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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
ESTUDOS DA LINGUAGEM
ANÁLISES TEXTUAIS, DISCURSIVAS E ENUNCIATIVAS

LISIANE SCHUSTER GOBATTO

O EFEITO DA TECNO(IDEO)LOGIA NA PRODUÇÃO/CIRCULAÇÃO DO


DISCURSO JORNALÍSTICO: AS ELEIÇÕES DE 2018 E O FACEBOOK

PORTO ALEGRE
2023
Lisiane Schuster Gobatto

O EFEITO DA TECNO(IDEO)LOGIA NA PRODUÇÃO/CIRCULAÇÃO DO


DISCURSO JORNALÍSTICO: AS ELEIÇÕES DE 2018 E O FACEBOOK

Tese de Doutorado em Estudos da Linguagem,


apresentada como requisito parcial para obtenção do
título de Doutora pelo Programa de Pós-Graduação
em Letras da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul.

Orientadora: Profa. Dra. Freda Indursky

PORTO ALEGRE
2023
Lisiane Schuster Gobatto

O EFEITO DA TECNO(IDEO)LOGIA NA PRODUÇÃO/CIRCULAÇÃO DO


DISCURSO JORNALÍSTICO: AS ELEIÇÕES DE 2018 E O FACEBOOK

Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em


Letras da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul como requisito parcial para obtenção do título de
Doutora em Letras.

Porto Alegre, 29 de setembro de 2023.

BANCA EXAMINADORA:

_________________________________________________________
Profa. Dra. Evandra Grigoletto
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

_________________________________________________________
Profa. Dra. Fernanda Luzia Lunkes
Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB)

_________________________________________________________
Profa. Dra. Juliana da Silveira
Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL)

_________________________________________________________
Profa. Dra. Freda Indursky - Orientadora
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Àqueles que “ousam pensar por si mesmo”, no jornalismo ou na pesquisa acadêmica.
AGRADECIMENTOS

Uma tese é um trabalho de pesquisa que demanda muita entrega. Fazer um doutorado
é se comprometer. É assumir uma posição teórica e se inscrever num lugar de pesquisador,
sem deixar de ocupar outros tantos lugares sociais. Não é um percurso fácil e a trilha que
segui foi particularmente desafiadora.
Por isso, sempre pensei que estas seriam as linhas mais fáceis de escrever. Agora estou
aqui, diante do cursor, afetada pela impossibilidade do dizer, pela ausência de palavras que o
excesso de sentido determina. Afinal, palavra alguma poderia expressar a imensa gratidão que
sinto agora.
Gratidão à minha orientadora, professora Freda Indursky. Fui absolutamente
interpelada por sua posição teórica no primeiro texto que li de sua autoria, ainda no mestrado.
Esta tese só foi possível porque ela acreditou em mim, no meu trabalho. Minha gratidão não
cabe num agradecimento formal. A forma afetuosa com que conduziu as orientações, a
generosidade no compartilhamento de tantos saberes e a liberdade que me ofereceu como
pesquisadora, só fazem aumentar minha admiração. Agradeço ao destino por me colocar
diante de adversidades e encruzilhadas que me levaram a sua orientação! Que privilégio eu
tive!
Agradeço às professoras Evandra Grigoletto e Solange Mittmann pela leitura atenta e
pelas importantes contribuições feitas na qualificação. À Evandra e às professoras Fernanda
Luzia Lunkes e Juliana da Silveira, agradeço o aceite em integrar a banca de defesa e dispor
do seu tempo para ler e discutir meu trabalho. Uma honra imensa!
Agradeço ao PPG Letras da UFRGS, professores e funcionários, cujo trabalho é
merecedor e faz jus ao conceito 7 atribuído pela Capes.
Ao IFRS – Campus Sertão, agradeço pelo incentivo à qualificação por meio da
concessão do afastamento, sem o qual não teria sido possível a realização desta tese.
Agradeço, principalmente, aos colegas que deram todo o suporte ao setor de comunicação
enquanto estive ausente.
Aos professores da AD com os quais tive o privilégio de estudar, agradeço todo o
conhecimento partilhado e todas as reflexões provocadas nas aulas e nas conversas.
Aos colegas das disciplinas, dos cursos livres, dos eventos e dos cafés, agradeço pela
escuta e pelas trocas que fermentaram muitas ideias presentes nesta tese. Não posso deixar de
registrar e agradecer o apoio fundamental da Rubia no início da minha caminhada, a parceria
da Bianca nos momentos mais críticos, a cumplicidade e coleguismo encontrados no
“Pêcheux sem deprê”, com o Alex e a Priscila, e o incentivo da Andreia e da Camila quando
faltou coragem. À Andreia e sua família, sou grata demais pela acolhida em sua casa e pela
hospitalidade durante tantas vezes no período das aulas.
À Deise, à Marta e a todos os amigos de ontem e de sempre que permaneceram do
meu lado e entenderam minha ausência, todo o meu carinho.
À professora Carme Schons (in memorian) por ter me apresentado a Análise do
Discurso e pelo estímulo em seguir adiante. Não fosse por ela, não teria me aventurado no
mundo acadêmico. Sua serenidade e sabedoria fazem muita falta.
Por fim, um agradecimento envolto de muito amor: a toda minha família, meu porto
seguro onde encontro apoio, compreensão e afeto. À minha mãe, minha inspiração e
referência feminina, pelos valores que me ensinou, por ser minha maior incentivadora e por
todo o amor que dedica às filhas. Com ela, aprendi a priorizar minha independência. Aprendi
que poderia ir mais longe me dedicando aos estudos. Aprendi a enfrentar as dificuldades de
uma sociedade machista e patriarcal desde muito cedo, quando ainda nem sabia o significado
de feminismo. À minha irmã, pela amizade, por trazer leveza aos meus dias e pelas trocas tão
ricas sobre história, pesquisa, redes sociais e, principalmente, sobre a vida. E ao Churro, pela
nossa história de cumplicidade e parceria que juntos construímos e por “comprar” todas as
minhas invencionices. Preciso dizer, ainda, que não fui sozinha em momento algum durante a
escrita. Ao lado do notebook, a minha companhia felina seguiu ronronando desde antes do
mestrado, ressignificando diariamente a relação entre pets e humanos.
Como sou sortuda por ter tanta gente querida na minha vida!
[...] há estruturas que resistem às tentativas de regramento e
regularização, quando olhadas na perspectiva da mobilização
dos sentidos (SCHONS, 2012, p. 264).
RESUMO

Esta pesquisa parte dos pressupostos teóricos da Análise do Discurso de linha francesa de
Michel Pêcheux para investigar a disputa de/pelos sentidos no Aparelho Ideológico da
Informação através das coberturas jornalísticas dos acontecimentos que precederam as
eleições de 2018. O objetivo é contrapor as coberturas feitas por veículos jornalísticos em
suas fanpages no Facebook (site de rede social que assumiu protagonismo nas eleições de
2018), além de contrapor tais coberturas aos posts com maior número de interação no mesmo
período (conforme o ranking do projeto Manchetômetro da UERJ). Com isso, a proposta é
refletir sobre o jornalismo na contemporaneidade, especialmente sobre a atuação de uma
mídia alternativa no Brasil e observar como ocorre a produção/circulação do discurso
jornalístico na era dos sites de redes sociais, determinada pela extração de dados e por
processos algorítmicos. As análises objetivam compreender como se dão as correlações de
força dentro do AIE da Informação, nas condições de produção de 2018, no país. O percurso é
o mesmo de Pêcheux: tomar partido por um trabalho de leitura de arquivo que não ignore os
procedimentos algorítmicos informatizados, mas que não deixe de tratar das questões do
sentido. O intuito é afastar-se de uma compreensão da tecnologia apenas como suporte para a
circulação dos discursos. A hipótese levantada nesta tese é de que um novo dispositivo de
ordem tecno(ideo)lógica está em funcionamento, interligando e atravessando diversos
aparelhos. Os algoritmos e os sites de redes sociais vão além de um aparelho tradicional,
formando um novo aparelho, o Aparelho Algorítmico, o qual não possui uma materialidade
visível, como a imprensa, a escola ou a igreja. Um aparelho caracterizado pela fluidez, que
invade e permeia todos os outros aparelhos, exercendo influência sobre a circulação dos
discursos e que serve ao modo de produção dominante nas formações sociais atuais, o
capitalismo-neoliberalismo. Compreender a ação do Aparelho Algorítmico (AA) como um
elemento-chave na dinâmica do AIE da Informação é essencial para analisar e enfrentar os
desafios contemporâneos do jornalismo. A resistência requer estratégias que contemplem
tanto as questões internas aos AIE, tal como formulados por Althusser, quanto seu atual
funcionamento, determinado pelo AA.

Palavras-chave: Análise do Discurso. Jornalismo Político. Produção/Circulação. Aparelho


Algorítmico. Facebook/ Eleições 2018.
RESUMÉ

Cette recherche se base sur les hypothèses théoriques de l'analyse du discours de Michel
Pêcheux pour étudier la dispute de/pour les significations dans l'appareil d'information
idéologique à travers la couverture journalistique des événements qui ont précédé les élections
de 2018. L'objectif est de contraster la couverture faite par les véhicules journalistiques sur
leurs fanpages Facebook (un site de réseau social qui a occupé une place centrale dans les
élections de 2018), en plus de contraster cette couverture avec les posts avec le plus grand
nombre d'interactions dans la même période (selon le classement du projet Manchetômetro de
l'UERJ). Ainsi, la proposition est de réfléchir sur le journalisme à l'époque contemporaine, en
particulier sur la performance des médias alternatifs au Brésil, et d'observer comment la
production/circulation du discours journalistique se produit à l'ère des sites de réseaux
sociaux, déterminée par l'extraction de données et les processus algorithmiques. Les analyses
visent à comprendre comment les corrélations de force au sein de l'AIE de l'information se
produisent dans les conditions de production en 2018 dans le pays. Le cheminement est le
même que celui de Pêcheux: participer à un travail de lecture archivistique qui n'ignore pas
les procédures algorithmiques informatisées, mais qui ne manque pas d'aborder les questions
de sens. Il s'agit de sortir d'une compréhension de la technologie uniquement comme support
de circulation des discours. L'hypothèse soulevée dans cette thèse est qu'un nouveau dispositif
techno(idéo)logique est à l'œuvre, interconnectant et croisant différents dispositifs. Les
algorithmes et les sites de réseaux sociaux dépassent un appareil traditionnel, formant un
nouvel appareil, l'Appareil Algorithmique, qui n'a pas de matérialité visible, comme la presse,
l'école ou l'église. Un appareil caractérisé par la fluidité, qui envahit et imprègne tous les
autres appareils, exerçant une influence sur la circulation des discours et servant le mode de
production dominant dans les formations sociales actuelles, le capitalisme-néolibéralisme.
Comprendre l'action de l'Appareil Algorithmique (AA) en tant qu'élément clé de la
dynamique de l'AIE de l'information est essentiel pour analyser et faire face aux défis
contemporains du journalisme. La résistance exige des stratégies qui abordent à la fois les
questions internes à l'AIE telles que formulées par Althusser et son fonctionnement actuel tel
qu'il est déterminé par l'AA.

Mots clés : Analyse du Discours. Journalisme Politique. Production/Circulation. Appareil


Algorithmique. Facebook/élections 2018.
Lista de ilustrações

Figura 1 – Estrutura da tese ...................................................................................................... 27


Figura 2 – Processo de construção do arquivo e do corpus...................................................... 46
Figura 3 – Amostra de um feed do Facebook........................................................................... 52
Figura 4 – Resultado da busca pela palavra-chave vegetariano no Facebook ......................... 54
Figura 5 – Amostra de um anúncio no feed do Facebook ........................................................ 55
Figura 6 – Movimentações de sentido .................................................................................... 125
Figura 7 – Diferença entre informação incorreta, má-informação e desinformação, conforme
Wardle e Derakhshan.............................................................................................................. 160
Figura 8 – Tipos de desinformação ........................................................................................ 161
Figura 9 – Imagem utilizada no post que constitui a SID21 .................................................. 163
Figura 10 – imagem utilizada no post que constitui a SID23 ................................................. 164
Figura 11 – imagem utilizada no post que constitui a SID26 ................................................. 165
Figura 12 – imagem utilizada no post que constitui a SID25 ................................................. 166
Figura 13 – Esquema representativo do atravessamento do AIE pelo AA ............................ 193
Figura 14 – AIE da Informação e suas regiões de fronteira ................................................... 237
Lista de quadros

Quadro 1 – Primeiro resultado da busca pelas palavras-chave no Facebook ........................... 36


Quadro 2 – Segundo resultado da busca por palavras-chave no Facebook.............................. 37
Quadro 3 – Número de posts analisados .................................................................................. 44
Quadro 4 – Números de sequências discursivas analisadas ..................................................... 45
Quadro 5 – Recortes discursivos .............................................................................................. 45
Quadro 6 – A denegação na Sd6 .............................................................................................. 81
Quadro 7 – Discursivização a partir da vítima ou a partir do acusado ................................... 122
Quadro 8 - Efeitos de sentido da facada ................................................................................. 123
Quadro 9 – Gestos de interpretação e posicionamentos das FDs ........................................... 124
Quadro 10 – Representação das formações imaginárias conforme Pêcheux ......................... 132
Quadro 11 – Aspas em um efeito de sentido .......................................................................... 145
Quadro 12 – Efeitos de sentido no aspeamento de fake news ................................................ 162
Quadro 13 – Designação e determinação discursiva de Haddad e de Lula ............................ 172
Quadro 14 – Paráfrases e a rede de repetibilidade instaurada sobre Haddad ......................... 173
Lista de abreviatura e siglas

AA – Aparelho Algorítmico
AD – Análise do Discurso
AIE – Aparelhos Ideológicos de Estado
AII – Aparelho Ideológico da Informação
ARE – Aparelho Repressor de Estado
EUA – Estados Unidos da América
FD – Formação Discursiva
FI – Formação Ideológica
MBL – Movimento Brasil Livre
PS – Posição-sujeito
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
PT – Partido dos Trabalhadores
RD – Recorte Discursivo
SD – Sequência Discursiva
SID – Sequência Imagético-Discursiva
Lista de Recortes Discursivos

Recorte discursivo 1 – A política nas redes .............................................................................. 68


Recorte discursivo 2 – “Postfleto” ........................................................................................... 90
Recorte discursivo 3 – Ideologia e contradição ...................................................................... 106
Recorte discursivo 4 – Atentado eleitoral............................................................................... 113
Recorte discursivo 5 – “Fakeada” .......................................................................................... 118
Recorte discursivo 6 – Repetibilidade do efeito de sentido “todo petista é corrupto” ........... 129
Recorte discursivo 7 – Repetibilidade pelo silenciamento ..................................................... 137
Recorte discursivo 8 – Repetibilidade por ironia ................................................................... 141
Recorte discursivo 9 – Variação do aspeamento na manchete e no texto .............................. 143
Recorte discursivo 10 – Aspas X literalidade ......................................................................... 144
Recorte discursivo 11 – Aspas como limite de fronteiras entre FDs...................................... 146
Recorte discursivo 12 – Variação no uso das aspas em fake news ......................................... 151
Recorte discursivo 13 – Haddad é Lula .................................................................................. 169
Recorte discursivo 14 – As bolhas ......................................................................................... 183
Recorte discursivo 15 – Efeito de automaticidade ................................................................. 196
Recorte discursivo 16 – A dimensão técnica do silêncio ....................................................... 213
Recorte discursivo 17 – O efeito da normatização da técnica ................................................ 218
Recorte discursivo 18 – O discurso de ................................................................................... 226
Recorte discursivo 19 – A circulação do dissenso ................................................................. 240
Lista de Sequências Imagético-Discursivas

Sequência imagético-discursiva (SID) 1 .................................................................................. 68


Sequência imagético-discursiva (SID) 2 .................................................................................. 90
Sequência imagético-discursiva (SID) 3 ................................................................................ 106
Sequência imagético-discursiva (SID) 4 ................................................................................ 113
Sequência imagético-discursiva (SID) 5 ................................................................................ 114
Sequência imagético-discursiva (SID) 6 ................................................................................ 115
Sequência imagético-discursiva (SID) 7 ................................................................................ 118
Sequência imagético-discursiva (SID) 8 ................................................................................ 119
Sequência imagético-discursiva (SID) 9 ................................................................................ 121
Sequência imagético-discursiva (SID) 10 .............................................................................. 129
Sequência imagético-discursiva (SID) 11 .............................................................................. 130
Sequência imagético-discursiva (SID) 12 .............................................................................. 131
Sequência imagético-discursiva (SID) 13 .............................................................................. 137
Sequência imagético-discursiva (SID) 14 .............................................................................. 137
Sequência imagético-discursiva (SID) 15 .............................................................................. 141
Sequência imagético-discursiva (SID) 16 .............................................................................. 143
Sequência imagético-discursiva (SID) 17 .............................................................................. 144
Sequência imagético-discursiva (SID) 18 .............................................................................. 146
Sequência imagético-discursiva (SID) 19 .............................................................................. 147
Sequência imagético-discursiva (SID) 20 .............................................................................. 148
Sequência imagético-discursiva (SID) 21 .............................................................................. 151
Sequência imagético-discursiva (SID) 22 .............................................................................. 152
Sequência imagético-discursiva (SID) 23 .............................................................................. 153
Sequência imagético-discursiva (SID) 24 .............................................................................. 154
Sequência imagético-discursiva (SID) 25 .............................................................................. 155
Sequência imagético-discursiva (SID) 26 .............................................................................. 156
Sequência imagético-discursiva (SID) 27 .............................................................................. 169
Sequência imagético-discursiva (SID) 28 .............................................................................. 169
Sequência imagético-discursiva (SID) 29 .............................................................................. 183
Sequência imagético-discursiva (SID) 30 .............................................................................. 213
Sequência imagético-discursiva (SID) 31 .............................................................................. 214
Sequência imagético-discursiva (SID) 32 .............................................................................. 218
Sequência imagético-discursiva (SID) 33 .............................................................................. 226
Sequência imagético-discursiva (SID) 34 .............................................................................. 240
Sequência imagético-discursiva (SID) 35 .............................................................................. 241
Sequência imagético-discursiva (SID) 36 .............................................................................. 241
Sequência imagético-discursiva (SID) 37 .............................................................................. 244
Lista de Sequências Discursivas

SD1 ........................................................................................................................................... 68
SD2 ........................................................................................................................................... 68
SD3 ........................................................................................................................................... 69
SD4 ........................................................................................................................................... 69
SD5 ........................................................................................................................................... 69
SD6 ........................................................................................................................................... 69
SD7 ........................................................................................................................................... 70
SD8 ........................................................................................................................................... 70
SD9 ........................................................................................................................................... 91
SD10 ......................................................................................................................................... 91
SD11 ......................................................................................................................................... 91
SD12 ....................................................................................................................................... 106
SD13 ....................................................................................................................................... 113
SD14 ....................................................................................................................................... 114
SD15 ....................................................................................................................................... 115
SD16 ....................................................................................................................................... 118
SD17 ....................................................................................................................................... 120
SD 18 ...................................................................................................................................... 121
SD19 ....................................................................................................................................... 121
SD 20 ...................................................................................................................................... 121
SD21 ....................................................................................................................................... 129
SD 22 ...................................................................................................................................... 130
SD23 ....................................................................................................................................... 130
SD24 ....................................................................................................................................... 131
SD25 ....................................................................................................................................... 141
SD26 ....................................................................................................................................... 141
SD27 ....................................................................................................................................... 141
SD28 ....................................................................................................................................... 142
SD29 ....................................................................................................................................... 143
SD 30 ...................................................................................................................................... 143
SD31 ....................................................................................................................................... 145
SD32 ....................................................................................................................................... 147
SD33 ....................................................................................................................................... 147
SD34 ....................................................................................................................................... 147
SD35 ....................................................................................................................................... 148
SD36 ....................................................................................................................................... 151
SD37 ....................................................................................................................................... 152
SD38 ....................................................................................................................................... 153
SD39 ....................................................................................................................................... 154
SD40 ....................................................................................................................................... 155
SD41 ....................................................................................................................................... 156
SD42 ....................................................................................................................................... 156
SD43 ....................................................................................................................................... 183
SD44 ....................................................................................................................................... 183
SD45 ....................................................................................................................................... 183
SD46 ....................................................................................................................................... 183
SD47 ....................................................................................................................................... 196
SD48 ....................................................................................................................................... 196
SD49 ....................................................................................................................................... 196
SD50 ....................................................................................................................................... 197
SD51 ....................................................................................................................................... 197
SD52 ....................................................................................................................................... 213
SD53 ....................................................................................................................................... 214
SD54 ....................................................................................................................................... 214
SD55 ....................................................................................................................................... 218
SD56 ....................................................................................................................................... 226
SD57 ....................................................................................................................................... 226
SD58 ....................................................................................................................................... 227
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO: PRIMEIROS MOVIMENTOS NA BARRA DE ROLAGEM ............. 18


1 UMA TRILHA ENTRE OS NÓS NAS REDES: SOBRE O ARQUIVO E O
PERCURSO ............................................................................................................................ 29
1.1 A CONSTRUÇÃO DE UM ARQUIVO COMPLEXO ..................................................... 30
1.1.1 Rompendo a ilusão do universo logicamente estabilizado ......................................... 39
1.1.2 Construindo o corpus discursivo .................................................................................. 43
1.2 “É VERDADE, SIM! EU VI NO FACE”: O FEED DE NOTÍCIAS É O NOVO JORNAL
DIÁRIO .................................................................................................................................... 47
1.3 A FORMAÇÃO SOCIAL BRASILEIRA E A CONSTRUÇÃO DE INIMIGOS
IMAGINÁRIOS ....................................................................................................................... 58
1.4 PENSANDO O DISCURSO JORNALÍSTICO SOBRE O POLÍTICO ............................ 64
1.4.1 O político e a política ..................................................................................................... 84
1.4.2 Foi jornalismo mesmo que você disse? ........................................................................ 94
2 A PRODUÇÃO DOS DISCURSOS NO AIE DA INFORMAÇÃO ................................ 99
2.1 REFLEXÕES SOBRE A IDEOLOGIA ............................................................................. 99
2.2 A EXISTÊNCIA MATERIAL DA IDEOLOGIA: INTRODUZINDO A TESE DOS
APARELHOS IDEOLÓGICOS DE ESTADO ...................................................................... 102
2.3 O AIE DA INFORMAÇÃO ............................................................................................. 108
2.4 DO FUNCIONAMENTO DA IDEOLOGIA NOS APARELHOS: A INTERPELAÇÃO E
A TOMADA DE POSIÇÃO .................................................................................................. 110
3 HÁ REPETIÇÕES QUE FAZEM DISCURSOS: SOBRE O MODUS OPERANDI DA
MÍDIA ................................................................................................................................... 127
3.1 O QUE (NÃO) DIZ A MÍDIA ......................................................................................... 136
3.2 A PRODUÇÃO DO DISCURSO JORNALÍSTICO E O EFEITO DAS ASPAS ........... 140
3.2.1 Um limite entre fronteiras .......................................................................................... 146
3.2.2 “Fake” é fake?.............................................................................................................. 150
3.3 REPETIBILIDADE E EFEITO METAFÓRICO ............................................................ 167
3.4 SOBRE A REPETIÇÃO NAS REDES ............................................................................ 174
4 OS NOVOS MODOS DE CIRCULAÇÃO DO DISCURSO JORNALÍSTICO ......... 177
4.1 A ENGRENAGEM ALGORÍTMICA ............................................................................. 178
4.2 UM APARELHO ALGORÍTMICO?! ............................................................................. 191
4.3 CARACTERIZAÇÃO DO NOVO APARELHO DE ORDEM (TECNO)IDEOLÓGICA
................................................................................................................................................ 205
4.4 EFEITOS DA TECNO(IDEO)LOGIA ............................................................................ 212
5 APARELHO ALGORÍTMICO: ENTRE PRÁTICAS, RITUAIS E
POSSIBILIDADES DE RESISTÊNCIA ............................................................................ 221
5.1 O GERENCIAMENTO DA LEITURA DOS ARQUIVOS HOJE ................................. 222
5.2. DESMEDIATIZAÇÃO E CIRCULAÇÃO .................................................................... 225
5.3 NAS BORDAS DOS APARELHOS ............................................................................... 231
5.3.1 Uma região de fronteira .............................................................................................. 233
5.3.2 Sobre o lugar da resistência ........................................................................................ 246
ÚLTIMOS MOVIMENTOS NA BARRA DE ROLAGEM: CONSIDERAÇÕES FINAIS
SOBRE OS LIMITES DESTE “FEED” ............................................................................ 249
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 259
18

INTRODUÇÃO: PRIMEIROS MOVIMENTOS NA BARRA DE ROLAGEM

Apresentar um trabalho cuja construção é de, pelo menos, quatro anos, não é uma
tarefa fácil. Sobretudo, quando atravessamos um período de desolação, medo e insegurança
gerados por uma pandemia de um vírus letal. O isolamento, geralmente comum aos
pesquisadores em alguma fase do desenvolvimento do seu trabalho, tornou-se uma
necessidade para sobrevivência. “Fique em casa”, diziam os cientistas. “É só uma
gripezinha”, dizia o governante máximo do país. Nessa confusão e profusão de narrativas,
viu-se que o valor da vida humana é condicionado ao capital. Um CPF não é nada diante de
um CNPJ. “O Brasil não pode parar por uns cinco ou sete mil que vão morrer”, bradavam
empresários. E lá se foram quase 700 mil vidas, só no Brasil. 700 mil brasileiros que
deixaram pais, filhos, amigos e um vazio imenso, um silêncio que grita a falta de humanidade
que o sistema nos impôs nas condições de produção atuais.
Como fazer pesquisa científica em meio a tudo isso? Era o que colegas e eu nos
perguntávamos, sabendo não haver resposta. Cada um encontrou sua maneira. De minha
parte, tentei resistir à ilusão do efeito Münchhausen, ao qual se refere Pêcheux ([1975] 1995,
p. 157), evitando “puxar-me pelos cabelos” da situação de desolamento e indignação em que
nos encontrávamos.
Decidi não fugir da realidade, não ceder à tentação da alienação para evitar o
sofrimento. Ao contrário, procurei sentir, sentir muito o peso de ser testemunha ocular da
história. Deixei que os sentimentos me afetassem e atravessassem o processo. Aliás, na
análise do discurso, sabemos que estamos atravessados pela exterioridade permanentemente,
embora afetados pelo esquecimento daquilo que nos determina.
Em paralelo a tais condições de produção, a pesquisa foi se desenvolvendo. Um dia, o
que movia o trabalho era a indignação ao ver o sistema de saúde colapsando pela falta de
respiradores nos hospitais enquanto o presidente imitava um doente com falta de ar. Noutro
dia, as notícias sobre as mortes paralisavam. Mas a campanha de descrédito da ciência
promovida pela política de extrema direita impelia a continuar fazendo pesquisa científica. Na
contramão do que pensavam os “cloroquiners1”, era essa a resposta: fazer ciência. Assim, o
fluxo seguiu.
Até chegar aqui foram muitas ideias, muitos rascunhos, muita reescrita, muitos
percursos e desvios no caminho. Quando comecei o exercício de escrita, ainda no projeto de

1
Em alusão aos defensores de medicamentos sem qualquer comprovação científica – como a cloroquina e
remédios para vermes – no combate à Covid 19
19

tese, sabia o que pretendia mobilizar, partindo de um incômodo, de uma angústia que me
tocava em dois lugares simultaneamente: no lugar de jornalista e no lugar de analista do
discurso. O incômodo a que me refiro se relaciona à percepção de que os sites de redes
sociais2 têm assumido um protagonismo cada vez maior como fonte de informação em
detrimento do jornalismo profissional.
Só não sabia como construir um objeto que entrelaçasse teoricamente esses dois
lugares. Várias leituras, releituras, orientações e reflexões depois do projeto e durante a escrita
da tese me levaram ao trabalho que aqui começo apresentar.
Inserida na área de Estudos da Linguagem - Linha de pesquisa em Análises Textuais,
Discursivas e Enunciativas - esta tese pretende lançar questionamentos sobre o funcionamento
do aparelho ideológico da informação na atualidade ao voltar o olhar para um acontecimento
recente da história política do país: as eleições presidenciais de 2018.
O que aconteceu em 2018 foi algo sem precedentes. Não se trata apenas de mais um
processo eleitoral na democracia brasileira. As eleições de 2018 foram um acontecimento
histórico que marcaram não somente a ascensão ao poder de um fascismo à brasileira, mas o
papel fundamental dos sites de redes sociais e aplicativos de mensagens para consolidação da
estratégia política da extrema direita. Estratégia, essa, que ocorre em nível global e que
Giuliano da Empoli (2019) caracteriza como “engenharia do caos”.
A exploração de novas formas de fazer política através dos sites de redes sociais pela
extrema direita ganhou força no país principalmente após as Jornadas de Junho de 2013 e
cresceu com a acirrada eleição presidencial de 2014 e o ressentimento dos derrotados que não
aceitaram o resultado das urnas e passaram a questionar o próprio processo eleitoral. Esse
ressentimento deu o tom das manifestações golpistas dessa parte do eleitorado que saiu às
ruas de verde e amarelo com cartazes e faixas antidemocráticas logo nos primeiros meses do
segundo mandato de Dilma Rousseff. Tais manifestações culminaram no afastamento de
Dilma após um processo teatral de impeachment. Assim, instaurava-se um clima político
caótico que predispôs o que aconteceria no país em 2018. Os engenheiros do caos se
aproveitam justamente dessa conjuntura e de dois ingredientes em especial: “[...] a cólera de
alguns meios populares, que se fundamenta sobre causas sociais e econômicas reais; e uma

2
Aqui cabe salientar que Raquel Recuero propõe uma diferenciação teórica entre redes sociais e sites de redes
sociais, afirmando que “sites de redes sociais são espaços utilizados para a expressão das redes sociais na
Internet” (RECUERO, 2009, p. 102). Os sites de redes sociais possibilitam vários tipos de conexão em rede,
como é o caso do Facebook, escolhido para esta pesquisa. Partindo dessa definição, optei por utilizar a expressão
“sites de redes sociais”, proposta por Recuero, para referir ao local de circulação do discurso jornalístico tomado
como objeto de análise para esta pesquisa. Isso posto, mesmo quando eu estiver me referindo ao formato
reduzido “redes”, continuo remetendo-me à definição de Recuero.
20

máquina de comunicação superpotente, concebida em sua origem para fins comerciais,


transformada em instrumento privilegiado de todos aqueles que têm por meta multiplicar o
caos” (EMPOLI, 2019, p. 24-25).
A catarse resultante dos arranjos político-ideológicos arrebatados pela engenharia do
caos veio na eleição presidencial de 2018. Reside aí sua singularidade que faz jus às várias
pesquisas dedicadas a esse acontecimento histórico e político recente. No que concerne a esta
tese, o intuito é investigar a disputa de/pelos sentidos no Aparelho Ideológico da Informação
com as coberturas jornalísticas dos acontecimentos que precederam as eleições de 2018 feitas
por veículos jornalísticos em suas fanpages3 no Facebook4, além de contrapor tais coberturas
aos posts5 com maior número de interação registrado pelo site de rede social no mesmo
período6. Interessa, especificamente, analisar quais efeitos de sentido são produzidos pelo(s)
discurso(s) jornalístico(s) que circularam na rede social que teve papel fundamental na
campanha eleitoral de 2018.
Aposto na relevância de estabelecer um contraponto entre a cobertura dos veículos da
mídia tradicional corporativa de grande porte – O Globo, Estadão e Folha de São Paulo – e a
cobertura realizada por veículos jornalísticos com atuação exclusiva na plataforma web: como
O Antagonista, e aqueles que se contrapõem à mídia tradicional, como El País Brasil,
Jornalistas Livres e The Intercept Brasil. São veículos que não possuem a mesma linha
editorial e, consequentemente, não reproduzem os mesmos sentidos. Com isso, espero
promover algumas reflexões pertinentes para o debate sobre o jornalismo na
contemporaneidade, especialmente sobre a possibilidade de atuação de uma mídia alternativa
hoje no Brasil.
Em sua tese de doutorado, Cristiane Riffel destaca que a principal contribuição do
jornalismo alternativo/independente no digital é “problematizar a desigualdade na tomada
palavra e na forma como ela circula na sociedade, interrogar os valores que regem a prática
jornalística, articular arranjos de trabalho colaborativos e ousar criar outros modos de

3
Fanpage ou página de fãs é uma página específica dentro do Facebook direcionada para empresas, marcas ou
produtos, associações, ou seja, qualquer organização com ou sem fins lucrativos que deseje interagir com os seus
clientes/usuários/público no Facebook.
4
Em outubro de 2021, o Facebook anunciou a mudança de nome para Meta, apostando na fusão entre rede social
e realidade virtual, o chamado “metaverso”. No entanto, como o site de rede social continua utilizando a
denominação “Facebook”, optei por mantê-la também neste trabalho, até mesmo porque as alterações na
denominação foram posteriores ao período da pesquisa para esta tese que compreende o ano de 2018.
5
Posts são qualquer tipo de conteúdo publicados na web (por veículos jornalísticos, blogs, sites de redes sociais
ou outra plataforma), seja nos formatos de áudio, vídeo, imagem ou texto, ou, ainda, todos eles de uma vez.
6
O levantamento dos posts relacionados à política mais curtidos, comentados e compartilhados no Facebook no
Brasil é feito pelo projeto Manchetômetro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Trarei mais
detalhes sobre esse ranking e sobre como ele foi utilizado nesta pesquisa no capítulo 1.
21

produção e circulação da notícia” (RIFFEL, 2022, p. 124). Concordo com a autora,


especialmente sobre o recente uso da designação “jornalismo independente”: “o uso do termo
jornalismo independente, e não alternativo caracteriza-se como uma forma de produzir um
efeito de independente, acionando-se assim a memória discursiva do que seja dependência do
jornalismo brasileiro dos monopólios de mídia” (RIFFEL, 2022, p. 66). Cristiane destaca que
jornalismo alternativo é, então, ressignificado “diante da possibilidade de novas narrativas, de
ampliação nas formas de financiamento da circulação e acesso do leitor às notícias na
internet” (RIFFEL, 2022, p. 66). Ao utilizar os termos mídia hegemônica e mídia alternativa,
estou considerando as reflexões desenvolvidas pela pesquisadora7.
Como objetivos específicos, cito, ainda:
a) Analisar como os acontecimentos no período da eleição presidencial de 2018 são
discursivizados em veículos com posicionamentos distintos dentro do aparelho
ideológico da Informação, identificados com Formações Ideológicas e Discursivas
antagônicas e/ou contraditórias a partir de suas práticas e saberes;
b) Refletir sobre como ocorre a produção/circulação do discurso jornalístico com os
avanços tecnológicos que nos trouxeram à era dos sites de redes sociais determinada
pela extração de dados e por processos algorítmicos;
c) Compreender como se dão as correlações de força dentro do AIE da Informação na
atualidade;
d) Investigar como a ideologia produz efeitos de sentido criando evidências de que este
sentido é transparente e conduzindo a interpretação para uma determinada direção;
e) Refletir sobre a formação social brasileira atual e sobre o funcionamento do Aparelho
Ideológico da Informação correspondente;
O discurso jornalístico sempre me instigou. Não foi por acaso a escolha da graduação
em Comunicação Social: Habilitação em Jornalismo. Além de ser objeto de trabalho, este
discurso sempre levantou vários questionamentos. E é através da pesquisa acadêmica que os
questionamentos podem ser feitos e que se pode tentar compreendê-los.
Na monografia, escrita para a conclusão do curso de Comunicação Social: Habilitação
em Jornalismo, abordei o conceito de comunicação comunitária e alternativa, analisando o
surgimento de uma rádio comunitária alternativa, ou seja, que funcionava sem a concessão
pública no interior do RS. Já na dissertação de mestrado, o foco foi o funcionamento da mídia

7
Na seção 5.3 Nas bordas dos aparelhos (p. 232), trato com mais profundidade dos veículos que compõem o
objeto de análise desta tese, a partir do posicionamento desses veículos dentro do Aparelho Ideológico da
Informação.
22

hegemônica, no caso, a Rede Globo, no período histórico da campanha Diretas Já. A tese de
doutorado, assim, será como o fechamento de um ciclo, contrapondo jornalismo alternativo à
mídia hegemônica ao tratar da produção/circulação do discurso jornalístico nas condições de
produção da web 3.08.
A escolha do Facebook para esta pesquisa justifica-se pelo protagonismo assumido
pela rede nas eleições de 2018. Seus usuários promoveram uma verdadeira guerra virtual cuja
arma foi o compartilhamento de informações. E, não menos importante, o feed de notícias9 do
Facebook tem um funcionamento análogo ao de um jornal diário com notícias sobre política,
polícia, celebridades, esportes, mas, sobretudo, com informações sobre a vida do vizinho, do
colega de trabalho, dos amigos e da família.
É fato que, ao mesmo tempo em que a internet inaugura a possibilidade de
interconexão entre as pessoas do mundo todo, isso não significa que promova a união, a
solidariedade e a colaboração entre os povos (princípios que o socialismo relaciona àquilo que
designa como “internacionalização”).
A tão exaltada era da informação10, advinda no final do século XX com a dinamização
dos fluxos informacionais, que coloca todo o globo em rede, para o teórico da comunicação
Muniz Sodré, não passa de uma nova roupagem para velhos conhecidos:

Em termos públicos, o fenômeno recebe o nome de globalização, mas politicamente


coincide com a ideologia do ‘neoliberalismo’, uma plataforma econômico-político-
social-cultural, empenhada em governo mínimo, fundamentalismo de mercado,
individualismo econômico, autoritarismo moral e outros (SODRÉ, 2010, p. 14).

8
A web 3.0 é anunciada pelos pesquisadores como a terceira fase da internet. A saber, a primeira fase, a web 1.0,
teve início na década de 80 e tratava-se de sites estáticos que não permitiam interação, numa época que tanto a
criação de sites quanto o acesso à internet eram muito restritos e onerosos. Por volta dos anos 2000, teve início a
segunda fase da internet, chamada de web 2.0, a qual ficou marcada pelos blogs e pelo início das redes sociais
(MSN e Orkut são as mais lembradas). Os usuários, aos poucos, tornavam-se não apenas espectadores, mas
produtores de conteúdo em suas redes. Já na web 3.0, as redes sociais ganharam protagonismo com o avanço
tecnológico e o desenvolvimento da inteligência artificial e da ciência de dados, ou Big Data. Também chamada
de “Web semântica”, a Web 3.0 inaugura um processo de simbiose entre o homem e a máquina, pois a máquina
“aprende” a partir dos cliques aquilo que é relevante ou não para cada usuário.
9
Conforme definição do próprio Facebook, o feed de notícias é “uma lista de histórias da sua página inicial em
constante atualização. O feed contém atualização de status, fotos, vídeos, links, atividades de aplicativos e
curtidas de pessoas, páginas e grupos que você segue no Facebook”.
10
A era da informação é chamada também de era digital e se refere aos avanços tecnológicos após a Revolução
Industrial. Alguns pensadores consideram que era da informação seja um novo ciclo na história da humanidade.
Peter Drucker foi o primeiro teórico a utilizar o termo “era da informação” para designar os avanços
tecnológicos que permitiram a ampliação da capacidade de armazenamento e memorização de informações e a
conexão do mundo via internet. Nesta perspectiva, a era da informação trata-se, sobretudo, de uma era de
interação sem limitações geográficas.
23

A internet, com sua multiplicidade de informações e conexões, serve aos interesses da


ideologia dominante, da ideologia neoliberal, como refere Sodré, e é preciso não cair no
engodo de que a democratização da mídia advém simplesmente da multiplicidade de veículos
e canais possibilitada pela internet.
Por outro lado, ao abordar o enunciado “liberdade de expressão” em blogs
progressistas em sua tese, Renata Adriana de Souza observa que a internet é um lugar de
disputa de sentidos que “têm afrontado a ordem pré-estabelecida, fazendo com que dizeres até
então silenciados fossem acessados por um número considerável de sujeitos. Isso acrescenta
uma outra característica ao ciberespaço: a possibilidade de resistência a posições dominantes”
(SOUZA, 2015, p. 93-94)11.
Ainda assim, não se pode incorrer na ilusão de considerar a internet uma revolução,
especialmente no que se refere à democratização da comunicação. Como aponta o teórico
brasileiro Muniz Sodré, “as transformações tecnológicas da informação mostram-se
francamente conservadoras das velhas estruturas de poder, embora possam aqui e ali agilizar
o que, dentro dos parâmetros liberais, se chamaria de “democratização” (SODRÉ, 2010, p.
12-13).
Para o teórico, o que tem acontecido no espaço digital é a replicação das mesmas
formas de pensamento. Tomando um conceito da teoria da comunicação, a agenda setting12,
que significa o agendamento de determinados temas e assuntos pela mídia, Sodré fala do seu
efeito político.

[...] ninguém vota num político “televisivo” porque a tevê manda, à maneira
manipulativa do Grande Irmão orwelliano, e sim porque fez sua escolha a partir de
um cenário – que a tevê cria por notícias convenientemente editadas, dramas,
espetáculos, entrevistas, comentários -, na verdade uma “agenda” sub-reptícia do
que deve ser o político ou do que deve fazer o eleitor para tornar-se compatível com
a modernidade apregoada pela economia de mercado, que por sua vez sustenta a
televisão (SODRÉ, 2010, p. 28-29).

Contudo, a agenda setting é insuficiente para definir linhas de interpretação para os


acontecimentos. Pêcheux ([1983] 2012c) teoriza que a repetibilidade cria universos
logicamente estabilizados, ou seja, naturaliza determinados sentidos. E a mídia atua na

11
Embora o enunciado “liberdade de expressão” nas condições de produção desta tese também esteja
funcionando como argumento de defesa de um discurso autoritário e como argumento de defesa do direito de
produzir fake news.
12
O conceito de agenda setting foi desenvolvido pelos pesquisadores Maxwell McCombs e Donald Shaw em
1972, embora tenha partido da obra Public Opinion de Walter Lippmann no ano de 1922. De acordo com Barros
Filho, agenda setting é “um tipo de efeito social da mídia. É a hipótese segundo a qual a mídia, pela seleção,
disposição e incidência de suas notícias, vem determinar os temas sobre os quais o público falará e discutirá"
(BARROS FILHO, 2001, p. 169).
24

naturalização destes sentidos. Se a agenda setting é a capacidade de a mídia pautar sobre o


que a opinião pública irá se interessar ou comentar, esta capacidade só é possível pela
repetibilidade que convoca uma rede de filiações na memória, legitimando e naturalizando
determinados sentidos. Recorrer ao arcabouço teórico da AD é imprescindível para as
questões levantadas neste trabalho.
Ademais, o ponto de partida para pensar no objeto do qual trata esta tese foi a célebre
citação de Pêcheux:

- não há dominação sem resistência: primado prático da luta de classes, que significa
que é preciso “ousar se revoltar”.
- ninguém pode pensar do lugar de quem quer que seja: primado prático do
inconsciente, que significa que é preciso suportar o que venha a ser pensado, isto é, é
preciso “ousar pensar por si mesmo” (PECHEUX, [1975] 1995, p. 304).

Nessa citação, Pêcheux retoma os estudos do mestre Louis Althusser ao afirmar que
não há assujeitamento pleno, que não há ritual sem falha. As ideologias não capturam os
sujeitos simplesmente por serem dominantes. E porque há a contradição, é possível pensar em
resistência, em transformação.
O tempo todo, enquanto estive trabalhando nesta ideia que hoje posso chamar de tese,
eu me perguntei: o que Pêcheux estaria analisando, quais seriam os seus interesses na
atualidade se o seu percurso não tivesse sido tão abruptamente interrompido? Será que estaria
debruçado sobre as mesmas questões que são levantadas pelos analistas de discurso
contemporâneos? E foi esse questionamento sobre a imagem13 que Pêcheux faria da Análise
do Discurso hoje que atravessou meu trabalho.
A trajetória de Pêcheux me faz pensar que o teórico não relegaria o político. Da
mesma forma como não relegaria a tecnologia, dado o seu fascínio pelas máquinas, exposto
de forma mais direta na AAD 69.
E é esta projeção que me colocava nos trilhos da escrita quando parecia que tudo havia
descarrilado. Afinal, de que trata esta tese senão de política e tecnologia, duas grandes áreas
de interesse do fundador da teoria da Análise de Discurso?
O percurso será o mesmo de Pêcheux: tomar partido por um trabalho de leitura de
arquivo que não ignore os procedimentos algorítmicos informatizados, mas que não deixe de
tratar das questões do sentido. E, sobretudo, que

13
Cuja formulação proposta por Pêcheux pode ser representada pelo esquema IA(IB). Tratarei mais
detalhadamente sobre as projeções imaginárias no início do terceiro capítulo.
25

[...] trate de questionar os recursos da inteligência humana em luta com o arquivo


textual, e não de disciplinar o exercício desta através de dispositivos (de
classificações, de indexação etc.), que derivam mais da gestão administrativa e do
sonho logicista de língua ideal que da pesquisa científica fundamental (PÊCHEUX
[1982], 2014a, p. 67, grifos do autor).

Neste ponto, cabe esclarecer que a análise que farei nesta tese não será
especificamente uma análise do discurso digital, nos termos que define Marie-Anne Paveau
(2021): “descrição e análise do funcionamento das produções linguageiras nativas da internet,
particularmente da web 2.0, em seus ambientes de produção, mobilizando igualmente os
recursos linguageiros e não linguageiros dos enunciados elaborados” (PAVEAU, 2021, p. 57).
Nesta tese, a maior parte da produção de conteúdos não é nativa, apesar de, por vezes, ser
elaborada on-line nos espaços e ferramentas dispostos na internet. Ao avançar para a segunda
parte desta tese, na qual direciono a atenção para a circulação dos discursos, as análises
incluem lives e cards que são produções nativas da internet, embora o objetivo não seja
analisá-los enquanto discurso digital, mas sob a perspectiva da intervenção dos algoritmos em
sua circulação.
O que percebi na construção do arquivo que gerou o corpus de análise é que as
produções linguageiras dos veículos jornalísticos ocorrem nos espaços tradicionalmente
determinados pelas práticas jornalísticas (seja num site jornalístico ou num editor de textos) e
são posteriormente transpostas para os sites de redes sociais. Algumas poucas produções, ao
serem transpostas, são “mescladas” com características linguísticas próprias do digital: uso de
hashtags, de URL e links, por exemplo. E quando se trata de posts de candidatos e de
movimentos políticos, a única produção nativa aparece na forma de lives14.
Também é preciso pontuar que, assim como Cristiane Dias, “[...] tomo o digital para
além de uma mera forma de produção da tecnologia, mas como uma condição de produção
político-ideológica do discurso, como uma condição e meio de produção e reprodução das
formas de existência capitalistas” (DIAS, 2018, p. 28). Da mesma forma que a autora, a
pretensão é me afastar de uma compreensão da tecnologia apenas como suporte para a
circulação dos discursos e me aproximar de uma concepção da tecnologia enquanto “condição
de produção dos processos de subjetivação” (ibid, p. 28).
Esta tese se divide em dois momentos: produção X circulação do discurso jornalístico.
O ponto de partida é a produção desse discurso e o modus operandi dos sujeitos jornalistas e
dos veículos de comunicação na discursivização dos acontecimentos: como se dão os
processos discursivos, a construção dos discursos e os efeitos de sentido que estão em jogo na

14
Lives são transmissões ao vivo de áudio e vídeo feitas por meio dos sites de redes sociais.
26

produção dos discursos (como determinados sentidos ganham visibilidade e como alguns são
silenciados).
A percepção da produção X circulação do discurso jornalístico só aconteceu após a
primeira fase da constituição do arquivo desta tese, como explicitarei no capítulo 1. Entendi
que não poderia tratar apenas da formulação do discurso jornalístico, se partia da análise
específica de um outro meio de circulação desse discurso.
Produção X circulação remete aos eixos do interdiscurso e do intradiscurso, ou, ainda,
da constituição e da formulação do sentido, como referem Courtine e, posteriormente,
Orlandi. Courtine ([1981] 2009a, p. 92) fala da existência de dois eixos: o vertical e
interdiscursivo, referente à formação dos enunciados, o qual garante a repetição; e o eixo
horizontal e intradiscursivo, referente à formulação. Partindo da reflexão de Courtine, Orlandi
observa que o eixo vertical, do interdiscurso, representa “[...] todos os dizeres já ditos – e
esquecidos [...]” (ORLANDI, 2013, p. 32). Já o eixo horizontal, do intradiscurso, é o eixo da
formulação ou “aquilo que estamos dizendo naquele momento dado, em condições dadas”
(ibid, p. 33).
Sendo assim, o eixo vertical da constituição, neste trabalho, refere-se ao eixo da
produção do discurso jornalístico. Esse discurso só irá circular quando colocado no eixo
horizontal, da formulação. De acordo com Orlandi, “a constituição determina a formulação,
pois só podemos dizer (formular) se nos colocamos na perspectiva do dizível (interdiscurso,
memória)” (ibid, p. 33).
O próprio processo de produção do discurso, conforme Orlandi ([2001] 2022), implica
em três momentos: a constituição, a formulação e a circulação. Na constituição, se parte da
memória, enquanto na formulação incide o efeito das condições de produção – é onde “o
sujeito se mostra (e se esconde)” (ORLANDI [2001], 2022, p. 13) – e a circulação está
atrelada a uma determinada conjuntura. Por conseguinte, o eixo vertical (interdiscurso)
determina o eixo horizontal (intradiscurso). E a análise de Orlandi inclui o eixo da circulação
“onde os dizeres são como se mostram” (ibid, p. 16).
Convém refletir sobre como os dizeres se mostram/se mostravam no jornalismo. Antes
da internet, os dizeres circulavam, ou se mostravam, de cima para baixo: do meio/canal
(rádio, TV, imprensa) para o público. Com a internet e os sites de redes sociais, a circulação
deixa de ser unidirecional. Os fluxos podem assumir diferentes direções, partindo de diversos
meios. Isso não significa que antes os sentidos eram únicos. Mas, as redes amplificaram as
possibilidades de circulação dos sentidos múltiplos, além de submetê-las à maquinaria
algorítmica.
27

Com base no que precede, a opção metodológica pela organização da tese em dois
momentos – produção X circulação do discurso jornalístico – implica dividir, também, a
reflexão sobre os Aparelhos Ideológicos de Estado. Embora esta tese trate sobre os AIE desde
o princípio, a teorização se dá em momentos diferentes. Na primeira parte, a da produção do
discurso jornalístico que compreende os capítulos 2 e 3, trato do Aparelho Ideológico da
Informação, tal como concebido por Althusser ([1971] 1985), cujas práticas, rituais e tensões
regulam o funcionamento da mídia. Já num segundo momento, o da circulação, que
compreende os capítulos 4 e 5, proponho pensar nos AIE à luz do funcionamento dos
algoritmos que determinam a circulação do discurso jornalístico. Trata-se de comparar os dois
momentos, produção e circulação, para entender o modo como os AIE são afetados pelos
algoritmos. Nas condições de produção atuais, tratar apenas do funcionamento do Aparelho
Ideológico da Informação mostra-se insuficiente e, por este motivo, desenvolvo o que venho
chamando de Aparelho Algorítmico, do qual tratarei a partir do capítulo 4.
Figura 1 – Estrutura da tese

Fonte: Elaborado pela autora


28

São cinco capítulos (além desta introdução). No primeiro capítulo, tratarei do percurso
metodológico, da construção do arquivo que originou o corpus discursivo e das condições de
produção do discurso jornalístico. O segundo capítulo se ocupa do Aparelho Ideológico da
Informação (AII), discorrendo sobre seu funcionamento e detalhando a tese de Althusser
sobre os aparelhos ideológicos de Estado, sua imbricação com a ideologia, a interpelação dos
sujeitos e como tais sujeitos se movimentam dentro dos aparelhos.
Por sua vez, o terceiro capítulo versa sobre o modus operandi da mídia e a ordem de
repetibilidade da formulação do discurso jornalístico, seja por meio do silenciamento de
efeitos de sentido dissidentes, seja pela repetibilidade dos mesmos efeitos de sentido, pelo uso
das aspas para marcar as fronteiras entre formações discursivas, ou, ainda, pelos novos modos
de referir o discurso do outro advindos das novas tecnologias, o chamado tecnodiscurso
relatado.
No quarto capítulo, são apresentados os novos modos de circulação dos discursos,
originados pelos novos modos de produção da formação social capitalista/neoliberal. Nele,
exponho o funcionamento da engrenagem algorítmica que regula os sites de redes sociais, as
quais, a despeito da promessa de democratização da comunicação advinda com o surgimento
da internet, nos fecham em bolhas e tornam a subjetividade dos usuários das redes uma
mercadoria. A partir dele desenvolvo o que denomino de Aparelho Tecno(Ideo)lógico: o
Aparelho Algorítmico (AA).
A produção do dissenso e os lugares dos veículos jornalísticos no AIE da Informação
serão o assunto do quinto e último capítulo. Por fim, nas considerações finais, uno as pontas
desse emaranhado de fios discursivos, apresentando os resultados e os possíveis efeitos de
sentido decorrentes dos gestos de leitura/análise/interpretação empreendidos nesta pesquisa.
29

1 UMA TRILHA ENTRE OS NÓS NAS REDES: SOBRE O ARQUIVO E O


PERCURSO

[...] nem ceder às facilidades verbais da pura denúncia humanista do ‘computador’,


nem se contraidentificar ao campo da informática (o que tornaria a reforçar o
projeto desta), mas tomar concretamente partido, no nível dos conceitos e dos
procedimentos, por este trabalho do pensamento em combate com sua própria
memória, que caracteriza a leitura-escritura do arquivo, sob suas diferentes
modalidades ideológicas e culturais, contra tudo o que tende hoje a apagar este
trabalho (PÊCHEUX [1982], 2014a, p. 67).

A epígrafe escolhida reflete as condições de produção do próprio trabalho de análise


no desenvolvimento da tese. As tentações de ceder à ilusão de automaticidade da informática
ou, pelo contrário, de ceder à ilusão do rechaço completo da maquinaria por conta de sua
opacidade, rondaram à espreita todo o movimento de escrita desta tese.
Dessa forma, para introduzir este capítulo, é preciso “tomar concretamente partido, no
nível dos conceitos e dos procedimentos, por este trabalho do pensamento em combate com
sua própria memória” (PÊCHEUX [1982], 2014a, p. 67). Cabe, portanto, iniciar pontuando
que na AD cada analista, a partir da teoria, constrói o seu dispositivo teórico-analítico,
levando em consideração não apenas o nível linguístico, mas também a exterioridade, isto é,
as condições sócio-históricas do discurso objeto de análise.
Metodologicamente, o percurso realizado pelo analista até chegar às análises passa por
algumas etapas e a AD analisa as marcas linguísticas como se fossem pistas. Conforme
Orlandi, “as marcas são efeitos de caráter ideológico” (ORLANDI, 1994, p. 303). A autora
explica que o dispositivo de análise da AD compreende três etapas: a superfície linguística, o
objeto discursivo e o processo discursivo. A passagem da superfície linguística ao objeto
discursivo se dá pelo esquecimento nº 2 (ilusão do controle dos sentidos) no nível do
interdiscurso (ibid, p. 303).
Do objeto discursivo ao processo discursivo a passagem acontece sob o esquecimento
nº 1 (da ilusão de que o sujeito é a origem do dizer). “Estamos nesta etapa no jogo complexo
do conjunto das formações discursivas em sua relação com a ideologia. Aí já se desenha a
definição ideológica dos discursos e trabalhamos no nível da constituição do discurso
(interdiscurso)” (ibid, p. 303). Essa etapa é a de interpretação do discurso em análise.
Conforme Orlandi, “o texto é um todo em que se organizam os recortes. Esse todo tem
compromisso com as tais condições de produção, com a situação discursiva” (ORLANDI,
1984, p. 14). Os recortes não são automáticos e sua seleção varia “segundo os tipos de
30

discursos, segundo a configuração das condições de produção, e mesmo o objetivo e o alcance


da análise” (ibid, p. 14).
Neste trabalho, o primeiro recorte parte das condições de produção de realização das
eleições presidenciais de 2018, compreendendo o período de abril a outubro de 2018,
considerando o que foi compartilhado no Facebook pelos veículos da mídia escolhidos para a
pesquisa.
Mas, como “um corpus de arquivo textual não é um ‘banco de dados’” (PÊCHEUX
[1981] 2012d, p. 280), alguns movimentos de seleção e análise foram determinantes para a
composição do arquivo construído para a realização desta tese, como explicarei na seção
seguinte.

1.1 A CONSTRUÇÃO DE UM ARQUIVO COMPLEXO

Pêcheux ([1982] 2014a, p. 59) postula que o arquivo pode ser compreendido como um
“campo de documentos pertinentes e disponíveis sobre uma questão”. Segundo o autor,
existem duas formas de ler um arquivo: a que só extrai o sentido literal; e a que leva em
consideração os efeitos que os aparelhos de poder têm na memória coletiva da sociedade.
Desse modo, construir o arquivo é, sobretudo, fazer um gesto de leitura. Assim, esta tese traz
um possível gesto de leitura sobre a produção/circulação dos discursos no Facebook durante
as eleições de 2018.
Sobre os tipos de corpora na AD, Courtine ([1981] 2009a) estabelece dois: os de
arquivo (constituídos de materiais preexistentes) e os experimentais. Partindo de Courtine,
Giovani Aiub (2012) observa que há um movimento de construção de arquivo, seja na coleta
de materiais preexistes, seja na coleta de entrevistas, depoimentos e/ou novas produções
textuais. Assim, Aiub sugere “[...] chamar esta ‘coleta’ de material para análise de arquivo
construído” (AIUB, 2012, p. 73).
Penso ser esse o caso desta tese. Trabalho com um arquivo construído, partindo da
leitura do arquivo documental disponível no Facebook e que, após o movimento de leitura,
seleção e recorte, se torna um arquivo construído.
Dessa forma, meu arquivo foi construído a partir das publicações nas fanpages do
Facebook de O Globo, Folha de São Paulo, Estadão, El País, O Antagonista, Jornalistas
Livres e The Intercept Brasil entre os meses de abril a outubro de 2018; os posts que lideram
31

o ranking15 do projeto Manchetômetro no mesmo período de tempo; e as publicações da


Central de Ajuda e dos Termos de Uso do Facebook que explicam o funcionamento do feed
de notícias.
Trata-se de um arquivo construído e afetado pelo que Orlandi chama de memória
metálica. Inicialmente, no ano de 2001, a autora formula que a memória metálica é “achatada,
horizontal” (ORLANDI, [2001] 2022, p. 184), pois nela o sentido só se replica, não há espaço
para interpretação, para a historicidade. Na memória metálica, “os sentidos não se filiam, só
se estratificam” (ibid, p. 184). A memória metálica seria, assim, a memória da máquina.
Ao retomar o conceito em 2010, Orlandi define que a memória metálica se produz
pela técnica, resultando numa “[...] distribuição em série, na forma de adição, acúmulo: o que
foi dito aqui e ali e mais além vai se juntando como se formasse uma rede de filiação e não
apenas uma soma, como realmente é, em sua estrutura e funcionamento” (ORLANDI, 2010,
p. 9). A autora propõe que a distribuição em série seja um efeito, uma simulação, produzidos
pela memória metálica. Segundo Orlandi, “qualquer forma de memória tem uma relação
necessária com a interpretação (e, consequentemente, com a ideologia)” (ibid, p. 10).
Outra questão levantada nesta mesma obra é sobre as diferentes relações que
diferentes materialidades significantes estabelecem com a memória e com as condições de
produção. Nas palavras de Orlandi, “há uma abertura do simbólico e as diferentes linguagens,
as diferentes materialidades significantes atestam esta abertura pelas suas distintas formas de
significar, produzindo seus efeitos particulares” (ibid, p. 11). Nesse ponto, a autora já sinaliza
que as diferentes materialidades imbricadas e afetadas pela memória metálica não
estabelecem uma simples adição e podem produzir diferentes efeitos sentidos. Num post do
Facebook, por exemplo, imagem, texto e vídeo não significam isoladamente, mas em
composição. Não se trata de somar os sentidos do texto, da imagem e do som, separadamente,
mas dos efeitos de sentido produzidos pelo funcionamento discursivo simultâneo.
Partindo dessa retomada, é possível pensar em materialidades nas quais memória
metálica e memória discursiva não mais se distinguem, conforme observam Grigoletto e Gallo
(2015, p. 313), pois “[...] uma vez que os dados armazenados já foram interpretados, e ainda
são interpretáveis” constituem-se em memória discursiva. E isso demonstra que “a
complexidade da matéria digital está exatamente nessa imbricação do discursivo com o

15
O ranking é feito pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP), sediado no Instituto de
Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), numa iniciativa
chamada de Manchetômetro. O rankeamento dos posts mais compartilhados na semana faz parte do projeto M
Facebook, o qual integra o Manchetômetro e realiza o monitoramento das principais páginas do país para a
circulação de assuntos relacionados à política no Facebook.
32

tecnológico, ambos atravessados pela ideologia, na medida em que ela engendra memórias e
movimentos diversos” (ibid, p. 314). A circulação no espaço digital, desse modo, é
determinada pela memória metálica. No arquivo que trago para análise, memória metálica e
memória discursiva funcionam porque, embora a reprodutibilidade técnica seja da ordem da
memória metálica, trata-se de “[...] um processo que não é separado da história, e na história
produz sentidos” (FREITAS, 2020, p. 89). Basta lembrar que os algoritmos responsáveis por
compor o feed de notícias de cada usuário do Facebook só funcionam porque foram
programados por sujeitos afetados pelas condições sócio-históricas.
Ao pensar na imbricação entre memória histórica e memória metálica, Cristiane Dias
desenvolve o conceito de memória digital: “lugar da contradição, onde a memória escapa à
estrutura totalizante da máquina (memória metálica), saindo do espaço da repetição formal e
se inscreve no funcionamento do interdiscurso (memória discursiva)” (DIAS, 2018, p. 105).
Isso porque, nos sites de redes sociais, os dizeres estão sempre se repetindo, e, a cada
repetição, vão se atualizando. Dias aponta que “a memória digital não é uma re-atualização
técnica da memória, ou seja, uma expansão horizontal dos enunciados, mas uma atualização
discursiva pelo trabalho do interdiscurso, considerando o acontecimento do digital” (DIAS,
2016, p. 12). Assim, a memória digital possibilita a “falha” no algoritmo.
Por outro lado, Solange Mittmann observa que diferentes processos podem ser
identificados na leitura do arquivo digital: formulação, enunciação, circulação e acesso. A
forma como esses arquivos circulam envolve “[...] (im)precisões de tempo e espaço, em
(des)limites de realidade e virtualidade, em derivas, direcionamentos e escapes”
(MITTMANN, 2014, p. 39). O arquivo que parte de sites de redes sociais, como é o caso do
objeto desta tese, nunca é estável. Está sempre suscetível às desregulações impostas pela
mutabilidade e imprevisibilidade das redes. O gesto de construção de um arquivo a partir do
espaço digital, assim, é um gesto provisório, afetado pelas condições de produção, pela
historicidade e pelas relações de poder de um momento determinado. Decorre disso a
afirmação de Sargentini: “[...] ler o arquivo hoje significa ‘ler a circulação de sentidos’”
(SARGENTINI, 2014, p. 29).
O gesto de construção do arquivo e o conjunto de recortes que formam o corpus
discursivo partem de alguns questionamentos:
a) De que forma os acontecimentos que antecederam a eleição presidencial de
2018 são discursivizados pelos veículos da mídia inscritos no Aparelho Ideológico da
Informação?
b) Como se dá a correlação de forças dentro do AIE da Informação na atualidade?
33

c) Quais são os fatores mais relevantes das condições de produção do período das
eleições presidenciais de 2018?
d) Qual é o lugar que a mídia alternativa ocupa no Brasil e como ela se define?

Denise Maldidier em seu texto “O discurso político e a guerra da Argélia” ([1971]


1997) traz importante contribuição metodológica sobre a constituição de um arquivo ao
mesmo tempo sincrônico e diacrônico. Da mesma forma que a autora, fiz um recorte no
espaço, que se refere aos veículos selecionados e ao local onde circularam suas
discursividades (o Facebook), e um recorte no tempo, pois conforme Maldidier “era
obrigatório determinar sobre o eixo do tempo um certo número de pontos em torno dos quais
seria possível realizar cortes sincrônicos: em outras palavras, fazia-se necessário estabelecer
uma cronologia” (MALDIDIER, [1971] 1997, p. 146).
Para definir a cronologia, mais uma vez, recorro à Maldidier, quando a autora
argumenta que “critérios concomitantemente linguísticos e históricos decidiram a escolha do
conteúdo que era, ao mesmo tempo, a escolha da cronologia” (ibid, p. 146-147). Assim, no
eixo do tempo, a cronologia para construção do presente arquivo foi estabelecida com base
nos acontecimentos políticos e históricos que tiveram interferência nas eleições presidenciais
no país em 2018, no período de janeiro a outubro daquele ano. No eixo do espaço, o arquivo é
constituído pelos discursos produzidos sobre os acontecimentos que determinaram as eleições
de 2018 e foram compartilhados no Facebook. Se, para pensar o discurso sobre a guerra da
Argélia, Maldidier selecionou periódicos “representativos dos diversos grupos sócio-políticos
franceses” (ibid, p. 146), neste trabalho sigo um percurso metodológico semelhante, ao
escolher veículos da mídia hegemônica e veículos que são reconhecidos por pertencerem ao
que hoje se chama de mídia alternativa, pois suas orientações ideológicas são conflitantes.
Quanto aos acontecimentos políticos do período, como foram discursivizados? Quais
efeitos de sentido possíveis destas discursivizações? E, por fim, como circularam esses
discursos?
Os marcos temporais foram estabelecidos a priori, antes da construção do arquivo. À
medida que o arquivo foi sendo construído, houve a exclusão de vários marcos em razão do
alto número de posts.
Inicialmente, no período de tempo que compreende os meses de janeiro a outubro de
2018, os marcos estabelecidos haviam sido os seguintes:

 24/01 - Lula é condenado em segunda instância


34

 25/01 – PT lança Lula candidato a presidente


 08/03 – Bolsonaro filia-se ao PSL
 07/04 – Lula é preso
 21/05 a 30/05 - Greve dos caminhoneiros
 08/07 - Habeas corpus favorável à soltura de Lula e em seguida revogado a
mando de Moro
 11/07 – Proibição de Lula conceder entrevistas
 22/07 – PSL oficializa candidatura de Jair Bolsonaro
 15/08 – Registro da candidatura de Lula no TSE
 1º/09 – TSE nega registro da candidatura de Lula
 06/09 - Bolsonaro é esfaqueado
 11/09 – PT substitui candidatura de Lula por Haddad
 29/09 - Ato #EleNão
 1º/10 – Moro torna pública delação premiada de Palocci (feita em junho e
divulgada a uma semana do primeiro turno, três meses depois)
 07/10 – Primeiro turno das eleições
 01/10 a 28/10 - Debates presidenciais que não ocorreram: Jair Bolsonaro,
alegando não ter condições físicas após a facada, não aceitou nenhum dos convites feitos por
seis emissoras de TV, mas, em contrapartida, concedeu uma entrevista exclusiva de duas
horas para a Record
 18/10 – Bolsonaro é acusado de caixa 2
 21/10 - Ato #PTNuncaMais
 21/10 – Anúncio de medidas do TSE para combate às fake news
 28/10 - Bolsonaro é eleito presidente

Foi preciso realizar um corte significativo de marcos temporais para tornar possível a
adequação da pesquisa ao tempo para realização da tese. Pensando nos eventos que poderiam
intervir diretamente no resultado das eleições, cheguei aos marcos:

 07/04 – Lula é preso


 1º/09 – TSE nega registro da candidatura de Lula
 11/09 – PT substitui candidatura de Lula por Haddad
 06/09 - Bolsonaro é esfaqueado
35

 21/10 – Anúncio de medidas do TSE para combate às fake news

No artigo “Redes e ressignificações no ciberespaço”, Solange Mittmann trata da noção


de arquivo relacionada à internet. Segundo a autora,

Pode-se dizer que o ciberespaço seja o grande arquivo que alimenta nossa ilusão do
Todo, e que o Google seja um arquivo de referência que nos encaminha aos sites,
também, neste caso, tomados como arquivos, já que cada site comporta um certo
número de textos e links. E o processo que envolve a seleção de alguns textos e a
exclusão de todos os outros forma, ainda, um novo arquivo (MITTMANN, 2008).

Partindo de Mittmann, poderia dizer que o Facebook seja o arquivo de referência da


presente tese que encaminha às fanpages e as fanpages aos links, vídeos e imagens
compartilhados nelas. Da mesma forma que Mittmann em sua análise, também proponho a
busca por palavras-chave, não no Google, mas dentro do Facebook. Uma palavra-chave para
cada marco temporal preestabelecido. A pesquisa de cada marco (ou acontecimento que
influenciou o resultado das eleições de 2018) foi feita por palavras-chave correspondentes –
por exemplo: “prisão Lula”. A busca restringe-se à cronologia estabelecida, de janeiro a
outubro de 2018. O Facebook permite refinar a busca das palavras-chave por período e por
fanpage, o que auxilia na constituição do arquivo pelos dois eixos (espacial e temporal).
O perfil utilizado para a pesquisa foi criado exclusivamente para esta finalidade e
segue apenas as fanpages dos veículos de comunicação selecionados para compor o arquivo,
sem nenhum outro perfil como “amigo” e sem manter qualquer tipo de interação.
Para a pesquisa, precisei construir diferentes tipos de arquivo. Primeiramente, fiz um
arquivo com todos os prints screens16 dos resultados de cada pesquisa por palavra-chave no
Facebook. Os prints comprovam exatamente o que os algoritmos do Facebook trouxeram
como resultado para cada palavra-chave.

16
O print screen é uma forma de congelar o exato momento em que se olha para a tela do computador,
transformando-o em imagem. Portanto, o momento em que ele é feito pode alterar o que é capturado (quantidade
de curtidas, comentários, reações e compartilhamentos, por exemplo). A seleção e captura dos posts foi realizada
em diferentes datas.
36

Quadro 1 – Primeiro resultado da busca pelas palavras-chave no Facebook


Palavra- Prisão Candidatura Haddad Facada Fake
Veículo chave Lula Lula candidato Bolsonaro news
Estadão 49 41 40 42 48
O Globo 50 45 46 40 46
O Antagonista 50 47 48 33 48
El País 49 44 46 26 41
The Intercept Brasil 28 14 48 8 43
Jornalistas Livres 42 47 41 30 47
Fonte: elaborado pela autora.

