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Mercado de trabalho
do Nordeste teve perda
permanente na recessão
de 2014-16, mas não
na pandemia
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CARTA DO IBRE
Em termos da evolução do ren- Fernando Veloso, pesquisador do até algum aumento da diferença en-
dimento médio real do trabalho no IBRE e participante do grupo com tre Brasil e Nordeste no período. Em
período 2012-22, no Brasil hou- foco em trabalho, nota que o mercado 2015, as proporções dos participan-
ve alta de 5,3% (de R$ 2.667 para de trabalho no Nordeste é pior tanto tes desse grupo educacional na PO
R$ 2.808), e, no Nordeste, de 3,5% em função da escolaridade média me- nordestina e brasileira com trabalho
(R$ 1.821 e R$ 1.885). O rendimen- nor da força de trabalho (em relação informal eram de, respectivamente,
to médio brasileiro era 46% maior ao Brasil como um todo) como por 13,8% e 13,5% (quase idênticas),
que o nordestino em 2012, margem características específicas dos postos tendo aumentado para 18,2% (Brasil)
que subiu para 49% em 2022. de trabalho oferecidos, que derivam e 19,6% (Nordeste) em 2022 – uma
Quando o foco é a escolaridade da da dinâmica econômica regional. piora em ambos os casos, portanto.
força de trabalho, no período de 2012- Assim, tanto a informalidade mé- Quando se passa à renda real mé-
22, o Nordeste permanece com uma dia é maior quanto a renda média é dia do trabalho, a diferença pró Brasil
proporção maior de pessoas na popu- menor para trabalhadores nordesti- como um todo, na comparação com
lação ocupada (PO) sem instrução ou nos na comparação com trabalhado- o Nordeste, era de 47% em 2012 e de
com fundamental incompleto do que 58% em 2022 no grupo sem instru-
o Brasil como um todo. No primeiro ção e com fundamental incompleto.
trimestre de 2012, esse contingente Já no grupo com superior completo,
correspondia a 43,6% dos ocupados Nordeste é pior tanto pela o diferencial, no mesmo período,
nordestinos e a 33,1% dos brasileiros, passou de 19% para 26% (nesta faixa
com diferença de 10,5 p.p. No quarto escolaridade média menor educacional, a renda caiu significati-
trimestre de 2022, essas parcelas eram vamente em 2012-22 tanto no Nor-
de, respectivamente, 27,8% e 20,8%, da força de trabalho deste como no Brasil).
com a diferença reduzida para 7 p.p. Tanto no caso da informalidade
Já os trabalhadores com superior com- (em relação ao Brasil) como no da renda real do trabalho,
pleto saíram de 9,5% para 17,5% da a vantagem do Brasil como um todo
PO do Nordeste de 2012 a 2022, e de como por características sobre o Nordeste se mantém também
14,1% para 22,8% no Brasil. A dife- nos níveis médios de escolaridade ao
rença entre a região e o país nesse úl- específicas de postos de longo de todos os períodos analisados
timo quesito era de 4,6 p.p. em 2012 (2012-22 para a renda, e 2015-22
e de 5,3 p.p. em 2022. Esses números, trabalho da região para a informalidade).
tanto nordestinos como brasileiros, Até aqui esta Carta detalhou o fe-
deixam claro o progressivo aumento nômeno bastante conhecido das piores
da escolaridade da PO nacional. condições do mercado de trabalho nor-
Nas faixas intermediárias de es- res brasileiros com os mesmos graus destino, comparadas às do país como
colaridade, que vão de fundamental de escolaridade. E essas diferenças se um todo. A seguir, apresentaremos os
completo a superior incompleto, as mantêm bastante regulares ao longo achados mais originais dos nossos pes-
proporções da PO eram maiores no do período 2012-22. quisadores, que são a grande diferença
Brasil do que no Nordeste em 2012 No grupo sem instrução e com comparativa entre o Nordeste e o Bra-
(embora com diferença menor do fundamental incompleto da PO nor- sil no enfrentamento e recuperação da
que as faixas extremas de escolarida- destina e brasileira no quarto trimes- crise econômica de 2015/16, com des-
de), mas se aproximaram bastante em tre de 2015, respectivamente 76,6% vantagem para a região nordestina; e a
2022. No caso de trabalhadores com e 62,1% trabalhavam na informali- forte similaridade da região e do país no
fundamental completo ou médio in- dade. No quarto trimestre de 2022, enfrentamento e recuperação da crise
completo, as parcelas da PO nordes- essas proporções passaram a, respec- econômica da pandemia.
