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Paulo Nogueira Batista: Ação Intelectual, Projeto Nacional e Autonomia Tecnológica (1967-1974)

PAULO NOGUEIRA BATISTA: AÇÃO INTELECTUAL, PROJETO NACIONAL E


AUTONOMIA TECNOLÓGICA (1967-1974)

Adriano de Freixo*
Alvaro de Oliveira Senra**

RESUMO
Este artigo busca analisar as ideias que fundamentaram a ação política de Paulo
Nogueira Batista (1929-1994), intelectual, diplomata e dirigente do Estado brasileiro,
relacionando-as aos debates políticos travados nos anos 60 e 70 do século passado,
principalmente àqueles decorrentes das inquietações geradas pelas relações do
Brasil com as potências hegemônicas e ao esforço de busca de um desenvolvimento
que garantisse ao país autonomia no contexto internacional. Seu pensamento foi
exposto em diversos espaços, sendo registrado e catalogado em documentação
preservada. A relação entre economia internacional, política externa e a ideia de
soberania nacional constitui o principal foco do texto aqui apresentado. O período
abordado estende-se entre os anos de 1967 e 1974, quando Paulo Nogueira Batista
produziu vários documentos abordando temáticas relacionadas à política externa
brasileira, aos problemas criados pelo protecionismo dos países desenvolvidos e
sobre a necessidade de domínio da tecnologia nuclear para a produção de energia,
considerada por ele como fundamental para a autonomia energética necessária ao
desenvolvimento nacional.
Palavras-chave: Intelectuais. Estado. Soberania Nacional. Ditadura Civil-Militar
Brasileira. Política de C&T.

PAULO NOGUEIRA BATISTA: INTELLECTUAL ACTION, NATIONAL PROJECT AND


TECHNOLOGICAL AUTONOMY (1967-1974)

ABSTRACT
This work analyzes the ideas which motivated the political action of Paulo Nogueira
Batista, intellectual, diplomat and leader of the Brazilian state, relating them to the
political debates of the 60’s and 70’s of the last century, especially those deriving
from the concerns generated by Brazil’s relations with the hegemonic powers and
the effort to search for a development that would guarantee the country’s autonomy
in the international context. His thoughts were exposed in several places and they
were recorded and cataloged in preserved documentation. The connection between
____________________
* Doutor em História Social (UFRJ) e Professor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade
Federal Fluminense – INEST/UFF. Contato: < adrianofreixo@id.uff.br>.
** Doutor em Ciências Sociais (UERJ) e Professor do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso
Suckow da Fonseca – CEFET-RJ. Contato:<alvarosenra@gmail.com>.

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Adriano de Freixo / Alvaro de Oliveira Senra

international economy, foreign policy and national sovereignty idea is the focus of
this article. The period covered is between 1967 and 1974, when Paulo Nogueira
Batista produced several documents on Brazilian foreign policy, the problems
caused by the protectionism of developed countries and the need to master nuclear
technology for energy production that, according to him, was fundamental to the
energy autonomy necessary for national development.
Keywords: Intellectuals. State. National Sovereignty. Brazil’s military dictatorship.
Science and Technology policy.

PAULO NOGUEIRA BATISTA: ACCIÓN INTELECTUAL, PROYECTO NACIONAL Y


AUTONOMÍA TECNOLÓGICA (1967-1974)

RESUMEN

En este artículo se pretende analizar las ideas que motivaron la acción política de
Paulo Nogueira Batista, intelectual, diplomático y dirigente del estado brasileño,
en particular las derivadas de preocupaciones generadas por las relaciones de
Brasil con los poderes hegemónicos y la búsqueda de un esfuerzo de desarrollo que
garantice la autonomía para el país en el contexto internacional. Su pensamiento fue
expuesto en diversos espacios, siendo registrado y catalogado en documentación
preservada La relación entre la economía internacional, la política exterior y la idea
de soberanía nacional es el foco principal del texto que aquí se presenta. El período
examinado se extiende entre los años 1967 y 1974, cuando Paulo Nogueira Batista
produjo varios documentos que abordan cuestiones relacionadas con la política
exterior brasileña, los problemas creados por el proteccionismo de los países
desarrollados y la necesidad de la tecnología nuclear para la producción de energía,
considerado por él como esencial para la energía autonomía necesaria para el
desarrollo nacional.
Palabras clave: Intelectuales. Estado. Soberanía Nacional. Dictadura Civil-Militar
Brasileña. Política de Ciencia y Tecnología.

1 INTRODUÇÃO

1.1 O intelectual e seu contexto

Paulo Nogueira Batista foi diplomata e dirigente do Estado brasileiro, com


destacada atuação no Ministério das Relações Exteriores e em projetos estratégicos
voltados para a autonomia nacional nos campos energético e tecnológico, como
foi o caso do Programa Nuclear Brasileiro. Suas ideias e sua intervenção política
foram expostas em diversos espaços, estando registradas e catalogadas em acervo
no Centro de Pesquisa e Documentação da História Contemporânea do Brasil

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(CPDOC), no Rio de Janeiro.1 Este acervo é de grande relevância para o estudo de


um período de importantes decisões estratégicas por parte do Estado brasileiro
e na documentação nele contida encontram-se registros escritos de intervenções
do diplomata abordando as questões relacionadas à posição do Brasil no contexto
internacional.
Entre 1967 e 1974, pouco antes de ser empossado pelo presidente
Ernesto Geisel na direção da recém-criada estatal Empresas Nucleares Brasileiras
(NUCLEBRÁS), Paulo Nogueira Batista produziu vários documentos divulgando
seus pontos de vista sobre a conexão entre a política externa brasileira, as relações
econômicas entre o Brasil e o mundo e os problemas econômicos enfrentados pelos
países em desenvolvimento em virtude do protecionismo adotado pelas potências
hegemônicas. De grande relevância para esta pesquisa foram os documentos
abordando a necessidade de autonomia energética para o desenvolvimento
nacional, o que implicava, necessariamente, o domínio da energia nuclear para
produção de eletricidade e a superação dos bloqueios a esse domínio por parte
das potências hegemônicas. É importante ressaltar que estes trabalhos foram
apresentados em locais como a Escola Superior de Guerra (ESG), de extrema
relevância política durante a ditadura civil-militar, iniciada em 1964. A interlocução
entre a documentação pesquisada e a bibliografia utilizada permite a análise das
preocupações de Paulo Nogueira Batista, assim como a relação destas com os
condicionantes históricos, as inquietações e os modelos hegemônicos do período
abordado.
Nascido em Recife, no ano de 1929, Paulo Nogueira Batista graduou-se em
Direito e foi diplomata de carreira, tendo concluído, em 1953, o curso preparatório
ao Instituto Rio Branco. Nos anos seguintes, ocupou diversos cargos no Ministério
das Relações Exteriores, secretariou importantes reuniões de cúpula de países
americanos e trabalhou na representação brasileira em Buenos Aires, Argentina e,
mais tarde, em Ottawa, Canadá.
Durante o período autoritário (1964-1985), Batista foi nomeado subsecretário
de Planejamento Político do gabinete do Chanceler Magalhães Pinto, quando teve
papel relevante na definição da posição do governo do General Costa e Silva (1967-
1969) em relação à energia nuclear. Em 1969, Paulo Nogueira Batista participou
das conversações acerca do Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica entre o
Brasil e a República Federal Alemã (também conhecida como Alemanha Ocidental),
tema que continuou abordando e negociando entre os anos de 1969 e 1971, na
condição de Ministro Conselheiro da Embaixada brasileira em Bonn, então capital
daquele Estado europeu.
No ano de 1973, como Subsecretário de Assuntos Econômicos do Ministério
das Relações Exteriores, liderou a delegação brasileira que participou de importantes