O Facebook disponibilizava uma ferramenta de pesquisa que permitia filtrar o local


(página ou perfil) e a data (mês e ano) das publicações na época da realização da pesquisa
(entre 2019 e 2020). Assim, foi possível pesquisar palavras-chave em meses específicos,
embora não tenha sido possível filtrar pelo dia da publicação. Dessa forma, o resultado da
busca, apesar da possibilidade de aplicar o filtro por palavra-chave, por ano e pelo mês
desejados, não assegurou exatidão. Dentre os resultados, muitos não se referiam
especificamente ao termo buscado ou não se referiam ao marco temporal estabelecido.
Até então, eu estava à mercê do funcionamento algorítmico do Facebook. Realizando
a pesquisa nessa rede social, os resultados que me eram apresentados eram aqueles que o
Facebook pré-determinou por meio de seus algoritmos. Nesse momento, passo a interferir no
jogo algorítmico da rede pelo olhar de analista do discurso. Um olhar mais criterioso, com o
objetivo de delimitar os resultados e selecionar aqueles cuja análise se mostrava mais
profícua.
Foi necessário, assim, realizar um primeiro recorte, selecionando os posts que se
referiam diretamente às palavras-chave buscadas. E, um segundo recorte, a partir do arquivo
com os posts específicos de cada palavra-chave, selecionar os posts nas datas (exatas ou mais
próximas) de cada marco temporal.
O passo seguinte foi selecionar desse arquivo os posts com mais reações (curtidas,
comentários e compartilhamentos), pois pressupõem maior circulação. A partir daí me atentei
para a leitura analítica profunda da materialidade discursiva obtida para realizar o recorte
final, levando em consideração a proposta de analisar o funcionamento do Aparelho
Ideológico da Informação e a apropriação do discurso político pelo jornalístico na
discursivização dos acontecimentos.
37

É importante evidenciar que, quando me refiro a um Aparelho Ideológico de Estado,


trato do que Althusser define como “um certo número de realidades que apresentam-se ao
observador imediato sob a forma de instituições distintas e especializadas” (ALTHUSSER,
[1971] 1985, p. 68). Instituições, essas, que atuam para garantir a reprodução das relações de
produção. Nos capítulos 2 e 5 retomarei com mais especificidade as reflexões sobre os AIE.
O arquivo foi construído, dessa maneira, a partir dos cinco últimos marcos temporais
pré-estabelecidos (prisão de Lula, impugnação do registro da candidatura de Lula, atentado
contra Bolsonaro, substituição de Lula por Haddad e medidas contra fake news) que guiaram
os recortes produzidos nos veículos selecionados para a pesquisa.
Entretanto, ao buscar pelas palavras-chave na fanpage de Folha de São Paulo,
deparei-me apenas com um texto de despedida publicado em 8 de fevereiro de 2018 (data
anterior ao período dos marcos temporais estabelecidos). O post intitulado “Folha deixa de
publicar conteúdo no Facebook” foi devidamente incluído no arquivo e será objeto de análise
na seção 4.1. Assim, o arquivo com o resultado pela busca das palavras-chaves foi composto
por 53 posts.

Quadro 2 – Segundo resultado da busca por palavras-chave no Facebook


Marco Prisão Registro e Atentado Substituição Fake Texto de TOTA
temporal de Lula impugnação contra de Lula por news despedida L
da Bolsonaro Haddad do
candidatura Facebook
Veículo de Lula
Estadão 1 2 2 3 2 0 10
O Globo 2 2 2 2 2 0 10
O Antagonista 1 2 2 2 3 0 10
El País 1 2 2 2 2 0 9
The Intercept 1 1 1 0 2 0 5
Brasil
Jornalistas 2 1 1 2 2 0 8
Livres
Folha de São 0 0 0 0 0 1 1
Paulo
Total 8 10 10 11 13 1 53
Fonte: Elaborado pela autora.

O arquivo começou a ganhar forma com a coleta das publicações referentes ao


primeiro marco estabelecido: a prisão de Lula em 7 de abril de 2018. Como proposto, a busca
no Facebook ocorreu por meio de palavras-chave, no caso, “prisão Lula”, filtrando as
postagens sobre o assunto ocorridas no mês de abril de 2018. Dessas, foram selecionadas as
38

publicações ocorridas no dia exato da prisão. Quando não houve menção sobre o assunto em
algum veículo naquele dia, recorri à publicação na data mais próxima.
Da mesma forma, pesquisei por “candidatura Lula” em agosto e setembro de 2018
para abranger publicações referentes ao registro da candidatura de Lula e sua posterior
impugnação, tendo em vista que a votação no Tribunal Superior Eleitoral que decidiu a
impugnação ocorreu em 31 de agosto de 2018.
Com o filtro para o mês de setembro de 2018, foi realizada a pesquisa pelas palavras-
chave “Haddad candidato”, pois o PT oficializou Fernando Haddad como substituto de Lula
na candidatura à presidência no dia 11 de setembro.
Também com o filtro para setembro foi realizada a pesquisa da palavra-chave “facada
Bolsonaro” para abranger as publicações referentes ao atentado sofrido pelo candidato Jair
Bolsonaro em 6 de setembro de 2018.
A reta final da campanha eleitoral de 2018 foi marcada pelo compartilhamento
massivo de fake news17, inclusive com a eclosão da denúncia reportada pelo jornal Folha de
São Paulo (nas versões impressa e digital) de que empresas que apoiavam a candidatura de
Bolsonaro firmaram contratos de até R$ 12 milhões com serviços especializados em disparar
mensagens em massa contra o PT para usuários de WhatsApp. Embora a Folha tenha
interrompido a publicação em sua fanpage, a denúncia repercutiu em outros veículos, de
modo que a Folha continuou circulando no Facebook. Assim, a palavra-chave “fake news” foi
pesquisada no mês de outubro em cada um dos veículos.
A grande maioria dos posts possuem links que direcionam aos textos publicados nos
sites oficiais de cada veículo jornalístico. Quando é esse o caso, post e texto são analisados
conjuntamente, embora por vezes o texto do próprio post tenha se mostrado suficiente para
análise, representando o teor do texto completo. Cabe ressaltar que os posts podem conter
somente texto, somente imagem ou somente vídeo ou, ainda, texto e imagem, texto e vídeo. A
imbricação de diferentes materialidades significantes, como é o caso desta tese, requer um
olhar analítico que não deixe de considerar a especificidades de cada materialidade. É o que
Suzy Lagazzi define como “estruturas materiais distintas em composição”, pois não são
“materialidades que se complementam, mas que se relacionam pela contradição, cada uma
fazendo trabalhar a incompletude na outra” (LAGAZZI, 2007, s/p). Ainda, na análise de

17
Fake News são notícias falsas, boatos ou rumores publicados por veículos de comunicação. A publicação
desse tipo de notícia como se fosse real legitima um determinado ponto de vista, prejudicando uma pessoa ou
grupo alvo da notícia. O conceito de fake news será objeto de análise na subseção 3.2.2.
39

Lagazzi, “os sentidos têm que ser buscados na composição entre as imagens e as palavras”
(Ibid, s/p).
No entanto, em função dos objetivos formulados para esta tese, não se trata de
examinar um vídeo, uma imagem ou um texto específico, mas a intersecção dessas
materialidades, enquanto produção e circulação no Facebook. Reitero que a finalidade desta
pesquisa é a de tomar como objeto de análise o discurso jornalístico e, por isso mesmo,
embora as reações e os comentários nas postagens também tenham relevância, sua análise
remeteria a um objetivo diverso.
Ainda, cabe destacar que nem todos os resultados de busca pelas palavras-chave nas
fanpages selecionadas para esta pesquisa foram analisados. Justifico o corte em razão da
similaridade dos posts, mesmo que compartilhados por fanpages diferentes. Em alguns casos,
é possível optar por um post cujo efeito de sentido representa os demais. Dessa forma, as
análises podem se mostrar mais produtivas, fugindo de redundâncias.
A busca pelas palavras-chaves mostrou-se insuficiente quando compreendi que não
poderia tratar somente da produção do discurso jornalístico. Essa produção, ao ser transposta
para o Facebook, sofre determinações tecno(ideo)lógicas em sua circulação muito
significativas para serem ignoradas. Assim, a relação produção X circulação do discurso
jornalístico permeia e move o desenvolvimento desta tese desde então, como mostrarei ao
longo do desenvolvimento dos capítulos.

1.1.1 Rompendo a ilusão do universo logicamente estabilizado

Tão logo terminou a busca pelas palavras-chave nas fanpages dos veículos
selecionados, dei início ao segundo processo de leitura e seleção dos posts. Como um dos
critérios elencados para a seleção foi a quantidade de reações aos posts, passei a observar as
curtidas, comentários e compartilhamentos e, novamente, algo provocou um estranhamento: a
maioria dos posts, mesmo os dos veículos tradicionais e reconhecidos da mídia, tinham um
número baixo de reações em comparação com outros conteúdos que circulam nas redes.
Isso me instigou a procurar os posts que, no mesmo período, haviam registrado maior
interação. E essa busca me levou a um projeto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
chamado Manchetômetro, que faz o ranking semanal das publicações relacionadas à política
com mais interação no Facebook.
40

Na semana da prisão de Lula, o post que teve mais interação, para exemplificar, foi o
de uma foto do juiz Sérgio Moro seguida do enunciado “Obrigado, Moro!”, publicado pela
fanpage Vem pra Rua Brasil. Na mesma semana, essa fanpage emplacou oito posts no
ranking. Conforme o Manchetômetro, nenhuma outra página havia predominado tanto no
ranking desde que o projeto iniciou o monitoramento do Facebook.
O Manchetômetro aponta para uma questão que é determinante para a
produção/circulação de conteúdos nas redes: o funcionamento dos algoritmos e os processos
ideológicos “subterrâneos” que o determinam. Nas palavras dos integrantes do projeto, “esse
fato pode ser uma evidência de que o grupo se utiliza de aplicativos que burlam o algoritmo
do Facebook para potencializar o número de compartilhamentos”.
Tomada por essas questões referentes à modulação algorítmica, também busquei
documentos da rede social que tratam sobre o funcionamento do feed de notícias. Dentre
todos os textos com os quais me deparei, a repetibilidade da expressão “classificação”
chamou atenção. O Facebook chama de “classificação” o processo que constitui o feed de
notícias.
Conforme a rede social, alguns fatores influenciam a classificação mais do que outros,
como a frequência de interação, o tipo de publicação com que os usuários interagem mais, o
número de interações de um post (comentários, curtidas, compartilhamentos) e a atualidade de
uma publicação. Esses fatores determinam um processo de repetibilidade e retroalimentação:
posts impulsionados pelas milícias digitais são classificados como relevantes e aparecem mais
nos feeds de notícia, configurando aquilo que Eli Pariser (2012) chama de bolha dos filtros. O
processo de classificação referido pelo Facebook é feito algoritmicamente e tem relação direta
com o que chega ou não chega à timeline dos usuários, formando as bolhas.
Assim, o aparelho ideológico da informação na contemporaneidade está atravessado
e/ou entrelaçado ao funcionamento dos algoritmos, pois um veículo de informação
dificilmente consegue sobreviver longe dos sites de redes sociais. É através delas (e do seu
funcionamento algorítmico) que a maioria dos conteúdos chega à população.
Pêcheux fala da existência de “[...] clivagens subterrâneas entre maneiras diferentes,
ou mesmo contraditórias de ler o arquivo” (PÊCHEUX [1982], 2014a, p. 59, grifo do autor).
As “clivagens subterrâneas” que permeiam o funcionamento dos algoritmos são a grande
interrogação sobre o debate informático hoje, mesmo que o efeito de evidência seja de
automaticidade, como se as máquinas funcionassem sem sujeitos.
E quando parecia estar me perdendo em meio a tantos posts, buscas por palavras-
chave, pesquisas sobre ranking de curtidas, comentários e compartilhamentos, algoritmos, e
41

me distanciando do discurso jornalístico (objeto da pesquisa), foi quando compreendi que se


tratava da montagem de um arquivo disperso e, sobretudo, complexo, porque havia construído
um novo olhar para o objeto: o funcionamento do discurso jornalístico diante dos processos
tecno(ideo)lógicos que determinam o que circula nas redes.
O que parecia uma navegação descontrolada por entre os nós das redes passou a fazer
sentido ao compreender as movimentações no Aparelho Ideológico da Informação. Se a
mídia, até bem pouco tempo atrás, gerenciava o que podia ser visto/lido, esse gerenciamento
não pertence mais a ela. Ao contrário, agora a mídia também é gerenciada e refém do poder
dos algoritmos que determinam o que é ou não é visto/lido.
Foram várias etapas no processo de construção do arquivo. Além do recorte dos posts
que são o resultado da busca pelas palavras-chaves (demonstrado no quadro 2 da seção
anterior), também compõem o arquivo posts do ranking18 do Manchetômetro no mesmo
período determinado nesta pesquisa (janeiro a outubro de 2018) e sequências discursivas
extraídas da Central de Ajuda e dos Termos de Uso do Facebook..
Assim, identifiquei três tipos de materialidades: os posts com título e manchete, os
quais poderiam conter fotos e vídeos (lives); as matérias jornalísticas completas publicadas
nos sites dos veículos, cujo acesso se dá pelo clique nos posts; e os textos recortados da
Central de Ajuda e dos Termos de Uso do Facebook. A captura dos posts ocorreu por meio de
print screen – um congelamento da imagem da tela.
No livro “O discurso do/sobre o MST: movimento social, sujeito, mídia”, Indursky
(2019b) detalha as etapas de construção do arquivo para o percurso metodológico realizado,
apontando para a existência de um arquivo aberto, com diferentes etapas de construção.
Decorre disso a percepção de que a pesquisa que toma o discurso jornalístico como objeto
“trabalha com perguntas norteadoras abertas, isto é, ela permite que novas indagações surjam
em decorrência da leitura do arquivo, ao longo das análises, o que determina
consequentemente que o arquivo do pesquisador seja igualmente aberto” (INDURSKY,
2019b, p. 15).
Do mesmo modo como ocorre no trabalho de Indursky (2019b), esta tese também
parte de um arquivo heterogêneo, seja pelas diferentes mídias analisadas, seja pelo viés
temporal. Por outro lado, o arquivo para esta pesquisa não é apenas heterogêneo, mas
complexo. Além de tomar diferentes mídias para análise e diferentes recortes de tempo, esta

18
Cabe mencionar que os rankings do Manchetômetro serviram apenas de guia para esta pesquisa e que os posts
integrantes dos rankings que compõem o arquivo construído desta tese foram procurados, acessados e capturados
diretamente nas fanpages originais que os postaram.
42

tese também toma diferentes materialidades, não somente notícias compartilhadas em


fanpages de veículos jornalísticos, mas também posts compartilhados por um candidato (Jair
Bolsonaro) e por fanpages de movimentos políticos (MBL e Vem pra Rua Brasil). Toma,
ainda, enquanto materialidade, os textos do Facebook sobre o modo como organiza seu feed
de notícias.
O estabelecimento de um arquivo aberto, sujeito aos questionamentos novos que
surgem ao longo da leitura e das análises, implica, assim, na possibilidade de um arquivo
complexo que não se fecha e está aberto e passível de inclusões, exclusões e reconfigurações.
O trabalho com a complexidade dos sites de redes sociais se mostra bem diferente do trabalho
com um arquivo textual. Essa diferença implica na constituição de um corpus discursivo
igualmente complexo, conforme mostrarei na próxima subseção.
As questões norteadoras iniciais da pesquisa, apresentadas no início da seção 3,
permanecem, mas somam-se a elas outras novas perguntas que orientaram a construção desse
arquivo complexo:
a) O que faz com que conteúdos de veículos jornalísticos tenham baixa interação se
comparados a conteúdos de fanpages de candidatos ou de movimentos políticos?
b) Como as redes impactam na circulação e na produção do discurso jornalístico?
c) E, por fim, como funciona o Aparelho Ideológico da Informação nas condições de
produção atuais e quais mudanças neste AIE decorrem dos processos
tecno(ideo)lógicos que determinam o funcionamento das redes?
Diante dessas novas questões, é necessário adentrar, também, numa nova abordagem,
resultante desse novo olhar para o arquivo e para o corpus. Retomando o título desta seção,
posso dizer que a primeira etapa da constituição do arquivo foi orientada pela necessidade “de
um ‘mundo semanticamente normal’” (PÊCHEUX [1983], 2012c, p. 34), pois “o sujeito
pragmático – isto é, cada um de nós, os ‘simples particulares’ face às diversas urgências de
sua vida – tem por si mesmo uma imperiosa necessidade de homogeneidade lógica [...]” (ibid,
p. 33).
A imprevisibilidade das “coisas-a-saber” assusta num primeiro momento, pois somos
afetados pela necessidade de um “mundo semanticamente normal”. Em contrapartida, foi
somente quando deixei que o arquivo me conduzisse (e não o contrário) é que ele foi sendo
construído até chegar ao corpus discursivo (com os posts e sequências discursivas recortadas
deles e das matérias completas).
43

1.1.2 Construindo o corpus discursivo

A partir de um arquivo aberto e complexo é que construí o corpus discursivo, o qual,


na definição de Courtine, é “um conjunto aberto de articulações cuja construção não é
efetuada de uma vez por todas no início do procedimento de análises [...]” (COURTINE,
[1981] 2009a, p. 115). O autor considera, ainda, que “isso implica que a construção de um
corpus discursivo só possa estar perfeitamente acabada ao final do procedimento” (ibid, p.
115).
Indursky (2019b), por sua vez, observa que o movimento de ida e vinda ao arquivo se
dá sempre que necessário e isso se reflete diretamente no corpus discursivo. Não há
fechamento, apenas efeito de fecho, pois não se pode trabalhar tudo. Esse efeito de fecho tem
origem nos gestos de leitura empreendidos pelo pesquisador, os quais produzem uma análise
preliminar que vai orientar os recortes a serem feitos no arquivo. Tais recortes dão origem às
sequências discursivas, as quais, na definição de Courtine, são “sequências orais ou escritas
de dimensão superior à frase”, cuja seleção depende “dos objetivos conferidos a um
tratamento particular “(COURTINE, [1981] 2009a, p. 55), o que significa, em outras palavras,
que os critérios de seleção são variáveis e estão intrinsecamente ligados às condições de
produção do discurso.
É no arquivo construído para esta tese que busco os posts e textos e deles recorto as
SDs, pois, em AD, não se faz análise da totalidade de um texto, mas dele se recortam
elementos que apontam para determinados funcionamentos, de acordo com os objetivos do
analista. É por isso que, para Courtine, um corpus discursivo é “[...] um conjunto de
sequências discursivas, estruturado segundo um plano definido em relação a um certo estado
das CP (condições de produção) do discurso” (COURTINE, [1981] 2009a, p. 54, grifo do
autor).
O corpus discursivo desta pesquisa, assim, é composto por posts e sequências
discursivas recortados de um arquivo construído, aberto, heterogêneo e, sobretudo, complexo,
composto por posts compartilhados no Facebook pelas fanpages dos veículos jornalísticos
selecionados para a pesquisa e por fanpages que figuram no ranking das postagens com maior
número de interação elaborado pelo projeto Manchetômetro, bem como pelos textos da
Central de Ajuda e dos Termos de Uso do Facebook.
Apoiando-me na definição de recorte proposta por Orlandi enquanto “uma unidade
discursiva”, ou seja, “um fragmento de uma situação discursiva” (ORLANDI, 1984, p. 14),
nomeei como recorte discursivo o que extraí do todo que compõe o arquivo complexo
44

construído para esta pesquisa. Ou melhor, chamo de recorte discursivo o conjunto de


elementos recortados para análise: sequências imagético-discursivas (SID) e sequências
discursivas (SD). Cabe destacar que os posts mobilizados no processo de análise são
entendidos como uma sequência imagético-discursiva (SID), pois funcionam de modo
similar às SD.
Há casos, nesta tese, em que as SID são analisadas sem SDs derivadas em virtude do
seu funcionamento específico. Por sua vez, as SD podem ser desdobradas em subsequências
no gesto analítico. As SID e as SD recebem uma numeração diferente por se tratar de
materialidades também diferentes. Convém sublinhar, ainda, que imagens de postagens
inseridas apenas para efeito de exemplo, sem cunho analítico, são nomeadas como figura e
seguem numeração própria.
Embora os posts compartilhados nos sites de redes sociais também sejam compostos
por comentários de usuários, não é objetivo desta tese incluí-los nas análises, pois, para o
recorte discursivo empreendido aqui, interessa o discurso de origem, da fanpage que realizou
o compartilhamento, especialmente no que se refere ao discurso jornalístico sobre o político.
Em suma, da mesma forma que o arquivo é complexo, os recortes discursivos também
são. Sua constituição ocorre de acordo com o objetivo de cada análise e com as regularidades
encontradas nas materialidades, podendo, ou não, incluir sequências discursivas (SD)
extraídas das sequências imagético-discursivas (SID) ou do texto linkado por elas.

Quadro 3 – Número de posts analisados


Manchetômetro 6
El País Brasil 2
Estadão 7
Folha de São Paulo 1
Jornalistas Livres 6
O Antagonista 7
O Globo 5
The Intercept Brasil 3
Total de posts que compõem o arquivo construído 37
Fonte: elaborado pela autora, 2023.
45

Quadro 4 – Números de sequências discursivas analisadas


Sds recortadas de posts (e das respectivas matérias linkadas por eles) 56
Sds recortadas dos Termos de Uso e da Central de Ajuda do Facebook 5
Sds recortadas do vídeo da campanha da Rede Globo “O caminho da 2
democracia é a informação”
Total 63
Fonte: elaborado pela autora.

Quadro 5 – Recortes discursivos


SID SD
RD 1 1 1–2–3–4–5–6–7–8
RD 2 2 9 – 10 – 11
RD 3 3 12
RD 4 4–5–6 13 – 14 – 15
RD 5 7–8–9 16 – 17 – 18 – 19 – 20
RD 6 10 – 11 – 12 21 – 22 – 23 – 24
RD 7 13 – 14 ------
RD 8 15 25 – 26 – 27 – 28
RD 9 16 29 – 30
RD 10 17 31
RD 11 18 – 19 – 20 32 – 33 – 34 – 35
RD 12 21 – 22 – 23 – 24 – 36 – 37 – 38 – 39 – 40 – 41
25 – 26
RD 13 27 – 28 ------
RD 14 29 – – –
RD 15 ------
RD 16 30 – 31
RD 17 32 ------
RD 18 33
RD 19 34 – 35
Fonte: elaborado pela autora.

Para melhor visualizar o processo de construção deste arquivo complexo e seu corpus
discursivo, trago um infográfico que compreende todas as etapas percorridas.
46

Figura 2 – Processo de construção do arquivo e do corpus

Fonte: elaborada pela autora.


47

O infográfico mostra as diversas etapas do complexo trajeto de construção do arquivo


e do corpus discursivo. Desse modo, este capítulo retoma os pressupostos da AD para
evidenciar que a metodologia não é anterior a uma pesquisa. Ao contrário do que uma teoria
positivista presume, não se trata simplesmente de aplicar uma metodologia a um corpus. Em
AD, o percurso metodológico que passa pela construção de um arquivo e, posteriormente, do
corpus discursivo, decorre de um trabalho teórico-analítico, próprio de uma teoria
materialista, de acordo com as condições de produção em que o discurso-objeto de análise foi
produzido.
Ao encerrar as considerações sobre o percurso metodológico construído nesta tese,
posso dizer que até este momento tratei das condições de produção da própria pesquisa. Toda
trajetória aqui empreendida aponta para as condições de produção que partem de uma
memória metálica e suas redes de filiações discursivas até chegar na construção de um
arquivo e de um corpus discursivo complexos, pois trata-se de um arquivo que mobiliza
discursos que circulam no digital. Na próxima seção, continuarei desenvolvendo reflexões
sobre as condições de produção, não mais do percurso metodológico, mas da contingência
histórica que abrange o período determinado para esta pesquisa.

1.2 “É VERDADE, SIM! EU VI NO FACE”: O FEED DE NOTÍCIAS É O NOVO JORNAL


DIÁRIO

Não posso seguir a teorização desta pesquisa sem antes tratar das condições de
produção dos discursos que circularam nas redes no período que precedeu as eleições de
2018. Essa eleição tornou ainda mais evidente que grande parte dos brasileiros se informa
exclusivamente pelos sites de redes sociais. O escândalo do caixa dois do então candidato,
hoje presidente, Jair Bolsonaro, relacionado ao financiamento de empresas para campanha
eleitoral via WhatsApp, trouxe à tona o papel decisivo dessas redes. No entanto, o WhatsApp,
por ter uma finalidade de comunicação interpessoal privada, não atenderia ao objetivo deste
trabalho que é analisar a produção e a circulação dos discursos jornalísticos nas redes numa
eleição que ficou marcada justamente pelo poder dessas redes.
E como as condições de produção não são simplesmente o contexto de um discurso,
mas compreendem as “[...] relações de força (exteriores às situações do discurso) e as
relações de sentido que se manifestam nessa situação, colocando sistematicamente em
48

evidência as variações de dominância [...]” (PÊCHEUX [1969], 1993a, p. 87), não posso
seguir adiante sem tocar nessas relações de força em jogo nas eleições de 2018.
Inicio esse percurso descrevendo o site de rede social escolhido para esta pesquisa: o
Facebook. Criado por Mark Zuckerberg em 2004, quando estudava na Universidade de
Harvard, atualmente o Facebook integra a corporação Meta, da qual também fazem parte o
Instagram e o WhatsApp. Em sua origem, o Facebook foi desenvolvido como um aplicativo
de comparação de fotos de mulheres e funcionava para conectar universitários de um mesmo
Campus. Pouco tempo depois, em maio de 2005, já havia se expandido para mais de 800
faculdades. Conforme Eli Pariser, autor reconhecido por cunhar o termo “bolha” para tratar
dos filtros da internet, “[...] foi a criação do Feed de Notícias, em setembro do mesmo ano
(2005), que levou o Facebook a um novo patamar” (PARISER, 2012, p. 38). Outros recursos
foram sendo adicionados como o bate-papo em 2008 e o botão “curtir” em 2009. Uma
parceria com o Skype passou a permitir a realização de chamadas por vídeo a partir de 2011.
Segundo dados divulgados pelo próprio Facebook em janeiro de 2019, o Brasil fica
em 3º lugar no ranking de países com maior número de perfis na plataforma, somando mais
de 130 milhões de usuários.
Em uma pesquisa19 realizada e divulgada pelo Datafolha em abril de 2019, 56% dos
entrevistados disseram ter conta no Facebook, frente a 35% que disseram ter conta no
Instagram e, com uma porcentagem bem menor, 14% afirmaram possuir conta no Twitter. O
WhatsApp, por sua vez, está no celular de 69% dos entrevistados. A pesquisa também revela
um dado importante para o desenvolvimento deste trabalho: o nível de confiança tanto das
notícias divulgadas pelos sites de redes sociais como pela imprensa tradicional. Dos
entrevistados, 63% afirmaram confiar em algumas notícias recebidas pelas redes, 5%
disseram acreditar na maioria, 2% em todas e 21% não têm confiança em nada. Com a
imprensa, 61% acreditam em algumas notícias, 17% na maioria das notícias, 5% em todas e
14% em nenhuma. O Datafolha ouviu 2.038 pessoas, distribuídas em 130 municípios.
Chama atenção o fato de que 70% dos entrevistados confia, em algum nível, nos sites
de redes sociais e que a credibilidade da imprensa não difere tanto das redes, ou seja, existe
uma crise de credibilidade em relação aos veículos da imprensa tradicional. Ramonet,
visualizando todo esse quadro, observa que “a acumulação de informações falsas, imprecisas

19
A pesquisa pode ser acessada pelo endereço eletrônico
<https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/04/facebook-registra-tendencia-de-queda-no-brasil-diz-
datafolha.shtml>.
49

ou manipuladas despertou a desconfiança do público, gerando o que eu chamo de


‘insegurança informativa’” (RAMONET, 2013a, p. 60).
A comunicação passou por grandes transformações nos últimos anos com a chegada
dos sites de redes sociais e a possibilidade de qualquer pessoa expressar e compartilhar sua
opinião na internet. Como principal consequência das transformações ocasionadas pelas redes
está o fato de que a propaganda tradicional e o tempo dos candidatos no horário eleitoral
televisivo gratuito tiveram ínfima influência nas Eleições de 2018. Inclusive, o partido com
maior tempo de propaganda na TV (PSDB) teve um desempenho muito aquém das eleições
anteriores. Ou seja, não se trata apenas de transformações das condições de produção do
discurso jornalístico, mas das condições de produção das próprias campanhas eleitorais e do
processo político-democrático da nossa formação social. Transformações, essas, determinadas
pelo deslocamento das campanhas para as redes e suas implicações, tais como a atuação de
robôs digitais e a disseminação das fake news.
É fato que os sites de redes sociais, de uma forma geral, foram fundamentais nas
eleições de 2018 também em razão da determinação do Supremo Tribunal Federal em 2015,
que proibiu a doação de empresas às campanhas eleitorais, apesar de denúncias terem
revelado que as empresas continuaram impulsionando campanhas em 2018, como a do
candidato Jair Bolsonaro, comprando seguidores e robôs nas redes.
Ainda, captando a tendência do crescimento do uso das redes para fins políticos, em
2017 o Congresso aprovou a possibilidade dos candidatos patrocinarem postagens nos sites de
redes sociais, permitindo que as publicações tenham um alcance muito maior de usuários.
Somado a esses fatores, é preciso recordar as eleições dos Estados Unidos em 2016.
Donald Trump fez uma campanha de sucesso nas redes e conquistou a presidência em meio a
um escândalo envolvendo a empresa Cambridge Analytica. Fundada por apoiadores do
Partido Republicano dos EUA, entre eles Steve Bannon, que depois se tornaria conselheiro
estratégico do presidente Donald Trump, a empresa foi acusada de se apropriar de dados
pessoais de usuários do Facebook por meio de um aplicativo dentro da rede e, assim, traçar
perfis psicológicos e influenciar o comportamento na rede social. A Cambridge Analytica
configurou algoritmos para controlar o tipo de conteúdo que chegava a diferentes grupos de
usuários, inclusive promovendo a disseminação de fake news. Um ano antes das eleições no
Brasil, em 2017, a Cambridge Analytica abriu uma filial no país. “Coincidentemente”, a
polêmica com o uso das redes e a disseminação de fake news se repetiu por aqui também.
Em 2020, a pesquisadora da área da comunicação, Helena Martins, lançou o livro
“Comunicações em tempos de crise: economia e política” com uma análise dos efeitos dos
50

sites de redes sociais no cenário político brasileiro. No livro, a autora relata um estudo
realizado pela agência de notícias Quartz com usuários de smartphones na Nigéria, Índia,
Indonésia, Estados Unidos e Brasil para investigar se as pessoas concordavam que o
Facebook é a internet. “Na Nigéria, o percentual de “sim” foi o mais alto: 65%. Nos Estados
Unidos, o mais baixo: 5%. No Brasil, 55% concordaram que o Facebook é a internet”
(MARTINS, 2020, p. 206). Ou seja, o Brasil se aproxima bastante do maior percentual da
pesquisa, referente à Nigéria. Isso significa que mais da metade dos brasileiros acham que a
internet se resume ao Facebook e desconhece as outras múltiplas formas de acesso aos
conteúdos que a internet possibilita. Trata-se de uma visão muito limitada e bastante
preocupante sob o ponto de vista da democratização do acesso à comunicação.
Esse fenômeno é reflexo no investimento do Facebook em parcerias com governos e
operadoras de telefonia para ofertar acesso à internet de forma gratuita às pessoas de baixa
renda de países em desenvolvimento através do projeto chamado “Internet.org”, cujo início
foi em 2013. “No entanto, não se trata de Internet, mas de um pacote restrito de conexão que
envolve o acesso ao Facebook e a determinados aplicativos e sites escolhidos por ele. Neste
caso, a web seria literalmente o Facebook para bilhões de pessoas [...]” (VALENTE; PITA,
2018, p. 147).
Alguns leitores podem estar se perguntando: “mas o que o Facebook ganha com isso?”
A resposta está nos lucros, pois quanto mais usuários, mais dados a negociar. Quando criamos
nosso perfil no Facebook não nos atentamos para a quantidade de rastros e dados que
deixamos espalhados pela rede, ao mesmo tempo em que desconhecemos que esses dados
possam ser armazenados e se transformar numa fonte de lucros para a empresa.
Conforme a teórica da comunicação alternativa, comunitária e popular, Cicilia
Krohling Peruzzo, o Facebook

[...] seleciona o conteúdo que o usuário vai receber, a partir de curtidas anteriores,
supostamente, de maior identificação com o usuário. O passo seguinte é a invasão de
anúncios publicitários de produtos e serviços que acedem ao espaço do endereço
eletrônico e às páginas noticiosas on-line acessadas – uma reportagem, por exemplo.
Os anúncios são direcionados a partir de buscas anteriores ou do perfil, identificados
por algoritmos (PERUZZO, 2018, p. 87).

O mesmo mecanismo que regula a publicidade e os anúncios, também regula a


disposição dos posts das páginas e dos nossos “amigos” no feed. O fato é que, com a criação
do feed de notícias, o Facebook se tornou um jornal diário com notícias sobre o cotidiano dos
nossos amigos, colegas e conhecidos. É o feed o responsável por nos informar, tão logo
51

abrimos a rede social, pelas atualizações de status dos nossos amigos e familiares, pelas fotos
de viagens deles, pelos seus desabafos pessoais, pela marcação de onde tomaram seu café da
manhã ou pelo local onde almoçaram. “Em redes sociais como o Facebook, o acesso a
notícias se dá a partir dos critérios de seleção da Linha do Tempo (News Feed) e a difusão de
conteúdos nestes espaços ocorre segundo critérios próprios, muitas vezes nada transparentes,
de visibilidade” (VALENTE; PITA, 2018, p. 20).
Como o volume de postagens aumentava conforme crescia o número de amigos no
Facebook, ficou impossível mostrar tudo no feed. Pariser conta que “a solução do Facebook
foi o EdgeRank, o algoritmo por trás da página inicial do site, que traz as Principais Notícias.
O EdgeRank classifica todas as interações ocorridas no site” (PARISER, 2012, p. 39).
Segundo Willian Fernandes Araújo (2017), na sua tese de doutorado em Comunicação
e Informação, não se sabe ao certo se o termo EdgeRank foi utilizado primeiramente pelo
Facebook, mas a partir de 2010 passou a ser usado pela rede social para definir o sistema de
classificação do feed de notícias. “Portanto, o que o EdgeRank faz é classificar as arestas
(edges) que apontam para cada objeto, atribuindo-lhes um valor relativo, e depois somá-las,
definindo um valor de importância” (ARAÚJO, 2017, p. 198).
Um processo algorítmico tipo o EdgeRank se baseia em três fatores: afinidade (quanto
mais interações com um usuário, mais conteúdo dele será mostrado), tipo de conteúdo
(àqueles que mais suscitam interesse, como relacionamentos, por exemplo) e tempo
(postagens recentes interessam mais que as antigas). “Logo, o resultado matemático da
fórmula automatizada no EdgeRank passa necessariamente por julgamentos sobre o que
significa relacionamento dentro do Facebook, qual ação tem maior significado e qual
temporalidade é mais relevante” (ibid, p. 200). Cabe dizer que a designação EdgeRank deixou
de ser utilizada pelo Facebook para definir o processo de classificação do feed, embora a
lógica continue sendo a mesma.
A personalização dos conteúdos mostrados no feed de notícias pelos algoritmos
encobre a grande questão atrás desse funcionamento: os programadores (cumprindo ordens
dos seus chefes, ou não) detêm a tarefa de definir os critérios para a personalização de forma
pouco transparente. Nem sempre número de amigos/fãs, curtidas e compartilhamentos de um
post interferem nos critérios de seleção para o feed. Vejamos como o feed se constitui.
52

Figura 3 – Amostra de um feed do Facebook

Fonte: Print do feed de notícias da conta utilizada para realização da pesquisa.

No print da tela, temos um exemplo do feed de notícias, ou linha do tempo como


também é chamado. Nele, os posts seguem uma disposição programada algoritmicamente e
podemos visualizá-los pela barra de rolagem da página. Conforme Araújo, o mecanismo
funciona da seguinte maneira:
53

[...] primeiro, o Feed de Notícias pega uma lista dos amigos e conhecidos no
Facebook e avalia com qual frequência o usuário interage com cada um; então,
respeitando todas configurações de privacidade, o Feed de Notícias cria uma lista de
todas as coisas que os amigos têm feito no site desde a última vez que o usuário
acessou o serviço; ele também confere todas as publicações que poderia ter incluído
no feed na semana anterior para o caso de necessitarem ser atualizadas (ARAÚJO,
2017, p. 152).

Como o perfil utilizado para a pesquisa segue apenas veículos de comunicação e não
tem nenhum outro perfil como “amigo”, no feed só aparecem posts desses veículos e
anúncios. Num perfil de um usuário ativo, os posts que aparecem no feed são de perfis que o
Facebook registrou mais interação. Convém enfatizar que o Facebook não diferencia
interação positiva da negativa, apenas contabiliza curtidas, comentários, reações e
compartilhamentos. Ou seja, “[...] a noção de relevância é traduzida como popularidade, que
por sua vez é traduzida em quantidade de comentários e curtidas [...]” (ibid, p. 178).
No livro Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política, Evgeny Morozov traz
o exemplo de um processo de busca no Facebook. No exemplo, o autor cita a busca por
restaurantes vegetarianos e explica que a rede social capta que esta decisão é importante e
logo pensa em como lucrar com ela. Dessa forma, o Facebook promove uma espécie de leilão
de anúncios para investigar quem tem mais interesse no usuário que fez a busca: o setor de
alimentos vegetarianos ou a indústria da carne. “[...] Você está simplesmente à mercê do
maior lance. E a concorrência entre eles diz respeito a quem vai lhe mostrar um anúncio
relevante – um anúncio baseado em tudo o que o Facebook conhece sobre suas ansiedades e
inseguranças (MOROZOV, 2018, p. 33).
54

Figura 4 – Resultado da busca pela palavra-chave vegetariano no Facebook

Fonte: Print do feed de notícias da conta utilizada para realização da pesquisa.

Acima, temos o print de uma busca semelhante àquela proposta por Morozov. No
entanto, meu perfil no Facebook tem poucos dados pessoais, pois foi criado exclusivamente
para realização da pesquisa. A ideia foi limitar ao máximo a ação dos algoritmos, não
fornecendo informações como localização, preferências, interesses. Sigo somente fanpages de
veículos de comunicação e páginas relacionadas à pesquisa. Dessa forma, sem especificações
de localização disponíveis no meu perfil, o Facebook traz como resultado da busca por
“vegetariano” grupos e algumas fanpages de restaurantes no Rio Grande do Sul, partindo da
localização informada no cadastro de usuário.
O processo de busca vai gerar uma série de anúncios dessas empresas participantes do
“leilão” no feed. De acordo com a publicação do coletivo Intervozes
55

Os anúncios são expostos no feed em formatos e posições diferentes. Há local


específico em uma das colunas da interface com anúncios de banners, mas também
há anúncios que aparecem no feed como se fossem uma postagem normal, tendo
apenas os rótulos “publicação sugerida” e “patrocinado” para identificá-los. Estes
podem ser textos, imagens (individuais ou em carrossel), links ou vídeos. A sua
apresentação pode levar a compras ou ações como inscrições em cadastros
(VALENTE; PITA, 2018, p. 145).

Os anúncios são mostrados no feed do Facebook da seguinte maneira:

Figura 5 – Amostra de um anúncio no feed do Facebook

Fonte: Print do feed de notícias da conta utilizada para realização da pesquisa.

Cada anúncio está ali por um motivo. Tudo o que fazemos na rede social é rastreado:
cliques, curtidas, compartilhamentos, interações. Esses rastros são armazenados e alimentam
os algoritmos que organizam o Facebook. Um processo praticamente desconhecido dos
usuários.
Não temos ideia do alcance de nossas postagens. Talvez, nem utilizando o recurso
pago de “impulsionar” uma publicação teremos a noção exata de quem visualizou e por onde
circulou o anúncio. É preciso investir muito dinheiro para controlar quem controla os
algoritmos.
Somos incentivados pelo Facebook a compartilhar nossa vida, nossos pensamentos,
nossa rotina, nossas preferências e incentivados a interagir com as pessoas que também
compartilham sua vida na rede por meio do botão curtir que pode expressar reações como
56

admiração, amor, tristeza, raiva, diversão, solidariedade e surpresa. Ou através de comentários


e do compartilhamento da postagem (para concordar, avalizando-a, ou para discordar,
problematizando-a).
Entretanto, nos expressamos partindo de informações definidas por uma série de
algoritmos que as julgaram relevantes. O que ocorre em sites de redes sociais (como o
Facebook) é uma falsa impressão de liberdade. “Na verdade, quem classifica, exclui e decide
o que aparece na timeline é um algoritmo de Aprendizado de Máquina e é com base nessa
classificação que as interações dos usuários do Facebook são realizadas” (OLIVEIRA, 2018,
p. 93). Machine Learning, ou aprendizado de máquina, é o reconhecimento de padrões de
dados e informações, captados por computadores e utilizados em inteligência artificial.
Oliveira explica que “o Machine Learning é um método que possibilita que uma máquina
possa processar esse reconhecimento de padrões de forma autônoma sem nenhuma
interferência humana” (ibid, p. 75).
Sabe-se que o Facebook tem investido no desenvolvimento de aplicativos Machine
Learning cada vez mais voltados à segmentação de público por meio da análise
comportamental. Conforme Oliveira (2018), o The Intercept investigou o desenvolvimento de
um software de Machine Learning “denominado “FBLearner Flow” o qual oferece às
empresas dados baseados no comportamento dos usuários. “Esse novo tipo de serviço do
Facebook está intimamente relacionado com a prática de traçar “perfis psicográficos”
utilizando os rastros digitais dos usuários” (ibid, p. 91).
Se utilizamos cada vez mais o feed de notícias do Facebook como fonte de informação
prioritária, isso significa que a personalização de conteúdos não está restrita apenas à
propaganda.

Hoje, os momentos de sociabilidade se confundem com atos de consumo nas redes


sociais. Nossa atenção é disputada por variadas empresas, ao passo que nossos
comportamentos, inclusive os políticos, são modulados por algoritmos. Eles não
definem o que queremos ou como agimos, mas acabam impactando nossas escolhas
ao direcionar determinados conteúdos, baseados na leitura e no uso que fazem dos
nossos dados pessoais (MARTINS, 2020, p. 15).

Reflitamos, mais uma vez, sobre o que aconteceu nas eleições dos EUA em 2016. A
empresa de consultoria política Cambridge Analytica utilizou dados recolhidos (sem ciência e
consentimento) de quem participou de um teste psicológico no Facebook. A rede social
manteve o sigilo do vazamento de dados de 87 milhões de pessoas. Conforme Martins, os
dados “foram utilizados para direcionar comunicações políticas, possivelmente modificando
57

conteúdos a partir de critérios como local dos usuários, gênero, faixa etária e inclinação
política das pessoas” (MARTINS, 2020, p.192).
Num ambiente controlado dessa forma, fica cada vez mais difícil pensar em
diversidade, requisito básico para um sistema democrático. E, quando deslocamos a
diversidade para o contexto dos meios de comunicação, implica pensarmos em veículos com
linhas editoriais diferentes. Mas, se as grandes corporações midiáticas têm problemas para
fazer seus conteúdos chegarem aos “curtidores” de suas fanpages, os veículos alternativos
precisam ter muita resiliência. Principalmente, porque, após 2018, o Facebook reduziu o
alcance das páginas, privilegiando posts de amigos, conhecidos, familiares ou perfis cujo
usuário teve maior interação. E ter acesso prioritário aos conteúdos de um mesmo círculo
social, ou de uma mesma “bolha”, é bastante limitador no que diz respeito à diversidade.
Silenciar o diferente é excluir a política.
Se há alguns anos buscávamos informação nas páginas dos jornais, em seguida
ouvindo programas de rádio e, mais recentemente, zapeando os canais de televisão, hoje a
maioria de nós desliza a tela de um celular, rolando o TikTok, o Instagram, o Twitter ou o feed
de notícias do Facebook para saber dos últimos acontecimentos. O jargão “se não deu no
Esso, não aconteceu”, em alusão ao radiojornal O Repórter Esso20, mais tarde adaptado para
“se não deu na Globo, não aconteceu”, pode ser parafraseado com uma expressão bastante
recorrente em conversas na contemporaneidade e que intitula esta seção: “é verdade sim! Eu
vi no Face”, pois o feed de notícias se tornou uma espécie de novo jornal diário. Tudo está ali:
notícias sobre o mundo, sobre a região, sobre política, artigos de saúde, quem morreu, quem
casou, quem viajou, quem está namorando, o que o vizinho está fazendo, etc. Além do que,
em tempos de desinformação, algoritmos e baixa credibilidade dos veículos jornalísticos, as
pessoas tendem a aceitar e a crer nas informações compartilhadas por conhecidos e pessoas
nas quais confiam, independentemente da fonte que originou essas informações.
Assim, depois do impacto da espetacularização da mídia nas campanhas eleitorais, a
política se depara com transformações ainda mais radicais com o surgimento dos sites de
redes sociais. As campanhas ultrapassaram a cena dos debates televisivos e foram parar nos
feeds.

20
O programa de rádio O Repórter Esso surgiu nos EUA em 1935 e chegou a 15 países se tornando referência de
informação. No Brasil, foi transmitido pela primeira vez em 28 de agosto de 1941, pela Rádio Nacional, no Rio
de Janeiro. Permaneceu no ar por quase 30 anos no país.
58

E qual é o impacto disso na formação social brasileira? Ou, ainda, como a nossa
formação social moldou as relações de produção e as condições de reprodução da mídia? É
dessa perspectiva que parto na próxima seção.

1.3 A FORMAÇÃO SOCIAL BRASILEIRA E A CONSTRUÇÃO DE INIMIGOS


IMAGINÁRIOS

Antes de prosseguir com as reflexões e adentrar no discurso jornalístico sobre o


político, é preciso entender como se constituiu e continua se constituindo a formação social
brasileira a fim de observar quais aspectos são determinantes para as condições de produção
que precederam as eleições de 2018. Olhar para a complexidade das relações de produção da
formação social brasileira é um exercício analítico desafiador. Nossa particularidade é a
relação com a escravidão. Somos fortemente marcados pelo colonialismo e pelas relações
hierárquicas, onde existe aquele que manda e, necessariamente, aqueles que obedecem.
O autoritarismo está presente na constituição do Estado brasileiro muito antes da
separação da colônia de Portugal. Para explicar essa afirmação, cabe recorrer aos aspectos
sócio-históricos da nossa formação social. Os portugueses chegaram ao Brasil num momento
de transição entre o modo de produção feudalista e o modo de produção capitalista (no final
do século XV e início do século XVI). A geração de lucro e de mais-valia, determinada pelo
novo modo de produção capitalista, sempre foi orientada para a metrópole. No Brasil colônia,
o poder era um confuso misto de Estado, grandes proprietários de terras, igreja e militares.
Uma herança do colonialismo cujos efeitos perduram nos dias atuais.
Nas palavras de Caio Prado Junior, a colonização não teve o intuito de formar “[...]
uma base econômica sólida e orgânica, isto é, a exploração racional e coerente dos recursos
do território para a satisfação das necessidades materiais da população que nela habita”
(PRADO JUNIOR, 1961, p. 67). O objetivo nunca foi o desenvolvimento interno da colônia,
mas a extração de riquezas naturais até a exaustão e a posterior produção agrícola para atender
Portugal. Dessa forma, a elite que se formava aqui era submetida à burguesia europeia.
A grande propriedade monocultural, aliás, é consequência desse aspecto para
ocupação e aproveitamento do território brasileiro. Todo tipo de atividade produtiva baseava-
se nas oportunidades imediatas que se apresentavam. O povoamento, a desbravação dos
territórios, a produção e os esforços todos eram orientados pela demanda da conjuntura
econômica. “Depois abandona-se tudo em demanda de outras empresas, outras terras, novas
59

perspectivas. O que fica atrás são restos, farrapos de uma pequena parcela de humanidade em
decomposição”, conforme pontua Prado Junior (ibid, p. 122).
Trata-se de uma visão de exploração máxima de terras, de recursos e, sobretudo, de
pessoas. Para dar conta do trabalho de colonização do extenso e vasto território brasileiro e da
geração de riquezas seja pela extração ou pela produção agrícola, primeiramente recorreu-se à
escravidão e, posteriormente, à imigração de colonos europeus. Tal condição marca a
formação social brasileira como etnicamente diversa, cuja desigualdade social é atroz.
Decorre disso, que nosso sistema escravocrata tenha sido tão disseminado. No Brasil,
a escravidão não era privilégio apenas dos grandes senhores. Até a população mais pobre,
além de padres e militares, possuía escravos. Conforme Lilian Schwarcz, a escravidão “fez de
raça e cor marcadores de diferença fundamentais, ordenou etiquetas de mando e obediência, e
criou uma sociedade condicionada pelo paternalismo e por uma hierarquia muito estrita”
(SCHWARCZ, 2019, p. 27-28). A autora cita que o volume de trabalho era tão extenuante,
com punições severas, que a expectativa de vida dos escravos não passava dos 25 anos.
Desde a chegada dos portugueses, em 22 de abril de 1500, foram três séculos de
exploração de terras e recursos naturais pela metrópole. O processo de independência só teve
início após a fuga da coroa para o Brasil, quando Portugal foi invadido pelas tropas
napoleônicas, em 1808. Com o retorno de Dom João VI para Portugal, o príncipe Dom Pedro
I contrariou a ordem da família real e decidiu permanecer no Brasil. Conquistando o apoio da
elite da colônia, Dom Pedro I declarou a independência do Brasil em 7 de setembro de 1822.
Não houve luta ou processo de ruptura com a metrópole, tampouco houve o fim das relações
coloniais. Assim, não havia, até então, uma identidade brasileira, pois não havia esforços na
direção de desenvolver a colônia.
Somente durante o segundo reinado (de Dom Pedro II) a história passou a ser pensada
de forma sistematizada na tentativa de traçar um perfil e uma identidade para o país. A
filósofa Marilena Chauí (2000), ao retomar a proposta de Eric Hobsbawm em seus estudos
sobre a invenção histórica do Estado-nação, aponta que é nesse momento (entre 1880 e 1918)
que o patriotismo se converte em nacionalismo, pois passa a ser fomentado pelo Estado e a ser
“reforçado com sentimentos e símbolos de uma comunidade imaginária cuja tradição
começava a ser inventada” (CHAUÍ, 2000, p. 11). Definir a nação apenas pelo território e pela
demografia não era mais suficiente. Para mobilizar os cidadãos, o Estado necessitava
construir um conjunto de características que pudessem formar “uma religião cívica” (ibid, p.
11), o patriotismo.
60

A construção do nacionalismo, desse modo, se dá numa contingência histórica de luta


pelo socialismo em diversos países, ao mesmo tempo em que no Brasil surgia uma classe
intermediária, além das já existentes (de senhores e de escravos), formada por pequenos
burgueses que almejavam integrar a burguesia e temiam a proletarização.
Embora a abolição da escravatura tenha sido declarada em 13 de maio de 1888 (por
pressões internacionais e pela incompatibilidade da atividade com a nova sociedade burguesa
urbana), o país não eliminou suas relações de trabalho escravas para dar conta dos novos
objetivos: fornecer mão de obra para produzir itens de custo mais baixo para atender a uma
nova demanda social trazida pela expansão do sistema capitalista, a saber, os trabalhadores
assalariados. Outrossim, tanto o preconceito, quanto a exclusão do negro na sociedade, sua
condição de submissão, a desigualdade e o próprio apagamento da história de luta da
comunidade negra são atos que se repetem, persistem, e “não terminam com a mera troca de
regimes; elas ficam encravadas nas práticas, costumes e crenças sociais, produzindo novas
formas de racismo e de estratificação” (SCHWARCZ, 2019, p. 32).
O novo extrato social que se formou como fruto da abolição da escravatura e da
constituição das cidades criou um território galgado na desigualdade social, no racismo, na
violência e no autoritarismo. Elementos que “tendem a reaparecer, de maneira ainda mais
incisiva, sob a forma de novos governos autoritários, os quais, de tempos em tempos,
comparecem na cena política brasileira” (ibid, p. 224).
Historicamente, a abolição da escravatura foi um dos estopins para a proclamação da
República no ano seguinte, em 15 de novembro de 1889. Todavia, mesmo após a
proclamação, o país permaneceu vinculado ao velho sistema senhorial, isso porque, como
aponta Sérgio Buarque de Holanda, não havendo uma burguesia urbana independente
“recrutam-se, por força, entre indivíduos da mesma massa dos antigos senhores rurais,
portadores de mentalidade e tendência características dessa classe” (HOLANDA, 1995, p.
88).
A passagem do Brasil monárquico para a República não tem uma história decorosa de
luta e de anseio popular. Pelo contrário, a proclamação se deu com a tomada de poder pelos
militares que exigiam maior participação nas decisões políticas, apoiados pelos senhores
rurais, insatisfeitos com as consequências para a produção agrícola após a abolição da
escravatura, e pela igreja, que não aprovava a relação entre a monarquia e a maçonaria. De
tudo o que precede, depreende-se que o imaginário de nação, cuja construção teve início em
meados do segundo reinado, está diretamente relacionado ao autoritarismo e, por este motivo,
também se perpetuou durante a República. Tanto Deodoro da Fonseca (1889-1991), quanto
61

Floriano Peixoto (1891-1894) eram militares e governaram a recém proclamada República


sob estado de sítio durante um período de tempo.
O estado de sítio retornou em 1920 com Arthur Bernardes no governo. Foi Bernardes
que decretou a ilegalidade do Partido Comunista Brasileiro poucos meses após sua criação no
ano de 1922. Em 1930, o candidato eleito foi impedido de tomar posse e uma junta militar
assumiu o comando, anunciando Getúlio Vargas como presidente de forma provisória. Esse
período “provisório” se estendeu de 3 de novembro de 1930 até as eleições indiretas de 1934,
quando Getúlio foi eleito.
De 1937 a 1945, o chamado Estado Novo centralizou o poder nas mãos de Getúlio
Vargas para combater o inimigo de ocasião, o comunismo. Com apoio da Ação Integralista
Brasileira, de inspiração fascista, Vargas expôs um suposto golpe comunista em curso no
Brasil para cancelar as eleições de 1938, fechou o congresso e promulgou uma nova
Constituição que lhe facultava plenos poderes. E, em 1964, vivenciamos novamente um golpe
civil-militar que instaurou uma ditadura no país, também sob o pretexto de defender o Brasil
dos comunistas, concretizando o que Florestan Fernandes (1976) chama de “revolução
burguesa no Brasil”. No golpe de 64, o anticomunismo brasileiro ganhou novos contornos
ditados (e até financiados) pelos EUA durante a Guerra Fria.
Em todos esses momentos marcados pelo autoritarismo, houve um elemento comum: a
produção do imaginário de um inimigo da nação, cujo combate demanda a união dos
brasileiros. As classes dominantes de cada época da formação social brasileira recorrem ao
mesmo imaginário de unidade e de nação para produzir o efeito de identidade do povo
brasileiro e silenciar as divisões políticas, apontando quem são os “amigos da nação e os
inimigos a combater” (CHAUÍ, 2000, p. 4). Nesse ínterim, há uma busca pelos símbolos que
representam a nação, o que Chauí chama de “verdeamarelismo”, cujo princípio permanece
ligado à ideia de caráter nacional.
Pensando sobre a era Vargas e a tentativa de silenciamento da luta de classes para a
construção de um imaginário de nação indivisível, cooperativa e solidária, Chauí formula que
“se antes o verdeamarelismo correspondia à auto-imagem celebrativa dos dominantes, agora
ele opera como compensação imaginária para a condição periférica e subordinada do país”
(ibid, p. 23). Através do rádio e do cinema, os símbolos nacionais passaram a fazer parte do
cotidiano dos brasileiros, especialmente em momentos como os Jogos Olímpicos e a Copa do
Mundo.
62

Quem ousasse ameaçar esse imaginário, revelando a divisão política da nação, era
considerado o inimigo a combater. Essa imagem de nação autoriza o “extermínio”, a negação
do outro por não representar aquilo que a elite considera como nação.
Convém mencionar que a década de 30, período em que surgiu o “verdeamarelismo”
no Brasil, foi marcada pela atuação da Ação Integralista Brasileira. Um movimento de
inspiração fascista que repudiava o comunismo e a democracia liberal e ansiava por um líder
que centrasse todo o poder para si e pudesse integrar a nação, aos moldes de Mussolini e de
Hitler. A Ação Integralista Brasileira foi criada por Plínio Salgado dois anos após visitar a
Itália e conhecer Mussolini. Os integralistas utilizavam uma série de símbolos, como o uso de
camisas verdes, a cor predominante da bandeira do Brasil, e a prática de rituais (que
misturavam política, religião e princípios morais). O comunismo, por seu caráter
internacionalista e por apontar a divisão da sociedade pela luta de classes, representava uma
ameaça aos valores integralistas alicerçados na ideia de unidade nacional e se tornou o grande
inimigo que precisava ser eliminado.
Sérgio Buarque de Holanda adiantava que o fascismo à brasileira, tem a peculiaridade

de poder passar por uma teoria meramente conservadora, empenhada no


fortalecimento das instituições sociais, morais e religiosas de prestígio indiscutível, e
tendendo, assim, a tornar-se praticamente inofensiva aos poderosos, quando não
apenas o seu instrumento (HOLANDA [1936], 1995, p. 187).

A associação de ideias conservadoras, moralistas e religiosas, exploradas pelo


fascismo, ainda estão fortemente presentes no Brasil hoje. O que se vê nas experiências
autoritárias mais recentes é um fascismo nos moldes como anunciou Sérgio Buarque de
Holanda, enquanto instrumento dos poderosos para assegurar aprovação de reformas
impopulares que só trazem vantagens aos grandes empresários e latifundiários.
A diferença dos governos autoritários, conservadores e populistas na
contemporaneidade é que a tecnologia da comunicação permite que se dirijam ao povo sem
intermediários (dispensando o jornalismo), por meio dos sites de redes sociais. Dentre as
características em comum, Schwarcz cita que esses governantes

não têm nenhum escrúpulo em manipular e explorar fake news como se fossem
verdades comprovadas; vendem para si uma imagem de lisura e correção na gestão
do governo, tratando de obliterar seus próprios maus exemplos; acusam os demais
de corrupção, não estando eles distantes dessa prática; se autodenominam como
“novos” quando estão faz tempo na política e vivem dela; abusam de mensagens
moralistas apoiando-se fortemente em conceitos como religião, e nação
(SCHWARCZ, 2019, p. 228).
63

Características, essas, que se beneficiam da estrutura dos sites de redes sociais e do seu
funcionamento algorítmico, ou seja, programável e moldável conforme os interesses políticos
em questão, seja para construir imaginários de políticos anti establishment, como no caso de
Bolsonaro; seja para destruir reputações dos ditos inimigos da nação. Tais inimigos assumem
diferentes faces conforme as condições de produção de determinado período.
Na Proclamação da República, os inimigos eram os monarquistas. No Estado novo e
no golpe civil-militar de 1964, o inimigo foi o comunismo e a esquerda. Com o fim da
ditadura militar em 1985 e o declínio da Guerra Fria (com a queda do Muro de Berlim e o fim
da União Soviética), era necessário dar uma nova face ao inimigo, que passou a ser
identificado ao único partido de esquerda com chances de chegar ao poder, o PT. Ou seja,
uma relação parafrástica de equivalência foi sendo costurada entre o comunismo e o PT.
Claro que a mídia tradicional (principalmente a televisão) teve um papel fundamental
na construção do antipetismo, afinal foram anos de coberturas jornalísticas negativas ao PT,
associando o partido à corrupção, principalmente após a eleição de Lula para seu primeiro
mandato. Era preciso destruir a imagem que o próprio partido havia construído sobre si
mesmo: a de um partido que não se aliava aos políticos tradicionais, não entrava em
negociatas e, portanto, era incorruptível. As bases para o antipetismo foram alicerçadas pela
mídia tradicional (vide o funcionamento da mídia durante o mensalão, o petrolão e as
Jornadas de Junho de 2013) e, posteriormente, pelos sites de redes sociais. As redes foram o
golpe final para transformar o antipetismo em conservadorismo de extrema direita,
principalmente após a campanha eleitoral de 2018, adicionando novos elementos na
complexidade da definição da nossa formação social brasileira.
Considerando que um modo de produção e suas relações de produção podem se tornar
dominantes numa sociedade sem eliminar os demais, Harnecker aponta que uma formação
social se refere à totalidade social concreta e historicamente determinada, “estruturada a partir
da forma em que se combinam as diferentes relações de produção coexistentes em nível da
estrutura econômica” (HARNECKER, 1983, p. 143). Como vimos, a formação social
brasileira tem suas bases alicerçadas na apropriação privada da terra e no poderio dos grandes
senhores e coronéis. A construção do Estado, assim, se dá na aliança entre a aristocracia e as
elites agrárias para que, mesmo após a independência, os interesses dessas categorias
continuassem sendo garantidos.
Na formação social brasileira temos um Estado que busca se apresentar como um
universo logicamente estabilizado, pois há um esforço das classes dominantes para ocultar as
contradições e a luta de classes, as quais indicam a impossibilidade do imaginário de nação
64

indivisível construído ao longo dos anos. Tal esforço demanda um conjunto de ações
organizadas no seio dos aparelhos de Estado. No AIE da Informação, os veículos da mídia
afetados e identificados com a ideologia dominante constroem sobre si mesmos um
imaginário de serem a única fonte de informação possível, repetindo discursos e não deixando
espaço para o dissenso.
Tendo em vista que uma formação social pode ter transformações determinadas por
diferentes conjunturas, é da política que a próxima subseção irá tratar, partindo de um
questionamento: o que é o político (ou a política)? E de que forma uma formação social como
esta afeta a política e o político na contemporaneidade? E como fica o discurso jornalístico
sobre o político nestas condições de produção atuais? É o que pretendo desenvolver na
próxima seção.

1.4 PENSANDO O DISCURSO JORNALÍSTICO SOBRE O POLÍTICO

Quem busca qualquer tipo de veículo jornalístico tem um propósito: se informar. No


imaginário dos leitores, é justamente essa a missão do jornalismo, fornecer informação e,
sobretudo, servir aos seus leitores. Esse imaginário ignora que o discurso jornalístico está a
serviço, na realidade, da ideologia dominante, do Estado21 que, por meio dos seus aparelhos,
atua na constituição e cristalização de imaginários sociais. Uma das ferramentas utilizadas
para isso é a mídia e seu regime de repetibilidade. Jornalismo, assim, também se transforma
em produto, objeto de consumo que responde a diferentes interesses de classe, produzindo
imaginários, criando “lugares de significação”.
O discurso jornalístico replica sítios de significação (ORLANDI, 2001) produzidos
pelo funcionamento da ideologia dominante. Por sua vez, os veículos alternativos, ao

21
Quando me refiro ao Estado, trato da estrutura jurídica-política da sociedade que compreende um conjunto de
normas e aparelhamentos institucionais para exercer a dominação política e organizar a divisão do trabalho e das
classes. Conforme Lênin, “o Estado é o produto e a manifestação do facto de as contradições das classes serem
irreconciliáveis. O Estado aparece precisamente no momento e na medida em que, objectivamente as
contradições de classe não podem ser conciliadas” (LÊNIN [1917] 1970, p. 9). Assim, o Estado tem uma dupla
função: a técnica-administrativa sobredeterminada pela dominação política. De maneira que, quando cito Estado,
não estou resumindo-o à sua função meramente técnica-administrativa. Vejamos o que diz Althusser: “o Estado
(e sua existência em seu aparelho) só tem sentido em função do poder de Estado. Toda luta política das classes
gira em torno do Estado. Entendamos: em torno da posse, isto é, da tomada e manutenção do poder de Estado
por uma certa classe ou por uma aliança de classes ou frações de classes” (ALTHUSSER [1971] 1985, p. 65).
Dessa forma, o poder de Estado é o domínio do aparelho de Estado, seja para substituí-lo por outro aparelho (no
caso de uma revolução proletária) até sua destruição, seja para manter a mesma estrutura em funcionamento
submetida à ideologia dominante. Sobre o aparelho de Estado, Althusser formula que ele é composto tanto pelo
aparelho repressivo, quanto pelos aparelhos ideológicos de Estado. Especificamente sobre os aparelhos,
desenvolvo as reflexões nos capítulos 2 e 5.
65

ampliarem a abordagem, podem produzir novos sentidos que fogem da interpretação


dominante, pois são produzidos por ideologias que exercem relações de antagonismo com a
dominante.
Conforme Cicilia M. Krohling Peruzzo, “o que caracteriza o jornalismo como
alternativo é o fato de representar uma opção enquanto fonte de informação, pelo conteúdo
que oferece e pelo tipo de abordagem” (PERUZZO, 2008, p. 5). Pensando à luz da AD, a
mídia alternativa pode ser vista como aquela que se contrapõe à ideologia dominante. Uma
característica do jornalismo alternativo na contemporaneidade é resistir às práticas de censura
não tão explícitas como num regime ditatorial, as quais determinam práticas de seletividade
na divulgação dos acontecimentos e no silenciamento de posições diferentes.
Ao longo desta pesquisa, pretendo apontar que a internet se caracteriza como o lugar
de produção/circulação da imprensa alternativa na atualidade. Os sites de redes sociais se
tornaram lugares plurais que possibilitam o jornalismo alternativo, ou seja, possibilitam
práticas jornalísticas de resistência.
Contudo, veículos tradicionais corporativos da mídia também estão nas redes, como é
o caso de Estadão e O Globo. A exceção é a Folha de São Paulo que apesar de possuir
versões impressa e digital, não publica mais seus conteúdos na fanpage do Facebook. Por sua
vez, El País Brasil até dezembro de 2019 também mantinha as versões impressa e digital.
Após essa data, a circulação impressa foi cancelada e, em dezembro de 2021, o veículo
encerrou sua edição em português também na versão digital, deixando de circular no país após
oito anos de atividades.
Do mesmo modo, a mídia alternativa também tem representação na imprensa escrita,
embora não seja o caso dos veículos selecionados para esta pesquisa – Jornalistas Livres e
The Intercept Brasil, os quais são produzidos e circulam apenas na internet.
Por outro lado, O Antagonista é produzido e circula somente na internet, tal qual
Jornalistas Livres e The Intercept Brasil. Longe de ser um veículo da mídia alternativa, O
Antagonista é um site de notícias cuja identificação é com a ideologia dominante. Isso
demonstra que, como lugar de produção e circulação da mídia alternativa, a internet não se
constitui domínio exclusivo dessa mídia. O fato de um veículo ser produzido e circular na
internet não o torna alternativo (vide O Antagonista).
O que caracteriza uma mídia como alternativa, por sinal, é a sua identificação
ideológica. Ao contrário dos veículos tradicionais da mídia que tendem a reproduzir a
ideologia dominante, os veículos alternativos se contrapõem a ela, introduzindo o dissenso.
66

Não apenas as condições de produção desses veículos são diferentes, mas, sobretudo,
suas condições de circulação se distinguem substancialmente. Veículos jornalísticos
tradicionais, de grande porte, são corporações que funcionam como qualquer empresa,
visando lucro, com hierarquia definida (patrões X empregados) e linhas editoriais que
correspondem ao posicionamento dos seus donos (que geralmente coincide com o
posicionamento da elite econômica e política no país). Desse modo, não é exagero dizer que,
no Brasil (ao contrário da França, por exemplo), não há diversidade de linhas editorais nos
grandes e tradicionais veículos jornalísticos, pois eles se apresentam alinhados à ideologia
capitalista neoliberal, num posicionamento político de direita. Esses veículos com grande
poder financeiro se constituem em conglomerados nas mãos de (poucas) famílias e políticos
tradicionais com representação na imprensa escrita, no rádio, na TV e na internet. Isto é, suas
condições de circulação sempre foram muito mais amplas e favoráveis. Veículos jornalísticos
que não reproduzem os discursos dominantes ficam à margem da circulação.
Independente do lugar em que circula (mídia impressa, televisão, rádio, internet ou
sites de redes sociais), o discurso jornalístico constitui-se como um lugar de entremeio que
“interpreta” os fatos antes de torná-los conhecidos ao público. É reconhecido por ser um tipo
de discurso “sobre”. Com a devida distância, o jornalista pode falar de um lugar de
observador, pois não é protagonista do objeto de sua fala, “podendo, desta forma, formular
juízos de valor, emitir opiniões etc., justamente porque não se ‘envolveu’ com a questão”
(MARIANI, 1998b, p. 60, grifos da autora).
O efeito de linearidade e homogeneidade da memória é característico dos discursos
sobre. Mariani explica que:

Os discursos sobre são discursos intermediários, pois ao falarem sobre um discurso


de (“discurso-origem”), situam-se entre estes e o interlocutor, qualquer que seja. De
modo geral, representam lugares de autoridade em que se efetua algum tipo de
transmissão de conhecimento, já que o falar sobre transita na co-relação entre o
narrar/descrever um acontecimento singular, estabelecendo sua relação com um
campo de saberes já reconhecido pelo interlocutor (MARIANI, 1998b, p. 60, grifos
da autora).

Mariani (1998b) compara o discurso jornalístico ao pedagógico, pois, da mesma forma


que o professor é um mediador de conhecimento para seus alunos, o jornalista atua mediando
o acontecimento de fatos relevantes para a sua divulgação ao grande público.
Todavia, se o papel do jornalista é didático no sentido de interpretar os fatos para a
compreensão da população, é impossível pensar um discurso sem opinião. Mariani entende
desta forma:
67

[...] noticiar, no discurso jornalístico, é tornar os acontecimentos visíveis de modo a


impedir a circulação de sentidos indesejáveis, ou seja, determinar um sentido, cujo
modo de produção pode ser variável conforme cada jornal, mas que estará sempre
submetido às injunções das relações de poder vigentes e predominantes (MARIANI,
1998b, p. 82, grifo da autora).

O resultado é uma enunciação homogeneizada. Enquanto uns sentidos são silenciados,


outros vêm à tona pelo funcionamento dos mecanismos de poder. Muito mais que dizer o que
pode e deve ser dito, o jornalismo está associado ao que não pode e não deve ser dito, pois é o
que não pode e não deve ser dito que funciona como base para o que vira notícia e o que será
silenciado. De acordo com Mariani, o discurso jornalístico, além de disseminar práticas
discursivas de exercício de poder, “também atua na dissimulação dos modos como essas
práticas se impõem, além de silenciar práticas divergentes ou antagônicas ao poder político
dominante” (ibid, p. 226).
Assim, as coberturas jornalísticas dos veículos de comunicação fazem a sua leitura, o
seu gesto de interpretação. São discursos que expõem relações de antagonismo no interior das
Formações Ideológicas e dos Aparelhos Ideológicos de Estado.
As transformações das formas de enunciar os discursos, especialmente o político, se
refletem no próprio discurso. As coberturas políticas mudaram, tornaram-se espetáculos
televisivos. Ao falar do advento da televisão, Courtine (2006) observa que novas formas de
retórica política foram desenvolvidas para seduzir os eleitores. E foi assim também com a
internet e com o surgimento dos sites de redes sociais. Outras novas formas de fazer política
vieram com os novos meios, ao ponto de tornar a campanha eleitoral brasileira de 2018 na
televisão ultrapassada, quase irrelevante.
Candidatos como Jair Bolsonaro vinham investindo nos sites de redes sociais há um
bom tempo, polemizando, produzindo fatos, impulsionando compartilhamentos e curtidas. A
atuação nas redes ajudou a consolidar sua imagem perante os possíveis eleitores, como
podemos verificar no recorte discursivo 1 a seguir.
68

Recorte discursivo 1 – A política nas redes

Sequência imagético-discursiva (SID) 122

Fonte: <https://www.facebook.com/jairmessias.bolsonaro/videos/240260886640651>.

