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REVISTA OBSERVATORIO DE LA ECONOMIA LATINOAMERICANA

ISSN: 1696-8352

Efeitos dos programas de benefício de prestação continuada e bolsa


família sobre a redução da pobreza no Brasil (2012-2022)

Effects of benefício de prestação continuada and bolsa família


programs on poverty reduction in Brazil (2012-2022)

Efectos de los programas de beneficios continuos y bolsa familia en la


reducción de la pobreza en Brasil (2012-2022)
DOI: 10.55905/oelv22n4-127

Originals received: 03/15/2024


Acceptance for publication: 04/01/2024

Isabela Orsoli Meneguete


Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Maringá
Instituição: Sicoob Central Unicoob
Endereço: Maringá, Paraná, Brasil
E-mail: isaorsoli@gmail.com

Ana Cristina Lima Couto


Doutora em Economia
Instituição: Universidade Estadual de Maringá
Endereço: Maringá, Paraná, Brasil
E-mail: acolcouto@uem.br

RESUMO
Este artigo tem como objetivo avaliar os efeitos dos programas de Benefício de Prestação
Continuada (BPC) e Bolsa Família (PBF) sobre a redução da pobreza no Brasil entre os
anos de 2012 e 2022. Foi adotada a técnica de estimação de dados em painel a fim de
captar as especificidades das unidades da federação brasileira. Os resultados mostram que
as transferências realizadas pelo BPC e PBF contribuem para a redução da pobreza. No
entanto, seu impacto é menor relativamente a outras variáveis como nível de ocupação e
diminuição da alta desigualdade de renda, as quais possuem maior efetividade no
enfretamento da pobreza.

Palavras-chave: Pobreza, Políticas de Transferência de Renda, BPC, Bolsa Família.

ASBTRACT
This article aims to evaluate the effects of the Continuous Provision Benefit (BPC) and
Bolsa Família (PBF) programs on poverty reduction in Brazil in the period between 2012
and 2022. The technique of panel data estimation was adopted in order to capture the
specificities of the Brazilian Federation Units. The results show that the transfers made
by the BPC and PBF contribute to the reduction of poverty. However, its impact is smaller

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in relation to other variables such as employment level and reduction of high income
inequality, which are more effective in tackling poverty

Keywords: Poverty, Income Transfer Policies, Inequality.

RESUMEN
Este artículo tiene como objetivo evaluar los efectos de los programas de Prestación de
Provisión Continua (BPC) y Bolsa Familia (PBF) en la reducción de la pobreza en Brasil
en el período comprendido entre 2012 y 2022. Se adoptó la técnica de estimación de datos
de panel con el objetivo de capturar las especificidades de las Unidades de la Federación
Brasileña. Los resultados muestran que las transferencias realizadas por el BPC y el PBF
contribuyen a la reducción de la pobreza. Sin embargo, su impacto es menor en relación
con otras variables como el nivel de empleo y la reducción de la alta desigualdad de
ingresos, que son más eficaces para combatir la pobreza.

Palabras clave: Pobreza, Políticas de Transferencia de Ingresos, BPC, Bolsa Família.

1 INTRODUÇÃO

É fato estilizado que o Brasil é um país que possui um grande número de pessoas
vivendo em condição de pobreza. O enfrentamento de tal problema é objeto de
preocupação dos formuladores de políticas públicas não só no Brasil, mas em âmbito
mundial. Inclusive, a agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da
Organização das Nações Unidas (ONU) tem como objetivo número 1 a erradicação da
pobreza.
O combate à pobreza requer ações que promovam o bem estar da população,
dando-lhes condições de viverem uma vida digna. Uma das formas para o enfrentamento
da pobreza é por meio das transferências de renda em que o governo concede recursos
para as pessoas que atendem aos critérios de elegibilidade dos programas existentes. No
Brasil, os programas de Benefício de Prestação Continuada (BPC) e Bolsa Família (PBF)
são os mais importantes e eles contribuem para amenizar a pobreza de muitas famílias,
sobretudo daquelas que possuem dificuldades de obter renda via mercado de trabalho.
Vale a pena mencionar que a renda do trabalho no Brasil é o principal componente
da renda domiciliar total, 75,7% em 2012 e 74,5% em 2022, enquanto os benefícios dos

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programas sociais representavam apenas 3% em ambos os anos. Já para as famílias que


ganham até ¼ do salário mínimo de renda domiciliar per capita, o peso da renda do
trabalho é menor, tendo caído de 62,2% em 2012 para 45,6% em 2022, ao passo que a
importância dos benefícios sociais passou de 24,3% para 44,3%, respectivamente; para
os que possuem renda per capita entre ¼ e ½ salário mínimo, os percentuais da renda do
trabalho caíram de 72,7% para 66,4% e os benefícios sociais aumentaram de 8,2% para
17% no mesmo período (IBGE 2023). Esses dados mostram quão importante é a renda
destes programas para as famílias mais pobres, sobretudo porque em todas as situações a
renda do trabalho perdeu participação.
Sendo assim, este trabalho tem como objetivo avaliar os efeitos do BPC e do PBF
sobre a redução da pobreza no Brasil durante os anos de 2012 a 2022, levando-se em
conta a heterogeneidade das unidades da federação, por meio do uso da regressão de
dados em painel. Para isso, além desta introdução o texto está estruturado em quatro
seções. Na seção 2, faz-se uma breve discussão conceitual sobre políticas sociais e
pobreza. Na seção 3, são apresentados os principais programas de transferência de renda
adotados no Brasil desde os anos 1970. Na seção 4 apresentam-se a análise dos resultados
estimados. Por fim, são feitas as considerações finais.