1 O Arquivo Paulo Nogueira Batista, aqui citado nas referências como Arquivo PNB.

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rodadas do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT). No ano seguinte, em meio


à crise energética internacional subsequente à Guerra do Yon Kippur, foi enviado
do governo brasileiro ao Oriente Médio, para negociar o fornecimento de petróleo
ao Brasil. No ano de 1975, sob o governo do General Ernesto Geisel (1974-1979),
Paulo Nogueira Batista foi nomeado presidente da NUCLEBRÁS, empreendimento
resultante dos Acordos Nucleares assinados naquele mesmo ano entre o Brasil e a
Alemanha Federal (ESCOREL, 2001, p. 595-596).
Batista dirigiu a NUCLEBRÁS até o governo do General João Figueiredo (1979-
1985); no ano de 1983, foi substituído no cargo e retornou à carreira diplomática,
chefiando, no mesmo ano, a delegação permanente brasileira no Acordo Geral de
Tarifas e Comércio (GATT). Ao término do período ditatorial, já no governo civil de
José Sarney (1985-1990), Paulo Nogueira Batista seguiu ocupando postos de extrema
relevância para a diplomacia brasileira. Em 1987, na condição de embaixador
brasileiro na Organização das Nações Unidas (ONU), presidiu o Conselho de
Segurança da entidade (1988-1989). Seu trabalho na diplomacia e em instituições
do Estado estendeu-se até o ano de sua morte, em 1994 (ESCOREL, 2001, p. 596).
Como dirigente do Programa Nuclear Brasileiro, Paulo Nogueira Batista atuou
em um Estado com características fortemente autoritárias e centralizadas, durante
um período marcado pela identidade entre o projeto estatal de elevação do Brasil
à condição de potência e por uma ousada política externa de ampliação do alcance
dos interesses nacionais, o chamado Pragmatismo Responsável, posto em prática
pelo presidente Ernesto Geisel e pelo chanceler Azeredo da Silveira.
Diante das previsíveis polêmicas envolvendo a energia nuclear, Paulo Nogueira
Batista ponderava que a expansão do uso pacífico desta energia traria benefícios
para a população brasileira, pelo acesso de milhões de pessoas à eletricidade
abundante e barata, e, também, pela emancipação tecnológica que o domínio
da tecnologia necessária à sua produção traria ao país, que passaria a adquirir
capacidade de fabricar seus próprios reatores, por meio da estatal NUCLEBRÁS
Equipamentos Pesados, subsidiária da NUCLEBRÁS para a produção de máquinas.
A NUCLEP foi criada em 1975, visando atender às necessidades do Programa
Nuclear Brasileiro. A ocupação de cargo de tal importância em um governo militar
fortemente centralizado assume maior destaque em virtude da condição civil de
Batista, quadro de carreira do Itamaraty, instituição com suas fortes tradições de
formulação política autônoma.
Sob um contexto de enfraquecimento do Legislativo e esvaziamento dos
canais de pressão social, como ocorre em regimes democráticos, o papel decisório
dos quadros de Estado ampliou-se notavelmente. A autonomia decisória do
Estado apareceu, então, como variável central, caracterizando o contexto político-
institucional do Regime, com desdobramento direto nas suas decisões econômicas,
nas relações entre empresas estatais e sociedade (nas quais as restrições à atuação
daquelas diminuem muito) e nas iniciativas relacionadas à política internacional.

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O suposto distanciamento em relação às formas de pressão política normais em


períodos democráticos fortaleceu a ideia de planejamento estratégico estatal de
longo prazo, submetido a critérios “técnicos” racionais, ampliando, por consequência,
o papel desempenhado pelos quadros de Estado. (COVRE, 1983, p. 85)
Na condição de dirigente de um projeto estratégico para os objetivos
do governo Geisel de busca de autonomia energética e tecnológica para o país,
Paulo Nogueira Batista vivenciou o auge e as primeiras grandes crises do Estado
desenvolvimentista brasileiro, em seu período militar; enfrentou as críticas de setores
da sociedade civil, então em fase de reorganização e mobilização; e teve que lidar
com a oposição dos Estados Unidos às iniciativas brasileiras de desenvolvimento
da energia nuclear, mesmo que para fins pacíficos. A relevância do Programa
Nuclear Brasileiro para o projeto de soberania energética e tecnológica do País, o
impacto que ele teve nas relações entre o Brasil e outras nações (principalmente os
Estados Unidos) e a referência que ele criou para os rumos do desenvolvimentismo
brasileiro permitem estabelecer traços de continuidade histórica que se estendem
até o momento presente da história nacional.
A importância de analisar o pensamento de um notório dirigente vinculado
à política nuclear brasileira amplia-se a partir da constatação de que o Estado
brasileiro, em diferentes períodos e condições, manteve e expandiu políticas de
desenvolvimento que têm sua gênese ainda durante o período Vargas (1930-1945),
prolongando-se no interregno democrático (1945-1964) e sob o regime ditatorial
(1964-1985). Finalmente, a relevância de um estudo sobre Paulo Nogueira Batista
consolida-se a partir da conexão que nele existe entre o pensamento e a prática
política de uma trajetória que abrange os períodos acima citados, desde Vargas
até os militares. Em termos cronológicos, portanto, a atuação de Paulo Nogueira
Batista como intelectual e dirigente ocorreu em um recorte situado no interior de
um processo relativamente longo, caracterizado pelos esforços de transformação
do Brasil, de nação agrária em uma sociedade industrial moderna.

2 A DITADURA CIVIL-MILITAR E O APROFUNDAMENTO DA MODERNIZAÇÃO


CAPITALISTA BRASILEIRA

A implementação de uma ditadura civil-militar em 1964 redefiniu o pacto


de poder até então existente, estruturado ao longo da Era Vargas, permitindo
a composição de militares e certas frações do empresariado industrial. Em
termos econômicos, os governos militares mantiveram o modelo de acumulação
implantado em meados do século XX, aprimorando-o e buscando criar condições
que permitissem uma nova fase de expansão capitalista (MENDONÇA, 1985, p.
75). Assim, após o período de reorganização posto em prática nos anos iniciais do
novo regime, o Estado brasileiro acelerou o processo de expansão e modernização
econômica do país. Desta forma, entre 1964 e 1985, as políticas econômicas

