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CARTA DO IBRE

Mercado de trabalho
do Nordeste teve perda
permanente na recessão
de 2014-16, mas não
na pandemia

Luiz Guilherme Schymura


Pesquisador do FGV IBRE e doutor em economia pela FGV EPGE

É fato bem conhecido que o mercado gumas hipóteses de trabalho, levan-


de trabalho do Nordeste apresenta, tadas pelos especialistas em trabalho
ao longo de décadas, características do think tank e por nossa equipe do
sistematicamente piores do que as do recém-criado Centro de Pesquisa
Brasil como um todo em termos de FGV IBRE Nordeste. Essas e outras
emprego, desemprego, participação, hipóteses para o fenômeno devem
informalidade, rendimentos, esco- ser objeto de uma agenda de pesqui-
laridade etc. Um achado novo, no sa do FGV IBRE e, particularmente,
entanto, da equipe de pesquisadores do novo FGV IBRE Nordeste.
do FGV IBRE voltada ao mercado Os dados das comparações a se-
de trabalho, é que a crise de 2015/16 guir dos mercados de trabalho nacio-
deixou perdas permanentes nos in- nal e nordestino provêm da Pesquisa
dicadores nordestinos que não ocor- Nacional por Amostra de Domicílios
reram no Brasil como um todo. Já a Contínua (PNADC), do IBGE.
crise econômica da pandemia, que Tomando-se o período 2012-22,
provocou piora inicial do mercado de a taxa de desemprego do Nordeste com queda profunda e posterior
trabalho muito maior tanto no Nor- sempre foi superior à do Brasil. Essa recuperação no período pandêmi-
deste como no Brasil, foi, ao contrá- diferença era de 1,9 ponto percentual co. Já a taxa de informalidade saiu,
rio de 2015/16, seguida de recupera- (p.p.) no primeiro trimestre de 2012 entre o quarto trimestre de 2015 – a
ção equivalente naquela região e no – 9,8% (NE) e 8,0% (Brasil) – e de partir do qual pode-se distinguir os
país como um todo. 3 p.p. no quarto trimestre de 2022 trabalhadores por conta própria com
As razões para as “cicatrizes” dei- (respectivamente, 10,9% e 7,9%). CNPJ (formais) dos sem CNPJ (in-
xadas pela crise de 2015/16 no mer- No mesmo intervalo de tempo, a formais) – e o quarto trimestre de
cado de trabalho nordestino ainda taxa de participação brasileira variou 2022, de 38,3% para 38,8% no Bra-
não foram investigadas pelos pesqui- de 62,3% para 62,1%, e a nordes- sil como um todo, e de 53,1% para
sadores do FGV IBRE. Mas há al- tina de 57,8% para 54,6%, ambas 51,4% no Nordeste.