SD1
Malafaia: Nós não tamo aqui falando de religião, não tamo falando de viés religioso, não to
falando disso não. Tamo aqui falando de cidadania, como católicos, espíritas, ateus, religiões
Afro, não importa de onde seja, não importa, não importa. Nós estamos falando do que é o
melhor para o Brasil essa é que é a nossa questão aqui, essa que é nossa questão. [...] Como
aqueles que representam o maior esquema de corrupção da história dessa nação dos maiores
do mundo, como é que esses caras têm moral para poder querer governar o país? Isso é de um
cinismo inescrupuloso. Não tem jeito, o nosso país não aguenta mais essa que é verdade.

SD2
Malafaia: O ocidente vive o modelo judaico-cristão, aí esses esquerdopatas querem destruir
isso pra implantar um modelo esquerdista de uma cultura que vai contra todos os nossos
valores e a sociedade brasileira então rejeita isso, porque a sociedade brasileira, independente
de religião, porque tem gente que pensa que família é só coisa de cristão. Família é coisa de
ateu, família é coisa de espírita, família é coisa de católico, de evangélico, família é coisa das
religiões afro. Gente, eles estão enganados, família é uma coisa muito preciosa e outra, tirar
dos pais, Bolsonaro, a autoridade da educação, tirar dos pais, nós temos garantidos pela
constituição, a convenção americana de direitos humanos que o Brasil é signatário, artigo 12,
Inciso 4: pertence aos pais a educação moral e religiosa dos filhos. [...] Uma das maiores
provas da intolerância dessa gente são essas Universidades. Se você tiver um pensamento
contrário ao da esquerda, você não tem voz, você não fala. Aqui tá a prova da intolerância

22
A sequência imagético-discursiva em questão foi recortada de um post que liderou o ranking do
Manchetômetro na semana entre 30 de setembro e 6 de outubro de 2018.
69

desses canalhas que querer usar a democracia pra impor a sua ideologia na goela do povo
brasileiro. Essa que é a verdade.

SD3
Malafaia: Olha, é possível, Bolsonaro, resgatar o Nordeste, tem água no subsolo. Eu tenho
um amigo, um rapaz evangélico, que faz um trabalho no Piauí, uma usina de purificação de
água para 2000 pessoas custa 40.000. Ele compra isso, puxa água do subsolo e trata. Um cara
com uma atitude. Bolsonaro, imagina um governo, os bilhões e bilhões e bilhões que o PT
mandou para bancar governo corrupto ditador, a metade do dinheiro que eles mandaram pra
fora resolvia o problema do nordeste.

SD4
Flávio: Hoje lá na Tijuca aconteceu uma coisa que os próprios institutos de pesquisas já
mediram: o #elenão, como você cresceu com o #elenão, porque quem tá agredindo a gente
com as mentiras, eles não representam os segmentos que eles acham que representam. E eu
tava na praça Saens Peña aí começaram a, tinha um, tinha um, as bandeirinhas, né, os
militantes pagos com mortadela da esquerda, as quatro esquinas ali na praça Saens Peña,
começaram: “ele não, ele não”. Olha, o que começou a juntar de mulher do meu lado e tirar
foto e abraçar e falar que é Bolsonaro no primeiro turno, então a minha fala aqui rápida é
nessa linha, agradecer todo mundo, faltam só três dias para as eleições. A gente tem tudo para
fechar esse negócio agora já no domingo, mostrar que o Brasil não tá dividido, o Brasil tá
unido contra a corrupção, o Brasil tá unido contra essa ideologia de esquerda que trouxe o
caos para nosso Brasil, milhões de desempregados e aqui a gente vai, se Deus quiser, no
Brasil, ter um governo de pessoas decentes, patriotas, que tem Deus no coração.

SD5
Cláudio: Primeira coisa que eu gostaria de falar para as pessoas que me seguem, talvez você
esteja perguntando o porquê ou o que eu estou fazendo aqui, ok, então deixa eu dizer uma
coisa a vocês que foi o que o que “startou” a minha decisão de me posicionar dessa vez: a
imagem do ultrassom do meu primeiro neto. Quando eu olhei a imagem do ultrassom do meu
primeiro neto algo aconteceu no meu interior e eu comecei a ver, é, o que o aborto
representava, eu comecei a ver o que eu quero que meus fi... que meu neto aprenda, o amanhã,
como é que vai ser para meu neto? Eu já me sinto muito confortável em ver que o brasileiro
tem desqualificado a esquerda, certo?! Isso pra mim já é algo muito expressivo que o
brasileiro me parece que acordou pra ver que o movimento de esquerda tem, né, uma função
de descaracterizar a família. Às vezes quando eu falo de família, as pessoas diz: “mas, o
senhor se esquece que esse candidato à presidência está, ou já se casou outra vez, ou tem
outro relacionamento”. Eu queria dizer a você: será que o segundo casamento desqualifica
todo mundo? Então, quem disse essa frase e até acusando meu candidato, desqualificou a
todos os divorciados de pertencerem a algum segmento. Pois é, eu desqualifico a esquerda,
isso é uma verdade, e me parece que o brasileiro também está fazendo isso.

SD6
Cláudio: Eu sou a favor da família sim, eu sou contra a erotização infantil sim, quem é gay
sabe que eu não sou homofóbico, ok? Eu luto e não tenho problema de abraçar, de me
70

relacionar, eu não tenho. Eu tenho, certo, é que lutar contra esses princípios e esses valores
que têm destruído a família porque o que faz um indivíduo a lutar por um amanhã melhor é
saber que alguém dele, a semente dele, certo, vai estar vivendo o amanhã. Se eu não tenho
ninguém pra me representar no amanhã, eu posso destruir tudo hoje.

SD7
Bolsonaro: quando nós conseguimos barrar o tal do kit gay lá atrás, como o Cláudio Duarte
disse, nada contra gay, mas botar esse material nas escolas que o Haddad era ministro da
educação e queria colocar, o peso da bancada evangélica foi muito forte e o pai que é ateu,
que é espírita que é de igreja de origem de matriz africana, ninguém quer isso para o teu filho,
nem o pai que é gay.

SD8
Malafaia: Então, a coisa mais covarde, nefasta que se faz é pegar um menino de 6 anos,
querer ensinar sexualidade. Ele não tá estruturado psicologicamente pra isso. Então isso é uma
coisa horrorosa.23

O recorte discursivo 1 foi extraído de uma live24 na qual participaram Bolsonaro, seu
filho Flávio e os pastores Claudio Duarte e Silas Malafaia e as sequências discursivas dele
extraídas foram obtidas pela transcrição da gravação da live. Ao observar a campanha de
Bolsonaro, chama atenção a forma como o eleitorado foi segmentado por meio de lives,
endereçadas a cada público específico conforme o conteúdo. Em eleições anteriores aos sites
de redes sociais, essa segmentação era difícil. Os políticos até poderiam se dirigir a públicos
mais específicos, contudo o único modo de fazer isso era comunicando para a massa pelo
rádio e pela TV. A estratégia consistia em mirar no eleitor médio com mensagens moderadas,
pois “ganhava aquele que conseguisse ocupar o centro da arena política” (EMPOLI, 2019, p.
145). Os sites de redes sociais mudaram esse paradigma, pois “a ciência dos físicos de dados
permite que campanhas contraditórias coexistam em paz, sem nunca se encontrarem, até o
momento do voto” (EMPOLI, 2019, p. 145). A segmentação do eleitorado, como aponta Da
Empoli (2019), segue uma lógica centrífuga.

23
As Sds (do 1 ao 8) que compõem o recorte discursivo 1 foram todas extraídas da transcrição da live da qual a
sequência imagético-discursiva (SID) 1 foi recortada, cujo acesso se dá pelo link
<https://www.facebook.com/jairmessias.bolsonaro/videos/240260886640651>.
24
A fanpage de Bolsonaro liderou o ranking do Manchetômetro, além de ocupar a metade das 20 posições do
ranking na semana anterior ao primeiro turno das eleições. Conforme relatório do Manchetômetro, o então
candidato pelo PSL, Jair Bolsonaro, apostou massivamente na comunicação pelo Facebook na semana anterior à
realização do primeiro turno das eleições. A maioria dos posts foram lives cuja transmissão ocorreu durante a
exibição do horário gratuito de propaganda eleitoral na televisão. A live que constitui a sequência imagético-
discursiva (SID) 1 foi a penúltima da campanha de Bolsonaro antes do primeiro turno e teve duração de 26
minutos e três segundos O relatório do Manchetômetro está disponível para acesso através do link:
<http://www.manchetometro.com.br/index.php/analises/mfacebook/relatorio-semanal/2018/10/12/30-de-
setembro-a-6-de-outubro-2018/>.
71

A sequência imagético-discursiva (SID) 1 se destinava a um segmento do eleitorado


que foi fundamental para a vitória de Bolsonaro, os evangélicos. Há, aí, a configuração de
uma aliança entre duas formações discursivas25 diferentes: a FD evangélica e a FD de extrema
direita (com a qual Bolsonaro se identifica). Tal aliança parte do funcionamento da ideologia
dominante no conjunto de diferentes AIEs para garantir a reprodução das relações de
produção. Assim, pode-se dizer que, desde o golpe contra Dilma Rousseff em 2016 até a
prisão de Lula e as eleições de 2018, há, também, uma aliança entre instituições: a jurídica,
que se ancorou nas leis e suas brechas para afastar Dilma da presidência e condenar Lula; a
parlamentar, que produziu as condições para que o golpe em 2016 ocorresse dentro do
processo democrático; a midiática, que construiu uma imagem do PT enquanto corrupto e
inimigo do país desde o primeiro governo do partido; e a neopentecostal, que além de reforçar
a imagem do PT construída pela mídia, também relacionou o partido como uma ameaça às
famílias. Nesse sentido, o AIE religioso, por meio de suas práticas e rituais na reprodução dos
preceitos neopentecostais, exerceu papel fundamental na reprodução dessa ameaça às
famílias.
Observando mais de perto o AIE da Informação, seu funcionamento foi modificado
pelas transformações nas formas de fazer política, determinadas pelo surgimento dos sites de
redes sociais. Até pouco tempo atrás, o Horário Eleitoral Gratuito, transmitido pelo rádio e
pela TV, era o principal meio para apresentar o programa de governo. Com vídeos
previamente gravados, com tempo determinado, os candidatos faziam o que podiam para
chamar a atenção dos eleitores, seja com promessas, acusações aos adversários ou uma
entonação reforçada na identificação – “meu nome é Enéééééééas”. As redes mudaram esse
paradigma.
Nas eleições de 2018, o Horário Eleitoral Gratuito perdeu relevância, pois os eleitores
podem conversar com os candidatos pela internet, além de ter acesso a incontáveis materiais
de campanha, desde textos, vídeos, imagens, reportagens, entrevistas, depoimentos, etc...
A eleição de 2018 inaugurou um modo de fazer política que não trata os sites de redes
sociais como suporte de campanha, mas como palco principal. Com tempo destinado no
Horário Eleitoral Gratuito muito abaixo das demais coligações (oito segundos) e um
declarado desprezo à mídia, Bolsonaro fez das suas redes o seu principal canal de campanha.
O funcionamento dos algoritmos que identificam usuários mais propensos a serem
atingidos por determinados discursos foi um fator determinante para as campanhas nos sites

25
O conceito de formação discursiva será tratado com mais profundidade na subseção 2.4 Do funcionamento da
ideologia nos aparelhos: a interpelação e a tomada de posição, p. 110.
72

de redes sociais nas condições de produção de 2018. Mesmo que a estrutura das redes tenha
sido projetada para o marketing e a publicidade, a possibilidade de impulsionar as publicações
políticas, seja contando com apoiadores genuínos ou por meio de robôs, põe discursos em
circulação de forma muito rápida e abrangente.
Os conteúdos da fanpage de Bolsonaro ultrapassaram o número de interações26 de
qualquer outro candidato adversário e, mais, de qualquer outro veículo de comunicação ou
organização ligada à política. Isso significa que o discurso de Bolsonaro teve uma circulação
muito maior que o dos adversários e maior, até mesmo, que o discurso jornalístico.
Sem participar dos tradicionais debates televisivos entre os candidatos à presidência,
Bolsonaro fez transmissões ao vivo pelo Facebook e pelo YouTube. Nelas, falava o que bem
entendia, o tempo que queria, recebia convidados e não precisava de preparo para rebater
acusações ou responder questionamentos de jornalistas ou adversários. Não precisava falar
com todos os eleitores, como ocorre no Horário Eleitoral Gratuito, escolhia falar apenas com
seus próprios seguidores no Facebook e no YouTube, concomitantemente à exibição da
propaganda eleitoral obrigatória. Seguidores, esses, formados por um público heterogêneo que
vai desde os evangélicos, como no recorte discursivo 1 em análise, aos militares, grandes
empresários, latifundiários e aos antipetistas. No Horário Eleitoral, o candidato não tinha
tempo suficiente para dizer o que queria e, talvez, nem pudesse dizer da forma como fazia nas
lives.
A transmissão das lives nos mesmos horários dos debates e da Propaganda Eleitoral
Gratuita produz o efeito de sentido de desprezo por tais espaços, já que, neles, o candidato não
poderia falar a seu modo, na sua língua e no seu tempo. O público do Horário Eleitoral é
heterogêneo, formado por apoiadores e simpatizantes de diferentes candidatos, cuja
identificação ideológica é proporcionalmente diversa. Já o público de suas lives é um
território seguro, composto em sua maioria por seguidores. Nesse território, praticamente não
há embate de discursos, relações de forças entre ideologias. Nas lives, Bolsonaro repousa no
imaginário de uma identificação plena.
Mesmo não se dirigindo à massa total de eleitores, Bolsonaro cria sua própria massa
digital. Conforme Courtine (2015, p. 271), a transformação dos indivíduos em massa se dá
pelo apagamento das distâncias entre eles e dos limites individuais. Por outro lado, na massa
digital, não há o apagamento de limites individuais, mas a reduplicação de indivíduos que se

26
Reforço que não é objetivo desta tese incluir os comentários das postagens nas análises, pois, para o recorte
empreendido aqui, interessa o discurso de origem da fanpage que realizou o compartilhamento, especialmente no
que se refere ao discurso jornalístico sobre o político.
73

subjetivam do mesmo modo. Trata-se do efeito-sujeito, teorizado por Pêcheux ([1975] 1995),
o qual caracteriza o “bom sujeito”. Nesse efeito, “[...] o interdiscurso determina a formação
discursiva com a qual o sujeito, em seu discurso, se identifica, sendo que o sujeito sofre
cegamente essa determinação, isto é, ele realiza seus efeitos ‘em plena liberdade’”
(PÊCHEUX, [1975] 1995, p. 215).
Assim, na massa digital ocorre a identificação plena do sujeito com a forma sujeito.
Uma identificação plena de ambos os lados, ou melhor, um duplo efeito-sujeito. Por um lado,
a identificação de Bolsonaro com o posicionamento de extrema direita e, por outro, a
identificação plena de seus seguidores com Bolsonaro. Dito de outro modo, Bolsonaro
personifica para esses seguidores a forma-sujeito da FD de extrema direita.
Em “A psicologia das massas”, Freud ([1921] 2011) se propõe a pensar sobre os
fatores psicológicos que transformam os indivíduos em massa (antevendo o que viria a ser o
fascismo e seu apelo psicológico às massas). Para Freud, essa transformação é de natureza
libidinal: a energia sexual se transforma em sentimentos capazes de unir as massas. No caso
do fascismo, o sentimento de ódio pelo diferente é o ponto fundamental para integrar e
agregar as massas.
Ao retomar os estudos de Freud, Adorno observa que “[...] aqueles que acabam por
submergir nas massas não são homens primitivos, mas exibem atitudes primitivas
contraditórias com seu comportamento racional normal” (ADORNO [1951] 2018, s/p).
Trazendo Freud novamente para pensar sobre o fascismo, Adorno pontua que “o fascismo não
é simplesmente a reocorrência do arcaico, mas sua reprodução na e pela civilização” (ibid,
s/p).
De certa maneira, Freud antecipava essas considerações ao dizer que “inclinada a
todos os extremos, a massa também é excitada apenas por estímulos desmedidos. Quem
quiser influir sobre ela, não necessita medir logicamente os argumentos; deve pintar com as
imagens mais fortes, exagerar e sempre repetir a mesma coisa” (FREUD, [1921] 2011, p. 19).
A condição para formação de uma massa é, conforme Freud, que os indivíduos tenham
interesses comuns e “[...] uma orientação afetiva semelhante em determinada situação e (eu
acrescentaria: em consequência) um certo grau de capacidade de influenciar uns aos outros”
(ibid, p. 25). Ademais, outra característica é a obediência e a veneração a um líder. “A
agitação fascista está centrada na idéia do líder, não importando se ele lidera de fato ou se é
apenas o mandatário de interesses do grupo, porque apenas a imagem psicológica do líder é
apta a reanimar a idéia do todo-poderoso e ameaçador pai primitivo” (ADORNO [1951] 2018,
74

s/p). Conforme Indursky expôs em mesa redonda no SEAD de 2021, as “massas verde-
amarelas” que se identificam com o fascismo encontraram em Bolsonaro um líder.
Sejam as massas verde-amarelas nas ruas ou as massas invisíveis nas redes, o fato é
que elas estão fortemente ligadas à figura de um líder e em comum têm a excitação por
estímulos desmedidos, como observou Freud. “Enquanto as massas nazifascistas reuniam-se
frente ao líder para ouvi-lo discursar por horas, correspondendo à imagem de massas
inanimadas, nos dias de hoje, a turba ouve seu líder e atende aos seus chamados por outros
meios” (INDURSKY, 2021, mesa redonda).
Na análise de Indursky (2021), essa forma diferente de comunicação entre o líder e as
massas cria um novo efeito, como se a live estivesse sendo transmitida diretamente a cada
indivíduo, daí decorrendo um efeito que a autora chama de efeito de intimidade. E, ao
compartilharem o discurso de seu líder nos sites de redes sociais, as massas invisíveis de
seguidores tornam-se seus porta-vozes, fazendo seus discursos circularem, “[...] de modo que
as massas em nossos dias correspondem ao objeto paradoxal de que falava Pêcheux,
inanimadas e animadas a um só tempo” (INDURSKY, 2021, mesa redonda). Segundo a
autora, vivemos um simulacro da política e um simulacro do real determinados pelas fake
news que, a partir da repetibilidade, fazem com que o falso se apresente como verdadeiro e o
verdadeiro assuma a aparência de falso. Assim, Indursky (2021) descreve o processo que
chamou de “massificação da ignorância” com vistas à manipulação das massas e da opinião
pública. Não é à toa que a massa de seguidores de Bolsonaro o idolatra como um grande líder
e promove ataques ferozes nas redes em defesa do capitão. Courtine fala da necessidade de
controle das massas e do seu “fechamento” no século XX,

[...] quer seja por sua integração sob a forma de partidos políticos no jogo da
democracia política; quer seja por sua mobilização permanente e por sua contínua
movimentação em favor de projetos totalitários; quer seja ainda por sua lenta
absorção nos processos de mudanças econômicas da sociedade de consumo; quer
seja enfim por sua imobilização estabelecida e sempre renovada nas engrenagens da
burocracia (COURTINE, 2015, p. 277).

Tal fechamento das massas requer a existência de um líder carismático e de uma nova
forma de fala pública. “Os discursos cinzentos da burocracia conseguiram atingir
praticamente em todos os pontos do Ocidente os fogos discursivos da revolta” (COURTINE,
2015, p. 281). Isso pode explicar como Jair Bolsonaro chegou ao poder mesmo com opiniões
preconceituosas, machistas, homofóbicas e racistas. Opiniões que chocaram parte da
população e que, por isso mesmo, despertaram a curiosidade de muitos sobre o candidato que
75

se apresentava de forma diferente dos demais políticos. Bolsonaro explorou as polêmicas nas
quais se envolveu pautando desde notícias a programas de entretenimento. Assim, o candidato
ganhou visibilidade e tempo de exposição generoso para os seus discursos de ódio.
Conforme Piovezani, desde o advento da TV, “o marketing político esmerou-se em
tornar a propaganda eleitoral praticamente idêntica à programação convencional da televisão”
(PIOVEZANI, 2015, p. 320) e foi aí que Bolsonaro se diferenciou, trabalhando esta diferença
muito antecipadamente nos sites de redes sociais. Estratégia que só produziu efeitos porque
encontrou um terreno fértil cultivado durante muito tempo pela mídia. Foram anos
construindo discursividades e reproduzindo o imaginário de que o comunismo, as esquerdas e,
mais recentemente, o PT são os inimigos da nação e precisam ser extirpados.
As transmissões, como a da sequência imagético-discursiva (SID) 1, tinham um ar
caseiro, não-profissional, com movimentos da câmera que provocavam tremores na imagem e
enquadramentos que não incluíam todos os convidados da live ao mesmo tempo. A
construção discursiva que se faz é a de um homem simples, comum, que não possuía grandes
equipes de marketing e/ou grandes recursos financeiros para a campanha. Era essa a imagem
da nova política (ou melhor, do novo político) a ser construída: um candidato que é “contra
tudo aquilo que está aí” em resposta aos anseios das Jornadas de Junho de 2013, como
sublinhou Indursky em conferência apresentada no Seminário de Estudos em Análise do
Discurso (SEAD) de 2021.
Na sequência imagético-discursiva (SID) 1, o primeiro a falar foi o pastor Silas
Malafaia, que diz não estar ali “falando de religião”, “de viés religioso”, mas “de
cidadania, como católicos, espíritas, ateus, religiões afro, não importa de onde seja”, para
falar do “que é o melhor para o Brasil” (Sd1). Trata-se, como refere Indursky, do “jogo de
não ser sendo” (INDURSKY, 2013, p. 269), pois a operação de negação aí se faz não
exatamente sobre o discurso do outro, mas sobre um não–dito, ou seja, sobre o pré-construído
do discurso do outro, no caso, no discurso dos sujeitos identificados com uma FD de
esquerda.
Tal negação não indica um enunciado dividido, nos termos como define Courtine
(2009a). O “não” marca a internalização do discurso do outro sob a modalidade do discurso
transverso, o qual faz ressoar saberes que circulam numa FD de esquerda.
A negação da Sd1 pode ser analisada da seguinte forma:
76

“Nós não tamo aqui falando de religião”

“Nós estamos falando de religião e tentando transformar fiéis em eleitores para garantir apoio
político aos objetivos econômicos da Igreja”.

Decorre dessa análise a possibilidade de paráfrase do trecho a seguir:

“Nós estamos falando do que é o melhor para o Brasil”

“Nós estamos falando do que é melhor para nossa Igreja”

Na negação em análise, “o discurso do outro transforma-se em não dito”


(INDURSKY, 2013, p. 280), e é internalizado como discurso transverso. O que se nega é o
imaginário que sujeitos identificados com uma FD de esquerda possam ter do discurso
produzido na Sd1. Discurso, esse, que expõe a aliança de duas FDs – a neopentecostal e a da
extrema direita – cujos sentidos nela produzidos atravessam a formação social brasileira
(como apontado anteriormente na seção 1.3), constituindo as bases da formação dessa aliança.
Nas Sd em análise, há diferentes ocorrências que apontam para o retorno de tais temas e são
vários os pré-construídos que apontam para esse ressurgimento.
Na Sd1, o sujeito faz ataques ao PT, alinhando-se ao tom da campanha de Bolsonaro.
Em nenhum momento se convoca uma pauta, um assunto a ser debatido. Os quatro
participantes parecem falar de assuntos aleatoriamente, sem um fio condutor, sem uma
questão norteadora. No entanto, todas as pautas da campanha de Bolsonaro estão presentes e
são reforçadas a todo o momento, como o moralismo, o antipetismo e a culpabilização dos
governos petistas pelo “maior esquema de corrupção da história”.
O discurso do sujeito na Sd2 se dá pela formulação “x é y, mas não só y”: família é
“coisa de cristão”, mas não “só” de cristão. Essa “coisa” que determina os sentidos de família
são os saberes que circulam nas FDs que estão em jogo na formulação, a saber: a FD
neopentecostal, a FD de extrema direita e a FD de esquerda (por meio do discurso transverso).
Os sentidos de família passam a ser os mesmos nas FDs neopentecostal e de extrema direita,
pois as duas estabelecem uma relação de aliança nas condições de produção das eleições de
2018. “Coisa de cristão” é a estrutura de família tradicional que implica na dominância do
77

homem e submissão da esposa, ou seja, trata-se do efeito de sentido dominante de modelo da


família.
O PT (e a esquerda) representam não somente a corrupção, mas uma ameaça aos
valores morais e à família brasileira para a aliança entre a FD neopentecostal e a FD de
extrema direita, elementos que atravessam a formação social brasileira e são retomados e/ou
repaginados, mas que estão presentes desde a sua constituição. Nessa aliança, apagam-se as
diferentes concepções de família existentes. O que o pastor não diz, na Sd2, é que a sua igreja
não aceita qualquer outra formação de família diferente da tradicional, com esposo, esposa e
filhos. Ao excluir as concepções diferentes, quem é contra as famílias que não se encaixam no
modelo tradicional são os sujeitos da própria igreja, os aliados políticos de Bolsonaro, em
outras palavras, os sujeitos identificados com as FDs neopentecostal e de extrema direita.
Ainda na Sd2, a subsequência – querer usar a democracia pra impor a sua
ideologia na goela do povo brasileiro – indica um posicionamento autoritário, pois o modelo
de governo que possibilita o debate e a disputa entre diferentes concepções de governo é a
democracia. “Impor ideologia” pressupõe uma forma autoritária de poder. “Usar a
democracia”, assim, refere-se ao funcionamento do próprio modelo democrático que permite
a pluralidade. Num sistema não democrático, a aliança entre a FD neopentecostal e a FD de
extrema direita procura impedir a circulação dos saberes da FD de esquerda. E isso aponta
para outro elemento comum dessa aliança: o autoritarismo.
Tanto na Sd1, quanto na Sd2, ocorre uma operação de negação. Não de um discurso-
outro, mas de saberes pertencentes à aliança de FDs que afeta os próprios sujeitos. Nessa
aliança, é permitido que se pense em impor uma ideologia. A negação “incide sobre fatos que
podem ser ditos, mas que, por razões conjunturais, são denegados. Assim procedendo, o
sujeito não os reconhece, razão pela qual permanecem recalcados na FD. Não os podendo
formular em seu discurso, sua emergência aí se dá através da denegação discursiva”
(INDURSKY, 1990, p. 120). Conforme Indursky, na denegação discursiva o sujeito não
admite frente ao outro algo que é próprio do seu campo ideológico. E, ao negar o que lhe é
próprio, denega. Ou seja, denegar é negar algo com que se identifica. Ocorre que, num
processo eleitoral democrático que permite a pluralidade de partidos em disputa, incluindo até
mesmo a participação de posicionamentos alinhados com a extrema direita, fazia-se
necessário recalcar a contrariedade a esse sistema. Assim, trata-se de uma forma de denegação
particular ao mostrar indignação frente a algo que se atribui ao outro, mas que lhe é próprio.
Na Sd3, constrói-se o discurso de que a falta de água no nordeste do Brasil poderia ter
sido resolvida pelos governos do PT com os valores investidos em outros países, o que
78

configura aquilo que Indursky chama de torção discursiva: “a torção se dá no momento em


que determinado acontecimento é narrado pela mídia de modo a projetar um efeito de verdade
ao que, de fato, é uma falsificação do ocorrido” (INDURSKY; MARIANI; DELLA-SILVA,
2019c, p. 29). A diferença é que, na análise em questão, não se trata da narração de um
acontecimento pela mídia, mas da fala de um sujeito num espaço de campanha eleitoral. A
torção, desse modo, é realizada “sob o efeito da desidentificação ideológica com o que está
sendo falsificado” (INDURSKY; RODRIGUES, 2020, p. 24). Ao dizer que o PT financiava
governos de esquerda (como Cuba e Venezuela), o sujeito na Sd3 se desidentifica com esses
governos e produz uma torção ao afirmar que tais valores poderiam implementar ações para
resolver o problema da falta de água no nordeste, ignorando fatores climáticos, geográficos e
científicos. Ignora, também, as obras de canalização do Rio São Francisco feitas nas gestões
anteriores do PT.27
Na Sd4 há a discursivização sobre o movimento #EleNão. Após ataques e falas
machistas de Bolsonaro, deu-se início a um movimento nas redes que, mais tarde, ganhou as
ruas, contra sua candidatura. Mulheres de diferentes orientações políticas levantaram a
hashtag #EleNão e promoveram atos nas principais cidades do país. O movimento causou
uma reação imediata dos apoiadores de Bolsonaro, a campanha #EleSim.
O sujeito, na Sd4, ao dizer que “eles não representam os segmentos que eles acham
que representam”, referindo-se ao movimento #EleNão, coloca a candidatura de Bolsonaro
como a que defende, de fato, os direitos da mulher. Acontece que Bolsonaro tem vários
episódios ao longo de sua vida política de falas agressivas direcionadas às mulheres, como
“não te estupraria porque você não merece”, para a deputada Maria do Rosário, ou “tenho
cinco filhos: quatro foram homens e na quinta dei uma fraquejada” (ao se referir à única filha
mulher), ou, ainda, “por isso o cara paga menos para a mulher” para justificar que a mulheres
não têm o mesmo salário que os homens porque engravidam e precisam se afastar do trabalho.
O efeito de sentido do que é ser mulher para o sujeito da Sd4, na FD de extrema direita, anula
o protagonismo feminino e cria uma relação de dependência e submissão ao sexo masculino.
Ser mulher não significa a mesma coisa nas FD de esquerda e de extrema direita, nas
quais se inscrevem os movimentos #EleNão e #EleSim. Aqui se instaura um desentendimento,
nos termos definidos por Rancière (1996): “desentendimento não é o conflito entre aquele que

27
E chama atenção que, no período eleitoral de 2022, Bolsonaro tenha alegado que a transposição foi uma
realização sua. Parte da obra iniciada ainda na gestão do PT foi inaugurada por Bolsonaro como se o
investimento público tivesse ocorrido no seu governo, apagando o protagonismo de quem, de fato, idealizou e
fez as obras. Cabe mencionar que a falta de água continua atingindo algumas localidades do nordeste e o
problema não foi resolvido na sua gestão.
79

diz “preto” e o outro que diz “branco”, mas entre os que dizem “branco” e não entendem a
mesma coisa (RANCIÈRE, 1996, p. 11). Eis que o desentendimento instaura, também, um
problema de designação. Ser mulher na FD de extrema direita em aliança com a FD
neopentecostal produz efeitos de sentido opostos dos produzidos na FD de esquerda, pondo
em relação de antagonismo submissão X liberdade e autoriza os sujeitos a diminuir, ofender e
menosprezar o sexo feminino.
Afetadas pelo inconsciente (assujeitadas ao campo do Outro - a sociedade patriarcal) e
interpeladas pela ideologia da FD de extrema direita, as mulheres que manifestaram apoio ao
filho de Bolsonaro na rua, como o sujeito relata na Sd4, não reconhecem o processo de
assujeitamento ao qual estão submetidas. Rancière fala da contradição de dois mundos
alojados num só: “o mundo em que estão e aquele em que não estão, o mundo onde há algo
“entre” eles e aqueles que não os conhecem como seres falantes e contáveis e o mundo onde
não há nada” (RANCIÈRE, 1996, p. 40). O apoio das mulheres a Bolsonaro pode ser
interpretado pela analogia de Rancière, pois nele estão dois mundos alojados num só: o
mundo onde estão as mulheres eleitoras do candidato, as quais rechaçam o movimento
feminista; e o mundo desconhecido dessas eleitoras onde as mulheres reconhecem que o
sistema capitalista é dominado pelo patriarcado e, por isso, lutam pela igualdade.
Pêcheux fala da existência de um jogo de força na memória, seja para sua estabilização
parafrástica ou, nas palavras dele, “ao contrário, o jogo de força de uma ‘desregulação’ que
vem perturbar a rede dos implícitos” (PÊCHEUX, [1983] 2010, p. 53). A formulação da
subsequência – “representar os segmentos que eles acham que representam” (Sd4) –
provoca um deslocamento, uma ruptura nas redes de sentido na defesa das mulheres e das
minorias.
Na Sd5, o discurso passa a ser sobre um assunto que também circulou durante a
campanha: o divórcio de Bolsonaro e o casamento com Michele. Na subsequência “será que
o segundo casamento desqualifica todo mundo?” (Sd5), a pergunta retórica traz a
contradição para dentro da aliança entre as FD neopentecostal e de extrema direita, pois é em
tais FDs que os sujeitos defendem um padrão de família que o candidato Bolsonaro não
mantém.
Os saberes sobre família na FD neopentecostal, como já exposto, estão ancorados
numa concepção patriarcal e tradicional, a qual impõe que o casamento é para sempre, ou
melhor, mencionando a prática e o ritual do AIE religioso na cerimônia de casamento, “até
que a morte os separe”. O divórcio é condenado, pois, “o que Deus uniu o homem não
separa”. Especificamente para as religiões pentecostais, o divórcio é aceito no caso de
80

infidelidade de um dos cônjuges ou no caso de um deles ser descrente, embora o argumento


seja de que o perdão divino possa ser concedido aos divorciados que se arrependerem
verdadeiramente. Dessa forma, há uma certa flexibilidade no posicionamento das pentecostais
quando o assunto é divórcio.
Bolsonaro é divorciado e nas eleições de 2018 encontrava-se casado com sua terceira
esposa (e não segunda, como referiu o Pastor), a evangélica Michele Bolsonaro. Se o segundo
casamento não “desqualifica todo mundo” (Sd5), implica dizer que desqualifica alguns. Não
desqualifica Bolsonaro, principalmente, pela aliança estabelecida entre FD neopentecostal e
FD de extrema direita, mas pode desqualificar outros sujeitos identificados com ideologias
antagônicas. Aí está a flexibilidade da posição das pentecostais sobre a questão do divórcio. A
“desqualificação” dos sujeitos divorciados que se casam novamente depende do
posicionamento desses sujeitos e da FD com a qual se identificam.
A subsequência – “Às vezes, quando eu falo de família, as pessoas diz [SIC]: ‘mas,
o senhor se esquece que esse candidato à presidência está, ou já se casou outra vez, ou
tem relacionamento’” (Sd5) – aponta para críticas que o pastor Cláudio Duarte recebe por
apoiar um candidato divorciado. Essas críticas, possivelmente, são de sujeitos dentro da FD
neopentecostal, cuja posição-sujeito diverge da posição com a qual o pastor está identificado.
Pode ser o caso do posicionamento dos católicos, já que na igreja Católica o divórcio é
proibido.
Já na subsequência – “quando eu olhei a imagem do ultrassom do meu primeiro
neto algo aconteceu no meu interior e eu comecei a ver, é, o que o aborto representava”
(Sd5) – a fala do sujeito é baseada em apelo emocional. A ultrassonografia funciona como
determinante do desejo de construir um mundo melhor. Ernest, Mello Silva e Vieira (2019, p.
130) observam que o discurso de Bolsonaro e de seus apoiadores se legitimou ancorando-se,
também, “[...] no afeto que se espraia sobre os traços da memória”. Nessa subsequência há o
funcionamento de um não dito que remete ao pré-construído de que o aborto é assassinato. Há
uma discussão que ultrapassa o campo científico e permeia os campos moral e religioso sobre
o momento em que se inicia uma vida. As igrejas defendem o direito à vida desde sua
concepção, ou melhor, desde o encontro de um óvulo com um espermatozoide (não havendo
diferença entre um zigoto de poucos dias, um feto de algumas semanas, uma criança ou um
sujeito adulto). Por outro lado, o direito das mulheres sobre seus corpos é uma bandeira
defendida pela esquerda e isso inclui a decisão sobre realizar ou não um aborto.
Assim, o efeito de sentido decorrente da fala do pastor numa FD neopentecostal é de
que a esquerda representa uma ameaça às famílias, pois aborto, em qualquer tempo de
81

gestação, significa atentar contra uma vida. A exploração do emocional sempre retorna
quando o assunto é aborto, pois, na FD neopentecostal, a interpretação de aborto como
assassinato está ligada à interpretação de que há vida desde a fecundação.
O mesmo ocorre na Sd6, que inclui a pauta da “ideologia de gênero”, bastante presente
na campanha de Bolsonaro. Ao dizer que é a favor da família, o sujeito da Sd6 sugere que há
quem seja contra, no caso, os sujeitos da FD de esquerda. Da mesma forma, quando diz que é
contra a erotização infantil, está insinuando que a esquerda seja a favor. O jogo de palavras
faz com que o sujeito diga “sem dizer”, apelando para os sentidos em comum que circulam na
aliança entre formações discursivas (religiosa e de extrema-direita) que o recorte discursivo 1
coloca na cena do discurso. Observemos o quadro que contrapõe duas subsequências da Sd6.

Quadro 6 – A denegação na Sd6

Subsequência 1 Subsequência 2
Eu sou a favor da família sim, eu sou contra Eu tenho, certo, é que lutar contra esses
a erotização infantil sim, quem é gay sabe princípios e esses valores que têm destruído a
que eu não sou homofóbico, ok? Eu luto e família porque o que faz um indivíduo a lutar
não tenho problema de abraçar, de me por um amanhã melhor é saber que alguém
relacionar, eu não tenho. dele, a semente dele, certo, vai estar vivendo
o amanhã.
Fonte: a autora

O sentido de não ser homofóbico na aliança entre as FDs neopentecostal e de extrema


direita é não ter problema em abraçar e se relacionar com gays. Ser contra os valores que têm
destruído a família (subsequência 2) complementa negativamente “erotização infantil”
(subsequência 1) e os sentidos de “ideologia de gênero” que circulam nessa aliança.
Conforme Indursky, “ao incidir sobre um elemento de saber que pode ser dito pelo sujeito do
discurso mas que, mesmo assim, por ele é negado, tal elemento permanece recalcado na FD,
manifestando-se em seu discurso apenas através da modalidade negativa” (INDURSKY,
1990, p. 120). Ou seja, há uma denegação funcionando na Sd6, pois o que se quer negar são
os sentidos que remetem à homofobia com os quais os sujeitos dessa aliança identificam-se.
Sentidos sobre os quais a denegação produz o efeito de ocultamento.
Bolsonaro refere ao “kit gay” na Sd7, a fake news mais compartilhada por seus
apoiadores nas eleições de 2018, relatando que a bancada evangélica ajudou a impedir sua
distribuição. Mais uma vez, trata-se do funcionamento de uma torção discursiva, pois o que
Bolsonaro chama de “kit gay” constitui um material experimental produzido em 2011 pelo
82

projeto “Escola sem Homofobia”, dentro do programa “Brasil sem Homofobia”, lançado em
2004 pelo Ministério da Educação. O projeto, que nem chegou a ser executado, tinha como
foco os educadores. Nunca houve a distribuição do material aos educadores e mesmo que
tivesse sido distribuído, os estudantes não teriam acesso. Ao analisar o “kit gay”, Indursky
observa que “a torção discursiva consiste em projetar um efeito de verdade sobre o que, de
fato, é uma falsificação de um ocorrido, de um fato, de uma declaração ou, como no caso
acima examinado, de um projeto retirado do arquivo do Ministério da Educação”
(INDURSKY; RODRIGUES, 2020, p. 24).
Tendo em vista o objetivo do material produzido (e não distribuído) pelo projeto, ou
seja, a luta contra a homofobia, ao dizer na subsequência que – “ninguém quer isso para o
teu filho, nem o pai que é gay” (Sd7) – quais efeitos de sentido ressoam? Da mesma forma
que na Sd6 e na Sd8, o sujeito na Sd7 parte de uma torção discursiva para condenar a
“ideologia de gênero”, termo usado para se contrapor à inclusão dos temas de gênero e
sexualidade nos planos nacional, estaduais e municipais de educação. Conforme Indursky e
Rodrigues, “a falsificação, em função da torção discursiva que a sustenta, carrega vestígios
memoriais do que foi falsificado, e esses traços funcionam como uma presença-ausente” (ibid,
p. 24). Ou seja, a torção funciona pelo viés do discurso transverso, visto que, para construí-la
discursivamente, há uma negação de um pré-construído. A fake news, dessa forma, produz um
efeito de verdade ou de verossimilhança porque ressoa e “[...] faz vibrar vestígios memoriais
de algo que está fora, inscrito no interdiscurso, funcionando aí como uma memória fluida”
(ibid, p. 24). “Kit gay” faz ressoar, de forma distorcida, a existência do projeto “Escola sem
Homofobia”. A existência desse projeto funciona como um vestígio inscrito no interdiscurso
no qual se ancora a torção para produzir uma torção revestida de um efeito de verdade.
A bancada evangélica da Câmara e do Congresso fez intensa campanha contra o
debate desses temas nas escolas, alegando que traria a destruição das famílias e a doutrinação
de crianças. No entanto, “ideologia de gênero” não aparece em nenhum plano de educação ou
documento relacionado. Trata-se de uma designação utilizada dentro da aliança entre FD
neopentecostal e FD de extrema direita para determinar negativamente o sentido de gênero e
sexualidade. Tal determinação negativa ocorre porque a perspectiva de gênero está
fundamentalmente relacionada aos novos arranjos familiares, além de remeter aos direitos das
mulheres, aos direitos sexuais e reprodutivos e à população LGBTQIA+. Ou seja, a pauta da
perspectiva de gênero é a mais ameaçadora para os elementos que constituem e mantêm a
aliança entre FD neopentecostal e FD de extrema direita.
83

Pêcheux diz que “uma formação discursiva é constitutivamente perseguida por seu
outro: a contradição motriz não resulta do choque de “corpora contrastados”, cada um
veiculando a homogeneidade dos antagonistas, mas desse efeito de sobredeterminação pelo
qual a alteridade o afeta [...]” (PÊCHEUX, 2009, p. 24). Tal processo vai constituir o que
Pêcheux chamou de idealismo ventríloquo, “mestre na arte de falar no lugar do outro, isto é,
por ele, a seu favor e em seu nome” (ibid, p. 24). Defender a família, ser contra a ideologia de
gênero funcionam aos moldes desse idealismo ventríloquo, pois os sentidos de família e de
gênero que circulam nas FD neopentecostal e de extrema direita são opostos aos sentidos que
circulam na FD de esquerda, na qual se inscrevem os sujeitos de movimentos sociais em
defesa das minorias.
Dessa forma, o outro é negado ou aparentemente ignorado ou, ainda “desconstruído”
por narrativas paralelas. A construção resultante da torção discursiva presente nas Sd
analisadas aqui, assim, é uma narrativa paralela que tenta se sobrepor àquela que está sendo
distorcida.
Ou, ainda, como analisam Ernst, Melo Silva e Vieira (2019) esse efeito de
sobredeterminação de ideologias não se constitui de efeitos transversos, mas da sobreposição
de pré-construídos de uma determinada região do interdiscurso, o que resulta no que os
autores denominam de “efeito de simulação”. Como pode-se observar nas subsequências da
Sd1 quando o sujeito diz não estar “falando de religião” e sim “do que é o melhor para o
Brasil”. Nas palavras dos autores, trata-se de “um efeito de sentido em que elementos da
memória de uma determinada formação discursiva interpõem-se a outra, sob forma de
discurso repetido, sem que haja assimilação, ou melhor, absorção no espaço discursivo em
que incidem” (ERNST; MELO SILVA; VIEIRA, 2019, p. 118).
A polemização desses temas no recorte discursivo 1 em análise faz pensar sobre a
espetacularização da política. Voltando o olhar para a televisão, Guy Debord pontua que “a
realidade surge no espetáculo, e o espetáculo é real. Essa alienação recíproca é a essência e a
base da sociedade existente” (DEBORD, 1997, p. 15). Por outro lado, na política dos novos
tempos dos sites de redes sociais, a sociedade do espetáculo ganhou novos contornos e
ferramentas.
Na contemporaneidade, a alienação foi deslocada. Não há mais espetáculo, mas
desinformação. Na sociedade do espetáculo, os trabalhadores transformaram-se em
consumidores potenciais. Ocorre que hoje o consumo não é de bens ou serviços, mas de
narrativas, de (des)informações. Ou melhor, a informação é transformada em produto para
consumo e é replicada nos sites de redes sociais, principalmente com a divulgação de fake
84

news. Aliás, os trabalhadores, ao menos na época das eleições de 201828, não eram apenas
consumidores de conteúdos nas redes, mas constituíam o próprio capital da web ao
fornecerem seus dados enquanto usuários de sites de redes sociais.
Por conseguinte, de sociedade da informação (CASTELLS, 1999) passamos
rapidamente para a sociedade da desinformação (MARSHALL, 2017), caracterizada pela
eclosão de notícias falsas. O poder de circulação dos sites de redes sociais foi determinante
para tal eclosão.
Nesta seção, discuti o discurso jornalístico sobre o político, sua transformação na era
dos sites de redes sociais e a construção de uma discursivização sobre a esquerda e o PT como
inimigos da nação. Na próxima subseção, levanto questões sobre o funcionamento do político
e a política nas condições de produção de 2018.

1.4.1 O político e a política

Igualdade e diferença são conceitos-chave para entender o que se convenciona chamar


de política. Conforme Arendt ([1950-1959] 2007, p. 21-22), “a política trata da convivência
entre diferentes. Os homens se organizam politicamente para certas coisas em comum,
essenciais num caos absoluto, ou a partir do caos absoluto das diferenças”.
Entretanto, Rancière assegura que a política é uma atividade que põe em cena a
relação de igualdade-desigualdade entre os sujeitos. Dessa forma, é pelo reconhecimento de
que há desigualdades – de que há os “sem-parcela” e de que há os possuidores de parcela –,
que se faz política. O autor alerta para o fato de que há política “quando a ordem natural da
dominação é interrompida pela instituição de uma parcela dos sem-parcela” (RANCIÈRE,
1996, p. 26).
A propósito, a ordem natural de dominação só é interrompida quando há luta. São
diversas as formas de luta e a articulação dos movimentos sociais, enquanto uma dessas
formas, busca incluir as chamadas minorias na distribuição das parcelas. Uma das ferramentas
de luta desses movimentos é a mídia alternativa, que denuncia a distribuição desigual das
parcelas. E denuncia porque rompe com a rede de silenciamento de sentidos-outros da mídia.

28
Durante a finalização da escrita desta tese, em 2023, a situação dos trabalhadores piorou significativamente
com as consequências da aprovação das reformas trabalhista e previdenciária e com a inflação no preço dos
alimentos. Tais fatores reduziram o poder de compra e o consumo. Em outras palavras, os trabalhadores estão
cada vez menos consumidores e cada vez mais explorados.
85

Denunciar, assim, é o oposto de silenciar. É colocar em cena o diferente, o dissenso. É expor


o conflito que constitui a política. Em tempos de despolitização, denunciar é politizar.
Para Rancière, só se compreende que há desigualdade ao se tornar um “igual”, ou seja,
alguém na contagem de parcelas. Conforme o autor,

existe política porque aqueles que não têm direito de ser contados como seres
falantes conseguem ser contados, e instituem uma comunidade pelo fato de
colocarem em comum o dano que nada mais é que o próprio enfrentamento, a
contradição de dois mundos alojados num só: o mundo em que estão e aquele em
que não estão, o mundo onde há algo “entre” eles e aqueles que não os conhecem
como seres falantes e contáveis e o mundo onde não há nada (RANCIÈRE, 1996, p.
40).

Somente quando as minorias ganham voz (por meio da mídia alternativa, pensando no
corpus desta tese), é que se instaura a contradição de “dois mundos alojados num só” e essas
minorias passam a ser vistas por aqueles que detêm as parcelas, embora não sejam
reconhecidas como seres dignos da voz e, consequentemente, das parcelas. Por esse motivo,
as classes dominantes não cessam de exercer seu poder com vistas a impedir que as classes
dominadas tenham acesso às parcelas.
O desenvolvimento da AD está ancorado no político justamente por isso: se não existe
um sentido único é porque existem relações de força entre as classes dominadas e as classes
dominantes, instituindo uma disputa permanente entre as diferentes possibilidades de
significação. Destarte, política implica uma relação de força e poder.
Temos visto que a força é um elemento comum às guerras e revoluções. O que,
conforme Arendt, “significa que nos movemos, em essência, no campo da força e que, em
virtude de nossas experiências, somos inclinados a equiparar o agir político com o agir
violento” (ARENDT, [1950-1959] 2007, p. 126). É o caso de governos repressores que
restringem a liberdade para garantir a dominância, seja em regimes ditatoriais ou em governos
neofascistas. Dessa forma, “é bastante natural entendermos o agir político nas categorias do
forçar e do ser-forçado, do dominar e do ser dominado, pois nelas se manifesta o verdadeiro
sentido de todo fazer violento” (ibid, p. 133).
Por conseguinte, de acordo com Rancière, o que chamamos de política, na verdade, é
polícia. Mesmo que polícia remeta à violência e à repressão, a um aparelho repressor de
Estado, o autor destaca que, em suma, a polícia representa a lei, a regulação da sociedade, a
organização dos poderes. Logo, o autor afirma que:
86

Chamamos geralmente pelo nome de política o conjunto dos processos pelos quais
se operam a agregação e o consentimento das coletividades, a organização dos
poderes, a distribuição dos lugares e funções e os sistemas de legitimação dessa
distribuição. Proponho dar outro nome a essa distribuição e ao sistema dessas
legitimações. Proponho chamá-la de polícia. Sem dúvida, essa designação coloca
alguns problemas. A palavra polícia evoca comumente o que chamamos baixa
polícia, os golpes de cassetete das forças da ordem e as inquisições das polícias
secretas. Mas essa identificação restritiva pode ser considerada contingente
(RANCIÈRE, 1996, p. 41).

É política quando se articula a derrubada de uma presidenta sob argumentos jurídicos


questionáveis para atender os interesses do mercado. É política quando um partido é
demonizado e carrega a pecha de “organização criminosa”, como o PT. E é polícia quando o
aparato judicial é utilizado para retirar das eleições presidenciais o candidato que liderava as
pesquisas de intenção de voto, trancando-o atrás das grades sem provas, apenas por
“convicção”.
A existência da política está associada à existência de dois processos que Rancière
denomina heterogêneos: o policial, de regulação e da lei, e a igualdade. Para haver política,
essas duas lógicas devem se entrecruzar. Convém ressaltar que o autor define polícia como

uma ordem dos corpos que define as divisões entre os modos do fazer, os modos de
ser e os modos do dizer, que faz que tais corpos sejam designados por seu nome para
tal lugar e tal tarefa; é uma ordem do visível e do dizível que faz com que essa
atividade seja visível e outra não o seja, que essa palavra seja entendida como
discurso e outra como ruído (RANCIÈRE, 1996, p. 42).

A arbitrariedade do que Rancière chama de polícia na definição entre os modos de ser,


do fazer e do dizer pode ser percebida ao analisarmos o discurso jornalístico. O modo como se
designa Lula, Haddad e o PT na mídia – principalmente durante as eleições de 2018 –, sempre
relacionando ao efeito de sentido de corrupção, é da ordem da política. A abertura de processo
contra Haddad no momento em que ele substitui Lula na corrida presidencial por acusações 29
feitas enquanto o candidato ainda era prefeito de São Paulo, é da ordem da polícia.
A ordem do visível e do dizível, que refere Rancière, é a que silencia posicionamentos
divergentes e sentidos-outros. E é essa ordem que regula o funcionamento do Aparelho
Ideológico da Informação: o que é visível e dizível, circula; o que não pode ser visto, nem
dito, é silenciado. Entretanto, o Aparelho Ideológico da Informação (doravante AII) abriga
diferentes tipos de veículos de informação e a contradição se instaura quando, por um lado,
veículos atuam replicando a ideologia dominante da nossa formação social neoliberal, e, por
outro lado, outros veículos introduzam o “ruído” no interior desse mesmo Aparelho.

29
Tais acusações serão objeto de análise no capítulo 3.
87

Nas formações sociais neoliberais que se apresentam como democráticas, como é o


caso do Brasil, o conflito tende a ser silenciado, camuflado. A sutileza marca o exercício do
poder e se faz política alegando não ser política. Wendy Brown observa que “tanto no
pensamento quanto na prática neoliberal, a crítica da democracia e do político é disfarçada de
uma defesa a favor da liberdade individual [...]” (BROWN, 2019, p. 79). E, nas condições de
produção atuais, de uma defesa a favor da liberdade de expressão por parte daqueles que
podem participar da cena política comum (os “com parcela” política).
É como se a democracia fosse uma ameaça à liberdade individual e de expressão: por
causa da democracia, não se pode dizer tudo o que se pensa. O bem comum perdeu o sentido
numa política individualista extrema que é o sistema neoliberal.
Brown pontua que:

O neoliberalismo, deste modo, visa limitar e conter o político, apartando-o da


soberania, eliminando sua forma democrática e definhando suas energias
democráticas. De suas aspirações e afirmação ‘pós-ideológicas’ da tecnocracia até
sua economização e privatização das atividades governamentais, de sua posição
desenfreada ao ‘estatismo’ igualitário até sua tentativa de deslegitimar e conter as
reivindicações democráticas, de seu objetivo de restringir direitos até seu objetivo de
limitar agudamente certos tipos de estatismo, o neoliberalismo busca tanto
constringir quanto desdemocratizar o político (BROWN, 2019, p. 70).

O capitalismo neoliberal determina a formação social brasileira atual e determina, por


conseguinte, o modo de fazer política na contemporaneidade. E é esse regime neoliberal que
norteia, também, o processo eleitoral. Pautado pelo individualismo, o capitalismo neoliberal
naturaliza as formas de precarização social e a exploração como se fosse um esforço
individual necessário para a instauração do “bem comum”, um argumento falso, pois
condiciona o “bem comum” ao pleno desenvolvimento e lucro das grandes empresas, como se
o tal “bem comum” dependesse exclusivamente da preservação e êxito do sistema capitalista
neoliberal. A referida naturalização das formas de precarização social em nome do “bem
comum” é efeito da transformação das formas de vida nesse sistema.
A grande diferença entre o modo de produção capitalista anterior e o neoliberal é a
transformação dos trabalhadores em empreendedores, os quais “[...] ampliarão e reforçarão as
relações de competição entre eles, o que exigirá, segundo a lógica do processo
autorrealizador, que eles se adaptem subjetivamente às condições cada vez mais duras que
eles mesmos produziram” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 329).
88

Decorre disso a análise de Byung Chul Han de que a psicopolítica 30 é a forma de


governo neoliberal, pois nele o poder é exercido de forma sutil, garantindo que “[...] o
indivíduo, por si só, aja sobre si mesmo de forma que reproduza o contexto de dominação
dentro de si e o interprete como liberdade” (HAN, 2018b, p. 44). A coerção não se dá por
ameaças, mas por estímulos positivos: “trabalhe muito e fique rico” em vez de “trabalhe para
não morrer de fome”.
Dessa forma, os sujeitos se “autoexploram” e assumem a responsabilidade que seria
do Estado. Nas palavras de Dardot e Laval, “a ‘irresponsabilidade’ de um mundo que se
tornou ingovernável em virtude de seu próprio caráter global tem como correlato a infinita
responsabilidade do indivíduo por seu próprio destino, por sua capacidade de ser bem-
sucedido e feliz” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 344). As crises sociais passam, assim, a ser
crises pessoais e o sujeito é responsabilizado por toda e qualquer desigualdade.
De tudo o que precede, pode-se dizer que a política abriga a diferença e a contradição,
mas exerce forças para “regular”, “naturalizar” as diferenças, produzindo um efeito de
apagamento: tal como se apaga o papel do Estado no modo de produção neoliberal. Tendo em
vista que o Estado ideal para o neoliberalismo é o Estado mínimo, com a redução de
investimentos e o “enxugamento” da máquina pública, os sujeitos são deixados à sua própria
sorte e se transformam em “empreendedores” de si mesmos para garantir sua sobrevivência.
O político, para a AD, se revela nas disputas de sentidos no campo do discurso. Nessa
teoria, a luta se dá no discurso e, portanto, é nele que emerge o político. Como assinala
Guilhaumou, “o interesse pela maneira como a língua constitui as palavras como jogo
político, abrindo, assim, possibilidades em termos de projeto e de afrontamento político, está
fortemente no centro das preocupações dos historiadores do discurso” (GUILHAUMOU,
2009, p. 39).
Por sua vez, Cazarin e Rasia dissertam que “em AD, o político é concebido como
relações de força, de poder que se materializam na e pela cena discursiva” (CAZARIN;
RASIA, 2014, p. 204, grifo das autoras). Essas relações de força se referem às formações
ideológicas que coexistem numa formação social. A tensão entre o diferente, entre as
formações discursivas que cada formação ideológica abriga, é a manifestação da práxis
política, é o que faz com que um mesmo enunciado possa produzir sentidos distintos ou, até
mesmo, opostos, dependendo da formação discursiva (FD) em que o sujeito enunciador e o

30
Han define a psicopolítica como “[...] a técnica de dominação que estabiliza e mantém o sistema dominante
através da programação e do controle psicológicos” (HAN, 2018b, p. 107).
89

sujeito leitor e/ou ouvinte estão inscritos, pois o gesto de interpretação é marcado pela
historicidade.
Zizek elenca uma série de negações do conflito e da própria política. Para o autor, as
negações da política levam à despolitização e abrem espaço para uma “nova direita populista
e sua ideologia de maioria moral” (ZIZEK, 2016, p. 344). Esta nova direita populista é um
fenômeno em ascensão no mundo todo, vide a eleição de Trump nos EUA e a eleição de
Bolsonaro no Brasil. Alguns filósofos e cientistas políticos e sociais brasileiros têm
considerado o momento político do Brasil nas eleições de 2018 um retorno a um modelo que
Zizek chamou de ultrapolítica, que é

a tentativa de despolitizar o conflito, levando-o a um extremo pela militarização


direta da política – reformulando-o como uma guerra entre “Nós” e “Eles”, nosso
Inimigo, na qual não haveria base comum para o conflito simbólico – é
profundamente sintomático que, em vez de luta de classes, a direita radical fale de
guerra de classes (ou de sexos) (ZIZEK, 2016, p. 209-210).

Um modelo que funcionou nos regimes nazifascistas e nas ditaduras de Vargas e do


regime militar no Brasil, quando, sob o pretexto de defender o país de uma “ameaça
comunista”, qualquer um que se posicionasse contra Vargas ou contra o regime transformava-
se no inimigo da nação. Na contemporaneidade, a polarização entre petistas e coxinhas,
herança das eleições de 2014, se ampliou com o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff e
chegou ao extremo com o fenômeno #EleNão e #EleSim em referência ao candidato Jair
Bolsonaro nos sites de redes sociais. O candidato usou a polarização de 2014 para criar o
“Nós” contra “Eles”, ou seja, “os cidadãos de bem” contra os “esquerdistas”, “comunistas” e
“petralhas”. Dessa forma, o Partido dos Trabalhadores (PT) se tornou o grande inimigo que
precisava ser derrotado para que o país tivesse “salvação”. O mal, assim, nunca está no “nós”,
é exclusividade do “eles”.
Cabe mencionar, ainda, que as transformações das formas de enunciar os discursos,
especialmente o político, se refletem no próprio discurso. São os meios de comunicação que
ditam as regras do jogo político, tornando o discurso fluido, isto é, frouxo, constituído de alta
porosidade e, consequentemente, de circulação descomplicada e ordinária. Associado ao que
foi referido, está a velocidade da informação que não permite um tempo de reflexão e
investigação necessários ao exercício do jornalismo ético e responsável.
Na contemporaneidade, memes, gifs e imagens irônicas ganham muito mais curtidas e
compartilhamentos que os conteúdos jornalísticos sobre política. Materialidades, essas, que
Bethania Mariani chama de prêt-à-porter, pois estão prontas para usar e consumir: “em outras
90

palavras, vídeos e textos a serem consumidos velozmente, supondo justamente uma fast-
leitura, um passar de olhos” (MARIANI, 2018, p. 4).
As materialidades prêt-à-porter são, em sua maioria, mensagens de autoria
desconhecida que se multiplicam, impulsionadas pelo WhatsApp, pelos botões de curtir e
compartilhar do Facebook, pelo Instagram, pelo Twitter, pelo TikTok, enfim, pelos mais
variados sites de redes sociais. Como não há autoria, Mariani observa que “a sustentação do
dizer funciona horizontalmente na rede familiar ou de amigos ou de colegas de trabalho que
se encontra na agenda de telefones ou no grupo de amigos do Face e/ou Instagram”
(MARIANI, 2018, p. 4). Observemos o recorte discursivo 2.

Recorte discursivo 231 – “Postfleto”32

Sequência imagético-discursiva (SID) 2

Fonte:
<https://www.facebook.com/mblivre/photos/a.204296283027856/1104558079668334/>.

31
O recorte discursivo 2 é constituído por um post do MBL que liderou o ranking do Manchetômetro na semana
em que foi compartilhado, o qual constitui a sequência imagético-discursiva (SID) 2.
32
Neologismo cunhado nesta tese para sinalizar a transformação das formas de propaganda política na
contemporaneidade, passando da distribuição de panfletos e santinhos nas ruas para o compartilhamento de posts
nos sites de redes sociais e nos aplicativos de mensagens.
91

SD9
Haddad foi registrado como candidato do PT e combina direitinho como candidato do partido.

SD10
Finalmente Haddad virou candidato do PT.

SD11
Você já viu o passado dele?

Da sequência imagético-discursiva (SID) 2, foram extraídas três sequências


discursivas as quais tratarei mais detalhadamente, embora também observe a SID2 em sua
totalidade.
A SID2 possui autoria, mas a sustentação do dizer não deixa de funcionar, também,
por meio da rede de compartilhadores do conteúdo nos mais diversos feeds. A subsequência
da Sd10 – Finalmente Haddad virou candidato do PT – trabalha com o imaginário que se
fazia das condições do partido nas eleições de 2018, cujo líder permanecia preso e fora
impedido de disputar a presidência. O MBL dá visibilidade às especulações que os
adversários de Lula e do PT faziam naquele momento: para quem Lula passaria seu bastão. O
advérbio de tempo “finalmente” tanto produz o efeito de sentido de que já era hora de um
substituto ser anunciado, dado o desenrolar da campanha eleitoral, quanto produz o efeito de
sentido de que a escolha de Haddad não foi uma surpresa, cuja paráfrase possível é: “todos
sabiam, faltava apenas oficializar seu nome”.
Sobretudo, a Sd9 aponta que, ao tornar-se candidato do PT, Haddad herda a mesma
construção discursiva sobre o partido: corrupto. Tal projeção se faz a partir da lista de crimes
atribuídos a Haddad que a SID2 elenca. A lista atualiza a memória discursiva sobre Haddad
enquanto Prefeito de São Paulo, para construir discursivamente uma imagem de gestor
incompetente. A atualização dessa memória está ancorada no pré-construído de que o PT só
sabe roubar. Acontece que, normalmente, não é o partido que é acusado de corrupto, mas o
sujeito político que pertence à determinada sigla. No caso do PT, a construção discursiva
projeta sobre todos os seus integrantes o efeito de sentido de corruptos. O recorte discursivo 2
aponta elementos pré-construídos que são retomados para essa construção.
92

Todas as denúncias feitas contra Haddad naquele período da campanha eleitoral de


201833 estão condensadas numa única sequência imagético-discursiva de fácil visualização.
Tal sequência é o que Mariani (2018) refere como fast-leitura, pois está pronta para o
compartilhamento viralizado por sujeitos que se identificam com aqueles saberes. Uma vez
que o botão curtir é a forma de subjetivar-se nos sites de redes sociais em tempos de
circulação grande e rápida de informações, o fato de a sequência imagético-discursiva 2
registrar 22 mil curtidas e 89 mil compartilhamentos34, indica tratar-se de uma poderosa arma
política, visto que “as ‘técnicas de propaganda’ são armas” (PÊCHEUX [1979] 2012a, p. 78).
Ou seja, longe de ser apenas uma fast-leitura, a SID2 aponta para o poder de convencimento
que esse tipo35 de publicação possui num site de rede social.
Sequências imagético-discursivas (SID), como esta em análise, funcionam como
santinhos e panfletos políticos nos sites de redes sociais, atingindo um público numericamente
muito maior e com mais eficiência. Essa é uma grande transformação no modo de fazer
política que foi imposta pelo surgimento das redes. As ruas cobertas por santinhos e panfletos
no dia da eleição foram substituídas por posts em redes sociais que se replicam e se
multiplicam de uma forma sem comparação. Retornando às reflexões de Pêcheux, “o Estado
capitalista moderno passou a ser mestre na arte de agir à distância sobre as massas” (ibid, p.
91). E a internet, sobretudo, após o surgimento dos sites de redes sociais, superou de vez as
distâncias, ampliando as habilidades do Estado capitalista-neoliberal.
É na repetibilidade, a cada novo reenvio nos sites de redes sociais, que ocorre o
processo de subjetivação e “os processos de identificação que atuam no pertencimento a
grupos produzem efeitos de comunhão a determinados sentidos, ou melhor, da existência de
sentidos em comum, discursividades a serem partilhadas” (MARIANI, 2018, p. 15). O fato é
que, como aponta Mariani, ao receber uma mensagem prêt-à-porter de um amigo, de um
familiar ou de alguém em quem confiamos e a quem admiramos, que faz parte de um mesmo
“reduto semântico”, ficamos muito mais condicionados a acreditar e considerar tal mensagem.
Decorre disso uma das problemáticas dos novos modelos de campanhas eleitorais em tempos
de sites de redes sociais: a circulação desse tipo de conteúdo ser bem mais expressiva que a
circulação de conteúdos informativos com fontes checáveis.
33
As quais serão pontuadas nas análises do capítulo 3.
34
O mesmo post que dá origem à sequência imagético-discursiva (SID) 2 liderou o ranking do Manchetômetro
na semana de 9 a 15 de setembro de 2018, período em que Haddad fora anunciado como substituto de Lula na
candidatura à presidência pelo PT.
35
O formato da sequência imagético-discursiva (SID) 2 é chamado de card por profissionais que trabalham com
sites de redes sociais. Os cards são bastante comuns nas redes por apresentarem diversos conteúdos num
elemento único, agrupando informações em bloco para facilitar o compartilhamento. Esse formato imagético foi
apropriado pelas fanpages, incluindo as de candidatos e movimentos políticos.
93

Além de significar que por volta de 22 mil curtidores/eleitores não votariam em


Haddad, a sequência imagético-discursiva (SID) 2 consegue relacionar sinteticamente o que
uma notícia ou um artigo levariam laudas e laudas para formular. Significa, ainda, que esses
curtidores e compartilhadores se identificaram com o MBL e se subjetivaram na luta contra a
corrupção da esquerda e, especificamente, contra o PT.
Observemos a luta pela significação do termo “anticorrupção” no Brasil, partindo do
efeito de sentido que a sequência imagético-discursiva (SID) 2 põe em circulação. Apesar da
narrativa contra a esquerda ter surgido ainda no início do século pela construção do inimigo a
combater, conforme exposto na seção 1.3, desde o mensalão e, mais fortemente, a partir das
jornadas de junho de 2013, acompanhamos um crescimento significativo do uso do termo
“anticorrupção” para referir anseios e preceitos éticos relacionados à política.
O processo de significação de “anticorrupção” lembra a reflexão de Zizek sobre como
o cristianismo se tornou uma ideologia dominante, “incorporando uma série de temas e
aspiração dos oprimidos (a verdade está do lado dos humilhados e sofredores; o poder
corrompe) e rearticulando-os de forma que se tornassem compatíveis com as relações de
dominação existentes” (ZIZEK, 2016, p. 205). Retomando tal reflexão, pode-se dizer que o
termo “anticorrupção”, inicialmente usado pelos veículos jornalísticos tradicionais da mídia,
foi cooptado de tal maneira pelos movimentos de direita que “anticorrupção” passou a
significar “antipetismo”, numa associação resultante de outro efeito de sentido: o PT é
corrupto.
“Você já viu o passado dele?” (Sd11) é um questionamento feito no modo
semelhante ao de expor um boato ou uma fofoca e produz o efeito de sentido de que há algo a
esconder no passado de Haddad, mas que o MBL faz questão de revelar (de acordo com o
MBL, o passado em questão está relacionado a uma gestão ineficiente na prefeitura de São
Paulo, ao enriquecimento ilícito e a desvios de verbas públicas).
Orlandi concebe o boato como “um fato do percurso (circulação) das palavras”
(ORLANDI, 2022, p. 138). O boato parte da relação das palavras com o silêncio. Isso porque,
como prossegue Orlandi, pelo boato “dizendo de menos (não se diz “toda” a verdade, o fato
não é “completamente” significado) dizemos demais (se vai além da verdade, há dispersão de
sentidos em torno do fato)” (ibid, p. 138). A autora pontua que é pelo efeito de pré-construído
que o boato funciona, pois, “o boato está a meio caminho entre a constituição do sentido
(filiação do dizer a uma memória que não é diretamente acessível) e sua formulação ainda não
acabada (sempre estabelecida por falhas, possibilidade de diferentes versões)” (ibid, p. 139).
94

O efeito de sentido produzido na Sd11 reforça que ser contra a corrupção também
significa combater o PT e seus candidatos, uma vez que a corrupção se tornou “coisa de
petista” dentro das FDs de direita e de extrema direita. Por outro lado, em formações
discursivas opostas, como a FD de esquerda, os sentidos de “anticorrupção” postos em
circulação ainda são os que remetem ao combate de ações ilegais, troca de favores e
governança em benefício próprio.
Vê-se que a ideologia dominante não elimina a disputa de sentidos, pelo contrário,
incorpora saberes das ideologias dominadas. As ideologias dominadas também não estão
imunes às ideias das ideologias dominantes. A homogeneidade é apenas um efeito, pois
nenhuma ideologia escapa à contradição. Apesar de o sentido dominante decorrente de
“anticorrupção” estar relacionado ao antipetismo, outros sentidos referentes às ideologias
dominadas continuam em circulação no Aparelho Ideológico da Informação, pois ele abriga
tanto veículos que reproduzem os sentidos dominantes, quanto aqueles que produzem o
dissenso.
Em um livro lançado no ano de 2021, Eugênio Bucci se propõe pensar nos sites de
redes sociais em tempos de big data e algoritmos. Segundo o autor, muito além de fabricar
produtos físicos, o capital aprendeu a fabricar discursos e a comprar o olhar social “para
construir os sentidos dos signos, da imagem e dos discursos visuais que ele pretende pôr em
circulação como mercadoria” (BUCCI, 2021, p. 22). É a partir disso que se constrói a
reputação de políticos, conforme vemos na SID2, na construção da reputação do substituto de
Lula, ligando-o a denúncias de corrupção.
Silveira pontua que “os veículos jornalísticos, buscam construir para a internet em
geral, e para as mídias sociais digitais em particular, a imagem de que esses ambientes não
seriam um espaço confiável para a veiculação da ‘verdade política’” (SILVEIRA, 2015, p.
115). O jornalismo, assim, assegura ser esse espaço confiável, colocando-se como porta-voz
da verdade, mesmo que seu funcionamento seja outro, como apontarei na próxima subseção.

