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FRAGMENTOS
Mário S. F. Maia
APRESENTAÇÃO
Neste quadro de uma “Teoria Geral da Ética”, meu objetivo principal aqui foi
inferir alguns modelos éticos a partir da análise da filosofia (ideal) e da vida
vivida por alguns filósofos célebres (já que reconhecidos pelo público não
expert).
Sob a análise interior (de foro íntimo, como no jargão jurídico) pode-se dizer
que um “modelo” ético é uma espécie de utopia. Em geral ele não estabelece
regras minuciosas de conduta, mas sua principiologia sugere uma espécie de
lugar para o qual devemos olhar e orientar a nossa caminhada de vida. Uma
forma de controle da angústia existencial.
M. S. F. M em 17/01/22.
HISTÓRIA DAS IDEIAS ÉTICAS (I)
ÉTICA SOCRÁTICA
Para responde-la temos que atentar para um fato inicial importante, Sócrates
nunca publicou um texto em sua vida, ele não foi um escritor. Ele nunca
escreveu sobe um modelo de felicidade e de vida boa. Então, se há um “modelo”
efetivamente socrático ele não pode ser obtido de fonte escrita direta1.
2
Ver KIERKEGAARD, 2013.
A vida autentica, é, digamos, uma vida fora do comum, que aponta novos
caminhos. Há, portanto, uma contribuição positiva ou moral do afazer filosófico.
Com isso se quer dizer que a atitude crítica não é somente desconstrutiva.
Uma vida simples, pacata, sem muitas viagens ou excitações de qualquer tipo:
“Se tomares nas mãos o dia de hoje conseguiras depender menos do dia de
amanhã; talvez te apeteça perguntar como procedo eu (...) dir-te-ei com
franqueza: como alguém que vive bem, mas sem esbanjamento. Tenho as
minhas contas em dia!” (p. 2).
Uma vida vivida sem grande apego as coisas, sem grandes ambições e com
discrição, sem chamar a atenção:
“Nenhum objeto dá bem estar ao seu possuidor senão quando esse está
preparado para ficar sem ele” (p. 8). “Evita tudo quanto se torna notado quer na
tua pessoa, quer no seu estilo de vida.” (p. 10).
“Para começar não devemos ter ambições (...) em segundo lugar não devemos
possuir nada capaz de ser aliciante para um eventual salteador (...) qualquer
ladrão deixa em paz quem nada tem (...)” (p. 46).
3
“[as cartas a Lucílio] são a forma mais amadurecida do seu pensamento [Sêneca]; [elas contem]
uma soma de reflexões sobre enorme variedade de problemas, na sua totalidade de caráter
ético” (CAMPOS In SÊNECA, 2014, p. V)
“Se quiseres estar livres para cuidares da alma deverás ser pobre, ou fazer vida
de pobre. O estudo da filosofia não dará fruto se não adotares uma vida frugal;
ora, a frugalidade não passa de pobreza voluntária.” (p. 58).
Uma vida sábia e boa é uma vida que envolve o conhecimento interior. Envolve,
portanto, uma dose de reflexão. Isso não significa necessariamente uma vida
completamente isolada dos outros, em puro ato de contemplação individual,
mas uma vida equilibrada onde a felicidade seja buscada dentro de si:
“Os teus autênticos bens são apenas de foro íntimo.” (p. 18).
“[o sábio] embora se baste a si próprio, precisa de ter amigos; deseja mesmo
tê-los no maior número possível, mas não para vier uma vida feliz, pois é capaz
de viver uma vida feliz mesmo sem amigos.” (p. 25).
Uma vida boa é uma vida sem medo e sem angústias. É uma vida
“presentificada”, ou seja, vivida no presente mais radical. Há nisso um caráter
terapêutico:
“O mais feliz dos homens, o dono seguro de si próprio é aquele que aguarda sem
ansiedade o dia seguinte. Quem cotidianamente diz ‘vivi!’” (p. 36).
“O pânico que nos toma apensa provém de suspeitas e ilusões. (...) Não há tipo
de terror tão funesto, tão incontrolável como o pânico; se o medo faz perder a
razão o pânico gera a completa loucura. É natural que no futuro nos suceda um
mal qualquer, o fato é que de momento ainda não existe. (...) Mesmo que seja no
futuro para quê começar a sofrer antecipadamente?” (p. 42).
“O que nós estoicos, de fato afirmamos é que tudo o que nos suscita múrmuros
e suspiros não tem a mínima importância e só merece desprezo.” (p. 40).
“Dize-me que te preocupa qual será o resultado de um processo intentado
contra ti por um inimigo furibundo e julgas que eu te poderei persuadir-te a
teres melhores pensamentos e a te deixares embalar por esperanças
lisonjeiras. Mas para quê estares a sofrer antecipadamente com os teus males,
que aliás se farão sentir bem depressa e a estragares o presente com o medo
do futuro?” (p. 87).
