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Duas premissas: 1) a história da teologia moral ainda não foi escrita sistematicamente
depois do Concílio. Há muitos assuntos e diferentes visões; não é uma história única; 2)
o professor não é o perito. Muitas coisas têm opiniões e impressões do professor.
Antes do Vaticano II: toda a moral fazia parte de um sistema fechado, escrito em latim,
com fórmulas fixas; com o passar do tempo, isso começa a cair. Surgem sérias críticas ao
modo de fazer teologia moral. São três as principais críticas à moral dos manuais:
a. Legalismo: faz depender o bem e o mau, o dever moral somente da vontade de
Deus (a lei). O que é bom ou ruim, o é porque Deus assim o fez, e revelou nas
Escrituras; e cada um tem a razão para conhecer e respeitar a natureza de cada
coisa (lei natural). Convém, pois, seguir a natureza, é bom respeitar as coisas como
são na sua natureza, isso é o caminho para a felicidade. Essa é a explicação
máxima da moral. Não existe um discurso que diga que o bem me faz bem, me
transforma interiormente, fazendo-me feliz; as tendências humanas e os desejos
racionais desaparecem do estudo da moral. Há um Deus Criador e a natureza, aos
quais devo obedecer e fazer a vontade de Deus;
b. Minimalismo: o objetivo era classificar os atos humanos em lícitos ou ilícitos, de
acordo com a lei moral. Uma moral feita especialmente para formar confessores;
a moral não poderia dizer mais do que isso. Do lícito para cima (santidade) a
teologia moral não poderia dizer nada, faria parte da teologia espiritual. Foi
colocado em apêndice, temas como: os conselhos evangélicos, as virtudes
teologais e as obrigações, a busca pelo fim último. A moral era para formar
confessores capazes de determinar o pecado;
c. Racionalismo: a teologia moral era uma técnica mais ou menos jurídica sem
referência às Escrituras, sem nenhum modelo do homem e de boa vida. Só tomava
os preceitos revelados pela Escritura. Moral era uma técnica de aplicação da lei.
Sem fundamentação bíblica, sem referência aos Padres da Igreja, sem propor
crescimento, felicidade e realização humana;
Nem tudo era ruim na moral dos manuais, mas apresentava insuficiências. Tudo o que
apresentava era verdadeiro, mas insuficiente. Partia de poucas fontes, e não dava uma
explicação convincente sobre o porquê da bondade humana. A verdade prática sempre foi
claro (os atos humanos) bons; o problema era a fundação da moral, os argumentos que
oferecia, os temas que tratava. Essa forma de teologia moral resistiu durante o tempo em
que a cultura ocidental foi uniformemente cristã. O contexto cristão supria às necessidades
espirituais do povo, a moral era uma parte da cultura cristã.
Entretanto, quando as filosofias da moda deixam de ser cristãs e são críticas com a moral
cristã (o existencialismo, Sartre, Heidegger, Freud etc.), surge a crise modernista, a
tentativa de renovação da Igreja, com a influência forte e destrutiva dessas filosofias.
Surge então a necessidade de renovar a moral e toda a teologia, de forma a responder aos
novos desafios culturais.
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2. Algumas tendências de renovação da moral
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Principais autores: Henri De Lubac, Pierre Teilhard de Chardin, Yves Congar, Hans Küng, Edward
Schillebeeckx, Han Urs von Balthasar (1905-1988), Marie-Dominique Chenu (1895-1990), Louis Bouyer
(1913-2004), J. Daniélou e J. Ratzinger. Os dois últimos logo se afastaram da Nouvelle Théologie.
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pastoral (menos moralista): centrada no tema do seguir a Cristo, na dinâmica de
chamada e resposta, fala de vocação, com diversas referências bíblicas (moral a
partir da Bíblia); fala da chamada de Cristo e do valor do homem. Na sua teoria
moral: não fala de obedecer à lei colhida na natureza das coisas, mas sim no
compreender os valores do desenvolvimento da personalidade e da melhoria do
mundo. Os valores são conceitos chaves; em cada ação nossos valores têm a ver
com a melhoria do mundo e o desenvolvimento da personalidade. Por exemplo: a
saúde de uma pessoa, quando a ajudo, dando de comer, melhoro o mundo e eu
mesmo me torno melhor. A justiça é também um valor: eu tomo como uma coisa
boa no mundo (não é uma virtude); o valor é a fonte de conteúdo noetico do bem;
não é claro ao falar dos “valores”; os valores são as formas do bem que existem
ou deveriam existir no mundo: é o conteúdo inteligível do que seja o bem; eu tomo
a saúde como um valor; ele não explica como se colhe o valor; as virtudes são
também a estrutura de conhecimento, é hábito e conhecimento, segundo Santo
Tomás; para Häring as leis são fundadas nos valores, protegem os valores; não
vem do respeito pela natureza metafísica das coisas; os valores estruturadas com
o amor, acima de tudo, são a regra moral; esse discurso tem agradado a muitos; a
lei é o valor a ser respeitado no desenvolvimento da minha pessoa; A lei de Cristo
foi publicada em três volumes; um de moral fundamental e dois volumes de moral
prática, com uma postura clássica; as soluções aos problemas práticos concretos
são como os demais manuais da época; porém, não há muita harmonia entre a
teoria geral do livro e a forma completa de enfrentar os problemas morais práticos
nos livros seguintes.