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favoreceram amplamente o grande capital, nacional e estrangeiro, ao mesmo tempo


em que o Estado ampliava de forma considerável os seus investimentos produtivos
diretos em setores estratégicos, como produção de energia, siderurgia e petróleo.
Os resultados da reorganização, praticada sob as condições ditadas pelos
dois primeiros governos do período militar, começaram a sobressair a partir do
ano de 1968, quando a economia passou a sustentar altas taxas de crescimento
anual, destacadamente no setor de bens de consumo duráveis; a retaguarda desse
processo foi garantida por pesados investimentos estatais em infraestrutura e
por políticas de concessão de incentivos fiscais a setores de ponta da economia,
fortemente monopolizados. Empreendido sob condições favoráveis de liquidez
internacional, o que garantiu créditos abundantes às políticas de fomento ao
crescimento, as políticas econômicas dos militares encontraram seu momento mais
favorável nos primeiros anos da década de 1970, coincidindo com o período mais
repressivo adotado pelo regime.
A partir do final de 1973, no entanto, o contexto internacional alterou-se
profundamente, como resultado da crise energética decorrente do boicote dos
produtores árabes aos países ocidentais que apoiavam Israel. O brutal aumento
do preço dos combustíveis afetou duramente setores importantes da atividade
econômica de diversos países, demonstrando a fragilidade estratégica resultante
da dependência dos combustíveis fósseis.
O impacto da crise combinou e teve relação com os sinais de desgaste da ordem
internacional bipolar, implantada após a derrota do nazifascismo, enfraquecendo
a hegemonia norte-americana no interior do Bloco Capitalista, já abalada com
o impasse militar no Vietnã. Ao mesmo tempo, a década de 1970 começou a
transparecer o impacto de transformações tecnológicas como a microeletrônica,
cujo ambiente de difusão se tornou cada vez mais propício na medida em que as
tecnologias mais tradicionais sofriam o impacto da crise dos combustíveis.
Esse contexto internacional desafiador coincidiu com o início do governo
do general Ernesto Geisel (1974-1979), o quarto do período ditatorial. A
vulnerabilidade da economia nacional diante da crise energética, que ameaçava o
crescimento econômico, o equilíbrio comercial e o controle inflacionário, podendo
ter consequências sobre a própria legitimidade do Regime, impunha ao governo
brasileiro ações ousadas. Foi sob esse contexto que o Estado brasileiro promoveu
um grande esforço no sentido de tornar o setor de bens de produção a vanguarda
do processo de desenvolvimento nacional, sob a iniciativa das empresas estatais.
Para isso, a criação de um pequeno núcleo de empresas públicas, que seriam
responsáveis “pela compressão das importações de bens de capital e equipamentos”
(MENDONÇA, 1985, p. 86).
O governo Geisel empreendeu, sob direção estatal, uma política de acelerado
desenvolvimento industrial. Apesar das condições internacionais desfavoráveis,
este esforço, classificado pelos economistas Antônio Barbosa de Castro e Francisco

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Eduardo de Souza como “marcha forçada”, isto é, a sustentação de “taxas


de investimento excepcionalmente elevadas”, buscou contrariar a tendência
internacional dos países capitalistas em promover políticas de desaquecimento
(em virtude da crise causada, entre outros, pela elevação brutal dos preços dos
combustíveis) (CASTRO E SOUZA, 1985 p. 11-47).
Esta política foi sintetizada no II Plano Nacional de Desenvolvimento (II
PND), que objetivava levar o processo desenvolvimentista a um patamar superior,
garantindo à economia nacional um maior grau de autossuficiência em setores
econômicos tidos como fundamentais, por meio de investimentos pesados em
siderurgia, petroquímica, telecomunicações, energia nuclear e outros setores
considerados estratégicos. A opção representada por esse plano levou o Estado
brasileiro a investir na pesquisa e a buscar novos padrões de formação de recursos
humanos altamente qualificados, articulando de forma mais estreita as universidades
com a produção científica, estabelecendo, assim, uma forte vinculação entre
tecnologia e economia.
Essa vinculação objetivava permitir ao desenvolvimento brasileiro atingir
novos patamares, diante de uma conjuntura internacional de crise energética que
provavelmente perduraria e que significaria o fim de uma era de energia fóssil
abundante e barata. O problema à frente, portanto, não era somente garantir o
crescimento econômico conforme os moldes anteriores estabelecidos pelas políticas
desenvolvimentistas, mas “redirecionar os rumos da industrialização brasileira, ao
priorizar a industrialização pesada, os tradeables e a alteração da matriz energética,
cujo impacto na estrutura do balanço de pagamentos nos anos seguintes parecem
inquestionáveis”. (FONSECA; MONTEIRO, 2008).
Neste sentido, a opção do II PND pela energia nuclear encontra seu sentido:

O Programa Nuclear objetiva, de um lado, preparar o Brasil


para o estágio dos anos 80, em que a energia nuclear já deverá
corresponder a parcela significativa da energia elétrica gerada
no País (cerca de 10 milhões de kW, até 1990). E, de outro
lado, a continuar trabalhando no campo de outras aplicações
da ciência nuclear, como seja a utilização de isótopos na
agricultura, medicina e indústria, e a examinar a possibilidade
do uso da energia nuclear na Indústria Siderúrgica. (BRASIL. II
Plano Nacional de Desenvolvimento).

Neste contexto, a formulação de um programa de produção de energia


nuclear que visasse ao desenvolvimento de capacidade tecnológica autônoma
se insere como uma das mais importantes decisões políticas da história do
desenvolvimentismo brasileiro. O resultado foi a assinatura de um acordo
de cooperação com o governo alemão, prevendo a construção de oito usinas

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nucleares e de transferência de tecnologia por intermédio da criação de empresas


de prospecção de minerais radioativos, de fabricação e reprocessamento de
combustível. Nas palavras de Antônio Azeredo da Silveira, ministro das Relações
Exteriores do governo Geisel, a razão principal para a assinatura deste acordo
estava na negação do governo norte-americano, com quem o Brasil tinha
assinado um acordo de uso pacífico da energia nuclear (1972), em transferir
tecnologia:

Ele (o acordo com os EUA) não contém o pacote de salvaguardas


que nós temos com a Alemanha. O que contém, isso sim, é uma
dependência muito maior. Quer dizer, não é um acordo entre
partes iguais. Nós ficamos inteiramente nas mãos dos Estados
Unidos. Foi tão mal negociado que esse acordo não previa as
etapas, não previa, por exemplo, o fornecimento de matéria
físsil para aquilo que eles mesmos iam construir no Brasil.
(Depoimento in: SPEKTOR [Org.], 2010, p. 151).

A ousadia e as dimensões do Acordo mobilizaram não somente os recursos


do Estado, mas também provocaram forte debate na sociedade civil. Apesar de o
país viver sob as condições ditadas pelo Regime Militar, o contexto proporcionado
pela Abertura, então em curso, permitiu a mobilização e a rearticulação de diversas
entidades, representantes dos mais diversos segmentos sociais. O Programa Nuclear
Brasileiro não escapou ao debate e à crítica de grupos nascidos na sociedade.
Como exemplo, pode-se citar a posição cautelosamente favorável ao Acordo
Nuclear adotada por Jacques Danon, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas
(CBPF), em encontro promovido no Rio de Janeiro, no ano de 1978:

Em 1975 surge, então, o Acordo sobre Cooperação dos Campos


dos Usos Pacíficos da Energia Nuclear com a República Federal
Alemã, mais conhecido como Acordo Nuclear Brasil-Alemanha.
Esse acordo se insere na continuidade dos esforços de se
realizar alguma coisa no campo da energia nuclear em nosso
país. Se é certo ou errado nós vamos debater. Ele apresenta
aspectos positivos e outros que não compreendo e não justifico.
Poderia dizer que um aspecto positivo é que, finalmente,
vamos inaugurar uma política nuclear. Demos um passo, depois
de 30 anos em que praticamente nada foi feito. Esse passo
foi tomado e é extremamente importante para desenvolver a
energia atômica para fins pacíficos em nosso país. (Depoimento
In: CARLOS [coord.], 1978, p. 164).