“Admito que é inata em nós a estima pelo próprio corpo, admito que temos o
dever de cuidar dele. Não nego que devamos dar-lhe atenção, mas nego que
devamos ser seu escravo.” (p. 44).
“o resultado duma cólera extrema é a insânia, e por isso não há que evitar a
cólera, não tanto por obediência à moderação, como para conservar a sanidade
mental!” (p. 65).
A filosofia como “ação” para a vida boa, ou seja, a filosofia como orientação ética
comportamental efetiva:
“Não pense que te escrevo para dizer como o inverno, que, aliás, foi curto e
pouco rigoroso, se portou bem conosco, ou como a primavera está
desagradável, ou como o frio chegou fora de tempo! Isso são frioleiras próprias
de quem fala por falar. Eu só escrevo aquilo que sinto ter utilidade (...) O que
tens a fazer antes de mais, caro Lucílio, é aprender a ser alegre. (...) O meu
desejo é que a alegria habite sempre em tua casa (...) acredita-me, a verdadeira
alegria é uma coisa muito séria. Julgas tu que se pode pensar em desprezar a
morte, em abrir as portas à pobreza, em refrear os prazeres, em exercitar a
capacidade de suportar a dor – e tudo isso sem franzir a testa, sempre com o
rosto, como diriam os nossos jovens pretensiosos, descontraído? Quem
interioriza estes pensamentos alcança uma grande alegria, mas de ar pouco
sorridente!” (p. 85).
ÉTICA EM SCHOPENHAUER
Trata-se de uma postura, digamos, existencialista que nos indica que a vida é
um pequeno acontecimento de subjetividade localizado temporalmente entre o
nascimento e a morte. É nesse particular, inclusive, que podemos perceber um
aspecto interessante da obra de Schopenhauer: a sua proximidade da visão de
mundo oriental. Não é infrequente as menções a literatura sânscrita ou ao
pensamento budista.
“Digamos, portanto, em poucas palavras que se denomina justo quem quer que
reconheça espontaneamente os limites traçados só pela moral entre o certo e
o injusto e que o respeita, mesmo na ausência do Estado, ou de qualquer outro
poder capaz de os manter (...) [o indivíduo justo] para aumentar o seu bem-estar
nunca irá infligir sofrimentos ao outro (...) na mesma medida o seu olhar fura o
princípio da individuação, o véu de Maya: ele coloca o seu semelhante em pé de
igualdade consigo; não lhe faz mal” (SCHOPENHAUER, 2001, p. 389).
“Sempre desejei uma boa morte, pois quem durante toda vida foi só, decerto
saberá enfrentar melhor que outro esse negócio solitário. Em vez de ser tomado
pelo berreiro próprio a limitada capacidade dos bípedes, expirarei na alegra
consciência de ter cumprido a minha missão, e de retornar para lá, de onde
emergi, altamente agraciado.”. (SCHOPENHAUER, 2009, p. 69).
“O que serás após a morte – embora seja nada – será para ti tão natural como
é agora o teu ser orgânico individual; portanto, deverias temer o instante da
travessia. (...) Uma vez que a existência é essencialmente pessoal, tampouco o
termino da personalidade pode ser considerado uma perda.” (SCHOPENHAUER,
2016, p. 31).
“Nossa existência não tem nenhuma base na qual apoiar-se mais que o presente
que se desvanece. Por isso, tem por forma o movimento constante, sem
possibilidade alguma de descanso pelo qual ansiamos.” (SCHOPENHAUER, 2016,
p. 77).
SPINOZA: ÉTICA
A razão nos leva a uma vida ética que, por sua vez, consiste em nos adequarmos
a natureza. O comportamento justo é racional. A razão nos ajuda a controlar os
desejos; controla o querer; enfrenta a frustração. Uma visão panteísta.
A Natureza é Deus
“(...) a natureza não age em função de um fim, pois o ente eterno e infinito que
chamamos de Deus ou natureza age pela mesma necessidade pela qual existe.”
(SPINOZA, 2019, p.156).
“Quanto ao bem e ao mal, também não designam algo de positivo a respeito das
coisas, consideradas e si mesmas, e nada mais são do que modos de pensar ou
de noções, que formamos por compararmos coisas entre si. Com efeito, uma
única coisa pode ser má e boa ao mesmo tempo (...) Assim, por bem
compreenderei aquilo que sabemos, com certeza, ser um meio para nos
aproximarmos cada vez mais do modelo de natureza humana que
estabelecemos. Por mal, por sua vez, compreenderei aquilo que, com certeza,
sabemos que nos impede de atingir esse modelo.” (SPONOZA, 2019, p. 157).
