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OS LADRÕES DE BOSTON

PRÓLOGO

As sirenes dos carros de polícia abafavam o som dos passos apressados dos
fugitivos. Os funcionários trancavam-se em salas vazias enquanto o trio corria pelo
corredor branco, os disfarces de enfermeira e médico eram deixados para trás à
medida que se aproximavam da última porta.

Boston estava agitada com a nova tentativa de roubo dos três ladrões mais
procurados da cidade em quatro anos. Nova tentativa, mesmo objetivo. Os jornais
não mais recebiam notícias a cada semana de um grande afano do trio “fabuloso”; o
que acalmou os policiais, mas não os fãs do grupo. Em anos de furto, os ladrões de
Boston ganharam fama em todo o país pelos roubos estilosos e sorrateiros,
conseguindo até mesmo um fã clube denominado “aprendizes do crime”. Quando a
notícia dos furtadores saiu da cidade, a maior razão para a migração de
estadunidenses era a mesma: capturar uma sequer foto de Bryce, Russel e Eli. As
garotas não se inspiravam mais em Marilyn Monroe ou Audrey Hepburn, elas
queriam ser como Bryce. “É o cabelo dela”, algumas diziam. “É o charme dela”,
outras murmuravam. “São as jóias dela”, era o que a maioria achava. Os ladrões
eram inspirações desde fantasias de Halloween a técnicas de roubo de grandes
bancos e empresários. Os criminosos perfeitos.

Assim como sua aparição foi um sucesso, o desaparecimento dos ladrões de


Boston, mesmo quatro anos depois, é um grande mistério para os detetives e a
mídia, que até hoje se perguntam o que houve com as celebridades do crime.

Mas ali estavam Bryce, Russel e Eli, em um hospital psiquiátrico isolado do resto da
população. Longe das pessoas significava longe da mídia, longe da mídia significava
longe da polícia, e, mesmo que os grandes ‘shows” do trio aconteciam em meio às
perseguições, os ladrões admitiram uma postura séria para o roubo da vez, pois
juraram que essa seria a noite em que seu maior objetivo de quatro anos vivendo
pelo crime seria alcançado: matar Elizabeth Abbey. E, consequentemente, serem
presos pelo homicídio.
Mesmo que creditados pelos roubos, os trapaceiros nunca foram da matança. Pelo
menos não com suas próprias mãos. Alguns incêndios? Sim. Mortes por balas
perdidas? Várias. Usar o corpo de pessoas aleatórias na cena do roubo como
“escudo” para evitar os tiros da polícia? Com certeza. Mas os jornais registraram e
os aprendizes do crime confirmaram: podiam ser ladrões, mas não assassinos.

Porém, os três sabiam que naquela noite um novo título seria imposto: assassinos.
Assassinos de Elizabeth Abbey, uma jovem que vive seus 20 e poucos anos com
sua carreira de modelo em ascensão, seu cabelo escuro modelado com bobs e gel
toda manhã exatamente às 06:23, e sua insigne, esplêndida e gigantesca fortuna
roubada. Roubada de Bryce, Russel e Eli, quanto o infame trio de ladrões
chiquérrimos era apenas um grupo de quatro adolescentes que queriam um dia
alcançar a fama.

O plano dos três era aprimorado a cada ano de rancor e remorso guardado após a
traição de Elizabeth. No primeiro ano, queriam difamá-la. No segundo, sequestrá-la.
No terceiro, roubá-la. E no quarto e último ano de reflexão, matá-la. Acontece que
depois de um quadriênio o esquema foi finalizado para um crime de 4 etapas, um
crime que juntava suas ideias em um ato só, caindo sobre uma única pessoa.