Concílio Vaticano II: houve uma comissão preparatória, que começou a trabalhar em 1960
e elaborou um esquema, o “De ordine morale”: via-se muita confusão na teologia moral;
os teólogos romanos (das congregações romanas) queria conter todas as forças da
renovação da época; o esquema foi, pois, muito rígido, mais ou menos neo-escolastico,
em latim; continha 6 capítulos, com 4 exposições e 2 contra erros atuais. Foi feito por três
professores de Roma, das universidades Antonianum, Angelicum e Gregoriana. A
comissão preparatória reprovou o documento preparado. Então, outros três membros
foram convocados para refazer um novo esquema, um dos quais era B. Häring. No novo
esquema removem o capítulo das condenações, com um posicionamento mais moderno,
mas ainda muito rígido. Os Padres não o aceitaram, era uma moral legalista, exatamente
o que queriam mudar; houve uma nova tentativa, abandonaram o projeto inicial e não
escreveram um texto com um resumo da moral católica; algumas partes do documento
passou para Optatam Totius e Gaudium et Spes; houve uma série de críticas à moral dos
manuais no Concilio, mas poucas propostas concretas para renovar a teologia;
diversamente ocorreu na teologia bíblica, na eclesiologia, na liturgia e assim por diante.
A situação da teologia moral no Concílio: uma série de críticas, mas sem um sentido de
renovação.
Única indicação sobre a teologia moral no Concílio: OT 16: “A renovação da teologia
moral, deve ser mais nutrida pela doutrina da Escritura, capaz de ilustrar a grandeza da
vocação dos fiéis em Cristo e sua obrigação de produzir frutos para a vida do mundo”;
dizia pouco, mas, ao contrário de manuais clássicos, dizia muito; porém, o que significa
“aperfeiçoar” a teologia moral?
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a. Completar algo que já existe;
b. Renovar uma base conceitual obsoleta: era preciso analisar toda a teologia
mora, com a nova luz da renovação bíblica, a identificação com Cristo e o
tema do fim último etc.
c. Refundar a teologia moral: temos de encontrar novas bases; filosofia
racionalista, fenomenologia, crítica etc; Rahner dizia aquilo desde os anos
50; no Concílio Rahner ficou conhecido e foi muito admirado, e B. Häring
concordava com ele;
3. “A nova moral”
Pode ser chamada também “moral autônoma”, “proporcionalismo”,
“consequencialismo”, “moral autônoma em contexto cristão”. Funda-se no pensamento
de K. Rahner, jesuíta alemão que pretendia renovar a teologia a partir de uma nova base
filosófica: I. Kant e M. Heidegger (Ser e Tempo).
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b. Transcendentais: regras formas de relacionar com os bens categoriais
(sua matéria), como a benevolência, a consciência, a coerência, a
autenticidade, o projeto com sentido etc. âmbito de good and bad;
4. Lei moral natural: é a capacidade do homem se compreender e legiferar (dar
normas concretas de conduta); legifera um uma “razão autônoma”, ou seja, cria
as normas por si mesma; é uma razão criativa, “razão configuradora da natureza”
(que não é pessoal); “autonomia teonoma”: depende de Deus enquanto Ele funda
a minha capacidade de autocompreender-me e decidir; Deus me deu a capacidade
e a ordem de dar um sentido a minha vida; esse sentido de autonomia faltava aos
manuais antigos; a razão é criativa e imagem e semelhança de Deus; é livre para
criar; falta a compreensão que a lei é participação na sabedoria de Deus; parte de
uma imagem distorcida de Deus; na natureza não haveria leis, para eles, nem na
minha natureza humana;
a. Critérios formais para as normas morais: proporcionalismo; julgo uma
ação segundo uma proporção dos bens e males pré-morais em jogo; avalio
um ato pelas suas consequências (a moralidade não está no ato em si, mas
no valor das consequências);
b. Peter Knauer em 1967 escreve artigo sobre o “valor hermenêutico do
princípio de dúplice efeito”: defende que toda nossa ação decisão tem um
dúplice efeito, positivo e negativo, e deve ser avaliado segundo a
proporção de bem e mal produzido; o valor moral não está mais no ato,
mas nos efeitos (proporcionalismo);
c. R. MacCornick, B. Schuller; J. Fuchs: moral católica dos anos 60 e 70:
defendem uma razão autônoma, criadora de normas morais, ligada ao
proporcionalismo;
5. Esta compreensão do agir humano (filosófica) se torna critério de hermenêutica
bíblica: dizem que na Bíblia não existem normas categoriais de comportamento