1.4.2 Foi jornalismo mesmo que você disse?

Quais são as fronteiras entre jornalismo e propaganda? Seria o jornalismo, sob o


pretexto de informar, uma forma desonesta de propaganda? Não se pode negar que a
propaganda, ao menos, não esconde o fato de querer vender algo ou convencer sobre alguma
95

coisa. Embora no jornalismo também se faça isso, é sempre recoberto por um efeito de
discurso ético ou efeito de verdade e de realidade, como define Indursky (2017).
Em outro artigo, Indursky traça uma comparação entre o funcionamento da imprensa e
o da publicidade: “enquanto a publicidade, sob o regime de repetibilidade, vende produtos,
marcas, moda, estilos de vida, a mídia, sob esse mesmo regime, vende narrativas jornalísticas
como se fossem fatos [...]” (INDURSKY, 2022, p. 136). Tais narrativas tanto podem
favorecer um candidato, quanto prejudicar, como foi o caso de Lula e Dilma.
No texto “Foi ‘propaganda’ mesmo que você disse?”, Michel Pêcheux ([1979] 2012a)
já lançava questionamentos sobre o funcionamento da propaganda. O fundador da AD
observou que duas pulsões movem a natureza humana. A primeira é a de sobrevivência que
regula a alimentação, a lógica, o raciocínio para atendimento de suas necessidades. A segunda
é aquela que, na opinião de Pêcheux, os marxistas-leninistas não deram a devida dimensão: a
pulsão afetiva das emoções. Assim, ao refletir sobre a Revolução Russa, Pêcheux delineia que

Lênin, o homem da ‘revolução contra o Capital’, seria assim antes de tudo um


grande psicólogo que soube reconhecer a importância da segunda pulsão e tornar em
entusiasmo revolucionário as forças de morte que esta pulsão contém, essas mesmas
forças que Hitler saberá colocar diretamente a seu serviço (PÊCHEUX, [1979]
2012a, p.78).

Freud ([1915] 1974) diferencia a chamada pulsão (traduzida em algumas de suas obras
por “instinto”) dos estímulos fisiológicos. Para Freud, o instinto (ou a pulsão) é que une os
estímulos do corpo à mente, já que o estímulo é uma necessidade e o instinto um desejo de
sua satisfação. O objetivo da pulsão é buscar satisfação, que é sempre inalcançável: o homem
nunca consegue satisfazer completamente suas pulsões. Decorre disso a relação ambivalente
de amor e ódio que permeia as pulsões, pois se o desejo nunca é satisfeito, a busca passa a ser
uma frustração.
Ao deslocarem a pulsão para o político, Guattari e Rolnik (1996) tratam da
subjetividade dos indivíduos na sociedade capitalista. Os autores acreditam que o sistema
capitalista cria diferentes formas de modalizar e disciplinar o desejo para evitar o “caos” que
ele produz e propõem “denominar desejo a todas as formas de vontade de viver, de vontade de
criar, de vontade de amar, de vontade de inventar uma outra sociedade, outra percepção do
mundo, outros sistemas de valores” (GUATTARI; ROLNIK, 1986, p. 215-216). Os dois
autores chamam a modalização dominante do desejo de subjetividade capitalística (SIC), a
qual está sempre buscando maneiras de castrar o desejo, pois “o desejo é sempre o modo de
construção de algo” (ibid, p. 216). Para Guattari e Rolnik
96

é perfeitamente concebível que um outro tipo de sociedade se organize, a qual


preserve processos de singularidade na ordem do desejo, sem que isso implique uma
confusão total na escala da produção e da sociedade, sem que isso implique uma
violência generalizada e uma incapacidade de a humanidade fazer a gestão da vida.
É muito mais a produção de subjetividade capitalística – que desemboca em
devastações incríveis a nível ecológico, social, no conjunto do planeta - que constitui
um fator de desordem considerável, e que, aí sim, pode nos levar a catástrofes
absolutamente definitivas (GUATTARI; ROLNIK, 1986, p. 217).

A modalização do desejo, ou seja, a produção de subjetividade capitalística, também


produz efeitos no campo político. Tomemos o objeto desta tese – a eleição de 2018 – para
refletir sobre a modalidade do desejo à luz da subjetividade capitalística: de um jeito “torto”,
Bolsonaro quebrou a burocracia protocolar do discurso político contemporâneo,
primeiramente, rejeitando a mídia no momento da sua candidatura, embora tenha tirado
proveito dela anteriormente, produzindo polêmicas que pautavam tanto os jornais, quanto
programas de entretenimento televisivos.
Nas eleições de 2018, sem mediação do jornalismo, por meio de seus próprios sites de
redes sociais, o candidato chamou atenção dos eleitores que se identificaram com aquilo que
chamaram de “coragem” para enfrentar o “politicamente correto”. Bolsonaro expôs uma
ordem de pulsões reprimidas, como se a repressão dessas pulsões fosse o problema e não as
doses de machismo, homofobia e racismo dos seus discursos. Tais pulsões até então
reprimidas deram origem ao ódio em todas as suas formas de materialização.
Os discursos de Bolsonaro que escancaram todo tipo de preconceito são vistos por
seus seguidores como consequência de ser “sincerão” e não ter “papas na língua”, embora
sejam da ordem de uma pulsão que causa repulsa naqueles que percebem o sintoma da
identificação dele com saberes fascistas. Se observarmos o discurso de Bolsonaro, fica
perceptível que “o nazifascismo fascina o capitão” (INDURSKY, 2020, p. 379). O sintoma
dessa identificação só não é percebido por aqueles que se identificam com os mesmos saberes,
mas fazem outra projeção imaginária deles. Projeção, essa, que, dentre outras projeções, pode
ser representada pela paráfrase: Bolsonaro é um político com coragem de falar o que pensa,
doa a quem doer.
As pulsões de Bolsonaro conduzem seus seguidores ao ódio daquilo que o presidente
define como politicamente correto: defender o meio ambiente, as causas sociais e as minorias,
por exemplo. São as pulsões de Bolsonaro que estimulam as pulsões dos seus seguidores
numa espécie de onda, funcionando como um mecanismo de força que propulsiona sua
própria expansão. Com base no que postulam Guattari e Rolnik, pode-se pensar que essa
97

substituição de sintomas – a identificação com saberes fascistas pela representação de um


político “sem papas na língua” – cria novos blocos de possibilidades, instaura a
descontinuidade.
Não obstante, quando se faz uma substituição de sintomas nesses moldes “[...] há
sempre a possibilidade de recair nos mesmos buracos negros [...]” (GUATTARI; ROLNIK,
1986, p. 221). Passada as eleições de 2018, com Bolsonaro já na presidência, Indursky analisa
que o buraco negro é o fascismo. O governo de Bolsonaro, dessa forma, “[...] põe a nu a crise
de civilização que o sistema neoliberal em seu entrelaçamento com saberes fascistas instituiu”
(INDURSKY, 2020, p. 386).
Pêcheux ([1979] 2012a) acreditava que a pulsão afetiva poderia ser controlada,
conduzida para servir a qualquer estratégia política, inclusive ao fascismo, por meio de
estratégias de propaganda que funcionam como verdadeiras armas. Tais armas podem fazer
com que os sujeitos tomem alguns caminhos e não outros. Para ele, o estado capitalista passou
a utilizar as armas das estratégias de propaganda com maestria, garantindo a reprodução das
relações de produção. E se a mídia foi o principal mecanismo do AIE da Informação para o
desenvolvimento de técnicas de propaganda travestidas de jornalismo durante muito tempo,
hoje os sites de redes sociais se tornaram o mecanismo que melhor consegue usar tais
técnicas, contanto com o auxílio dos algoritmos. Observemos o caso do recorte discursivo 2,
já analisado na seção anterior. A sequência imagético-discursiva (SID) 2 que elenca os
“crimes” de Haddad, na medida em que desconstrói o candidato, se converte numa
propaganda política para o seu adversário, Bolsonaro.
Assim, na era da comunicação de massa, surgiram novas questões para o discurso do
jornalismo político, como a que faz Courtine: “como falar para públicos que foram
constituídos como uma comunidade imaginária e dotada de interesses, desejos e emoções
comuns pela circulação de uma imprensa de massa em plena expansão?” (COURTINE, 2015,
p. 262). E a pergunta que deve ser feita hoje é: como falar com um público invisível que se
encontra nos sites de redes sociais? Um público cada vez mais disperso, heterogêneo e
determinado por filtros-bolha, uma espécie de “cercadinhos” virtuais ideológicos.
Na mídia, muitas vezes, o que lemos, vemos ou ouvimos não é outra coisa senão
propaganda com cara de jornalismo, cuja roupagem é construída por meio dos efeitos de
unicidade, de transparência da linguagem e de imparcialidade do discurso jornalístico. Como
aponta Indursky, “produz-se, nas mídias tradicionais, um simulacro de consenso, que busca
desfazer o efeito de dissenso existente” (INDURSKY, 2017, p. 85). Isso por que, conforme
98

Bucci, a busca da verdade “[...] é simplesmente incompatível com a lógica dos conglomerados
comerciais da mídia dos nossos dias” (BUCCI, 2004, p. 129).
Colocando-se entre o povo e os fatos, como observa Mariani (1998a), o discurso
jornalístico assume um lugar de interpretação. Ao selecionar as notícias da pauta e definir seu
modo de abordagem, o jornalista faz um gesto interpretativo, determinado pela linha editorial
do veículo comunicacional a que pertence. E é sobre o modo como se produzem os discursos
no Aparelho Ideológico da Informação que tratarei a seguir.
99

2 A PRODUÇÃO DOS DISCURSOS NO AIE DA INFORMAÇÃO

Quando tudo continua igual é porque os


aparelhos ideológicos de Estado funcionaram com toda
a perfeição (ALTHUSSER, [1969] 1999, p. 228).

Este capítulo tem o propósito de refletir sobre o funcionamento dos Aparelhos


Ideológicos de Estado (AIEs), especialmente sobre aquele que interessa nesta pesquisa: o
Aparelho Ideológico da Informação. Diante das novas tecnologias de informação, como
funciona o AIE da Informação hoje, quais são seus rituais, suas práticas e suas contradições
nas condições de produção da atualidade? O ponto de partida para a discussão é a teoria
proposta pelo filósofo Louis Althusser ao retomar os estudos marxistas para pensar a
existência material da ideologia. E tais reflexões exigem uma breve teorização precedente, a
qual darei início a seguir.

2.1 REFLEXÕES SOBRE A IDEOLOGIA

Compreender o funcionamento dos modos de produção e das formas através das quais
se concretizam as relações de produção na sociedade civil e suas formas de divisão é
fundamental sob a perspectiva materialista da história. Karl Marx e Friedrich Engels explicam
que

Podemos distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião, por tudo
o que se quiser. Mas eles começam a distinguir-se dos animais assim que começam
a produzir os seus meios de vida, passo este que é condicionado pela sua
organização física. Ao produzirem os seus meios de vida, os homens produzem
indiretamente a sua própria vida material (MARX; ENGELS, [1846] 1984, p. 15).

E, nas condições de produção atuais, produzir os meios de vida não está relacionado
apenas ao trabalho físico, da agricultura ao chão de fábrica, mas às novas tecnologias e aos
sites de redes sociais. Dessa forma, os homens produzem sua própria vida material a partir,
também, do virtual. Pensemos no corpus proposto para este trabalho: os jornalistas produziam
seu meio de vida de maneira bem diferente até pouco tempo atrás. Os canais de comunicação
se transformaram e a forma de fazer jornalismo também se transformou com o avanço das
inovações tecnológicas. As mudanças na produção dos meios de vida dos homens têm um
impacto sem precedentes na produção da sua vida material.
100

O modo de produção é determinado pela combinação das forças produtivas, que são as
condições materiais de produção (matéria-prima, técnicas de trabalho), com as relações de
produção, as quais consistem na organização dos trabalhadores para a produção. Na
concepção de Marx e Engels, os modos de produção interferem nas relações entre os sujeitos,
na configuração do espaço social e na própria história. Ou melhor, nas palavras dos filósofos,
“aquilo que os indivíduos são, depende, portanto, das condições materiais da sua produção”
(MARX; ENGELS, [1846] 1984, p. 15). Há poucos anos, se dizia que um sujeito era
jornalista porque corria em busca dos fatos nas ruas e produzia notícias datilografando numa
máquina de escrever em salas de redação abarrotadas e enfumaçadas e revelando fotos numa
sala escura. As condições materiais de produção mudaram e, hoje, um jornalista pode muito
bem ser aquele que não sai da tela do seu smartphone ou notebook, dentro do seu quarto,
buscando pelos fatos nos sites de redes sociais.
Em seu trabalho mais recente, Eugênio Bucci observa que os meios de produção se
tornaram ultraportáteis: “a máquina [...] pode não ser um torno mecânico, mas um
smartphone, por meio do qual o olhar ‘trabalha’: trabalha ao fixar significações no Imaginário
[...]” (BUCCI, 2021, p. 28). Os modos de produção, assim, ultrapassam a materialidade física,
constituindo o que Han chama de produção imaterial: “na produção imaterial, de um jeito ou
de outro, cada um possui seu próprio meio de produção” (HAN, 2018a, p. 15).
Conforme Althusser, “se considerarmos que toda formação social depende de um
modo de produção dominante, podemos dizer que o processo de produção utiliza as forças
produtivas existentes sob relações de produção definidas” ([1969] 1999, p. 72, grifos do
autor). Portanto, ao reproduzir suas condições de produção, uma formação social está
reproduzindo suas forças produtivas e as relações de produção nela existentes. Embora o
modo de produção tenha se transformado com o avanço das novas tecnologias, permanece
sendo um modo de produção capitalista/neoliberal, onde o sujeito trabalhador vende sua força
de trabalho em troca de pagamento, enquanto quem fica com os lucros são aqueles que detêm
o capital.
É justamente por meio deste complexo processo que Althusser define ideologia como
“[...] uma ‘representação’ da relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de
existência” (ALTHUSSER, [1971], 1985, p. 85). Ou seja, a ideologia reside na forma como as
relações de produção e o modo de produção são representados, e, sobretudo, significados, no
imaginário dos sujeitos.
Ao falar em “representações”, Althusser se ancora na psicanálise e é partindo dessas
reflexões que Pêcheux vislumbra a relação intrínseca entre ideologia e inconsciente. De
101

acordo com Pêcheux, “[...] o traço comum a essas duas estruturas, respectivamente chamadas
de ideologia e inconsciente, é o fato de elas operarem ocultando sua própria existência,
produzindo uma rede de verdades “subjetivas” evidentes [...]” (PÊCHEUX, 1996, p. 148).
Essa “ocultação” faz com que o sujeito desconheça aquilo que o determina. E é por isso que
as representações imaginárias que os sujeitos fazem das suas condições reais de existência
encobrem as próprias condições reais de existência.
As reflexões das quais parte Althusser sobre o funcionamento material da ideologia,
quando desenvolve a tese sobre os aparelhos de Estado, vêm de Marx e Engels na obra “A
Ideologia Alemã”. Nela, os filósofos concebem a ideologia como uma representação falsa da
realidade e comparam seu funcionamento com o de uma “câmara obscura”, pois da mesma
forma que a câmara inverte os objetos na retina, na ideologia “[...] os homens e as suas
relações aparecem de cabeça para baixo [...]” (MARX; ENGELS, [1846] 1984, p. 22).
Essa concepção idealista foi questionada e revista por Althusser ([1971] 1985), o qual,
na redefinição do conceito de ideologia, passa a relacioná-la ao modo como as superestruturas
produzem a alienação dos sujeitos sociais. O autor comenta que Hegel acreditava que a
ideologia estava na superestrutura da sociedade, dando à noção um aspecto negativo, como se
colocasse a realidade de cabeça para baixo. Já, para Althusser ([1971] 1985), a ideologia
funciona empiricamente nas superestruturas, no seio dos aparelhos de Estado e produz efeito
nas infraestruturas, tanto na base econômica (na reprodução das relações de produção), quanto
nas forças sociais (na alienação dos sujeitos).
Na obra “Aparelhos Ideológicos de Estado”, o autor apresenta o conceito de ideologia
em geral. Para Althusser, a ideologia em geral é uma abstração e não tem história, “é eterna,
onipresente, sob a sua forma imutável, em toda a história, a história das formações sociais de
classe” (ALTHUSSER, [1971] 1985, p.85). Ou seja, não existe a ideologia em geral, mas as
ideologias, no plural. A ideologia não tem história, enquanto as ideologias têm suas histórias
próprias.
Althusser explica, ainda, que “uma teoria das ideologias repousa, em última instância,
sobre a história das formações sociais, portanto, dos modos de produção combinados em tais
formações, e das lutas de classes que aí se desenvolvem” (ALTHUSSER, 1999, p.275).
Pensemos no modo de produção neoliberal, forma atual do capitalismo no momento atual.
Seu surgimento é decorrente de uma crise do sistema capitalista. Muito além do lugar comum,
quando se pensa no neoliberalismo, que é a retirada do Estado, a privatização dos serviços
públicos e o favorecimento de investidores estrangeiros, está “[...] a transformação da ação
pública, tornando o Estado uma esfera que também é regida por regras de concorrência e
102

submetida a exigências de eficácia semelhantes àquelas a que se sujeitam as empresas


privadas” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 272). Dessa forma, no neoliberalismo, “a fronteira
entre o Estado e poder corporativo tornou-se cada vez mais porosa” (HARVEY, 2011, p. 88).
Essa porosidade implica na retirada de direitos dos trabalhadores para beneficiar o capital. E a
precarização do trabalho, como consequência disso, fragiliza o Estado de Direito e a própria
democracia.
Os aspectos identitários da nossa formação social, desde a proclamação da República
por meio de um golpe, passando pela República Velha e pela ditadura de Getúlio Vargas,
pelos mandatos tampões até a eleição de Juscelino Kubitschek, pelo golpe militar de 1964,
pelo impeachment de Collor em 1992, o golpe contra Dilma Rousseff e a eleição de Jair
Bolsonaro em 2018, denunciam um sistema democrático frágil que flerta constantemente com
o autoritarismo, e denunciam, também, a existência de meios de comunicação que
representam uma ameaça à própria democracia. O que configura um paradoxo, pois o
funcionamento e a pluralidade dos meios de comunicação são assegurados justamente por
esse sistema democrático que defende a liberdade de expressão e de comunicação. Tal
condição se revela uma consequência do avanço do neoliberalismo, uma vez que, conforme
Wendy Brown “o sufocamento da democracia foi fundamental, e não incidental, para o
programa neoliberal mais amplo” (BROWN, 2019, p. 78).
À vista disso, sem o trabalho dos Aparelhos Ideológicos de Estado não seria possível
a instauração do modo de produção neoliberal que configura a formação social brasileira na
atualidade. Mas, o que são e como funcionam esses aparelhos? É dessa questão que parte a
próxima seção deste capítulo.

2.2 A EXISTÊNCIA MATERIAL DA IDEOLOGIA: INTRODUZINDO A TESE DOS


APARELHOS IDEOLÓGICOS DE ESTADO

A ideologia possui uma existência material, conforme Althusser ([1971] 1985). Essa
existência ocorre dentro do que o autor designa como Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE).
Os AIEs atuam na reprodução das relações de produção36, ou seja, na relação dos indivíduos

36
Cabe evidenciar que reprodução das relações de produção é assegurada de duas formas: pela ação dos AIE e
pela ação do que Althusser ([1969] 1999, p. 163) define como Aparelho Repressor do Estado. Enquanto o papel
do aparelho repressor de Estado consiste em garantir as condições de reprodução das relações de produção
103

com os meios de produção que, em nossa formação social, configuram as relações de


exploração capitalistas/neoliberais.
A designação “Estado” pode até confundir os mais desavisados e, por isso mesmo,
Althusser reitera que “o Estado, que é o Estado da classe dominante, não é nem público nem
privado, ele é ao contrário a condição de toda distinção entre o público e o privado”
(ALTHUSSER, [1971] 1985, p. 69).
Nas condições de produção atuais, tal relação é quase indistinta. É fato que a formação
social brasileira em nossos dias é determinada pelo modo de produção neoliberal. Grandes
empresários apoiaram o golpe contra Dilma e apostaram as fichas num candidato que poderia
implementar medidas neoliberais que lhe trouxessem vantagens, tal como a reforma
trabalhista que precarizou as condições de trabalho. Presenciamos, ainda, a precarização dos
serviços públicos, principalmente nas áreas da saúde e da educação com pacotes de
privatizações que contribuem para que essa indistinção entre público e privado, própria do
neoliberalismo, se acentue ainda mais, afetando os AIE.
Dessa forma, instituições consideradas “privadas” podem funcionar como aparelhos
ideológicos do Estado. A chamada grande mídia brasileira (veículos de grande porte e
circulação), por exemplo, é permeada pela relação público X privado. Da mesma forma que
os jornais impressos e sites jornalísticos, os canais abertos de televisão e as emissoras de rádio
são privados (no sentido de que são organizados e comandados por famílias, empresas ou
determinados grupos e associações). Contudo, tanto os canais de televisão abertos, quanto as
emissoras de rádio necessitam de uma concessão pública que autoriza seu funcionamento por
um período de tempo determinado e que precisa ser renovada após esse período. Se a
autorização é concedida pelo Estado, as chances de um canal ou emissora radiofônica que não
estejam alinhadas à ideologia dominante conseguirem uma concessão são bem remotas.
Com os jornais e sites jornalísticos a relação é um pouco diferente. Não há
necessidade de uma concessão pública, mas aí outras questões são determinantes, tais como as
verbas públicas de publicidade. Novamente, a tendência é que o Estado anuncie em veículos
que estejam ao seu serviço. Podemos partir dessa relação entre Estado e veículos de

através da força e da violência (com agentes da polícia, do Exército e das Forças Armadas), aos aparelhos
ideológicos de Estado cabe à formação e o “enquadramento ideológico”. Quando veículos da mídia não servem
aos interesses da ideologia dominante, o aparelho repressivo pode ser acionado. Esse é o caso de governos
ditatoriais, como o regime militar ocorrido no Brasil. Os dois aparelhos (ARE e AIE) funcionam através da
ideologia e da repressão, mas o que caracteriza um ARE é a predominância da violência. Se um aparelho
repressivo bate, tortura, tira a liberdade e mata, um aparelho ideológico silencia, exclui o diferente. Nele, a
violência é simbólica. Ademais, numa sociedade democrática, o controle dos meios de comunicação se dá
predominantemente pelos aparelhos ideológicos.
104

comunicação privados para pensar na definição de mídia alternativa: veículos que questionam
o Estado e seus interesses. Uma discussão que brevemente lanço aqui, mas que pretendo
retomar mais à frente, no capítulo 5 desta tese.
Há sempre uma correlação de forças nos aparelhos: enquanto a classe dominante
impõe a sua ideologia, as classes dominadas exercem resistência à dominação (embora, nas
condições de produção das eleições de 2018, essa resistência não tenha se manifestado de
forma incisiva). O surgimento da ideologia neoliberal produziu efeitos dentro dos AIE, mas
não sufocou o funcionamento das ideologias socialista, conservadora, monarquista, etc.
Retornando ao corpus desta pesquisa, percebe-se que a existência de veículos jornalísticos
identificados à ideologia dominante não impede o surgimento de veículos cuja identificação
se dá com ideologias que se contrapõem à dominante, dentro do AIE da Informação.
Orientados por bases ideológicas antagônicas, esses veículos estão em constante relação de
força e tensão no AIE.
Dessa forma, é preciso não incorrer no erro de atribuir uma única ideologia a cada
classe social, pois isso implicaria considerar a luta de classes como o simples confronto de
uma ideologia com outra, onde a mais forte venceria e dominaria a mais fraca. Pensar a
ideologia e a luta de classes a partir deste gesto de interpretação é ignorar as contradições que
permeiam todo esse processo. É por essa razão que Pêcheux reitera que

“A ideologia da classe dominante não se torna dominante pela graça do céu” ... o
que significa que os AIE não são a expressão da dominação da ideologia dominante,
isto é, da ideologia da classe dominante (deus sabe de onde a ideologia dominante
tomaria, então, a sua supremacia!), mas eles são o lugar e o meio de sua realização:
“... é pelo estabelecimento dos AIE, onde essa ideologia (a ideologia da classe
dominante) é realizada e se realiza, que ela se torna dominante ...” (PÊCHEUX,
[1984] 2014b, p. 4).

Vejamos o funcionamento do AIE da Informação. É porque os veículos passam a


reproduzir um determinado sentido ligado à ideologia dominante que ele se torna dominante.
Os veículos são uma engrenagem do Aparelho da Informação para a produção/reprodução da
ideologia dominante. Por outro lado, Pêcheux destaca que “os aparelhos ideológicos de estado
constituem, simultânea e contraditoriamente, o lugar e as condições ideológicas da
transformação das relações de produção (isto é, da revolução, no sentido marxista-leninista)”
(PÊCHEUX [1975], 1995, p. 145). Outrossim, tais condições ideológicas contraditórias da
reprodução/transformação das relações de produção “são constituídas num momento
histórico dado e por uma formação social dada, pelo conjunto complexo dos AIE que essa
formação social comporta” (PÊCHEUX, [1984] 2014b, p. 4). Se não se pode atribuir uma
105

ideologia para cada classe social, é porque cada classe pode estar afetada por diferentes
ideologias ao mesmo tempo. E é por esse motivo que a AD não trata “da” ideologia, mas “das
ideologias”, no plural. Para Pêcheux

A Ideologia não se reproduz na forma geral de um Zeitgeist (espírito do tempo,


"mentalidade" de uma época, "hábitos de pensamento" etc.) que se imporia de
maneira igual e homogênea à sociedade, considerada como um espaço anterior à luta
de classes: "Os AIE não são a realização da Ideologia em geral ..." (PÊCHEUX,
[1984] 2014b, p. 3).

Isso implica dizer que não existe uma única ideologia da classe dominada ou uma
única ideologia da classe dominante e, também, que não existe uma ideologia da mídia. Os
veículos podem se identificar com ideologias diversas. Ou melhor, um veículo de um grande
conglomerado da mídia pode ter um posicionamento que se contrapõe à ideologia dominante,
do mesmo modo que um veículo alternativo pode se identificar com a ideologia dominante.
Diferentes ideologias estão em relação de força e antagonismo no AIE da Informação,
produzindo efeitos diferentes. O funcionamento da ideologia se dá sempre pela contradição:
veículos da mídia tanto podem reproduzir efeitos de sentido que fogem dos dominantes,
quanto podem reproduzir sentidos dominantes.
É o caso do recorte a seguir.
106

Recorte discursivo 3 – Ideologia e contradição

Sequência imagético-discursiva (SID) 3

Fonte:
<https://www.facebook.com/page/1754956431459064/search/?q=lava%20jato%20%C3%A9
%20de%20direita>.

SD12
É medíocre achar que a Lava Jato é de direita.

Embora ainda seja incipiente37 situar um lugar para os veículos dentro do AIE da
Informação, The Intercept Brasil, por sua linha editorial, não pode ser considerado um veículo
de um grande conglomerado midiático que se identifica com uma FD de direita. A sequência
imagético-discursiva (SID) 3 foi listada pelo algoritmo do Facebook na busca pela palavra-
chave “Haddad candidato”, no mês de setembro de 2018. Apesar de não remeter aos termos
pesquisados e apontar para um ponto de ruptura no funcionamento algorítmico, o que mais
chamou atenção foi a SID3 ter sido publicada trazendo como manchete a Sd12. Os leitores do
veículo também estranharam e apontaram a contradição nos comentários. “Que tá
acontecendo com o Intercept?38” pergunta um dos seguidores.

37
Tratarei dos lugares dos veículos dentro do AIE da Informação conforme as FDs com as quais se identificam
no capítulo 5.
38
Os comentários podem ser conferidos no link do post referente à sequência imagético-discursiva (SID) 3:
107

A escolha de um trecho da entrevista com o procurador da Lava Jato, Carlos Fernando


dos Santos Lima, como título da matéria (Sd12), não foi aleatória, afinal, não existe sujeito
fora da ideologia. A escolha da manchete e, substancialmente, a escolha de uma entrevista
com um procurador da Lava Jato às vésperas de uma eleição cujo resultado seria diretamente
determinado pela operação que prendeu o líder das pesquisas, sem provas concretas,
significam. Dar espaço e voz aos algozes – juiz e promotor – que mudaram os rumos de uma
eleição presidencial em vez de dar voz a quem foi prejudicado no processo é efeito do
funcionamento ideológico e expõe que não há como pensar a ideologia como um conceito
fechado e homogêneo. Afinal, espera-se uma entrevista e uma manchete (Sd12) como a da
SID3 em um veículo afetado por uma FD de direita ou por uma FD de extrema-direita, não de
um veículo considerado alternativo, afetado por uma FD de centro-esquerda39.
Depreende-se, assim, que as ideologias estão em constante relação de força dentro dos
AIE e que o funcionamento dos aparelhos não é estanque. Em “Remontemos de Foucault a
Spinoza”, Pêcheux ([1977] 2011, p. 245-260) diz que a ideologia deve ser entendida como
“dois mundos em um só” e que “toda prática da luta de classes 40 sobre o terreno da ideologia
vem confirmar que uma ideologia não é idêntica a si mesma, ela só existe sob a modalidade
da divisão, ela só se realiza na contradição que organiza nela a unidade e a luta dos
contrários” (PÊCHEUX, [1977] 2011, p. 255). Assim, o recorte discursivo 3 aponta para a
existência de “dois mundos em um só” e é indício de que há espaço para a contradição.
Ora, os modos de produção sofreram transformações radicais desde Marx e Engels aos
nossos dias. A internet causou um impacto sem igual nas condições materiais de produção dos
homens. Os trabalhadores não estão somente no “chão de fábrica”, mas divididos e
espalhados também por atividades de trabalho online ou em startups. As mudanças impostas
pelas condições de produção da contemporaneidade foram determinantes para o
estabelecimento do corpus desta pesquisa, afinal, o modo de fazer jornalismo, o lugar social

<https://www.facebook.com/page/1754956431459064/search/?q=lava%20jato%20%C3%A9%20de%20direita>.
39
Registro que, posteriormente, em 9 de junho de 2019, The Intercept Brasil divulgou os primeiros textos de
uma série sobre o vazamento de conversas realizadas através do aplicativo Telegram entre o então juiz Sérgio
Moro, o então promotor Deltan Dallagnol e outros integrantes da Operação Lava Jato. Nessas conversas,
reveladas ao veículo por um hacker, fica evidente a parcialidade da justiça na condução da Lava Jato, seja nas
instruções de Moro a Dallagnol sobre a condução do processo, ou nas falas sobre como impedir a vitória do PT
nas eleições de 2018. Essa cobertura jornalística culminou na investigação que ficou conhecida como a Vaza
Jato.
40 Cabe mencionar que a luta de classes que se passa dentro dos aparelhos ideológicos de Estado é da ordem da
superestrutura, mas é a infraestrutura, em última instância e através do que ocorre com as forças produtivas e as
relações de produção, que determina o que se passa na superestrutura. As transformações da sociedade
impuseram mudanças nos aparelhos, mas a luta de classes permanece como o motor que faz toda a engrenagem
funcionar.
108

do jornalista e a imagem que se faz desse lugar já não são mais os mesmos. Especialmente, as
formas de circulação da informação são totalmente diferentes se comparadas a apenas uma
década atrás. Tudo isso também provocou mudanças no funcionamento do Aparelho
Ideológico da Informação, como veremos a seguir.

2.3 O AIE DA INFORMAÇÃO

A mídia sempre foi um importante pilar na manutenção da reprodução das relações de


produção da formação social brasileira, reproduzindo a ideologia dominante dentro do
Aparelho Ideológico da Informação.
Nesse ponto, chamo atenção para as transformações nos modos de produção da
sociedade capitalista que também tiveram impacto na formação social brasileira. Qualquer
análise que não considerar as mudanças em torno das transformações tecnológicas está fadada
a ser considerada ultrapassada. Em pouco tempo, as maneiras de se comunicar e de buscar e
receber informação se transformaram radicalmente. Se, até o início do século anterior,
dependíamos da editoração lenta dos jornais impressos, cuja circulação e reprodução era
bastante limitada, hoje tudo está à distância de um clique numa tela. Vivemos na chamada
sociedade da informação, cujo desenvolvimento se dá numa velocidade frenética e cujos
impactos no Aparelho Ideológico da Informação são sem precedentes.
Sérgio Amadeu da Silveira na obra “Tudo sobre tod@s: redes digitais, privacidade e
venda de dados pessoais” comenta que

As sociedades informacionais são sociedades pós-industriais que têm a economia


fortemente baseada em tecnologias que tratam informações como seu principal
produto. Portanto, os grandes valores gerados nessa economia não se originam
principalmente na indústria de bens materiais, mas na produção de bens imateriais,
aqueles que podem ser transferidos por redes digitais. Também é possível constatar
que as sociedades informacionais se estruturam a partir de tecnologias cibernéticas,
ou seja, tecnologias de comunicação e de controle, as quais apresentam
consequências sociais bem distintas das tecnologias analógicas, tipicamente
industriais (SILVEIRA, 2017, n.p).

As tecnologias da informação alteraram os fluxos logísticos e a distribuição de


produtos, principalmente na área midiática, além de instaurarem novos modos de controle,
pois, ao contrário das máquinas de escrever, os computadores e demais dispositivos
eletrônicos podem ser rastreados, identificados, gerando registros de dados que ficam
armazenados e podem ser utilizados para diferentes fins. Sobre os fluxos, na era da
109

comunicação de massa, o controle estava bem delimitado e reservado a quem detinha os


grandes canais/veículos de comunicação, cujo poder de abrangência era maior.
Até bem pouco tempo atrás, a Rede Globo dominava os meios de comunicação no país
com uma audiência televisiva estrondosa e a detenção de jornais e revistas de prestígio que
figuravam entre os mais lidos. A internet balançou essa estrutura de poder ao possibilitar o
surgimento de veículos alternativos de fácil acesso e, principalmente, possibilitar que os
sujeitos se transformassem, também, em produtores de informação. A estrutura dos sites de
redes sociais, por sua vez, cria a ilusão de que não há mais mediação entre o público e a
informação, a qual era exercida tradicionalmente pelo jornalismo. Uma ilusão, pois os sujeitos
não veem a mediação tecnológica, cujo processo ocorre de forma invisível.
Tão logo as grandes redes de comunicação perceberam o potencial da internet,
passaram a investir na plataforma, irradiando seus conteúdos e espraiando-se por ela.
Adaptaram seu modo de produção para dar continuidade à reprodução das relações de
produção dentro do aparelho.
Mas as formas de produção e de controle, tão bem definidos, já não funcionam da
mesma maneira. E apesar de as grandes corporações midiáticas (e as pequenas iniciativas
também) terem se adaptado, não conseguiram impor seu modo de produção. Ao contrário do
que possa parecer, o comando foi assumido por jovens e suas empresas de garagem do Vale
do Silício nos Estados Unidos que marca a fusão entre tecnologia da informação e
capitalismo. Aí está a principal transformação pela qual passou o Aparelho Ideológico da
Informação. Os algoritmos vieram para embaralhar os fluxos de comunicação, mexer com as
estruturas de poder e dominância dentro do aparelho. O comando, hoje, está com os
algoritmos e com quem detém suas programações.
De qualquer forma, por mais que as condições de produção no aparelho da informação
tenham se modificado diante das transformações tecnológicas, o papel dos Aparelhos de
Estado continua o mesmo: assegurar a reprodução das suas condições de produção e suas
relações de produção pelo funcionamento da ideologia. Ou seja, se trata de assegurar a
manutenção do sistema capitalista e a dominância da ideologia neoliberal, o que implica num
funcionamento ideológico que silencia contradições e apaga pontos de vista dissidentes.
No Aparelho Ideológico da Informação, circulam efeitos de sentido repetíveis e/ou
complementares que represam sentidos-outros para, de forma bem generalista, impedir que
outras ideologias que se contrapõem à capitalista/neoliberal assumam a dominância. Mas,
para tanto, é necessária uma aliança entre FDs e AIEs, como a que ocorreu entre o AIE da
Informação e o AIE jurídico na condenação e prisão de Lula, ou como a que ocorre entre o
110

AIE da Informação e o AIE religioso na disseminação do moralismo e preceitos das igrejas


neopentecostais na campanha eleitoral de 2018 (como foi exposto no Recorte Discursivo 1).
Conforme a reflexão mais recente de Eugênio Bucci (2021), desde que a televisão se
massificou, as “mercadorias corpóreas” estão sendo relegadas e “o que assumiu lugar de
destaque, ou o primeiro plano, foi outra espécie de mercadoria, que não tem corpo físico
palpável: os signos, sejam eles imagens, sejam palavras” (BUCCI, 2021, p. 21). É o que o
autor chama de mutação das relações de produção, na qual o capitalismo se especializa em
explorar o olhar: “por meio disso, o capital avança sobre as subjetividades e sobre as
subjetivações” (ibid, p. 24). Nas condições de produção atuais, nossos dados são mercadoria e
os sujeitos também se tornaram mercadoria. Um efeito direto do avanço do neoliberalismo.
Sobretudo, nossos pensamentos, preferências e subjetividades se tornam mercadoria. No
neoliberalismo em tempos de sites de redes sociais, os sujeitos são convertidos não somente
em mercadoria, mas em capital eleitoral.
A partir do momento que o neoliberalismo se torna a ideologia dominante, os AIE
passam a funcionar a fim de assegurar a manutenção dos meios e relações de produção para a
reprodução do neoliberalismo. Especialmente o AIE da Informação, cujos veículos
identificados e afetados pela ideologia dominante naturalizam a ideia da “mão invisível do
mercado” e do empreendedorismo.
Se a mídia naturaliza sentidos, os preceitos neoliberais foram naturalizados e
cristalizados como verdade e único modo de vida possível na sociedade, levando os sujeitos a
se submeterem ao novo sistema.
Após a discussão e a teorização sobre os aparelhos de Estado e suas transformações na
contemporaneidade, chegou o momento de tratar sobre o funcionamento da ideologia dentro
dos aparelhos. Desse modo, na seção 2.4 serão tratadas as noções constitutivas da teoria e que
são imprescindíveis para refletir sobre os AIE: ideologia, assujeitamento, formação ideológica
e formação discursiva.

2.4 DO FUNCIONAMENTO DA IDEOLOGIA NOS APARELHOS: A INTERPELAÇÃO E


A TOMADA DE POSIÇÃO

A ideologia, como reflete Althusser ([1971] 1985), só tem existência material dentro
dos aparelhos. É por isso que, para entender o funcionamento da ideologia, é preciso pensar
111

no processo de interpelação, pois os indivíduos (empíricos) só se tornam sujeitos quando


interpelados pela ideologia.
Nas palavras de Althusser, ([1971] 1985, p. 90), “toda ideologia interpela os
indivíduos concretos enquanto sujeito concretos”. Partindo das teorizações de Althusser,
Michel Pêcheux considera que é pela ideologia que o sujeito se reconhece como sujeito e
reitera que “só há prática através de e sob uma ideologia; só há ideologia pelo sujeito e para
sujeitos” (PÊCHEUX, [1975] 1995, p. 149, grifo do autor).
No processo de assujeitamento, o sujeito esquece as causas que o constituem como tal,
ou, para citar Pêcheux, “‘esquece’ das determinações que o colocaram no lugar que ele ocupa
[...]” (ibid, p.158). A ideologia, dessa forma, produz um efeito de evidência subjetiva na qual
o sujeito se constitui como sujeito.
Quando interpelado, o sujeito se identifica a determinados efeitos de sentido que
considera evidentes. Pensemos na relação entre o AIE da Informação e a ideologia neoliberal,
que é a dominante: para um veículo afetado pela ideologia dominante, é evidente que os
preceitos da ideologia neoliberal são os mais adequados para o desenvolvimento da sociedade.
Os sujeitos que comandam esses veículos estão assujeitados à ideologia neoliberal de tal
forma que nem se dão conta de questionar seus preceitos e se escandalizam com a
possibilidade de que esse efeito de evidência do sentido não tenha o mesmo funcionamento
para outros sujeitos de outros veículos de comunicação, especificamente os alternativos,
dentro do mesmo AIE da Informação.
O processo de interpelação se dá por meio do que Pêcheux concebe como formações
ideológicas. Uma formação ideológica (FI), de acordo com Pêcheux e Fuchs ([1975] 1993b),
é como uma força em confronto com outras. Cada FI se constitui como um conjunto
complexo de representações que correspondem aos interesses de determinada formação social
e abriga, em seu interior, relações contraditórias entre a formação social e os aparelhos
ideológicos que essa FI comporta. É a noção de FI que permite pensar o trabalho das
ideologias no campo da práxis, pois é a FI que estabelece as relações de força dentro dos AIE.
Outrossim, é pela linguagem que são identificadas as formações ideológicas. Se os
processos discursivos desencadeiam os efeitos de sentido, é pela língua que esses efeitos são
produzidos. Em vista disso, Pêcheux retoma a reflexão de Michel Foucault sobre formações
discursivas para reformulá-la a partir de uma concepção materialista. Para Foucault (2005), as
formações discursivas se constituem a partir de determinadas regularidades, formando
conjuntos de enunciados dispersos, mas que se referem a um mesmo objeto. Por sua vez,
Pêcheux entende que as formações discursivas são as projeções das formações ideológicas na
112

linguagem. As formações ideológicas “comportam necessariamente, como um dos seus


componentes, uma ou varias formações discursivas interligadas que determinam o que pode e
o que deve ser dito [...] a partir de uma posição dada numa conjuntura” (PÊCHEUX; FUCHS,
[1975] 1993b, p. 166). Trata-se de uma relação de interdependência, pois “as formações
discursivas intervêm nas formações ideológicas enquanto componentes” (ibid, p.167), embora
não exista relação simétrica entre FI e FDs: uma FI pode desdobrar-se em várias FDs e uma
mesma FD pode ser determinada por mais de uma FI, por isso é um lugar de tensão.
E, se no aparelho ideológico da informação coexistem diferentes efeitos de sentido, é
porque nele existem posicionamentos diversos inscritos em formações ideológicas e
discursivas diversas, uma vez que “o sujeito não escolhe um modo pelo qual será interpelado.
Ele é interpelado porque é afetado pelas determinações históricas e inconscientes”
(MARIANI, 1998a, p. 90).
A partir da interpelação, os sujeitos podem tomar posições sob diferentes modalidades.
Ao tratar dessas modalidades de desdobramento do sujeito no discurso, Pêcheux ([1975]
1995) trata da relação do sujeito com a forma-sujeito de uma FD. A identificação do sujeito
do discurso com uma determinada FD se dá pela forma-sujeito, que é o sujeito Universal, o
sujeito do saber de uma FD. Apesar do efeito de ilusão de uma FD fechada, com limites bem
demarcados, e do efeito imaginário de unicidade do sujeito, quando Pêcheux introduz as
modalidades de tomada de posição traz à tona a porosidade das fronteiras das FDs que resulta
na divisão do sujeito. Ou seja, a FD configura-se em sua heterogeneidade.
A primeira modalidade proposta por Pêcheux é a da superposição que leva a um
recobrimento do sujeito universal pelo sujeito da enunciação. Conforme Pêcheux,

A identificação caracteriza a modalidade na qual o desdobramento sujeito/Sujeito se


realiza numa coincidência: o sujeito coincide com o Sujeito, o indivíduo interpelado
em sujeito se assujeita livremente ao Sujeito e "caminha sozinho", conforme a
expressão de Althusser, reconhecendo o estado de coisas existente (das Bestehende),
com a convicção de que "é bem verdade que ele é assim e não de outro jeito")
(PÊCHEUX, [1984] 2014b, p. 7-8).

Esta primeira modalidade é a da identificação plena do sujeito do discurso com a


forma-sujeito da FD que o domina, por esse motivo foi chamada de discurso do “bom
sujeito”. Assim, conforme Indursky (2008), o “bom sujeito” não é o que se identifica
plenamente com uma FD, reduplicando seus saberes, mas o que se identifica com a posição-
sujeito dominante em relação às demais posições em que a forma-sujeito se fragmenta. O
“bom sujeito” se constitui como um “efeito-sujeito” (INDURSKY, 2008, P. 13).
113

Efeito, esse, que permeia a maior parte dos recortes analisados, os quais tendem à
repetibilidade de sentidos que podem e devem ser ditos na formação discursiva em que os
veículos se inscrevem.
Observemos o recorte discursivo41 a seguir, resultante da pesquisa pela palavra-chave
“facada Bolsonaro”, relacionado ao marco temporal do atentado contra Bolsonaro, nas
fanpages dos veículos selecionados para esta pesquisa, tendo como referência o mês de
setembro de 2018.

Recorte discursivo 4 – Atentado eleitoral

Sequência imagético-discursiva (SID) 4

Fonte: https://www.facebook.com/estadao/posts/2757717170909994

SD13
A facada em Bolsonaro atinge uma pessoa, o líder nas pesquisas e a própria eleição.

41
No total, foram selecionados dez posts resultantes da pesquisa pelas palavras-chaves “facada Bolsonaro” em
setembro de 2018: dois de Estadão; dois de O Globo; dois de O Antagonista; dois de El País; um de The
Intercept Brasil; e um de Jornalistas Livres. Para integrar esta análise, considerei os mais representativos e que
melhor expõem as contradições entre as formações discursivas e ideológicas presentes no arquivo construído
para esta tese.
114

Sequência imagético-discursiva (SID) 5

Fonte: <https://www.facebook.com/oantagonista/posts/1039387006252207>

SD14
(O Antagonista) - Os quatro advogados do servente de pedreiro42
Adélio Bispo de Oliveira participou da audiência de custódia que terminou há pouco
acompanhado de quatro advogados, segundo o deputado Fernando Francischini.
Nenhum dos defensores do autor do atentado a Jair Bolsonaro quis falar com a imprensa na
saída.
Quem banca a banca?

42
Fonte: <https://www.oantagonista.com/brasil/os-quatro-advogados-do-servente-de-pedreiro/>.
115

Sequência imagético-discursiva (SID) 6

Fonte: <https://www.facebook.com/jornaloglobo/posts/2293630014009998>.

SD15
Homem que esfaqueou Bolsonaro frequentou mesmo clube de tiro dos filhos do candidato

Nas sequências imagético-discursivas (SID) 4 e 6 chama atenção a falta de uma


imagem ilustrativa. No lugar da imagem, há uma marca de que ali seria um espaço reservado
para inseri-la. Consultei profissionais que trabalham com o desenvolvimento de sites de redes
sociais e há, pelo menos, duas explicações para a falta da imagem. A primeira delas está
relacionada à possibilidade de as dimensões da imagem estarem fora do padrão do Facebook.
Ou, ainda, algo deu errado com o código da programação no momento da publicação. Mesmo
assim, os posts foram publicados e mantidos, ignorando a falha da técnica num gesto que
prioriza o discurso escrito frente ao imagético.
Na Sd13 (SID4 de Estadão) e Sd14 (SID5 de O Antagonista) sobre a facada em
Bolsonaro, o efeito-sujeito está em funcionamento. A Sd13 (SID4 de Estadão) marca o efeito
de sentido de uma regularização: a facada foi um atentado à eleição, um golpe para mudar seu
curso.
Além disso, na Sd13, se produz o efeito de sentido de que a facada atinge três
diferentes alvos: uma pessoa; o líder nas pesquisas; e a eleição. No entanto, observadas as
116

condições de produção do enunciado, pode-se dizer que são dois alvos – o sujeito candidato e
o sistema eleitoral – o que ocorre é que, além de serem dois alvos, o sujeito candidato é
atingido em dois diferentes lugares: no lugar de homem comum (sujeito ordinário) ferido por
uma facada, e no lugar de candidato à presidência que sofreu um atentado. As eleições foram,
de fato, atingidas pela facada, pois, ao mesmo tempo em que o atentado representou uma
ameaça ao sistema democrático, também funcionou como álibi para Bolsonaro não
comparecer aos debates, se esquivar dos confrontos e fortalecer a narrativa de que ele é
diferente dos demais, por isso tentaram eliminá-lo.
A formulação da Sd13 (SID4) parte de um pré-construído de que uma facada é grave
e, se for desferida num deputado que é líder das pesquisas para a presidência da República, é
ainda mais grave: representa uma ameaça ao próprio sistema democrático.
O efeito de sentido dessa ameaça à democracia também está presente na Sd14 (SID5
de O Antagonista) que levanta o questionamento sobre quem financiou e ordenou o atentado,
partindo de um pré-construído de que o atentado é político: portanto, uma grave ameaça à
democracia.
Na subsequência – “Os quatro advogados do servente de pedreiro” – recortada da
Sd14, há a determinação do acusado pelo atentado conforme sua profissão: servente de
pedreiro. E ao determiná-lo por seu lugar social, como servente de pedreiro, tal determinação
remete discursivamente à impossibilidade de um sujeito com essa profissão ter quatro
defensores legais. Impossibilidade, essa, que leva a crer que um outro sujeito está bancando os
quatro advogados.
A subsequência – “Quem banca a banca” – (Sd14) encerra a matéria deixando a
hipótese em suspenso. Há uma atualização de uma memória discursiva ligada à violência e à
barbárie, quando atentados políticos eram práticas recorrentes para eliminação de adversários.
Quem poderia bancar a banca, senão poderosos políticos? E quem teria interesse em eliminar
um candidato bem posicionado nas pesquisas, senão seus adversários diretos? Fica implícito,
na Sd14, que o atentado é político. E, se o atentado é político, representa uma ameaça ao
sistema eleitoral e não somente ao sujeito Bolsonaro.
Sobretudo, está aí em funcionamento o efeito-sujeito dessa rede de repetibilidade
instaurada pela mídia própria da FD de extrema-direita na qual Estadão e O Antagonista estão
inscritos. Na Sd13 (SID4) e Sd14 (SID5) há apenas uma direção de sentido, a que denuncia a
facada em Bolsonaro como uma ameaça à democracia, transferindo toda a violência para o
sistema eleitoral. Assim, há uma tomada de posição numa mesma FD, a de extrema-direita.
117

Na Sd15 (SID6 de O Globo) há um novo efeito de sentido que vem ressignificar a


facada: a possibilidade de o acusado conhecer os filhos do candidato Bolsonaro. Enquanto a
Sd13 (SID4 de Estadão) e Sd14 (SID5 de O Antagonista) tratam o atentado como uma
ameaça à democracia, a Sd15 (SID6 de O Globo) muda a perspectiva. O foco não é mais o
sujeito candidato que sofreu o atentado, nem o lugar social de “servente de pedreiro” ocupado
pelo sujeito que desferiu a facada (como referido na Sd14), mas de um novo lugar atribuído a
Adélio: colega dos filhos de Bolsonaro no mesmo clube de tiro. Um novo lugar que não é
discursivo, tampouco social, mas construído e discursivizado na SID6. A construção desse
lugar vai projetando a posição-sujeito que o veículo assume, numa FD de Direita,
distinguindo-o dos demais, como veremos a seguir.
A Sd14 produz um efeito de sentido que dirige as suspeitas para os políticos
adversários (sendo o principal deles, o candidato do PT), já a Sd15 insinua que Adélio poderia
conhecer os filhos de Bolsonaro, pois frequentou o mesmo clube de tiro. Essa mudança de
foco abre muitas possibilidades de gestos de leitura, incluindo o gesto feito por parte do
eleitorado da oposição à campanha Bolsonarista, o qual põe em dúvida a veracidade do
atentado.
O que difere a Sd14 (SID5 de O Antagonista) da Sd15 (SID6 de O Globo) é o efeito
paradoxal produzido pela Sd15. Um efeito que, a princípio, causa estranhamento e remete a
um pré-construído de desconfiança, ligado a um sentido dissidente que circula em veículos
inscritos numa formação discursiva de esquerda, cujos saberes são distintos da FD de direita
na qual O Globo se inscreve e, por isso mesmo, se trata de um efeito paradoxal. Aí está o
“mau-sujeito” de que trata Pêcheux, a segunda modalidade de subjetivação, a qual implica no
distanciamento, na separação entre o sujeito da enunciação e o sujeito universal. Nas palavras
de Pêcheux, “Introduzi, assim, o termo contraidentificação para caracterizar esse processo
ideológico de não-coincidência, no qual as evidências empíricas singulares se separam da
evidência universal [...]” (PÊCHEUX, [1984] 2014b, p. 8, grifos do autor).
Consequentemente, o “mau-sujeito” pode ser representado por várias posições-sujeito e não
apenas por uma dentro de uma formação discursiva.
E é a modalidade que Pêcheux ([1984] 2014b) chamou de contra-identificação que
pode provocar o estranhamento dentro de uma FD, introduzindo o diferente por meio de uma
nova tomada de posição, como ocorre com a Sd6 (de O Globo). O veículo não rompe com sua
formação discursiva de origem, a FD de diretita, mas novos efeitos de sentido passam a
circular dentro dessa FD. Indursky observa que “é porque o ritual é sujeito a falhas que o
118

sujeito pode se contra-identificar com os saberes de sua formação discursiva e passar a


questioná-los” (INDURSKY, 2005, p. 9).
Por outro lado, os posicionamentos de Estadão e de O Antagonista reforçam o
discurso do candidato Bolsonaro como vítima de um atentado político, principalmente O
Antagonista, ao lançar as suspeitas contra os adversários. Dessa forma, há uma identificação
com o posicionamento de Bolsonaro, apontando para uma identificação com a FD de
extrema-direita.

Recorte discursivo 5 – “Fakeada”43

Sequência imagético-discursiva (SID) 7

Fonte: <https://www.facebook.com/elpaisbrasil/posts/1984793064913967>.

SD16
(El País Brasil): Dúvida sobre veracidade do ataque a Bolsonaro movimenta as redes sociais

43
Termo utilizado por parte do eleitorado da oposição ao candidato Jair Bolsonaro que duvidou sobre a
veracidade do atentado por ele sofrido em 6 de setembro de 2018.
119

Sequência imagético-discursiva (SID) 8


120

Fonte: <https://www.facebook.com/jornalistaslivres/posts/880204892103389>.

SD17
(Jornalistas Livres): É preciso apurar com rigor o ocorrido com o candidato Jair Messias
Bolsonaro
121

SD 18
(Jornalistas Livres): O presidenciável colocou a mão sobre o local que teria sido atingido pelo
instrumento perfuro-cortante. Mas nenhuma mancha de sangue foi vista em milhares de
imagens, vídeos e fotos, registradas no local e no próprio instante da agressão

Sequência imagético-discursiva (SID) 9

Fonte: <https://www.facebook.com/TheInterceptBr/posts/2218552601766109>.

SD19
(The Intercept Brasil): Não há dúvidas de que Bolsonaro é vítima de um crime

SD 20
(The Intercept Brasil): Mas é preciso dizer algumas coisas

A Sd16 (SID7 de El País) e Sds 17 e 18 (SID8 de Jornalistas Livres) convocam um


pré-construído de dúvida da narrativa sobre o atentado. Trata-se de outro processo de
construção de sentido, ligado a uma formação discursiva de esquerda, cujo saber permeia a
nova posição-sujeito instaurada por O Globo dentro da FD de direita.
Na Sd16 (SID7) a palavra “dúvida” evidencia os debates sobre o atentado que
circularam nas redes. Da mesma forma, nas Sds 17 e 18 (SID8) tem-se o efeito de sentido que
remete ao pré-construído de uma suspeita, de uma desconfiança quanto à narrativa oficial da
equipe de assessoria do candidato e que circulou na mídia. Efeito que também foi identificado
na Sd15 (SID6 de O Globo), embora as tomadas de posição desses veículos partam de
122

formações discursivas diferentes: por um lado, as Sds 16, 17 e 18 apontam para uma FD de
centro-esquerda; enquanto que a Sd15 aponta para uma FD de direita.
Enquanto as Sds 17 e 18 (SID8 de Jornalistas Livres) convocam um imaginário
associado à desconfiança e a suspeita de que o atentado possa ser um estratagema político, as
Sds 19 e 20 (SID9 de The Intercept Brasil) de antemão convocam outro tipo de imaginário: o
de uma teoria da conspiração.
Diferentemente das Sds 17 e 18 (SID8 de Jornalistas Livres), as Sds 19 e 20 (SID9 de
The Intercept Brasil) não põem em dúvida o atentado, escapando dos sentidos que circulam
na FD de centro-esquerda para se filiar a saberes que circulam na FD de extrema-direita, na
qual Estadão e O Antagonista se identificam, por exemplo. Na Sd18, a dúvida é construída a
partir da subsequência – “o presidenciável colocou a mão sobre o local que teria sido
atingido pelo instrumento perfuro-cortante”. E segue na subsequência – “mas nenhuma
mancha de sangue foi vista em milhares de imagens, vídeos e fotos” (Sd18). Essa dúvida
de que o atentado possa ter sido uma encenação circulou em FDs de esquerda e de centro-
esquerda. A Sd19 (SID9 de The Intercept Brasil) não se filia a tal saber, pois nela há
afirmação na subsequência – “não há dúvidas de que Bolsonaro é vítima de um crime” –
rechaçando o posicionamento dentro da FD de centro-esquerda de que o atentado foi uma
encenação. Um posicionamento que converge para os saberes dominantes em FDs de direita e
de extrema-direita que legitimam o atentado.

Quadro 7 – Discursivização a partir da vítima ou a partir do acusado


Acontecimento: facada em Bolsonaro
Foco: quem foi atingido (o Foco: quem atingiu (apontamento de um
candidato e a democracia) mandante a partir do lugar social e do lugar
projetado e discursivizado sobre Adélio)

Estadão O Antagonista

Jornalistas Livres
O Globo
The Intercept Brasil
Fonte: elaborado pela autora

O quadro torna visível um estranhamento: Estadão e The Intercept Brasil numa


mesma coluna; enquanto que O Globo e O Antagonista estão com Jornalistas Livres em
outra. Entretanto, O Globo e Jornalistas Livres lançam uma suspeita sobre a ligação do
123

atentando à própria campanha de Bolsonaro, enquanto O Antagonista não põe em xeque o


atentado em si, mas desconfia dos adversários políticos do candidato como mandantes do
crime.
As duas discursivizações – uma com foco na vítima e a outra no acusado – se
relacionam com posicionamentos ideológicos diferentes e, por conseguinte, com FDs
diferentes. A Sd19 demarca um posicionamento diferente de The Intercept Brasil dentro de
uma FD de centro-esquerda, numa tomada de posição mais identificada aos saberes que
circulam na FD de direita e de extrema-direita, o que sugere uma nova posição-sujeito dentro
da FD de centro-esquerda. Da mesma forma como ocorre com O Globo, não há a instauração
de uma nova FD, mas a ruptura com a posição-sujeito com a qual o veículo costuma
identificar-se.

Quadro 8 - Efeitos de sentido da facada


Acontecimento: facada em Bolsonaro
Quem foi atingido (o candidato e a Quem atingiu (apontamento de um mandante a
democracia) partir do lugar social e do lugar projetado e
discursivizado sobre Adélio)

Efeito de sentido 1: Efeito de sentido Efeito de Efeito de Efeito de


o atentado ocorreu 2: o atentado sentido 3: o sentido 4: o sentido 5: o
e poderia ter ocorreu, foi uma atentado atentado atentado
desencadeado a ameaça à ocorreu e os ocorreu e pode pode ter sido
suspensão das democracia, mas adversários de ter relação com uma farsa
eleições a campanha de Bolsonaro (a a frequência do
Bolsonaro está esquerda) acusado e dos
usando-o para foram filhos da vítima
mudar o mandantes do no mesmo clube
resultado das atentado de tiro
eleições

Estadão The Intercept O Antagonista Jornalistas


Brasil O Globo Livres

Fonte: elaborado pela autora

A discursivização com foco na vítima, Bolsonaro, produz dois efeitos de sentido: o


efeito 1 de que o atentado ocorreu e poderia ter desencadeado a suspensão das eleições; e o
efeito 2 de que o atentado ocorreu e a campanha de Bolsonaro está usando-o para mudar o
124

resultado das eleições. Esses dois efeitos de sentido remetem a duas posições-sujeito de duas
FDs diferentes, a de centro-esquerda e a de direita, cujo gesto de interpretação é de que o
atentado ocorreu e foi uma ameaça à democracia.
Por sua vez, a discursivização que parte sobre o acusado de ter cometido o atentado
produz outros três efeitos de sentido diferentes: o efeito 3 de que o atentado ocorreu e os
adversários de Bolsonaro (a esquerda) foram mandantes do atentado; o efeito 4 de que o
atentado ocorreu e pode ter relação com a frequência do acusado e dos filhos da vítima no
mesmo clube de tiro; e o efeito 5 de que o atentado pode ter sido uma farsa. Tais efeitos de
sentido remetem à oposição entre FDs de esquerda e centro-esquerda e FDs de direita e
extrema-direita, instaurando um gesto de interpretação comum, o que coloca em xeque a
relação do acusado e dos filhos de Bolsonaro com o mesmo clube de tiro. Pode-se reformular
os quadros 7 e 8 partindo dessas considerações.

Quadro 9 – Gestos de interpretação e posicionamentos das FDs


Gestos de interpretação na FD de Gestos de interpretação na FD de direita
centro-esquerda
Suspeita sobre o atentado Legitimação do atentado
PS1 – PS2 - PS1 – relacionada PS2 – PS3 –
relacionada ao relacionada ao ao efeito de relacionada ao relacionada ao
efeito de sentido efeito de sentido sentido 1 de que o efeito de efeito de
5 de que o 2 de que o atentado ocorreu e sentido 3 de sentido 4 de
atentado pode ter atentado ocorreu poderia ter que o atentado que o atentado
sido uma farsa e a campanha de desencadeado a ocorreu e os ocorreu e pode
Bolsonaro está suspensão das mandantes estar associado
usando-o para eleições foram os ao fato de o
mudar o adversários de acusado e os
resultado das Bolsonaro (a filhos da
eleições esquerda) vítima
frequentarem
o mesmo
clube de tiro

!Jornalistas The Intercept Estadão O Antagonista O Globo


Livres Brasil
Fonte: elaborado pela autora

A instauração das posições-sujeito 2 na FD de centro-esquerda e 3 na FD de Direita é


o que Indursky (2008) chama de acontecimento enunciativo: quando há movimentações de
sentido dentro de uma FD provocadas pelo surgimento de uma nova posição-sujeito que
introduz saberes antes não permitidos, sem culminar no surgimento de outra FD. A posição-
125

sujeito 2 da FD de centro-esquerda demarca uma tomada de posição mais identificada aos


gestos de interpretação das FDs de direita e de extrema-direita. Por isso, trata-se da
instauração de uma nova posição-sujeito dentro da FD de centro-esquerda. Da mesma forma,
a posição-sujeito 3 na FD de Direita lança um gesto de interpretação que é comum nas FDs de
centro-esquerda e de esquerda. As duas posições-sujeito referidas não instauram uma nova
FD, mas instauram gestos de interpretação diferentes dos que circulam nas suas respectivas
FDs.
No acontecimento enunciativo, as diferentes posições-sujeito permanecem em tensão
dentro de determinado campo de saber. Conforme Indursky, no acontecimento enunciativo
ocorre o “afrontamento com fragmentação da forma-sujeito” e os “saberes convivem, embora
de forma conflitante e tensa” (INDURSKY, 2008, p. 27-28, grifos da autora). A seguir,
apresento um esquema representativo das movimentações de sentido entre as FDs no recorte
discursivo 5.

Figura 6 – Movimentações de sentido

Fonte: elaborado pela autora.


126

A instauração de uma nova posição-sujeito não é suficiente para produzir um


acontecimento enunciativo. Para que ele se instaure, essa nova posição-sujeito deve introduzir
um saber interditado até então na FD correspondente e nela permanecer numa relação de
conflito direto com a posição-sujeito dominante, tal como ocorre com as posições-sujeito 2 da
FD de centro-esquerda e 3 da FD de direita. “E mais: esta nova posição-sujeito convive com
as demais, instituindo muito mais que a diferença. Ela conduz ao estranhamento, à tensão
interna às fronteiras da FD em que estava inscrita” (INDURSKY, 2008, p. 27). E por provocar
o conflito nas FDs em que estavam inscritas, instaurando um campo de tensão, é que as
posições-sujeito 2 da FD de centro-esquerda e 3 da FD de direita podem ser consideradas um
acontecimento enunciativo.
Aí está a explicação para o estranhamento que possa ter provocado as posições sujeito
do quadro 7, o qual divide Estadão e The Intercept Brasil de um lado, e O Antagonista,
Jornalistas Livres e O Globo de outro. As etapas de reformulação e desdobramentos dos
quadros fizeram-se necessárias para depreender o processo discursivo, o qual demanda
deslinearizar os discursos para chegar aos efeitos de sentido produzidos.
Depois de tratar do AIE da Informação e da movimentação dos sujeitos nesse AIE,
cabe pensar em como se produzem os efeitos de sentidos que circulam nos veículos da mídia.
Assim, é chegada a hora de passarmos ao próximo capítulo para refletir sobre a constituição
desses processos discursivos.
127

3 HÁ REPETIÇÕES QUE FAZEM DISCURSOS: SOBRE O MODUS OPERANDI DA


MÍDIA

Os discursos se repetem: ‘sincronicamente’ no fio de seu desenrolar e


‘diacronicamente’ no fio do tempo: os mesmos temas, as mesmas formulações, as
mesmas figuras retornam, reaparecem (COURTINE; MARANDIN, [1980] 2016, p.
45).

Quando o discurso jornalístico circula em lugares onde se dá o embate e a imbricação


entre diferentes discursos, como o caso dos sites de redes sociais, há uma desregulação. O
jogo entre produção X circulação do discurso nas redes traz efeitos de sentido inesperados e
“trai” as formações imaginárias sobre leitores/telespectadores/ouvintes, pois nem sempre o
que foi produzido vai circular nas redes pelos mesmos caminhos. Isso porque as redes têm
normatizações próprias. É o que Gallo e Silveira (2017) definem como “espaços enunciativos
informatizados”. No entanto, “[...] os discursos de escrita (discurso científico, discurso
jurídico, etc.) não são afetados pela normatização do discurso digital, senão no âmbito de sua
circulação, quando esse é o caso” (Ibid, p. 175). Observando os resultados da busca pelas
palavras-chaves nas fanpages selecionadas, verifiquei que a produção dos discursos pela
mídia não se alterou por conta de um meio de circulação diferente e obedeceu a mesma
normatização de um discurso de escrita.
Gallo e Silveira buscam refletir sobre os processos de normatização e legitimação da
forma-discurso que denominam de escritoralidade, a qual se caracteriza “[...] por comportar
um discurso de escrita ou de oralidade, imbricado em um espaço enunciativo, forjado nas
tecnologias digitais (por ex: Twitter, Facebook, Youtube, etc.)” (Ibid, p. 177). Cabe dizer que,
embora eu também esteja mobilizando um objeto que pode ser considerado a forma-discurso
que as autoras chamam de escritoralidade, meu interesse não é levantar as mesmas questões
sobre a legitimação dos discursos, mas apontar que a normatização própria do digital incide
muito mais na circulação do discurso jornalístico no Facebook do que na sua formulação.
Independentemente de sua forma de circulação, a produção do discurso jornalístico é
marcada pela repetibilidade. Courtine e Marandin em artigo conjunto ([1980] 2016, p. 46)
dizem que “os discursos são repetidos, ou melhor, há repetições que fazem discursos [...]”. É a
repetibilidade que legitima e naturaliza sentidos ao convocar uma rede de filiações na
memória. Por esse motivo, ao realizar a cobertura jornalística de um acontecimento, a mídia
também constrói o efeito de naturalização e legitimação de sentidos.
128

É curioso observar que os jornais impressos, televisivos, radiofônicos ou os sites


jornalísticos quase sempre publicam as mesmas notícias. O que é notícia para um veículo,
geralmente é para outro. Observando esse fenômeno, Silmara Dela-Silva desenvolve o
conceito de “acontecimento jornalístico”. Conforme a autora, os acontecimentos

[...] são selecionados pelo jornalista dentre as inúmeras ocorrências de um dado


período, a partir de critérios como o interesse do público e a atualidade. Assim, tem-
se a concepção de acontecimento jornalístico como um fato de interesse público, que
está presente em teóricos da área de Comunicação e Jornalismo, e é reafirmada pelos
Manuais de Redação, elaborados e publicados pela imprensa de referência brasileira,
e responsáveis pela instrumentalização do fazer jornalístico (DELA-SILVA, 2008,
p. 15).

Pelas teorias da comunicação, os acontecimentos viram notícia segundo determinados


critérios que apagam a subjetividade, como se a técnica assegurasse a neutralidade na seleção
e produção das notícias. Cremilda Medina (1988, p. 20) expõe que algumas correntes no
jornalismo trabalham com o conceito de “valores notícia”, os quais seriam as “qualidades”
que um acontecimento deve ter para se transformar em notícia; enquanto outras correntes
estabelecem critérios semelhantes que se baseiam na atualidade, interesse, veracidade e/ou
clareza. Embora as correntes teóricas e os manuais de redação dos grandes jornais se esforcem
no estabelecimento de critérios de noticiabilidade (TRAQUINA, 2008), o jornalista Ricardo
Noblat confessa que “fora dos manuais, notícia de verdade é tudo o que os jornalistas
escolhem para oferecer ao púbico” (NOBLAT, 2003, p. 31).
Dela-Silva, com a noção de acontecimento jornalístico, observa o relato jornalístico
“[...] como um gesto interpretativo acerca de uma ocorrência em um momento dado, que ao
ser considerado de interesse, ganharia espaço nos noticiários, passando a circular na mídia”
(DELA-SILVA, 2015, p. 222). Subscrevo-me com o que diz a autora: “enquanto prática
discursiva, o jornalismo não se faz de fatos, mas de gestos de interpretação” (Ibid, p. 230).
Assim, se a repetibilidade é condição do jornalismo, não é porque os acontecimentos
se limitam ao que está nos jornais, mas porque a seleção dos acontecimentos é orientada pela
mesma base ideológica. O que se repete, então, é o gesto de interpretação.
É o que podemos observar ao pesquisar por “Haddad” nas fanpages elencadas para
este trabalho no período em que o PT anunciou a substituição da candidatura de Lula à
presidência por Fernando Haddad, em setembro de 2018. Nesta busca, identifiquei a
repetibilidade de um efeito de sentido: Haddad é PT e o PT é corrupto. Essa rede de
repetibilidade se instaurou com a replicação de notícias sobre denúncias e acusações contra
Haddad neste período, conforme o recorte discursivo a seguir.
129

Recorte discursivo 6 – Repetibilidade do efeito de sentido “todo petista é corrupto”

Sequência imagético-discursiva (SID) 10

Fonte:
<https://www.facebook.com/page/115230991849922/search/?q=minist%C3%A9rio%20p%C
3%BAblico%20denuncia%20Haddad%20por%20corrup%C3%A7%C3%A3o>.

SD21
Ministério Público denuncia Haddad por corrupção e lavagem de dinheiro
130

Sequência imagético-discursiva (SID) 11

Fonte:
<https://www.facebook.com/page/115987058416365/search/?q=haddad%20responde%20a%
208%20a%C3%A7%C3%B5es>.

SD 22
Haddad responde a 8 ações após gestão na Prefeitura

SD23
Ex-prefeito de São Paulo, candidato do PT à Presidência nas eleições 2018 é alvo de ações
por improbidade administrativa e denúncias pela campanha de 2012
131

Sequência imagético-discursiva (SID) 12

Fonte:
<https://www.facebook.com/page/323983461125902/search/?q=haddad%20denunciado%20p
or%20corrup%C3%A7%C3%A3o%20e%20lavagem>.