2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE POBREZA, DESIGUALDADE DE


RENDA E EMPREGO

Em outubro de 1988 foi promulgada a atual Constituição Brasileira, que se destaca


pelo reconhecimento da importância das políticas sociais, especialmente nas áreas de
educação, saúde e previdência. Segundo Pinheiro Jr. (2014), é por meio destas políticas
que o Estado procura garantir que determinados serviços sociais funcionem em prol da
sociedade.
Para isso é fundamental um sistema de proteção, sobretudo para as pessoas mais
vulneráveis. O Brasil conta com um Sistema Brasileiro de Proteção Social (SBPS), que é
um:

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[...] conjunto de políticas e programas governamentais destinados à prestação


de bens e serviços e à transferência de renda, com o objetivo de cobertura dos
riscos sociais, garantia dos direitos sociais, equalização de oportunidades e
enfrentamento das condições de destituição e pobreza”. [...] (Cardoso Jr. e
Jaccoud, 2005, p. 194).

Cabe ao governo implementar as políticas sociais, que compreendem um conjunto


de medidas voltadas para promover a melhoria das condições de vida da população,
através, por exemplo, de:

[...] transferência de renda, saúde, previdência/assistência social,


habitação/urbanismo, saneamento básico, trabalho e renda, educação,
desenvolvimento rural, bem como políticas sociais focalizadas conforme
idade, gênero, etnia, grupos identitários, considerando o contexto brasileiro e
internacional. [...] (Senne, 2017, p.3)

Uma questão central que norteia a criação e manutenção das políticas sociais é o
enfrentamento da pobreza. Defini-la não é algo simples dada a multidimensionalidade
que a caracteriza. Por isso, segundo Vinhais e Souza (2006), é importante entender todas
as suas causas para que possam ser aplicadas as políticas adequadas para combatê-la. De
modo geral, segundo a abordagem monetária, a pobreza é caracterizada pela insuficiência
de renda para que uma pessoa atenda suas necessidades mais vitais para sua sobrevivência
e da sua família.
No entanto, a pobreza é uma situação que vai muito além da renda insuficiente.
Envolve privação de acesso a bens e serviços a que todos deveriam ter direito como
alimentação, vestuário, moradia, saneamento básico, água potável, energia elétrica,
segurança, educação, saúde, emprego, segurança, transporte etc.
Para medir a pobreza, é muito comum o estabelecimento de linhas de pobreza que
distinguem um indivíduo pobre de outro não pobre, sendo pobre quem tem renda abaixo
do nível estabelecido. Isto posto, surge o problema da definição da linha de pobreza. No
Brasil, não há uma medida oficial, o que torna difícil a quantificação da pobreza no país.
As linhas de pobreza mais utilizadas são aquelas definidas pelo Banco Mundial,
adequadas para comparações internacionais e algumas linhas para acesso aos programas
de transferência de renda.

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Os dados da Tabela 1, com informações extraídas do IBGE (2023), ilustram como


o número e a proporção de pobres no país variam em função do critério adotado. O Banco
Mundial propõe, por exemplo, para os países de renda média alta, a linha de pobreza
baseada em US$ 6,85 PPC (Paridade de Poder de Compra) de renda per capita por dia,
que em 2022 equivalia a R$ 637 mensais e a linha de US$ 2,15 PPC/dia ou R$ 200
mensais per capita para classificar uma pessoa como extremamente pobre. Neste caso,
em 2022, o número de pobres no Brasil era 67,7 milhões de pessoas, totalizando 31,6%
da população. Desse total 12,6 milhões eram extremamente pobres, ou seja, 5,9% do total
da população.
Considerando a linha de pobreza do Auxílio Brasil1, 5.941 mil de pessoas eram
extremamente pobres e 13.877 mil eram pobres, o que equivalia a 2,8% e 6,5% da
população, respectivamente. Quando observada a linha ¼ do salário mínimo de renda
domiciliar per capita, utilizada como critério para a concessão do BPC, 23.193 mil
pessoas, ou 10,8% da população, eram classificadas como extremamente pobres. Pela
linha de ½ salário mínimo, utilizada no Cadastro Único do Governo Federal, havia 63.443
mil pessoas pobres, ou seja, 29,5% da população. Por fim, a medida de pobreza relativa
utilizada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
correspondente a 50% da renda mediana, era equivalente a R$ 499 em 2022. Nessa
categoria, 47.646 mil de pessoas são consideradas pobres, representando 22,3% da
população.
Como se nota, a proporção de extremamente pobres varia de 2,8% a 10,8% da
população total do país, enquanto a de pobres varia de 6,5% a 31,6%, dependendo do
critério utilizado2.