“É útil aquilo que conduz à sociedade comum dos homens, ou seja, aquilo que
faz com que os homens vivam em concórdia e, inversamente, é mau aquilo que
traz discórdia à sociedade civil.” (SPINOZA, 2019, p. 185).
“Não há nada que o homem livre pense menos que na morte e sua sabedoria
não consiste na meditação da morte, mas da vida”. (SPINOZA, 2019, p. 200).
“Não é pelas armas, entretanto, que se pacificam os ânimos, mas pelo amor e
pela generosidade” (SPINOZA, 2019, p. 206).
“É comum que a concórdia seja gerada também pelo medo, mas neste caso,
trata-se de uma concórdia à qual falta a confiança. Acrescente-se que o medo
provem da impotência de animo; e que não diz respeito, por isso, ao uso da razão
(...)” (SPINOZA, 2019, p. 207).
“(...) O fato é que todas as coisas acabaram por se resumir ao dinheiro. Daí que
sua imagem costuma ocupar inteiramente a mente do vulgo pois dificilmente
podem imaginar outra espécie de alegria que não seja a que vem acompanhada
da ideia de dinheiro como sua causa. Esse vício, entretanto, só pode ser
atribuído àqueles que buscam o dinheiro não porque este lhes falte ou para
suprir as suas necessidades, mas porque aprenderam a arte do lucro, da qual
muito se vangloriam.” (SPINOZA, 2019, p. 209).
Referências
ÉTICA CRISTÃ
Ainda sob o olhar sociológico, pode se dizer que no Brasil atual o protestantismo
institucional (“evangélicos”) vive uma espécie de mudança de status: Deixa de
ser discurso culturalmente periférico e passa a ocupar o centro institucional da
República (bancada institucional no congresso4, associações de juristas e
4
Sobre o crescimento da banca evangélica, ver QUADROS; MADEIRA, 2018.
empresários, etc.). Há uma “capitalização cultural” dos valores do grupo na
economia de bens simbólicos5.
Tentei formular uma resposta pela leitura do texto de base (o novo testamento)
sob uma chave dupla: uma pragmática – onde se tenta projetar o contexto de
vida do cristo histórico – e uma semântica – quando se tenta interpretar o
conteúdo de algumas passagens.
“[No ocidente atual] la idea Cristiana aún se utiliza, pero fundamentalmente de forma ideológica,
esto es, sin basarse de forma efectiva en el espíritu y la conduta de la mayoría que profesa
essas ideas.” (FROMM, 2016, p. 214).
“Mas a Europa terá sido de fato cristianizada? Não obstante a a resposta afirmativa dada a essa
questão, uma análise mais acuradas demostra que a conversão da Europa ao cristianismo
constitui-se num fracasso geral. O máximo que se pode falar é de uma limitada conversão ao
5
Veja, por exemplo, a estratégia de marketing “eu sou universal” onde os “casos de sucesso”
apresentam agentes do público “tradicional” - um morador de rua que se transformou em
empresário de sucesso – ao lado de um público não tradicional – um modelo e uma chefe de
cozinha, por exemplo. Em: https://www.universal.org/eu-sou-a-universal/cases/ Acessado em
03/10/2019.
cristianismo ocorrida no século XII ao XVI e que nos séculos anteriores e posteriores a esse
período a conversão foi, na maior parte, uma ideologia e uma submissão mais ou menos séria
à igreja; não significou uma mudança de sentimentos, isto é, de estrutura de caráter (...)”
(FROMM, 1987, p. 141)
45ª Tese. Deve-se ensinar aos cristãos que aquele que vê seu próximo padecer necessidade e
a despeito disto gasta dinheiro com indulgências, não adquire indulgência do papa, mas desafia
a ira de Deus.
54ª Tese. Comete-se injustiça contra a palavra de Deus quando, no mesmo sermão, se consagra
tanto ou mais tempo à indulgência do que à pregação da palavra do Senhor.
“Nesta altura devo dirigir a palavra àqueles que, não tendo nada de Cristo exceto o título,
entretanto querem ser reconhecidos como cristãos. Que atrevimento deles, quererem gloriar-
se em seu sacrossanto nome! (...)
Vê-se, pois, que é baseados em ensinamentos falsos que esses tais dizem que conhecem a
Cristo. E com isso lhe fazem grande injúria, por mais belas que sejam as suas palavras. Porque
o evangelho não é uma doutrina de língua, mas de vida. E, diferentemente das outras disciplinas,
não se apreende só pela mente e pela memória, mas deve envolver e dominar a alma e ter como
sede e receptáculo as profundezas do coração. (...)