SD24
Haddad denunciado por corrupção e lavagem

A substituição da candidatura de Lula foi oficialmente anunciada pelo PT no dia 11 de


setembro de 2018. Antes mesmo de oficializar o nome de Haddad como candidato à
presidência no lugar de Lula, notícias sobre denúncias e acusações contra Haddad já passaram
a circular na mídia, como apontam as datas de publicação dos posts. Isso porque, nove dias
antes de Haddad substituir Lula, ele foi denunciado pelo suposto caixa 2 nas eleições
municipais de São Paulo em 2012.
Cabe, aqui, refletir sobre o conceito de antecipação, desenvolvido por Pêcheux ([1969]
1993a): quando o sujeito se adianta ao que seu interlocutor possa pensar. Conforme o autor, a
“[...] habilidade de imaginar, de preceder o ouvinte é, às vezes, decisiva se ele sabe prever, em
tempo hábil, onde este ouvinte o ‘espera’ ” (PÊCHEUX [1969] 1993a, p. 77). Dos diferentes
lugares que um sujeito pode ocupar na sociedade – lugar de professor, de político ou de
jornalista, por exemplo – resultam diferentes projeções sobre esses lugares. Pêcheux
desenvolve o mecanismo de antecipação por meio do que denominou de “formações
imaginárias”.
132

Ao retomar o esquema comunicacional proposto por Jakobson, que restringe a


interação entre emissor (A) e receptor (B) à transmissão de uma mensagem, Pêcheux assegura
que está em funcionamento “uma série de formações imaginárias que designam o lugar que A
e B se atribuem cada um a si e ao outro, a imagem que eles se fazem do seu próprio lugar e do
lugar do outro” (PÊCHEUX, [1969] 1993a, p. 82). Dessa forma, as relações entre as situações
e as posições de um discurso são estabelecidas por mecanismos de projeção.
As formações imaginárias são representadas por Pêcheux pelo seguinte quadro:

Quadro 10 – Representação das formações imaginárias conforme Pêcheux


Expressão que designa as Significação da expressão Questão implícita cuja
formações imaginárias “resposta” subentende a
formação imaginária
correspondente
Imagem do lugar de A para “Quem sou eu para lhe
IA(A) o sujeito colocado em A falar assim?”
A IA(B) Imagem do lugar de B para “Quem é ele para que eu
o sujeito colocado em A lhe fale assim?”
Imagem do lugar de B para “Quem sou eu para que ele
IB(B) o sujeito colocado em B me fale assim?”
B IB(A) Imagem do lugar de A para “Quem é ele para que me
o sujeito colocado em B fale assim?”
Fonte: (PÊCHEUX [1965] 1993b, p. 83).

A imagem que O Globo, Estadão e O Antagonista fazem dos sujeitos leitores pode ser
representada pela expressão A{IA(B): “Quem é esse sujeito leitor para que eu lhe fale
assim?”. Essa é uma imagem que move a produção do discurso jornalístico. Pêcheux ([1969]
1993b) teoriza que os sujeitos antecipam-se à interpretação de seus interlocutores. Os
jornalistas, assim, também se antecipam à interpretação que poderá ser feita pelos sujeitos-
leitores/ouvintes/telespectadores.
Conforme Schons, um discurso se relaciona com outros por meio de um jogo de
imagens: “imagens dos sujeitos entre si, imagens dos sujeitos com os lugares que ocupam na
formação social e imagens dos discursos anteriores com outros possíveis e materializados no
discurso em voga” (SCHONS, 2011, p. 148).
Dessa forma, os lugares e as posições ocupadas por esses sujeitos são determinantes
para o processo de antecipação. Orlandi (2008, p. 104) formula que a perspectiva do leitor
construída pelo enunciador pela antecipação é o “leitor ideal”. De acordo com a autora, todo
texto possui pontos de entrada (referentes às múltiplas posições-sujeito) e pontos de fuga
133

(diferentes efeitos de sentido). Se “há várias posições do sujeito-leitor” (ORLANDI, 2008, p.


114), o processo de antecipação se dá sobre uma dessas possíveis posições.
No caso dos veículos analisados no recorte discursivo 6, a imagem produzida sobre o
sujeito-leitor ideal é a de sujeitos cujo posicionamento está identificado com a orientação
política de direita e antipetista. Os veículos jornalísticos segmentam seu público pela
identificação com uma FD de direita ou de extrema-direita, na qual também estão
identificados.
A Sd21 (SID10 de O Globo), as Sds 22 e 23 (SID11 de Estadão) e a Sd24 (SID12 de
O Antagonista) fazem referência a uma denúncia do Ministério Público apresentada ainda em
agosto de 2018, projetando uma imagem sobre Haddad, o “referente” na situação do discurso
(PÊCHEUX [1965] 1993b, p. 83). Essa imagem pode ser representada pela expressão IA(R),
cuja questão implícita é “de que lhe falo assim?”.
A acusação contra Haddad é de que o pagamento de uma dívida de sua campanha na
eleição para prefeito de São Paulo em 2012 havia sido feita com recursos de caixa 2. A
construtora UTC teria repassado R$ 3 milhões à campanha. No entanto, quase dois anos mais
tarde, em 21 de julho de 2020, Haddad foi absolvido no processo por decisão da 7ª Câmara de
Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Próximo do primeiro turno das eleições, no dia 26 de setembro, Estadão reuniu todos
os processos a que Haddad respondia e divulgou uma reportagem sobre as acusações: o
processo (eleitoral e criminal) sobre caixa 2 nas eleições municipais de 2012; supostos
desvios de recursos no Teatro Municipal de São Paulo (investigados por uma CPI que excluiu
Haddad da responsabilização, mas o Ministério Público ignorou e instaurou inquérito contra o
ex-prefeito); uso indevido das multas de trânsito (cuja absolvição do processo ocorreu em
março de 2021); e superfaturamento na construção de uma ciclovia (que ainda tramitava na
justiça em 2018). Considerando a análise da sequência imagético-discursiva (SID) 2 no
recorte discursivo 2 (na subseção 1.4.1 – O político e a política), a repetibilidade se instaura
não apenas nos veículos jornalísticos, mas em produções de grupos, partidos, candidatos ou
páginas como a do MBL.
O objetivo desta tese não é a realização de fact checking44 para investigar a veracidade
das denúncias, tampouco analisar juridicamente sua procedência. O que interessa é entender e
identificar o processo discursivo instaurado pela rede de repetibilidade de um efeito de sentido
ancorado no imaginário sobre o posicionamento do sujeito-leitor ideal que o veículo faz e,

44
Checagem dos fatos por meio de uma apuração jornalística.
134

sobretudo, da construção simbólica que faz do objeto em questão (o PT, Lula e Haddad), da
qual pode-se depreender a paráfrase: “se Lula é ladrão e os petistas são corruptos, logo
Haddad, sendo petista e substituto de Lula, também é”.
Trata-se, assim, de uma construção discursiva para fixar esses efeitos de sentido na
memória social e é reproduzida pela mídia quando há risco de a esquerda chegar ao poder,
cada vez que o PT disputa e se apresenta como favorito em uma eleição. Construção
discursiva, essa, que

resulta de relações de classe características de uma formação social dada (através do


modo de produção que a domina, a hierarquia das práticas que este modo de
produção necessita, os aparelhos através dos quais se realizam estas práticas, as
posições que lhes correspondem, e as representações ideológico-teóricas e
ideológico-políticas que delas dependem (PÊCHEUX 2012f[1971], p. 127).

Ou seja, no recorte discursivo em análise, os veículos jornalísticos constroem


discursivamente a imagem de Haddad dentro de uma FD de direita que domina o AIE da
Informação na formação social contemporânea, partindo de um posicionamento que se
identifica com os saberes que circulam nessa FD: o PT é uma ameaça para o avanço das
políticas neoliberais, pois além de não compactuar com a ideia de estado mínimo do
liberalismo, também “rouba” desse Estado e quem paga a conta desse Estado assaltado e
inchado é o cidadão por meio de impostos.
Para o teórico espanhol da área da comunicação Ignacio Ramonet (2013b), além de ter
perdido o status de quarto poder na sociedade, o jornalismo também não atua enquanto um
contrapoder. Age, assim, corroborando e complementando as atuações dos outros poderes na
manutenção do status quo. Como é o caso da operação Lava Jato, quando o poder da justiça
ficou em evidência e teve o apoio midiático. E como é o caso das sequências discursivas que
tratam da substituição de Lula por Haddad na candidatura do PT à presidência em 2018.
Deixando o terreno da comunicação e adentrando na análise do discurso pechêuxtiana, esse
poder complementar da mídia é pensado por Althusser e, posteriormente, por Pêcheux, como
intrínseco ao funcionamento dos aparelhos ideológicos de Estado: as instituições movendo a
engrenagem social para a reprodução das relações de produção, embora a contradição seja
constitutiva dos AIEs. A eleição de Lula (ou de Haddad) representava uma ameaça à
dominação plena da ideologia neoliberal e das classes mais altas. Em última análise, essas
acusações dão visibilidade à luta de classes que estava acontecendo.
Se a justiça tratou de movimentar processos contra Haddad no período em que se
aguardava o anúncio do seu nome como substituto de Lula, a maioria dos veículos da mídia
135

dentro do aparelho ideológico da Informação complementou a ação pautando toda a


movimentação jurídica e instaurando uma rede de repetibilidade ancorada numa memória
discursiva sobre o inimigo imaginário a combater. Primeiramente, o comunismo foi tomado
enquanto ameaça e, posteriormente, as esquerdas e o PT, a face visível do inimigo na
contemporaneidade. Esses veículos também se ancoraram numa memória que considera a
corrupção o grande mal da política, imprimindo na memória social um efeito de sentido: de
que o PT é corrupto. E fazem isso para, de fato, eleger o candidato que corresponde aos seus
interesses de classe.
Pêcheux atentou para o modo como a repetibilidade convoca uma rede de filiações na
memória, legitimando e naturalizando determinados sentidos. A repetibilidade, assim, produz
o efeito de homogeneidade que está em relação aos efeitos de verdade e neutralidade do
discurso jornalístico. A regularidade de um sentido se instaura pela repetibilidade, num jogo
de força que “pode designar o sentido como limite” (ACHARD, [1983]/2010, p. 15). A
repetibilidade cria esse efeito de verdade, “[...] necessário para produzir um efeito de
consenso que se assenta no processo que associa seletividade a silenciamento de sentidos-
outros, divergentes, que poderiam gerar dissenso” (INDURSKY, 2017, p. 80).
Cabe, neste ponto, retornar à análise do recorte discursivo 2 (subseção 1.4.1), um
postfleto do MBL que condensa todas as acusações de Haddad num único post. As três
sequências imagético-discursivas (SID) que compõem o recorte discursivo 6 resultaram em
artigos de várias laudas publicados nos sites dos veículos jornalísticos em questão, enquanto a
sequência imagético-discursiva (SID) 2 do recorte discursivo 2 sintetizou tais discursividades
em circulação apenas num card. Vê-se que a repetibilidade nos sites de redes sociais ocorre
sob várias formas, desde às que se referem às normatizações próprias do jornalismo, incluindo
as formas cada vez mais simplificadas e diminutas, cujas condições de circulação são
potencialmente elevadas pelo fácil acesso de leitura e compartilhamento que tais formas
apresentam.
Por outro lado, um efeito de sentido repetível nem sempre vem de um discurso. Muitas
vezes, é o silêncio que vai produzir a repetibilidade de um mesmo efeito, como veremos na
próxima seção.
136

3.1 O QUE (NÃO) DIZ A MÍDIA

Anteriormente, observei o funcionamento da repetibilidade de um efeito de sentido


(todo petista é corrupto, logo Haddad também é) pelo funcionamento parafrástico. Contudo, a
repetibilidade nem sempre se dá pela materialidade linguística, pois também pode se dar pela
falta, pelo silêncio.
É fato que enquanto uns sentidos são priorizados no enfoque das notícias, outros são
silenciados. Para falar de silêncio, reporto-me a Eni Orlandi e sua obra “As formas do
silêncio” (2007). Nela, a autora categoriza duas formas de silêncio: o fundante e a política do
silêncio.
Sobre o silêncio fundador, Orlandi teoriza que podemos compreendê-lo “como o não-
dito que é história e que, dada a necessária relação do sentido com o imaginário, é também
função da relação (necessária) entre língua e ideologia. O silêncio trabalha então essa
necessidade” (ORLANDI, 2007, p. 23).
Para Orlandi, não se trata de atribuir sentido ao silêncio, “mas conhecer os processos
de significação que ele põe em jogo. Conhecer os seus modos de significar” (ibid, p. 50).
Outras tomadas de posição ligadas a outros modos de se relacionar com a ideologia
são excluídas do discurso jornalístico por gestos de silenciamento. Orlandi designou isso
como política do silêncio, a qual “se define pelo fato de que ao dizer algo apagamos
necessariamente outros sentidos possíveis, mas indesejáveis, em uma situação discursiva
dada” (ibid, p. 73). Na política do silêncio, “se diz ‘x’ para não (deixar) dizer ‘y’” (ibid, p.
73).
No entanto, ao se debruçar sobre o discurso jornalístico, Indursky observa um tipo de
silenciamento recorrente na imprensa.

Não estamos face ao silêncio fundador, que habita em todas as palavras; nem ao
silêncio constitutivo que, para dizer, é preciso não dizer; nem, tampouco, face à
censura que é determinada por uma conjuntura específica. Este silêncio,
diferentemente do que Orlandi postula em suas Formas do Silêncio, se produz
porque as práticas e os saberes excluídos remetem a um outro modo de se relacionar
com a ideologia e divergem e/ou antagonizam com os saberes e interesses da
Formação Discursiva Dominante” (INDURSKY, 2015, p. 15).

Trata-se, então, do silenciamento do diferente, das posições-sujeito que não são


dominantes numa formação discursiva. Indursky define como gestos de silenciamento aqueles
“gestos que não são ditados pela censura, são definidos a partir da posição-sujeito na qual a
imprensa brasileira, em sua quase totalidade, se inscreve” (INDURSKY, 2015, p. 19).
137

Feita essa introdução, observemos alguns posts publicados pelas fanpages de veículos
jornalísticos sobre a prisão de Lula em 7 de abril de 2018.

Recorte discursivo 7 – Repetibilidade pelo silenciamento

Sequência imagético-discursiva (SID) 13

Fonte: <https://fb.watch/v/7jCkz5VHA/>.

Sequência imagético-discursiva (SID) 14

Fonte: < https://fb.watch/bHiL2HJ2h8/>.


138

No recorte discursivo 7 em análise, as sequências imagético-discursivas (SID) não


possuem desdobramentos em Sds, pois são vídeos curtos feitos ao vivo e o que interessa neste
momento é chamar atenção para as cenas filmadas. A SID13 traz um vídeo compartilhado por
O Globo quando da condução de Lula à prisão após as 26 horas em que permaneceu cercado
de apoiadores no prédio do Sindicato dos Metalúrgicos. No dia da prisão de Lula, em 7 de
abril, O Globo publicou um vídeo de um momento anterior em que os apoiadores de Lula o
impediram de se entregar à Polícia e outro vídeo com uma análise que retoma o processo de
condenação de Lula, o qual inicia com as imagens de Lula saindo do sindicato para se
entregar.
Dentre todos os outros posts do veículo que integram o arquivo sobre a prisão de Lula
para esta pesquisa, nenhuma referência ao discurso feito pelo ex-presidente aos seus
apoiadores num palanque montado em frente ao Sindicato. Conforme Orlandi (2007, p. 74),
“o silêncio trabalha assim os limites das formações discursivas, determinando
consequentemente os limites do dizer”. Dessa forma, o discurso de Lula faz parte daquilo que
não pode e não deve ser dito na linha editorial de O Globo para garantir que a reprodução das
relações de produção continue se realizando, ou seja, impedir que outras ideologias
antagônicas ameacem tomar o lugar de dominância da ideologia de neoliberal de uma FD de
direita.
A imagem de Lula sendo conduzido por policiais é o desfecho perfeito para corroborar
aquilo que Indursky chamou de mito das campanhas anticorrupção, construído desde as
jornadas de junho de 2013, para “canalizar o ódio às esquerdas em geral e ao PT em
particular, transformando-o na origem da corrupção no Brasil e todos os seus membros em
corruptos exclusivos, sendo Lula o chefe da quadrilha” (INDURSKY, 2019a, p. 129).
O aparelho ideológico da Informação foi determinante para a construção desse mito.
Foram incontáveis horas de rádio e televisão e incontáveis linhas publicadas em jornais
impressos e online para produzir narrativas que repetiam que o problema do país era a
corrupção e que a corrupção se institucionalizou com o PT. Compreende-se que o momento
da prisão do “chefe da quadrilha”, na formação discursiva de direita em que grande parte dos
veículos jornalísticos tradicionais se inscreve, é mais relevante que qualquer outra informação
que vier do “condenado”, pois, de acordo com Indursky (2019a), a prisão de Lula foi o xeque-
mate de um golpe em “slow motion” que incluiu não apenas o afastamento de Dilma Rousseff
da presidência, mas o afastamento de Lula do processo eleitoral de 2018.
Outro funcionamento do silêncio pode ser identificado na sequência imagético-
discursiva (SID) 14 que se refere a um vídeo de Estadão sobre manifestações e panelaços
139

ouvidos após a prisão de Lula. Além de o momento da prisão de Lula predominar nas notícias
publicadas pelos veículos da mídia, também ganhou destaque a reação popular ao
acontecimento, como demonstra a SID14 (de Estadão). Uma reação que não foi unânime,
haja vista a manifestação popular no entorno do Sindicato enquanto Lula lá permaneceu.
Contudo, a reação do mesmo grupo de sujeitos, de bairros de classe média a alta, responsável
pelos “panelaços” em prol do impeachment de Dilma, foi a escolhida para se tornar notícia e
virar um acontecimento jornalístico. Conforme Orlandi (2007, p. 142-143):

Esse mecanismo de não-citar produz o lugar (da falta) do dizer como lugar possível
quando, na realidade, esse lugar já está realizado (cheio), caracterizando-se assim
como uma forma de desconhecimento. É, pois, uma das formas ideológicas de
apagamento da materialidade histórica do dizer. Nega a memória”.

Esse não é um silêncio constitutivo inerente a todo dizer, mas, como observa Flores
(2017), trata-se de um silêncio constitutivo que:

[...] apaga as condições de produção do funcionamento do discurso jornalístico,


apagando os sentidos possíveis de uma outra formação discursiva, produzindo desse
modo o efeito de neutralidade da imprensa. Dito de outra forma, entendo que a
grande imprensa ao recortar a notícia, não considera a historicidade do
acontecimento e ao silenciar outros possíveis sentidos produz este efeito de
neutralidade, como se tudo que interessa saber está ali reportado e, ao mesmo tempo,
produz o efeito de verdade nesse discurso, que nada mais é que uma direção de
sentidos (FLORES, 2017, p. 127).

Tal direção de sentidos, como observei em artigo anterior publicado nos anais do
SEAD de 2019 (GOBATTO, 2020), apaga não apenas as manifestações populares em torno
de Lula e o seu discurso para uma multidão em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos, mas
apaga também a própria história de Lula. Trata-se do fim do golpe em slow motion (assim
chamado por Indursky), um golpe que foi “determinado por várias instâncias institucionais –
parlamentar, jurídica, política e midiática – que, em conjunto, o sobredeterminaram e, assim,
garantiram seu êxito” (INDURSKY, 2019a, p. 132, grifo da autora).
O recorte discursivo 7 indica que há um silenciamento da fala do ex-presidente e de
qualquer outra fala em seu apoio em veículos da mídia identificados com a FD de direita e a
FD de extrema-direita. As mídias tradicionais e/ou hegemônicas silenciaram “cumprindo o
que delas se esperava para viabilizar o golpe. Essa era sua tarefa” (ibid, p. 133).
Assim, o que não pode ser dito naquelas condições de produção nas FDs de direita e
de extrema-direita é que Lula é um líder político que agrega muitos eleitores e venceria as
eleições, caso não fosse impedido de participar do pleito de 2018. Como já referido, veículos
140

da mídia hegemônica identificados com tais FDs atuam para garantir a reprodução das
relações de produção e serve aos interesses do capital e do mercado, ou seja, das classes
economicamente privilegiadas. Quem, como Lula, ousa não servir aos interesses da ideologia
dominante, é silenciado.

3.2 A PRODUÇÃO DO DISCURSO JORNALÍSTICO E O EFEITO DAS ASPAS

É sabido que o discurso jornalístico se utiliza de determinadas marcas e padrões que


visam criar um efeito de objetividade e neutralidade, independentemente de onde circula. O
surgimento das redes teve forte impacto na circulação desses discursos, mas a produção, ao
menos nas análises até este momento realizadas, parece seguir os mesmos padrões.
Dentre tais padrões, se encaixa a repetibilidade do uso das aspas para marcar um
discurso-outro. As aspas são a marca mais visível de um discurso atravessado pelo outro. É
comum as notícias e reportagens trazerem aspeados trechos de entrevistas ou declarações que
foram previamente escolhidos pelos jornalistas e editores para comporem e se encaixarem no
texto. Esses trechos podem fazer parte do corpo do texto e/ou serem utilizados na manchete
da notícia.
Jacqueline Authier-Revuz (1990) atenta para a existência da heterogeneidade mostrada
(através de marcadores como as aspas, por exemplo) e da heterogeneidade constitutiva dos
sujeitos que remete ao já dito (um efeito “já lá” do interdiscurso). As formas marcadas de
heterogeneidade mostrada – como as aspas, o itálico, o travessão, etc. – remetem ao
desconhecimento da heterogeneidade constitutiva e, portanto, seriam efeito do esquecimento
número 1 dos sujeitos, o qual Pêcheux refere como a ilusão da origem do dizer.
O discurso, conforme Pêcheux ([1981] 2012d, p.136), “representa no interior do
funcionamento da língua os efeitos da luta ideológica [...]”. A interpretação, assim, depende
do outro: “e é porque há essa ligação que as filiações históricas podem-se organizar em
memórias, e as relações sociais em redes de significantes” (PÊCHEUX [1983], 2012c, p. 54).
Decorre disso que todo discurso seja um efeito de tais filiações que conduzem às suas
respectivas identificações. É desse modo que a AD concebe a heterogeneidade, introduzida
pela via do interdiscurso, do pré-construído e do discurso transverso. No pré-construído “a
expressão ou as expressões que introduzem o objeto da referência restringem sua
interpretação” (MARANDIN, 1994, p. 138). É a ideologia que faz a restrição funcionar.
141

Dito isso, é marca do discurso jornalístico as formas de encobrimento da


heterogeneidade para produzir os efeitos de imparcialidade e de objetividade jornalística. As
aspas, assim, funcionam como marcas evidentes da heterogeneidade no discurso jornalístico.
Quando vemos um trecho com aspas numa notícia, entendemos, quase que automaticamente,
que se trata da fala de outro sujeito, como podemos observar nas análises que seguem.

Recorte discursivo 8 – Repetibilidade por ironia

Sequência imagético-discursiva (SID) 15

Fonte: <https://www.facebook.com/page/115987058416365/search/?q=candidatura%20fake>.

SD25
(Estadão): As fake news realmente perigosas são as que tem (SIC) uma verossimilhança com
fatos reais, parecem explicar “mistérios” e reforçam preconceitos.

SD26
(Estadão): “O líder”, escreve o historiador, “se apresenta sozinho e caminha sozinho pois ele
vê qual é o futuro da política e sabe o que tem de ser feito”.

SD27
(Estadão): Mesmo assim o PT consegue iludir até plateias no exterior a respeito de um
“mártir” que nunca mostrou grandeza moral começando pela conduta frente a amigos e
pessoas próximas.
142

SD28
(Estadão): Resta então mais uma e decisiva indagação para este momento particular do
processo político eleitoral: quantos votos Lula transfere para seu poste?
Mais votos do que seria agradável reconhecer levando em consideração o papel central do PT
no alargamento da corrupção endêmica do País e o papel peculiar que o próprio Lula
representou ao ridicularizar e banalizar instituições, começando pela da Presidência. Mas
menos votos do que seria necessário para “garantir”, desde já, seu poste no segundo turno.

Na leitura do artigo de Waack, chamou atenção a frequência do uso de aspas. Nas


Sds45 acima, as aspas são utilizadas com efeito de ironia. É como se o uso das aspas marcasse
um desdobramento do locutor por meio de uma fala acompanhada “[...] por um comentário
crítico, no próprio curso de sua produção. Essa atitude manifesta uma aptidão: ela coloca o
locutor em posição de juiz e dono das palavras, capaz de recuar, de emitir um julgamento
sobre as palavras no momento em que as utiliza” (AUTHIER-REVUZ, 2016, p. 204).
Nesse enquadramento ideológico, Lula não é “líder” (Sd26) e muito menos “mártir”
(Sd27). Para atribuir tais qualidades dentro de uma FD de extrema-direita, é preciso que
estejam marcadas como um discurso-outro. O isolamento do adjetivo “líder” (Sd26) para
construir a citação, no início da sentença, sucedido pela explicação de que se trata da opinião
do historiador marca, ainda, o uso dessa citação com efeito contrário, numa argumentação do
tipo “x é y, ao contrário de z”: o efeito de sentido de ironia que as aspas produzem sinalizam
para o que não pode ser dito em uma FD de extrema-direita, com a qual Estadão e o sujeito
autor do artigo se identificam.
Especialmente em “líder” (Sd26) e em “mártir” (Sd27), as aspas apontam para a
produção de efeitos de sentido duplicados: além do efeito que produz dúvida quanto ao fato
de Lula ser um líder e um mártir, há o efeito de julgamento e deboche da opinião de quem o
considera como tal.
Em “mistérios” (Sd25), as aspas funcionam como um comentário que duplica sua
significação e determina discursivamente seu sentido. “Digo x para não dizer y”: falo
mistérios para não falar mentiras.
Já em “garantir” (Sd28), as aspas projetam um efeito de sentido de dúvida. Na FD de
direita há dúvida de que haverá a transferência suficiente de votos de Lula para o seu
substituto Haddad, “garantindo” o PT no segundo turno das eleições.
45
As Sds 25, 26, 27 e 28 foram extraídas do texto a que se tem acesso ao clicar no post referente à sequência
imagético-discursiva (SID) 15. Fonte: <https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,candidatura-
fake,70002454683?utm_source=facebook%3Anewsfeed&utm_medium=social-organic&utm_campaign=redes-
sociais%3A082018%3Ae&utm_content=%3A%3A%3A&utm_term&fbclid=IwAR1jBcIRwg5fEtX1HpTCQWj
1bOQaM_YMwvZdgz-GT5my3ZBXZG9A0RXbBaY>.
143

Recorte discursivo 9 – Variação do aspeamento na manchete e no texto

Sequência imagético-discursiva (SID) 16

Fonte:
<https://www.facebook.com/page/115230991849922/search/?q=ap%C3%B3s%20den%C3%
BAncia%20haddad%20acusa%20bolsonaro>.

SD29
(O Globo): O candidato do PT, Fernando Haddad, acusou o seu adversário, Jair
Bolsonaro (PSL), de ter criado uma organização criminosa para distribuir mensagens falsas
de WhatsApp contra o PT.

SD 30
(O Globo): O jornal comprova que o meu adversário, deputado federal por 28 anos, criou uma
organização criminosa de empresários que, mediante caixa dois, dinheiro sujo, está
patrocinando mensagens, pelo WhatsApp, mentirosas - disse o candidato em entrevista à
Rádio "Tupi", do Rio de Janeiro, no início da manhã.46

46
As Sds 29 e 30 foram extraídas do texto a que se tem acesso ao clicar no post referente à sequência imagético-
discursiva (SID) 16. Fonte: <https://oglobo.globo.com/brasil/haddad-acusa-bolsonaro-de-criar-organizacao-
criminosa-para-espalhar-fake-news-
23164916?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=O%20Globo&fbclid=IwAR3ExB_A9
c6rNWpUzu9qlpqgBZBvF1c5KM0TMiNHfYtO9mp1brIaIaEGDPo>
144

“Organização criminosa” está na paráfrase que O Globo faz da declaração de Haddad


enquanto entrevistado (Sds 29 e 30), mas o veículo aspeia o termo na manchete do recorte 16
e não aspeia no corpo do texto do site (Sds 29 e 30). O gesto de interpretação é de que não se
trata de uma organização criminosa. Para Authier-Revuz, isso ocorre quando um sujeito “[...]
é obrigado a falar com palavras que sente como impostas pelo exterior, no lugar de suas
próprias palavras, que lhe são proibidas, ele pode defender-se com essas aspas que são de
reação ofensiva em uma situação dominada” (AUTHIER-REVUZ, 2016, p. 210). Deslocando
para a perspectiva da AD, as palavras mudam de sentido conforme as FDs nas quais são
empregadas. “Organização criminosa” entre aspas remete a uma tensão entre formações
discursivas: entre a FD de esquerda, com a qual o sujeito enunciador da expressão aspeada se
identifica (Haddad); e entre a FD de direita, na qual O Globo se inscreve.
Embora as aspas indiquem um discurso relatado direto, nem sempre o trecho aspeado
é encontrado no texto ou na notícia referida, como no caso do recorte a seguir.

Recorte discursivo 10 – Aspas X literalidade

Sequência imagético-discursiva (SID) 17

Fonte:
<https://www.facebook.com/page/323983461125902/search/?q=barroso%20indefere%20regi
stro%20de%20candidatura>.
145

SD31
(O Antagonista): BARROSO NEGA REGISTRO DE CANDIDATURA: “LULA ESTÁ
INELEGÍVEL”
Luís Roberto Barroso vota pela procedência das impugnações e pelo “reconhecimento da
incidência da causa da inelegibilidade”.
“Indefiro, portanto, o registro da candidatura de Lula à Presidência da República.”47

Na Sd31 aparece o adjetivo “inelegível” para qualificar Lula como se fosse um trecho
literal da fala do Ministro Barroso. Em seguida há outros dois enunciados aspeados que
indicam ser, também, trechos literais da fala do Ministro: “reconhecimento da incidência da
causa da inelegibilidade” (Sd31); e “Indefiro, portanto, o registro da candidatura de Lula à
Presidência da República” (Sd31). O repetível, assim, não está somente no nível linguístico,
mas no discursivo, pois se trata da repetição de um mesmo efeito de sentido que circula na FD
de direita, tanto na manchete parafraseada, quanto no artigo completo.

Quadro 11 – Aspas em um efeito de sentido


Declarações literais do Paráfrase e efeito de
Ministro Luís Roberto sentido
Barroso:

“reconhecimento da incidência
Nível da causa da inelegibilidade” Nível
linguístico (Sd31) “Lula está inelegível” discursivo
(SID17)

“Indefiro, portanto, o registro da


candidatura de Lula à
Presidência da República”
(Sd31)
Fonte: Elaborado pela autora.

A manchete “Lula está inelegível” (Sd31) indica uma paráfrase das declarações do
Ministro Barroso, citadas de modo literal no corpo do texto, mas, sobretudo, é um efeito de
sentido. Se, no nível linguístico, há uma paráfrase aspeada, passando ao nível discursivo o que
está aspeado é o efeito de sentido que se depreende do recorte.

47
A Sd31 foi extraída do texto a que se tem acesso ao clicar no post referente à sequência imagético-discursiva
(SID) 17. Fonte: <https://www.oantagonista.com/brasil/barroso-nega-registro-de-candidatura-lula-esta-
inelegivel/>.
146

É sabido que as manchetes jornalísticas geralmente fazem um apelo para chamar


atenção e despertar o interesse da leitura. A paráfrase, neste caso, tem esse efeito e é o que
Indursky assinala como achatamento do discurso do outro. “De tal modo o discurso-outro foi
achatado que, frequentemente, reduz-se a um nome, a um adjetivo ou, no máximo, a ambos
[...]” (INDURSKY, 2013, p. 254). O adjetivo “inelegível” determina Lula discursivamente
como inapto a ser candidato, enquanto que o enunciado parafraseado “reconhecimento da
incidência da causa da inelegibilidade” não funciona como determinante discursivo e convoca
saberes do discurso jurídico para apontar que a candidatura de Lula foi indeferida.

3.2.1 Um limite entre fronteiras

As aspas são um sinal gráfico reconhecido por marcar o limite entre interior e exterior
de um discurso. Dessa forma, quando um veículo jornalístico utiliza aspas geralmente é para
citar a declaração ou a fala de um entrevistado. Entretanto, quando as aspas são usadas numa
manchete sobre o editorial que marca o posicionamento de um veículo, trata-se do discurso de
qual outro?

Recorte discursivo 11 – Aspas como limite de fronteiras entre FDs

Sequência imagético-discursiva (SID) 18

Fonte:
<https://www.facebook.com/page/115987058416365/search/?q=o%20candidato%20posti%C
3%A7o>.
147

SD32
‘Ao apresentar um candidato explicitamente postiço, o PT está a dizer a seu eleitor que, se
Fernando Haddad for eleito, o Brasil será governado de fato não pelo ex-prefeito de SP, mas
sim pelo seu líder encarcerado’.

Sequência imagético-discursiva (SID) 19

Fonte:
<https://www.facebook.com/page/115987058416365/search/?q=haddad%20propaga%20fake
%20news>.

SD33
(Estadão): Depois de passar a última semana alardeando que sua campanha e ele
pessoalmente são vítima de fake news propagada pela campanha de Jair Bolsonaro, Fernando
Haddad fez algo bem pior do que imputa à campanha do adversário: acusou ele próprio,
durante uma sabatina, o vice de Bolsonaro de ter cometido um crime gravíssimo, a tortura.

SD34
(Estadão): Como uma típica fake news, esta, repetida várias vezes por Haddad, de que
Mourão teria sido torturador do cantor Geraldo Azevedo, quando o general tinha 16 anos à
época em que ele relata ter sido torturado, esta era simples de checar. Mas Haddad tratou de
propagá-la numa entrevista. O dano à sua candidatura, que já enfrentava dificuldades
seríssimas, é total. No afã de atingir o adversário, o candidato cometeu uma leviandade
gravíssima. 48

48
As Sds 33 e 34 foram extraídas do texto a que se tem acesso ao clicar no post referente à sequência
imagético-discursiva (SID)19. Fonte: <https://brpolitico.com.br/noticias/da-vera-haddad-propaga-fake-
news/?utm_source=facebook%3Anewsfeed&utm_medium=social-organic&utm_campaign=redes-
sociais%3A102018%3Ae&utm_content=%3A%3A%3A&utm_term&fbclid=IwAR2VaKSoe3mPjU4rmKoZJLp
TvwM-Mqdtl4LfaQFezljYD--ljgfhT3sArQs>.
148

Sequência imagético-discursiva (SID) 20

Fonte: <https://www.facebook.com/page/115987058416365/search?q=candidatura%20fake>.

SD35
William Waack: ‘Candidatura fake’

A Sd32 (SID18) remete à ideia de que se trata de uma declaração de algum


entrevistado, mas quando os olhos percorrem o final da postagem a palavra em caixa alta
“EDITORIAL” causa estranhamento. O editorial é reconhecido por ser um gênero jornalístico
de opinião que expressa e sustenta a linha editorial dos veículos. Não tem a assinatura de um
jornalista, pois é endossado pela equipe inteira. Se é a opinião do jornal, o trecho estar entre
aspas não faz sentido.
As aspas, aqui, subentendem que o trecho é uma citação do editorial e funcionam tal
qual no discurso científico: demarcando uma citação. Acontece que, na maioria das vezes, os
textos nas descrições e nas manchetes dos posts são trechos extraídos das matérias publicadas
nos sites jornalísticos e esse funcionamento das aspas não é recorrente, exceto quando o
trecho em questão é retirado da fala de uma fonte.
Então, por que usar aspas num trecho de um editorial cujo texto é endossado pelo
veículo? Em AD diz-se que

[...] é porque os elementos da sequência textual, funcionando em uma formação


discursiva dada, podem ser importados (meta-forizados) de uma sequência
pertencente a uma outra formação discursiva que as referências discursivas podem
se construir e se deslocar historicamente (PÊCHEUX [1984], 2012b, p. 158).
149

É partindo dessa perspectiva que proponho olhar para este recorte, partindo da Sd32
(SID18). Isso implica dizer que o editorial, ao contrário do que se espera, não representa todo
o veículo. Ao mesmo tempo em que há a repetibilidade com a reduplicação do texto nas
versões impressa e digital e nos sites de redes sociais de Estadão, também há o deslizamento.
Reitero aqui o que já vinha esboçando desde o início desta análise sobre o uso das
aspas: no recorte discursivo 11, as aspas funcionam como o limite da fronteira entre efeitos de
sentidos decorrentes de formações discursivas diferentes: entre a FD de direita, com a qual
Estadão se identifica; e a FD de esquerda. Trata-se de uma fronteira física, visível, entre
posições em conflito que remetem a FDs cuja relação é de antagonismo.
Tanto na Sd32 (SID18) referente ao editorial, quanto nas Sds 33 e 34 (SID19) e na
Sd35 (SID20), um efeito de sentido é mantido em suspenso pelo uso das aspas.
Diferentemente do que postula Authier-Revuz (2016), não há apenas uma suspensão de
responsabilidade, mas a suspensão das relações de antagonismo entre FDs.
Authier-Revuz diz que as aspas “são um instrumento de defesa” (AUTHIER-REVUZ,
2016, p. 218) para se distanciar e não se responsabilizar por um discurso. Deslocando tais
reflexões para a AD, é possível pensar nas aspas como um funcionamento de dissimulação e
de escamoteamento ideológico na medida em marcam as fronteiras entre diferentes formações
discursivas. Nas Sds 33 e 34 (SID19) e na Sd35 (SID20), o que se oculta é a identificação dos
sujeitos de Estadão com uma FD de direita. As aspas, assim, encobrem o processo de
assujeitamento.
Os dois jornalistas são articulistas de Estadão, não fontes jornalísticas. Ao usar aspas
em trechos dos textos desses articulistas, produz-se um funcionamento que busca mimetizar o
discurso científico. Essa emulação do discurso científico constrói um simulacro de
neutralidade, do qual decorre o efeito de sentido de verdade.
Nesta rede de repetibilidade instaurada pelo uso das aspas, ocorre o que Courtine
designa como repetibilidade vertical: “que não é da série de formulações que formam
enunciado, mas aquilo a partir do que se repete, um não sabido, um não reconhecido
deslocado e que se desloca no enunciado [...]” (Courtine e Marandin ([1980], 2016, p. 47). O
uso das aspas nas sequências imagético-discursivas (SID) 18, 19 e 20 se desloca, desliza. As
aspas, neste caso, apontam para um funcionamento diferente, não mais para demarcar a
fronteira com o discurso do outro, mas para escamotear a identificação com uma FD de
direita.
150

3.2.2 “Fake” é fake?

No meu primeiro movimento de montagem do arquivo para esta pesquisa, como já


referi nos procedimentos metodológicos explicitados no capítulo 2, realizei a busca por
palavras-chave nas fanpages dos veículos selecionados nas datas próximas de acontecimentos
de 2018 que foram determinantes para as eleições presidenciais daquele ano. Uma dessas
palavras-chave foi “fake news” e o período escolhido para a busca foi outubro de 2018, tendo
em vista a denúncia do Jornal Folha de São Paulo49 de que empresas que apoiavam a
candidatura de Bolsonaro contrataram serviços especializados no envio de mensagens em
massa contra o PT via WhatsApp, o que poderia configurar doação ilegal à campanha. No
mesmo mês, o Tribunal Superior Eleitoral também anunciou medidas para intensificar o
combate às fake news.
Da era da informação, da qual tratou Castells, chegamos à era da desinformação.
Martins comenta que “a rápida difusão, o volume de conteúdos, a automatização de processos
e a falta de transparência são alguns dos elementos que caracterizam a desinformação
associada à digitalização” (MARTINS, 2020, p. 212). Em virtude disso, houve uma
transformação na forma de manipular e controlar os discursos.
Assim, criou-se o cenário para emergência do termo fake news. O impacto das fake
news nas eleições em diversos países, inclusive no Brasil, ligou um alerta para os cientistas
sociais. A preocupação é com a fragilização dos processos democráticos por meio da
destruição de reputações políticas baseadas em notícias falsas. Morozov indica que “as
eleições brasileiras de 2018 mostraram o alto custo a ser cobrado de sociedades que,
dependentes de plataformas digitais e pouco cientes do poder que elas exercem, relutam em
pensar as redes como agentes políticos”. (MOROZOV, 2018, p. 11).

49
Disponível no link:
<https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/empresarios-bancam-campanha-contra-o-pt-pelo-
whatsapp.shtml>.
151

Recorte discursivo 12 – Variação no uso das aspas em fake news

Sequência imagético-discursiva (SID) 21

Fonte:
<https://www.facebook.com/jairmessias.bolsonaro/photos/a.250567771758883/12456841755
80566>

SD36
- Ontem, o pau mandado do corrupto preso e pai do kit-gay, propôs combate às notícias falsas,
hoje espalha mentiras descaradas a meu respeito. O PT é o partido da demagogia!
Manteremos o Bolsa Família e combateremos as fraudes para possibilitar o aumento para
quem realmente precisa como dito várias vezes; manteremos o 13º terceiro salário, protegido
pela constituição; manteremos licença maternidade; Ampliaremos a isenção do Imposto de
Renda para quem ganha até R$ 5.000; apoiamos as pesquisas nas Universidade para nosso
desenvolvimento. Quem está a favor do povo faz política com a verdade, não trabalha a
serviço de um corrupto preso, nem faz parte da quadrilha que assaltou os brasileiros e colocou
o país na lama. Canalhas mil vezes!
152

Sequência imagético-discursiva (SID) 22

Fonte:
<https://www.facebook.com/page/115230991849922/search/?q=haddad%20usa%20encontro
%20com%20evang%C3%A9licos>

SD37
(O Globo): A avaliação da campanha é a de que 'fake news' propagadas nas redes sociais por
Jair Bolsonaro (PSL), como a que vincula o presidenciável do PT com a distribuição do "kit
gay" nas escolas, criaram uma rejeição entre os evangélicos. 50

50
A Sd37 foi extraída do texto a que se tem acesso ao clicar no post referente à sequência imagético-discursiva
(SID) 22. Fonte: <https://oglobo.globo.com/brasil/haddad-usa-encontro-com-evangelicos-para-rebater-fake-
news-23162606?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=O%20Globo>.
153

Sequência imagético-discursiva (SID) 23

Fonte:
<https://www.facebook.com/page/323983461125902/search/?q=o%20%C3%A9tico%20ferna
ndo%20haddad>.

SD38
(O Antagonista): O ‘ético’ Fernando Haddad mente nas redes sociais
Fernando Haddad, o “petista bonzinho” que ontem mesmo convidou Jair Bolsonaro a assinar
um “protocolo ético” para evitar mentiras na campanha do segundo turno, postou há menos de
uma hora no Twitter o quadro abaixo.
Goste-se ou não de Bolsonaro, ele tem dito explicitamente que não pretende acabar com o
Bolsa Família nem com o 13º salário.
Para o PT, “fake news” só são condenáveis quando não vêm do partido.51

51
A Sd38 foi extraída do texto a que se tem acesso ao clicar no post referente à sequência imagético-discursiva
(SID) 23. Fonte: <https://www.oantagonista.com/brasil/o-etico-fernando-haddad-mente-nas-redes-
sociais/?fbclid=IwAR1MfnBdS3ABCXorUKmsdARKmLQ-TufzCIwQuni-3-lT5XwyM4e-08I8rOc>.
154

Sequência imagético-discursiva (SID) 24

Fonte:
<https://www.facebook.com/page/323983461125902/search/?q=a%20tortura%20fake%20de
%20haddad>.

SD39
(O Antagonista): A tortura fake de Haddad
Fernando Haddad, entrevistado por O Globo, acabou de acusar o general Hamilton Mourão de
ter torturado pessoalmente o cantor Geraldo Azevedo, durante a ditadura, em 1969.
É mentira.
O general Mourão tinha 16 anos naquela época, e só entrou para o Exército em 1972.
A fake news chegou pelo WhatsApp do poste?52

52
A Sd39 foi extraída do texto a que se tem acesso ao clicar no post referente à sequência imagético-discursiva
(SID) 24. Fonte: <https://www.oantagonista.com/brasil/tortura-fake-de-
haddad/?fbclid=IwAR0jPsGbYe22Wsh2RqanQGWFDST7RAGjMo9pdDU8EQRIB-abCxHU1D_9sYI>.
155

Sequência imagético-discursiva (SID) 25

Fonte:
<https://www.facebook.com/page/323983461125902/search/?q=haddad%20espalha%20fake
%20news>.

SD40
(O Antagonista): Haddad espalha fake news: “Folha comprova que Bolsonaro criou
organização criminosa”
Enquanto petistas histéricos tentam censurar o WhatsApp em nome do combate às fake news,
circula pelo WhatsApp um trecho com uma fake news dita hoje por Fernando Haddad a
Clóvis Monteiro, da rádio Tupi, do Rio de Janeiro.53

53
A Sd40 foi extraída do texto a que se tem acesso ao clicar no post referente à sequência imagético-discursiva
(SID) 25. Fonte: <https://www.oantagonista.com/brasil/haddad-espalha-fake-news-folha-comprova-que-
bolsonaro-criou-organizacao-criminosa/?fbclid=IwAR2KpQJkKMy-
TxFRNwGsoDvTpFTIftvsTLm_LiX48IBcsStbf57ngVLQjck>.
156

Sequência imagético-discursiva (SID) 26

Fonte:
<https://www.facebook.com/page/589843594408928/search/?q=cinco%20fake%20news%20
que%20beneficiaram%20a%20candidatura%20de%20bolsonaro>.

SD41
(El País Brasil): Cinco ‘fake news’ que beneficiaram a candidatura de Bolsonaro
Na reta final da campanha presidencial, boatos sobre os adversários do ultradireitista
aumentaram nas redes sociais

SD42
(El País Brasil): “A desinformação só serve para reforçar crenças e valores. Com ela só é
possível influenciar pessoas que têm preconceitos sobre determinados temas”, conclui Tai
Nalon.54

Dentre as fake news com maior alcance e disseminação nas eleições de 2018 no Brasil,
estão a de que o candidato Fernando Haddad havia distribuído um “Kit gay” nas escolas
quando foi Ministro da Educação. Segundo Martins (2020), essa fake news foi disseminada

54
As Sds 41 e 42 foram extraídas do texto a que se tem acesso ao clicar no post referente à sequência imagético-
discursiva (SID) 26.
Fonte:
<https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/18/actualidad/1539847547_146583.html?id_externo_rsoc=FB_BR_CM
&fbclid=IwAR3n5MKosF_XCqCmDni5B6FwHSZ8ocKfup4elViP5l61IbypeYmCzu1E8cU>.
157

para cerca de um terço do eleitorado. A Sd36 (SID 21) da fanpage de Jair Bolsonaro)55 remete
justamente ao kit gay.
A exacerbação no final do vídeo com o xingamento (Sd36, SID 21) é quase uma
marca dos discursos de Bolsonaro nas redes. O discurso de ódio está presente na maioria das
suas falas e, quase sempre, direcionado ao PT. O pesquisador Thiago França se propôs a
trabalhar com o discurso de ódio e, dentre suas reflexões que partem do filósofo romeno
Gabriel Liiceanu, observa que “[...] odeia-se outro lugar, ou, mais exatamente, a relação
imaginária que se tem com esse outro lugar; odeia-se uma outra posição” (FRANÇA, 2017, p.
2). Posição, essa, cujas relações imaginárias determinam que os sujeitos ligados ao partido
oponente (identificados com uma FD de esquerda) são corruptos e desonestos. Bolsonaro
constrói esse imaginário para seus seguidores e as massas invisíveis virtuais reproduzem o
discurso de ódio nas redes com um fluxo de circulação impulsionado algoritmicamente pelo
que Da Empoli (2019) chama de “engenharia do caos”. Segundo ele, “os engenheiros do caos
compreenderam, portanto, antes dos outros, que a raiva era uma fonte de energia colossal, e
que era possível explorá-la para realizar qualquer objetivo, a partir do momento em que se
decifrassem os códigos e se dominasse a tecnologia” (EMPOLI, 2019, p. 85).
Além da manifestação de ódio, chama atenção, após quatro anos de governo (no
momento da escrita desta tese), que grande parte do que foi dito no vídeo ficou apenas como
falsa promessa56. Mesmo após a Justiça desmentir a existência de um “kit gay”, classificando
a informação como fake news, Jair Bolsonaro continuou repetindo a mentira para o seu
eleitorado nos sites de redes sociais e seus seguidores passam a repeti-la também. Os
algoritmos, por sua vez, trabalham levando o post ao feed de milhares de usuários.
A palavra-chave “fake news” dominou o debate nas eleições de 2018 e, não à toa, foi
a que registrou a maior quantidade de posts como resultado da busca. A leitura repetida e
insistente desses resultados captou uma (des)regularização: a variação no uso das aspas em
“fake news”, um termo estrangeiro para designar notícias falsas. Fake news é um termo cujo
uso se disseminou e se popularizou no país, o que, de certa forma, justificaria a variação no

55
O post referente à sequência imagético-discursiva (SID) 21 esteve nas primeiras posições do ranking do
Manchetômetro no período em que foi realizada a pesquisa pelo termo fake news, em outubro de 2018.
56
A realidade é que o Bolsa Família se manteve, apenas seu nome é que foi substituído, passando a se chamar
Auxílio Brasil. E, embora o 13º salário e a licença maternidade ainda estejam mantidos, a isenção do imposto de
renda para quem ganha até R$ 5.000,00 não aconteceu: somente quem ganha até metade disso, ou seja, R$
2.500,00, está isento. Talvez a maior discrepância entre discurso e práxis seja quanto às pesquisas nas
universidades. Os cortes no orçamento do Ministério da Educação somente para o ano de 2022 somam R$ 739,9
milhões. Os cortes para a Capes foram de R$ 12,1 milhões.
158

seu aspeamento. Contudo, a variação, nas Sds analisadas, indica outros funcionamentos
discursivos.
O uso das aspas simples na sequência imagético-discursiva (SID) 22 de O Globo se
repete no texto (Sd37) “linkado” por ele. Não se trata, apenas, do destaque de uma palavra
estrangeira. Pode-se dizer que há uma mudança de formação discursiva: fake news não
significa a mesma coisa na FD de esquerda na qual Haddad está inscrito e na FD de direita na
qual O Globo se inscreve. A FD de direita é permeada por saberes neoliberais que se opõem
aos saberes de uma FD de esquerda, vide o apoio do veículo aos candidatos neoliberais
(Collor, Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Geraldo Alckmin e Aécio Neves) e o apoio
ao golpe contra Dilma Rousseff. Por isso, O Globo, ao utilizar o termo, marca uma mudança
de terreno.
Na AD, as margens vão delimitar os limites e as fronteiras entre FDs. A margem ou a
borda é o ponto que separa o discurso daquilo que não pode e não deve ser dito na FD com a
qual o sujeito se identifica.
As aspas duplas de fake news na Sd38 (SID23 de O Antagonista) não são apenas para
indicar a palavra estrangeira, mas para marcar uma mudança de terreno. O aspeamento
simples de ‘ético’ e o aspeamento duplo de “petista bonzinho” na Sd38 (SID23 de O
Antagonista) demarcam bem essa fronteira. A ironia está em chamar de ético alguém que
mente nos sites de redes sociais (como a manchete refere). E alguém que mente, não pode ser
“bonzinho”. A argumentação pode ser parafraseada como: se Haddad mente, é ele quem
espalha fake news. Logo, quando o sujeito de O Antagonista fala de fake news, não está
falando como Haddad, pois não se trata da mesma formação discursiva. Na FD de extrema-
direita, com a qual O Antagonista se identifica, somente é fake news o que é dito pelo PT. Ou
seja, ‘fake news’ na Sd38 (SID23 de O Antagonista) é fake, pois quem espalha fake news é o
PT.
Não se trata de uma palavra como fake news ser apropriada ou não, se trata de uma
palavra figurar dentro daquilo que pode ou não pode ser dito numa determinada FD. O
aspeamento, dessa forma, é um jogo com as formações imaginárias que os veículos fazem:
para um eleitor de Bolsonaro, identificado com uma FD de extrema direita, o candidato não
propaga fake news, enquanto que para os eleitores de Haddad, identificados com uma FD de
esquerda, a acusação é legítima.
Como adiantei no início desta seção, a variação no uso das aspas em fake news
chamou atenção. Na Sd39(SID 24 de O Antagonista) e na Sd40 (SID25 de O Antagonista) as
aspas em fake news, sejam elas simples ou duplas, deixam de ser usadas. O que aconteceu
159

para que ocorresse essa mudança tipográfica? Considerando que as postagens são do mesmo
período (outubro de 2018), não se pode crer, apenas, na inclusão (súbita) dessa palavra
estrangeira no código dos sujeitos falantes. A falta, aqui, é que determina a mudança de
terreno.
Trata-se de uma acusação não mais do PT contra Bolsonaro, mas de Bolsonaro contra
Haddad. Assim, constitui-se o sentido de fake sem aspas como, de fato, fake. Ao analisar a
função das aspas, Authier-Revuz assinala como uma das funções “[...] a de constituir
diferencialmente as demais palavras, as “não aspeadas”, como assumidas “normalmente”, e,
por isso apropriadas” (AUTHIER-REVUZ, 2016, p. 205). E em qual situação as palavras são
assumidas “normalmente”? Sob a ótica da AD, quando são interpretadas por sujeitos inscritos
na mesma FD. Sujeitos que não se inscrevem na mesma FD vão interpretar as mesmas
palavras como inapropriadas. Tem-se aí o processo discursivo que leva à significação, no qual
é permanente a disputa de/pelos sentidos.
Daí depreende-se o efeito de sentido de que o termo fake news não seja aspeado na
Sd39 (SID24 de O Antagonista) e na Sd40 (SID25 de O Antagonista) numa acusação de que
Haddad diga mentiras ou boatos (nas FDs de direita e de extrema direita) e seja aspeado na
Sd38 (SID23 de O Globo) quando, ao contrário, é Haddad quem acusa Bolsonaro de fazer o
mesmo (numa FD de esquerda). As aspas funcionam como bordas, demarcando as fronteiras
entre FDs e, por sua vez, marcam passagem de uma FD para outra. A variação no uso das
aspas no discurso jornalístico em seus diferentes meios de circulação funciona quase como
um mapa geográfico, delimitando as fronteiras entre os discursos, entre as formações
discursivas e entre as posições-sujeito; e funcionam como pistas materiais das tensões e dos
antagonismos entre as formações ideológicas.
Dentre as variações no uso das aspas percebidas neste corpus, há, ainda, outro
funcionamento: é caso do aspeamento com o efeito de metonímia. O aspeamento de fake news
na Sd41 (SID26 de El País Brasil) não tem um funcionamento parafrástico, mas um
funcionamento metonímico. Isso porque fake news foi o termo escolhido para referir um
conceito maior, o de desinformação.
As Sds 41 e 42 (SID26) apontam para esse funcionamento discursivo ao utilizar dois
termos associados aos efeitos de sentido de fake news: boatos e desinformação.
Segundo Recuero e Soares (2020), “[...] a desinformação é uma informação falsa
propositalmente fabricada ou manipulada para enganar um grande público, para causar dano a
algo ou alguém e, portanto, não compreenderia, por exemplo, piadas ou sarcasmo”
(RECUERO; SOARES, 2020, p. 6). Os autores ainda citam diferentes tipos de
160

desinformação: enquadramento enganoso (distorção para criar um efeito negativo; conteúdos


publicados por fontes impostoras que simulam serem reais; as fake news, que são a fabricação
de informações completamente falsas; falsa conexão entre dois conteúdos (texto e título, por
exemplo); falso contexto; e quando um conteúdo verdadeiro é manipulado para enganar (ibid,
p. 6). Assim, as fake news são apenas parte de um conceito maior que é a desinformação.
Muito antes da internet, já se mentia, já se distorciam fatos nos meios de comunicação.
A Rede Globo, por exemplo, tratou um comício pelas Diretas Já como festejo pelo
aniversário da cidade de São Paulo em 1984, assunto que abordei na dissertação de mestrado
(GOBATTO, 2015). A emissora também editou os “melhores momentos” do debate entre
Collor e Lula pelo segundo turno das eleições de 1989, favorecendo a candidatura de Collor,
que venceu o pleito. Os exemplos são inúmeros de como a mídia constrói narrativas para
favorecer determinados sujeitos públicos e, ao mesmo tempo, atua na destruição da imagem
de outros sujeitos. No entanto, a internet potencializou a capacidade e o alcance das mentiras
e distorções.
Para representar o conceito de desinformação, Wardle e Derakhshan (2019) estruturam
uma figura contrastando os conceitos de informação incorreta e má informação:

Figura 7 – Diferença entre informação incorreta, má-informação e desinformação, conforme


Wardle e Derakhshan

Fonte: WARDLE; DERAKHSHAN, 2019, p 48.

Pela figura, percebe-se que o conceito de desinformação está entrelaçado aos de


informação incorreta e má-informação. As fake news são apenas a ponta do iceberg daquilo
161

que os autores designam como desordem da informação. Outro quadro desenvolvido por
Wardle e Derakhshan (2019) especifica e resume cada tipo de desinformação, informação
incorreta e má-informação:

Figura 8 – Tipos de desinformação

Fonte: WARDLE; DERAKHSHAN, 2019, p 56.

Assim, as fake news, essencialmente, referem apenas ao conteúdo fabricado. E aí está


o imbróglio, pois ao chamar de fake news um contexto falso ou um conteúdo enganador, os
quais têm um pano de fundo verdadeiro, por exemplo, o próprio termo fake news cai em
descrédito. Afinal, no conteúdo enganador ou no conteúdo manipulado se parte de uma
informação verdadeira que é distorcida na narrativa, o que a mídia faz desde sempre:
discursiviza os acontecimentos orientada pela formação discursiva com a qual se identifica (a
FD de direita), silenciando outros pontos de vista inscritos em outras formações.
Fake news, na Sd40 (SID26), funciona discursivamente como um efeito metonímico,
produzindo o sentido de que o termo fake news é apropriado, pois os sujeitos leitores estão
familiarizados com ele, principalmente após as denúncias contra Bolsonaro. Assim, as aspas
de El País em fake news são resultado da projeção imaginária – IA(B) – que o veículo faz dos
sujeitos leitores-ideais.
162

Por mais que o discurso jornalístico tenha como característica o apagamento das
marcas de subjetividade para produzir um efeito de neutralidade, as marcas de discursos-
outros continuam a emergir e a revelar materialmente as contradições e as disputas entre as
formações discursivas e os embates entre as formações ideológicas.
A seguir, trago um quadro síntese da variação no uso das aspas em fake news:

Quadro 12 – Efeitos de sentido no aspeamento de fake news


Fanpage SID SD Aspeamento FD
O Globo 22 37 simples
Efeito de sentido 1: não é
fake news O Antagonista 23 38 Duplo de direita

Efeito de sentido 2: é fake O Antagonista 24 39 Não


news
25 40
Efeito de sentido 3: não é El País Brasil 26 41 e simples de
somente fake news, mas 42 centro-
também desinformação esquerda
Fonte: elaborado pela autora

No corpus analisado neste trabalho, as aspas foram um achado importante. Se, nas
palavras de Authier-Revuz, as aspas são “[...] algo como o eco em um discurso de seu
encontro com o exterior” (AUTHIER-REVUZ, 2016, p. 216), o corpus desta pesquisa aponta
para algo que vai além de um eco. Não se trata apenas de um discurso em seu encontro com o
exterior, mas do efeito do exterior no interior discurso, da produção de efeito de sentido a
partir de uma formação discursiva determinada.
O (não)uso das aspas – no caso da expressão fake – dentre os outros achados, também
revelou pistas sobre o funcionamento da ideologia nas posições assumidas pelos veículos
jornalísticos. Afinal, se “fake” não é fake, a mídia manteve-se inscrita numa formação
discursiva de direita que considerava válida a estratégia da campanha de Bolsonaro e, numa
“escolha muito difícil”, optou pelo vale-tudo contra um partido, o PT. Vale, inclusive, a
aliança com uma FD de extrema direita, na qual Bolsonaro se subjetiva.
Considerando que “um mesmo funcionamento discursivo pode se marcar em
diferentes materialidades significantes” (LAGAZZI, 2019, p. 170), outra materialidade produz
sentidos no recorte discursivo em análise: a imagem. Mas, como alerta Lagazzi, não se trata
de considerar materialidade significante simplesmente como material de análise, “trata-se de
163

considerar o modo de estruturação dos materiais tomados para análise, o modo como
materializam discursos” (LAGAZZI, 2017, p. 36).
As imagens de destaque escolhidas para as sequências imagético-discursivas (SID) 21
(da fanpage de Bolsonaro) e 26 (de El País Brasil) têm uma estrutura bastante semelhante,
mas remetem para duas FDs antagônicas.
A sequência imagético-discursiva (SID) 21 traz como imagem uma publicação de
Haddad no Twitter.

Figura 9 – Imagem utilizada no post que constitui a SID21

Fonte:
<https://www.facebook.com/jairmessias.bolsonaro/photos/a.250567771758883/12456841755
80566>.

Trata-se de uma tabela dividindo Haddad e Bolsonaro em uma lista de temas com a
classificação “contra” e “a favor”. A lista se refere a questões sociais e temas como direitos
trabalhistas, licença maternidade e bolsa família e classifica Bolsonaro com “contra” e
Haddad com “a favor”. Na imagem, o tweet foi utilizado com efeito sombreado escuro e uma
tarja vermelha grande na diagonal com a palavra fake news.
164

Esse mesmo tweet de Haddad também foi escolhido como imagem destaque da
sequência imagético-discursiva (SID) 23 de O Antagonista, o qual usou a referida publicação
real, sem alterações como as produzidas pela fanpage de Bolsonaro.

Figura 10 – imagem utilizada no post que constitui a SID23

Fonte:
<https://oantagonista.uol.com.br/brasil/o-etico-fernando-haddad-mente-nas-redes-
sociais/?fbclid=IwAR3TMCDwBO-
5dZ_mvTMexF62Ttn9uRDqO2lvBiZY9XzHg_sDKJZYiMgqTYY>.
165

As imagens das sequências imagético-discursivas (SID) 21 (figura 8) e 23 (figura 9)


em composição com o discurso textual dos respectivos posts reforçam o sentido produzido
dentro da FD de extrema direita: o de que é Haddad quem divulga fake news. Apesar da
imagem da SID 23 (figura 9) não ter sido editada com a tarja vermelha na qual estava escrito
fake news, a Sd38 (SID23) aponta textualmente para o mesmo efeito de sentido,
especialmente na subsequência – “O ‘ético’ Fernando Haddad mente nas redes sociais”.
Já a sequência imagético-discursiva (SID) 26 também usa uma ilustração com a tarja
fake news na cor vermelha.

Figura 11 – imagem utilizada no post que constitui a SID26

Fonte:
<https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/18/actualidad/1539847547_146583.html?id_externo
_rsoc=FB_BR_CM&fbclid=IwAR38aeeFJ01DiE8h-
JSpIXT_ZMBDaGUQiEBXXq5UWRmce8p_b5TUyN-YMu8>.

Essa tarja está sobre a tela de um celular na qual aparece a imagem de Bolsonaro. Ao
editar a imagem de Bolsonaro com a tarja em vermelho fake news dentro de uma tela de
celular, a sequência imagético-discursiva (SID) 26 (figura 10) aponta para um sentido
produzido em outra FD, a de esquerda, que designa Bolsonaro como disseminador de fake
news. Sem ler o que está no post ou no texto linkado por ele, depreende-se o gesto de
interpretação que relaciona Bolsonaro às acusações de que sua campanha realizou o disparo
em massa de fake news com recursos de caixa 2.
166

Por sua vez, a sequência imagético-discursiva (SID) 25, utiliza como imagem destaque
uma foto de Haddad falando ao celular numa publicação cuja manchete é “Haddad espalha
fake news”.

Figura 12 – imagem utilizada no post que constitui a SID25

Fonte:
<https://www.facebook.com/page/323983461125902/search/?q=haddad%20espalha%20fake
%20news>.

A imbricação entre imagem e texto na sequência imagético-discursiva (SID) 25 cria o


efeito de sentido de comprovação, próprio do fotojornalismo. Afinal, quando a imprensa
noticia um acidente, uma conquista esportiva ou um comício político, por exemplo, as
fotografias compõem a publicação, produzindo um efeito de verdade. Uma imagem carrega o
traço de captar a realidade. E, mesmo sem utilizar uma ilustração editada, como as sequências
imagético-discursiva (SID) 21 (fanpage de Jair Bolsonaro) e 26 (fanpage de El País Brasil),
a SID25 (figura 11) de O Antagonista, por meio do jogo entre texto e imagem, também aponta
para o sentido produzido na FD de extrema direita, de que é Haddad quem espalha fake news.
Retomando o exposto neste capítulo, a repetibilidade pode ser instaurada por
diferentes maneiras, seja pela produção de um mesmo efeito de sentido, seja pela falta, pelo
silêncio, seja, ainda, por um padrão de formulação do discurso jornalístico, como o uso das
aspas para marcar um discurso-outro. Na próxima seção, proponho pensar a relação intrínseca
entre repetibilidade e deslizamento de sentidos na teoria da AD.
167

3.3 REPETIBILIDADE E EFEITO METAFÓRICO

Ao tratar do conceito de memória discursiva, Pêcheux refere que sua estruturação


passa pela repetição e pela regularização e, retomando Pierre Achard, observa que há a
formação de um efeito de série na repetição que dá início à regularização – por meio dos
implícitos, das retomadas e das paráfrases (PÊCHEUX [1983], 2010, p. 52). Em outra obra,
Pêcheux ([1983] 2012c) teoriza que a repetibilidade cria universos logicamente estabilizados,
ou seja, naturaliza determinados sentidos. Contudo, há um jogo de força na memória entre a
regularização por estabilização parafrástica e a desregulação.
Por sua vez, Courtine teoriza sobre o que denomina como repetição vertical “que não é
aquela da série de formulações que formam um enunciado, mas o que se repete a partir disso,
um não-sabido, um não-reconhecido, deslocado e deslocando-se no enunciado [...]”
(COURTINE, 1999, p. 21). Em artigo conjunto, Courtine e Marandin postulam que os
discursos se repetem tanto sincronicamente, “no fio de seu desenrolar”, quanto
diacronicamente, no tempo: “os mesmos temas, as mesmas formulações, as mesmas figuras
retornam, reaparecem” (COURTINE; MARANDIN [1980], 2016, p. 45).
Tudo o que precede vem para retomar o título deste capítulo: “há repetições que fazem
discursos”, que faz referência justamente ao mesmo artigo de Courtine e Marandin (ibid, p.
46). O discurso jornalístico é feito de repetições: mesmos temas, mesmas formulações,
mesmos padrões, mesmos formatos, mesmos mecanismos de antecipação, paráfrases e até o
silenciamento dos mesmos efeitos de sentido. E este capítulo surgiu da percepção destas
repetições no arquivo que deu origem ao corpus da pesquisa. Há uma espécie de modus
operandi do discurso jornalístico que orienta sua formulação, não importa o meio em que
circule – impresso, na TV, no rádio, na internet ou, especificamente, nos sites de redes sociais.
Reconhecendo o discurso como instância material da ideologia, Courtine e Marandin
concebem a eficácia ideológica como um processo de repetições “[...] poliformo nos discursos
cotidianos, ritualizado nos discursos do aparelho – em que as palavras se tomam na rede das
reformulações: repetição no modo do reconhecimento de enunciados e no modo do
desconhecimento do interdiscurso” (ibid, p. 51). Decorre disso as repetições percebidas
enquanto regularidade no arquivo para esta pesquisa. Repetições que são parte do ritual do
aparelho ideológico da Informação e que garantem a eficácia da ideologia dominante. Não por
acaso, no capítulo destinado a tratar das repetições enquanto modus operandi do jornalismo, a
maioria dos posts analisados são os compartilhados por veículos jornalísticos identificados
com as FDs de direita e de extrema-direita.
168

Primeiramente, identifiquei a repetibilidade de um efeito de sentido produzido pela FD


de direita: o PT é corrupto, independentemente de quem seja o candidato. Efeito de sentido
instaurado ainda durante o governo Lula, repetido nas coberturas jornalísticas, ano após ano, e
reforçado na substituição de Lula por Haddad nas eleições de 2018, por meio do
compartilhamento de posts sobre acusações contra Haddad assim que seu nome fora
anunciado como substituto. Nesses posts, chama atenção a nomeação de Haddad. Observemos
a análise da sequência imagético-discursiva (SID) 21 (fanpage de Bolsonaro), no qual Haddad
foi nomeado como “pai do kit gay” (Sd36).
Guimarães (2005) aponta que “é fundamental observar como o nome está relacionado
pela textualidade com outros nomes ali funcionando sob a aparência da substituibilidade”
(GUIMARÃES, 2005, p. 27). Ou seja, a maneira como referimos um nome é, também, uma
predicação, uma determinação da sua significação. Um nome e sua referência designam
alguma coisa. E a relação que interessa não é a estabelecida com o objeto designado, mas com
a exterioridade. Assim, “pai do kit gay” remete à mais propagada fake news durante as
eleições de 201857.
O candidato também foi duas vezes nomeado como “poste”, na Sd 28 (SID15 de
Estadão) e na Sd39 (SID24 de O Antagonista), como “candidato postiço” na Sd32 (SID18 de
Estadão) e como “pau mandado” na Sd36 (SID21 da fanpage oficial de Jair Bolsonaro).
A nomeação de Haddad como “poste”, “pau mandado” e “candidato postiço” são
modos diferentes de referenciá-lo que apontam para um mesmo efeito de sentido: Haddad é
Lula. “Poste” é uma gíria política para referir a transferência de votos de um candidato para
outro de sua confiança. Assim, as designações determinam discursivamente que Haddad,
devido ao impedimento da candidatura de Lula, seria mais que um substituto, seria o corpo e a
voz de Lula num possível governo.

57
Já exposta em análise na seção 2.4.
169

Recorte discursivo 13 – Haddad é Lula

Sequência imagético-discursiva (SID) 27

Fonte: <https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/2205493399718880/?t=7>.

Sequência imagético-discursiva (SID) 28

Fonte:
<https://www.facebook.com/jornalistaslivres/photos/a.292153227575228/884378971685981/
>.