1
Programa que substituiu o Programa Bolsa Família temporariamente entre o final de 2021 e o ano de
2022. Em 2023, o programa foi retomado.
2
No entanto, é importante mencionar que se reconhece que a pobreza vai muito além da renda baixa. A
pobreza é multidimensional e pode ser caracterizada pela baixa renda associada a problemas de desnutrição,
saúde, acesso a saneamento básico, entre outros elementos que fornecem bem-estar aos indivíduos.

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Tabela 1 – Linhas de pobreza monetária com respectivos usos, valores nominais mensais per capita, total
e proporção, de pessoas consideradas pobres – Brasil – 2022
Valor
nominal Pobres
Linhas de pobreza Referências/Usos mensal per Total
Proporção
capita em (1000
(%)
2022 (R$) pessoas)
Extrema pobreza
Linha para concessão do benefício
Auxílio Brasil (EP) básico do programa Auxílio Brasil 105 5 941 2,8
Linha do Banco Mundial para países
US$ 2,15 PPC 2017/dia (1) de renda baixa 200 12 653 5,9
1⁄4 salário mínimo Linha de concessão do BPC 303 23 193 10,8
Pobreza
Auxílio Brasil Linha de elegibilidade ao programa
Auxílio Brasil 210 13 877 6,5
US$ 3,65 PPC 2017/dia (1) Linha do Banco Mundial para países
de renda média-baixa 339 26 763 12,4
50% da mediana Medida de pobreza relativa utilizada
pela OCDE (3) 499 47 646 22,3
1⁄2 salário mínimo Cadastro Único do Governo Federal 606 63 443 29,5
Linha do Banco Mundial para países
US$ 6,85 PPC 2017/dia (1) de renda média-alta 637 67 758 31,6
Fonte: IBGE (2023, p. 72).
(1) Taxa de conversão da paridade de poder de compra (PPC) para consumo privado, R$ 2,33 para US$
1,00 PPC 2017, valores diários tornados mensais e inflacionados pelo IPCA para anos recentes.

Tendo como base a linha de pobreza de ½ salário mínimo de renda domiciliar per
capita, o Gráfico 1 apresenta a proporção de pobres nas unidades da federação (UF´s)
brasileira em 2012 e em 2022. Nota-se que a maioria delas apresentaram redução na
proporção de pessoas em situação de pobreza no período, com destaque para o Tocantins,
cuja taxa caiu de 47,36% em 2012 para 32,86% em 2022. Apesar da queda, estados do
Nordeste e do Norte permaneceram com altas proporções de pobreza em ambos os anos.
Em 2022, as taxas superavam 40%, exceto no Tocantins. Em contrapartida, nos estados
do Sudeste, Sul e Centro Oeste, as taxas ficaram, na maioria das UF´s, abaixo de 20%.
Destaca-se o estado de Santa Catarina, com a menor proporção de pobres em 2022
(8,89%), enquanto a maior foi verificada no Maranhão (53,29%).
A literatura aponta diversos fatores socioeconômicos que estão relacionados à
pobreza, tais como educação, problemas do mercado de trabalho (informalidade,
desemprego, empregos precários, por exemplo), atributos natos dos indivíduos (cor,

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gênero, idade, por exemplo), baixo crescimento econômico e desigualdade na distribuição


da renda (Couto e Brito, 2021; Haughton e Khandker, 2009; Lima, 2005).

Gráfico 1 – Proporção de pobres por unidade da federação brasileira – 2012 e 2022 (%)
70

60

50

40

30

20

10

0
RO AC AM RR PA AP TO MA PI CE RN PB PE AL SE BA MG ES RJ SP PR SC RS MS MT GO DF

2012 2022

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da PNADC (2012 e 2022).

A pobreza no Brasil tem relação com as inúmeras desigualdades existentes no


país. Barros, Henriques e Mendonça (2000) afirmam que tanto a desigualdade de renda
como a de oportunidades econômicas e sociais são determinantes da pobreza. Santos,
Miranda e Moreira (2015) atestam que a associação entre pobreza e desigualdade é
relevante no Brasil, pois ambos os problemas coexistem e se reforçam. Tabosa, Araújo e
Khan (2012) constataram que um dos mais importantes fatores para a redução da pobreza
é a redução da alta desigualdade de renda.
No Brasil, a renda média domiciliar per capita em 2022 era aproximadamente R$
1900,00. No entanto, 10% dos mais pobres tinham renda domiciliar per capita de até R$
320,00, enquanto para os 10% mais ricos essa renda era pelo menos R$ 3.667,00. Além
disso, os 40% mais pobres se apropriavam de 11% de toda a renda gerada enquanto os
10% mais ricos se apropriavam de 40,6% (PNADC, 2022). A desigualdade na
distribuição de renda afeta negativamente o bem estar das pessoas e contribui para a
manutenção da pobreza.

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Uma das medidas mais utilizadas para medir a desigualdade de renda é o índice
de Gini, que varia de 0 a 1 e quanto mais perto de 1, maior a desigualdade. No Brasil este
indicador passou de 0,540 em 2012 para 0,518 em 2022 (PNADC). O Gráfico 2 desagrega
esse indicador para as unidades da federação brasileira e mostra que apesar da tendência
geral de queda, em algumas UF’s houve elevação da desigualdade, indicando alguma
piora das disparidades de renda.