...razão temos nós para detestar os palradores que se contentam em ter o evangelho na boca,
desprezando-o totalmente em sua maneira de viver!”
6
http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/hdh_martinho_lutero_95teses.pdf
7
https://frutodagraca.files.wordpress.com/2010/03/institutas-da-religiao-crista-joao-calvino.pdf
moralidade cristã. Nesse sentido buscamos o modelo ético na vida do chamado
Jesus Histórico.
“Quando falamos em cristologia pretendemos nos limitar ao discurso sobre a própria pessoa de
jesus e a sua missão ... não tocamos, pois, a não ser indiretamente, na mensagem de Jesus.”
(SEGALLA, 1992, p. 9).
“Quero provar que Jesus, Ieshua, é o parâmetro daquilo que significa ser cristão”. (SWIDLER,
1993, p. 7).
“[Jesus] foi um herói do ser, do dar, do participar. Essas qualidades constituíam profundo
atrativo para os romanos pobres, bem como para alguns ricos, que tiveram abalado o seu
egoísmo.” (FROMM, 1987, p. 142).
“Acresce que, para nos despertar mais vivamente, a Escritura nos demonstra que, assim como
Deus em Cristo nos reconciliou consigo, assim também ele o constituiu em exemplo e padrão
ao qual devemos amoldar-nos.” (CALVINO, p. 48).
Jesus teve uma vida simples: foi um operário pobre entre os pobres
“E Jesus, andando junto ao mar da Galileia, viu a dois irmãos (..) que lançavam rede ao mar,
porque eram pescadores: E disse-lhes: vinde após mim e eu vos farei pescadores de homens”
(Mateus, 4, 18).
Vida simples. Sem apego a bens materiais. Vejamos a cena descrita em Marcos,
10.
[Jesus] Então falta apenas uma coisa: “Vai, vende tudo quanto tens, e dá aos pobres (...)”
“[Jesus] trabalhador manual. Não é um homem que levante voo às nuvens, sobre teorias. Suas
intuições e ensinamentos são concretos ...” (LARRANAGA, 1989, p. 23).
“O que parece ter impressionado muitos dos contemporâneos de Ieshua na pessoa dele,
tornando-os seus discípulos, deve ter sido sua sabedoria e seu amor interiores ... ele
apresentava o ideal de amor altruístico.” (SWIDLER, 1993, p. 66).
“Ao advogar a vida no amor altruístico [Jesus] instava outros a aprenderem com sua humildade.”
(SWIDLER, 1993, p. 67).
“Em sua própria carne, Jesus chegou a experimentar que Deus não é, antes de tudo, temor, mas
amor.” (LARRANAGA, 1989, p. 40).
“Amai a vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam” (Lucas, 6, 27).
“Embora os conceitos possam diferir, uma crença define qualquer ramo do cristianismo: a
crença em Jesus Cristo como salvador da humanidade, que deu sua vida pelo amor de seus
semelhantes. Ele foi um herói do amor, um herói sem poder, que não empregou a força, que não
queria governar, que não queria possuir nada.” (FROMM, 1987, p. 142).
“Existe, em primeiro lugar, um traço que se destaca com vigor extraordinário: a liberdade de
Jesus.” (ECHEGARAY, 1982, p. 135).
Jesus respeitava a lei dos judeus, mas fazia a sua interpretação (com liberdade).
Não dogmático. Atuava com independência dos “doutores da lei”. (Ver FOX, 1993,
p. 104 – 114).
Jesus foi contrário à|z boa parte da vida religiosa institucionalizada na sua
época. Os judeus – como ele – que iam na Sinagoga “mostrar” para os outros a
sua fé eram comumente criticados.
Jesus viveu a vida dele sem se preocupar com o “falatório”. Criticava a hipocrisia
como no julgamento da adultera (“Atire a primeira pedra”).
“Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e então veras bem para tirar o argueiro que está no
olho do teu irmão”. (Lucas, 6, 42).
[Fala de Jesus] “Acautelai-vos primeiramente do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia... Mas
nada há encoberto que não haja de ser descoberto” (Lucas, 12, 1-2).
Há trecho no novo testamento que descreve Jesus agressivo, batendo com uma
espécie de chicote nas pessoas e destruindo uma sinagoga que havia se
transformado em “ponto de venda” de “artigos” (na verdade, animais) para a
atividade sagrada.
“... a subversão violenta, a matança de outros não corresponde ao seu modo de ser”
(RATZINGER, 2011, p. 26).
Por sua vez a ética humanista se encontra, em boa medida, positivada nos
documentos constitucionais modernos definidores dos direitos fundamentais.
“Concluindo nosso trabalho, reassumimos, agora, as linhas fundamentais que tornam possível
o diálogo ético com o humanismo moderno, secular ou secularista.” (HARING, 1976, p. 193).