absolutas, pois não existe uma ordem categorial absoluta (o ser é o tempo); é
preciso entender as normas bíblicas no seu contexto histórico, cultural, sem trazê-
las ao nosso contexto cultural; ex.: a mulher com o véu nas assembleias litúrgicas
é uma norma categorial, assim como a indissolubilidade do matrimônio; é preciso
adequar as normas morais ao nosso tempo (o mesmo é dito do sacerdócio, do
aborto, celibato etc.);
a. Afirmam que existe um ethos intra-mundano: a razão autônoma decide o
que fazer consigo mesma no nível categorial;
b. Existe um ethos salvífico: o sentido do ethos intra-mundano para o cristão;
está na Bíblia e na Revelação, em nível transcendental, de parênese
(exortação); faz viver a minha vida como resposta, dando sentido a minha
ação, buscando o amor a Deus em tudo;
c. Consequências: o Magistério não tem autoridade no que diz respeito a
normas categoriais; e não existe uma moral especificamente cristã no
âmbito intra-mundano;
6. Não existem atos categoriais intrinsecamente maus (intrinsece malum); cada
ato deve ser julgado segundo o sentido da minha opção fundamental; normas
categoriais são pré-morais, é preciso entender o sentido de cada ação (incluindo a
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convivência more uxório com pessoas do mesmo sexo, a fecundação in vitro, o
aborto, a pedofilia etc.); surge uma casuística infinita;
7. Não existe uma ética especificamente cristã a nível categorial; a fé não é um
código de condutas fechado; a fé é superior, não pode ficar presa em “rigidez”;
8. O Magistério não pode ensinar normas categoriais sempre válidas; deve
proteger a Revelação, apontá-la como um ideal a ser seguida, mas não deve dar
normas intra-mundanas; serve para formar a consciência, para exortar à
responsabilidade; só se refere ao ethos salvífico;
9. A consciência é o núcleo de toda a moral, o sacrário do homem, o lugar onde
escuta a voz de Deus; fica desligada do Magistério e da comunidade dos crentes;
10. As virtudes são “comportamentos que formam um caráter disposto a realizar o
bem”; não me dizem o que deve ser feito, mas sim a minha boa vontade é única
norma de moralidade; falam então da “virtude” (boa vontade), e não tanto das
virtudes;
11. Pecado mortal: ocorre somente com uma opção fundamental negativa, ou seja,
fechamento contra o Absoluto ou contra a totalidade do bem; seria o fechamento
global da minha vida, mas nenhum pecado particular pode empenhar toda a minha
liberdade; estabelecem três tipos de liberdade: leves, graves (matéria grave,
consciente, mas não mudam a opção fundamental) e os mortais (opção
fundamental de fechamento);
12. Se os não-cristãos fazem uma opção fundamental positiva (de abertura ao
Absoluto), ainda que não temática e sem fé cristã, recebem a graça e se salvam;
são os “cristãos anônimos”; realizam a salvação no plano transcendental; a Bíblia
apenas reforça a opção fundamental.
S. Pinckaers: GS diz que somente o cristão é plenamente humano; esta moral afirma isso
na direção oposta: o que é plenamente humano é um bom cristão. Diz que é uma “moral
razoável”, “natural”, “do homem velho”, do secularizado século XX. Propõe uma fé
adaptada ao homem velho, em vez de explicar como transformar o homem velho no novo,
no autêntico cristão. A ética cristã é sempre um escândalo para o mundo, por isso é um
absurdo rebaixar a ética cristã ao nível do mundo.
M. Rhonheimer: “é uma teoria científica para adequar o dever ao poder de um homem
não-virtuoso”. O dever moral é o que um homem virtuoso pode fazer; A norma é um
homem virtuoso.
Outro autor: falta perceber as consequências da chamada universal à santidade. É possível
e Deus a pede a todos. Quando não se está convencido, chega-se a elaborar uma teoria
para justificar uma vida baixa e razoável aos medíocres.
Essa é a teologia moral dos anos 60-80. De 68 até 93, a teologia moral é essa, é ensinada
nas faculdades, universidades pontifícias e seminários de todo o mundo. Após o ano 68,
Paulo VI não fala mais nada de moral, impossível de ser aceita por quem tem esse tipo de
compreensão moral. Os teólogos acreditam ter o dever de ensinar contra o Papa, para que
ele perceba que ele estava errado. “Dissenso teológico”. O teólogo não estava ouvindo
mais o Papa. Um estudo realizado pela Universidade Lateranense e na Gregoriana de 68
perguntou qual seria o teólogo mais importante da História. Resposta: K. Rahner.