Gráfico 2 – Índice de Gini por unidade da federação brasileira – 2012 e 2022 (%)
0,700

0,600

0,500

0,400

0,300

0,200

0,100

0,000
RO AC AM RR PA AP TO MA PI CE RN PB PE AL SE BA MG ES RJ SP PR SC RS MS MT GO DF

2012 2022

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da PNADC (2012 e 2022).

Conforme mencionado anteriormente, o Brasil possui níveis elevados de


desigualdade de renda e de pobreza. Considerando o problema da insuficiência de renda,
deve-se destacar que um dos meios mais importantes pelos quais uma pessoa obtém renda
é por meio do trabalho. Para isso, é importante um mercado de trabalho que gere
oportunidades de emprego de qualidade e renda. Barros, Corseuil e Leite (2000, p. 177)
afirmam que:

Um dos principais determinantes do nível de pobreza numa sociedade é como


os recursos humanos são usados e remunerados. Quanto maior a eficiência em
alocar recursos humanos disponíveis para atividades econômicas e quanto
melhor a remuneração recebida por aqueles que estão engajados em atividades
econômicas, menor será o nível de pobreza predominante. Em outras palavras,

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quanto maior for a subutilização dos recursos humanos nas atividades


econômicas, tanto maior será o nível de pobreza.

Assim, as condições do mercado de trabalho em termos de demanda por mão de


obra, qualidade dos postos gerados, nível de renda, entre outros são importantes. No
Gráfico 3, a seguir, é possível visualizar o comportamento do nível de ocupação nas
unidades da federação brasileira, que é o percentual de pessoas ocupadas que fazem parte
da população em idade ativa. Observa-se um retrocesso desse indicador no período, o
que, segundo IBGE (2023), aliado ao fato de que a maioria das ocupações que têm sido
geradas não possuem vínculo empregatício, além dos baixos salários precariza ainda mais
o mercado de trabalho e as oportunidades de rompimento da pobreza por meio do
trabalho.

Gráfico 3: Nível de ocupação por unidade da federação brasileira – 2012 e 2022 (%)
80

70

60

50

40

30

20

10

0
RO AC AM RR PA AP TO MA PI CE RN PB PE AL SE BA MG ES RJ SP PR SC RS MS MT GO DF

2012 2022

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da PNADC (2012 e 2022).

Feitas essas considerações, é importante que o país tenha um sistema de proteção


para fornecer aos mais vulneráveis da sociedade algum recurso para que os mesmos
possam atender o mínimo para sua subsistência. Por isso, para aliviar a pobreza, os
programas de transferência de renda são fundamentais.

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3 BREVE HISTÓRICO DOS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA


NO BRASIL

As transferências de renda foram criadas com o objetivo de diminuir a


desigualdade e pobreza existentes nos países, mas nem sempre requerem uma
contribuição prévia. Eles visam o atendimento das famílias mais vulneráveis, garantindo-
lhes uma renda que possa atender suas necessidades mais imediatas.
Rocha (2013) apresenta um histórico dos programas de transferência de renda no
Brasil, os quais são brevemente mencionados. O programa pioneiro, criado em 1974, foi
denominado de Renda Mensal Vitalícia (RMV) que era um benefício previdenciário,
pago pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). A transferência era de meio
salário mínimo ao seu público-alvo: idosos e portadores de deficiência, que não possuíam
renda suficiente, mas que já haviam contribuído para o sistema previdenciário como
trabalhadores. Com a Constituição de 1988 esse programa foi extinto e incorporado ao
Benefício de Prestação Continuada (BPC).
O BPC, instituído na Constituição de 1988, foi regulamentado com a Lei Orgânica
da Assistência Social (Loas) em 1993, mas foi implementado apenas em 1996, quando da
extinção da RMV. O BPC garante uma renda mensal às pessoas idosas, com 65 anos ou
mais, e aos portadores de deficiência incapacitados para o trabalho, no valor de um salário
mínimo mensal (Rocha, 2013; Brasil, 2008).
É importante destacar a mudança no público atendido pela RMV e pelo BPC.
Antes da constituição de 1988, na RMV eram idosos e portadores de deficiência com
renda insuficiente, mas que haviam contribuído quando trabalhadores. Já o BPC é um
programa mais abrangente, visto que houve universalização do público atendido de modo
que todos os idosos e portadores de deficiência que se enquadram como pobres passam a
ter direito, independentemente de terem feito contribuição prévia (ROCHA, 2013).
Em 1996 foi criado o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) para
combater o trabalho penoso e precoce de crianças e adolescentes nas áreas urbanas e
rurais