“Muitas vezes o cristão e o humanista secular unem-se na luta contra várias formas de
discriminação ...’ (HARING, 1976, P. 195).
“Já São Paulo, encontra uma ponte para o diálogo com os humanistas do seu tempo,
influenciados pela ética estóica, no conceito de consciência e relacionou a fé a convicção sincera
da consciência ... o homem de hoje apela para a consciência
quando protesta contra a intolerância dos indivíduos ... contra preconceitos ... contra a violação
cruel das leis promulgadas em favor do bem comum especialmente daquelas destinadas a
tutelar os direitos fundamentais de cada pessoa. Em nome da consciência, são contestadas,
sobretudo, as tentativas de lavagem cerebral.” (HARING, 1976, p. 196).
A doutrina ética da montanha (Mateus, 5). Nele Jesus faz uma interpretação dos
mandamentos antigos – será considerado “grande” no reino dos céus quem:
1. Não matar;
2. Quem não tiver ódio (“encolerizar”) sem motivo com um irmão – devemos
buscar fazer as pazes;
3. Não cometer adultério (nem em pensamento) “qualquer que atentar
numa mulher para cobiçar já em seu coração cometeu adultério com
ela”);
4. Não fizer juramentos;
5. Não buscar revanche acima de tudo (“se qualquer te bater na face direita,
oferece-lhe também a outra”);
6. For caridoso (“Dá a quem te pedir.”)
7. Amar a todos, inclusive os seus inimigos (“pois se amardes os que vos
amam, que galardão tendes?”)
8. Fizer o bem sem se preocupar com a publicidade do ato bondoso
(“Quando, pois, deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti”);
9. Não for hipócrita. (“Não julgueis para que não sejais julgados”; “E, quando
orares, não sejas como os hipócritas, pois se comprazem em orar de pé
nas sinagogas e às esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens.”;
“Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e então veras claramente para
tirar o argueiro do olho do teu irmão”);
10. Perdoar a quem te faz mal “Se perdoardes aos homens as suas ofensas,
também vosso Pai celestial vos perdoará a vós.”);
11. Tiver uma vida sem apego aos bens materiais (“Não ajunteis tesouros da
terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem ... Mas ajuntai tesouros
no céu.”);
12. Viver uma vida “presentificada” sem grande ansiedade pelo futuro (“Não
vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará
de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal.”);
13. Agir com os outros da mesma forma que gostariam que agissem consigo
próprio (“tudo o que vós quereis que os homens o façam, fazei-lho
também vós”).
14. For prudente – quem seguir às normas éticas do Pai será prudente.
(“Todo aquele, pois, que escuta estas minhas palavras e as pratica,
assemelhá-lo-ei ao homem prudente, que edificou a sua casa sobre
rocha.”)
A ética de Kant é a ética do dever. Isso significa que nós, seres racionais,
devemos respeitar a nós mesmos e aos outros seres racionais e agir de
maneira ética. Kant fundamenta a sua ética com base em elementos “terrenos”,
ou seja, não busca orientar as nossas ações a partir do medo de consequências
para a nossa vida depois da morte.
“Se nossas vontades e nossos desejos não podem servir de base para a moralidade, o que nos
resta então? Deus é uma possibilidade. Mas essa não é a resposta de Kant.” (SANDEL, 2012, p.
139).
Para Kant uma ação tem valor moral quando, mesmo sem interesse, o agente
age considerando o seu dever. Por exemplo, uma pessoa de bem com a vida e
“bem de vida” deve fazer caridade e com isso se sente feliz, isso é esperado e
não torna a ação moralmente valiosa. Agora, se um sujeito infeliz, apesar de ter
dinheiro, faz caridade, apesar de esta não o trazer felicidade ele o faz
simplesmente por sentimento de dever racionalmente percebido. Essa última é
uma ação moralmente valiosa. Um ser humano de caráter é o que tem noção do
seu dever. (Inferência do exemplo de KANT, 2007, p. 28).
Kant não define o “conteúdo” ético que devemos seguir. Isso está de acordo com
o que ele acredita ser o papel de sua “Metafísica dos costumes” no esquema da
divisão do trabalho acadêmico.
“Metafísica dos Costumes, que deveria ser cuidadosamente depurada de todos os elementos
empíricos, para se chegar a saber de quanto é capaz em ambos os casos a razão pura e de que
fontes ela própria tira o seu ensino a priori.” (KANT, 2007, p. 15). Ainda: “... a Filosofia moral
assenta inteiramente na sua parte pura, e, aplicada ao homem, não recebe um mínimo que seja
8
“O que importa para Kant é que a boa ação seja feita por ser a coisa certa – quer isso nos dê
prazer quer não.” (SANDEL, 2012, p. 147).