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João Paulo II: tornou-se Papa em 1978, no auge da crise. Tinha uma relação de amizade
e confiança em Paulo VI. Estava por detrás de Humanae Vitae. Elaborou um longo
relatório e enviou ao Papa Paulo VI. Explicava as razões da Encíclica e tinha escrito livros
de ética sexual que confirmavam a doutrina pontifícia. Em 1979 JP II assinou com a CDF
uma punição contra B. Häring. De 75-79 durou o processo. Decidiu que ele não deveria
falar e ensinar contra a HV. Em setembro de 1979 começou as catequeses sobre o amor
humano; em 80, convocou o Sínodo sobre a família; em seguida, publicou Familiaris
Consortio. Elaborou uma doutrina positiva, que completasse a doutrina de Humanae
Vitae; queria ir à raiz do Sínodo, explicar o que é o amor humano; de 79-85: ciclo de 6
anos, 139 catequese: antropologia teológica, começando com Gênesis; elaborou a
teologia do corpo, até a explicação da doutrina de HV último ano.
13/05/81: ataque antes da audiência. Teria um discurso importante sobre a doutrina social
da Igreja. Faria dois anúncios importantes nesse dia: a fundação do Pontifício Conselho
para a Família e a fundação do Instituto para o estudo do matrimônio e família; Primeiro
Decano seria C. Caffara: seria responsável por fazer uma moral fundamental e familiar
cristã.
Em novembro de 1981, publicou Familiaris Consortio.
Nos anos 80, o CDF fez processos contra alguns autores da nova moral. Contra Ch.
Curran, da Universidade Católica da América, o qual perdeu a permissão de ensinar
teologia católica (ensina valores humanos em Universidade Metodista).
Em 1986 Congresso no Instituto João Paulo II “Pessoa e verdade”: reuniu os bons
moralistas, que trabalhavam bem, mas estavam isolados. Grande congresso na
Universidade Laterana. Elaboraram críticas eficazes à moral autônoma. O Papa fez um
discurso muito importante, que seria o núcleo de Veritatis Splendor. Ao mesmo tempo,
houve outro congresso de teologia moral nas universidades Salesiana e Gregoriana, e o
Papa não enviou nenhuma mensagem.
Em 1987 M. Rhonheimer escreveu A lei natural e da razão prática, em alemão. Elaborou
uma forte crítica à moral autônoma, com uma leitura renovada de Santo Tomás; o livro
foi dado ao Papa, que o leu imediatamente. CDF convocou Rhonheimer e outros bons
moralistas para trabalharem em conjunto com o Papa e o cardeal Ratzinger, para a
elaboração de Veritatis Splendor, publicada em 6 de agosto de1993.
No dia 1 de agosto de 1987, João Paulo II publica a Carta Spiritus Domini, nos 200 anos
da morte de Santo Afonso Maria De Ligório, aos Redentoristas, de Häring e M. Vidal.
Marciano Vidal foi discípulo de B. Häring. A CDF disse que o seu livro Moral de
actitudes e outras duas obras não são obras de teologia moral católica e não podem ser
usadas para ensinar teologia moral. João Paulo II dá a entender que publicará outro
documento sobre a moral; ao mesmo tempo, de fato, estava sendo preparado o Catecismo
da Igreja Católica.
Em 06 de agosto de 1993 é publicada Veritatis Splendor. Na introdução explica o porquê
a Encíclica. Introdução e três capítulos. No. 4: O Magistério sempre deu normas morais
concretas; há agora uma nova situação de crise na Igreja mesma; nega-se a herança moral
da Igreja; diz que os bispos devem transmitir a sã doutrina. Foi encíclica publicada depois
do Catecismo, onde encontramos uma exposição completa e sistemática da doutrina
cristã; recorda alguns ensinamentos morais básicos da Igreja.
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Veritatis Splendor é o documento de teologia moral fundamental do Concílio Vaticano.
Está em unidade com Fides et Ratio. O Catecismo da Igreja Católica é a aplicação da
teologia moral do Vaticano II.
É possível ler Veritatis Splendor e constatar a resposta do Magistério à “nova moral”,
antes exposta nas 12 teses.
Bibliografia:
Artigo bom sobre a recepção da Veritatis Splendor; trata também a virtude da epikeia:
https://www.eticaepolitica.net/eticafondamentale/arl_veritatis2%5Bes%5D.pdf
Antropologia teológica:
LLORDA, J. L. Antropologia teológica. EUNSA, 2013.