A sequência imagético-discursiva (SID) 27 é a animação de uma charge em que o


rosto de Lula transforma-se no rosto de Haddad e vice-versa. Para que não reste dúvidas,
Haddad é Lula, e Lula é Haddad. Trata-se de uma reiteração para os eleitores e do
chamamento a um voto de confiança pela metáfora da metamorfose. Os dois se misturam
170

numa simbiose que determina que Lula passa a ocupar o corpo de Haddad, enquanto que
Haddad passa a representar Lula.
Na sequência imagético-discursiva (SID) 28, a charge com vários rostos de Lula e o
enunciado “Somos milhões de Lulas” faz referência ao discurso do ex-presidente à militância
no dia em que se entregou à polícia. Nesse discurso, dois trechos podem ser recortados: “eu
não sou mais um ser humano, eu sou uma ideia misturada com as ideias de vocês”; e “minhas
ideias já estão no ar e ninguém poderá encerrar. Agora vocês são milhões de Lulas”. Assim, a
charge da SID28 ecoa o discurso de Lula, atualizando-o e trazendo-o de volta à memória de
seus eleitores, e representa um aval à escolha de Haddad como substituto do candidato.
Todo o processo de nomeação de Haddad, dessa forma, está atrelado aos efeitos de
sentido produzidos em torno do sujeito Lula. O que muda é que a referência à Lula tem um
efeito de sentido diferente em posições-sujeito e formações discursivas diferentes.
Essas diferentes nomeações constroem o que Pêcheux chama de “efeito metafórico”:
“[...] fenômeno semântico produzido por uma substituição contextual para lembrar que esse
‘deslizamento de sentido’ entre x e y é constitutivo do ‘sentido’ designado por x e y [...]”
(PÊCHEUX [1969], 1993a, p. 96). O efeito metafórico, dessa maneira, põe em relação o
discurso com sua exterioridade.
No caso deste corpus, a substituição de x por y se configura no uso de um dos
seguintes termos pelo(s) outro(s): Haddad é designado por “poste”, “pau mandado” e
“candidato postiço”. Conforme Pêcheux, para que haja um efeito metafórico entre dois termos
“[...] é preciso que tenham uma interpretação semântica idêntica [...]” (PÊCHEUX [1969],
1993a, p. 101, grifos do autor).
Para que dois diferentes termos tenham uma interpretação semântica idêntica, é
preciso considerar as condições sócio-históricas e os sujeitos que os mobilizaram, pois o
sentido não é literal e não está colado nas palavras. Sempre há pontos possíveis de deriva e
deslocamento. Por isso mesmo, em Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio,
Pêcheux retoma a reflexão para tratar do modo como o sentido se constitui no interior de uma
FD. Segundo o autor,

[...] o sentido de uma palavra, de uma expressão, de uma proposição etc., não existe
‘em si mesmo’ (isto é, em sua relação transparente com a literalidade do
significante), mas, ao contrário, é determinado pelas posições ideológicas que estão
em jogo no processo sócio-histórico no qual as palavras, expressões e proposições
são produzidas (isto é, reproduzidas) (PÊCHEUX [1975], 1995, p. 160).
171

É o mesmo que dizer que o sentido se constitui nas FDs, nas relações com os saberes
que nelas circulam. O sentido de “poste”, “pau mandado” e “candidato postiço” só pode ser o
mesmo pela relação entre os termos na FD de direita em que esse sentido se constitui.
Pêcheux trata a metáfora enquanto processo discursivo e não como mera substituição
de elementos. Muito além de ser apenas um termo por outro, a metáfora é um jogo de palavras
que põe em disputa diferentes efeitos de sentido, numa articulação entre inconsciente,
ideologia e interdiscurso (Pêcheux [1975] 1995). O efeito metafórico, então, é o que permite
os gestos de interpretação.
Há, pelos menos, dois efeitos metafóricos nos recortes analisados nesta seção. No
primeiro deles, há o efeito metafórico no qual todas as nomeações de Haddad produzem o
mesmo sentido ao serem substituídas, umas pelas outras (“poste”, “pau mandado”, “candidato
postiço”) na FD de extrema-direita: Haddad só foi candidato porque Lula estava preso e teve a
candidatura impugnada, logo quem daria as cartas num possível governo seria o candidato
original, Lula.
O segundo efeito metafórico também trata de uma substituição, embora não mais de
um termo pelo outro, mas de um sujeito por outro: Lula por Haddad. Tal efeito, quando ocorre
na FD de extrema-direita, produz o mesmo sentido do primeiro efeito, relacionando os
petistas à corrupção.
Na Sd28 (SID15 de Estadão) e Sd39 (SID24 de O Antagonista), bem como nas Sd32
(SID18 de Estadão) e Sd36 (SID21 da fanpage de Bolsonaro), os sentidos produzidos pelas
designações de Haddad apontam para a negatividade ao compará-lo com Lula, um político
preso, acusado de corrupção e de um partido que também recebe a designação de
“organização criminosa” em veículos da mídia identificados com a FD de extrema-direita.
Trata-se de dois funcionamentos discursivos diferentes que partem de processos
metafóricos igualmente diversos, mas que produzem efeitos de sentido que circulam em uma
mesma FD (a de extrema-direita). A diferença é que o efeito metafórico ancorado na
substituição de um sujeito por outro - Lula por Haddad - produz, no corpus em análise, dois
efeitos de sentido diferentes. Nas sequências imagético-discursivas (SID) 27 e 28, a ligação de
Haddad à Lula ganha o sentido de positividade: na impossibilidade de Lula ser o candidato,
há a garantia que Haddad levará adiante o plano de governo encabeçado por Lula. Essa
mudança de sentido tem a ver com uma mudança de terreno, ou seja, com a inscrição numa
FD diferente daquela em que a maior parte dos veículos jornalísticos tradicionais e de grande
porte no Brasil se inscreve. A FD de centro-esquerda, na qual os sujeitos de Jornalistas Livres
172

estão identificados, põe em circulação outros sentidos relacionados à substituição de Lula por
Haddad.

Quadro 13 – Designação e determinação discursiva de Haddad e de Lula


SDs/ Fanpage Designação Designação Determinação Determinação FDs
Recortes de Haddad de Lula discursiva de discursiva de
Haddad Lula
Sd28 Estadão Poste chefão Efeito de sentido uma ameaça
político58 de simulacro de
Lula

Sd39 O Antagonista Poste ------ Efeito de sentido uma ameaça


de
de simulacro de
direita
Lula

Sd32 Estadão candidato líder Efeito de sentido uma ameaça


postiço encarcerado de simulacro de
Lula

Sd36 Fanpage de pau mandado corrupto Efeito de sentido uma ameaça


Jair Bolsonaro preso de simulacro de de
Lula extrem
a-
direita
SID27 Jornalistas -------- metamorfos Lula uma ideia
Livres e ambulante de
SID28 Jornalistas -------- nós/povo Lula uma ideia centro-
Livres esquer
da
Fonte: elaborado pela autora.

Ser um simulacro de Lula na FD de direita, na qual os sujeitos das fanpages de


Estadão e O Antagonista estão identificados, e na FD de extrema-direita, na qual Jair
Bolsonaro se inscreve, é negativo, pois os saberes que nelas circulam apontam Lula como
uma ameaça ao país. Por outro lado, na FD de centro-esquerda, na qual os sujeitos de
Jornalistas Livres estão inscritos, os saberes que circulam estão ancorados no imaginário de
Lula como um líder político exemplar que deve ser seguido. Assim, as diferentes designações

58
A designação pode ser encontrada no link referente à sequência imagético-discursiva (SID) 15, no qual se tem
acesso ao texto de Estadão, disponível em:
<https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,candidatura-
fake,70002454683?utm_source=facebook%3Anewsfeed&utm_medium=social-organic&utm_campaign=redes-
sociais%3A082018%3Ae&utm_content=%3A%3A%3A&utm_term&fbclid=IwAR1jBcIRwg5fEtX1HpTCQWj
1bOQaM_YMwvZdgz-GT5my3ZBXZG9A0RXbBaY>.
173

de Haddad nos posts o determinam discursivamente, partindo das determinações discursivas


que também se fazem sobre Lula, e constituem uma rede de determinações que
sobredeterminam discursivamente Haddad.
Ademais, a ligação dos petistas à corrupção instaura uma rede de repetibilidade.

Quadro 14 – Paráfrases e a rede de repetibilidade instaurada sobre Haddad

Sd21 (SID10 de O Globo) Sd22 (SID11 de Estadão) Sd24 (SID12 de O


Antagonista)
“Ministério Público “Haddad responde a 8 “Haddad denunciado por
denuncia Haddad por ações após gestão na corrupção e lavagem
corrupção e lavagem de Prefeitura”
dinheiro
Fonte: a autora.

Nas sequências imagético-discursivas (SID) 10, 11 e 12 de Estadão, O Globo e O


Antagonista, respectivamente, paráfrases levaram ao mesmo efeito de sentido: todo petista é
corrupto. Repetições não literais, pois, conforme Courtine e Marandin “não há uma identidade
de um discurso ou de uma formação discursiva que venha reinscrever-se de forma anônima
nas tomadas de palavras individuais [...]” (COURTINE E MARANDIN, [1980] 2016, p. 46).
Ou seja, se o efeito de sentido for repetido é porque os veículos se inscrevem numa mesma
formação discursiva, partilhando dos mesmos saberes.
Convém assinalar que a repetibilidade de que trato se refere ao que Courtine e
Marandin entendem como “[...] variação regulada na ordem do mesmo e da repetição [...]”,
expressa na construção do arquivo que constitui o corpus de pesquisa como “[...] marcas
formais (palavras, sintagmas, formulações...) que são recorrentes no conjunto de sequencias
discursivas de um corpus [...]” (ibid, p. 36), onde repetibilidade, reformulação e deslizamento
são indissociáveis. É por isso que um mesmo efeito metafórico de substituição de um termo
por outro pode deslizar de uma determinação para outra, no caso do corpus em análise, para
reforçar o mesmo efeito de sentido.
174

3.4 SOBRE A REPETIÇÃO NAS REDES

Ao optar por um gesto de leitura que se ocupa tanto da produção quanto da circulação
do discurso jornalístico, é preciso levar em consideração que a repetibilidade ocorre nos dois
níveis. O novo modo de circulação por meio do compartilhamento nas redes também
apresenta regularidades que se repetem. Nos sites de redes sociais, a repetibilidade começa
por aquilo que Paveau (2021) designa como tecnodiscurso relatado, o qual “consiste em
transferir um discurso de um espaço digital nativo fonte para um espaço digital nativo alvo,
por meio de um procedimento automatizado de compartilhamento [...]” (PAVEAU, 2021, p.
315). A maioria dos posts publicados nas fanpages dos veículos jornalísticos analisados é de
notícias compartilhadas dos próprios sites desses veículos.
A circulação dos discursos no Facebook se dá por um botão denominado
“compartilhar”. É o que acontece não somente com os usuários do Facebook que
compartilham posts de outros locais da internet em seus perfis na rede, mas com os próprios
veículos jornalísticos que compartilham as notícias diretamente dos seus sites ou blogs nas
suas fanpages.
A autora explica que o tecnodiscurso relatado, ou a postagem de um site ou blog
compartilhada no Facebook, passa por algumas etapas. Na primeira delas, “o botão de
compartilhamento do Facebook (um tecnosigno) permite abrir uma janela (forma de discurso
citante) que transfere o discurso destinado a ser relatado (discurso citado) em t + 1 e e2 59

(ibid, p. 317).
Essa repostagem ou compartilhamento pode ou não vir acompanhada de um
comentário do sujeito que está realizando a ação. A janela de compartilhamento permite a
ampliação dessa forma do discurso relatado. Um clique num botão “completa o
compartilhamento do discurso citado, que se encontra então integrado a outro ambiente, o
espaço 2” (ibid, p. 317).
A autora chama de “embutimento de metadados” o que ocorre com o
compartilhamento de um conteúdo de um site jornalístico, por exemplo, que, quando
compartilhado, carrega consigo todas as informações anteriores: texto, imagem, link ou
comentários. No entanto, a técnica não está imune à falha. As sequências imagético-
discursivas (SID) 4, 15, 18, 19 e 20 de Estadão e 6 de O Globo, já analisadas nas seções e
capítulos anteriores, são exemplos dessa falha. Os leitores menos atentos podem não ter

59
T + 1 se refere ao tempo em que uma postagem foi compartilhada no Facebook, independente do tempo em
que foi postada no site de origem, enquanto e2 se refere ao local onde a postagem foi compartilhada.
175

percebido, mas apesar de tais postagens serem o que Paveau chama de embutimento de
metadados, as imagens dos sites jornalísticos de origem não foram carregadas para as
fanpages. Nessas sequências imagético-discursivas há somente uma marcação de que ali é um
lugar reservado para uma imagem, sem a presença dela. Esses posts são compostos apenas
pela manchete e por uma breve descrição60. Aí está o imbróglio da relação homem X
máquina. Por mais que o funcionamento dos algoritmos pareça automático, ele necessita de
sujeitos para desenvolver e executar sua programação. Se o sujeito falha, a programação falha
e a imagem de automaticidade também falha.
Cabe reforçar que os posts que compõem o resultado da busca por palavras-chave nas
fanpages dos veículos jornalísticos selecionados remetem ao que Paveau classifica como
tecnodiscurso relatado direto integral: “[...] um compartilhamento com ou sem ampliação por
um comentário, que constitui, por exemplo, o compartilhamento de uma postagem de blog em
uma conta do Facebook, por meio de uma janela de compartilhamento, com ou sem
comentário do internauta” (ibid, p. 319). Trata-se de posts que são compartilhados dos sites
dos veículos de informação para as suas respectivas fanpages no Facebook, geralmente com
manchetes extraídas do próprio texto compartilhado, configurando, assim, a repetibilidade nas
redes.
Ao analisarem os modos de tomada de posição nas redes, Grigoletto e Galli (2021)
apontam que tais modos podem produzir identificação ou somente aderência. Acontece que,
nos posts de fanpages dos veículos de informação, a tomada de posição se dá no momento de
produção da notícia. Assim, o compartilhamento dos posts apenas reforça a tomada de
posição do veículo, replicando o conteúdo em um novo canal.
O compartilhamento de conteúdos no caso do Facebook pode ser integral
(compartilhamento de uma postagem de um blog ou de um conteúdo de uma fanpage ou,
ainda, de um conteúdo publicado por um usuário, com ou sem comentários do usuário que fez
o compartilhamento) ou repetidor (quando um usuário apenas copia e cola um conteúdo de
outro usuário em sua conta, em vez de compartilhá-lo). Assim, o tecnodiscurso relatado é o
modo como ocorre a reversibilidade entre os enunciadores A e B nos sites de redes sociais.
Em seus estudos sobre a retomada do esquema comunicacional de Jakobson por
Pêcheux, Indursky resume que “A formula seu discurso a partir de seu lugar social e afetado
por suas condições de produção e B interpreta o referente a partir de seu lugar social e

60
Conforme expliquei no recorte discursivo 4, localizado na seção 2.4, a falha (ou o bug, no jargão dos
profissionais) pode ocorrer porque a imagem escolhida para ser transposta do site à fanpage como destaque está
fora do padrão recomendado. Ou, ainda, há algo de errado no código da programação.
176

determinado por suas condições de produção que não são as mesmas de A” (INDURSKY,
2014, p. 116).
Com base no que precede, desloco essa reflexão para pensar no meu objeto de análise.
Ao compartilhar um conteúdo de A nas redes, B toma o lugar de A, referendando-o ou
rechaçando-o, instaurando uma forma de reversibilidade diferente daquela face a face da
enunciação proposta nos termos de Benveniste (1995). Trata-se de uma reversibilidade virtual
entre locutores que não ocupam um mesmo espaço físico e podem ocupar diversos lugares
sociais, se inscreverem em diferentes formações discursivas e pertencerem a bolhas distintas.
O que ocorre é uma sobreposição, uma sobredeterminação de enunciadores. Os conteúdos
compartilhados vão carregando uma trilha de aderência (GALLI; GRIGOLETTO, 2021) ou
de identificação ideológica dos sujeitos que realizaram o compartilhamento, seja por meio do
compartilhamento em si, referendando a informação, ou por meio do compartilhamento
comentado se contrapondo ao conteúdo. E o ato de replicar informações, seja pelos sujeitos
usuários, ou por robôs digitais, produz “um efeito de esvaziamento dos sentidos pré-
construídos, os quais poderiam dar sustentação às identificações ideológicas e à atualização da
memória [...]” (GALLI; GRIGOLETTO, 2021, p. 250). Todavia, o compartilhamento nos
sites de redes sociais também pode produzir um efeito de reforço dos sentidos pré-construídos
que não apenas dá sustentação às identificações ideológicas, mas produz um segundo efeito, o
de sobredeterminação dessas identificações pelo funcionamento da modalidade da
identificação plena. É o caso das eleições de 2018 conforme as análises empreendidas até
aqui.
Os capítulos e seções apresentados anteriormente analisaram os modos de produção
dos discursos jornalísticos: seus processos discursivos determinam como os veículos de
comunicação constroem as notícias e quais efeitos de sentido estão implicados no ato de
produção dos discursos. Tal análise é fundamental para dar conta de um dos objetivos desta
tese que é investigar como os acontecimentos que determinaram as eleições de 2018 foram
discursivizados pela mídia.
A partir desta seção, dei início ao movimento de análise que leva em consideração a
circulação do discurso jornalístico na contemporaneidade. No próximo capítulo, avançarei na
descrição e análise dos efeitos produzidos por esses novos modos de circulação que foram
instituídos pela evolução da tecno(ideo)logia.
177

4 OS NOVOS MODOS DE CIRCULAÇÃO DO DISCURSO JORNALÍSTICO

A burguesia não pode existir sem revolucionar constantemente os


instrumentos de produção, portanto as relações de produção, e por conseguinte
todas as relações sociais.
(Marx; Engels, 2008, p. 15)

Em um passado recente, a rotina de muitos indivíduos ao acordar era folhar o jornal


diário, sintonizar o rádio ou ligar a televisão para se informar sobre os últimos acontecimentos
antes de ir ao trabalho. Nas condições de produção atuais, a primeira coisa que os sujeitos
fazem, em sua maioria, ao despertar, é agarrar o celular, conferir as notificações e descer a
barra de rolagem de um site de rede social.
O vertiginoso crescimento do acesso aos sites de redes sociais resulta numa profusão
de informações e visões de mundo sem medida. Ou, como aponta Araújo Neto, “criou-se uma
nova ordem de comunicação em adição à existente: de uma estrutura tradicional de poucos
emissores para ‘n’ interlocutores, passou-se para a difusão da massa para a massa” (ARAÚJO
NETO, 2022, p. 63). Os veículos tradicionais competem com fontes múltiplas de informação,
já que “as plataformas de redes sociais e mensageria (SIC) digital estão colocando em declínio
a forma impressa secular de circulação de informações [...]” (ibid, p. 64).
Para ter uma ideia da importância dos sites de redes sociais no Brasil, como já havia
sublinhado anteriormente, o Facebook acaba sendo confundido com a própria internet por
milhares de usuários. São pessoas que até pouco tempo atrás eram os chamados analfabetos
digitais, sem acesso a computadores e à internet e que, agora, através dos seus smartphones,
estão descobrindo o mundo digital por meio dos sites de redes sociais. A conexão à internet,
assim, se dá prioritariamente pelas redes.
Tanto avanço tecnológico não mudou somente a forma de produzir e consumir
informações, mas a própria circulação dos discursos. O que, nos primórdios da internet, era
visto como positivo, pois se multiplicariam as possibilidades de acesso e a quantidade de
informação. É como refere Pêcheux ao citar a máxima “Isso circula” ([1981] 2016),
remetendo a essa imagem positiva dada à circulação e, por outro lado, aos “[...] turbilhões
esfumaçados do ‘não importa o quê’ destinados a chamar a atenção, desviando-a ‘dos
problemas reais’” (PÊCHEUX, [1981] 2016, p. 28). Pêcheux critica a imagem “duplamente
complacente” da circulação. Uma vez que esse “não importa o quê” é justamente o princípio
da circulação dos discursos, pois “[...] as circulações discursivas nunca são aleatórias [...]”
(ibid, p. 28).
178

Aliás, nas condições de produção atuais, haja espaço para tanto “não importa o quê”!
A circulação dos discursos tem seguido um fluxo caótico determinado pelos algoritmos nos
sites de redes sociais, pois, neles, somos incitados a expor informações pessoais que são
comercializadas para se transformarem em anúncios personalizados disparados pela ação de
algoritmos. Anúncios que não se restringem a produtos ou serviços, mas vendem imagens,
reputações e até mesmo candidatos.
Para o filósofo Byung-Chul Han, o protagonismo dos sites de redes sociais nas
campanhas eleitorais é tanto que “o botão de curtir é a cédula eleitoral digital. A internet ou o
smartphone são o novo local de eleição. E o clique do mouse ou um rápido toque com o dedo
substitui o discurso” (HAN, 2018a, p. 117). E nesse imbróglio, onde fica a política? Será que
os sites de redes sociais são espaços que constroem uma cena comum, referida por Rancière
(1996)? De acordo com o autor, “a política é primeiramente o conflito em torno da existência
de uma cena comum, em torno da existência e a qualidade daqueles que estão ali presentes
(RANCIÈRE, 1996, p. 39-40). Assim, os sites de redes sociais parecem estabelecer um
simulacro de cena comum. Eles apenas simulam uma cena comum, enquanto encarceram os
sujeitos em bolhas, dissipando conflitos e apagando as contradições próprias do político. O
estabelecimento de uma cena comum não passa de um imaginário produzido pelo
funcionamento tecno(ideo)lógico das redes.
Por falar em simulacros, se a internet é o novo local de eleição, a timeline é a rua. E
esse efeito de evidência encobre o funcionamento ideológico dos processos de identificação
nos sites de redes sociais e encobre o fato de que são os algoritmos que determinam o que
circula e, por conseguinte, o que vemos em nosso feed.
São as questões sobre as relações de força nesse emaranhado tecno(ideo)lógico que
determinam os sentidos e enredam os sujeitos em diferentes formas de assujeitamento nos
sites de redes sociais que interessa discutir neste capítulo.

4.1 A ENGRENAGEM ALGORÍTMICA

Os algoritmos estão presentes em todas as funções executadas na internet e fazem


parte da nossa vida, organizando desde tarefas do cotidiano até nossas próprias tomadas de
decisão. Conforme Machado, “algoritmos podem ser descritos como uma série de instruções
delegadas a uma máquina para resolver problemas pré-definidos” (MACHADO, 2018, p. 48).
179

Por sua vez, modulação algorítmica é o nome dado ao ato de programar os algoritmos
para “aprenderem” a prever comportamentos dos usuários, antecipando suas ações. Mozorov
(2018) explica o funcionamento da modulação algorítmica comparando-a ao filtro de spam de
um programa de e-mail: o filtro “aprende” com os usuários a classificar restritivamente o que
é e o que não é spam. O filtro “consegue ensinar o sistema a reconhecer uma boa regra e
também informar a hora certa de achar outra regra capaz de encontrar uma boa regra – e assim
por diante” (MOROZOV, 2018, p. 85). O mesmo ocorre com os algoritmos, os quais são
criados para “aprenderem” a captar variantes.
A modulação depende da quantidade de dados que se tem sobre uma pessoa e da
quantidade máxima possível de pessoas para extraí-los. Concedemos nossas informações sem
suspeitar que serão usadas pelas empresas para obter lucro, afetando a forma como
navegamos nas redes. Através dessas informações, empresas podem traçar perfis psicológicos
dos usuários e encaminhar listas de possíveis apoiadores de uma causa, uma ideia ou um
projeto político. Esses perfis podem orientar campanhas eleitorais, como no caso dos EUA em
2016 e no Brasil em 2018, ampliando potencialmente a circulação e o peso de determinados
discursos.
Tal base de dados e o seu processamento é o que se tem chamado de ciência de big
data. Shoshana Zuboff (2018, p. 32), autora reconhecida por tratar da exploração de nossos
dados na internet, relata que o sucesso e o crescimento do Google com a coleta de dados
impulsionou o big data. A autora explica que “os processos extrativos que tornam o big data
possível normalmente ocorrem na ausência de diálogo ou de consentimento, apesar de
indicarem tantos fatos quanto subjetividades de vidas individuais” (ibid, p. 34, grifos da
autora).
Tudo o que informamos aos sites de redes sociais é rentável, desde nosso status de
relacionamento à nossa alimentação. Morozov (2018) indica que as empresas criam formas
inteligentes para que forneçamos nossos dados voluntariamente. Quando criamos um perfil
num site de rede social, fornecemos variadas informações sobre nossas vidas para termos a
permissão da utilização dessa rede. Por isso, os serviços são “gratuitos”. Martins aponta que
“não pagamos para entrar na maior parte das redes sociais, porque é por meio das informações
capturadas por elas que acabam ganhando dinheiro” (MARTINS, 2020, p. 194). Tal processo
constitui o que Cristiane Dias chama de “sujeito de dados”, cujos “[...] sistemas são
determinantes do processo de individualização dos sujeitos por um Estado econômico-
tecnológico” (DIAS, 2018, p. 168).
180

No estudo realizado pelo coletivo Intervozes, Valente e Pita (2018) observam que o
modelo de big data tem impulsionado uma busca incessante por informações pessoais – seja
em sites de redes sociais, em aplicativos que condicionam seu uso à permissão para acesso
aos contatos, imagens e microfones, ou por meio de cookies que rastreiam a navegação –, mas
o que é feito desses dados é uma incógnita. Se há opacidade na modulação e na regulação
algorítmica e se os dados alimentam essa regulação, nossa atenção deve se voltar aos dados, à
sua captação e à violação da privacidade no acesso a eles.
Por isso mesmo, a ciência de big data tem levantado muitas questões éticas referentes
à utilização sem autorização prévia dos dados pessoais que espalhamos por toda internet.
Esses dados são como rastros que permitem o mapeamento dos caminhos que percorremos na
web, ampliando a capacidade de controle e vigilância e orientando campanhas políticas que
afetam o próprio sistema democrático. É claro que antes da internet, outras formas de controle
já existiam e eram utilizadas pelo Estado e pelas corporações, mas de maneira difusa. A
diferença é que com big data nós colaboramos com o processo, nos transformando em
“sujeitos de dados”.
O rastreamento dos sujeitos por meio da perseguição dos dados configura o que
Zuboff chama de capitalismo de vigilância. “Essa nova forma de capitalismo de informação
procura prever e modificar o comportamento humano como meio de produzir receitas e
controle de mercado” (ZUBOFF, 2018, p. 18). No capitalismo de vigilância, o poder e o
controle não são mais centralizados. “Se o poder já foi uma vez identificado com a
propriedade dos meios de produção, agora ele é identificado com a propriedade dos meios de
modificação comportamental” (ibid, p. 45).
Diria até que os meios de modificação comportamental são, também, meios de
produção que se transformaram com a era da internet. Como observa Bucci, “os meios de
produção se tornaram ultraportáteis” (BUCCI, 2021, p. 28). Enquanto os sujeitos acreditam
estar se divertindo nos sites de redes sociais ou nos games, eles estão, na verdade, fazendo
funcionar o mais novo modelo de meio de produção. O sujeito é consumidor, é trabalhador e é
mercadoria ao mesmo tempo, pois, enquanto usuário, consome os produtos oferecidos,
embora produza conteúdos (fotos, vídeos, imagens, etc.) e seus dados alimentem todo o
mecanismo baseado em big data. E se nossos dados, ou melhor, nossas subjetividades, podem
ser vendidas para candidatos que desejam vencer uma eleição presidencial, o voto, sobretudo,
também se tornou uma mercadoria. Sujeitos que replicam posts que favorecem um
determinado candidato tornam-se seus cabos eleitorais, “vendendo” uma candidatura. Quanto
181

mais sujeitos replicando posts, mais visualizações e maior a chance de votos. Ou seja, é o
capital que sobredetermina a disputa.
O ponto fundamental da reflexão desenvolvida nesta seção, aliás, é a transformação
dos sujeitos na tríade consumidor/produtor/mercadoria pelos sites de redes sociais. Até pouco
tempo atrás, os sujeitos estavam fadados a serem meros leitores, espectadores. Com os sites
de redes sociais, eles também se tornam produtores e reprodutores de informação. Isso alterou
profundamente o funcionamento do Aparelho Ideológico da Informação, a hegemonia da
mídia impressa, radiofônica ou televisiva e, sobretudo, a circulação dos discursos.
Nos sites de redes sociais, os conteúdos jornalísticos disputam espaço com conteúdos
pessoais e qualquer outro tipo de conteúdo publicitário ou empresarial. E o que determina
quais informações chega aos usuários não é mais o alcance de determinado veículo, seu
prestígio, reconhecimento ou reputação, mas processos algorítmicos nada transparentes.
Os usuários das redes, em sua maioria, não conhecem a nova lógica do capitalismo de
vigilância ao mesmo tempo em que desconhecem que são, eles mesmos, os produtos cujos
dados enriquecem as grandes corporações de internet. Desconhecem, sobretudo, o fato de que
os instrumentos que possibilitam a vigilância também são usados para exploração no campo
do trabalho ou para eleger um candidato e derrotar outro. O problema é que, segundo Zuboff
[...] nada na experiência passada havia preparado as pessoas para essas novas práticas,
havendo, portanto, escassez de barreiras para que se protegessem [...]” (ZUBOFF, 2018, p.
58). A inexperiência dos usuários aliada à dependência das novas ferramentas de
comunicação criou as condições ideais para o extrativismo de dados e, consequentemente,
para o capitalismo de vigilância. Dados, esses, também utilizados por políticos, seja para
comunicar-se com seus apoiadores, defender uma determinada ideia ou projeto, ou, ainda,
para captar possíveis eleitores em campanhas realizadas nos sites de redes sociais. O
capitalismo de vigilância tem ganhado novos contornos e proporções. Diria que, com o viés
político-eleitoral, o capitalismo de vigilância transforma-se em instrumento de vigilância
política.
A propósito, a participação na sociedade está cada vez mais condicionada ao uso dos
sites de redes sociais. Não basta votar num candidato, é preciso manifestar apoio nas redes,
curtir, comentar e compartilhar informações favoráveis a esse candidato. Ao fazer essas ações,
o sujeito se converte em cabo eleitoral, instaurando um processo em espiral: a cada novo
compartilhamento, surge um novo sujeito que angaria votos para o seu candidato de forma
gratuita. Em pouco tempo forma-se um exército de cabos eleitorais espalhados pelos sites de
182

redes sociais que se soma às milícias digitais formadas por robôs, os quais atuam da mesma
forma, impulsionando conteúdos.
De tudo o que precede, depreende-se que os algoritmos que regulam os sites de redes
sociais parecem não se encaixar num único aparelho ideológico, o da informação. Eles
atravessam outros tantos aparelhos, pois têm uma característica híbrida, se pensarmos que as
escolas estão nas redes, as igrejas estão nas redes e a mídia também está nas redes e todas
essas instituições tradicionais também são afetadas pelos algoritmos. Nos sites de redes
sociais, observo que os discursos têm um funcionamento diferente, uma circulação imposta
por novas práticas e rituais de um outro aparelho, que proponho denominar aparelho
tecno(ideo)lógico algorítmico (AA), forjado pelos modos de produção da nossa formação
social na atualidade.
Os efeitos desse aparelho no AIE da informação já começam a ser percebidos quando,
por exemplo, um veículo jornalístico altera o fluxo e a circulação de seus conteúdos e decide
deixar de publicar as notícias e reportagens no Facebook, como é o caso da Folha de São
Paulo.
No momento em que estava construindo o projeto de tese, havia listado Folha de São
Paulo como um dos veículos da grande mídia para integrarem a pesquisa. O jornal e sua linha
editorial sempre tiveram papel determinante, pautando vários debates nacionais. Qual foi
minha surpresa ao visitar a fanpage da Folha e me deparar com uma postagem de 8 de
fevereiro de 2018 (data anterior ao estabelecimento dos marcos temporais aqui propostos para
a construção do arquivo desta pesquisa), comunicando que o veículo deixaria de publicar seus
conteúdos no Facebook, embora sua fanpage seria mantida na rede. No texto, a justificativa
paira sobre os tais algoritmos, como podemos ver no Recorte Discursivo 14, a seguir.
183

Recorte discursivo 14 – As bolhas

Sequência imagético-discursiva (SID) 29

Fonte: <https://www.facebook.com/folhadesp/posts/2275863899122267>.

SD43
O algoritmo da rede passou a privilegiar conteúdos de interação pessoal, em detrimento dos
distribuídos por empresas, como as que produzem jornalismo profissional. Isso reforça a
tendência do usuário a consumir cada vez mais conteúdo com o qual tem afinidade,
favorecendo a criação de bolhas de opiniões e convicções, e a propagação das “fake news”.61

SD44
Sem conseguir resolver satisfatoriamente o problema de identificar o que é conteúdo relativo
a jornalismo profissional e o que não é, a rede anunciou no mês passado que reduziria o
alcance das páginas de veículos de comunicação, entre outros.

SD45
Anteriormente, o Facebook tentou cooptar as empresas de mídia para seu projeto Instant
Articles. Nele, os veículos transferem gratuitamente seu conteúdo para a rede social, sem
direito a cobrar pelo acesso a ele, em troca de acelerar o carregamento das páginas. A única
remuneração oferecida pelo Facebook diz respeito à venda de anúncios dentro de sua
plataforma. A Folha jamais aceitou as condições e nunca integrou o Instant Articles.

SD46

61
As Sds 43, 44, 45 e 46 foram extraídas do texto a que se tem acesso pelo link da sequência imagético-
discursiva (SID) 29. Fonte:<https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/02/folha-deixa-de-publicar-conteudo-no-
facebook.shtml?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=fbfolha&fbclid=IwAR2YQeRzH
sjJsSjrhn0i7x6ZxWkN1kf_Y3dlrpjsZ37EL7s7APCOvNbWBYg>.
184

Em contraste com esse condomínio fechado das convicções autorreferentes, caberá ao


conjunto dos veículos semelhantes à Folha enfatizar sua condição de praça pública, em que se
contrapõem os pontos de vista mais variados e onde o diálogo em torno das diferenças é
permanente.

A Sd43 aponta para a personalização do funcionamento dos algoritmos. Em 4 de


dezembro de 2009, o Google deu início à era da personalização ao começar a utilizar
ferramentas para prever as preferências dos seus usuários. O efeito disso, conforme Pariser
(2012), é que “já não existe o Google único” (PARISER, 2012, p. 8). O Google havia criado
um processo quase perfeito de personalização de conteúdos, só havia a dificuldade de mapear
os gostos e interesses dos usuários. Partindo do mesmo processo de personalização, o
Facebook dedicou-se justamente para mapear tais interesses. “Em vez de examinar os
indicadores de cliques para adivinhar o gosto das pessoas, o plano por trás de sua criação, o
Facebook, era simplesmente perguntar a elas” (ibid, p. 37).
Desde então, as grandes empresas da internet se digladiam para extrair o máximo de
informações sobre seus usuários. Com informações personalizadas, a chance de conseguir
vender (produtos, ideias e candidatos) aumenta consideravelmente. O extrativismo de dados
leva a um imenso acúmulo de informações, mas se engana quem pensa que quantidade de
informações leva à diversidade. Pelo contrário, o funcionamento dos algoritmos baseados em
big data está isolando as pessoas naquilo que Pariser (2012) chama de bolhas, conforme
iniciei a pontuar na seção 3.4. O autor explica que

Primeiro, estamos sozinhos na bolha. [...] Numa época em que as informações


partilhadas são a base para a experiência partilhada, a bolha dos filtros é uma força
centrífuga que nos afasta uns dos outros. Segundo, a bolha dos filtros é invisível. [...]
Por fim, nós não optamos por entrar na bolha. [...] Eles vêm até nós – e, por serem a
base dos lucros dos sites que os utilizam, será cada vez mais difícil evitá-los
(PARISER, 2012, p. 14-15).

Em outras palavras, os filtros criam bolhas que cercam os sujeitos em espaços onde
circulam somente discursos com os quais se identificam. Entretanto, ao pensarmos a teoria
das bolhas dos filtros de Pariser, sob a ótica da análise de discurso pêcheuxtiana, entendemos
que os filtros são ideológicos e que, portanto, essas bolhas também são ideológicas, talvez
com fronteiras menos porosas que as das FDs e FIs por conta da ação dos algoritmos.
Se os sujeitos só se tornam sujeitos quando assujeitados pela ideologia, o trabalho dos
algoritmos é capturá-los ideologicamente para, então, transformá-los em mercadoria. Aliás, os
algoritmos podem formar as bolhas enredando os sujeitos sem avisá-los sobre os processos
tecnológicos que regulam seu funcionamento, mas não são esses processos que mantêm e
185

sustentam as bolhas, é o contrário: são os processos ideológicos que dão tal sustentação. Isso
explica a formulação da noção de tecno(ideo)logia, elaborada nesta tese, pois não há
funcionamento tecnológico apartado da ideologia nos sites de redes sociais.
Um sujeito permanece na bolha porque se identifica/adere (GALLI; GRIGOLETTO,
2021) aos discursos que nela circulam. No caso das eleições de 2018, os sujeitos das redes
bolsonaristas não apenas aderiram, mas identificaram-se plenamente ao candidato. Convém
destacar que usuários do Facebook não são convertidos em apoiadores de um determinado
candidato pelos algoritmos. Os algoritmos apenas reúnem sujeitos que já se identificam com o
mesmo posicionamento ideológico e com predisposição a apoiar o candidato x ou y. A equipe
da campanha de Bolsonaro soube administrar com eficiência os processos algorítmicos nas
eleições de 2018, ampliando a circulação e o alcance do seu discurso e, desse modo,
instrumentalizando e facilitando o processo de captura ideológica de apoiadores e eleitores.
Da mesma forma que as FDs, as bolhas não são homogêneas e o que regula o que pode
e deve ser dito dentro delas é a programação algorítmica. Se pensarmos numa campanha
eleitoral, a capacidade de alcance de um discurso ampliada pelos algoritmos é um recurso
determinante para seu sucesso, como foi na campanha de 2018. E quanto mais os algoritmos
agem “protegendo” as fronteiras dessa bolha, maior é a chance de que o apoio nas redes
sociais se transforme em voto, como ocorreu na eleição presidencial objeto de análise desta
tese.
O efeito de tal processo num regime democrático é arrebatador, já que as campanhas
políticas estão se transformando com as novas tecnologias e o surgimento das redes sociais. O
que aconteceu nos EUA em 2016 (quando dados de usuários do Facebook foram usados para
a disseminação de desinformação que ajudou Trump ganhar a eleição) não serviu de alerta62
para o Tribunal Superior Eleitoral ou para o Supremo Tribunal Federal e o Brasil repetiu a
mesma história em 2018 com uma particularidade: não houve os tradicionais debates
televisivos no segundo turno das eleições presidenciais brasileiras de 2018 em função da
ausência do candidato Jair Bolsonaro. Se não serviu de alerta para os órgãos que regulam o
processo eleitoral e protegem a democracia no país, serviu de alerta para a campanha de
Bolsonaro que buscou repetir no Brasil as mesmas táticas exitosas de Trump nos EUA.
Nas eleições brasileiras de 2018, os candidatos falaram diretamente com seus públicos
pelos sites de redes sociais. Aqueles com mais habilidades para lidar com os “sujeitos de

62
Se não serviu de alerta para os órgãos que regulam o processo eleitoral e protegem a democracia no país,
serviu de alerta para a campanha de Bolsonaro que buscou repetir no Brasil as mesmas táticas exitosas de Trump
nos EUA.
186

dados” (DIAS, 2018) tiveram mais êxito, como foi o caso de Bolsonaro que virou um
fenômeno nas redes, com exércitos de bots em sua defesa e a disseminação de fake news sobre
seus adversários. Trata-se das massas invisíveis, determinadas econômica e ideologicamente,
como refere Indursky (2021).
Estamos cada vez mais presos em nossas bolhas sem considerar que possa haver
outras milhares de bolhas diferentes, formadas por outros tantos milhões de pessoas. Na
verdade, a bolha nos prende num ciclo infinito de sobredeterminação: nossos cliques no
passado sempre estarão determinando o que veremos no futuro. Ao analisar o funcionamento
da noção de sobredeterminação, Indursky observa que, mesmo em campos diferentes, o seu
funcionamento tem algo em comum: “a acumulação de diferentes fatores” (INDURSKY,
2013, p. 237). Deslocando o conceito para a AD, a autora propõe pensar em “determinações
sucessivas e encadeadas” (ibid, p. 237). Pode-se dizer, assim, que o processo de
sobredeterminação das bolhas parte do assujeitamento ideológico dos sujeitos usuários dos
sites de redes sociais que, ao curtirem, comentarem ou compartilharem os conteúdos com os
quais se identificam, retroalimentam essa identificação, sobredeterminando-a.
A homogeneização enquanto princípio de funcionamento das bolhas incide
diretamente no funcionamento do político. Segundo Rancière, “o que constitui o caráter
político de uma ação não é seu objeto ou o lugar onde é exercida mas unicamente sua forma, a
que inscreve a averiguação da igualdade na instituição de um litígio, de uma comunidade que
existe apenas pela divisão” (RANCIÈRE, 1996, p. 44), logo, contornar essa divisão é atentar
contra a política.
Cabe destacar que a bolha dos filtros é controlada por um número pequeno de grandes
corporações e é nas mãos delas que está o poder de controlar nossos fluxos na internet. “Em
vez de descentralizar o poder, como previram alguns dos entusiastas da internet, a rede de
certa forma o concentra (PARISER, 2012, p. 126). As bolhas atuam limitando os conteúdos
do feed de notícias dos usuários do Facebook e privilegiando posts de amigos e páginas com
que se tem maior interação. Isso interfere na circulação dos conteúdos jornalísticos na rede e
faz com que posts do MBL, por exemplo, tenham muito mais interação do que posts de
veículos jornalísticos, seja no período das manifestações de 2013 ou nas eleições de 2018,
conforme vimos nas análises do recorte discursivo 2. Nessas análises, vimos que a
repetibilidade de um efeito de sentido se instaura não apenas no discurso jornalístico, mas no
discurso de movimentos políticos, como o MBL.
Sob a perspectiva da produção dos discursos, observamos que a construção discursiva
“o PT é corrupto” se repete em vários discursos que circularam no Facebook. E, sobretudo,
187

que a publicação a qual denominei de postfleto – um card compartilhado nos sites de redes
sociais que possui o mesmo funcionamento dos panfletos políticos – consegue condensar o
efeito de sentido que o discurso jornalístico precisa de várias linhas ou laudas para construir.
Passando para a perspectiva da circulação dos discursos (visada nesta segunda parte da tese),
vemos que esse tipo de conteúdo consegue construir um efeito de sentido de forma muito
mais rápida e sucinta e circula muito mais que as produções jornalísticas tradicionais.
Avançando na análise, destaco a repetibilidade da expressão jornalismo profissional
nas Sds 43 e 44, a qual remete a um não dito funcionando discursivamente e que traz os
sentidos de jornalismo alternativo como um discurso transverso. Na FD de direita, na qual
Folha de São Paulo se inscreve, os sentidos de jornalismo profissional evocam o jornalismo
produzido pelas grandes e tradicionais corporações midiáticas. Todo tipo de jornalismo,
identificado a outras FDs, como o jornalismo alternativo inscrito numa FD de esquerda, não
pode compor os sentidos de jornalismo profissional na FD de direita.
Um posicionamento como este de A Folha de São Paulo está ancorado no pré-
construído de que o jornalismo das grandes empresas midiáticas tradicionais é o arauto da
verdade e da imparcialidade e decorrente de uma projeção imaginária que tais empresas fazem
de si mesmas (IA(A)) numa FD de direita. Sobretudo, resultante de outra formação
imaginária: a que essas empresas fazem dos veículos alternativos (IA(B)). Projeção, essa, que
lança dúvidas quanto à imparcialidade (que, sabemos, é apenas efeito de sentido) e quanto à
veracidade das informações. É como se o jornalismo das grandes corporações fosse o porta-
voz daquilo que se reconhece como verdade na sociedade, sendo afetado e determinado pela
FD de direita e pelo efeito de verdade que nela circula. Na posição teórica em que esta tese se
inscreve, vinculada à análise do discurso pêcheuxtiana, diz-se que o discurso jornalístico
funciona cristalizando e naturalizando sentidos no imaginário social.
Ao longo do texto da Folha, vai se construindo discursivamente outro sentido para a
desistência do veículo em publicar seu conteúdo no Facebook. Emerge, na discusivização, um
conflito de interesses mercadológico que se sobrepõe ao funcionamento algorítmico, o qual
pode ser observado na Sd45.
A Folha cobra paywall63 de seu conteúdo. A quantidade de conteúdo livre de paywall
é limitada. No Instant Articles, o conteúdo total deve ser liberado para o Facebook que, em
contrapartida, dispõe sobre o comércio de anúncios do veículo. Esse impasse parece ter tido

63
Termo em inglês para designar uma restrição de conteúdo. Os jornais utilizam bastante o sistema paywall,
ofertando alguns conteúdos gratuitamente e cobrando por outros. Para ter o acesso total dos conteúdos é preciso
pagar uma assinatura digital. O Globo, Estadão e Folha de São Paulo utilizam paywall.
188

um impacto determinante na decisão de A Folha em não publicar seus conteúdos no site de


rede social, expressado na subsequência da Sd45 “A Folha jamais aceitou as condições e
nunca integrou o Instant Articles”.
Ao se retirar do Facebook mantendo sua fanpage e a possibilidade de os leitores
compartilharem seu conteúdo diretamente do site na rede por meio de um botão (que, junto a
outros botões, possibilitam o compartilhamento do site em outros sites de redes sociais), a
Folha faz uma tomada de posição contrária à iniciativa chamada Instant Articles que, não
necessariamente, está associada ao posicionamento quanto ao funcionamento dos algoritmos,
como o veículo faz referência ao longo do texto. Trata-se de um posicionamento dentro da FD
de direita que não condena a geração de lucros pelos grandes conglomerados de internet, pelo
contrário, é um posicionamento que reconhece essas relações mercadológicas e reclama
apenas a sua fatia. Portanto, não se instaura um novo posicionamento dentro da FD de direita.
O que ocorre é a dissimulação do posicionamento tomado pela Folha nessa FD.
Ora, se a Folha quer conforme a subsequência “enfatizar sua condição de praça
pública” (Sd46), não faz sentido integrar o Instant Articles, da mesma forma como não faz
sentido a cobrança de paywall. A fórmula de dizer x para falar de y funciona aqui com um
efeito de sentido: citar o funcionamento algorítmico para falar de Instant Articles. Enquanto
usuários dos sites de redes sociais, podemos reclamar que o funcionamento algorítmico limita
o que vemos em nosso feed, nos encarcera em bolhas ideológicas e não nos coloca em contato
com o diferente. No entanto, a Folha, enquanto empresa jornalística, se refere ao
funcionamento algorítmico que leva a uma menor visualização de conteúdos e,
consequentemente, a menos investimentos publicitários e à menor monetização, ou seja, a um
lucro menor. É o que o Instant Articles representa para a Folha. São dois efeitos de sentido
para “funcionamento algorítmico” completamente opostos que derivam de posições-sujeito e
formações discursivas diferentes: a FD de direita que defende o capital (com a qual a Folha
está identificada); e a FD de esquerda que defende a democratização da comunicação.
Apesar de se reportar ao funcionamento algorítmico para uma tomada de posição
contrária ao projeto Instant Articles, a Folha acaba por apontar algo que, de fato, está
acontecendo com os sites de redes sociais: o fechamento dos usuários naquilo que designou
na subsequência “condomínio fechado das convicções autorreferentes” (Sd46). Tal
designação determina discursivamente a bolha dos filtros. Como aponta Pariser, “ao
folhearmos o jornal, dando mais atenção a algumas matérias e saltando a maior parte delas, ao
menos sabemos que existem histórias, talvez sessões inteiras, às quais não demos atenção”
(PARISER, 2012, p. 97). Isto é, ignorar aquilo que não nos interessa num jornal impresso é
189

uma escolha, ao passo que na bolha, não temos a mesma percepção daquilo que
desconhecemos. E isso, para a grande mídia, é negativo, pois limita a circulação dos discursos
produzidos por seus veículos.
Como observa Rancière, “[...] a cena política, a cena de comunidade paradoxal que
põe em comum o litígio, não poderia identificar-se com um modelo de comunicação entre
parceiros constituídos sobre objetos ou fins pertencentes a uma linguagem comum”
(RANCIÈRE, 1996, p. 61). Eliminar o contraditório, reproduzir mais do mesmo, dessa forma,
é esconder o litígio, mascarar a existência do conflito e, assim, negar a política. Os sites de
redes sociais, ao dissimularem tal litígio que configura a contradição, silenciando o político,
produzem o imaginário de que todos pensam da mesma forma. Isso não deixa de ser uma
forma de manipulação, pois os algoritmos descobrem que nos interessamos por um
determinado tema e nos direcionam para todos os links ou posts sobre ele.
Ao pensar no efeito da bolha dos filtros, o autor da obra No enxame: perspectivas do
digital Byung-Chul Han (2018a) faz uma analogia com o Estádio do Espelho de Lacan, ou
seja, da constituição do “eu” por meio da identificação da imagem do outro. De acordo com
Lacan, “basta compreender o Estádio do Espelho como uma identificação, no sentido pleno
que a análise atribui a esse termo, ou seja, a transformação produzida no sujeito quando ele
assume uma imagem [...]” (LACAN, 1998 [1949], p. 97). Dessa forma, Han (2018a) analisa
que “o smartphone funciona como um espelho digital para a nova versão pós-infantil do
estádio do espelho. Ele abre um espaço narcísico, uma esfera do imaginário na qual eu me
tranco. Por meio do smartphone o outro não fala” (HAN, 2018a, p. 44-45, grifos do autor). E
esse espelho digital que é a tela do smartphone reflete algo da ordem da identificação
ideológica plena. A escolha de um candidato passa por essa identificação plena: o que eu vejo
nos sites de redes sociais todo mundo também vê, portanto, imaginariamente, não há como
pensar de outra maneira. A identificação plena tende a considerar apenas o candidato
escolhido como único possível. Toda opinião diferente é rechaçada e o debate se encarcera
num estádio do espelho infinito: no meio das massas digitais, não se busca interlocução, fala-
se apenas para si.
Sabemos que os sites de redes sociais são as principais fontes de informação para o
público na atualidade e, dessa forma, como observa Recuero, “o silenciamento do
contraditório pode ter efeitos no posicionamento político e nas próprias instituições
democráticas. Esses elementos são particularmente importantes em contextos políticos de
crise, como o do Brasil atualmente” (RECUERO et al, 2017, p. 2).
190

A bolha torna as pessoas cada vez mais suscetíveis a acreditarem em tudo o que veem.
A manipulação ou a censura não se manifestam mais da forma como as conhecíamos. O que
não quer dizer que não existam, pelo contrário. O que acontece é que “em vez de
simplesmente proibir certas palavras ou opiniões diretamente, o processo gira cada vez mais
em torno de uma censura de segunda ordem – a manipulação da curadoria, do contexto e do
fluxo de informações e de atenção” (PARISER, 2012, p. 126). A censura não incide mais
sobre o processo de produção dos discursos, mas sobre sua circulação de maneira invisível,
determinada pela ação de algoritmos.
Retornando às reflexões de Rancière sobre política e polícia, o autor chama de polícia
aquilo que funciona implicitamente determinando a distribuição das parcelas. Nas palavras do
filósofo, a polícia “[...] é uma ordem do visível e do dizível que faz com que essa atividade
seja visível e outra não o seja, que essa palavra seja entendida como discurso e outra como
ruído” (RANCIÈRE, 1996, p. 42). A maquinaria algorítmica, nesse sentido, é da ordem da
polícia, pois funciona determinando o que fica visível e o que fica invisível para os sujeitos.
Os sites de redes sociais e os algoritmos que os organizam são uma maquinaria muito
complexa e apesar de estarem ligados à informação, não estão concentrados num único
aparelho ideológico. Se pensarmos no aparelho da educação, por exemplo, apesar das
transformações sociais, o seu funcionamento continua o mesmo. O aparelho ideológico da
informação tem se adaptado ao surgimento das novas tecnologias. Mas os algoritmos e os
sites de redes sociais extrapolam um aparelho, formando um novo aparelho que, diferente dos
demais, não tem uma materialidade visível como a imprensa, a escola ou a uma igreja. Os
algoritmos funcionam sem que percebamos ou enxergamos. Mesmo de modo fantasmático,
eles funcionam determinando as ações dos sujeitos nas redes, constituindo um aparelho
caracterizado pela fluidez, por invadir e permear todos os aparelhos, incidindo sobre a
circulação dos discursos: trata-se do que proponho chamar de aparelho tecno(ideo)lógico
algorítmico.
191

4.2 UM APARELHO ALGORÍTMICO?!

“[...] vocês, a quem chamam de fabricantes-utilizadores de instrumentos,


vocês acreditam poder ainda por muito tempo escapar à questão de saber para que
vocês servem e quem os utiliza?” (PÊCHEUX [1982], 2014a, p. 64).

Na epígrafe que abre esta seção, Pêcheux já se questionava no início dos anos 80 sobre
a relação entre tecnologia, capitalismo e seu funcionamento político. Os programadores e os
algoritmos estão a serviço do plano econômico, porém o plano econômico determina o
político. Se considerarmos que a política “age em lugares e com palavras que lhe são comuns,
se for preciso reconfigurando esses lugares e mudando o estatuto dessas palavras”
(RANCIÈRE, 1996, p. 45), é porque a política surge no conflito, mas o econômico age para
suspendê-lo, vide o funcionamento dos algoritmos que atuam para eliminar o diferente e não
suportam a contradição.
O surgimento da internet e dos sites de redes sociais revolucionou a comunicação, mas
essas transformações também alteraram o modo de vida das pessoas ou serviram apenas para
garantir que as condições de produção não se modifiquem? Seriam transformações
necessárias para a manutenção do controle dos meios de produção?
Althusser já destacava, nas formações capitalistas contemporâneas à sua época, a
diversidade de aparelhos ideológicos do Estado (escolar, religioso, familiar, político, sindical,
de informação, cultural, etc.), enquanto que, na Idade Média, a igreja acumulava várias dessas
funções “[...] distribuídas entre os diferentes aparelhos ideológicos do Estado, novos em
relação ao passado que evocamos” (ALTHUSSER, [1971] 1985, p. 75). Dessa citação, pode-
se deduzir que os AIE alternam sua dominância conforme as condições de produção de uma
formação social e, indo além, que novos aparelhos podem surgir e incorporar funções
anteriormente exercidas e/ou acumuladas por outros aparelhos.
A hipótese que levanto nesta tese é de que um novo aparelho de ordem
tecno(ideo)lógica, o aparelho algorítmico, esteja em funcionamento, se superpondo,
atravessando e conectando os mais variados aparelhos. Tal hipótese está ancorada nas
reflexões de Althusser em Sobre a Reprodução quando o autor elabora o que diz ser “uma
enumeração provisória” ([1969] 1999, p. 68) dos AIEs. Nela, o autor menciona o Aparelho
Ideológico da “Edição-Difusão” e justifica que a lista é provisória e “não é exaustiva” (ibid, p.
103) porque o AIE da Edição-Difusão – que nesta tese podemos propor designar de AIE da
Produção-Circulação – pode constituir junto ao AIE Cultural um mesmo aparelho. Desse
192

modo, Althusser pede perdão pela hesitação, pois ainda não tem opinião formada “sobre esse
ponto que merece outras pesquisas” (ibid, p. 103).
Por mais que a obra Aparelhos Ideológicos de Estado tenha partido dos manuscritos
de Sobre a reprodução e não liste mais o AIE da Edição-Difusão, nem na composição do AIE
Cultural, entende-se que Althusser refletia sobre as variáveis que levariam à instauração de
um AIE. Em 1969 ele propôs uma “lista provisória” para construir uma “primeira ideia” dos
aparelhos (ibid, p. 102), mas, ao mesmo tempo, indicou a necessidade da realização de outras
pesquisas. Naquela época, não havia nem indícios do quanto ficaríamos dependentes da
tecnologia e do quanto ela avançaria em tão pouco tempo. Nem os computadores de uso
pessoal haviam sido desenvolvidos. Os computadores ainda eram máquinas pesadas e
gigantescas que ocupavam salas inteiras64. Ainda assim, o autor demonstrou preocupação com
a forma de circulação dos discursos ao mencionar um possível AIE da Edição-Difusão. Ele já
atentava para os mecanismos que regulam ao que os sujeitos têm acesso. E é baseando-me
nessas reflexões que sustento a posição de que um Aparelho Algorítmico possa estar em
funcionamento na contemporaneidade, gerenciando a leitura dos arquivos através do domínio
e controle da circulação.
Cada um dos aparelhos ideológicos de Estado desenvolve práticas e rituais para
proteger os meios de produção, ou seja, as relações de exploração capitalista. O AIE da
informação, objeto de nossa tese, “age empanturrando, por meio da Imprensa escrita, Rádio e
Televisão, todos os ‘cidadãos’ com doses cotidianas de nacionalismo, chauvinismo,
liberalismo, moralismo, etc.” (ibid, p. 167-168, grifo do autor). Uma condição que continua
muito atual, pois durante décadas a imprensa, o rádio e a TV nos “empanturraram” com tais
doses de nacionalismo, chauvinismo, liberalismo e moralismo, formando os cidadãos que hoje
são os usuários das redes sociais e reproduzem nelas as tomadas de posição vinculadas à
ideologia dominante dos meios de comunicação de massa.
Por sua vez, observo que o Aparelho Algorítmico (AA) age regulando os fluxos de
circulação dos discursos nos meios por onde hoje, predominantemente, os sujeitos acessam a
internet: através dos sites de redes sociais.
As transformações ocorridas com o advento da internet, o surgimento das redes sociais
e sua disseminação poderiam levar à inclusão das redes sociais no aparelho da Informação,
mas não podemos esquecer o que regula as redes sociais na internet: os algoritmos.

64
O primeiro computador, desenvolvido a partir de 1943 sob encomenda do Exército dos EUA, ocupava 180 m²,
pesava 30 toneladas e levou três anos para ser construído, iniciando seu funcionamento em 1946. Fonte:
<https://www.cnnbrasil.com.br/tecnologia/do-eniac-ao-notebook-confira-a-evolucao-dos-computadores-nas-
ultimas-decadas/>.
193

O AIE da Informação na contemporaneidade está atravessado e/ou entrelaçado àquilo


que proponho chamar de aparelho algorítmico. Especialmente porque um veículo de
informação dificilmente consegue sobreviver longe das redes sociais. É através das redes que
os conteúdos chegam à maioria da população. E as redes sociais funcionam por meio de
algoritmos. A seguir, trago uma possível representação do atravessamento do AA no AIE da
Informação.

Figura 13 – Esquema representativo do atravessamento do AIE pelo AA

Fonte: elaborada pela autora.

Na figura 13, faço uma representação do funcionamento do AA. As sequências


numéricas saindo do canto direito superior como feixe de luz representam a ação dos
194

algoritmos. Os veículos de comunicação estão dentro da zona central do AIE da Informação e


o AA está representado pela seta na diagonal contendo os vários sites de redes sociais
contornada pelo feixe de algoritmos atravessando o AIE.
Essa representação nos remete à questão da problemática da leitura de diferentes
arquivos. Pêcheux ([1982] 2014a) atentou para a divisão social do trabalho da leitura:
enquanto que para determinados sujeitos está autorizada a produção de leituras originais, para
outros só resta a leitura literal que dá sustentação a essas “leituras originais”. Nessa divisão do
trabalho de leitura, o discurso jornalístico é legitimado enquanto produtor de leituras originais
na interpretação dos acontecimentos. Contudo, sob a perspectiva da circulação desse discurso
nos sites de redes sociais, objeto de análise desta tese, passa-se das leituras originais para as
leituras literais. Isso porque, ao apenas replicarem notícias nas redes, os usuários se
identificam com determinadas leituras originais e as repetem, fazendo leituras literais na
medida em que se limitam a compartilhar, sem nenhuma análise, sem nenhuma interpretação,
o que Galli e Grigoletto chamam de aderência (2021). Quando as notícias são sintetizadas e
circulam na forma de memes e/ou postfletos, essa leitura literal fica ainda mais evidente. O
compartilhamento massivo feito por bots, também é uma forma de leitura literal que ocorre
nos sites de redes sociais. Ou seja, o AA, por controlar a circulação dos discursos, controla
não as leituras originais, mas as leituras literais dos arquivos.
E quando as leituras originais são submetidas a processos de torção discursiva, surgem
as distorções, isto é, a desinformação (Wardle; Derakhshan, 2019). Tal cenário acaba por
instaurar uma crise no trabalho de leitura. A Sd7 (analisada no Recorte Discursivo 1, na seção
1.4) faz referência ao “kit gay” e é uma leitura que parte justamente de um processo de torção
discursiva. As sequências imagético-discursivas de veículos jornalísticos que compõem o
arquivo construído nesta tese podem ser consideradas leituras originais na medida em que o
discurso jornalístico apresenta-se como produtor de verdades. Quando os sujeitos replicam o
que foi produzido por esses veículos sem nenhum tipo de análise ou comentário, ocorre um
processo de leitura literal.
Nos sites de redes sociais, os filtros-bolha (pela ação dos algoritmos) se encarregam de
nos apontar para uma única leitura original e suas leituras literais. É como se houvesse uma
única leitura original possível. Isso sem mencionar os processos de torção discursiva pelos
quais uma leitura original pode passar. Por isso mesmo, Pêcheux fala da existência de
“clivagens subterrâneas” (PÊCHEUX, [1982] 2014a, p. 59) nos gestos de leitura dos arquivos.
Em outras palavras, o autor trata, nesse ponto, dos diferentes modos de recortar um arquivo,
os quais, por sua vez, podem mobilizar diferentes sentidos.
195

Esta pesquisa está completamente atravessada por essa citação de Pêcheux. As


clivagens subterrâneas das quais trata o filósofo são condição de existência e funcionamento
dos algoritmos. São os algoritmos que recortam o arquivo determinando o que aparece no feed
de notícias dos usuários, mas o sujeito-leitor não se dá conta de que existe uma programação
anterior que definiu como deve ocorrer o processo de modulação algorítmica e, sobretudo,
que existe um sujeito que faz tal programação. O sujeito-leitor não percebe que há clivagens
subterrâneas de ordem tecno(ideo)lógicas E, como já adiantei, se era a mídia que gerenciava a
divisão social do trabalho de leitura dos arquivos dos acontecimentos jornalísticos, hoje, nas
redes a mídia também é gerenciada pelos algoritmos.
Interessa, para Pêcheux, compreender como se constituem os diferentes gestos de
leitura na construção do arquivo. Assim como interessa, também, neste trabalho, os gestos de
leitura na organização e constituição dos algoritmos que funcionam, privilegiando a
circulação de determinados conteúdos em detrimento de outros. As “clivagens subterrâneas”
que permeiam o funcionamento “automático” dos algoritmos seriam a grande interrogação
que Pêcheux estaria fazendo? É fato que as clivagens subterrâneas se aplicam, hoje,
perfeitamente ao funcionamento automático dos algoritmos, cujo risco é tomar os
procedimentos de construção do arquivo como neutros, objetivos, automáticos. Afinal, nas
palavras de Pêcheux, “não faltam boas almas se dando como missão livrar o discurso de suas
ambiguidades [...]” (ibid, p. 63). Seria, portanto, ingenuidade não se questionar sobre os
processos ideológicos que regulam os processos algorítmicos nas redes e determinam o que
aparece no feed de notícias do Facebook, por exemplo.
O fato de a Folha deixar de publicar seus conteúdos no Facebook, como apontado na
seção 4.1 é significativo e aponta para algo novo. Parece haver aí dois tipos de aparelhos
ideológicos com funcionamentos próprios, práticas e rituais distintos, atuando na forma de
aliança: o aparelho da informação, referido por Althusser, e o Aparelho Algorítmico (AA),
teorizado nesta tese.
O efeito de origem do AA se dá a partir da era da internet 3.0, que veio para
embaralhar, desorientar o jornalismo e produzir efeitos diversos nos sujeitos jornalistas e nos
sujeitos leitores/ouvintes/telespectadores/usuários dos sites de redes sociais. Apesar de ter
surgido em 1969, durante a Guerra Fria, a internet começou a se popularizar, de fato, nos anos
90, quando da criação do www (world wide web). As pessoas passaram a ter computadores
em casa e acesso discado à rede. Foi a partir daí que surgiram os grandes portais como Yahoo
e Google. E, nos anos 2000, surgiram os sites de redes sociais (ICQ, MSN, Skype, Orkut,
MySpace, Twitter, Facebook, Instagram, TikTok...), configurando a chamada web 3.0.
196

As formas de controle e as práticas jornalísticas (sejam elas da imprensa, do rádio ou


da TV) eram bem definidas e naturalizadas dentro do Aparelho da Informação. Por outro lado,
no AA o poder pode trocar de mãos num estalar de dedos, pois o lugar social ocupado pelos
sujeitos jornalistas e pelos veículos de informação dominantes já não é suficiente para ditar as
regras desse aparelho. O AA atua para manter a reprodução das relações de produção de uma
formação social cada vez mais conectada. E se a publicidade e a linha editorial dos veículos
definem seu funcionamento dentro do Aparelho da Informação, o extrativismo de dados, ou a
ciência big data, é o que define o funcionamento dos veículos dentro do Aparelho
Algorítmico.
Partindo dessas reflexões, observemos os termos de uso do Facebook. Nele, a rede se
propõe a explicar como os serviços são financiados.

Recorte discursivo 15: efeito de automaticidade

SD47
Em vez de pagar pelo uso do Facebook e de outros produtos e serviços que oferecemos,
acessando os Produtos do Facebook cobertos por estes Termos, você concorda que podemos
lhe mostrar anúncios que empresas e organizações nos pagam para promover dentro e fora
dos Produtos das Empresas do Facebook. Usamos seus dados pessoais, como informações
sobre suas atividades e interesses, para lhe mostrar anúncios mais relevantes.65

SD48
Seu compromisso com o Facebook e com nossa comunidade
Fornecemos estes serviços para você e para outras pessoas a fim de ajudar a promover nossa
missão. Em troca, precisamos que você assuma os seguintes compromissos:
1. Quem pode usar o Facebook
Quando as pessoas se responsabilizam pelas próprias opiniões e ações, nossa comunidade se
torna mais segura e responsável. Por isso, você deve:
Usar o mesmo nome que usa em sua vida cotidiana.
Fornecer informações precisas sobre você.
Criar somente uma conta (sua própria) e usar sua linha do tempo para fins pessoais.
Abster-se de compartilhar sua senha, dar acesso à sua conta do Facebook a terceiros ou
transferir sua conta para outra pessoa (sem nossa permissão).66

SD49
Usamos e desenvolvemos tecnologias avançadas (como inteligência artificial, sistemas de
aprendizado de máquina e realidade aumentada) para que as pessoas possam usar nossos

65
Fonte: <https://www.facebook.com/terms/>
66
Fonte: <https://www.facebook.com/terms/>.
197

Produtos com segurança, independentemente de capacidade física ou localização geográfica.


Por exemplo, tecnologias como essas ajudam pessoas com deficiência visual a compreender o
que ou quem está nas fotos ou vídeos compartilhados no Facebook ou no Instagram. Também
criamos redes sofisticadas e tecnologias de comunicação para ajudar mais pessoas a se
conectar à internet em áreas com acesso limitado.67

SD50
Fornecemos aos anunciantes relatórios sobre os tipos de pessoas que visualizaram os anúncios
deles e sobre o desempenho de tais anúncios, mas não compartilhamos informações que
identifiquem você pessoalmente (informações como seu nome ou endereço de email que
possa ser usado por si só para contatar ou identificar você), a menos que você nos dê
permissão para tanto. Por exemplo, fornecemos dados demográficos gerais e informações
sobre interesses aos anunciantes (como a informação de que um anúncio foi visto por uma
mulher com idade entre 25 e 34 anos que mora em Madri e gosta de engenharia de software)
para ajudá-los a entender melhor o público deles. Também confirmamos quais anúncios do
Facebook levaram você a fazer uma compra ou executar uma ação com um anunciante.68

SD51
O anunciante escolhe uma meta de negócios
O anunciante escolhe uma meta, como vender um produto ou aumentar o reconhecimento de
sua marca.
O anunciante identifica o público desejado
O anunciante nos diz o público desejado com base em quem ele acha que terá mais interesse.
O anunciante cria o anúncio
O anunciante cria anúncios para mostrar no Facebook, no Instagram e em outros sites e
aplicativos para celular e, em seguida, os carrega usando nossas ferramentas de
gerenciamento de anúncios.69

Na Sd47 fala-se da ciência big data sem citá-la. Os dados pessoais que o Facebook
revela utilizar, na verdade, “são fonte de receita e são negociados (manipulados em pesquisas
e vendidos a anunciantes e a empresas de marketing comercial ou eleitoral, por exemplo) por
essas corporações do mundo virtual em suas transações econômicas” (PERUZZO, 2018, p.
88).
Quanto mais usuários, mais um site de rede social se torna atraente para os clientes
anunciantes em razão da base de dados que detêm. Uma rede popular como o Facebook atrai
muitos anunciantes, principalmente quando o objetivo é influenciar um processo eleitoral. Nas
eleições de 2018, vimos políticos concentrarem muitos esforços nas redes sociais. Com o
tempo limitado no horário eleitoral gratuito, as redes tiveram papel fundamental para

67
Fonte:< https://www.facebook.com/terms/>.
68
Fonte: <https://www.facebook.com/policy.php>.
69
Fonte: https://www.facebook.com/ads/about
198

estabelecer contato com os eleitores. E o Facebook, como já antecipei, nas condições de


produção das eleições de 2018 era a rede mais popular no país. Os sites de redes sociais foram
utilizados para campanha de tal maneira que faziam parecer justamente o contrário: que não
era propaganda (conforme análise empreendida no recorte discursivo 2, subseção 1.4.1).
Percebe-se que é a indeterminação que também permeia o morfema “relevante”. Em
nenhum momento os sentidos de “relevante” são ditos, mas é justamente na significação de
relevante que reside toda a problemática desse processo discursivo. O que é relevante? O que
é relevante para o Facebook e, sobretudo, o que é relevante para os sujeitos usuários?
Na análise do discurso de orientação pêcheuxtiana, entende-se que os sentidos não são
da ordem do léxico. As palavras mudam de sentido conforme as posições dos sujeitos que a
empregam, o que remete às formações discursivas e ao espaço desse dizer, do que pode e
deve ser dito (FUCHS; PÊCHEUX, 1993b, p. 166). As regularidades dos enunciados
determinam o seu sentido, apontando para um mesmo campo de saber, ou seja, para uma
mesma FD. Nesta análise, ao depreender o percurso de construção do sentido, em seu
processo discursivo, interessa investigar como se dá a construção do sentido do adjetivo
“relevante” para o Facebook.
Pensemos na palavra “relevante”. Um adjetivo ao qual o dicionário online Priberam
atribui três significados: que releva; que sobressai; e importante. Mas o que releva, o que se
sobressai e o que é importante para um sujeito não necessariamente será para outro.
A questão da referência, no início do século XX, está atrelada aos estudos de Frege.
Cardoso observa que “a referência de um nome, segundo Frege, é uma função do sentido do
nome, ou ainda, o sentido é uma condição necessária (mas não o suficiente) para a
determinação da referência” (CARDOSO, 2003, p. 42). Contudo, a relação entre referente e
sentido era tida como transparente. Ao desenvolver a teoria da Enunciação, nas décadas de
1950 e 1960, Benveniste (1950) introduz novamente a questão dos referentes aos estudos
linguísticos. Entretanto, como observa Robin, “se a enunciação rompe com o positivismo da
lingüística da língua, ela o reconstitui ao nível da maneira pela qual estabelece o sujeito do
discurso, sujeito cartesiano, psicológico” (ROBIN, 1977, p. 90).
Evidentemente, a visada sobre referência neste trabalho se diferencia dessas
anteriormente apontadas. A perspectiva que interessa aqui é a da Análise do Discurso, que
toma a referência como regularidades (ou “pistas”) que levam a uma determinada formação
discursiva.
Filiada ao conceito de referenciação está a determinação discursiva. De acordo com
Indursky, através da determinação discursiva “[...] é construído um referente discursivo
199

determinado pela FD que afeta o sujeito da referida construção [...]” (1992, p. 217, grifo da
autora). A determinação discursiva leva a que uma expressão possa ocupar um discurso
específico através da mobilização desses recursos linguísticos. Nesse sentido, a adjetivação se
caracteriza como um determinante discursivo, pois “[...] é uma das categorias que promovem
a identificação do dito com a FD que afeta o sujeito da sequência discursiva” (ibid, p. 215,
grifos da autora).
Desse modo, assumimos que o adjetivo pode funcionar como um elemento capaz de
saturar o substantivo, constituindo-se em um determinante discursivo, isto é, em
uma das categorias que promovem a identificação do dito com a FD que afeta o
sujeito da sequência discursiva (INDURSKY, 1992, p. 261).

Assim, “relevantes” determina discursivamente “anúncios” na Sd35 ora analisada.