No mesmo encontro, Luiz Pinguelli Rosa, então secretário-geral da


Sociedade Brasileira de Física, reconheceu que a necessidade de energia para o

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desenvolvimento do país se agravaria caso não fossem ampliadas as fontes, o que


justificaria o desenvolvimento da tecnologia nuclear. Diante da crescente distância
entre os centros consumidores e as áreas ainda disponíveis para a exploração
hidroelétrica e da pouca capacidade de produção nacional de combustíveis fósseis,
“a saída seria a compra de tecnologia nuclear, e com urgência”. No entanto, as
decisões neste sentido estariam sendo feitas de forma muito rápida, dificultando
projetos de amadurecimento mais longo e sem escutar a posição de técnicos do
setor elétrico, segundo os quais o potencial hidrelétrico brasileiro está subestimado,
atingindo 200 mil MW (Depoimento In: CARLOS, 1978, p. 167).
Os possíveis questionamentos por parte de setores da sociedade civil
e a oposição do governo norte-americano deparavam-se com uma realidade
internacional de crise energética e de forte aumento do preço do petróleo. A geração
de eletricidade abundante e barata justificaria o investimento governamental em
energia nuclear e a sua finalidade pacífica criava a legitimação necessária perante a
comunidade internacional.
Ademais, o projeto nacional de soberania fundamentava a necessidade de
domínio tecnológico e a abertura de uma segunda fase do Programa Nuclear. A
primeira fase havia-se instaurado ainda em 1969, no governo Costa e Silva, com a
compra do reator fabricado pela empresa norte-americana Westinghouse. Com o
governo Geisel, uma nova exigência era incorporada: a transferência de tecnologia
que abarcasse o ciclo completo, da extração de combustível à fabricação de reatores
nucleares.
Os objetivos do governo brasileiro iriam além dos efeitos econômicos
decorrentes da abundância energética, incluindo a qualificação de mão-de-obra
nacional, a capacitação tecnológica e o desenvolvimento de empresas brasileiras
capazes de dominar a tecnologia da produção dos equipamentos e componentes
nucleares (MARALHAS, 2007, p.22).
O fortalecimento financeiro e a ampliação da autonomia administrativa
das empresas estatais, sua articulação aos objetivos estabelecidos pelo Estado
(inclusive aqueles relacionados à integração nacional e à geopolítica dos governos
militares, como a construção da usina de Itaipu) e a “blindagem” assegurada por
administrações “técnicas” permitiriam a agressiva expansão destas empresas,
fortalecendo o país em um contexto internacional caracterizado pela crescente
carência de energia. Elas deveriam ser capazes de contrair empréstimos externos,
realizar pesados investimentos e internacionalizar sua atuação.
A continuidade de um projeto nacional de industrialização e sua chegada a
um novo patamar justificava esses pesados investimentos. Nesse projeto, o papel
assumido pelas inversões diretamente controladas pelo Estado foi fundamental.
No caso específico do período de governo de Geisel, o papel do Estado atingiu
tais dimensões que demarcou uma inflexão nas relações entre o Regime Militar
e o empresariado: a tendência à maior participação estatal foi acompanhada

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pela crescente retirada de apoio da burguesia brasileira aos militares, que antes
dispunham de sua plena solidariedade.
Segundo o economista José Luís Fiori, a opção estabelecida por Geisel
de completar todo um ciclo industrial sob a direção do Estado foi o ponto
fundamental do distanciamento entre os militares e os empresários. No ano de
1976, as apreensões do empresariado transformaram- se “em uma verdadeira
rebelião contrária à estatização.” A crise aberta entre o Estado e frações do
empresariado brasileiro, segundo o mesmo autor, foi mais profunda do que as
anteriormente vividas no decorrer do processo de estabelecimento e expansão
do Estado desenvolvimentista no Brasil, e se pôs entre as causas primordiais da
adesão da burguesia brasileira, na década de 1980, às teses neoliberais (FIORI,
1995, p. 70).
No entanto, a capacidade estatal de promoção de investimentos e o projeto
desenvolvimentista foram abalados pela conjuntura econômica internacional a
partir de meados da década de 1970. A crise energética internacional e o aumento
do endividamento externo e suas consequências para a liquidez do Estado brasileiro
fizeram-se sentir profundamente.
A economia brasileira vinha apresentando, posteriormente à década de
1930, elevadas taxas de crescimento econômico anual, notadamente no setor
industrial, com picos na segunda metade da década de 1950 e nos primeiros anos
da década de 1970. A partir dos primeiros anos da década de 1970, ela entrou em
desaceleração, culminando com uma forte recessão nos primeiros anos da década
de 1980, coincidindo com o mandato de João Figueiredo, último presidente do
período militar (1979-1985).
A crise econômica, o agravamento de tensões sociais, a reorganização do
movimento sindical e, de modo mais amplo, do conjunto da sociedade civil, assim
como o fortalecimento da oposição parlamentar e o nascimento de dissidências
entre as forças de apoio ao regime ditatorial resultaram na transição para governos
civis, em meados da década de 1980.
A passagem para o regime democrático, iniciada nos primeiros anos da década
de 1980, concluiu-se com a instalação do governo civil da Aliança Democrática, em
1985, e foi consolidada com a promulgação da Constituição democrática de 1988.
Esta transição foi coincidente com os estertores de um modelo de modernização e
com a gradual articulação de um novo consenso sobre a organização do Estado e
das relações deste com a sociedade.
Ele envolveu, para além da reordenação política e institucional do Estado,
as transformações na vida econômica e social e as consequências para o Brasil dos
movimentos de reestruturação econômica ao nível internacional, acompanhadas
por novas formulações ideológicas fortalecidas com as experiências de governos
neoliberais na Europa e na América, a partir da segunda metade da década de
1970.

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3 PAULO NOGUEIRA BATISTA: INTELECTUAL E DIRIGENTE

A implantação do Programa Nuclear e as grandes transformações pretendidas


pelo Estado brasileiro em seu projeto de desenvolvimento implicava a disponibilidade
de quadros com grande capacidade intelectual e dirigente.
Paulo Nogueira Batista, escolhido para dirigir esse Programa, foi conceituado,
nesta pesquisa, em sua condição de intelectual. Para melhor delimitar o objeto
estudado, o intelectual aqui se apresenta como um mediador, organizador e
promotor, pela sua capacidade de persuasão e de organizar o consenso em torno de
suas teses. Segundo o pensador italiano Antônio Gramsci, essas tarefas articulam o
papel do intelectual aos projetos mais amplos que representam a visão de mundo
das diferentes classes sociais e dos grupos políticos:

Cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma


função essencial no mundo da produção econômica, cria para si,
ao mesmo tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas
de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da
própria função, não apenas no campo econômico, mas também
no social e político. (GRAMSCI, 1989, p. 3).