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Em termos da evolução do ren- Fernando Veloso, pesquisador do até algum aumento da diferença en-
dimento médio real do trabalho no IBRE e participante do grupo com tre Brasil e Nordeste no período. Em
período 2012-22, no Brasil hou- foco em trabalho, nota que o mercado 2015, as proporções dos participan-
ve alta de 5,3% (de R$ 2.667 para de trabalho no Nordeste é pior tanto tes desse grupo educacional na PO
R$ 2.808), e, no Nordeste, de 3,5% em função da escolaridade média me- nordestina e brasileira com trabalho
(R$ 1.821 e R$ 1.885). O rendimen- nor da força de trabalho (em relação informal eram de, respectivamente,
to médio brasileiro era 46% maior ao Brasil como um todo) como por 13,8% e 13,5% (quase idênticas),
que o nordestino em 2012, margem características específicas dos postos tendo aumentado para 18,2% (Brasil)
que subiu para 49% em 2022. de trabalho oferecidos, que derivam e 19,6% (Nordeste) em 2022 – uma
Quando o foco é a escolaridade da da dinâmica econômica regional. piora em ambos os casos, portanto.
força de trabalho, no período de 2012- Assim, tanto a informalidade mé- Quando se passa à renda real mé-
22, o Nordeste permanece com uma dia é maior quanto a renda média é dia do trabalho, a diferença pró Brasil
proporção maior de pessoas na popu- menor para trabalhadores nordesti- como um todo, na comparação com
lação ocupada (PO) sem instrução ou nos na comparação com trabalhado- o Nordeste, era de 47% em 2012 e de
com fundamental incompleto do que 58% em 2022 no grupo sem instru-
o Brasil como um todo. No primeiro ção e com fundamental incompleto.
trimestre de 2012, esse contingente Já no grupo com superior completo,
correspondia a 43,6% dos ocupados Nordeste é pior tanto pela o diferencial, no mesmo período,
nordestinos e a 33,1% dos brasileiros, passou de 19% para 26% (nesta faixa
com diferença de 10,5 p.p. No quarto escolaridade média menor educacional, a renda caiu significati-
trimestre de 2022, essas parcelas eram vamente em 2012-22 tanto no Nor-
de, respectivamente, 27,8% e 20,8%, da força de trabalho deste como no Brasil).
com a diferença reduzida para 7 p.p. Tanto no caso da informalidade
Já os trabalhadores com superior com- (em relação ao Brasil) como no da renda real do trabalho,
pleto saíram de 9,5% para 17,5% da a vantagem do Brasil como um todo
PO do Nordeste de 2012 a 2022, e de como por características sobre o Nordeste se mantém também
14,1% para 22,8% no Brasil. A dife- nos níveis médios de escolaridade ao
rença entre a região e o país nesse úl- específicas de postos de longo de todos os períodos analisados
timo quesito era de 4,6 p.p. em 2012 (2012-22 para a renda, e 2015-22
e de 5,3 p.p. em 2022. Esses números, trabalho da região para a informalidade).
tanto nordestinos como brasileiros, Até aqui esta Carta detalhou o fe-
deixam claro o progressivo aumento nômeno bastante conhecido das piores
da escolaridade da PO nacional. condições do mercado de trabalho nor-
Nas faixas intermediárias de es- res brasileiros com os mesmos graus destino, comparadas às do país como
colaridade, que vão de fundamental de escolaridade. E essas diferenças se um todo. A seguir, apresentaremos os
completo a superior incompleto, as mantêm bastante regulares ao longo achados mais originais dos nossos pes-
proporções da PO eram maiores no do período 2012-22. quisadores, que são a grande diferença
Brasil do que no Nordeste em 2012 No grupo sem instrução e com comparativa entre o Nordeste e o Bra-
(embora com diferença menor do fundamental incompleto da PO nor- sil no enfrentamento e recuperação da
que as faixas extremas de escolarida- destina e brasileira no quarto trimes- crise econômica de 2015/16, com des-
de), mas se aproximaram bastante em tre de 2015, respectivamente 76,6% vantagem para a região nordestina; e a
2022. No caso de trabalhadores com e 62,1% trabalhavam na informali- forte similaridade da região e do país no
fundamental completo ou médio in- dade. No quarto trimestre de 2022, enfrentamento e recuperação da crise
completo, as parcelas da PO nordes- essas proporções passaram a, respec- econômica da pandemia.
tina e brasileira praticamente se igua- tivamente, 76,8% e 63,8%. Já no Em termos da evolução da PO, por
laram em 2022, em torno de 14%. grupo com superior completo, houve exemplo, no Brasil como um todo,