São, dessa forma, no mínimo dois sentidos de “relevante”: um para os anunciantes; outro para
os usuários. Mas há, pelo menos, mais um sentido imbricado: o que é relevante para o
Facebook.
É por isso que uma análise que fica apenas no nível da palavra não é suficiente para
dar conta das questões do sentido, pois, conforme Pêcheux, “[...] as mesmas palavras,
expressões ou proposições mudam de sentido ao passar de uma formação discursiva a uma
outra [...]” ([1975] 1995, p. 161, grifo do autor).
Num espaço tão heterogêneo como o Facebook, várias formações discursivas estão ali
em disputa pelos sentidos e, possivelmente, usuários e anunciantes nem sempre estão inscritos
numa mesma FD. Ou seja, os sentidos de “relevantes” não são os mesmos para todos os
usuários. É a ideologia que projeta significações e processos de referenciação. No entanto,
para o Facebook o sentido de “relevantes” é evidente, tanto para os anunciantes, quanto para
os usuários.
O uso “livre” (Sd48) do Facebook está condicionado a algumas regras expostas nos
termos de uso do site de rede social. O usuário deve se comprometer a fornecer sua identidade
e garantir o uso da rede apenas para fins pessoais. No entanto, não é o que acontece na prática.
Se os termos de uso fossem observados, de fato, pelo Facebook, não haveria bots
impulsionando conteúdos e publicações com fins mercadológicos e políticos. E, assim, a
milícia digital que atuou na campanha de Bolsonaro em 2018 não teria podido atuar.
E qual seria a “missão” do Facebook? A julgar pelas milícias digitais e pelo
funcionamento dos algoritmos, pode-se dizer que a missão também tem fins mercadológicos e
políticos.
200

Chama atenção o adjetivo “precisas” (Sd48) determinando o substantivo


“informações”, pois pressupõe que não interessa para a rede qualquer informação, mas
detalhes sobre os sujeitos. “Precisas” diz respeito, assim,à necessidade de dados que detalhem
a vida, os gostos, preferências e hábitos dos usuários, pois são esses detalhes que alimentam a
ciência big data e garantem os lucros da plataforma com a venda de anúncios, afinal, “quanto
mais informações disponíveis às máquinas, mais condições elas terão de apresentar um
melhor desempenho analítico e preditivo aos seus utilizadores” (CASSINO, 2018, p. 25-26).
Essa submissão à informática no tratamento de dados já preocupava Pêcheux no início
dos anos 80. Numa nota de rodapé do texto “Ler o arquivo hoje”, Pêcheux traz a citação do
Bulletin de la Société des Amis de l’ENS (1980, p. 10): “é grande o risco de ver pesquisadores
formados unicamente nas matemáticas assegurarem-se uma posição dominante, inclusive nos
campos de pesquisa ligados às humanidades clássicas, com todos os inconvenientes que isto
poderá comportar” (PÊCHEUX, [1982] 2014a, p. 62).
Quando a internet surgiu, acreditava-se que não haveria mais fronteiras e que o
conhecimento seria democratizado ao ser disponibilizado num ambiente de livre acesso por
qualquer pessoa em qualquer parte do mundo, hoje vemos empresas criando formas de lucrar
a partir da internet, seja cobrando para que se tenha acesso a filmes, músicas e notícias (com a
assinatura digital ou o paywall) ou através da comercialização de nossos dados.
Tudo isso só se tornou possível com o avanço no desenvolvimento dos algoritmos que
regulam o funcionamento da internet. Doneda e Almeida destacam que

Quanto mais aumentam a sofisticação e a utilidade dos algoritmos, mais eles se


mostram “autônomos”, chegando a dar a impressão de que existe uma “máquina
pensante” por detrás de alguns de seus raciocínios misteriosos, uma imagem que
remonta aos primórdios da informática (DONEDA; ALMEIDA, 2018, p. 141).

Essa ideia de máquina com uma linguagem própria, livre de ideologias, é apenas efeito
de sentido baseado nas projeções imaginárias que os sujeitos fazem das máquinas. Na análise
de Vítor Pequeno, todo tipo de recurso com os quais “interagimos ao “usar” um computador
não é linguagem de máquina: é atravessado por um pré-construído (imagético, textual, etc.) e
funciona para nos fazer capazes de realizar certas operações computacionais sem nenhum
conhecimento de programação” (PEQUENO, 2020, p. 139).
Algoritmos são programados com técnicas de aprendizagem automática, capazes de se
reorganizarem conforme os dados a que têm acesso. Contudo, Pequeno alerta que “esse
automaticamente é qualquer coisa menos automático [...]” (ibid, p. 165, grifos do autor).
201

Se a ideia de Pêcheux na AAD 69 era, como aponta Maldidier (2003), construir uma
maquinaria que desse conta dos sentidos de um discurso, ele se deparou com “uma máquina
de ler que arrancaria a leitura da subjetividade” (MALDIDIER, 2003, p. 21). A teoria (ainda
muito preliminar) só trouxe novos questionamentos sobre o discurso, pois enquanto “a
materialidade da sintaxe é realmente o objeto possível de um cálculo – e nesta medida os
objetos linguísticos e discursivos se submetem a algoritmos eventualmente informatizáveis
[...]” (PÊCHEUX, [1982] 2014a, p. 65), ao mesmo tempo a ambiguidade, a falha e o equívoco
são o real da língua.
Foi na tentativa de trabalhar com um dispositivo que pudesse dar conta do processo
discursivo que Pêcheux percebeu que “é preciso desconstruir a discursividade para tentar
apreendê-lo” (MALDIDIER, 2003, p. 24/25).
Como um aparelho ideológico, o aparelho algorítmico não tem nada de automático, a
não ser o efeito de automaticidade, pois é da ordem da tecno(ideo)logia. E embora esse efeito
esteja associado à transparência, o funcionamento dos algoritmos consiste em um processo
nem um pouco transparente. Doneda e Almeida garantem que existem justificativas para a
opacidade dos algoritmos:

Algumas dessas justificativas se baseiam em questões relativas à concorrência. Um


algoritmo aberto pode colocar a empresa por ele responsável em desvantagem diante
da concorrência. Outras justificativas se baseiam na propriedade intelectual: há
países onde a lei protege o sigilo comercial ou a propriedade intelectual das
empresas. Outra razão para não se abrirem determinados algoritmos é a
possibilidade de algumas pessoas, uma vez cientes das suas características, darem
um jeito de “enganá-los”. Portanto, a opacidade dos algoritmos é uma tendência
sustentada por elementos de natureza tanto técnica quanto não técnica (DONEDA;
ALMEIDA, 2018, p. 143).

Aqui, adentramos num grande debate das ciências da computação: códigos abertos X
códigos fechados. O risco dos algoritmos serem utilizados para manipulação, especialmente
por sua opacidade, é alto, pois, “os algoritmos não são neutros, mas desenhados por
instituições, que podem ter objetivos de prever comportamentos, prender a atenção, reduzir o
tempo livre, gerar necessidades de consumo, influenciar opções políticas etc” (MARTINS,
2020, p. 189). Foi o caso das eleições de 2016 no EUA, relacionado ao vazamento de dados
utilizados pela Cambridge Analityca para influenciar eleitores através de conteúdos
selecionados para cada tipo de perfil. E foi o caso das eleições no Brasil, em 2018. Os filhos
do presidente Bolsonaro tiveram encontros com o mesmo gestor da empresa estadunidense,
Steve Bannon, para, provavelmente, utilizar a mesma estratégia no Brasil. Isso explica os
conteúdos viralizados relacionados ao candidato Bolsonaro, especialmente nos últimos meses
202

da corrida eleitoral. Casos, esses, que expõem o funcionamento da tecno(ideo)logia nos sites
de redes sociais.
O domínio dos mecanismos do algoritmo, conforme Peruzzo,

[...] representa a artimanha do capital e do Estado para controlar as pessoas e os


grupos sociais; para satisfazer as estratégias de empresas capitalistas, de segmentos
político-partidários e de forças do exercício do poder estatal (político e repressor) e
negar a liberdade e autonomia dos cidadãos. Esse domínio possibilita o controle
integral de tudo que é visto, buscado e feito em computadores, celulares e aparelhos
similares conectados à internet. Cartografa-se a vida de alguém para os fins que
desejarem os detentores dos dados, que podem ser tanto para interesses político-
ideológicos e político-partidários quanto mercadológicos. No entanto, há outro
paradoxo forte: existem mil e uma formas de resistir a todos os mecanismos de
opressão e manipulação social (PERUZZO, 2018, p. 99).

É por isso que, ao analisar os sujeitos ordinários nas redes sociais, Juliana da Silveira
diz que “ao potencializar a circulação do político no social, os sujeitos ordinários produzem
deslocamentos para o campo político-midiático, abrindo para outros modos de os sujeitos se
relacionarem com esses discursos” (SILVEIRA, 2015, p. 111). Afinal, não são os algoritmos
que “capturam” os sujeitos, pois esse é o trabalho da ideologia manifestada materialmente no
discurso.
Aqui cabe analisar a Sd49 extraída da descrição dos serviços oferecidos pelo
Facebook em seus termos de uso. Na Sd49, para justificar o uso de inteligência artificial, de
sistemas de aprendizado de máquina e realidade aumentada, o Facebook silencia a ciência big
data recorrendo a uma argumentação humanística e social que pode ser observada na
subsequência: “para que as pessoas possam usar nossos produtos com segurança,
independentemente de capacidade física ou localização geográfica” (Sd49) quando a
utilização dos nossos dados, de fato, ocorre em três dimensões, conforme Martins (2020, p.
55): na tentativa de ampliação da venda de produtos; na tentativa de influenciar
comportamento e posicionamentos políticos; e na vigilância e controle.
Os dados dos usuários são oferecidos aos anunciantes conforme a subsequência “para
ajudá-los a entender melhor o público deles” (Sd50), de acordo com o Facebook. E se o
anunciante for um estrategista político cujo interesse é o de naturalizar determinado sentido na
memória social? O funcionamento é o mesmo. Pelas curtidas, comentários,
compartilhamentos e cliques dos usuários pode-se rastrear aqueles que têm mais
suscetibilidade de tomarem uma posição favorável à narrativa em questão. Fornecem-se os
203

dados e é devolvida uma informação balcanizada, sob medida para os interesses do


anunciante, seja uma empresa ou um candidato político.
Quando uma empresa ou organização impulsiona seus conteúdos no Facebook, ela
quer atingir um público específico e busca por este público. Isso facilita que conteúdos de
páginas com posicionamentos bem demarcados ideologicamente tenham mais sucesso nesta
busca do que páginas jornalísticas que “escondem” seus posicionamentos sob o pretexto de
neutralidade ou imparcialidade. Aí está uma pista de como funciona o que propus chamar de
“aparelho algorítmico” e da razão pela qual os conteúdos jornalísticos não têm o mesmo
impulsionamento e a mesma quantidade de reações que outras fanpages de candidatos ou
organizações políticas conforme analisado nos recortes discursivos 2 e 14.
Trata-se do aparelho algorítmico em funcionamento, exatamente como ocorreu na
eleição de 2016 nos EUA. Martins explica que dados extraídos do Facebook “foram
utilizados para direcionar comunicações políticas, possivelmente modificando conteúdos a
partir de critérios como local dos usuários, gênero, faixa etária e inclinação política das
pessoas” (MARTINS, 2020, p. 192). A mesma operação havia ocorrido em outros países e
veio à tona pelo escândalo relacionado à empresa de consultoria política Cambridge
Analytica.
Por sua vez, na Sd51, o Facebook explica como ocorre o processo de veiculação de
anúncios. Partindo dela, pode-se pensar a prática de um estrategista político com uma meta de
negócios: “vender” uma determinada narrativa e vencer uma eleição. O Facebook auxilia esse
anunciante a identificar qual público está mais suscetível a uma tomada de posição favorável
à narrativa e cria o anúncio. Para identificar qual público é mais suscetível a determinado
anúncio, o Facebook busca na sua gigantesca base de dados sobre seus usuários, formada por
cliques, curtidas, compartilhamentos e interações. O Facebook pode saber mais sobre seus
usuários do que eles mesmos sabem de si.
Evidentemente, o anunciante não se definirá como estrategista político e nem
explicitará seus reais objetivos. Aí é que entram as páginas e sites de informação de onde
partem a maioria das fake news que circulam nas redes. Dessa forma, um site com uma
narrativa questionável e interesses obscuros circularia em mais feeds de notícias que os
conteúdos de um veículo jornalístico. E é exatamente isso que acaba acontecendo no
Facebook, fato que suscitou o interesse nesta pesquisa para pensar como funciona o discurso
jornalístico sobre eleições e a disputa de/pelos sentidos nas redes, tal como a disputa entre o
que dizem os candidatos sobre diferentes temas e sobre seus adversários, ou seja, a disputa de
narrativas, cujo “prêmio” é o voto do eleitor.
204

A internet, que em seu surgimento, trouxe a promessa de democratização do acesso à


comunicação, agora é acusada de fechar os indivíduos em bolhas por meio de algoritmos
programados mercadologicamente por grandes corporações. Ou seja, se tornou um risco à
própria democracia na medida em que as redes sociais digitais transformam a forma de fazer e
de falar sobre política.
Os algoritmos são tão poderosos que os programadores por vezes têm a síndrome de
“deus” e facilmente podem crer na máxima: “familiariza-te com os sistemas simbólicos,
aprende a compreender cuidadosamente as regras que os governam e ganharás o poder de
manipulá-los. Quanto mais indefeso você se sentir, mais atraente parecerá essa promessa”
(PARISER, 2012, p. 152). Aí perpassam questões referentes à geoeconomia que estabelece
quais países comandam a economia mundial. Para Morozov, a tecnologia digital “é, na
verdade, um emaranhado confuso de geopolítica, finança global, consumismo desenfreado e
acelerada apropriação corporativa dos nossos relacionamentos mais íntimos (MOROZOV,
2018, p. 7). Logo, a tecnologia digital “não é a causa do mundo em que vivemos, e sim
consequência dele” (ibid, p. 7). Paradoxalmente, os programadores e os executivos das
grandes corporações midiáticas negam esse poder e “resistem à ideia de que seu trabalho
tenha qualquer consequência moral ou política” (PARISER, 2012, p. 158).
Isso é reflexo do silenciamento do político, uma característica da era da pós-verdade
para silenciar as contradições e rejeitar o funcionamento da ideologia. Pequeno observa que

Se o programador é levado a desenhar espaços de preenchimento, ele não o deixa de


fazer a partir de um certo paradigma. Se o sujeito é levado a interagir com a máquina
de formas seriadas e seriáveis, ele mesmo assim o faz a partir de uma certa memória.
Se esse encontro parece da ordem do unívoco, é somente pois foram assim que as
tradições científicas conduziram nosso percurso até aqui [SIC]. Isso não deixa de ser
da história, não deixa de ser da língua, não deixa de ser da ideologia (PEQUENO,
2020, p. 149).

A maquinaria algorítmica, dessa forma, carrega um pré-construído de neutralidade e


automaticidade, herdado das tradições científicas, mas, os sujeitos, ao não reconhecerem a
ideologia nesse processo, não conhecem os fluxos de informação das redes. O funcionamento
dos algoritmos não é nada transparente. Se a aventura de Pêcheux com a maquinaria
discursiva em 1969 tendeu a considerar “[...] a informática como prótese da leitura, máquina
de lavar dos textos, ou aparelho de raio X!” (PÊCHEUX [1981] 2012d, p. 282), hoje as
questões lançadas sobre a maquinaria algorítmica se referem à sua opacidade. No
desenvolvimento dessa maquinaria discursiva, na AAD 69, Pêcheux utiliza a expressão
“deduções frequenciais” para designar o programa informático cujo objetivo é contar a
205

ocorrência de um determinado termo no interior de um texto. Pêcheux avalia que a utilização


das deduções frequenciais como um censo populacional resulta numa “descrição da
população, tão fina quanto se deseja, mas os efeitos de sentido que constituem o conteúdo do
texto são negligenciados [...]” (PÊCHEUX [1969] 1993a, p. 64).
Em Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio, Pêcheux reformula as
questões levantadas na AAD 69. Ao tratar das relações de força na produção dos discursos,
Pêcheux percebe que a maquinaria não era autônoma e fechada em si mesma e que não
produz nem interpreta discursos. Quem faz isso são os sujeitos. E, sobretudo, que “as questões
e as interpretações de um leitor não são suscetíveis de cálculo” (MARANDIN; PÊCHEUX
[1984] 2020, p. 113). Nesse ponto, Pêcheux refletia sobre os sujeitos que produzem as leituras
originais, quando não havia sequer indícios de um AA. Com o funcionamento desse novo
aparelho, cabe reiterar que coexistem nos sites de redes sociais diferentes tipos de sujeitos,
com diferentes formas de leitura, incluindo aqueles que se limitam a reproduzir,
compartilhando conteúdos a partir de leituras literais (como já sinalizei anteriormente), bem
como aqueles que produzem leituras com base em torções discursivas.
Pêcheux atentou para a obsessão dos cientistas em transpor as questões do sentido,
condicionando-as a “[...] microuniversos lógicos aptos a acolher os cenários conceituais
purificados da inteligência artificial” (PÊCHEUX, [1982] 2014a, p. 66). O que, nas suas
palavras, faz com que a materialidade da língua corra o risco de se tornar “[...] a vidraça
empoeirada através da qual se incita a espreitar ‘as próprias coisas’” (ibid, p. 66).
Mais uma vez, sinalizo, assim como Pêcheux sinalizou, que a maquinaria não produz e
não interpreta discursos. Quem faz isso são os sujeitos. Os algoritmos só atuam selecionando
quais discursos chegam aos usuários das redes sociais a partir da interpretação dos dados
pelos sujeitos programadores.

4.3 CARACTERIZAÇÃO DO NOVO APARELHO DE ORDEM (TECNO)IDEOLÓGICA

No Aparelho Ideológico da Informação, a dominância da chamada grande imprensa


com seus veículos jornalísticos tradicionais de grande abrangência era indiscutível e seus
efeitos muito estudados por pesquisadores das mais diversas áreas. Após a popularização dos
aparelhos de TV, os programas televisivos das grandes emissoras de canal aberto,
principalmente da Rede Globo, passaram a dominar a audiência e ditavam modismos, formas
de pensamento e comportamentos.
206

Contudo, quando conteúdos da televisão, do rádio, do jornalismo impresso e até dos


sites jornalísticos passam a circular nos sites de redes sociais, o funcionamento é outro, a
normatização é outra. As práticas e rituais mudam, o que leva a crer que não se trata do
mesmo aparelho. Por isso proponho pensar na existência de um aparelho algorítmico,
regulado por big data, cujos efeitos tocam no que Zuboff (2018) define como capitalismo de
vigilância. O próprio funcionamento do capitalismo de vigilância sofre alterações pelo AA,
interferindo diretamente no político e na política. Explico: os efeitos do AA ultrapassam os
lucros gerados a partir do extrativismo de dados. O Aparelho Algorítmico, valendo-se dos
dados e das bolhas, age determinando eleições e produzindo subjetivações no campo político,
de acordo com os interesses das grandes corporações e donos do capital que determinam o
funcionamento da política para garantir o atendimento dos seus interesses econômicos. Ou
melhor, a hipótese de um Aparelho Algorítmico está ancorada no funcionamento dos
algoritmos aos moldes de um AIE, agindo para a reprodução das relações de produção do
sistema capitalista-neoliberal.
Ao desenvolver a tese dos AIE, Althusser indica a existência de vários aparelhos
ideológicos, a saber: o Religioso; o Escolar; o Familiar; o Jurídico; o Político; o Sindical; o da
Informação; e o Cultural. Na descrição feita pelo filósofo, o que interessa é a observação de
que sua lista empírica “[...] deverá ser examinada em detalhe, submetida à prova, retificada e
remanejada” (ALTHUSSER [1969] 1999, p. 264), conforme vimos na seção anterior (4.2).
Com as mudanças impostas pelo avanço da tecnologia na formação social atual, é possível
pensar numa transformação de ordem tecnológica: a inclusão de um novo tipo de aparelho.
Esse novo aparelho atravessa e determina a circulação dos discursos nas redes, seja
nos sites de redes sociais ou nos perfis de busca como o Google. Como o consumo de
informações pelas redes cresce, enquanto os veículos jornalísticos entram em declínio, o
aparelho Algorítmico (AA) acaba sobredeterminando a circulação do discurso jornalístico. Se
em vez de se informar diretamente nos veículos de comunicação, os sujeitos se informam por
meio dos seus perfis em sites de redes sociais, não há como negar o impacto do AA para o
jornalismo, embora o funcionamento desse aparelho seja dissimulado.
Nesse ponto, peço licença para abrir parêntesis e analisar um acontecimento recente
que não faz parte do arquivo construído nesta tese. Nas eleições de 2022, a Rede Globo
lançou uma campanha em defesa do jornalismo profissional. Os primeiros vídeos foram
exibidos no intervalo da novela Pantanal em 16 de agosto. Ao todo são cinco vídeos
divulgados como desdobramento da campanha que defende que “O caminho da democracia
é a informação”. Aliás, todos os vídeos contêm esse enunciado em seu encerramento.
207

Os vídeos contam com depoimentos de apresentadores, repórteres e editores-chefes


dos telejornais da Globo para relatar o processo de construção das notícias e foram divididos
por temas: “Equipe”; “Dúvida”; “Jornada”; “Missão”; e “Busca”. A seguir, trago uma análise
de um desses vídeos, o primeiro a ser veiculado pela campanha, intitulado “A Equipe”.

Transcrição do vídeo “A Equipe”70:


Jornalista 1: A gente vive num ambiente hoje em que todo mundo é bombardeado o
tempo todo por informação.
Jornalista 2: O jornalismo tem um compromisso inegociável com a verdade.
Jornalista 3: Buscar, conversar, analisar, tem que ir muito fundo pra acabar com a
mentira.
Jornalista 4: A gente aparece no vídeo mas atrás da gente tem uma equipe enorme
extremamente competente.
Jornalista 5: É o produtor.
Jornalista 6: O repórter na rua.
Jornalista 5: O cinegrafista.
Jornalista 5: Tem o editor de texto. Os editores de imagens também tão ligados.
Jornalista 7: Todo mundo que tá por trás das câmeras, o trabalho de cada um da
equipe.
Jornalista 8: Profissionais dedicados, bem informados.
Jornalista 9: Uma equipe que já tem essa coisa da busca pela verdade no seu DNA.
Jornalista 10: Deu na TV Globo, foi confirmado pelos jornalistas daqui, pode ter
certeza que isso tá valendo.
Jornalista 11: Então a nossa responsabilidade é muito, muito, muito grande.

Jornalista 2
O jornalismo tem um compromisso inegociável com a verdade.

Jornalista 10
Deu na TV Globo, foi confirmado pelos jornalistas daqui, pode ter certeza que isso tá
valendo.

70
Primeiro vídeo da campanha da Rede Globo em defesa do jornalismo profissional, a qual exibiu uma série de
vídeos com a temática nos intervalos de sua programação televisiva durante o primeiro semestre de 2022. Este
vídeo transcrito foi escolhido para representar os demais da campanha por ter sido o primeiro a ser exibido,
dando o teor da campanha.
208

A afirmação feita pelo jornalista 2 que representa o grupo Globo, é da ordem de uma
repetibilidade que associa jornalismo e verdade em diversas falas sobre o tema. No entanto, o
que é verdade? Quais são os efeitos de sentido possíveis? Verdade para quem? O conceito de
verdade sempre foi objeto de reflexão dos filósofos e carrega consigo muita complexidade.
Na filosofia, são consideradas três concepções de verdade: a grega, a latina e a hebraica.
Conforme Garcia (2001), a concepção grega parte do significado de aletheia, que é algo não-
oculto. Em latim, a concepção parte do significado de veritas, que se refere à precisão e
exatidão de um relato. Por sua vez, verdade em hebraico é emunah e relaciona-se à confiança
e ao futuro. As reflexões sobre verdade na filosofia dependem de qual das três concepções se
partirá.

Dessa forma, quando predomina a aletheia, considera-se que a verdade está na


evidência, isto é, a visão intelectual e racional da realidade tal como é em si mesma,
alcançada pelas operações de nossa razão ou de nosso intelecto. Quando há o
predomínio do latim veritas, considera-se que a verdade depende do rigor e da
precisão. Quando predomina a emunah, considera-se que a verdade depende de um
acordo ou de um pacto de confiança entre os pesquisadores, que definem um
conjunto de convenções universais sobre o conhecimento verdadeiro, que deve ser
respeitado por todos (GARCIA, 2001, p. 252).

Conforme Chauí (2000), o consenso entre as três concepções se funde em três


princípios respeitados por todas elas: o fato de que somos seres racionais, dotados de
linguagem (cujo funcionamento se dá por regras aceitas por determinadas comunidades) e que
os resultados de uma investigação deverão ser colocados em discussão para o estabelecimento
ou não da verdade. Chauí também elenca outra teoria da verdade, a teoria pragmática, na qual
a experimentação e a verificabilidade dos resultados indicam o que é ou não verdadeiro.
Todas essas concepções também têm em comum sua relação com a história. Chauí cita
como exemplo que, nas sociedades do século XX, marcadas pelo desenvolvimento da
tecnologia e da pesquisa científica, a verdade tende a “ser considerada como o consenso
teórico estabelecido entre os membros das comunidades de pesquisadores” (CHAUÍ, 2000, p.
133). Ou seja, as verdades podem mudar conforme as condições de produção de uma
determinada época. O conceito de verdade, sendo assim, está condicionado às relações de
poder.
E se o conceito de verdade pode mudar de acordo com a ideologia dominante, é
porque a verdade se produz enquanto efeito de sentido. O jornalismo sempre teve um papel
fundamental na cristalização do que é considerado como verdade pela ideologia dominante.
209

Nas condições de produção das eleições de 2018, o jornalismo dividiu esse papel e foi quase
coadjuvante. Os sites de redes sociais orientados por algoritmos assumiram o protagonismo e
estabeleceram uma disputa não mais pelo que é verdade, mas por suas formas de circulação.
Cabe trazer as reflexões de Dias, ao considerar a circulação como determinante do
processo de produção do conhecimento. Nas palavras da autora, “a tecnologia como condição
de produção, pela produção de objetos, desloca o sentido de conhecimento, produzindo a
possibilidade de ele vir a ser significado pelo modo de sua
circulação/disponibilização/compartilhamento” (DIAS, 2015, p. 286). Aí está o embate entre
jornalismo (impresso, radiofônico, televisivo ou mesmo online) e sites de redes sociais. Se a
circulação determina o próprio sentido de um discurso, as redes assumiram a dianteira nas
relações de poder que levam ao estabelecimento do que é verdade. Tanto é assim que a maior
rede de televisão brasileira identificou a necessidade de realizar uma campanha em defesa do
jornalismo profissional.
Chama atenção, também, o uso do termo “inegociável” pelo jornalista 2, determinando
discursivamente o termo “compromisso”, o que pressupõe que outros compromissos do
jornalismo possam ser negociáveis. Nesse ínterim, jornalismo é apenas negócio, mercadoria.
Na FD de direita em que a Globo se inscreve, os saberes capitalistas e neoliberais são
dominantes e, portanto, a visão de que a notícia e o jornalismo são produtos é naturalizada.
Como aponta Adelmo Genro Filho, “a necessidade da informação jornalística surgiu na forma
de um mercado consumidor de notícias, à medida que, com a emergência do capitalismo,
todas as necessidades sociais aparecem como mercado consumidor e todos os valores de uso
na forma de mercadorias” (GENRO FILHO, 1987, p. 138). O que quer dizer que jornalismo
não é simplesmente mercadoria (como sugere o pensamento da Escola de Frankfurt), mas que
na FD de direita, os valores capitalistas orientam as tomadas de posição e naturalizam a
relação jornalismo e mercadoria.
O sujeito jornalista 10 aponta como verdade apenas o que é exibido na Globo. A
campanha pelo jornalismo profissional passa, assim, a ser a campanha pelo jornalismo da
Globo, o único veículo que é profissional e capaz de mostrar a verdade. E, mais, ao produzir
tal efeito de sentido produz outro decorrente desse: o de que as mídias alternativas não são de
confiança. A Globo parece colocar não apenas os sites de redes sociais, mas os veículos de
comunicação alternativos em xeque, pois esses veículos não possuem uma grande equipe de
profissionais, ou seja, não representam o jornalismo profissional, defendido na campanha.
Muitas vezes, os veículos alternativos são conduzidos por única pessoa, como no caso de
blogs, ou dependem de conteúdos colaborativos de profissionais independentes.
210

Para fechar o parêntesis que abri com esta análise, destaco que a campanha lançada
pela Globo silencia os efeitos da maquinaria algorítmica nos seus próprios fluxos de
circulação. Aliás, esse é o efeito do AA: funcionar de modo silencioso e sorrateiro,
dissimulando seu próprio funcionamento por meio do efeito de evidência da automaticidade.
Além dessa particularidade, o aparelho algorítmico tem como característica a
permeabilidade e a hibridez, pois a mídia (impressa, radiofônica e televisiva) está nas redes, a
Rede Globo (retomando a análise do recorte discursivo 16 (seção 4.4) sobre os sentidos de
jornalismo profissional na FD de Direita) está nas redes, a escola está nas redes, os partidos
estão nas redes e até as igrejas também estão nas redes. Apesar de terem funcionamentos
distintos, com práticas e rituais diferentes, os demais AIEs, são atravessados pelo aparelho
algorítmico, de modo que o aparelho algorítmico sobredetermina os demais, sendo que a “[...]
unidade entre os diferentes Aparelhos Ideológicos do Estado está assegurada, geralmente de
maneira contraditória, pela ideologia dominante, a da classe dominante” (ALTHUSSER,
[1971] 1985, p. 74).
Em comum, todos têm como função garantir a reprodução das relações de produção.
Conforme Althusser, “é por intermédio da ideologia dominante que a ‘harmonia’ (por vezes
tensa) entre o aparelho repressivo do Estado e os Aparelhos Ideológicos do Estado e entre os
diferentes Aparelhos Ideológicos do Estado é assegurada” (ibid, p. 74-75). Harmonia que
também é assegurada pelo Aparelho Algorítmico, o qual trabalha em consonância com os
demais AIE para a reprodução das relações de produção.
Enquanto Althusser considera um AIE como “[...] um sistema de instituições,
organizações e práticas correspondentes, definidas” (ALTHUSSER, [1969] 1999, p. 104),
proponho pensar o Aparelho Tecno(ideo)lógico Algorítmico também como um dispositivo
nos termos de Giorgio Agamben. Retomando o pensamento de Foucault, Agamben designa
por dispositivo “[...] qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar,
orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as
opiniões e os discursos dos seres viventes” (AGAMBEN, 2014, p. 39).
O autor dá como exemplo de dispositivo, entre outros, o computador, o telefone
celular e a própria linguagem. Refere, ainda, que na atualidade há uma proliferação de
dispositivos, o que implica em variados processos de subjetivação (decorrentes da relação
entre os sujeitos e os dispositivos), pois, nas palavras de Agamben, “[...] o dispositivo é, antes
de tudo, uma máquina que produz subjetivações e somente enquanto tal é também uma
máquina de governo” (ibid, p. 47). E é aqui que a noção de dispositivo se aproxima da
definição dos AIE de Althusser enquanto um conjunto de sistemas.
211

Um AIE é, sobretudo, um dispositivo do Estado. Porém, o AA é um dispositivo que


difere dos AIE que conhecíamos até então. A diferença fundamental é que o AA é um
dispositivo dos Estados em formações sociais capitalistas-neoliberais sem se limitar a
fronteiras nacionais, pois a economia dessas formações sob o domínio do
capitalismo/neoliberalismo funciona de modo globalizado. De modo que o AA não serve a
um Estado específico, mas a um modo de produção dominante nas formações sociais atuais: a
capitalista-neoliberal. E o AA pode ser usado para atacar um Estado se ele ameaçar esse tipo
de formação social.
Para desenvolver esta formulação, reporto-me à Althusser e suas reflexões sobre os
AIE e sua relação com o Estado. Segundo o autor (ALTHUSSER, [1971] 1985), o Estado tem
uma dupla função: a técnica-administrativa que é sobredeterminada pela dominação política.
Nesse sentido, o poder de Estado consiste no domínio dos aparelhos de Estado, seja para
manter a mesma estrutura em funcionamento submetida à ideologia da classe dominante ou
para substituí-la no caso de uma revolução proletária.
Pensando o Estado não apenas como a estrutura administrativa, mas como o poder de
Estado (ou seja, como a tomada e a manutenção do poder de Estado por uma classe ou aliança
de classes) e observando que a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante e,
ainda, considerando que o modo de produção dominante nas formações sociais atuais é o
capitalismo-neoliberalismo, podemos dizer que o AA é um dispositivo das formações sociais
dominadas por tal modo, pois elas funcionam em sintonia, de maneira globalizada, desde o
início da web 3.0. Um dispositivo que se infiltra e afeta outros AIE como o Religioso, o
Escolar, o da Informação, o Político, o Sindical, etc, para melhor servir aos poderes que
ultrapassam o Estado Nacional, pois trata-se de um dispositivo a serviço do neoliberalismo
internacional.
O AA exerce, atualmente, um papel preponderante para interpelar os indivíduos em
sujeitos de determinadas formações ideológicas. Ocorre que os algoritmos não têm uma
existência física como os jornais, as igrejas ou as escolas, mas têm uma existência material no
espaço digital. Essa existência depende de dispositivos tecnológicos – smartphones,
computadores, notebooks – para se materializar. O uso desses dispositivos para acesso aos
sites de redes sociais é como a ponta de um iceberg. O verdadeiro funcionamento dos
algoritmos permanece invisível, embora crucial na produção de subjetividades no campo
político, podendo, inclusive, determinar resultados de eleições e definir os rumos das
democracias. Ou seja, os algoritmos dependem de dispositivos tecnológicos para ganhar
212

existência material e, assim, se infiltrar nos outros AIE e afetar suas práticas na reprodução
das relações de produção capitalistas/neoliberais.

4.4 EFEITOS DA TECNO(IDEO)LOGIA

Temos testemunhado que o resultado do funcionamento dos algoritmos é a limitação


da circulação dos discursos, invertendo fluxos e formando bolhas sob a dominação de
discursos hegemônicos que representam uma ameaça ao sistema democrático. Quando bolhas
ideológicas antagônicas se cruzam, elas se repelem. Não há embate, as tensões são
eliminadas. As fronteiras se fecham ainda mais e o aparelho algorítmico trabalha para que
determinados posicionamentos tenham mais visibilidade, em detrimento de outros. E quem
determina a ação do sistema algorítmico é o mercado e os interesses políticos.
Na profusão de discursos de e discursos sobre, as publicações com maior quantidade
de reações são as consideradas mais relevantes no Facebook, posts impulsionados pela ação
de bots (os robôs digitais) tendem a aparecer muito mais nos feeds dos usuários que aqueles
com pouca reação. Conforme Dias, “a dimensão técnica do silêncio consiste naquilo que os
algoritmos deixam de nos mostrar ou não nos deixam ver” (DIAS, 2018, p. 192).
No entanto, apesar da dimensão técnica, o silêncio continua funcionando pela
ideologia. As máquinas e os sistemas algorítmicos só funcionam porque os sujeitos criam e
programam suas funções. E não existe sujeito fora da ideologia. Por isso, não considero
apenas o efeito da tecnologia. Trata-se do efeito da tecnologia somado aos múltiplos efeitos
da ideologia, funcionando sincronicamente nos processos discursivos que se constituem nos
sites de redes sociais. A incidência da técnica sobre a circulação dos discursos é o que
passarei a analisar no próximo recorte discursivo.
213

Recorte discursivo 16 – A dimensão técnica do silêncio

Sequência imagético-discursiva (SID) 30

Fonte:
<https://www.facebook.com/vemprarua.net/photos/a.344411022406919/1015723988608949>

SD52
OBRIGADO, JUIZ SÉRGIO MORO!
A sua coragem e determinação em enfrentar corruptos poderosos e milionários será lembrada
para sempre.
O nosso mais sincero agradecimento.
214

Sequência imagético-discursiva (SID) 31

Fonte:
<https://www.facebook.com/mblivre/photos/a.204296283027856/1100535383403937/>.

SD53
QUATRO advogados. Informações confirmadas pelo Antagonista e Globo News.

SD54
Estranho!
Ex-servente de pedreiro e desempregado, homem que esfaqueou Bolsonaro teve 4 advogados
para defendê-lo em audiência de custódia hoje.

A sequência imagético-discursiva (SID) 30, da fanpage Vem Pra Rua Brasil, faz
referência ao juiz Sérgio Moro agradecendo pela condenação e pela prisão de Lula e possui
215

158 mil curtidas, 12 mil comentários e 143 mil compartilhamentos71. Isso representa não só o
tamanho da bolha ideológica criada na/para as eleições de 2018, mas o processo de construção
dessa bolha, com utilização de recursos algorítmicos para direcionar e controlar a circulação
dos discursos (inclusive por meio de bots que impulsionam o alcance desses discursos).
O movimento Vem pra Rua Brasil foi criado em outubro de 2014 por Rogério Chequer
e um grupo de amigos. A partir de março de 2015, o movimento passou a convocar
manifestações “contra a corrupção”, a favor da Lava Jato e direcionadas contra o governo
Dilma Rousseff, pedindo seu impeachment. Desde sua criação, o Vem pra Rua Brasil assumiu
uma posição política reacionária e antipetista. Em seu site, o movimento alega querer “[...] um
Brasil livre da corrupção, com uma política feita com ética e um Estado desinchado e
eficiente, verdadeiramente democrático e justo”72.
Ao utilizar a expressão “Estado desinchado”, o movimento faz referência a um dos
princípios norteadores do neoliberalismo, ideologia política dominante em nossa formação
social atual. Ou seja, apesar de se autodenominar “suprapartidário” e “uma organização
espontânea”, trata-se de um movimento com posicionamento político muito bem marcado,
cujos interesses são políticos. Inclusive, o movimento foi citado na investigação da Vaza Jato,
conduzida pelo The Intercept Brasil. Os vazamentos de conversas no aplicativo Telegram
sobre a operação Lava Jato revelaram que o promotor Deltan Dallagnol usou grupos políticos
como porta-vozes pessoais de suas opiniões e posicionamentos políticos. Entre esses grupos,
estava o Vem pra Rua Brasil. O movimento, dessa forma, é, sobretudo, político e faz
propaganda partidária neoliberal e antipetista fazendo parecer que não se trata de propaganda,
afinal, se autodenomina “suprapartidário”.
Se, conforme análise de Indursky sobre o processo que culminou na prisão de Lula,
“dois Aparelhos Ideológicos de Estado – o Jurídico e o da Informação - formaram uma
aliança institucional sólida” (INDURSKY, 2022, p. 135), no caso desta tese, trata-se da

71
Ao consultar o ranking do projeto Manchetômetro nos períodos referentes aos marcos temporais selecionados
para esta pesquisa, percebi que entre os posts mais compartilhados são de perfis de candidatos e de páginas
ligadas aos movimentos políticos que se dizem apartidários. Na semana entre 4 a 10 de abril de 2018, a semana
da prisão de Lula, o projeto Manchetômetro monitorou as 41 páginas políticas que publicaram 5.931 posts e
geraram 7.840.519 compartilhamentos. “As páginas que mais postaram esta semana foram: Juventude Contra
Corrupção (413 posts), Movimento Contra Corrupção (412 posts) e Juiz Sergio Moro – o Brasil está com você
(380 posts)” (MANCHETÔMETRO, 2018). Todas as páginas citadas partem de um mesmo posicionamento
ideológico, dentro de uma aliança entre FD de direita e FD de extrema direita que reproduz o antipetismo. E os
efeitos de sentido das postagens remetem à construção discursiva de que o PT é corrupto e representa um grande
mal para o país. Isso diz muito a respeito das eleições de 2018. O predomínio desse tipo de páginas e o alto
número de publicações e interações registradas por elas indicam uma campanha massiva antipetista nos sites de
redes sociais e, por consequência, a formação de bolhas ideológicas que encarceraram sujeitos na
identificação/aderência a essa aliança entre FD de direita e FD de extrema direita.
72
Extraído do site Vem pra Rua Brasil: <https://www.vemprarua.net/o-movimento/#vem-pra-rua>.
216

imbricação de dois aparelhos ideológicos de Estado, o Jurídico e o da Informação,


atravessados pelo Aparelho Algorítmico.
A sequência imagético-discursiva (SID) 3173 se refere ao acusado de ter desferido uma
facada em Bolsonaro, levantando suspeitas pelo fato dele ter quatro advogados em sua defesa,
exatamente da forma como faz O Antagonista na SID 5 e Sd14, analisadas74 na seção 3.5.
Mas o que interessa, neste momento, é observar que o atentado deu evidência ao candidato
não somente na mídia tradicional, mas nos sites de redes sociais.
As diferenças no engajamento entre as postagens com maior número de interações em
comparação com as postagens dos veículos jornalísticos configuram aquilo que Dias designa
como “dimensão técnica do silêncio”, a qual “[...] põe em relação silêncio e tecnologia de
linguagem (circulação)” (DIAS, 2018, p. 191). Sob essa dimensão, o silêncio pode ocorrer,
sobretudo nos sites de redes sociais, pelo funcionamento dos algoritmos que determinam onde
e quais discursos podem circular.
A Sd52 (SID30), em agradecimento a Sérgio Moro, silencia a manifestação popular
em apoio a Lula e a contestação do processo que culminou na prisão do ex-presidente pela
ausência de provas concretas que o incriminassem. E o processo de silenciamento ocorre por
meio de um ruído barulhento imposto pela ação do AA. Um barulho que indica que as
engrenagens da maquinaria algorítmica estão em pleno funcionamento. De modo que o
barulho da circulação de outros efeitos de sentido abafa e silencia o apoio a Lula.
Por sua vez, as Sd 53 e 54 (SID31) silenciam a possibilidade do atentado contra
Bolsonaro ter sido um grande espetáculo eleitoral. Ao figurarem no ranking com mais reações
no período em questão, tais publicações mostram que os algoritmos, ao evidenciarem os
efeitos de sentido delas depreendidos, silenciaram outros efeitos, limitando sua circulação por
não se identificarem aos sentidos produzidos pela ideologia dominante (de direita). Aí está o
silêncio funcionando em sua dimensão técnica, como aponta Dias (2018).
Isso porque os algoritmos não são da ordem da política, mas da polícia, já que “a
polícia não é tanto uma ‘disciplinarização’ dos corpos quanto uma regra de seu aparecer, uma
configuração das ocupações e das propriedades dos espaços em que essas ocupações são
distribuídas” (RANCIÈRE, 1996, p. 42). Assim, os algoritmos são da ordem da polícia porque
configuram os sites de redes sociais, regularizando e definindo o que deve aparecer e o que

73
Compartilhada pela fanpage do Movimento Brasil Livre (MBL).
74
Na análise da SID5 e Sd14 as materialidades discursivas são oriundas de veículos jornalísticos e são orientadas
para a produção do discurso jornalístico enquanto que, neste momento, a abordagem está voltada para a
circulação desse discurso trazendo posts que lideram o ranking do Manchetômetro das publicações que
registraram maior interação sobre o mesmo acontecimento – a facada contra Bolsonaro – remetendo ao mesmo
recorte temporal (próximos a data de 6 de setembro de 2018).
217

deve permanecer oculto. Como resultado desse funcionamento, são produzidas as bolhas,
essas, sim, da ordem da política, pois projetam uma cena da qual nem todos participam em
função de seu posicionamento ideológico. Ou seja, o AA enquanto dispositivo do capitalismo-
neoliberalismo identifica e, ao mesmo tempo, produz subjetividades nessas bolhas.
O aparelho algorítmico produz efeitos no discurso jornalístico que vão além da
circulação das informações, do processo de selecionar o que é visto e o que é silenciado no
feed de notícias. Produz efeitos que ultrapassam o que se entende por capitalismo de
vigilância. Muitos mais que utilizar nossos dados para anunciar e vender produtos ou
serviços, o AA constrói discursividades e negocia subjetivações. O mecanismo é o mesmo do
capitalismo de vigilância. A diferença é que o AA não é apenas da ordem do econômico, o
AA funciona, também pelo/para o político. Embora tenham objetivos diversos, ambos são
determinados pelo neoliberalismo, cujo princípio é a utilização da política para favorecimento
dos interesses econômicos das grandes corporações nacionais e internacionais.
O AA também produz efeitos na própria produção do discurso que joga com os efeitos
da técnica para (ilusoriamente) escamotear as falhas, tamponar os furos. É o caso do próximo
recorte discursivo. Trata-se de uma sequência imagético-discursiva compartilhada por O
Antagonista em sua fanpage sobre o atentado contra o então candidato Bolsonaro. A
manchete traz o apelo do significante “urgente”, chamando atenção para uma informação que
se diz importante e textualmente traz dois fatos: Bolsonaro foi esfaqueado e o acontecimento
se deu num comício em Juiz de Fora. Ao clicar na SID o usuário do Facebook é direcionado
ao site de O Antagonista onde encontra o mesmo enunciado da postagem, mas dessa vez se
depara com aquilo que deveria ser um vídeo logo abaixo do enunciado.
218

Recorte discursivo 17: o efeito da normatização da técnica

Sequência imagético-discursiva (SID) 32

Fonte:
<https://www.facebook.com/page/323983461125902/search/?q=urgente%20bolsonaro%20%C3%A9%20esfaqu
eado>.

SD55
URGENTE: BOLSONARO É ESFAQUEADO
SALVARTV 06.09.18 16:14
Por Claudio Dantas
Jair Bolsonaro foi esfaqueado durante comício em Juiz de Fora.
Play Video
This is a modal window.
Não conseguimos iniciar o vídeo por dois possíveis motivos: o formato não é compativel com
esse dispositivo ou sua conexão com a Internet falhou.75

Quando disse que deveria ser um vídeo parti de um pressuposto: o enunciado “play
video” (Sd55) na mensagem que aparece na tela preta. No entanto, não há como ou onde
clicar para reproduzir o vídeo. E isso se explica pelo enunciado “This is a modal window”, ou

75 Fonte:
<https://www.oantagonista.com/brasil/urgente-bolsonaro-e-
esfaqueado/?fbclid=IwAR1YCyeYVjkqss0yZKzc7uwx7OVhWrMZ3SqB88837fwIBuerW7nyfmlHPtQ>.
219

seja, trata-se de uma janela modal, um recurso utilizado na programação e que é equivalente a
uma janela secundária, ligada à janela principal (no caso, à notícia)76.
Dessa forma, o vídeo deveria ser exibido automaticamente ao abrir a notícia por meio
de uma janela secundária, ligada ao site principal, sem que fosse necessário clicar em botões
ou links. Não é o que acontece. Nenhuma janela não-solicitada abre. Nenhum vídeo aparece.
No lugar, apenas uma mensagem: “não conseguimos iniciar o vídeo por dois possíveis
motivos: o formato não é compatível com esse dispositivo ou sua conexão com a Internet
falhou”.
Os dois motivos atribuem não só à tecnologia, mas ao leitor a responsabilidade pela
falha na reprodução do vídeo. O que pode ser parafraseado como “se o vídeo não abriu, é
porque o leitor não tem tecnologia suficientemente boa e adequada”. Ao formular essa
paráfrase, fui imediatamente interpelada a conferir minha conexão com a internet:
funcionando normalmente. Nas configurações de internet do meu notebook, procurei habilitar
as pop-ups e tentar entender se havia algum formato de vídeo que não poderia ser suportado
pela minha máquina. A mensagem continuava aparecendo ali, não importava o que eu fizesse.
Abri a notícia em outros dispositivos e a mensagem ainda permanecia ali.
O que leva a pensar que, talvez aqui, há um engodo tecnológico, nos termos como
define Grigoletto (2021). Ancorada naquilo que Zuboff (2018) designa como capitalismo de
vigilância, Grigoletto define o engodo tecnológico “a partir do controle produzido sobre os
sujeitos pelos algoritmos do Facebook, que buscam, independentemente da filiação
ideológica, os dados individuais, ou dados residuais, dos seus usuários, visando ao lucro”
(GRIGOLETTO, 2021, p. 196). Ainda nas palavras de Grigoletto: “O engodo tecnológico,
então, alicia o sujeito entregando a promessa de sucesso, de liberdade, de livre escolha,
apagando os efeitos, próprios do discurso neoliberal, da autoexposição e autoexploração a que
esses sujeitos estão submetidos”. (GRIGOLETTO, 2021, p. 196).
Dessa forma, o engodo tecnológico ao qual estão sujeitos os usuários das redes e os
veículos de notícias, também é um engodo discursivo, pois há um jogo entre a designação
“vídeo” e os efeitos da tecnologia: “o vídeo foi publicado e se não abre a culpa é dos recursos
tecnológicos que não oferecem o suporte necessário”. No artigo “O fora da rede: (co-mando
de) arquivo no arquivo”, Lucília Maria Souza Romão (2011) já atenta para o efeito de

76
Janela modal também recebe a designação de “caixa de diálogo” na informática e um exemplo de seu uso são
os anúncios pop-ups nos sites. Por sua vez, pop-up é o termo utilizado para definir as janelas de anúncios que
saltam na tela ao abrir um determinado site, sem que o usuário as tenha solicitado.
220

automaticidade da tecnologia, “fazendo parecer óbvio que a tecnologia funciona em si e por si


mesma, sem uma instância política que a controle” (ROMÃO, 2011, p. 145).
O vídeo não abre por questões técnicas, ou por questões políticas? Uma instância
política ligada à campanha de Bolsonaro poderia muito bem ter determinado a retirada do
vídeo do ar em função das imagens não serem boas o suficiente para comprovar o atentado.
Nesse caso, o vídeo pode ter sido retirado do site, embora a notícia ainda permaneça
publicada.
No caso da mensagem no lugar da (não)reprodução do vídeo (que esperava-se ser
sobre o exato momento do atentado), “persistem os efeitos do técnico, do sistêmico, do
tecnológico, o que escamoteia o político e deixa, fora de pauta, a política de gerenciamento de
arquivos” (ibid, p. 146).
A mensagem suscita muitos questionamentos. Qual é o problema com meus
dispositivos (computador, notebook, celular, tablet)? Será que a falha não é da programação
do próprio site? Será que esse vídeo já foi reproduzido alguma vez por algum sujeito? Será
que o problema é mesmo tecnológico? Que motivos, além de tecnológicos, haveria para a não
reprodução do vídeo? Não seria, nos termos de Romão, um “[...] modo de destacar o
tecnológico e tamponar qualquer indício do político [...]”? (ibid, p. 148). Ou seja, jogar os
efeitos da ideologia na conta da falha tecnológica? Tem-se dois motivos para a não abertura
do vídeo: o motivo tecnológico, no qual o problema é do usuário por não ter a tecnologia
necessária para a abertura do vídeo; e o motivo político que faz com que o veículo não
disponibilize o link correto ou a ferramenta necessária para acessá-lo. Nesse ultimo caso,
trata-se da ausência de tecnologia e, ao mesmo tempo, da presença e do funcionamento dos
seus efeitos.
Estando submetidos ao Aparelho Algorítmico, os sites de notícia compreendem as
normatizações técnicas do aparelho, embora não reconheçam seus efeitos ideológicos. A
mensagem em substituição ao vídeo funciona discursivamente como apropriação do discurso
de normatização da técnica para, deliberadamente, silenciar o político e esconder a
impossibilidade de as imagens falarem por si mesmas. Afinal, como se viu em análises de
sequências anteriores, o atentado e suas circunstâncias foram questionados, pois as imagens
não revelam sangue e nem o exato momento em que a faca atinge o candidato.
Para além das normatizações técnicas, a tecno(ideo)logia tem a ver com as ideologias
que são silenciadas pela técnica. E se a tecnologia está sujeita à falha e a ideologia está sujeita
à contradição, é possível pensar em práticas jornalísticas de resistência neste cenário?
221

5 APARELHO ALGORÍTMICO: ENTRE PRÁTICAS, RITUAIS E


POSSIBILIDADES DE RESISTÊNCIA

As resistências: não entender ou entender errado; não “escutar” as ordens;


não repetir as litanias ou repetir ou repeti-las de modo errôneo, falar quando se exige
silêncio; falar sua língua como uma língua estrangeira que se domina mal; mudar,
desviar, alterar o sentido das palavras e das frases; tomar os enunciados ao pé da
letra; deslocar as regras na sintaxe e desestruturar o léxico jogando com as
palavras...”. E assim começar a começar a se despedir do sentido que reproduz o
discurso da dominação, de modo que o irrealizado advenha formando sentido no
interior do sem-sentido (PÊCHEUX, 1990, p. 17).

Foi em 2004, quando surgiram os sites de redes sociais e os microblogs, que o acesso à
internet se expandiu com alta velocidade em função da tecnologia dos telefones celulares.
Como era de se esperar, isso alterou radicalmente os fluxos e a circulação dos discursos, em
especial no que diz respeito ao discurso jornalístico.
Embora a Pesquisa de Mídia77 de 2016 tenha apontado que a TV ainda era o meio de
comunicação mais utilizado no país (63% dos participantes), a internet começava ocupar um
lugar de importância na vida dos brasileiros. Segundo os dados da TIC Domicílios78 de 2019,
eram cerca de 134 milhões de usuários da internet no Brasil e 58% destes usuários faziam o
acesso exclusivamente pelo celular.
Martins indica que 140 milhões de brasileiros estão nos sites de redes sociais. “O
Facebook conta com 130 milhões de usuários e o Instagram, com 69 milhões. Já o Twitter,
com 8,57 milhões, segundo a pesquisa Global Digital 2019, que mostra que a audiência é
bastante distinta entre elas” (MARTINS, 2020, p. 205-206).
Todos esses dados demonstram que a internet e os sites de redes sociais são um meio
de informação de suma importância no Brasil. E o impacto sobre o jornalismo foi sem
precedentes. Na abertura do segundo capítulo, escolhi como epígrafe a citação de Althusser:
“quando tudo continua igual é porque os aparelhos ideológicos de Estado funcionaram com
toda a perfeição” (ALTHUSSER, [1969] 1999, p. 228). Faz-se necessário retomá-la,
considerando todas as transformações impostas pelo surgimento da internet, dos sites de redes
sociais e pelo funcionamento dos algoritmos. Em outras palavras, nem tudo continua igual e
os próprios aparelhos também estão mudando.

77
Disponível em < http://antigo.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-e-qualitativas-
de-contratos-atuais/pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2016-1.pdf/view>.
78
Disponível em < https://cetic.br/pt/publicacao/pesquisa-sobre-o-uso-das-tecnologias-de-informacao-e-
comunicacao-nos-domicilios-brasileiros-tic-domicilios-2019/>.
222

Com a internet, os sujeitos conquistaram um espaço para expressarem suas ideias


livremente e sem fronteiras sob a ilusão de que não há mediação, pois a técnica que regula a
circulação dos conteúdos permanece invisível aos olhos. Não há mais receptores de notícias –
meros leitores, ouvintes ou telespectadores. Os sujeitos agora curtem, comentam e
compartilham as notícias, demarcando sua opinião. Tornam-se atores do processo. A questão
é saber qual o alcance de tal profusão de vozes e entender porque algumas delas se sobrepõem
às outras, ou seja, quais são as práticas e rituais do Aparelho Ideológico da Informação
atravessado pelo Aparelho Algorítmico na regulação da circulação dos discursos no espaço
digital. E nesse território dominado pela tecno(ideo)logia, interessa identificar a possibilidade
de práticas de resistência jornalísticas na contemporaneidade. Há resistência? A que e a
quem?

5.1 O GERENCIAMENTO DA LEITURA DOS ARQUIVOS HOJE

As transformações que a internet, sobretudo os algoritmos, vêm impondo ao


jornalismo têm gerado uma crise de confiabilidade, abrindo espaço tanto para o surgimento de
veículos alternativos que trazem outros pontos de vista silenciados pelos grandes veículos da
mídia tradicional, quanto para o surgimento de “influencers” que em seus canais no Youtube
ou seus perfis no Facebook, no Instagram e no TikTok se dizem independentes e porta-vozes
da verdade quando, de fato, são porta-vozes daqueles que os patrocinam.
Ramonet (2013a, p. 68), ao questionar “se todo mundo é o jornalista, o que é um
jornalista? E se todo mundo faz jornalismo, o que é jornalismo?”, suscita uma série de outras
questões, também pertinentes nas atuais condições de produção no Brasil. Talvez, a mais
urgente delas esteja relacionada ao efeito de sentido produzido pelos veículos da mídia
impressa de grande abrangência e pelos canais de rádio e TV ligados aos conglomerados
midiáticos, os quais se apresentam como portadores da verdade incontestável, invalidando
outros posicionamentos e outras interpretações dos acontecimentos e ignorando o jornalismo
que é produzido fora deles.
A crise de confiabilidade no jornalismo é resultante desse efeito de sentido, mas não
somente dele. Também está relacionada ao avanço da política neoliberal. Araújo Neto destaca
que “o governo, as grandes corporações e a mídia prometeram uma nova era de prosperidade
e acesso a bens, serviços e informações que não se concretizou [...]” (ARAÚJO NETO, 2021,
p. 95), apontando que, por esse motivo, aqueles que ficaram apartados dessa nova era se
223

ressentiram com o governo, com a mídia e/ou com as grandes corporações, culpando-os pela
situação em que se encontram.
Essa crise de credibilidade, associada aos novos modos de circulação dos discursos,
regulados por algoritmos dentro do que designo nesta tese como Aparelho Algorítmico, tem
trazido impasses e novos desafios para o jornalismo, acostumado a gerenciar a leitura dos
arquivos até pouco atrás. Vitor Pequeno (2020) expõe que “no imaginário do programador, as
provisões necessárias para respeitar as realidades institucionais de cada lugar estariam dadas
pelo poder de circulação dos próprios discursos institucionais” (PEQUENO, 2020, p. 270), ou
seja, se usuários buscam por notícias nos sites de redes sociais, irão recebê-las de fanpages
jornalísticas ou de perfis que as citam/compartilham. Entretanto, não é o que ocorre nos sites
de redes sociais determinados pelo funcionamento de algoritmos pautados por critérios de
relevância que incluem a quantidade de cliques.
Conteúdos mais clicados circulam mais, embora os cliques, em grande parte das vezes,
sejam impulsionados por bots. O Aparelho Algorítmico (AA) afeta a circulação de conteúdos
inclusive da mídia tradicional, algo impensável até pouco tempo atrás quando analisávamos a
hegemonia da televisão e da poderosa Rede Globo. O gerenciamento da leitura dos arquivos,
desse modo, fica cada vez menos nas mãos do jornalismo.
E isso também explica porque o jornalismo esteja sendo preterido na busca por
informações e, em contrapartida, os sites de redes sociais estejam ocupando esse lugar. Nesse
sentido, José Ismar Petrola pontua que as redes “por serem um meio de baixo custo e com
mercado de leitores em expansão, atraíram desde cedo a atenção de jornalistas não vinculados
a grandes empresas, permitindo a difusão de um novo jornalismo alternativo” (PETROLA,
2019, p. 112). Esse novo tipo de jornalismo não fica restrito às experiências alternativas e
independentes, mas inclui o que o pesquisador chama de jornalismo amador “[...] exercido
através de redes sociais e grupos online, oferecendo informações de interesse do grupo, sem
os procedimentos de checagem e redação do jornalismo tradicional [...] (ibid, p. 128). Muitas
vezes, esse novo tipo de jornalismo, diferentemente do alternativo, acaba apenas replicando o
posicionamento da mídia tradicional, emulando seu funcionamento e silenciando
posicionamentos que se contrapõem à FD de direita com a qual os grandes veículos
permanecem identificados. No país, são os veículos alternativos que cada vez mais têm se
encarregado de trazer outro olhar, outras perspectivas silenciadas, vide, por exemplo, a
investigação de The Intercept Brasil que revelou conversas entre o juiz Sergio Moro e o
procurador Deltan Dallagnol e outros integrantes da operação Lava Jato, mostrando que Moro
224

cedeu informações privilegiadas para a acusação, atuando como um promotor para a


condenação de Lula.
O fato é que a internet surgiu como um território de liberdade de expressão tanto para
aquelas vozes que eram sistematicamente silenciadas e ganharam visibilidade por meio do
jornalismo alternativo, quanto para outras vozes que apenas replicam posicionamentos (como
a do jornalismo amador). E mesmo que o sistema a tenha incorporado para servir aos seus
interesses, “a internet ainda tem o potencial de ser um meio melhor para a democracia do que
a imprensa tradicional com seus fluxos unidirecionais de informação” (PARISER, 2012, p.
70).
Quando iniciei este trabalho, pautei a escolha do corpus e do percurso teórico-analítico
pela convicção de que a internet se configura como o lugar em que há a possibilidade de
práticas jornalísticas de resistência, uma convicção que foi se desfazendo conforme avançava
na produção da tese e identificava as transformações que afetaram a circulação dos discursos.
No jornalismo, a simples presença de veículos alternativos nos sites de redes sociais é uma
forma de resistência e de exercer um contrapoder, embora se saiba que o alcance destes
veículos seja muito limitado pela ação dos algoritmos baseados em big data, ou melhor, que a
circulação esteja afetada pelo que denomino como Aparelho Algorítmico (AA).
São muitas as formas de resistir, mesmo diante desse cenário. Peruzzo pontua algumas
delas: “formando comunidades, redes – presenciais e digitais –, blogueando, postando fotos,
podcasts, vídeos com informação alternativa – outra visão de sociedade – no mundo todo”
(PERUZZO, 2018, p. 99).
Vimos que os sites de redes sociais tiveram um papel determinante para as principais
manifestações populares dos últimos anos, como a Primavera Árabe, o Occupy Wall Street e
as Jornadas de Junho de 2013 no Brasil. Nesse sentido, Peruzzo observa que as redes são
importantes aliadas nas mobilizações principalmente porque

[...] têm o poder de multiplicar os compartilhamentos e gerar o efeito viral, ou seja,


amplificam a difusão de postagens e potencializam o número de visualizações,
seguidores, acessos, comentários, downloads, compartilhamentos e curtidas, dando
cara nova à noção de audiência. No entanto, também existe o inconveniente de o
conteúdo viralizado ser manipulado artificialmente (aumentada, acelerada), por meio
de robôs e outros mecanismos de replicação (PERUZZO, 2018, p.83).

Os sites de redes sociais têm o poder de multiplicar compartilhamentos de informação,


mas o Aparelho Algorítmico (AA) trata de regular quais informações circularão e quais serão
viralizadas no Aparelho Ideológico da Informação, principalmente através da ação dos bots. O
225

que se viu no caso das eleições de 2018, quando páginas de movimentos políticos
antipetistas79 passaram a circular muito mais80, ultrapassando veículos tradicionais de
comunicação. O ritual do AA é similar ao da economia da atenção e do capitalismo de
vigilância, configurando a repetibilidade de conteúdos e a viralização como prática, não mais
apenas no plano econômico, mas no domínio político. E é sobre os impactos dos novos fluxos
de circulação dos discursos determinados pelo AA que tratará a próxima seção.

5.2. DESMEDIATIZAÇÃO E CIRCULAÇÃO

Nas redes todos somos, ao mesmo tempo, produtores e consumidores de informação.


É essa característica que determina as novas práticas e rituais do AIE da Informação,
atravessado pelo Aparelho Algorítmico. Han (2018a) comenta que se trata de um processo de
desmediatização da comunicação que torna os jornalistas, antes vistos como grandes
influenciadores de opinião, desnecessários para pôr os discursos em circulação. Na opinião de
Han, “a desmediatização generalizada encerra a época da representação. Hoje, todos querem
estar eles mesmos diretamente presentes e apresentar a sua opinião sem intermediários”
(HAN, 2018a, p. 37, grifos do autor).
A circulação do discurso jornalístico nos sites de redes sociais está afetada, dessa
forma, pela passagem de discursos sobre, definidos por Mariani (1998b) como “discursos
intermediários, pois ao falarem sobre um discurso de (‘discurso-origem´), situam-se entre
este e o interlocutor, qualquer que seja” (MARIANI, 1998b, p. 60, grifos da autora), para um
discurso de. Os sujeitos não querem mais ter intermediários, querem falar e ouvir diretamente
seus interlocutores e têm a ilusão de que são, também, produtores de conteúdo, quando, na
verdade, são as imposições dos mecanismos algorítmicos, funcionando aos moldes de um
AIE, que regulam a circulação dos conteúdos, transformando a maioria dos usuários de sites
de redes sociais em meros consumidores e replicadores.
Não à toa, a fanpage de Jair Bolsonaro teve os posts mais compartilhados na reta final
das eleições de 201881. A maioria desses posts é de lives que foram transmitidas durante o
horário eleitoral gratuito na televisão ou durante os poucos debates/entrevistas que ocorreram

79
Tais como Movimento Brasil Livre, Vem Pra Rua e Revoltados Online.
80
Liderando o ranking de posts com maior número de interação conforme aponta o Manchetômetro
81
Conforme o ranking do Manchetômetro, os três posts mais curtidos de outubro de 2018 são de lives realizadas
pelo então candidato Jair Bolsonaro.
226

nas emissoras de TV no primeiro turno. Os debates no segundo turno não ocorreram em


função da ausência de Bolsonaro que alegou problemas de saúde após o atentado sofrido e
preferiu investir na comunicação direta com os eleitores através do Facebook e no Youtube.
Observemos o recorte a seguir.

Recorte discursivo 18 – O discurso de

Sequência imagético-discursiva (SID) 33

Fonte:
<https://www.facebook.com/watch/live/?ref=watch_permalink&v=580531589030275>.

SD56
(Bolsonaro): (Tira os óculos) Hoje (câmera fica desfocada) eu fui, eu fui aqui submetido a
uma bateria de testes por médicos do Alberto [SIC] Einstein, Alberto [SIC] Einstein que teve
aqui em casa, aqui, me investigando, me analisando aqui, tá certo. Me deram esse apto com
restrição. Oh deputado, nós não recomendamos que o senhor faça um esforço prolongado, tá,
se fizer, pode ter problema com a tua (pausa, mostra a bolsa de colostomia e a cicatriz)
porque estou com a bolsa ainda e vocês sabem o que tem aqui dentro né (mostrando a
bolsa) 35 pontos aqui (mostrando a cicatriz). Não é sinusite não, tá ok, Haddad? Por causa
de sinusite, foi isso? O Haddad... Rinite! Por causa de rinite ele pegou sete dias de dispensa
quando era prefeito (pões os óculos novamente) de São Paulo. E outra coisa, essa facada que
eu levei aqui do tal de Adélio, até 2014 ele estava filiado ao PSOL, desde que o PSOL existiu,
ele se filiou ao PSOL e se desfiliou apenas em 2014. Mais um indício pra mostrar aqui que (o
foco da câmera retorna) tem tudo para ser político essa tentativa de assassinato.

SD57
Bolsonaro: [...] O pessoal quer que eu vá a debate, eu posso ter problema aqui com a bolsa de
colostomia (foco da câmera treme), posso ter que voltar ao hospital, para debater com um
227

poste? [...] Segundo a nossa constituição, se eu morrer agora, assassinado (foco continua
oscilando), por uma facada, por um tiro de sniper seja o que for, o que que vai acontecer? O
terceiro classificado vem disputar com o segundo, então teremos segundo turno Haddad e
Ciro. Inclusive, eu iria para São Paulo no dia de hoje, mas fui recomendado por questão
de estratégia, segurança, não ir, porque se eu pousar em São Paulo teria um
deslocamento, poderia sofrer um atentado. Isso seria o ideal para esses que estão aí. Olha,
a segunda pessoa morre agora que frequentava lá a pensão onde o Adélio esteve alojado (foco
da Câmera retorna). Na primeira semana morreu a dona da pensão, daí falaram “não, ela tava
com problema de saúde”, nós não vamos força a barra, vamos supor que esteja, agora uma
segunda pessoa da pensão amanhece morta. Daqui a pouco vai ser igual o Celso Daniel, vão
ter sete mortos na pensão, como tivemos no caso Celso Daniel. Eu não posso me expor, eu
não pertenço mais a mim mesmo. O que que eu tenho falado né, hoje em dia, eu e Sérgio
Moro não temos mais liberdade no Brasil, nós não podemos ir na padaria comprar um pão,
não podemos ir na praia com nossos filhos. Perdemos completamente a liberdade. É um jogo
de poder. A esquerda fará tudo para me tirar de combate. Não estou acusando vocês da
esquerda de ter planejado a tentativa de homicídio pra cima de mim, mas não esqueçamos que
o seu Adélio era filiado ao PSOL até 2014, não esqueçamos que, no mesmo dia, meia dúzia
de setembro, alguém tentou entrar na Câmara dizendo que era o Adélio. Ou seja, se ele foge
no tumulto, teria o álibi perfeito, estava em Brasília. Não é muita coincidência?

SD58
Eduardo: vamo falar da minha aqui?
Bolsonaro: quer falar a tua rapidinho?
Eduardo: hoje de manhã, hoje cedo né, a Folha de São Paulo fez uma matéria dando a
entender que eu estaria usando verba de gabinete para viajar para Santa Catarina e Rio Grande
do Sul ao meu bel prazer, pra atirar, pra curtir e etc. é pra pintar a imagem de um deputado
que curte a vida.[...] Quem dera todos os deputados percorressem o Brasil inteiro pra ter a
exata noção de como que é cada cantinho do país. E eu fui sim, diversas vezes pra Santa
Catarina, Rio Grande do Sul, principalmente em audiências públicas sobre desarmamento e o
Escola Sem Partido. [...] Então, tudo isso daí faz parte do meu trabalho. [...] Isso daí tudo é a
prova que eu sou um deputado atuante. E se eu tivesse devendo alguma, certamente não seria
a Folha de São Paulo que estaria me denunciando e sim o Ministério Público. Então to bem
tranquilo com relação a isso. E é o que o Olavo (de Carvalho) falou, pai, essa semana agora
antes da eleição, se preparem porque vai ser a semana que o Brasil mais vai ver em toda sua
história, fake news e ataque contra nós.