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O Bolsa Escola foi implantado em 1995 e tinha como alvo as famílias pobres com
crianças em idade escolar (de 6 a 15 anos), tendo como limite três benefícios. Quando o
programa foi instituído, apenas 88% das crianças em idade escolar frequentavam a escola
e, na zona rural, esse percentual era ainda mais baixo (78%). O programa tinha como
objetivo tanto amenizar a pobreza imediata, como também combater a perpetuação da
pobreza, pois havia obrigatoriedade das crianças frequentarem a escola, atacando uma
das causas da pobreza e da desigualdade de renda que é a baixa escolaridade. Assim, por
meio da educação, esperava-se que fosse possível quebrar a transmissão intergeracional
da pobreza (Brasil, 2008; Rocha, 2013)
Em 2001 foi implementado o Bolsa Alimentação, um programa de
responsabilidade do Ministério da Saúde, cujos beneficiários eram os mesmos do Bolsa
Escola. O Bolsa Alimentação visava combater a desnutrição e a mortalidade infantil, além
de melhorar a saúde dos beneficiários, constituído por famílias com crianças de até sete
anos de idade, gestantes e lactantes. O programa também visava reduzir a pobreza
imediata, mas procurava contribuir para melhorias nas condições de saúde da população
atendida, exigindo a vacinação das crianças atualizada e consultas médicas periódicas
para acompanhamento da saúde e desenvolvimento dos filhos.
No ano de 2002 foi criado o Auxílio Gás, um programa que subsidiava o preço do
gás de cozinha, sendo direcionado à população de baixa renda, especificamente às
famílias que recebiam até ½ salário mínimo de renda per capita (Brasil, 2008). O Auxílio
Gás foi o primeiro programa que objetivava atender a todos os pobres tendo como base
somente o critério da renda, não exigindo condicionalidades e não havia nenhum tipo de
restrição sobre a composição da família.
Em 2003 houve a criação do Programa Cartão Alimentação (PCA) do Fome Zero,
que assistia famílias com renda per capita de até ½ salário mínimo mensal, que recebiam
uma ajuda de R$ 50,00 mensais, para a compra de alimentos, visando o combate à fome
(Brasil, 2008). Em 2003 também surge o Programa Bolsa Família (PBF), que unificou os
programas Bolsa Escola, Auxílio-Gás e Bolsa Alimentação, todos criados no período de
2001-2003. O PBF é um programa mais abrangente, mas que tem como foco a
transferência de renda para as famílias mais vulneráveis; possui critérios de elegibilidade

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em função da renda familiar e exige o cumprimento de diversas condicionalidades em


termos de educação e saúde.
O PBF estabeleceu critérios de elegibilidade com base em duas linhas, a de
pobreza e a de extrema pobreza. Para ter direito ao benefício, tendo como base o ano de
2022, as linhas de pobreza e extrema pobreza são R$ 210,00 e R4 105,00,
respectivamente. O valor do benefício é de R$ 600, com um adicional de R$ 150 para
famílias que possuem crianças com idade entre 0 e 6 anos (MDS, 2023).
O programa requer que as famílias tenham compromissos na área da saúde e
educação, os quais precisam ser cumpridos para que continuem no programa, sendo eles:
a realização do pré-natal, manutenção da vacinação atualizada e a verificação constante
do estado nutricional das crianças menores de 7 anos. Além disso, as crianças com idades
entre 4 e 5 anos devem atender a uma frequência escolar mínima de 60%, enquanto os
beneficiários entre 6 e 18 anos incompletos devem ter uma frequência mínima de 75%.
Estas medidas visam garantir o bem-estar, saúde e educação adequada para as famílias
beneficiárias (MDS, 2023).
O PBF tem desempenhado um papel de grande destaque desde seu início,
justamente por integrar políticas sociais, de saúde e de educação. Por meio do programa,
os grupos mais pobres da sociedade brasileira passaram a ter acesso mais amplo aos
serviços sociais mais básicos (Soares et al., 2010; Marcelino e Couto, 2021).
Por fim, cabe mencionar que o BPC e o PBF são os mais importantes programas
de transferência de renda existentes no Brasil. No entanto, em consonância com Santos
et al. (2009), é importante destacar um aspecto que diferencia esses programas além dos
valores transferidos e do público atendido. Trata-se do aspecto legal. O BPC é um direito
garantido pela Constituição Federal enquanto o PBF não tem base legal no sentido de ser
garantido judicialmente. Por isso, o BPC está imune aos ciclos eleitorais e mudanças no
programa requerem aprovação de Emenda Constitucional.
Já o PBF pode sofrer alterações pelos políticos em exercício, sofrer cortes ou
aumentos. Nesse sentido, é importante lembrar que o Governo Bolsonaro, em ano de
campanha eleitoral, aumentou substancialmente o valor pago pelo PBF, que passou de
uma média de R$ 248,00 por família, para cerca de R$ 600,00 em 2022. Média esta que

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foi mantida pelo seu sucessor em 2023, concedendo ainda um adicional de R$ 150,00 por
criança de até 6 anos de idade.