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saiu-se de 88,01 milhões no primeiro de 2017), a diferença negativa foi de 2022, a PO subiu 23,4% no Nordeste
trimestre de 2012 para 99,37 milhões apenas 1%, com recuperação quase e 19,1% no Brasil. A PO nordestina
no quarto trimestre de 2022, com total. No caso do Nordeste, a dife- no final de 2022 estava 3,4% acima
alta de 12,9% no período. Nota-se rença negativa na mesma compara- do imediato pré-pandemia (quarto
o impacto da recessão de 2014-16: ção foi de 6%. Às vésperas da pan- trimestre de 2019) e, no caso brasi-
a PO brasileira caiu de um máximo demia, no quarto trimestre de 2019, leiro, 4% acima. Em ambos os casos,
à época de 92,96 milhões no quarto a PO nordestina era de 21,74 mi- houve recuperação mais do que total
trimestre de 2014 para um mínimo lhões, ainda 4,2% abaixo do pico do das perdas associadas à Covid-19.
de 88,85 milhões no primeiro trimes- quarto trimestre de 2014. Já no caso Uma outra forma de verificar
tre de 2017, num recuo de 4,4%. No do Brasil, a PO às vésperas da pan- como o Nordeste foi pior do que o
quarto trimestre de 2017, no entan- demia estava 2,7% acima do pico do Brasil no ciclo da recessão de 2014-
to, já se estava de volta ao nível de quarto trimestre de 2014. Fica cla- 16 e posterior recuperação, e similar
92,23 milhões e, com algumas osci- ro, portanto, que, ao contrário do ao Brasil no ciclo da pandemia, é
lações, chegou-se a 95,51 milhões no que ocorreu com o Brasil como um olhar, primeiramente, para a varia-
quarto trimestre de 2019. Foi aí que ção média anual da PO nos períodos
sobreveio a pancada da pandemia, 2014-17 e 2017-19. No caso nor-
com a PO brasileira despencando até destino, houve queda anual média
83,44 milhões no terceiro trimestre Há grande diferença de 2,4% no primeiro período, se-
de 2020. Esse movimento foi seguido guida de alta anual média de 1,4%
pela “recuperação em V” que levou entre Nordeste e o Brasil no segundo, caracterizando-se forte
até o patamar já citado de 99,37 mi- perda. Já no Brasil, ocorreu queda
lhões ao fim de 2022. no enfrentamento e anual média de apenas 0,6% no pri-
A história da evolução da PO meiro período, seguida por avanço
nordestina no mesmo período é di- recuperação da recessão de de 2% no segundo, indicando clara
ferente, a começar pelos dois pontos superação no mercado de trabalho
extremos. Saiu-se de 21,54 milhões 2015/16 (pior no NE); e dos efeitos da recessão de 2014-16.
no primeiro trimestre de 2012 para Quando se passa à fase da pan-
22,48 milhões no último trimestre de forte semelhança da região e demia, a PO em 2020 caiu 7,7% e
2022, numa alta de apenas de 4,4%, 10,2%, respectivamente, no Nordes-
quase três vezes inferior à expansão da do país na pandemia te e no Brasil. No Nordeste, ela veio a
PO nacional no mesmo intervalo de subir 6% em 2021 e 7,9% em 2022.
tempo. O recuo da PO do Nordes- No Brasil, essas duas variações foram
te na recessão 2014-16 foi de 9,6% de, respectivamente, 5% e 7,4%.
(22,70 milhões no quarto trimestre todo, a recuperação da PO nordes- É importante notar que o aumen-
de 2014; 20,51 milhões no primei- tina após a recessão de 2014-16 foi to da PO de mais 10% no Brasil
ro trimestre de 2017) – mais que o lenta e incompleta. como um todo no período 2012-
dobro, portanto, do recuo da PO A queda e posterior reação da PO 22 não é nenhum feito espetacular,
brasileira no mesmo período. Já a re- nordestina à crise da pandemia, no levando-se em conta o crescimento
cuperação até o quarto trimestre de entanto, guarda muito mais paralelis- da população em idade de trabalhar
2017 foi pífia (ao contrário do que mo com os mesmos movimentos no (PIA) no mesmo período. O que
aconteceu no Brasil como um todo), Brasil como um todo. Entre o quarto chama a atenção é o pífio crescimen-
chegando-se a apenas 21,35 milhões. trimestre de 2019 e o pior momento to da PO nordestina de apenas 4%
No caso do Brasil, entre o vale da no terceiro trimestre de 2020, a que- no mesmo período, quando seria de
PO na recessão 2014-16 e o ponto da da PO foi de 12,6% no Brasil e de esperar um aumento mais compatí-
mais alto do primeiro arranque de 16,2% no Nordeste. E desse ponto vel com a expansão superior da PIA
recuperação (até o quarto trimestre mais baixo até o quarto trimestre de da região. A queda da taxa de par-