A sequência imagético-discursiva (SID) 33 é uma live82 de 20 minutos e dois segundos


de duração, no dia 18 de outubro de 2018, na qual Bolsonaro rebate as acusações da Folha de
S. Paulo de que empresários estariam financiando a compra de mensagens em massa contra o
PT por meio do aplicativo de mensagens Whatsapp. Acompanhado do filho Eduardo
Bolsonaro e de uma intérprete de libras, Bolsonaro anuncia que o objetivo da live é rebater

82
A sequência imagético-discursiva (SID) 33 remete ao post mais curtido na semana de 14 a 20 de outubro de
2018, conforme o rankeamento do Manchetômetro. Naquela semana, a fanpage de Jair Bolsonaro ocupou 12
posições no ranking de maior volume de compartilhamentos.
228

fake news divulgadas contra ele e cita a reportagem da Folha de São Paulo, a qual revela que
empresários estariam impulsionando sua campanha via Whatsapp.
A passagem de um discurso sobre para um discurso de como efeito do processo de
desmediatização, provocado pelo surgimento dos sites de redes sociais, deu novos contornos
para as campanhas políticas eleitorais. Preterir os debates é uma consequência de tal processo
que marcou a estratégia do candidato Bolsonaro nas eleições de 2018.
Ao falar a partir de suas próprias redes, sem intermediários, Bolsonaro fez circular
com mais intensidade o discurso de(le), produzido, pensado e planejado por ele para seus
interlocutores, na medida em que os algoritmos privilegiam a circulação dos discursos em
bolhas no Facebook. Desse modo, a produção do discurso é afetada pela circulação: o
candidato produziu discursos de acordo com as bolhas nas quais iriam circular.
Antes do processo de desmediatização (HAN, 2018a) e do avanço dos sites de redes
sociais, rejeitar um espaço público para o discurso político não era uma estratégia das
campanhas. Se, anteriormente, os palcos para o discurso político eram bem delimitados, nas
eleições de 2018 tornarem-se multifacetados, possibilitando que o candidato Bolsonaro
utilizasse suas redes como palanque. A não-participação nos debates, seja por convalescença
(Sd62) ou por estratégia e segurança (Sd63) não impediu a interlocução com seus eleitores e a
circulação do discurso de Bolsonaro, pautando, inclusive, o discurso sobre ele.
A ausência nos debates (na SD63) coincide com a concentração de sua campanha nos
sites de redes sociais. A observação desse acontecimento reclama uma reflexão sobre a tese de
desmediatização de Han (2018a), apresentada no início desta seção. Nela, o jornalismo é
colocado como coadjuvante no processo de circulação dos discursos, pois, por meio dos sites
de redes sociais, os sujeitos e, no caso desta análise, o candidato, pode se apresentar
diretamente aos seguidores, sem intermediários.
As lives de Bolsonaro durante o período eleitoral de 2018 são uma interlocução
discursiva, nos moldes como trabalha Indursky em “A fala dos quartéis e as outras vozes”
(2013). Bolsonaro fala sem saber quem ouve. Conforme a autora “A interlocução discursiva
consiste, pois, na interlocução entre sujeitos de discursos dispersos em espaços discursivos
diferentes, possivelmente podendo ser afetados por FD igualmente diversas” (INDURSKY,
2013, p. 170, grifos da autora).
Nos sites de redes sociais não há o estabelecimento de uma cena comum, necessária
para a atividade política. Neles, há o simulacro de uma cena, já que, o estabelecimento de uma
cena comum não ocorre apenas “[...] porque o inferior entende o que diz o superior”
(RANCIÈRE, 1996, p. 61). Não basta partilhar de uma linguagem comum, de um espaço
229

comum. Afinal, “existe política quando existe um lugar e formas para o encontro entre dois
processos heterogêneos” (ibid, p. 43).
Na análise de Indursky (2013), os presidentes durante a ditadura costumavam fazer
pronunciamentos na televisão, às 20 horas, dirigindo-se aos telespectadores que aguardavam
na sala pela novela, enquanto Bolsonaro muda o canal de comunicação, fazendo o mesmo,
mas pelos sites de redes sociais. Se, nas lives, temos um locutor/enunciador determinado pela
transmissão ao vivo, quando observamos o compartilhamento de conteúdos pelos usuários do
Facebook, pode-se dizer que há uma multiplicidade de locutores/enunciadores. Dito de outro
modo: a cada compartilhamento por um novo usuário, o conteúdo ganha um novo
locutor/enunciador cuja tomada de posição pode ser de identificação ou simples aderência
(GRIGOLETTO; GALLI, 2021).
Esse é um dos efeitos da mudança dos modos de circulação dos discursos, como
prática imposta pelo Aparelho Ideológico da Informação, atravessado pelo Aparelho
Algorítmico: nos sites de redes sociais, o criador original da mensagem não importa tanto
“mas sim o que diz aquele amigo que a compartilhou. De certa forma, a marca de enunciação
passa a recair não somente no ‘autor’, mas em quem envia, publica ou altera uma mensagem”
(SANCHO, 2018, p. 365).
O Aparelho Algorítmico, dentre as novas práticas que impôs ao AIE da Informação,
suscitou a intervenção da bolha dos filtros nos sites de redes sociais, encarcerando sujeitos
afetados pela mesma FD, determinando a circulação dos discursos. Ou seja, Bolsonaro
pressupôs quem eram seus interlocutores e segmentou seu eleitorado pelas lives. O avanço
tecnológico determinou essa transformação, pois, antes da TV, a interlocução ocorria nas
ruas, nos comícios que, mais tarde, foram substituídos pelos debates televisivos e, nas
eleições de 2018, os candidatos podem falar diretamente com eleitores e apoiadores pelos
sites de redes sociais, como fez Bolsonaro.
Ancorado na projeção imaginária que fez de seus eleitores (reacionários,
conservadores e, sobretudo, antipetistas) e na projeção imaginária que fez da projeção que os
eleitores faziam dele (o mito, o messias, aquele capaz de acabar com a corrupção e a
roubalheira do PT), Bolsonaro recusou o debate. O candidato mostrou a lição que aprendeu
com algoritmos: direcionar a circulação de determinados discursos para públicos específicos e
encarcerar os sujeitos em bolhas ideológicas para garantir que a identificação perdure. Afinal,
ao recusar o diferente, Bolsonaro manteve protegidas as fronteiras da formação discursiva de
extrema direita com a qual se identifica.
230

Um dos fenômenos da eleição de 2018 foi justamente essa transformação na forma de


comunicar, afetada pelo Aparelho Algorítmico que interfere diretamente na circulação dos
discursos. Os sites de redes sociais têm dispensado o apoio dos meios de comunicação
tradicionais. Consequentemente, há um acirramento da disputa entre a mídia tradicional e as
redes, gerando um clima de desconfiança generalizado e aumentando a circulação de
informações não checadas e/ou com fontes desconhecidas. Se anteriormente a disputa era
entre os conglomerados de comunicação e as mídias alternativas, a partir do AA a disputa
também é entre os conglomerados e as redes e entre os conglomerados e o jornalismo amador.
Ou seja, a disputa é pelos fluxos de circulação dos discursos.
Como referi anteriormente, ao falar sozinho, Bolsonaro agiu reforçando suas posições
como únicas possíveis. Rechaçando e silenciando o diferente, protegeu a “sua versão” do
atravessamento de saberes oriundos de posições-sujeitos ancoradas em outras formações
discursivas. Assim, fugiu dos questionamentos dos adversários e do trabalho de preparação
das suas questões a eles. Sozinho, pode fazer afirmações sem que lhe contradissessem.
A quantidade absurdamente maior de reações, comentários e compartilhamentos dos
posts de Bolsonaro em comparação aos posts dos grandes veículos tradicionais da mídia neste
período chama a atenção. A fanpage de Bolsonaro tem impulsionamento semelhante ao
alcance dos meios de comunicação de massa. Contudo, Han (2018a) prefere chamar de
enxame digital. Ao contrário da massa, percebida como homogênea, única, o enxame seria a
reunião de indivíduos singularizados que não formam um “nós”. Conforme Han (2018a, p.
27), não há uma voz, mas um barulho.

Em vez de ser ‘ninguém’, ele é alguém penetrante, que se expõe e que compete por
atenção. O ninguém do meio das massas, em contrapartida, não reivindica nenhuma
atenção para si mesmo. A sua identidade privada é dissolvida. Ele é absorvido pela
massa. É nisso que também consiste a sua fortuna. Ele não pode ser anônimo, pois
ele é um ninguém. O homo digitalis, em contrapartida, apresenta-se frequentemente,
de fato, anonimamente, mas não é um ninguém, mas sim alguém, a saber, um
alguém anônimo (HAN, 2018a, p. 28-29, grifos do autor).

Longe de ser “ninguém”, os interlocutores das lives de Bolsonaro eram sujeitos que,
até poderiam ser anônimos no meio das massas invisíveis das redes, mas eram sujeitos
interpelados a serem apoiadores e eleitores do candidato. É como Indursky (2021) analisa em
mesa redonda apresentada no SEAD de 2021: com as transformações tecnológicas e o
surgimento dos sites de redes sociais, as massas se movimentam por outros meios. A
mensagem do líder ganha um efeito de intimidade, como se a interlocução não ocorresse de
231

forma massiva, mas particular e direcionada para cada sujeito que compõe a massa virtual e
invisível.
Ou seja, os sites de redes sociais evidenciam o sujeito da ideologia, rompendo com o
imaginário de massa amorfa e manipulável pelos meios de comunicação. Sujeito que quer
ouvir e ser ouvido, sem intermediários, que busca pelo discurso de em detrimento ao discurso
sobre. Contudo, nessas novas práticas e rituais instaurados pelo atravessamento do Aparelho
Algorítmico no AIE da Informação, além da dissimulação do efeito da ideologia (no qual os
sujeitos creem estar no controle de suas escolhas), há a dissimulação do funcionamento
algorítmico que definem quais discursos os sujeitos terão acesso, constituindo aquilo que
chamo de tecno(ideo)logia
Mas, onde ficam aqueles discursos escamoteados pela ação do Aparelho Algorítmico
ou de qualquer outro AIE? É esta reflexão que move a próxima seção.

5.3 NAS BORDAS DOS APARELHOS

No desenvolvimento desta tese, não foi apenas o funcionamento dos algoritmos aos
moldes de um aparelho que chamou atenção. Especialmente, nas análises sobre o
silenciamento na mídia (que trarei logo mais na subseção 5.3.1), percebi que o dissenso e o
contraponto apresentados nos veículos alternativos produzem tensões e movimentações
importantes no AIE da Informação atravessado pelo Aparelho Algorítmico.
Ciente de que as ideologias se realizam materialmente nos/pelos aparelhos por meio
das formações ideológicas, como pensar, então, o funcionamento da mídia alternativa em
tempos de sites de redes sociais modulados algoritmicamente? E como pensar esse
funcionamento nas condições de produção atuais?
É fato que, para a transformação das relações de produção, é preciso que novas
relações de desigualdade-subordinação se instaurem dentro dos AIE e que essas próprias
relações provoquem mudanças no AIE e nas suas relações com o Estado. Entretanto, como
destaca Pêcheux,

[...] essa transformação não consiste somente no processo revolucionário, que leva
do capitalismo ao socialismo, em substituir um novo Aparelho de Estado (proletário)
pelo aparelho de Estado da burguesia capitalista, mas também, e sobretudo,
substituir-lhe "outra coisa que não um Aparelho de Estado", qualquer coisa da
ordem de um "não-Estado" (PÊCHEUX, [1984] 2014b, p. 6).
232

Nesta citação, Pêcheux propõe pensar nas ideologias que não estão atreladas à
ideologia dominante e sobre um processo revolucionário capaz de transformar as ideologias
dominadas em dominantes. Ademais, o autor se questiona sobre qual é o lugar destas
ideologias que se contrapõem à dominante. Elas pertenceriam a um aparelho ideológico de
Estado? O que seria esta “ordem de um ‘não-Estado’” a que Pêcheux se refere? Tais
questionamentos são imprescindíveis para pensar qual é o lugar da mídia alternativa.
Somente uma revolução social é capaz de mudar o modo de produção e a reprodução
das relações de produção ao destruir os antigos aparelhos de Estado e desenvolver, árdua e
demoradamente, novos aparelhos. Isso não significa que pequenas transformações dentro dos
AIE não tenham relevância. Mesmo pequenas, as transformações podem provocar um
movimento de arranjo/rearranjo em cadeia até resultar na transformação dos próprios
aparelhos.
Para uma revolução, é condição necessária que a modalidade de subjetivação dos
sujeitos seja a da desidentificação, pois ela provoca “uma transformação da forma-sujeito sob
o efeito desse acontecimento sem precedente na história, que constitui a fusão tendencial das
práticas revolucionárias do movimento operário com a teoria científica da luta de classes”
(PÊCHEUX, [1984] 2014b, p. 10). Aliás, como refere Rancière, “a instituição da política é
idêntica à instituição da luta de classes. A luta de classes não é o motor secreto da política ou
a verdade escondida por trás de suas aparências. Ela é a própria política, a política tal como a
encontram, sempre já estabelecida” (RANCIÈRE, 1996, p. 32). Ou seja: é no conflito que a
política se instaura.
É por isso que Pêcheux diz que “a política proletária não pode se fechar na contra-
identificação, sem arriscar desaparecer pura e simplesmente como tal [...]” (PÊCHEUX,
[1984] 2014b, p. 19).
Se o processo revolucionário leva à substituição dos aparelhos de Estado por
“qualquer coisa da ordem de um ‘não-Estado’” (ibid, p. 6), é algo dessa ordem que almejam
os veículos de informação alternativos. Mesmo que as relações de produção permaneçam
como estão e ainda que novas relações de desigualdade-subordinação não tenham se
instaurado dentro dos AIE, a mídia alternativa representa uma ameaça ao funcionamento da
engrenagem que move os aparelhos. A mídia alternativa pode exercer resistência ao se
submeter às práticas e rituais do AIE da Informação atravessado pelo Aparelho Algorítmico,
para se contrapor à ideologia dominante de uma formação social capitalista/neoliberal. Se as
tecnologias digitais trouxeram uma nova era de empoderamento e participação ativa no
cenário midiático, agora, mais do que nunca, cada pessoa tem voz e estar nos sites de redes
233

sociais noticiando os fatos de uma perspectiva crítica que questiona a hegemonia da grande
mídia e o funcionamento dos algoritmos é uma maneira de resistir.
No entanto, a mídia alternativa não é um bloco homogêneo. Nela, existem diferentes
posições identificadas com diferentes formações discursivas. Nem todos os veículos
alternativos se opõem à ideologia dominante capitalista/neoliberal. Boa parte desses veículos
ganha a alcunha de “alternativos” por se oporem simplesmente à grande mídia.
São poucos e até raros os exemplos de veículos da mídia alternativa que exercem
poder de resistência. Seria o caso de algum dos veículos analisados nesta tese? Avancemos
nas análises em busca de uma resposta.

5.3.1 Uma região de fronteira

Na busca pelo lugar das ideologias que se contrapõem à dominante, uma possibilidade
é pensar numa região de fronteira. Se observarmos a divisão geopolítica dos continentes,
veremos que as regiões de fronteira são regiões de conflitos e disputas e que os limites bem
marcados só existem nos mapas. Analisar a mídia alternativa por essa metáfora significa
pensá-la funcionando no limite entre o AIE da Informação, atravessado pelo Aparelho
Algorítmico, e um não-Estado, que seria, segundo Pêcheux ([1984] 2014b), a superação dos
AIEs após um processo revolucionário. Étienne Balibar (1975) pontua justamente que a
revolução não é um ato, mas um processo: “[...] o processo revolucionário é ele próprio
inteiramente um processo de luta de classes” (BALIBAR, 1975, p. 123, grifo do autor).
Sendo um processo, a revolução seria a transformação da formação social atual em direção ao
fim do sistema capitalista e teria início lentamente dentro dos próprios aparelhos de Estado,
em lugares de fronteira.
Althusser antecipou que “[...] é necessário combater o sistema dos aparelhos de Estado
que garante as condições da reprodução (=duração =existência) de um modo de produção e
estabelecer novas relações de produção” (ALTHUSSER [1969] 1999, p. 174). Segundo ele,
isso se faz com a instalação de novos aparelhos com apoio de um novo Estado (ou seja, numa
revolução socialista). O que, para Balibar, trata-se apenas de uma etapa do processo
revolucionário, pois, “é impossível ao proletariado conquistar, depois guardar e utilizar o
poder político servindo-se dum instrumento análogo ao que servia as classes dominantes [...]”
(BALIBAR, 1975, p. 149).
234

O não-Estado referido por Pêcheux, assim, não se trata de um Estado da forma como o
conhecemos. Trata-se de novas relações de produção que possam constituir as bases de um
novo Estado, cujo poder não permaneça concentrado nas classes dominantes, mas seja
exercido pelo povo. Na concepção de Balibar, “ ‘o não-Estado’ não é simplesmente o zero, a
ausência de Estado: é a presença positiva dum outro termo” (ibid, p. 153). Esse outro termo
levaria a uma nova prática política, ainda não experimentada, que eliminaria as relações de
exploração. Um não-Estado remete, assim, ao fim do modelo de Estado das relações de
produção capitalistas/neoliberais. Trata-se de um Estado de outra natureza, ainda a ser
construído.
Marx e Engels observam que as ideias dominantes são as ideias da classe dominante
da época em questão. Os indivíduos da classe dominante, “entre outras coisas, dominam
também como pensadores, como produtores de ideias, regulam a produção e a distribuição de
ideias do seu tempo; que, portanto, as suas ideias são as ideias dominantes da época (MARX;
ENGELS, [1846] 1984, p. 56/57). No neoliberalismo, por exemplo, houve a naturalização das
privatizações, da precarização das condições de trabalho e dos direitos dos trabalhadores, do
empreendedorismo de si, etc., marcando uma mudança nas relações de força na nossa
formação social.
Para os pensadores, a classe proletária somente se torna protagonista da história em
sua luta contra a alienação no processo de apropriação dos saberes/fazeres em torno de suas
próprias condições de existência e seu modo de produção. No momento em que o sujeito tem
consciência de classe é que se torna sujeito da história.
Por sua vez, Althusser ([1971] 1985) observou que uma classe não consegue exercer
sua dominância num AIE da mesma forma que o faz num aparelho repressivo “[...] porque a
resistência das classes exploradas pode encontrar o meio e a ocasião de expressar-se neles,
utilizando as contradições existentes ou conquistando pela luta posições de combate”
(ALTHUSSER, [1971] 1985, p. 71-72). Ou, como aponta em nota de rodapé na obra
Aparelhos Ideológicos de Estado, a luta de classes pode se exercer nos AIE “[...] voltando a
arma da ideologia contra as classes no poder” (ibid, p. 72). Ele considera essas lutas como
momentos de ruptura e questionamento das ideologias e estruturas dominantes. Althusser
concentra-se na crítica ao Estado e à reprodução das relações de poder dentro das estruturas
estatais, mas reconhece a existência de lutas sociais e movimentos populares que desafiam o
Estado e buscam transformações sociais.
E é dessas reflexões althusserianas que parte Balibar para explorar as formas de
resistência e as possibilidades de transformação dentro do Estado. Em estudos posteriores,
235

Pêcheux dá sequência a exploração de tais formas, apontando para a possibilidade da falha, da


ruptura na dominação. Desse modo, Pêcheux abre o espaço para a transformação dentro da
reprodução.
Segundo ele,

Colocar-se "sob o ponto de vista da reprodução" no primado da luta de classes é,


necessariamente, colocar-se, ao mesmo tempo, sob o ponto de vista de quem se opõe
a essa reprodução, sob o ponto de vista da resistência a essa reprodução e da
tendência revolucionária à transformação das relações de produção (PÊCHEUX,
[1984] 2014b, p. 3).

Dentro da luta de classes, conforme Pêcheux, não é identificável aquilo que contribui
para a reprodução das relações de produção e aquilo que possibilita sua transformação.
Pêcheux enfatiza que não existe um germe revolucionário que habita as classes dominadas,
independente de suas relações com a classe dominante dentro dos AIE.
É ingenuidade pensar que a classe dominada só é dominada porque tem sua ideologia
reprimida e espera pela possibilidade de acabar com essa dominação. Pêcheux metaforiza
dizendo que “Não se trata, na realidade, somente de uma dominação externa, constituindo, se
assim podemos dizer, uma tampa burguesa na marmita das tendências revolucionárias [...]”
(ibid, p. 6). A ideologia funciona de tal forma que a classe dominada também reproduza a
ideologia dominante sem se dar conta.
É o que se viu nas eleições de 2018 no Brasil, principalmente na militância espontânea
(que mesmo diante do uso de robôs também foi expressiva) dos eleitores de Jair Bolsonaro
nos sites de redes sociais. Os simpatizantes do candidato reproduziam seu discurso machista,
homofóbico, xenófobo e em favor da classe dominante. E quando os veículos da mídia não
reproduziram tais discursos, os mesmos sujeitos buscaram outras fontes e nas fake news
discursos que corroborassem o seu porta-voz, Jair Bolsonaro. As fake news funcionaram
como a tal tampa burguesa referida por Pêcheux, pois convenceram os eleitores que o PT é
um partido de corruptos, que Haddad era o porta-voz de Lula, que o PT era um partido
comunista e que o comunismo é uma ameaça à sociedade democrática. Essas “tampas
burguesas” foram colocadas pela mídia tradicional, pelos sites de redes sociais, pela maioria
das igrejas neopentecostais e, inclusive, pelos EUA pela colaboração no processo de
impeachment de Dilma, na Lava Jato e nas técnicas de marketing político das redes ensinadas
por Steve Bannon aos filhos de Bolsonaro.
Embora a metáfora da tampa burguesa nas tendências revolucionárias evidencie que
não existe dominação plena, também é fato que não pode haver continuidade de um modo de
236

produção se não se garantir a reprodução das relações de produção. Reprodução e


transformação são duas faces da mesma moeda. Ou seja, para Pêcheux não existe reprodução
sem transformação. O que significa que os aparelhos de Estado abrigam no seu interior
ideologias que se contrapõem à dominante, as quais estabelecem relação com o “não-Estado”
referido por Pêcheux.
O que pode ser o caso de alguns veículos alternativos que, estando num lugar de
fronteira no AIE da Informação (que hoje é atravessado pelo Aparelho Algorítmico), se
utilizam dos próprios aparelhos para exercer resistência e se contrapor aos interesses do
Estado.
E isso abre espaço para pensar nas movimentações dentro dos aparelhos ideológicos.
Se não houvesse espaço para transformação, não haveria embate entre ideologias dominantes
e dominadas, pois não haveria outra ideologia senão a dominante.
Pêcheux percebe o processo de dominação ideológica como um ritual com falhas e é
essa percepção que faz o autor adentrar num terreno ainda não explorado por Althusser. As
falhas vão abrindo brechas para a penetração de ideologias-outras, não-presentes no AIE. Tais
brechas são como pequenas rachaduras nos aparelhos por onde têm acesso outras ideologias
“marginais”, que ficam nas fronteiras, permeando-se por entre fissuras das bordas. É porque
este espaço existe que é possível pensar na transformação e que é possível pensar numa mídia
alternativa que não sirva aos interesses da ideologia dominante. Pensando nos veículos
escolhidos para esta pesquisa e nas mídias alternativas ocupando uma região de fronteira nos
AIE, podemos propor a seguinte classificação:
237

Figura 14 – AIE da Informação e suas regiões de fronteira

Fonte: elaborada pela autora.

Na figura 14, que representa as regiões de fronteira do AIE da Informação, estão


distribuídos os veículos escolhidos para esta pesquisa: O Antagonista; Estadão, O Globo,
Folha de São Paulo, El País Brasil The Intercept Brasil e Jornalistas Livres no recorte
temporal que compreende o período de abril a novembro de 2018. As linhas tracejadas
indicam que as fronteiras não são fechadas, pelo contrário, são suficientemente porosas para
permitir mudanças de região. Quanto mais ao centro de uma FD, mais o posicionamento do
veículo se identifica com ela. Quanto mais afastados e próximos das regiões fronteiriças, mais
relações de força entre os posicionamentos na FD. Permeando os limites do AIE, está uma
região que chamei de lugar de fronteira, pois próximos dela estão os veículos cujo
funcionamento não está direcionado para a reprodução das relações de produção.
O veículo mais próximo dessa região é Jornalistas Livres na FD de esquerda. Ainda
dentro da FD de esquerda, The Intercept Brasil também provoca tensão, embora esteja mais
próxima do centro do AIE.
238

Na FD de extrema-direita estão O Antagonista e Estadão posicionados numa região


central que configura identificação plena com a FD. O Globo e Folha de São Paulo estão
posicionados na FD de direita, embora Folha de São Paulo se aproxime um pouco mais do
centro e O Globo se aproxime mais da fronteira com a FD de extrema-direita. Posicionado na
FD de centro-esquerda, encontra-se mais próximo do centro El País Brasil.
Na análise empreendida aqui, Jornalistas Livres é o veículo mais próximo do que
chamo de lugar de fronteira, ultrapassando os limites do AIE. Mas o que seria esse lugar de
fronteira? Para nomeá-lo, parti da premissa que trabalhar com uma teoria como a Análise do
Discurso, ancorada no materialismo histórico, na psicanálise e na linguística, implica olhar
para as contradições. Pêcheux fala exatamente sobre este ponto no texto “Ousar pensar e
ousar ser revoltar. Ideologia, marxismo, luta de classes”. Nas suas palavras,

[...] levar a sério a referência ao materialismo histórico significa reconhecer o


primado da luta de classes em relação à existência das próprias classes e isso
ocasiona, no que diz respeito ao problema da ideologia, a impossibilidade de toda
uma análise diferencial (de natureza sociológica ou psicossociológica), que atribui a
cada "grupo social" sua ideologia, antes que as ideologias entrem em conflito,
visando assegurar a dominação de umas sobre as outras. Isso conduz, por outro lado,
a interrogar a noção de ideologia dominada (constantemente identificada a um
segundo mundo ideológico subterrâneo, reflexo difuso, imperfeito e caricatural do
primeiro) para dela determinar as características sob o primado da luta de classes
(PÊCHEUX, [1984] 2014b, p. 1-2).

Uma revolução proletária implicaria numa mudança direta nos AIE e em seu
funcionamento, transformando as relações de desigualdade-subordinação, porque, como
avalia Pêcheux, a prática ideológica proletária é desregionalizante. “Particularmente, ela
desregionaliza a política, retirando-a do Parlamento, afetando, assim, ao mesmo tempo, a
Família, a Escola, a Religião etc” (PÊCHEUX, [1984] 2014b, p.20), e também, afetando a
mídia.
É preciso ponderar que outras práticas ideológicas também podem ser
desregionalizantes, tal qual a forma como Bolsonaro atuou pelos sites de redes sociais na
campanha eleitoral de 2018, colocando-se contra as instituições, recusando-se a participar dos
debates, atacando a democracia, questionando o próprio sistema eleitoral que o elegeu.
A mídia é uma instituição importante na transformação do corpo social. Esse ponto
explica o medo que os candidatos conservadores da ultradireita têm de mudanças nos valores
e costumes da sociedade. É o que se viu no Brasil, nas eleições de 2018, quando novamente é
reativado o inimigo imaginário da nação e o medo de uma “ameaça comunista”, recorrendo a
um tipo de moral ultraconservadora que se opõe aos direitos das mulheres e do movimento
239

LGBTQIA+, por exemplo. Pêcheux atentava para as transformações possíveis sob um novo
sistema.

Se, então, nessa fase da luta de classes, que constitui a revolução proletária, a
transformação comunista das relações de produção capitalistas triunfa sobre sua
produção, é inevitável que o "corpo social" se encontre aí ideologicamente afetado,
exceto por substituições e inversões, INSTALANDO uma nova Escola, uma nova
Família, uma nova Igreja, um novo Tribunal etc., no lugar das antigas instituições
(PÊCHEUX, [1984] 2014b, p. 20).

Contudo, tais transformações podem se mover nos dois sentidos, seja em direção ao
que Pêcheux refere como algo da ordem de um não-Estado (contrário à formação social
capitalista neoliberal), seja em direção a um outro tipo de Estado, contrário à luta proletária,
como aquele que os governos totalitários almejam. Não à toa, nos quatro anos de governo de
Bolsonaro houve ataques ao Supremo Tribunal Federal, ameaças de golpe, idealizações de um
novo tipo de escola (seja pelo projeto Escola Sem Partido ou pela ideia de militarizar as
escolas) e a interferência de movimentos religiosos (tais como as igrejas neopentecostais) que
são praticamente uma “nova igreja”.
Nas condições de produção das eleições de 2018, não só o Brasil, mas uma parcela
significativa de países se inclinava para regimes totalitários. Basta observarmos o que
acontece desde então na Ucrânia, na Rússia, na Hungria, sem esquecer da eleição de Trump
nos Estados Unidos.
Ademais, se uma nova escola, uma nova família, uma nova igreja, um novo tribunal (e
uma nova mídia) tomassem o lugar das antigas instituições, isso não se daria de forma
automática. Não há como simplesmente virar uma chave e mudar as instituições. Esse é um
processo longo e lento, que começa muito antes de se pensar em sua transformação. E é isso
que nos permite pensar no funcionamento da ideologia por meio de rachaduras nas bordas dos
aparelhos, as quais possibilitam que ideologias fronteiriças e marginais permeiem e invadam
um AIE. Tais rachaduras podem ser produzidas pela resistência dos veículos da mídia
alternativa, mas, que, nas condições de produção atuais, estão longe de ir em direção a um
“não-Estado”, pois necessitam salvaguardar o próprio Estado democrático e evitar as
transformações na direção de um Estado totalitário.
Embora o candidato da extrema direita, Jair Bolsonaro, tenha vencido a disputa em
2018, não se pode afirmar que a visão conservadora dos valores morais sobre a sociedade,
sobre a família e a religião exerceu dominação sem resistência. Pêcheux nos diz que
240

a tendência des-identificadora da ideologia proletária não cessa de interpelar os


indivíduos em sujeitos num único e mesmo processo material, caracterizado pelo
duplo fato de que "há revolta" e que "isso pensa", o que reverbera na dupla palavra
de ordem da prática comunista: "ousar se revoltar" e "ousar pensar por si mesmo"
(PÊCHEUX, [1984] 2014b, p. 22).

Uma prática desregionalizante capaz de transformar as relações de desigualdade-


subordinação é a prática dos veículos alternativos, pois sem o contraponto deles não haveria
dissenso e olharíamos para os acontecimentos orientados por uma mesma base ideológica, a
da grande mídia.
Se há revolta e se há quem ouse pensar diferente, o porta-voz desse dissenso também
pode ser a mídia alternativa. Há quem ousa se revoltar e quem ousa pensar por si mesmo na
mídia, embora isso seja raro. Novos olhares para o mesmo acontecimento são trazidos pelos
veículos alternativos que, em 2018, circulavam predominantemente na internet, pelos sites de
redes sociais. Na cobertura jornalística sobre a prisão de Lula o que se viu foi um
silenciamento do ex-presidente enquanto líder político para produzir um efeito de
repetibilidade que joga com os significantes de prisão e corrupção. Somente nos veículos da
chamada mídia alternativa é que emergiu o que ficou silenciado nas coberturas dos outros
veículos.

Recorte discursivo 19: a circulação do dissenso

Sequência imagético-discursiva (SID) 34

Fonte: <https://fb.watch/6E1e5I1QGT/>.
241

Sequência imagético-discursiva (SID) 35

Fonte: <https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/726737627450117/?t=2>.

Sequência imagético-discursiva (SID) 36

Fonte: <https://theintercept.com/2018/04/07/a-prisao-de-lula-e-
politica/?fbclid=IwAR0QXUQ-4VavDtTrliiM1JuxD5D-eyCRwo7swyWkmfvHg-
bsg52M9lX3RQI>.

Para quem trabalha com a análise do discurso pêcheuxtiana, as sequências imagético-


discursivas (SID) 34, 35 e 36 remetem diretamente ao artigo O chapéu de Clementis:
observações sobre a memória e o esquecimento na enunciação do discurso político, de Jean-
242

Jacques Courtine (1999). O artigo retoma a história sobre uma fotografia contada por Milan
Kundera no Livro do riso e do esquecimento. Na fotografia está o general comunista Klement
Gottwald com um gorro de pele enquanto discursava da sacada de um palácio em Praga, ao
lado do camarada Clementis, no ano de 1948. O gorro usado por Gottwald era de Clementis.
Quatro anos mais tarde, Clementis foi acusado de traição e enforcado. Esse fato
mudou a história daquela fotografia, pois Clementis foi apagado da imagem. Dele, restou
apenas seu gorro na cabeça do general.
Se na fotografia adulterada ficou um vestígio do gorro de Clementis da fotografia
original, as SID 34, 35 e 36 trazem mais que um vestígio, trazem a imagem que foi
silenciada/ignorada pela maioria dos veículos tradicionais de grande abrangência, pois o
acontecimento discursivo para a grande mídia foi apenas a prisão de Lula. De acordo com
Pêcheux ([1983]/2010), “a imagem seria um operador de memória social, comportando no
interior dela mesma um programa de leitura [...]”. A imagem de Lula sendo carregado pelo
povo circulou em veículos da mídia alternativa nos sites de redes sociais, mas não foi vista
nos veículos tradicionais selecionados para esta pesquisa, pois enquanto operadora de
memória social, essa imagem convoca efeitos de sentido rechaçados pelos veículos da mídia
tradicional.
Em artigo anteriormente publicado, analiso que o que ocorre é “um deslizamento na
retomada do acontecimento “prisão de Lula” porque, ao se inscreverem em formações
discursivas diferentes, as quais mantêm uma relação tensa e antagônica entre si, mídia
alternativa e grande mídia produzem narrativas diferentes também” (GOBATTO, 2020, p.
21).
O direcionamento da pauta de O Globo e Estadão foi para a condução de Lula do
prédio do Sindicato dos Metalúrgicos para o aeroporto e, posteriormente, à sede da Delegacia
da Polícia Federal em Curitiba. Em Jornalistas Livres, o acontecimento jornalístico foi o
discurso feito por Lula e a manifestação popular de apoio ao ex-presidente, fato que,
conforme Indursky (2019, p. 133), “veio perturbar a engrenagem muito bem azeitada desse
golpe praticado em slow motion”.
As diferenças de abordagem expõem as tensões entre as formações discursivas e
ideológicas distintas, pois enquanto os veículos tradicionais inscrevem-se numa formação
discursiva de direita ligada a uma formação ideológica neoliberal, os veículos da mídia
alternativa estão inscritos numa formação oposta, de esquerda, como podemos observar,
também, na SID36 de The Intercept Brasil.
243

Contrapondo os recortes que compõem esta tese, percebe-se que a imagem de Lula
sendo carregado pelo povo circulou com evidência somente nos veículos da mídia alternativa.
Isso porque, como aponto em trabalho anterior

De tudo o que está no interdiscurso sobre a prisão de Lula, os veículos da mídia


hegemônica mobilizaram uma memória discursiva ancorada numa posição-sujeito
dentro da formação discursiva em que o que não pode e não deve ser dito é que Lula
é um grande líder político. Por isso, nesses veículos, não foi feita nenhuma
referência ao discurso do ex-presidente antes de se entregar, nem às manifestações
populares em seu apoio. (GOBATTO, 2020, p. 23).

Nos veículos jornalísticos de grande abrangência da mídia tradicional, as imagens e os


vídeos que se transformaram em notícia foram de Lula distante da população, no palanque, ou
em situação de coação policial. Dessa forma, não se trata de um efeito do silêncio fundador ou
do silêncio constitutivo, pois, como observa Indursky, “as práticas e os saberes excluídos
remetem a um outro modo de se relacionar com a ideologia e divergem e/ou antagonizam com
os saberes e interesses da Formação Discursiva Dominante” (INDURSKY, 2015, p. 15).
Tanto o silenciamento das manifestações populares em favor de Lula, quanto o
silenciamento das suas palavras no discurso realizado momentos antes de sua prisão, não são,
também, um ato de censura. São efeito de um posicionamento ancorado numa formação
discursiva em que a grande mídia se inscreve. Por essa razão, o silenciamento observado nesta
análise é da ordem de uma política do esquecimento, como refere Indursky (2015, p. 19).
A liderança política de Lula, silenciada/ignorada pela mídia tradicional, é efeito dessa
política do esquecimento que nos remete ao processo de construção do impensável. Ernesto
Laclau define tal processo como a “impensabilidade de certos objetos e sistemas de
diferenças” (LACLAU, 2016, p. 119). O autor explica que “nenhum discurso é inocente ou
indiferente à presença de outros discursos: um discurso pode constituir apenas as condições de
pensabilidade de certos objetos por meio da construção da impensabilidade de outros objetos”
(ibid, p. 119). O impensável para os veículos da mídia tradicional dentro da FD de direita, no
episódio da prisão de Lula, é o apoio popular ao ex-presidente e o seu discurso que denuncia
uma prisão política. Não à toa, o que é impensável pela grande mídia se torna pensável na
mídia alternativa. Há uma política de esquecimento porque há o impensável e o que não pode
ser dito numa determinada formação discursiva. Quando o impensável se torna dizível na
grande mídia, vão se abrindo brechas no interior do AIE da Informação atravessado pelo AA.
244

Pensável e impensável, silenciamento e dissenso vão costurando a memória sobre os


acontecimentos. A prisão de Lula, da mesma forma como reflete Davallon, enquanto um
acontecimento memorizado

[...] poderá entrar na história (a memória do grupo poderá perdurar e se estender


além dos limites físicos do grupo social que viveu o acontecimento); mas enquanto
‘histórico’, ele poderá se tornar, em compensação, elemento vivo de uma memória
coletiva. (DAVALLON [1983] 2010, p. 26).

Tudo o que a mídia produz sobre um acontecimento (posts, vídeos, fotografias,


notícias, etc.) constituirá um tipo de memória coletiva e social. Se os veículos tradicionais
esperavam construir uma memória coletiva e social da prisão de Lula enquanto grande
acontecimento para o fim da corrupção no país, por meio da cobertura dos veículos
alternativos, o apoio popular à Lula também faz parte dessa memória.
Retomemos a sequência imagético-discursiva (SID) 13 já analisada no capítulo 3,
seção 3.1 “O que (não) diz a mídia”.

Sequência imagético-discursiva (SID) 37

Fonte: <https://fb.watch/v/7jCkz5VHA/>.

A imagem de Lula sendo conduzido à prisão pela polícia (SID13) é fundamental para
a regularização do efeito de sentido de que Lula é ladrão. Não à toa, foi essa a imagem que
245

mais circulou nos veículos tradicionais em posts, notícias e vídeos sobre o acontecimento,
num funcionamento sobredeterminado pelo Aparelho Algorítmico (AA). Ao citar Achard,
Pêcheux aponta que um acontecimento discursivo novo pode vir a perturbar a memória e,
“provocando a interrupção, pode desmanchar essa “regularização” (PÊCHEUX, [1983] 2010,
p. 52). A manifestação popular em torno de Lula nas horas em que ele permaneceu na sede do
Sindicato dos Metalúrgicos no ABC paulista e o discurso contundente do ex-presidente para
uma multidão é um acontecimento novo que “ [...] desloca e desregula os implícitos
associados ao sistema de regularização anterior” (ibid, p. 52).
Tal acontecimento novo, ao ser discursivizado pelos veículos da mídia alternativa, é o
dissenso. Não um dissenso da memória coletiva, mas da forma como descreveu Davallon
(DAVALLON [1983] 2010, p. 26): da memória de um determinado grupo. A questão é que
há a construção de uma dupla narrativa que se repelem mutuamente e lutam para se
estabilizarem na memória coletiva. Como apontei em trabalho anterior,

Quando um discurso de 55 minutos de um ex-presidente, cercado por uma multidão,


quase não tem menção nos veículos da mídia hegemônica, não tem transmissão ao
vivo nas páginas desses veículos, mas sua condução à prisão ganha transmissão ao
vivo não apenas nas redes sociais, mas nos canais de televisão abertos, trata-se da
ideologia em seu funcionamento (GOBATTO, 2020, p. 25).

Neste ponto de minha reflexão, acrescento que não só se trata da tecno(ideo)logia em


seu funcionamento, mas da ideologia dominante agindo para assegurar sua dominância.
Quem, no futuro, tiver acesso somente aos conteúdos publicados pela mídia tradicional sobre
a prisão de Lula não terá contato com outro efeito de sentido. O dissenso só emerge nos
veículos da mídia alternativa que nas eleições de 2018 circulava predominantemente nos sites
de redes sociais. Aí está funcionando a política, pois, conforme Rancière, “a atividade política
é a que desloca um corpo do lugar que lhe era designado ou muda a destinação de um lugar;
ela faz ver o que não cabia ser visto, faz ouvir um discurso ali onde só tinha lugar o barulho,
faz ouvir como discurso o que só era ouvido como barulho” (RANCIÈRE, 1996, p. 42). Ao
trazer o diferente, a mídia alternativa convoca seu direito na contagem das parcelas,
reconhecendo sua igualdade à mídia tradicional no que se refere ao fazer jornalístico, mas
atentando-se para o litígio que há entre as duas. Litígio, esse, que o Aparelho Algorítmico
(AA) não cessa de realçar.
246

5.3.2 Sobre o lugar da resistência

Quando iniciei este trabalho, me questionei sobre a existência de práticas jornalísticas


de resistência nas condições de produção atuais, pois a maioria dos estudos sobre imprensa
alternativa no Brasil data do período da ditadura militar. Os jornais alternativos, embora
severamente perseguidos, tiveram um papel muito importante na época para a resistência ao
regime. No entanto, apesar de a censura ser explícita nas ditaduras, o sistema democrático
também impõe suas formas de censura (seja pelo excesso de informação ou pelo
silenciamento).
Desde a luta pela abolição da escravatura já surgiram, de forma fragmentada, jornais
que se contrapunham às elites escravagistas. Mais adiante, a partir da metade do século XIX,
a imprensa operária se tornou um espaço que dava voz às camadas populares. Depois da fase
da imprensa alternativa durante o regime militar, o caráter alternativo foi encampado
principalmente pelas rádios comunitárias nas décadas de 80 e 90. Até que a internet surgiu.
Conforme o jornalista e pesquisador gaúcho Alexandre Haubrich em recente trabalho sobre
mídia alternativa na obra “Mídias alternativas: a palavra da rebeldia”,

Com grandes possibilidades no que se refere à diversidade e pluralidade de


informações circulantes, com facilidade crescente de acesso e de apropriação técnica
dessas potencialidades, a internet tornou-se um espaço fecundo para a comunicação
livre das amarras dos conglomerados midiáticos (HAUBRICH, 2017, p. 25).

No início dos anos 2000 diversos blogs foram criados com caráter opinativo. A partir
de então e no contexto da realização das edições do Fórum Social Mundial, jornais e revistas
exclusivas na plataforma web também começaram a surgir, além de blogs de jornalistas que
se desvincularam profissionalmente de veículos tradicionais para atuarem exclusivamente na
internet. Situar a pesquisa sobre mídia alternativa hoje (não apenas impressa, pois os veículos
se utilizam de diferentes meios) é tratar do próprio lugar da mídia alternativa no país.
Haubrich observa que

[...] a ideia de ‘mídia alternativa’ abarca as características desse grupo de meios de


comunicação, seja em épocas passadas, seja na contemporaneidade. Essa mídia deve
ser alternativa quanto à mídia hegemônica e deve apresentar alternativas de
sociedade, em seu discurso e em sua organização (ibid, p. 24).

Na mídia tradicional, conglomerados como a Rede Globo, o grupo Folha, Estado de


São Paulo e Abril estão alinhados com o discurso das elites nacionais e internacionais. É raro
247

outras vozes emergirem dentro desses grupos. É nas mídias alternativas que essas outras
vozes ganham espaço. Haubrich observa que a mídia alternativa promove “leituras da
realidade que apontem as contradições do sistema econômico e político, que percebam o
mundo para além do imediato, do factual, que compreendam a sociedade em sua
historicidade, em seus processos sociais formadores” (ibid, p. 25). Este discurso deve estar
vinculado às classes populares e aos movimentos que se originam delas. E foi essa definição
que mobilizou a escolha dos veículos cuja denominação “alternativos”, por conta do exposto,
foi mantida.
De tudo o que precede, pode-se resumir que os veículos da grande mídia servem aos
interesses da ideologia dominante, enquanto que os veículos da mídia alternativa veiculam
vozes do dissenso e, portanto, não estão sob o domínio da mesma ideologia. Muito além
disso, estão sob o domínio de uma ideologia que extrapola o espaço do AIE da Informação
atravessado pelo Aparelho Algorítmico, cujo lugar é uma região fronteiriça, marginal, que se
contrapõe à dominante e, por vezes, ao próprio Estado.
A presença da mídia alternativa no AIE da Informação é o que Pêcheux trata como
campo paradoxal ([1983] 2012e), pois foge “[...] de uma lógica de objetos estáveis com
fronteiras fixas [...]” (PÊCHEUX, [1983] 2012e, p. 114). Nesse campo paradoxal ocorre o que
o autor chama de “luta de deslocamento ideológica”, ou seja, o tensionamento entre as
relações de força das FI. E se “não há dominação sem resistência”, como nos alerta Pêcheux,
é preciso olhar para o processo de reprodução ideológica dentro dos AIE “[...] como local de
resistência múltipla” (ibid, p. 115, grifos do autor). Se há a ideologia dominante, há, também,
as dominadas. Por isso, o AIE da Informação abriga veículos que se identificam com a
ideologia dominante e veículos que se contrapõem a ela.
Ao observar que as revoluções anticapitalistas “[...] não se originaram do núcleo do
sistema capitalista, mas, sim, de algumas partes da periferia desse sistema [...]” (ibid, p. 108),
Pêcheux introduz a noção de divisão entre núcleo e periferia para falar das formas de
produção capitalista, a qual pode ser pensada sob a ótica dos Aparelhos Ideológicos de
Estado. Digamos que os AIE tenham fronteiras que delimitam onde se localiza seu núcleo, ou
seja, a ideologia dominante, e as regiões mais afastadas, fronteiriças, onde fica a periferia, a
saber, as ideologias dominadas que se contrapõem às dominantes, tal como apresentei na
figura 14.
Dessa forma, é possível pensar no lugar dos veículos de informação que se
contrapõem à ideologia dominante. É possível pensar numa mídia alternativa de resistência
dentro do AIE da Informação num lugar fronteiriço, permeado pela contradição. Um lugar nas
248

bordas do AIE que, nas condições de produção atuais, também não escapa de ser atravessado
pelo funcionamento de outro aparelho, o Algorítmico (AA).
Como consequência de tal atravessamento, esses veículos têm sua circulação cada vez
cerceada, restrita a bolhas, o que desafia sua capacidade de exercer resistência. Além de
enfrentar os tensionamentos dentro dos AIE e lutar contra a ideologia dominante neles, agora
a mídia alternativa também precisa enfrentar a ação do AA. E talvez hoje seja esse seu maior
desafio.
Em outras palavras, não é suficiente falar em práticas jornalísticas de resistência e de
mídia alternativa hoje se não as relacionarmos com a ação do Aparelho Algorítmico (AA) que
atravessa o funcionamento do AIE da Informação. Apresentar o dissenso também é resistir,
mas o atravessamento do AA no AIE da Informação reclama outras formas de resistência, seja
por meio do ciberativismo, da apropriação do funcionamento dos fluxos algorítmicos para
fazer circular o dissenso, ou, ainda, da educação digital.
249

ÚLTIMOS MOVIMENTOS NA BARRA DE ROLAGEM: CONSIDERAÇÕES FINAIS


SOBRE OS LIMITES DESTE “FEED”

Se grande parte desta pesquisa foi marcada pelo isolamento e pela insegurança diante
da pandemia de Covid-19, escrevo estas linhas finais numa situação muito diferente. As
rotinas, aos poucos, foram sendo retomadas com as vacinas e o uso obrigatório de máscaras.
Vivenciamos picos de contaminação, novas variantes surgiram, mas a doença arrefeceu e o
fim da pandemia foi anunciado. E ao mesmo tempo em que finalizava a análise das eleições
de 2018, um novo processo eleitoral se desenvolvia em 2022. Com condições de produção
diferentes e mais informações a respeito do impacto das redes e dos algoritmos nas eleições.
Em 2022, a esquerda se apropriou de saberes sobre os fluxos das redes que nas
eleições de 2018 circulavam nas FDs de direita e de extrema-direita. O Facebook e o
WhatsApp perderam relevância e outros sites de redes sociais como Instagram, TikTok e
Telegram assumiram protagonismo. Houve um equilíbrio na circulação dos discursos e,
consequentemente, na disputa eleitoral. Bolsonaro, apesar das tentativas de golpe, saiu
derrotado nas urnas e Lula, retirado da disputa em 2018 por um processo controverso que o
manteve preso por 580 dias, subiu a rampa do Palácio do Planalto em 1º de janeiro de 2023
para assumir seu terceiro mandato como presidente da República.
Diferentemente de 2018, nas eleições de 2022 houve uma contraofensiva nos sites de
redes sociais da chamada frente ampla que se constituiu para evitar a reeleição de Bolsonaro.
E mesmo Lula estando em desvantagem no número de seguidores em comparação ao
adversário, Bolsonaro, a batalha de posts foi travada aos modos do que ficou definido como
“janonismo cultural”, em referência ao deputado federal André Janones, do Avante, que
desistiu de disputar a presidência para apoiar Lula. Janones lançou mão de estratégias
agressivas nos sites de redes sociais, com estética semelhante ao estilo bolsonarista de se
comunicar. Em algum grau, a estratégia conseguiu furar algumas bolhas e fazer o discurso
pró-Lula circular. Por certo, não foi somente esse o fator determinante para que Lula batesse
seu próprio recorde de votos e Bolsonaro fosse o primeiro candidato à reeleição presidencial a
ser derrotado desde a redemocratização. As condições de produção das duas eleições foram
diferentes e é preciso uma análise mais aprofundada para arriscar uma comparação.
Entretanto, ficou evidente que as eleições de 2018 mudaram paradigmas e forçaram uma
mudança da esquerda no campo digital em 2022.
Aliás, quando decidi me debruçar sobre as eleições de 2018, elas estavam em
desenvolvimento. Não tinha a dimensão do que esse processo eleitoral representaria para a
250

sociedade brasileira. Fui absorvida pelos acontecimentos catárticos e entendi que minha
proposta preliminar precisava ser reconfigurada para tratar do ponto central daquele momento
histórico: as dissonâncias na circulação dos discursos jornalístico e político num novo espaço,
o digital, dentro dos sites de redes sociais.
Desde 2013, a ascensão do antipetismo e a radicalização nas redes eram fatores que
me intrigavam. O crescimento do conservadorismo e de discursos neofascistas
concomitantemente ao avanço da utilização dos sites de redes sociais indicava que havia algo
a investigar, a pesquisar. Ao mesmo tempo, observava o declínio da credibilidade no
jornalismo, por muito tempo imaculado no imaginário social. Tudo estava conectado, mas era
preciso desenrolar os fios que compunham essa trama. Ou melhor, deslinearizar os fios dos
discursos.
Assim, partindo do objetivo de investigar a disputa de/pelos sentidos no Aparelho
Ideológico da Informação nas coberturas jornalísticas dos acontecimentos que precederam as
eleições de 2018 feitas por veículos jornalísticos em suas fanpages no Facebook e contrapor
tais coberturas aos posts com maior número de interação registrado pelo site de rede social no
mesmo período, identifiquei, sobretudo, que os fluxos de circulação dos discursos passaram
por transformações significativas. Só poderia investigar a disputa de/pelos sentidos no AIE da
Informação após compreender como foram produzidos e como circularam os discursos
naquele período. Por isso a escolha metodológica em dividir a tese em duas partes: a que trata
da produção dos discursos e a que se debruça sobre a circulação.
Trilhei um complexo percurso metodológico na construção do arquivo e do corpus
discursivo. Um percurso trabalhoso e que se diferencia dos trabalhos que apresentam apenas o
objeto analítico pronto, sem indicar o processo de construção. Seja pelas diferentes mídias
analisadas, seja pelo viés temporal, esta tese trabalha com um arquivo complexo, porque além
de analisar diferentes veículos e diferentes recortes de tempo, são analisadas diferentes
materialidades: desde notícias compartilhadas por meio de posts em fanpages, posts
compartilhados por um candidato (Jair Bolsonaro) e por fanpages de movimentos políticos
(MBL e Vem pra Rua Brasil); e textos do Facebook sobre o modo como organiza seu feed de
notícias. Sendo assim um arquivo complexo trata-se de um arquivo diverso e passível de
inclusões/exclusões e reconfigurações. Trabalhar com esse tipo de arquivo foi um desafio que
permitiu a inclusão de novos questionamentos surgidos à medida que as análises avançavam.
Desse modo, lidei com condições de produção nas quais a busca pela informação não
se dá mais prioritariamente pelos meios de comunicação tradicionais, mas por um clique na
251

tela de um smartphone, deslizando pelo feed de algum site de rede social. Aliás, o feed se
tornou análogo ao jornal diário.
Todas as reconfigurações da formação social brasileira, associadas às condições de
produção das eleições de 2018, indicaram a substituição dos tradicionais palanques políticos
(na rua, ou nos programas do Horário Eleitoral Gratuito), pelo palanque digital, pois os
eleitores conversavam diretamente com os candidatos (ou melhor, com suas equipes) pelos
sites de redes sociais. A campanha de Bolsonaro foi a que mais evidenciou isso,
concentrando-se nas redes. Os conteúdos divulgados pelo candidato tiveram uma circulação
maior que o dos adversários e até mesmo que dos veículos de comunicação.
Os efeitos dessas transformações no Aparelho Ideológico da Informação foram sem
precedentes. A dominação que na era da comunicação de massa era exercida pelos
conglomerados midiáticos foi reestruturada pelo funcionamento dos sites de redes sociais, os
quais produziram a ilusão de não haver mais mediação entre o público e a informação, já que
a mediação tecnológica é um processo invisível aos olhos. Os algoritmos chegaram
bagunçando as estruturas e as relações de poder dentro do AIE da Informação, embora o papel
do AIE seja o mesmo: garantir a reprodução das relações de produção do sistema
capitalista/neoliberal.
As relações de tensão no AIE da Informação se revelam nos posicionamentos
assumidos por esses veículos. Jornalistas Livres e The Intercept Brasil assumem
posicionamentos mais identificados com a FD de esquerda. Por outro lado, O Antagonista e
Estadão têm posicionamentos mais identificados com a FD de extrema-direita. O Globo e
Folha de São Paulo estão posicionados na FD de direita, embora Folha de São Paulo se
aproxime um pouco mais da fronteira com a FD de centro-esquerda. Assumindo uma posição
na FD de centro-esquerda, está El País Brasil. Posicionamentos, esses, apontados na figura
14, na subseção 5.3.1 do quinto capítulo.
No AIE da Informação, a ordem de repetibilidade instaurada pelos veículos
tradicionais da mídia ocorreu não porque os acontecimentos se limitam ao que foi noticiado,
mas porque a seleção das notícias foi pautada por uma mesma base ideológica, repetindo o
gesto de interpretação. Esse modus operandi do jornalismo foi descrito e analisado na
construção de um efeito de sentido pela repetibilidade na forma de um silogismo: PT é
corrupto. Se Haddad é PT, então Haddad é corrupto, instaurada nas sequências imagético-
discursivas sobre as denúncias contra Haddad no período em que seu nome foi anunciado
como substituto de Lula.
252

A repetibilidade foi instaurada principalmente por meio do funcionamento das aspas.


No entanto, diferentemente do que postula Authier-Revuz (2016), depreendi que as aspas
desempenham o papel de delimitar a fronteira entre diferentes formações discursivas por meio
de uma marca física e visível. Assim, as aspas não demarcam apenas a fronteira com o
discurso do outro, mas, sim, a fronteira entre posições conflitantes que remetem a formações
discursivas em relação de antagonismo.
Muito além de repetir formulações e normatizações próprias do jornalismo, os sites de
redes sociais têm suscitado o surgimento de formas visuais que sintetizam a leitura e, por isso
mesmo, são muito mais circuláveis. Toda a discursivização que circulou sobre a substituição
de Lula por Haddad foi sintetizada apenas num card (SID2 do recorte discursivo 2 na
subseção 1.4.1) que opera de maneira análoga aos panfletos políticos. O postfleto consegue
sintetizar o efeito de sentido que o discurso jornalístico necessita de várias linhas ou páginas
para desenvolver.
Mas é a partir da passagem da perspectiva da produção dos discursos para a
circulação que as reflexões sobre as transformações no AIE da Informação se materializam.
Foi quando compreendi que as bolhas formadas pela ação dos algoritmos não são homogêneas
e são reguladas pela programação algorítmica, que determina o que pode e deve ser dito
dentro delas. Em campanhas eleitorais, a capacidade de alcance de um discurso ampliada
pelos algoritmos desempenha um papel determinante para o resultado de processos eleitorais,
como foi evidenciado nas eleições de 2018.
Partindo das reflexões sobre as transformações na circulação dos discursos, proponho
que os algoritmos e os sites de redes sociais vão além de um aparelho tradicional, formando
um novo aparelho que não possui uma materialidade visível, como a imprensa, a escola ou a
igreja. Os algoritmos operam de forma imperceptível, determinando as ações dos indivíduos
nos sites de redes sociais. Eles constituem um aparelho caracterizado pela fluidez, invadindo e
permeando todos os outros aparelhos, exercendo influência sobre a circulação dos discursos.
A hipótese levantada nesta tese é de que um novo dispositivo de ordem tecno(ideo)lógica está
em funcionamento, interligando e atravessando diversos aparelhos. Essa hipótese encontra
respaldo nas reflexões de Althusser em “Sobre a Reprodução”, onde o autor apresenta uma
“enumeração provisória” dos Aparelhos Ideológicos do Estado (AIEs) ([1969] 1999, p. 68).
Althusser refletia sobre as variáveis que poderiam levar à instituição de um AIE. Naquela
época, não havia indícios da nossa futura dependência da tecnologia nem o rápido avanço que
ela teria. No entanto, o autor já expressava preocupação com a forma de circulação dos
discursos ao mencionar o possível AIE da Edição-Difusão.
253

Sustento a posição de que um Aparelho Algorítmico (AA) está em funcionamento na


contemporaneidade, gerenciando a leitura dos arquivos por meio do controle de sua circulação
e, dessa forma, exercendo domínio nos campos econômico e político de forma simultânea e
sincronizada. Se tomarmos o AIE da Informação em outras condições de produção, antes da
internet 3.0, a Rede Globo era emissora de TV de maior abrangência no país, presente na
maioria dos lares. Era (e ainda é) difícil a localidade sem sinal do canal. Por isso, tudo que a
Globo divulgava ou não determinava a formação da opinião de muitos brasileiros. Apenas
uma pequena fatia da população tinha acesso a outros canais, com a circulação de conteúdos
diversos. Ou seja, passava pela Globo o controle da circulação dos discursos.
As formas de controle e as práticas jornalísticas, tanto na imprensa quanto no rádio e
na TV, eram claramente definidas e naturalizadas no âmbito do Aparelho da Informação. No
entanto, com o AA, o poder pode mudar de mãos instantaneamente, uma vez que o lugar
social ocupado pelos sujeitos jornalistas e pelos principais veículos de informação já não é
suficiente para ditar as regras nesse aparelho.
Enquanto as práticas e rituais do AIE da Informação são determinadas pela
publicidade e pela linha editorial dos veículos, as práticas e rituais do AA são determinadas
pelo extrativismo de dados, ou a ciência do big data. Se, no capitalismo de vigilância, os
dados impulsionam o lucro com a venda de produtos, por outro lado, no AA, os dados são o
motor de uma engrenagem que produz subjetivações no campo político. Subjetivações, essas,
determinadas pela forma atual do capitalismo, o neoliberalismo.
O AA é um dispositivo, assim como os AIE, mas difere deles em sua natureza
globalizada, uma vez que serve ao modo de produção dominante nas formações sociais atuais,
o capitalismo-neoliberalismo. Portanto, o AA não está restrito a fronteiras nacionais e pode
ser utilizado até mesmo para atacar um Estado que ameace esse tipo de formação social. O
AA se diferencia de um AIE, ainda, pela permeabilidade. Trata-se de um dispositivo que se
infiltra nos AIE, tal qual um parasita, alterando seu funcionamento. O AA é mais uma peça
que move a engrenagem da reprodução das relações de produção, mas não está a serviço de
um Estado, está a serviço do capital, seja ele nacional ou internacional.
Os algoritmos não possuem uma existência física e dependem de dispositivos
tecnológicos para se materializar e exercer influência nos demais AIE. Mesmo de forma
invisível, o AA determina a circulação dos discursos em outros aparelhos ao selecionar o que
circula, o que viraliza.
Ao longo deste trabalho, foram analisados os impactos do AA na prática jornalística
contemporânea. Ficou evidente que os algoritmos desempenham um papel cada vez mais
254

crucial na configuração das narrativas midiáticas, exercendo controle sobre o que é destacado
e, igualmente importante, o que é silenciado.
É importante retomar nestas considerações que, ao utilizar suas próprias redes sociais,
sem intermediários, Bolsonaro foi capaz de ampliar a circulação de discursos produzidos,
pensados e planejados diretamente por ele para seus interlocutores. Isso se deve, em grande
parte, ao funcionamento dos algoritmos em relação à circulação de discursos dentro de bolhas
no Facebook. Dessa forma, a produção do discurso é afetada pela sua própria circulação, pois
o candidato produziu discursos de acordo com as bolhas nas quais eles seriam divulgados.
Ademais, nos veículos de comunicação tradicionais, Bolsonaro não teria a mesma capacidade
de controlar as condições de produção como fez em suas transmissões ao vivo (lives).
É possível concluir que a ascensão dos sites de redes sociais e o consequente processo
de desmediatização (HAN, 2018a) afetaram significativamente as estratégias políticas, com a
adoção de discursos diretos e a utilização das redes sociais como veículos de comunicação
privilegiados. Nesse contexto, compreender o papel dos algoritmos e a influência das bolhas
de informação foi fundamental para compreender a dinâmica da campanha eleitoral de 2018 e
a construção dos discursos políticos.
Bolsonaro se recusou a participar dos debates, ciente de que os algoritmos limitam a
circulação dos discursos e encarceram os sujeitos em bolhas ideológicas. Assim, enxergou a
possibilidade de “cercar” seu eleitorado na mesma FD com a qual se identifica. Ao recusar o
diferente, Bolsonaro buscou manter intactas as fronteiras da formação discursiva de extrema
direita, deixando evidente que seu interesse nunca foi debater programas de governo. O então
presidenciável nunca quis o estabelecimento de uma cena comum (RANCIÈRE, 1996),
renegando a política. E, recusando-se a debater, fechou-se em sua bolha, evitando que sua
fragilidade política fosse exposta pelos adversários.
Por falar em fronteiras, o posicionamento dos veículos de comunicação dentro do AIE
da Informação e sua relação com o “não-Estado” citado por Pêcheux ([1984] 2014b, p. 6)
sugerem que, assim como as fronteiras das FDs são suficientemente porosas, as fronteiras do
AIE também o sejam. Identifiquei, desse modo, lugares de fronteira no AIE da Informação, os
quais são espaços que transcendem os aparelhos, pois não servem à estrutura do Estado no
qual se inserem. Quanto mais próxima a posição de um veículo está desses lugares, menor é o
seu papel dentro do Aparelho na reprodução das relações de produção, pois quanto mais
próximo de uma região de fronteira, maior é a possibilidade de transformação de tais relações
de produção.
255

Tenho me questionado sobre a possibilidade de exercer resistência no AIE da


Informação nessas condições de produção que indicam o atravessamento do AA em seu
funcionamento. Os veículos de informação alternativos desempenham um papel crucial na
promoção de uma esfera pública plural e no fomento do debate democrático, como mostraram
as análises. Ao proporcionar espaço para as vozes marginalizadas, os veículos alternativos
desafiam o status quo e contribuem para a construção de uma sociedade mais inclusiva e
consciente. No entanto, em decorrência dessa interação com o AA, esses veículos enfrentam
cada vez mais restrições em sua circulação, sendo confinados a bolhas, o que compromete sua
capacidade de exercer resistência. Além dos conflitos internos do AIE e da luta contra a
ideologia dominante, a mídia alternativa, do mesmo modo que os veículos da mídia
tradicional, também enfrenta a ação do AA, ampliando seus desafios.
Em outras palavras, é insuficiente abordar as práticas jornalísticas de resistência e
jornalismo alternativo atualmente sem levar em consideração a interferência do AA. Nesse
sentido, apresentar o dissenso por si só já configura uma forma de resistência, porém, o
atravessamento do AA no AIE da Informação determina outras formas de resistência.
Compreender a ação do Aparelho Algorítmico (AA) como um elemento-chave na
dinâmica do AIE da Informação é essencial para analisar e enfrentar os desafios
contemporâneos do jornalismo de modo geral e, de modo muito específico, do jornalismo
alternativo. A resistência requer estratégias que contemplem tanto as questões internas do AIE
quanto sua determinação pelo AA.
A regulamentação dos sites de redes sociais digitais é um dos caminhos e, por essa
razão, tem sido um tema relevante e controverso. A proposta de regulamentação visa
estabelecer diretrizes e regras para lidar com questões como desinformação, discurso de ódio,
privacidade, proteção dos dados pessoais e concentração de poder (afinal, um pequeno
número de empresas de tecnologia, como a Meta ou o Google, dominam o mercado e exercem
influência significativa sobre a informação que circula na internet).
No entanto, a regulamentação enfrenta a complexidade de operação de tais
plataformas, as quais atuam em ambiente global e muitas vezes transnacional, dificultando a
aplicação de sanções em diferentes jurisdições. Além disso, o ritmo acelerado da evolução
tecnológica muitas vezes supera a capacidade dos governos de acompanhar e regulamentar
adequadamente essas plataformas.
Em 2018, a União Europeia implementou o Regulamento Geral de Proteção de Dados
(GDPR), que estabeleceu regras mais rigorosas para a proteção da privacidade dos usuários.
Nos Estados Unidos, a discussão sobre a regulamentação das redes sociais ganhou destaque
256

após casos de manipulação política e preocupações com a concentração de poder de empresas


de tecnologia.
No Brasil, a discussão sobre a regulamentação da mídia e das redes sociais ganhou
força nos últimos anos, especialmente no contexto das eleições de 2018 e da disseminação de
desinformação. Desde então, foram propostos projetos de lei e discutidas medidas para lidar
com questões relacionadas à desinformação, discurso de ódio, privacidade e concentração de
poder. Diversas comissões e grupos de trabalho foram formados no âmbito do Congresso
Nacional para discutir o tema.
Ainda em 2014, o Marco Civil da Internet foi sancionado no país. A legislação
estabelece os princípios fundamentais para a Internet no Brasil, como a garantia da liberdade
de expressão, o acesso à informação, a privacidade e a proteção de dados dos usuários. As
empresas que coletam informações devem obter o consentimento dos usuários e fornecer
informações claras sobre como esses dados serão utilizados. Pelo Marco Civil, os provedores
de Internet não podem ser responsabilizados pelo conteúdo gerado pelos usuários, a menos
que descumpram ordens judiciais específicas.
Contudo, em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que as plataformas
de mídia social pudessem ser responsabilizadas por não remover conteúdos considerados
ofensivos ou ilegais. Essa decisão gerou debates sobre a necessidade de regulamentação
específica para as plataformas.
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) em vigor desde setembro de 2020, também
estabelece diretrizes para a coleta, armazenamento, tratamento e compartilhamento de dados
pessoais. Ela busca proteger a privacidade dos usuários e impõe obrigações às empresas e
organizações que lidam com dados pessoais.
No momento de finalização da tese (agosto de 2023), está em tramitação o PL
2630/20, também batizado de “PL das fake news”, o qual visa regularizar o uso dos sites de
redes sociais para impedir a disseminação de notícias falsas através de contas-robô e dispor
normas mais modernas sobre o tema.
Os principais pontos do PL é a exigência de mais transparência na moderação dos
conteúdos pelas plataformas, da sinalização de conteúdos impulsionados com dinheiro e
publicidade para tentar identificar contas-robô que promovem fake news, discursos de ódio e
ideologias extremistas, da indicação do uso de contas automatizadas, do estabelecimento de
regras para os serviços de mensagens com vistas ao envio de mensagens em massa, da criação
do Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet e da nomeação de
representantes legais das plataformas no Brasil. Será aprovado? Não se sabe. O certo é que
257

regulamentar não vai mudar o fato de que os sites de redes sociais estão, como os demais
canais de comunicação, a serviço da ideologia dominante no AIE da Informação. Pensemos
nas eleições de 2018, objeto desta tese. A produção dos discursos, além de afetada pela
ideologia dominante, também sofreu com a ação do AA Mesmo que as contas-robô, as fake
news ou o discurso de ódio tivessem sido impedidos, de todo modo, os efeitos de sentido que
ligam o PT à corrupção, colocam o partido como inimigo a combater e apresentam Bolsonaro
como única alternativa para salvar o país foram produzidos e circularam nos/pelos veículos
tradicionais da mídia sob o domínio da ideologia capitalista/neoliberal .
Cabe aos pesquisadores seguir mobilizando reflexões acerca das questões do discurso
entrelaçadas ao campo digital para buscar compreender suas especificidades. Na AD, muitos
trabalhos têm lançado discussões férteis sobre a temática. Acredito que as principais questões
perpassam pelos modos de subjetivação e interpelação no digital. Ainda mais em tempos de
Inteligência Artificial (IA), ChatGPT, deepfakes... cujo funcionamento em nada lembra as
máquinas, pois se aproxima cada vez mais das características humanas. Trata-se de mais uma
ferramenta tecno(ideo)lógica impulsionada pelo Aparelho Algorítmico, estando a serviço do
neoliberalismo. Uma perigosa e potente ferramenta, aliás. A IA embaralha os limites do que é
real e do que é fake, podendo produzir digitalmente falas e ações para/pelos sujeitos. Com a
IA, é possível fazer políticos proferirem discursos da ordem da contradição: que não poderiam
e não deveriam ser ditos, pois são interditados pela formação discursiva com a qual estão
identificados. Discursos, esses, que poderiam viralizar sob a ação dos AA. E que, pela IA,
constituiriam fake news na sua forma mais verossímil, a deepfake.
Solange Gallo nos alerta que “assim como a escrita produziu o efeito de transcrição da
oralidade para se estabilizar como forma de poder, também a IA vem produzindo o efeito de
transcrição de textos para se estabilizar como forma de poder” (2023, p. 94). E se a IA se
estabiliza como forma de poder é porque o AA atua para tal. Resta-nos indagar qual poder e a
quem pertence, ou melhor, a quem serve o AA, considerando que seu funcionamento é em
prol de assegurar a reprodução das relações de produção de uma sociedade cada vez mais
conectada.
Reitero o que expus nas linhas introdutórias desta tese: fascinado pela maquinaria
algorítmica, Pêcheux teria, nas condições atuais de produção, um prato cheio para análise.
Faltou-lhe tempo para presenciar todas as transformações impostas pelo digital na produção,
formulação e circulação dos discursos. É missão dos analistas continuar seu legado.
Novamente, trago a citação de Pêcheux, cujo uso é recorrente em trabalhos da AD e
que foi o ponto de partida para pensar nesta pesquisa:
258

- não há dominação sem resistência: primado prático da luta de classes, que significa
que é preciso “ousar se revoltar”.
- ninguém pode pensar do lugar de quem quer que seja: primado prático do
inconsciente, que significa que é preciso suportar o que venha a ser pensado, isto é, é
preciso “ousar pensar por si mesmo” (PECHEUX, [1975] 1995, p. 304).

O objeto desta tese evidencia que antes de “ousar se revoltar” é preciso “ousar pensar
por si mesmo”, indo além das bolhas, dos conteúdos sugeridos algoritmicamente nos sites de
redes sociais e “suportar o que venha a ser pensado” o que significa não se conformar apenas
com o que é determinado pela tecno(ideo)logia. Ou seja, é preciso subverter os novos fluxos
de circulação dos discursos e evitar a tentação do confortável universo logicamente
estabilizado de cada bolha, onde repousamos na falsa sensação de tranquilidade, de
homogeneidade e de unicidade dos sentidos.
E mais, não basta dar voz ao dissenso representado pelo jornalismo alternativo. Nas
novas condições de produção, marcadas pelo atravessamento de um aparelho algorítmico, é
essencial fazer essas vozes dissidentes circularem para, quiçá, voltar a arma da ideologia
contra as classes no poder (ALTHUSSER, [1971] 1985, p. 72), utilizando o funcionamento do
próprio AA. Como? Ousando pensar por si mesmo, sem se deixar levar pela rede de
repetibilidade dos sites de redes sociais, compreendendo as práticas e rituais do AA e
utilizando-as para por em circulação discursos que se opõem à ideologia dominante.
Em tempos de machine learning, fake news, deepfakes, bots e seus mecanismos de
controle e influência comportamental, mais do que nunca, ousar pensar por si mesmo também
é ousar se revoltar.
259

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