Esta ação, de organização do consenso, pressupõe a capacidade de


formular e expor ideias. Neste sentido, este artigo, resultado de trabalho
de pesquisa, concentrou- se na abordagem dos registros do pensamento de
Batista. Embora os diferentes espaços ocupados pelo Estado e pela sociedade
civil tenham uma face coletiva e impessoal, é inegável o papel desempenhado
por indivíduos, dirigentes e/ou intelectuais que podem agir como porta-vozes
de posições oficiais, ou então como frações que atuam internamente, ou
expõem publicamente suas ideias, que não são, necessariamente, as mesmas
adotadas oficialmente na ação coletiva. O discurso desses indivíduos desnuda
suas preocupações e intenções políticas, e media a relação entre a sua condição
individual, os sujeitos políticos a que se vinculam e o público a que se dirigem.
Para Norman Fairclough,

O discurso como prática política estabelece, mantém e


transforma as relações de poder e as entidades coletivas
(classes, blocos, comunidades, grupos) entre as quais existem
relações de poder. O discurso como prática ideológica
constitui, naturaliza, mantém e transforma os significados
do mundo de posições diversas nas relações de poder. Como
implicam essas palavras, a prática política e a ideológica não
são independentes uma da outra, pois a ideologia são os
significados gerados em relações de poder como dimensão do

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Adriano de Freixo / Alvaro de Oliveira Senra

exercício do poder e da luta pelo poder. (FAIRCLOUGH, 2001,


p. 94).2

Neste sentido, Paulo Nogueira Batista acrescenta à sua condição de intelectual


outra, a de dirigente de importantes agências do Estado brasileiro, partícipe do
projeto de desenvolvimento nacional adotado pelos governos a que serviu, da
concepção do papel a ser assumido pelo Brasil no contexto internacional e dos
processos decisórios que resultaram na implementação do Programa Nuclear.
Seu papel individual implicava um compromisso político: a busca pela
soberania, considerada como emancipação energética e tecnológica do país,
superando a vulnerabilidade em relação ao exterior, vulnerabilidade esta agravada
pelo contexto de crise energética internacional. A facilidade com que o governo
norte-americano abdicou do compromisso de garantir urânio enriquecido para as
projetadas usinas nucleares brasileiras e, a partir de 1973, a explosão dos preços
do petróleo importado demonstram de forma gritante a fragilidade nacional,
situação que deveria ser superada para que o processo de desenvolvimento tivesse
continuidade.
A prática dos Estados Unidos em relação ao fornecimento de urânio
enriquecido provocou, no Governo brasileiro, a disposição de não mais aceitar
acordos que não contemplassem os interesses de busca da autonomia nacional no
campo tecnológico. Alternativas deveriam ser buscadas, e o primeiro resultado foi
a denúncia dos contratos assinados com a Westinghouse, que previa a construção
das usinas nucleares de Angra I e II, e a aproximação do Brasil com o Governo da
Alemanha Ocidental:

Segundo as resoluções do acordo, Brasil e Alemanha se


comprometiam a desenvolverem juntos um programa, com a
ajuda do governo e das empresas privadas alemãs (lideradas
pela Kraftwerk Union – KWU), de construção de oito grandes
reatores nucleares para a geração de eletricidade, bem como
a implantação no país de uma indústria teuto-brasileira para a
fabricação de componentes e combustível para os reatores, no
prazo máximo de 15 anos. O acordo com a Alemanha, apesar
de não reverter a opção pela tecnologia do urânio enriquecido,
permitia ao Brasil absorvê-lo gradativamente ao englobar a
transferência progressiva do conhecimento científico-tecnológico
em todo o campo nuclear dominado por aquele país. O acordo
nuclear era, portanto, uma oportunidade a mais para demonstrar
a afirmação da vontade nacional em defesa dos objetivos julgados

2 Segundo o mesmo autor, “Qualquer ‘evento’/discurso (isto é, qualquer exemplo de discurso) é


considerado simultaneamente um texto, um exemplo de prática discursiva e um exemplo de prática
social” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 22)

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Paulo Nogueira Batista: Ação Intelectual, Projeto Nacional e Autonomia Tecnológica (1967-1974)

legítimos pelo país, que se desagradou ao parceiro do norte,


recebeu internamente um amplo apoio de importantes setores
da sociedade civil e militar (MARALHAS, 2007, p. 98).

O discurso de Paulo Nogueira Batista apresentou grande sintonia com as


preocupações e o projeto de soberania nacional e projeção externa dos governos
militares, antes mesmo dos acontecimentos e decisões que levaram ao Programa
Nuclear Brasileiro.
Em pronunciamento datado do ano de 1967, na condição de Subsecretário
de Planejamento Político do Ministério das Relações Exteriores, Batista justificou a
necessidade de um país forte, capaz de promover o desenvolvimento econômico,
mas, principalmente, dotado do conhecimento científico e tecnológico, cuja
aquisição deveria ser objetivo do Estado e de sua diplomacia; segundo ele, a política
externa de seu governo, entre outras coisas, visaria “a atração de capitais e de ajuda
técnica, e – de particular importância – a cooperação necessária para a rápida
nuclearização pacífica do país.” (ARQUIVO PNB, 1967, 04.03, p. 3).
Ao longo de seu discurso, o diplomata ressaltou a necessidade de o Brasil promover
o desenvolvimento tecnológico em conjunto com outras nações em igual patamar,
fazendo parte ou criando associações de desenvolvimento mútuo, principalmente
entre países latino-americanos; daí a defesa da indispensabilidade de um segundo
acordo internacional entre esses países, além do planejado Mercado Comum Regional:
a Comunidade Latino-Americana do Átomo (ARQUIVO PNB, 1967, 04.03, p. 8).
A justificativa para a fundação dessa Comunidade está em se dar um fim à
dependência econômica e tecnológica dos países da região, atribuindo à energia
nuclear o papel de alavanca para diminuir a distância entre esses e os países
desenvolvidos.
Em documento anexo a esse pronunciamento, intitulado “Minuta Original”,
Paulo Nogueira Batista expôs com toda clareza a necessidade de diminuir essa
distância:

A meta será nuclearizar pacificamente o Brasil, [...] repudiamos


o armamento nuclear [...]. Não desejamos, porém que os
instrumentos internacionais sobre o assunto contenham cláusulas
que possam significar entraves imediatos ou potenciais ao pleno
aproveitamento da energia nuclear para fins pacíficos. Privarmo-
nos do acesso direto da utilização de combustíveis e explosões
nucleares para fins pacíficos, deixá-la exclusivo privilégio das
potências hoje detentoras de seria aceitar de forma inadmissível
o colonato. (ARQUIVO PNB, 1967, 04.03, p. 20)

