer uma organização num
conjunto de vectores de políticas que se sabe estarem relacionados mas que
aparecem em termos institucionais e muitas vezes em termos da elaboração
das políticas concretas dispersos. Trata-se, assim, de procurar estabelecer
uma orden, um quadro de referenciação, uma actividade analítica que é pré-
viaà
elaboração
das
políticas
concretas.bviis hrltta l
É Certo que a elaboraçāo corrente de políticas está sujeita a algum tipo
de referencial, ainda que apenas implícito. Mas habitualmente esse tipo de refe-
rencial, designadamente quando é implícito, tende a basear-se em experincias
históricas, nas indicações fornecidas pelas relações tradicionais. Na medida em
que as circunstâncias contemporâneas aparecem sob as formas de mudança e
de transformação não terá que surpreender que, do mesmo modo que se diag-
nostica uma crise de governabilidade, se deva associar a esse diagnóstico a ideia
complementar de que também existe uma crise de referenciação.
Neste contexto de crise de referenciação inscreve-se a análise do sistema
de políticas, como componente teórica, mas também se inscreve aí a questão
institucional-administrativa que, em última análise, deverá traduzir em acções
práticas e em procedimentos permanentes as recomendações da teoria. oi

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Éesta, en m, a linha de desenvolvimento para que aponta este texto: a
um referencial analítico da interdepartamentalidade deverá corresponder um
referencial de construção institucional-administrativa. E se as relações apresen-
tadas estiverem correctas, passando com êxito o indispensável ltro dos críti-
cos, este será também um modo de contribuir para a superação da crise de
governabilidade.

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