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ticipação nordestina no período, de programas sociais e à melhor gestão forma mais abrangente à população
3,2 p.p. (57,8% para 54,6%), ajuda hídrica, isso não quer dizer que a pobre (fora os programas direciona-
a explicar o fenômeno. economia regional – não só o setor dos aos idosos, como aposentadorias
Uma vez bem radiografada a for- agropecuário altamente empregador rural e urbana e BPC). As transferên-
ma pior – sempre na comparação no Nordeste, mas também a pró- cias do Bolsa Família são apenas uma
com o Brasil como um todo – como pria indústria local, muito ligada às pequena fração do que foi injetado
o mercado de trabalho do Nordeste atividades primárias, como no caso por família com o Auxílio Emergen-
foi afetado pela recessão de 2014-16, dos laticínios – não tenha sofrido. cial que, após 2020, sofreu interrup-
e a forma melhor como reagiu à cri- Manso acrescenta que uma seca ções, redução de valor e posterior-
se da pandemia, resta tentar explicar dessa magnitude e dessa duração mente novo aumento, já na forma
as razões para essa diferença. Os pes- desorganiza o sistema produtivo, o do Auxílio Brasil – mas, de qualquer
quisadores do IBRE e, em particular, que pode levar a efeitos muito dura- forma, mantendo-se sempre muito
do FGV IBRE Nordeste, ainda não douros sobre a dinâmica econômica acima do Bolsa Família em termos de
investigaram as causas com os instru- e o mercado de trabalho. volumes de transferência. Na pande-
mentos da pesquisa econômica. Mas mia, por causa do Auxílio Emergen-
algumas hipóteses iniciais, formula- cial, a pobreza caiu fortemente no
das apenas pela percepção dos pes- Brasil, o que pode ter beneficiado em
quisadores sobre a história recente do Pesquisadores do IBRE especial uma região particularmente
Nordeste, foram formuladas. pobre como o Nordeste.
Fernando Holanda Barbosa Filho, aventam hipóteses (ainda Todas essas hipóteses, como já men-
pesquisador do IBRE do núcleo de cionado, são apenas possibilidades,
mercado de trabalho, vê a possibilida- não investigadas) para complementares e não excludentes,
de de que a forte contração do papel ainda não pesquisadas para explicar a
do Estado na crise de 2015/16 tenha essas diferenças, como diferença da reação do mercado de tra-
sido particularmente prejudicial ao balho nordestino à crise de 2015/16
Nordeste. Houve na região uma onda seca na região, papel do e à crise da pandemia. Essa é uma
de investimentos, não necessariamen- agenda de trabalho – incluindo, cla-
te da melhor qualidade, oriundos de Estado e transferências ro, outras hipóteses que surjam – que
financiamentos públicos tanto fede- está na mira do FGV IBRE Nordeste.
rais quanto locais (quando não dire- de renda Talvez a compreensão das causas des-
tamente realizados pelo Estado), que sas diferentes reações do mercado de
subitamente foi abortada. Por essa hi- trabalho do Nordeste a distintas crises
pótese, a dinâmica econômica criada traga elementos para que políticas pú-
pela indução do Estado naquela épo- Flávio Ataliba, do FGV IBRE blicas possam atacar aquilo que de fato
ca não alterou a estrutura produtiva Nordeste, nota finalmente que, dife- precisa ser mudado no país: a antiga
subjacente, levando a excessos pouco rentemente da época da recessão de e estável desvantagem dos nordestinos
sustentáveis, cujo fim súbito deixou 2015/16, a economia nordestina na na vida laboral na sua região, relativa-
uma cicatriz permanente no mercado crise econômica da pandemia contou mente ao resto do Brasil.
de trabalho nordestino. com o enorme volume de recursos do
Já Carlos Alberto Manso, do Auxílio Emergencial (além do Pro-
FGV IBRE Nordeste, nota que o nampe para micro e pequenas em-
Nordeste sofreu uma seca de sete a presas), que fluiu em maior propor- O texto é resultado de reflexões apresentadas
em reunião por pesquisadores do IBRE. Dada a
oito anos, terminada em 2017, que ção justamente para uma região mais pluralidade de visões expostas, o documento
foi a pior dos últimos 100 anos. Se pobre e com mais informalidade. Na traduz minhas percepções sobre o tema. Dessa
feita, pode não representar a opinião de parte,
não houve uma catástrofe humani- crise de 2015/16, havia apenas o Bol- ou da maioria, dos que contribuíram para a
tária como no passado, devido aos sa Família como programa voltado de confecção deste artigo.

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