Naquele mesmo período, Batista escreveu um artigo para a revista Foreign


Affairs, que não chegou a ser publicado, contendo a análise da relação entre a

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Adriano de Freixo / Alvaro de Oliveira Senra

política externa brasileira e os objetivos econômicos do país. Após uma pequena


introdução, o autor descreveu a condição da política exterior brasileira: “Brazilian
foreign policy must therefore be revolutionary, in absolut discenance with the 'status
quo' prevailing in present internacional economic relations” (ARQUIVO PNB, 1968,
10.00, p. 3).3
É notável a apologia de uma transformação da política externa brasileira em
algo “revolucionário”, ou seja, ela teria alinhado sua ação aos objetivos de resolução
do problema do subdesenvolvimento nacional, sendo pilar da autonomia dos
interesses do país e crítica das relações de poder impostas pelas grandes potências;
esse discurso é digno de registro, dada a condição bipolar da política internacional
e a natureza militar e anticomunista do governo brasileiro. Ele desnudou um
não conformismo com a situação do Brasil e projetou um futuro de autonomia
e de espaço próprio para a nação brasileira: neste sentido, a busca pelo domínio
completo da tecnologia nuclear com finalidade pacífica é um exemplo desta busca
de autonomia (ARQUIVO PNB, 1968, 10.10, p. 3).
Na defesa que Paulo Nogueira Batista fez de uma política externa de forte
garantia da autonomia nacional, a temática da utilização da energia nuclear em
nível mundial se relaciona, portanto, a outra: a crítica ao congelamento das relações
internacionais sob os interesses das potências hegemônicas e a eternização da
condição subordinada de nações do porte do Brasil.
Cabe ressaltar que, durante o governo Costa e Silva (1967-1969), o Brasil
recusou-se a aderir ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) em 1968,
alinhando-se à posição de países como a China, compreendendo-o então como
um instrumento de congelamento de poder por parte das potências nucleares
“na medida em que traçava urna fronteira tecnológica entre os Estados e, apesar
disso, não assegurava a paz mundial” (GONÇALVES e MIYAMOTO, 1993, p. 223).
Argumentando que por ter ratificado o Tratado de Tlatelolco (1967) – que tornava
a América Latina e o Caribe em uma área livre de armas nucleares - já havia se
comprometido com o uso pacífico da energia atômica, o Brasil reiterava o seu
direito a desenvolver um programa nuclear e a obter autonomia tecnológica nesse
campo, indo de encontro às diretrizes estabelecidas pelo TNP. Tal posição só seria
revista trinta anos depois quando, durante o governo Fernando Henrique Cardoso,
o Brasil finalmente ratificaria esse Tratado.
Assim, ultrapassado o período mais agudo da Guerra Fria, as políticas
de reaproximação entre Oeste e Leste e o discurso da não proliferação nuclear
promovido pelas Grandes Potências com a declarada finalidade de assegurar
a paz tiveram uma contrapartida muito prejudicial aos interesses das nações de
médio porte e estágio intermediário de desenvolvimento econômico. Ao congelar

3 A política externa brasileira deve, portanto, ser revolucionária, em absoluto dissenso com o status quo
dominante nas relações econômicas internacionais contemporâneas (Tradução dos Autores),

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Paulo Nogueira Batista: Ação Intelectual, Projeto Nacional e Autonomia Tecnológica (1967-1974)

o status quo nuclear, seria bloqueado o acesso a uma tecnologia tão necessária
ao desenvolvimento de países que necessitavam de alternativas para sustentar o
desenvolvimento econômico e atender às necessidades de economias em expansão
e de populações em rápido crescimento.
Para Paulo Nogueira Batista, o congelamento proposto pelas Grandes
Potências afetava claramente as necessidades e os interesses brasileiros. As
intenções claramente pacíficas dos objetivos nacionais quanto ao uso da energia
nuclear não deixavam dúvidas quanto à injustiça contida nas políticas dos países
hegemônicos:

Brazil clearly demonstrated its repulse to the spread of this type


of armament when it proposed the denuclearization of Latin-
America (...). But what my country cannot accept is a status of
tecnological inferiority in the field of peaceful uses of nuclear
energy. (ARQUIVO PNB, 1968.10.10, p. 3).4

Em outras palavras: para Batista, as aspirações nacionais brasileiras não


poderiam aceitar limites impostos por potências estrangeiras, quanto às suas
aspirações de utilização pacífica da energia nuclear visando ao desenvolvimento
nacional.
Mas a ampliação dos horizontes nacionais e a superação do status de
inferioridade do país não se limitariam à busca do domínio de tecnologias
consideradas essenciais para o desenvolvimento; englobariam, também e
necessariamente, a superação da desigualdade comercial presente nas relações
norte-sul, consequência do protecionismo praticado pelos países desenvolvidos, e
políticas consistentes de expansão das trocas comerciais em direção aos países da
América Latina, aos continentes africano e asiático e, inclusive, ao Bloco Socialista.
O domínio da energia nuclear faria parte deste “pacote” de objetivos do Estado
brasileiro, que exigiriam, para sua concretização, forte coerência entre suas políticas
de desenvolvimento e a ação de sua diplomacia. Em 1968, Paulo Nogueira Batista
preparou um documento com o significativo título de “A Revolução Tecnológica e a
Política Internacional”. Trata-se de um trabalho feito pelo diplomata para a Escola
Superior de Guerra (ESG), abordando o papel desempenhado pela tecnologia para
a correlação de forças nas relações internacionais.
No texto, demonstrou-se uma expectativa muito crítica sobre a tendência
à melhoria das relações entre as potências-líderes dos Blocos capitalista e
socialista; para o autor, esta acomodação resultaria em um bloqueio aos países
em desenvolvimento, privados de possibilidades de desenvolvimento autônomo.

4 O Brasil demonstrou claramente sua repulsa à disseminação desse tipo de armamento quando propôs
a desnuclearização da América Latina (...). Mas o que o meu país não pode aceitar é um status de
inferioridade tecnológica no domínio dos usos pacíficos da energia nuclear (Tradução dos Autores)

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 31, n. 63, p. 121-143, jul./dez. 2016 135
Adriano de Freixo / Alvaro de Oliveira Senra

Haveria, pois, um deslocamento de tensões, do ponto de partida da ordem pós-


II Guerra Mundial (Leste-Oeste), para conflitos de interesses entre os países
desenvolvidos do Norte e as nações do Sul.
A acentuação da disparidade entre os países desenvolvidos e
subdesenvolvidos a partir da tendência à desvalorização do valor dos produtos
primários, agravada pelos obstáculos comerciais e à aquisição de tecnologias é
ressaltada pelo diplomata, constituindo tema central das preocupações do Estado
brasileiro. Segundo ele:

Nesse contexto de distensão entre Leste-Oeste e da tendência da


deterioração das relações Norte-Sul, a política externa do Brasil
busca essencialmente a (1) eliminar ou reduzir as restrições ou
discriminações que dificultam o acesso dos nossos produtos aos
mercados desenvolvidos; (2) impedir, através da defesa do acesso
irrestrito do Brasil às mais avançadas conquistas científicas e
tecnológicas, que se criem novos obstáculos internacionais ao
progresso do país; e (3) diversificar ao máximo, ainda dentro
da estrutura de comércio internacional vigorante, os mercados
para a produção brasileira. (ARQUIVO PNB, 1968, 08, p. 11).

A resposta a ser dada pelo Brasil é citada logo no parágrafo seguinte, e implicaria
um grande esforço para alterar a situação do país no contexto internacional. Esse
empenho, prioridade do Estado brasileiro, teria que encontrar seus fundamentos
nos próprios recursos naturais e humanos do país:

Trata-se de esforço lastreado na profunda convicção de que o


Brasil, com sua vasta base territorial e demográfica, tem direito
de aspirar a um 'status' de grande potência, através de um
processo nacional e autônomo de desenvolvimento. (ARQUIVO
PNB, 1968, 08, p. 11).