9
“Kant é muito rigoroso com a mentira. Em ‘Fundamentação’ a mentira é o principal exemplo do
comportamento imoral”. (SANDEL, 2012, p. 165).
do conhecimento do homem (Antropologia), mas fornece-lhe como ser racional leis a priori.”
(KANT, 2017, p. 16).
“Neste mundo, e até também fora dele, nada é possível pensar que possa ser considerado como
bom sem limitação a não ser uma só coisa: uma boa vontade. Discernimento , argúcia de espírito,
capacidade de julgar e como quer que possam chamar-se os demais talentos do espírito, ou
ainda coragem, decisão, constância de propósito, como qualidades do temperamento, são sem
dúvida a muitos respeitos coisas boas e desejáveis; mas também podem tornar-se
extremamente más e prejudiciais se a vontade, que haja de fazer uso destes dons naturais e
cuja constituição particular por isso se chama carácter, não for boa.” (KANT, 2007, p 21).
“Moderação nas emoções e paixões, autodomínio e calma reflexão são não somente boas a
muitos respeitos, mas parecem constituir até parte do valor íntimo da pessoa; mas falta ainda
muito para as podermos declarar boas sem reserva (ainda que os antigos as louvassem
incondicionalmente). Com efeito, sem os princípios duma boa vontade, podem elas tornar-se
muitíssimo más, e o sangue--frio dum facínora não só o torna muito mais perigoso como o faz
também imediatamente mais abominável ainda a nossos olhos do que o julgaríamos sem isso.”
(KANT, 2007, p. 22).
Mas o que é agir com boa vontade? É respeitar a lei da razão. Um ser humano
de “caráter” é o que tem noção desse dever. Diz Kant “Dever é a necessidade de
uma ação por respeito à lei”. (KANT, 2007, p. 31).
Somo livres e racionais. Somos livres, mas não podemos fazer tudo. Devemos
obedecer a uma lei ditada pela razão. Uma lei que nós mesmos fazemos10, daí a
nossa liberdade. Isso é um imperativo; categórico. Que lei é essa?
“Uma vez que despojei a vontade de todos os estímulos que lhe poderiam advir da obediência a
qualquer lei, nada mais resta do que a conformidade a uma lei universal das acções em geral
que possa servir de único princípio à vontade, isto é: devo proceder sempre de maneira que eu
possa querer também que a minha máxima se torne uma lei universal .” (KANT, 2007, p. 33). “O
imperativo categórico é portanto só um único, que é este: Age apenas segundo uma máxima tal
que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.” (KANT, 2007, p. 59).
10
Trata-se de uma formulação no campo moral-individual que corresponde àquela formulada
no campo político-coletivo por Rousseau. Obedecemos as leis porque a lei corresponde a
vontade geral.
Então, para Kant, para guiar as nossas condutas na Terra, devemos “fazer o
teste” do imperativo categórico, ou seja, se a ação ou omissão puder ser
universalizada (ser adotada como modelo por todos), então, estamos agindo de
maneira coerente com o nosso dever e podemos julgar essa ação como
eticamente positiva.
“Temos que poder querer que uma máxima da nossa acção se transforme em lei universal: é
este o cânone pelo qual a julgamos moralmente em geral.” (KANT, 2007, p. 62).
“Uma outra pessoa vê-se forçada pela necessidade a pedir dinheiro emprestado. Sabe muito
bem que não poderá pagar, mas vê também que não lhe emprestarão nada se não prometer
firmemente pagar em prazo determinado. Sente a tentação de fazer a promessa; mas tem ainda
consciência bastante para perguntar a si mesma: Não é proibido e contrário ao dever livrar-se
de apuros desta maneira? Admitindo que se decidia a fazê-lo, a sua máxima de ação seria:
Quando julgo estar em apuros de dinheiro, vou pedi-lo emprestado e prometo pagá-lo, embora
saiba que tal nunca sucederá. Este princípio do amor de si mesmo ou da própria conveniência
pode talvez estar de acordo com todo o meu bem-estar futuro; mas agora a questão é de saber
se é justo. Converto assim esta exigência do amor de si mesmo em lei universal e ponho assim
a questão: Que aconteceria se a minha máxima se transformasse em lei universal? Vejo então
imediatamente que ela nunca poderia valer como lei universal da natureza e concordar consigo
mesma, mas que, pelo contrário, ela se contradiria necessariamente. Pois a universalidade de
uma lei que permitisse a cada homem que se julgasse em apuros prometer o que lhe viesse à
ideia com a intenção de o não cumprir, tornaria impossível a própria promessa e a finalidade
que com ela se pudesse ter em vista; ninguém acreditaria em qualquer coisa que lhe
prometessem e rir-se-ia apenas de tais declarações como de vãos enganos.” (KANT, 2007, P.