4 EFEITOS DAS TRANSFERÊNCIAS DE RENDA SOBRE A REDUÇÃO DA PO-


BREZA: UMA ANÁLISE DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA E
DO BOLSA FAMÍLIA

4.1 METODOLOGIA

O propósito deste estudo consiste em avaliar os efeitos do BPC e do PBF sobre a


redução da pobreza no Brasil, levando em conta a heterogeneidade das vinte e sete UF´s.
Portanto, a ferramenta econométrica utilizada é o modelo de dados em painel, uma
combinação de dados coletados ao longo do tempo para as mesmas unidades de
observação, ou seja, é uma combinação de dados de corte e de séries temporais. Tais
modelos permitem captar a heterogeneidade entre as unidades de corte. E, no caso deste
trabalho, a pobreza é uma variável desigualmente distribuída, conforme visto no Gráfico
1, em que as UF´s do Norte e Nordeste possuem taxas mais altas do que as do Sul e
Sudeste. Além disso, as variáveis índice de Gini e nível de ocupação, as quais são
incluídas no modelo como variáveis de controle, também são assimetricamente
distribuídas entre as UF´s do país.
A estratégia de estimação via dados em painel consiste em estimar os modelos de
dados empilhados, de efeitos fixos e o de efeitos aleatórios3. Em seguida, faz-se os testes
de Chow e de Hausman para a escolha do modelo que melhor se adequa aos dados4. São
realizados os testes de heterocedasticidade, de autocorrelação e de grau de
multicolinearidade, corrigindo a regressão, se necessário. Por questão de espaço são
apresentados apenas os resultados obtidos pela regressão corrigida.

3
O modelo de dados empilhados não considera a heterogeneidade entre as unidades de observação; já os
modelos de efeitos fixos e aleatórios captam a heterogeneidade entre as unidades de corte por meio dos
interceptos e termos de erros específicos de cada unidade de corte, respectivamente (Wooldridge, 2018).
4
O teste de Chow permite escolher entre os modelos de efeitos aleatórios e o de dados empilhados enquanto
o teste de Hausman indica qual modelo é o melhor, se o de efeitos fixos ou aleatórios (Wooldridge, 2018).

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Foram especificadas duas equações, uma para medir o efeito das transferências do
BPC sobre a pobreza (Equação 1) e outra para medir o efeito das transferências do PBF
sobre a pobreza (Equação 2). Em ambas foram incluídas como variáveis explicativas de
controle, o nível de ocupação e o índice de Gini. As equações estimadas foram:

Pit = β1 + β2lnginiit + β3lnocupit + β4lnbpcit + uit (1)

Pit = β1 + β2lnginiit + β3lnocupit + β4lnbfit + uit (2)

Em que

P = proporção de pobres; gini= índice de Gini da renda domiciliar per capita; ocup = nível de ocupação;
bpc = valor total repassado pelo BPC; bf = valor total das transferências do PBF; i = unidades da federação;
t = série temporal de 2012 a 2022; os betas são os coeficientes do modelo e ln = logaritmo natural na base
e. Destaca-se que todas as variáveis foram logaritimizadas a fim de estimar a elasticidade da pobreza dada
uma mudança percentual nos regressores.

A fonte de dados foi a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua


(PNADC), em que se coletou os dados para construir o nível de ocupação (total de
ocupados dividido pela população em idade ativa) e o índice de Gini da renda domiciliar
per capita. As informações sobre os valores repassados pelo BPC e PBF foram coletadas
na página do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à
Fome (MDS).
A quantificação dos pobres foi feita com base na linha de pobreza de ½ salário
mínimo de renda domiciliar per capita a preços de 2022. Os valores monetários foram
atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).

4.2 EFEITOS DAS TRANSFERÊNCIAS DO BPC SOBRE A REDUÇÃO DA PO-


BREZA NO BRASIL

Foram estimados os modelos de dados empilhados, efeitos fixos e aleatórios. Em


seguida, fez-se os testes de Chow e de Hausman que indicaram que ao nível de

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significância de 1% o modelo de efeitos fixos é o mais adequado. Isto posto, foram feitos
os testes que detectaram autocorrelação e heterocedasticidade. Não foi constado problema
de multicolinearidade entre as variáveis explicativas do modelo. Para corrigir a
heterocedasticidade e a autocorrelação dos resíduos foi estimada a regressão Prais-
Winsten e, para reforçar a robustez dos resultados, apresentou-se também os resultados
obtidos pela regressão corrigida via Método de Mínimos Quadrados Generalizados
(MQG), conforme pode ser visto na Tabela 2.
Todos os coeficientes estimados tiveram sinais esperados e foram significativos a
1%, estando de acordo com a relação esperada da resposta da varável dependente em
função das mudanças nas variáveis explicativas. Assim, tanto o aumento na ocupação
como nas transferências do BPC, tudo o mais constante, reduzem a pobreza. Já o índice
de Gini indica que seu aumento contribui para elevar a pobreza, tudo o mais constante. O
poder de explicação da regressão Prais-Winsten é de 82,69%. Em ambos os modelos
corrigidos o teste de Wald mostra que o modelo em termos geral possui significância de
1%, isto é, rejeita-se a hipótese nula de que todos os coeficientes angulares são
simultaneamente iguais a zero.