Dando continuidade à sua tese sobre a necessidade de fortalecimento


internacional da posição brasileira, da exigência de acelerar o desenvolvimento
econômico e de conquistar a autonomia tecnológica, Paulo Nogueira Batista
expressou a confiança de que esses objetivos podem ser alcançados a partir dos
recursos existentes no próprio país, o que leva a uma interessante afirmação:

Nossa confiança no desenvolvimento à base da integração


nacional, da modernização das estruturas e da aplicação
intensiva da tecnologia é que nos leva a considerar com cautela
o projeto de formação de um mercado comum latino americano.
(ARQUIVO PNB, 1968,08, p. 12).

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Paulo Nogueira Batista: Ação Intelectual, Projeto Nacional e Autonomia Tecnológica (1967-1974)

Ou seja, o Brasil teria plenas condições de conseguir um desenvolvimento


econômico autônomo e assumir a condição de potência a partir de seu próprio
esforço nacional. Paulo Nogueira Batista não adotou uma posição de explícita
oposição a um processo de integração econômica latino-americana: em texto
datado do ano anterior observou-se a citação positiva à criação de um Mercado
Comum dos países da América do Sul e a uma Comunidade voltada para o átomo
(ARQUIVO PNB, 1967, 04.03, p. 8). Seu argumento, no entanto, indicou que o Brasil
deveria, antes de qualquer coisa, completar todo um processo de fortalecimento,
integração e autonomização nacional, reposicionando-se nas relações de poder em
nível internacional. Esses objetivos teriam como pressuposto uma política externa
agressiva e coadunada com os objetivos nacionais:

Em suma: para realizar as imensas potencialidades de seu


território e de seu mercado interno, o Brasil tem de ter uma
política externa inconformista em relação à estrutura do comércio
internacional, que funciona contra os subdesenvolvidos e
inconformista contra os esquemas de poder, que circunscrevem
as possibilidades de desenvolvimento autônomo. (ARQUIVO
PNB, 1968, 08, p. 12)5.

Tal concepção pode ser observada em trabalho posterior que Paulo Nogueira
Batista igualmente apresentou à Escola Superior de Guerra, destacando a resistência
dos países desenvolvidos em abrir seu mercado às mercadorias oriundas de outras
nações. A condição do Brasil, de potência intermediária, e a defesa de seus interesses
econômicos implicariam (mais uma vez ressalta o autor), uma assertiva política
externa: “Para assegurar a contribuição do setor externo a seu desenvolvimento e,
portanto, reduzir os seus custos sociais, nosso país terá de manter uma ativíssima
presença internacional [...]” (ARQUIVO PNB, 1973, 10.22, p. 45).
A defesa de uma “ativíssima presença internacional”, tão necessária aos
objetivos de autonomia econômica e tecnológica buscada pelo governo e ratificada
pelo autor, implicaria superar grandes obstáculos:

Já não é rara a insinuação, por enquanto ainda informalmente


feita, tanto entre países subdesenvolvidos quanto entre
desenvolvidos de que o Brasil já estaria nessa última categoria.
“Por mais lisonjeira que seja, caberia resistirmos à tentação
de aceitá-la e reconhecermos que sua inspiração profunda
no exterior é antibrasileira, visando restringir a nossa
competitividade comercial ou o nosso acesso à assistência
financeira internacional” a falta de tecnologia. Outra ordem de

5 Os trechos foram sublinhados no texto original.

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Adriano de Freixo / Alvaro de Oliveira Senra

dificuldades [...] são as que derivam das aspirações brasileiras a


um desenvolvimento realmente independente e sem restrições,
tanto no que se refere ao pleno acesso a todas as conquistas
da ciência quanto no que diz respeito à integral mobilização
de todos os recursos nacionais [...]. A um país nas condições
do Brasil não podem interessar, portanto, o empenho das
grandes potências em congelar, por uma prematura relação
internacional, relações de poder que já favorecem os países
desenvolvidos. (ARQUIVO PNB, 1973, 10.22, p. 46-47).

A natureza do comércio exterior brasileiro poderia ser, portanto, um


importante aferidor da relação do país com outras potências, medida através do
grau de soberania e autonomia do país. Chama a atenção à abordagem ampla
acerca do papel desempenhado pelo Itamaraty neste esforço nacional pelo
desenvolvimento:

A diplomacia brasileira, no seu empenho em contribuir para


a modernização do país, não pode assim limitar-se a projetar
externamente as aspirações nacionais de progresso. Deve
trazer, igualmente para o debate interno, os grandes temas
da atualidade internacional, procurando alertar o país para
os novos problemas e para as novas soluções. (ARQUIVO
PNB,1968, 08, p. 12)

A década de 1970 reservou para a carreira de Paulo Nogueira Batista a


condução de grandes projetos do Estado brasileiro. Em setembro de 1974, na
condição de chefe do Departamento Econômico do Ministério das Relações
Exteriores, Paulo Nogueira Batista voltou a analisar o tema acima, em um estudo
de sua autoria sobre a natureza do comércio exterior contemporâneo, o crescente
grau de internacionalização das trocas de produtos industrializados e suas possíveis
relações com o desenvolvimento da economia brasileira:

O processo de internacionalização crescente da economia


mundial verificou-se ao mesmo tempo em que se alterava
sensivelmente a própria composição das trocas internacionais.
Em 1950, as manufaturas representavam 41% das exportações
mundiais; em 1950, elevam-se a 54%; em 1970, a 65%
crescendo num ritmo especialmente vigoroso na área de bens
de capital e de produtos altamente sofisticados. Também nesse
terreno, o Brasil, a partir de 1964, na faixa das semimanufaturas
e das manufaturas simples, passou a acompanhar as grandes
tendências da economia internacional. Enquanto em 1963, os
produtos industrializados constituíam apenas 9% das nossas

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Paulo Nogueira Batista: Ação Intelectual, Projeto Nacional e Autonomia Tecnológica (1967-1974)

vendas ao exterior, dez anos depois, em 1973, significavam 33%


do total de nossas exportações, evolução que atesta o esforço
de diversificação na pauta exportadora brasileira. (ARQUIVO
PNB, 1974, 09.24, p. 4).