tina e brasileira praticamente se igua- tivamente, 76,8% e 63,8%. Já no Em termos da evolução da PO, por
laram em 2022, em torno de 14%. grupo com superior completo, houve exemplo, no Brasil como um todo,
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CARTA DO IBRE
saiu-se de 88,01 milhões no primeiro de 2017), a diferença negativa foi de 2022, a PO subiu 23,4% no Nordeste
trimestre de 2012 para 99,37 milhões apenas 1%, com recuperação quase e 19,1% no Brasil. A PO nordestina
no quarto trimestre de 2022, com total. No caso do Nordeste, a dife- no final de 2022 estava 3,4% acima
alta de 12,9% no período. Nota-se rença negativa na mesma compara- do imediato pré-pandemia (quarto
o impacto da recessão de 2014-16: ção foi de 6%. Às vésperas da pan- trimestre de 2019) e, no caso brasi-
a PO brasileira caiu de um máximo demia, no quarto trimestre de 2019, leiro, 4% acima. Em ambos os casos,
à época de 92,96 milhões no quarto a PO nordestina era de 21,74 mi- houve recuperação mais do que total
trimestre de 2014 para um mínimo lhões, ainda 4,2% abaixo do pico do das perdas associadas à Covid-19.
de 88,85 milhões no primeiro trimes- quarto trimestre de 2014. Já no caso Uma outra forma de verificar
tre de 2017, num recuo de 4,4%. No do Brasil, a PO às vésperas da pan- como o Nordeste foi pior do que o
quarto trimestre de 2017, no entan- demia estava 2,7% acima do pico do Brasil no ciclo da recessão de 2014-
to, já se estava de volta ao nível de quarto trimestre de 2014. Fica cla- 16 e posterior recuperação, e similar
92,23 milhões e, com algumas osci- ro, portanto, que, ao contrário do ao Brasil no ciclo da pandemia, é
lações, chegou-se a 95,51 milhões no que ocorreu com o Brasil como um olhar, primeiramente, para a varia-
quarto trimestre de 2019. Foi aí que ção média anual da PO nos períodos
sobreveio a pancada da pandemia, 2014-17 e 2017-19. No caso nor-
com a PO brasileira despencando até destino, houve queda anual média
83,44 milhões no terceiro trimestre Há grande diferença de 2,4% no primeiro período, se-
de 2020. Esse movimento foi seguido guida de alta anual média de 1,4%
pela “recuperação em V” que levou entre Nordeste e o Brasil no segundo, caracterizando-se forte
até o patamar já citado de 99,37 mi- perda. Já no Brasil, ocorreu queda
lhões ao fim de 2022. no enfrentamento e anual média de apenas 0,6% no pri-
A história da evolução da PO meiro período, seguida por avanço
nordestina no mesmo período é di- recuperação da recessão de de 2% no segundo, indicando clara
ferente, a começar pelos dois pontos superação no mercado de trabalho
extremos. Saiu-se de 21,54 milhões 2015/16 (pior no NE); e dos efeitos da recessão de 2014-16.
no primeiro trimestre de 2012 para Quando se passa à fase da pan-
22,48 milhões no último trimestre de forte semelhança da região e demia, a PO em 2020 caiu 7,7% e
2022, numa alta de apenas de 4,4%, 10,2%, respectivamente, no Nordes-
quase três vezes inferior à expansão da do país na pandemia te e no Brasil. No Nordeste, ela veio a
PO nacional no mesmo intervalo de subir 6% em 2021 e 7,9% em 2022.
tempo. O recuo da PO do Nordes- No Brasil, essas duas variações foram
te na recessão 2014-16 foi de 9,6% de, respectivamente, 5% e 7,4%.
