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COMO ELABORAR UM LIBELO OU PETIÇÃO

Para compor o escrito de demanda (petição) da causa (ou suplice libelo), em ordem a
obter a declaração de nulidade de um matrimónio, a mesma, através dos seguintes
passos, deve ser fundamentada nos factos e no direito, para que assim o juiz possa
aceitar a introdução da causa. Pode ser redigida directa e pessoalmente por uma ou por
ambas as partes, ou, através de mandato, por um advogado acreditado perante o
Tribunal eclesiástico. Para a sua preparação prévia podem ajudar o Pároco ou qualquer
pessoa idónea, nomeadamente, os membros das Equipas de Pastoral que colaboram com
o Tribunal para ajudar as famílias em dificuldade e que estejam interessadas em iniciar
uma causa matrimonial. Quanto à forma, o Libelo deve ser apresentado em articulados
simples, claros, não demasiado pormenorizados e com probabilidade de serem
provados. Deve conter tudo o que se considera fundamental, quer de facto quer de
direito, em que se funda a eventual nulidade. Para tal, devem constar os seguintes
elementos:

1. Identificação das partes (do casal)

a) Parte Demandante ou Autora (a pessoa que pede a abertura do processo):


• nome, filiação, localidade e data de nascimento;
• grau de instrução, profissão;
• endereço completo (actual) e endereço para correspondência (se for o caso),
número de telefone ou telemóvel;
• religião, (praticante ou não, grau de experiência de fé);
• lugar e data completa da celebração do matrimónio religioso (igreja, paróquia,
cidade e diocese) e civil (cidade, comarca);
• situação familiar, na época do namoro e noivado, e relacionamento da parte com a
própria família.

b) Parte Demandada (a pessoa a quem é comunicada a existência do processo que lhe


diz respeito e a quem se pede que compareça ante o Tribunal):
• Os mesmos dados da parte Demandante (Autor/a), menos o penúltimo.

2. Relatório dos factos (exposição clara e objectiva do caso concreto)

a) Preparação para o matrimónio

Como foi a infância e adolescência de cada uma das partes? Como era e é o seu
ambiente familiar? Dados sobre saúde física, psicossocial e relacional. Como, quando e
onde se conheceram as partes? Que idades tinham na altura? Como, quando e onde se
iniciou o namoro? Quanto tempo durou? Como foi esse tempo? Havia brigas e
desentendimentos; porquê? Houve intimidades sexuais? Gravidez
(indesejada/desejada)? Chegou a acabar ou interromper o namoro; quantas vezes e por
quanto tempo? Quem procurava a reconciliação e porquê?

Houve celebração de noivado? Quem tomou a iniciativa? Houve brigas ou discussões


durante o noivado? Se houve brigas e conflitos na época do noivado, por que é que
chegaram então ao casamento? Falta de liberdade para romper com a situação ou
ingenuidade e imaturidade?
b) Celebração do matrimónio
Ambos foram livremente para o matrimónio? Alguém ou alguma circunstância os
obrigou ao matrimónio? Quem ou qual circunstância? Qual era a ideia que as partes
tinham a respeito do casamento? Qual era a prática religiosa das partes durante o
período de namoro e de noivado? O que é que as partes entendiam por Sacramento do
Matrimónio? Por que resolveram casar-se "na Igreja"? As partes estavam maduras para
o casamento e para assumir as obrigações e os direitos dele decorrentes? Houve uma
preparação para a celebração? ((CPM ou outra"? Como foi o dia do matrimónio: tudo
correu normalmente na celebração religiosa, ou não? E na festa que se seguiu (caso
tenha havido uma)? Alguém notou alguma coisa no dia do casamento que levantasse
dúvidas ou perplexidade sobre o êxito do casamento e a duração da vida em comum?

c) Vida matrimonial
Houve lua-de-mel, onde e por quanto tempo? O matrimónio foi consumado? Houve
dificuldades? Quais? Quando surgiram os primeiros problemas do casal? Eles já
existiam anteriormente ao casamento? Relate pormenorizada mente os principais factos
concretos que prejudicaram o relacionamento do casal e que levaram o casamento a um
final indesejável. Algum problema de saúde, psíquico ou mental, prejudicou o
relacionamento? Esse problema era já anterior ao casamento? Houve infidelidade
conjugal: de quem? Já antes, durante ou depois do casamento? Ou sempre? Tiveram
filhos? Quantos? Se não, porquê? As partes assumiram as suas obrigações de casados,
com referência ao lar, ao outro cônjuge e aos filhos? Amavam-se de verdade? Com que
tipo de amor? Amavam-se com amor marital capaz de fundamentar e garantir a
continuidade do matrimónio? Quando descobriram que não havia mais amor entre os
dois? Ou que nunca chegou a existir? Quanto tempo durou a vida conjugal? Como pode
ser avaliada, no seu conjunto, a vida matrimonial?

d) Separação
De quem foi a iniciativa da separação e qual o verdadeiro motivo da mesma? Houve
alguma tentativa de reconciliação? De quem partiu a iniciativa? Qual foi o seu
resultado? Com quem e como vivem hoje as partes? Se tiveram filhos, com quem vivem
estes actualmente e quem provê ao seu sustento? Qual ou quais os motivos que o(a)
levaram a introduzir esta acção de nulidade num Tribunal Eclesiástico?