Tabela 2 - Regressão de Prais-Winsten e Mínimo Quadrados Generalizados para efeitos fixos (proporção
de pobres como variável dependente)
Prais-Winsten MQG
Índice de Gini 1.672002*** 2.194253***
-0.2953369 -0.2841422
Ocupação -0.7410244*** -1.892865***
-0.175869 -0.1759597
Repasses BPC -0.116543*** -0.1193877***
-0.0266502 -0.0208758
Constante 6.579984*** 6.279548)***
-0.5407235 -0.4668147
R² = 0.8269
Wald chi2(3) = 88.08 Wald chi2(3)= 343.73
Prob > chi2= 0.0000 Prob > chi2 = 0.0000
Fonte: Elaboração própria com base nos dados pesquisados.
Nota: *** significativo a 1% ** significativo a 5% e * significativo a 10%.
Entre parênteses: erro padrão.

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A partir da estimação, nota-se que, mantendo tudo mais constante: um aumento


no índice de Gini está associado a um aumento de 1,67% na proporção de pobres, em
média; um aumento de 1% no nível de ocupação leva a uma diminuição de 0,74%, em
média, na proporção de pobres; e, um aumento de 1% nos valores repassados pelo BPC
gera uma queda de 0,12% na proporção de pobres, em média.
Com a estimação via MQG, nota-se também que todos os coeficientes estimados
foram significativos a 1% e com os sinais esperados. Mantendo tudo o mais constante:
um acréscimo de 1% no índice de Gini está associado a um aumento de 2,19%, em média,
na proporção de pobres; uma elevação de 1% no nível de ocupação reduz a pobreza, em
média, em 1,89%; e, por fim, um aumento de 1% nos valores repassados pelo BPC
provoca uma redução de 0,12% na proporção de pobres.
Como se nota, em ambos os modelos corrigidos (Prais-Winsten e MQG), o efeito
do BPC (aproximadamente 0,12) é menor relativamente aos impactos do índice de Gini
e do nível de ocupação. O BPC, por ser um programa assistencial, desempenha um papel
importante ao conceder suporte financeiro direto para as pessoas mais vulneráveis,
aliviando a pobreza dos beneficiários de forma mais imediata, porém ele não tem o poder
de reduzir a pobreza de modo mais efetivo. Já o aumento do nível de ocupação, ao
proporcionar oportunidades de emprego e renda, seria mais relevante para a redução da
pobreza. Da mesma forma, a queda da desigualdade de renda é um fator crucial na busca
pela diminuição da pobreza, sendo o fator de maior impacto.
No entanto, não se pode desprezar o programa BPC pelo seu impacto em termos
relativos menor, pois a renda de um salário mínimo para um beneficiário pode proteger
sua família da pobreza e do desemprego, sobretudo no caso de idosos e deficientes que
enfrentam dificuldades adicionais para obter uma ocupação.

4.3 EFEITOS DAS TRANSFERÊNCIAS DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA SOBRE


A REDUÇÃO DA POBREZA NO BRASIL

A estratégia de estimação do modelo que visa medir os efeitos do PBF sobre a


pobreza segue os mesmos passos do modelo anterior, que tinha como objetivo captar o

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efeito do BPC sobre a pobreza. Após a estimação dos modelos de dados empilhados,
efeitos fixos e aleatórios e da realização dos testes, constatou-se que o melhor modelo é
o de efeitos fixos e que o modelo não tem problemas de multicolinearidade. Detectou-se
heterocedasticidade e autocorrelação, os quais foram corrigidos pelas estimações das
regressões Prais-Winsten e MQG, conforme Tabela 3.
Todos os coeficientes foram significativos a 1% e seus sinais estão de acordo com
o esperado. O coeficiente de determinação de 93,30% da regressão Prais-Winsten indica
um alto poder de explicação do modelo. O nível de significância geral de ambos os
modelos é alto.
De acordo com os resultados da regressão Prais-Winsten, avaliando cada
coeficiente parcialmente e mantendo tudo o mais constante, nota-se que um aumento no
índice de Gini de 1% está associado a um aumento de 2,14 % na proporção de pobres;
um aumento de 1% no nível de ocupação leva a uma queda de 1,55% na proporção de
pobres; e, por fim, um aumento de 1% no valor total do PBF gera uma redução na pobreza
de apenas 0,03%. No modelo de MQG, os impactos do índice de Gini e do nível de
ocupação são 2,03% e 2,08%, respectivamente. Já o efeito dos repasses transferidos pelo
PBF foram praticamente os mesmos obtidos com a regressão Prais-Winsten (0,05%). Este
efeito muito limitado está fortemente relacionado com os baixos valores que são
transferidos pelo PBF, mais baixos ainda do que os do BPC. Assim, embora o programa
contribua para amenizar a pobreza imediata de uma família beneficiária, ele não tem
poder para tirar essa família da condição de pobreza.
A renda do PBF pode complementar a renda da família, de modo que a memsa
supere a linha de pobreza, porém alguns reais a mais não vai mudar substancialmente o
bem estar das pessoas. É importante mencionar que as transferências de recursos do PBF
contribuem para que as famílias atendam suas necessidades mais vitais como a de
alimentação no curto prazo. Porém, o grande destaque é que as exigibilidades do
programa em termos de saúde e de educação, podem favorecer os filhos das famílias
pobres, dando-lhes um mínimo de condições para que não reproduzam a pobreza dos seus
pais. O que se espera é que ele contribua para a redução da pobreza no futuro.