(22,70 milhões no quarto trimestre todo, a recuperação da PO nordes- É importante notar que o aumen-
de 2014; 20,51 milhões no primei- tina após a recessão de 2014-16 foi to da PO de mais 10% no Brasil
ro trimestre de 2017) – mais que o lenta e incompleta. como um todo no período 2012-
dobro, portanto, do recuo da PO A queda e posterior reação da PO 22 não é nenhum feito espetacular,
brasileira no mesmo período. Já a re- nordestina à crise da pandemia, no levando-se em conta o crescimento
cuperação até o quarto trimestre de entanto, guarda muito mais paralelis- da população em idade de trabalhar
2017 foi pífia (ao contrário do que mo com os mesmos movimentos no (PIA) no mesmo período. O que
aconteceu no Brasil como um todo), Brasil como um todo. Entre o quarto chama a atenção é o pífio crescimen-
chegando-se a apenas 21,35 milhões. trimestre de 2019 e o pior momento to da PO nordestina de apenas 4%
No caso do Brasil, entre o vale da no terceiro trimestre de 2020, a que- no mesmo período, quando seria de
PO na recessão 2014-16 e o ponto da da PO foi de 12,6% no Brasil e de esperar um aumento mais compatí-
mais alto do primeiro arranque de 16,2% no Nordeste. E desse ponto vel com a expansão superior da PIA
recuperação (até o quarto trimestre mais baixo até o quarto trimestre de da região. A queda da taxa de par-
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ticipação nordestina no período, de programas sociais e à melhor gestão forma mais abrangente à população
3,2 p.p. (57,8% para 54,6%), ajuda hídrica, isso não quer dizer que a pobre (fora os programas direciona-
a explicar o fenômeno. economia regional – não só o setor dos aos idosos, como aposentadorias
Uma vez bem radiografada a for- agropecuário altamente empregador rural e urbana e BPC). As transferên-
ma pior – sempre na comparação no Nordeste, mas também a pró- cias do Bolsa Família são apenas uma
com o Brasil como um todo – como pria indústria local, muito ligada às pequena fração do que foi injetado
o mercado de trabalho do Nordeste atividades primárias, como no caso por família com o Auxílio Emergen-
foi afetado pela recessão de 2014-16, dos laticínios – não tenha sofrido. cial que, após 2020, sofreu interrup-
e a forma melhor como reagiu à cri- Manso acrescenta que uma seca ções, redução de valor e posterior-
se da pandemia, resta tentar explicar dessa magnitude e dessa duração mente novo aumento, já na forma
as razões para essa diferença. Os pes- desorganiza o sistema produtivo, o do Auxílio Brasil – mas, de qualquer
quisadores do IBRE e, em particular, que pode levar a efeitos muito dura- forma, mantendo-se sempre muito
do FGV IBRE Nordeste, ainda não douros sobre a dinâmica econômica acima do Bolsa Família em termos de
investigaram as causas com os instru- e o mercado de trabalho. volumes de transferência. Na pande-
mentos da pesquisa econômica. Mas mia, por causa do Auxílio Emergen-
algumas hipóteses iniciais, formula- cial, a pobreza caiu fortemente no
das apenas pela percepção dos pes- Brasil, o que pode ter beneficiado em
quisadores sobre a história recente do Pesquisadores do IBRE especial uma região particularmente
Nordeste, foram formuladas. pobre como o Nordeste.
Fernando Holanda Barbosa Filho, aventam hipóteses (ainda Todas essas hipóteses, como já men-
pesquisador do IBRE do núcleo de cionado, são apenas possibilidades,
mercado de trabalho, vê a possibilida- não investigadas) para complementares e não excludentes,
de de que a forte contração do papel ainda não pesquisadas para explicar a
do Estado na crise de 2015/16 tenha essas diferenças, como diferença da reação do mercado de tra-
sido particularmente prejudicial ao balho nordestino à crise de 2015/16
Nordeste. Houve na região uma onda seca na região, papel do e à crise da pandemia. Essa é uma
de investimentos, não necessariamen- agenda de trabalho – incluindo, cla-
te da melhor qualidade, oriundos de Estado e transferências ro, outras hipóteses que surjam – que
financiamentos públicos tanto fede- está na mira do FGV IBRE Nordeste.
rais quanto locais (quando não dire- de renda Talvez a compreensão das causas des-
tamente realizados pelo Estado), que sas diferentes reações do mercado de
subitamente foi abortada. Por essa hi- trabalho do Nordeste a distintas crises
pótese, a dinâmica econômica criada traga elementos para que políticas pú-
pela indução do Estado naquela épo- Flávio Ataliba, do FGV IBRE blicas possam atacar aquilo que de fato
ca não alterou a estrutura produtiva Nordeste, nota finalmente que, dife- precisa ser mudado no país: a antiga
subjacente, levando a excessos pouco rentemente da época da recessão de e estável desvantagem dos nordestinos
sustentáveis, cujo fim súbito deixou 2015/16, a economia nordestina na na vida laboral na sua região, relativa-
uma cicatriz permanente no mercado crise econômica da pandemia contou mente ao resto do Brasil.
de trabalho nordestino. com o enorme volume de recursos do
Já Carlos Alberto Manso, do Auxílio Emergencial (além do Pro-
FGV IBRE Nordeste, nota que o nampe para micro e pequenas em-
Nordeste sofreu uma seca de sete a presas), que fluiu em maior propor- O texto é resultado de reflexões apresentadas
em reunião por pesquisadores do IBRE. Dada a
oito anos, terminada em 2017, que ção justamente para uma região mais pluralidade de visões expostas, o documento
foi a pior dos últimos 100 anos. Se pobre e com mais informalidade. Na traduz minhas percepções sobre o tema. Dessa
feita, pode não representar a opinião de parte,
não houve uma catástrofe humani- crise de 2015/16, havia apenas o Bol- ou da maioria, dos que contribuíram para a
tária como no passado, devido aos sa Família como programa voltado de confecção deste artigo.
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