60).
Então, basta agir com os outros como achamos que eles deveriam agir conosco?
Essa é a regra de ouro. É isso que Kant quer dizer? Não.
“O imperativo categórico de Kant ... não seria isso a mesma coisas da regra de ouro? (Faça aos
outros o que deseja que os outros façam a você). Não. A regra de ouro depende de fatos
contingentes que variam de acordo com a forma como cada um gostaria de ser tratado. O
imperativo categórico obriga-nos a abstrair essas contingências e a respeitar as pessoas como
seres racionais, independente do que ela possa desejar em uma determinada situação.”
(SANDEL, 2012, p. 157).
Então, para Kant, não se trata de agir conforme o nosso querer, trata-se de
verificar se a minha ação pode ser uma ação universal. De certa forma podemos
dizer que a ética kantiana é aquela que aponta para uma ação humana que vá
para além do querer, trata-se do dever.
Por exemplo, ao saber de uma grave doença da sua mãe, que já demostra não
estar completamente consciente, você se questiona sobre se deve ou não a
contar. Se você mesmo, estando na situação da sua mãe, não gostaria que te
contasse, de acordo com a regra de ouro deveria fazer o mesmo com a sua mão.
Submetendo ao teste do imperativo categórico de Kant, vê se o “dever” de contar
na medida em que a mentira não pode se tornar universal.
“... essa ideia singular, hoje tão comum e corrente ... da profissão como dever ... é essa ideia que
é característica da ‘ética social’ da cultura capitalista ...” (WEBER, 2004, p. 47).
“O ‘tipo ideal’ de empresário capitalista ... não tem nenhum parentesco com esses ricaços de
aparência mais óbvia ... ele se esquiva à ostentação e à despesa inútil, bem como ao gozo
consciente do seu poder ... sua conduta de vida, noutras palavras, comporta quase sempre certo
lance ascético.” (WEBER, 2004, p. 63).
Além disso Weber atenta para o fato de existir, na formação escolar para os
postos técnicos e para as “profissões comerciais e industriais” uma
predominância dos protestantes (WEBER, 2004, p. 32).
“Lembra-te que tempo é dinheiro; aquele que com seu trabalho pode ganhar dez xelins ao dia e
vagabundeia metade do dia ... não deve, mesmo que gaste apenas ses pence para se divertir,
contabilizar só essa despesa na verdade gastou, ou melhor, jogou fora, cinco xelins a mais.
Lembra-te que crédito é dinheiro. Se alguém me deixa ficar com seu dinheiro depois da data de
vencimento, esta me entregando os juros ... Lembra-te que dinheiro é procriador por natureza
e fértil ... Lembra-te que um bom pagador é senhor da bolsa alheia. Quem é conhecido por pagar
pontualmente na data combinada pode a qualquer momento pedir emprestado todo o dinheiro
que seus amigos não gastam... nada contribui mais para um jovem subir na vida do que
pontualidade e retidão em todos os seus negócios... As pancadas do teu martelo que teu credor
escuta às cinco da manhã ou às oito da noite os deixam seis meses sossegado; mas se te vê à
mesa de bilhar ou escuta tua voz numa taberna quando devias estar a trabalhar, no dia seguinte
vai te reclamar o reembolso ...”]
“A salvação da alma, e somente ela, foi eixo de sua vida e ação [dos reformadores]. Seus
objetivos éticos e os efeitos práticos de sua doutrina estavam ancorados aqui e eram, tão só,
consequências de motivos puramente religiosos. Por isso temos que admitir que os efeitos
culturais da reforma foram em boa parte ... consequências imprevistas e mesmo indesejadas
do trabalho dos reformadores...” (WEBER, 2004, p. 81).
“... o que nos cabe é tornar um pouco mais nítido o impacto que os motivos religiosos ... tiveram
na trama do desenvolvimento da nossa cultura moderna especificamente voltada para ‘este
mundo’” (WEBER, 2004, p. 82).
“a luta contra a concupiscência da carne não era .... uma luta contra o ganho ... às pessoas de
posses ela queria impingir não a mortificação, mas o uso da propriedade para coisas necessária
e úteis em termos práticos ... a noção de comfort circunscreve de forma característica o âmbito
de seus empregos eticamente lícitos.” (WEBER, 2004, p. 156).
“A chegada do pentecostalismo no Brasil foi quase concomitante com o seu surgimento nos
Estados Unidos. Lá ele surgiu em 1906 e aqui em 1910, quando missionários fundaram a
Congregação Cristã no Brasil. No ano seguinte foi fundada a Assembléia de Deus. (...) Esta
primeira onda expansionista, classificada como clássica, foi absoluta entre 1910 e 1950.”