Mais do que uma constatação, as transformações verificadas na pauta


exportadora brasileira em direção a uma nova matriz de produtos, os industrializados,
atestava o sucesso de esforços anteriores de industrialização e legitimava a luta
por novos patamares econômicos e, por consequência, por uma nova condição
internacional para o Brasil. Não passa sem que se possa notar que, na citação acima,
há uma referência ao processo de desenvolvimento promovido pelos militares, com
sua consequente transformação na natureza dos produtos exportados pelo país.
A explosão dos preços do petróleo e de seus derivados, verificada após
o conflito árabe-israelense de 1973, levou mais uma vez Paulo Nogueira Batista
a enfatizar que a defesa dos interesses comerciais brasileiros e a necessidade de
acumulação de recursos por parte do país não teriam sentido sem uma reorientação
econômica futura, que apontasse na direção de uma produção energética e de
uma infraestrutura produtiva que garantissem menor dependência em relação aos
combustíveis importados, e, portanto, uma maior autonomia nacional:

A reorientação da economia brasileira para investimento que


poupem petróleo – ênfase maior em ferrovias que em rodovias
– e em outras formas de energia, como a nuclear, deverão, a
médio e longo prazos, contribuir também para a reformulação
do nosso comércio exterior. (Arquivo PNB, 1974.09.24, p. 12)

Vale notar que a crise internacional de combustíveis levaria o Estado brasileiro a


fortes investimentos que diminuíssem a importação de petróleo: o II PND previa, entre
outros, um forte investimento em programas de prospecção de petróleo (inclusive
na plataforma continental), o desenvolvimento de um programa de exploração e
industrialização do xisto, a eletrificação de ferrovias e a eliminação do subsídio ao
petróleo e seus derivados (BRASIL. II Plano Nacional de Desenvolvimento).
No esforço do Estado brasileiro por uma maior autonomia energética ao país,
assumiu particular importância o Decreto nº 76.593, publicado em 14 de novembro
de 1975. Neste, foi instituído o Programa Nacional do Álcool (Pró-Álcool). Envolvendo
a Secretaria de Planejamento e os Ministérios da Fazenda, Indústria e Comércio,
Minas e Energia, Agricultura e Interior, o Pró-Álcool previa financiamentos vinculados
a uma série de objetivos de interiorização do desenvolvimento, de expansão da
agricultura e do emprego rural e da diminuição das desigualdades regionais (BRASIL.
Senado Federal. Decreto 76.593, de 14 de novembro de 1976 [Programa Nacional do
Álcool]). Naquele ano, 1975, Paulo Nogueira Batista assumiu a direção do Programa

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Adriano de Freixo / Alvaro de Oliveira Senra

Nuclear Brasileiro. No conjunto da argumentação anteriormente desenvolvida por


ele em suas palestras e textos, reafirmou a necessidade brasileira de desenvolvimento
tecnológico a fim de passar da condição de país subdesenvolvido em direção a uma
sociedade industrial moderna. A documentação revelou um intelectual com uma
visão bastante precisa dos limites do país no contexto internacional e com grande
convicção acerca dos rumos que este deveria tomar para alcançar a condição de
uma nação desenvolvida.
Esses pontos de vista estão afinados com o desenrolar da política externa
brasileira no período compreendido entre a segunda metade da década de 1960 e
os primeiros anos da década seguinte, que coincidem com o auge do Regime Militar.
Apesar do anticomunismo de origem dos governos militares e do alinhamento
com as posições dos Estados Unidos em seus primeiros momentos, já a partir dos
governos dos generais Costa e Silva e Médici buscava- se a ampliação dos horizontes
nacionais para além de uma aliança acrítica com a política externa do governo norte-
americano, gerando atritos e divergências entre os dois Estados.
Até o governo Geisel, esses atritos inseriam-se principalmente no campo
econômico e no bloqueio imposto pelos norte-americanos a reformas no comércio
internacional. No período temporal abrangido pela documentação analisada, há um
questionamento mais incisivo do governo brasileiro em relação ao congelamento das
relações de poder em nível internacional, por imposição das potências hegemônicas
do mundo bipolarizado. Esta postura crítica foi reforçada pela atuação de quadros
fundamentais do Estado brasileiro, entre os quais podem se incluir o próprio Paulo
Nogueira Batista e João Augusto de Araújo Castro, que ocupou, entre 1971 e 1985, o
posto de Embaixador do Brasil em Washington. Em conferência pronunciada no ano
de 1972, Araújo Castro criticou a “oligarquização do sistema internacional imposta
pelos Estados Unidos e pela União Soviética, definindo-a como obstáculo aos países
em desenvolvimento”. (ABREU, 2001, p. 1235).
Na década de 1970, o Estado brasileiro buscou romper esse congelamento. No
governo do General Geisel, estes novos rumos se definem, gerando consequências
como o investimento brasileiro na busca da autonomia nuclear e a adoção de uma
política externa fundada no Pragmatismo Responsável, fiador, entre outros, pelo
reatamento com a República Popular da China e o reconhecimento do governo do
Movimento Popular pela Libertação de Angola.
Qual o sentido de todas aquelas mudanças no campo da política externa
brasileira? O próprio Paulo Nogueira Batista respondeu a questão, articulando, mais
uma vez, a política externa às necessidades econômicas do país:

O Brasil precisa exportar cada vez mais para financiar não


o consumo supérfluo das classes mais abastadas e sim as
necessidades vitais de matérias-primas e equipamentos
indispensáveis ao processo de industrialização do país. Somos,

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Paulo Nogueira Batista: Ação Intelectual, Projeto Nacional e Autonomia Tecnológica (1967-1974)

pois, compelidos à luta pela conquista de mercados externos a


fim de melhor atender ao mercado interno, cuja ampliação é, por
definição, o objetivo principal do desenvolvimento econômico
e social do país. Não se trata, porém de obter melhores
posições nos mercados externos tradicionais e de penetrar em
novos mercados que a universalização da política exterior vai
permitindo. É necessário igualmente lograr melhores preços pelos
produtos brasileiros, quer pela exportação de forma processadas
que agregam meio valor, quer pela defesa de preços mais
remuneradores pelos nossos produtos primários. Nesse terreno,
teremos evidentemente de agir com espírito pragmático, atentos
à essencialidade do produto e a sua maior ou menor adequação
a uma ação coordenada de produtores no sentido de melhores
preços. (ARQUIVO PNB, 1974, 09.24, p. 13).

Os registros do pensamento e da prática política de Paulo Nogueira Batista,


entre os anos de 1967 e 1974, demonstram que, durante o Regime Militar, havia no
Estado brasileiro um projeto nacional que visava remover uma série de obstáculos ao
desenvolvimento interno, e, ao mesmo tempo, reposicionar o status internacional
do país. A coerência da argumentação desenvolvida pelo intelectual encontrou
espaço de concretização nos cargos que ele ocuparia nos anos seguintes, como
dirigente do Programa Nuclear Brasileiro.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As transformações ocorridas no Brasil e no sistema internacional entre os


anos 50 e 70 do século passado fazem com que a busca da autonomia, por meio da
diversificação de parcerias estratégicas sob uma lógica mais universalista, torne-se
a principal preocupação dos formuladores da política externa brasileira, a partir
da Política Externa Independente. Já no plano doméstico, faz-se necessária a
implantação de políticas mais ousadas que resultassem em uma maior autonomia
nacional – o que passava obrigatoriamente pela ampliação da capacidade energética
instalada e, segundo a visão dos dirigentes do Estado, pelo domínio da tecnologia
nuclear para fins pacíficos –, assim como a capacidade de tomar decisões e de
materializá-las em políticas de Estado. Diante desse quadro, o Estado brasileiro iria
necessitar de quadros intelectuais de grande largueza e dotados de capacidade
dirigente.
Paulo Nogueira Batista foi um desses quadros, e a documentação por ele
legada, registro de suas intervenções acerca de questões da maior gravidade para
os rumos do desenvolvimento do país, expostas em foros de grande importância no
período, é de grande relevância para o entendimento das decisões governamentais
e dos rumos tomados pelo Brasil em sua história recente.

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Adriano de Freixo / Alvaro de Oliveira Senra

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Recebido em: 23 out. 2016.


Aceito em: 30 dez. 2016.

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