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Tabela 3 - Regressão de Prais-Winsten e de Mínimos Quadrados Generalizados (proporção de pobres


como variável dependente)
Variáveis Prais-Winsten MQG
Índice de Gini 2.147995*** 2.030688***
-0.2270916 -0.2960077
Nível de ocupação -1.550968*** -2.283667***
-0.149932 -0.1979671
Repasses PBF -0.031105 -0.0534766***
-0.0219431 -0.0207129
Constante 4.556983*** 4.391347***
-0.4285722 -0.4266954
R² = 0.9330
Wald chi2(3) = 210.19 Wald chi2(3)= 330.06
Prob > chi2= 0.0000 Prob > chi2 = 0.0000
Fonte: Elaboração própria com base nos dados pesquisados.
Nota: *** significativo a 1% ** significativo a 5% e * significativo a 10%.
Entre parênteses: erro padrão.

Comparando os resultados estimados dos modelos para o BPC e PBF, nota-se que
os coeficientes das variáveis índice de Gini e nível de ocupação são relativamente altos.
No entanto, a magnitude dos coeficientes estimados para o BPC (cerca de 0,12%) e PBF
(0,03% e 0,05%) são muito baixos.
Sobre a diferença de impacto entre tais programas, é possível que o maior impacto
do BPC se deva ao valor transferido que é de um salário mínimo por beneficiário. Já o
repasse do PBF, historicamente sempre foi muito baixo. Apenas após o ano de 2020,
devido à necessidade de transferir recursos monetários para a população que perdeu
emprego e renda durante o período da pandemia, quando o governo passou a pagar o
Auxílio Emergencial, os beneficiários do PBF também receberam um valor maior. No
final de 2021, o governo federal substituiu o PBF pelo Programa Auxílio Brasil, que
durou até o final de 2022. No entanto, os repasses ainda assim eram menores do que
aqueles obtidos pelos beneficiários do BPC.
Após analisar o valor de todos os coeficientes encontrados nos modelos, fica
evidente que a redução da desigualdade de renda no Brasil desempenha um papel
fundamental como principal redutor da pobreza. A grande desigualdade que caracteriza a
distribuição da renda no Brasil, representada pelo índice de Gini, é um grande obstáculo

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para a diminuição da pobreza monetária no país. Além disso, a questão da ocupação e do


emprego também são fatores cruciais na redução da pobreza monetária. Isso porque
aumentos no nível de ocupação se mostraram consistentemente associados a uma
diminuição na proporção de pobres, indicando que políticas que estimulem a criação de
empregos e promovam oportunidades de trabalho podem ter impactos significativos na
redução da pobreza.
No entanto, apesar dos efeitos relativamente modestos, é importante reconhecer
que os repasses do BPC e do PBF contribuem para amenizar a pobreza, pois
proporcionam renda às pessoas mais vulneráveis. No entanto, para além da distribuição
de renda, um grande desafio para os formuladores de políticas sociais é promover outras
políticas complementares que possam erradicar ou combater a pobreza de modo mais
efetivo. Para isso, é necessária uma abordagem multifacetada baseada não apenas em
políticas assistencialistas, mas também em medidas que promovam a equidade econômica
e a promoção do emprego para combater a pobreza de forma mais significativa.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo teve como objetivo avaliar os efeitos das transferências de renda
realizadas pelo BPC e pelo PBF sobre a redução da pobreza no Brasil no período que
compreende os anos de 2012 a 2022. Considerou-se a heterogeneidade existente no país,
visto que a pobreza é uma variável que se distribui de forma assimétrica entre as unidades
da federação brasileira e por isso mesmo foi utilizado como método de estimação o
modelo de dados em painel. Além do BPC e PBF foram incluídas como variáveis de
controle o índice de Gini e o nível de ocupação.
Observou-se que nas unidades da federação brasileira, entre 2012 e 2022 houve,
de modo geral, redução da pobreza e da desigualdade de renda, dois fatos positivos. No
entanto, o nível de ocupação também sofreu diminuição, indicando aumento das
dificuldades de obtenção da renda via mercado de trabalho.
Os resultados das estimações mostram que o BPC, embora contribua para reduzir
a pobreza, tem um impacto menor relativamente ao nível de ocupação e à desigualdade

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de renda. O PBF também segue a mesma tendência, porém seu impacto é ainda menor do
que o do BPC. Provavelmente a resposta da pobreza é pequena porque os valores
repassados por estes programas são baixos, sobretudo os do PBF.
Sendo assim, as políticas voltadas para diminuir a alta concentração da renda
seriam mais eficazes no combate à pobreza. Da mesma forma, políticas que ampliem a
oferta de empregos, sobretudo de empregos de qualidade, também teriam maiores
impactos para o enfrentamento da pobreza de forma mais permanente. No entanto, tais
políticas levam mais tempo para surtirem efeitos.
Conclui-se que mesmo com um baixo nível na capacidade de redução da pobreza,
as políticas de transferência de renda são importantes, pois elas são capazes de aliviar os
problemas imediatos causados pela pobreza, embora não consigam combatê-la ou
erradicá-la por completo.

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