3. Fundamentação no Direito da Igreja (motivos válidos segundo o direito,


C/. Anexo 3) para que um Matrimónio possa, eventualmente, ser declarado nulo)

Com a ajuda de um advogado ou com a orientação do Pároco, ou de outra pessoa com


preparação, trata-se de ver se o caso tem sustentabilidade legal no Direito Matrimonial
da Igreja, enquadrando-o em um ou mais capítulos de nulidade. O libelo para ser aceito
deve apresentar o "fumus boni iuris", ou seja, a petição deve ser apresentada com uma
justificação jurídico-canónica, caso contrário poderá ser rejeitada pelo Juiz Presidente,
por ser inconsistente (c. 1504, 2º).

4. Documentos anexos

1.ª Parte:
• Fotocópia do Cartão de Cidadão/Bilhete de Identidade ou documento equivalente.
• Certidão de baptismo dos dois (obter nas Paróquias onde foram baptizados).
• Certidão de casamento católico (obter na Paróquia onde se casaram).
• Cópia de separação legal ou nulidade matrimonial civil.
• Certidão de domicílio Civil e Canónico da parte Demandada.
• Relatórios periciais (se houver), da área de psiquiatria ou de psicologia.
• Cartas e outros documentos que interessar ao processo.

2ª Parte:

Rol de testemunhas:

• Elenco de, ao menos, cinco pessoas que melhor conheçam, directa e pessoalmente,
todos os factos narrados na parte descritiva do libelo, sobre as quais as mesmas estejam
dispostas a falar quando se apresentarem perante o Tribunal.

No rol devem constar:

• Nome completo das testemunhas.


• Endereço completo (rua, número, CP, cidade, estado e, se possível, telefone e
telemóvel).
• Paróquia à qual pertencem.

A parte demandante deve dirigir-se ao Moderador do Tribunal competente (p. ex. "Ao
Ex.mo e Rev.mo Senhor Arcebispo de Évora") e, esclarecida a causa do pedido de
nulidade matrimonial (c. 1504, 1.°), assinar o Libelo, indicando o dia, mês e ano (c.
1504,3.°). Todos e quaisquer documentos pedidos deverão ser apresentados em
duplicado: duas fotocópias simples, ou o original e uma cópia. Não há necessidade de
autenticação.

Anexo 3

Possíveis Causas de Nulidade Matrimonial:

Nulidades derivadas de impedimentos:

que nascem de circunstâncias pessoais:


• Impedimento de idade (16 anos para o homem e 14 para a mulher): c.1083
• Impedimento de impotência sexual, antecedente e perpétua: c. 1084 que nascem
de causas jurídicas
• Impedimento de vínculo ou ligame: c. 1085
• Impedimento de disparidade de cultos: c. 1086
• Impedimento de ordem sagrada: c. 1087
• Impedimento de voto público e perpétuo de castidade num instituto religioso: c.
1088.

que nascem de delitos


• Impedimento de rapto: c. 1089
• Impedimento de crime: c. 1090

que nascem de parentesco


• Impedimento de consanguinidade: c. 1091
• Impedimento de afinidade: c. 1092
• Impedimento de pública honestidade: c. 1093
• Impedimento de parentesco legal: c. 1094

Nulidades por vício de consentimento:


• Nulidade por carecer de uso de razão: c. 1095, 1.º
• Nulidade por grave defeito de discrição de juízo acerca das obrigações
resultantes do consentimento matrimonial: c. 1095, 2.º
• Nulidade por incapacidade de assumir as obrigações essenciais do matrimónio,
por causas de natureza psíquica (incapacitas assumendi): c. 1095,3.º
• Ignorância das propriedades essenciais do matrimónio: c. 1096
• Erro acerca da pessoa: c. 1097 § 1
• Erro acerca de uma qualidade da pessoa directa e principalmente pretendida
(errar redundans): c. 1097 § 2
• Dolo provocado para obter o consentimento: c. 1098
• Erro determinante acerca da unidade, da indissolubilidade ou da dignidade
sacramental do matrimónio (error determinans): c. 1099
• Simulação total do matrimónio ou exclusão de uma propriedade essencial: c.
1101
• Nulidade por atentar matrimónio sob condição de futuro (c. 1102 § 1) ou sob
condição de passado ou de presente que não se verifica (c. 1102 § 2).
• Matrimónio contraído por violência ou por medo grave: c. 1103.

Nulidades por defeito de forma:


• Matrimónio nulo por celebrar-se sem a assistência do Ordinário do Lugar ou do
Pároco, ou sem a sua delegação: c. 1108.
• Matrimónio por procurador nulo por vício do mandato: c. 1105.

Como se vê, a temática matrimónio é muito complexa. O que há de novo na legislação


da Igreja datada de 1983, é a compreensão mais apurada do psiquismo humano e das
suas potencialidades, como também dos seus limites. Este factor é importantíssimo, pois
não se pode julgar o comportamento de alguém unicamente pelo seu foro externo. É
decisivo o foro interno, que nem sempre transparece. Em consequência, verifica-se que
muitos matrimónios outrora tidos como válidos hoje podem ser considerados nulos,
porque faltaram ao(s) nubente(s) as condições humanas e psicológicas para contrair as
obrigações decorrentes do consentimento matrimonial.

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