(TORRES, 2007, p. 106).
“A terceira onda expansionista, chamada de neopentecostalismo ... tem como núcleo central de
expansão no Brasil o Estado do Rio de Janeiro. Na década de 1970 surgiram as primeiras igrejas
desta vertente, oriunda da ação de missionários norte-americanos que “inovaram” o discurso
religioso brasileiro a partir da divulgação da Teologia da Prosperidade.” (TORRES, 2007, p. 107).
“O neopentecostalismo teve início na segunda metade dos anos de 1970. Cresceu, ganhou
visibilidade e se fortaleceu no decorrer das décadas seguintes. A Universal do Reino de Deus
(1977, RJ), a Internacional da Graça de Deus (1980, RJ), a Comunidade Evangélica Sara Nossa
Terra (1976, GO) e a Renascer em Cristo (1986, SP), fundadas por pastores brasileiros,
constituem as principais igrejas neopentecostais do país. (MARIANO, 2004, p. 123-124).
“Suas características principais têm a ver com uma rejeição radical e sectária do mundo,
construída reativamente em relação ao modo de vida das classes médias secularizadas:
rechaçavam o uso do rádio e de atributos de vaidade que ressaltavam a beleza feminina, do
mesmo modo, condenavam a participação em festas e outras atividades que fossem tidas como
do “mundo””. (TORRES, 2007, p. 106).
“O sucesso dessas igrejas é antes explicado pela sua técnica comunicativa e pela indigência
material, intelectual e espiritual do povo que a ela adere do que pela sua mensagem é que tida
como quase nula.” (MARIZ, 1995, p. 41).
“As igrejas pentecostais autônomas têm forte ênfase na trilogia: cura, prosperidade e libertação
(ou exorcismo).” (MARIZ, 1995, p. 41).
“No plano teológico, caracterizam-se por enfatizar a guerra espiritual contra o Diabo e seus
representantes na terra, por pregar a Teologia da Prosperidade, difusora da crença de que o
cristão deve ser próspero, saudável, feliz e vitorioso em seus empreendimentos terrenos, e por
rejeitar usos e costumes de santidade pentecostais, tradicionais símbolos de conversão e
pertencimento ao pentecostalismo.” (MARIANO, 2004, p. 123-124).
A teologia da prosperidade
“A Teologia da Prosperidade advoga que o cristão, além de liberto do pecado original pelo
sacrifício expiatório de Cristo, tem o direito, já nesta vida e neste mundo, à saúde física perfeita,
à prosperidade material e a uma vida abundante, livre do sofrimento e das artimanhas do diabo
(MARIANO, 2003b, p.242). Com isso, a figura do diabo também ganha uma outra interpretação,
assumindo um papel de maior destaque e importância. É implementada uma luta contra o diabo
e seus aliados, já que são eles que causam todos os males...” (TORRES, 2007, p. 108).
“Na IURD, a chamada “teologia da prosperidade” tem, acima de tudo, o sentido prático de recusar
o fracasso – “pare de sofrer!” – como forma de delimitar a identidade social por oposição reativa
a um exemplo negativo que, claro, só pode ser a imagem do fracassado, daquele que não pôde
fugir das artimanhas dos encostos e de sua ação indiscriminada e constante...” (TORRES, 2007,
p. 113).
“... a “máquina narrativa” neopentecostal torna-se uma prática discursiva que reforça a ideologia
do mérito, fazendo-a assumir a semântica mágica segundo a qual merece fracasso ou sucesso
quem for mais hábil na manipulação das forças sobrenaturais que regem a distribuição de
derrotas ou de vitórias.” (TORRES, 2007, p. 115).
“Chamada também de Health and Wealth Gospel, Faith Movement, Faith Prosperity Doctrines e
Positive Confession, a Teologia da Prosperidade surgiu nos Estados Unidos, na década de 1940,
no âmbito de grupos evangélicos que enfatizavam crenças sobre cura, prosperidade e poder da
fé.” (SOUZA, 2011, p. 14).
Referências
FOX, Robin Lane. Bíblia: verdade e ficção. São Paulo: Companhia das Letras,
1993.
QUADROS, Marcos Paulo dos Reis; MADEIRA, Rafael Machado. Fim da direita
envergonhada? Atuação da bancada evangélica e da bancada da bala e os
caminhos da representação do conservadorismo no Brasil. Opin.
Publica, Campinas , v. 24, n. 3, p. 486-522, Dec. 2018 . Available from
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
62762018000300486&lng=en&nrm=iso>. access
on 03 Oct. 2019. http://dx.doi.org/10.1590/1807-01912018243486.