O que as revistas de grife e os articulistas de moda não sabiam era que Elizabeth
tinha uma vida dupla desde sua secreta separação ao trio. Após o primeiro roubo da
gangue autointitulada Os Caça Fantasmas (graças à falta de criatividade dos quatro
jovens) Elizabeth consumou o que estava em sua cabeça alguns dias antes do
crime, Bryce, Russel e Eli eram destemidos e ansiavam por aventuras e perigos,
eles queriam ser temidos e venerados pelos seus crimes altamente qualificados e
nadar em dinheiro depois, mas Elizabeth prometeu a si mesma que o roubo seria
apenas um atalho para a conquista do seu verdadeiro sonho de ser modelo. Então,
quando os jovens voltaram para a casa improvisada no final de um beco escuro na
rua mais deserta de Boston, a garota sorrateiramente fugiu com o saco com
milhares de dólares em suas mãos. Seus anos de treinamento com seus
companheiros a ensinou que era fácil fazer uma pessoa dormir com algumas gotas
de sonífero, e que fazer isso com três adolescentes bêbados e despreocupados por
conta da vitória era mais fácil ainda.
Olhando dessa forma, você deve estar convencido de que esta é uma história que
narra as aventuras e dificuldades de Elizabeth Abbey em escapar do trio ganancioso
de criminosos, então, preciso dizê-lo que a pura verdade é que a garota aspirante à
modelo é uma total farsa assim como todos apresentados aqui. A cidade pode
conhecer Elizabeth como uma jovem batalhadora e sonhadora, mas Bryce, Russel e
Eli sabiam mais do que ninguém sobre a ladra de ladrões mais patética e idiota e
todas. Portanto, venho alertá-lo que em meio a muitos criminosos, os três ladrões de
Boston são as pessoas mais confiáveis e atrozes desta história.
CAPÍTULO 1

Ao atravessar a última porta do hospital psiquiátrico que revelava uma entrada


secreta de Boston, passando por um estacionamento abandonado, os fugitivos
seguiram em direção ao fusca sujo e desbotado.

— Entrem no carro! — Bryce exclamou.

Russel e Eli se apressaram para alcançar o carro roubado e, quando entraram,


dirigiram sem levar em conta os limites de velocidade.

O silêncio se instalou no ar, silêncio tão ensurdecedor capaz de deixar ouvir apenas
as respirações aceleradas dos três jovens.

— Pelo menos saímos vivos — Eli, o otimista brincalhão, apontou.

— Pelo menos?! — Bryce, a mais ousada e corajosa, implicou.

Russel, discreto e perspicaz, apenas continuou quieto, dando um leve olhar que
dizia "era melhor você ter ficado em silêncio" em direção a Eli, que apenas engoliu
em seco com o comentário da ruiva.

Os sons começaram a voltar à medida que os carros de polícia se aproximavam,


mas a única coisa a se preocupar no momento era adentrar a cidade e continuar o
plano.

Isso antes de outro veículo entrar na cola dos três ladrões.

Um caminhão grande e preto atingiu a velocidade do fusca, e Bryce, que estava


dirigindo, olhou para os lados em confusão.

Em fração de segundos, um pequeno brilho tocou o chão de asfalto da rodovia,


como se uma vela de aniversário tivesse sido acesa.

Novamente, em fração de segundos, a inofensiva vela virou uma explosão. Russel e


Eli arregalaram os olhos e depois os fecharam, esperando o pior acontecer. Bryce
rapidamente desviou o volante, fazendo com o carro batesse em uma árvore
próxima e tombasse.
Os pensamentos dos três eram uma mistura dolorida de vozes arrogantes e
machucados ainda mais doloridos, parecendo queimar com as luzes dos postes que
invadiam os vidros (pelo menos os que ainda estavam inteiros) do carro.

Quinze minutos depois, a garota acordou com uma forte dor de cabeça e a visão
turva. Agora, o barulho que reinava no local era mais nítido.

— Quebrem as outras janelas e tirem os três de dentro do carro, certifiquem-se de


que eles não irão acordar — uma voz masculina ordenou. — Será mais demorado
se formos abrir a parte de cima do veículo, precisamos pegá-los o quanto antes.

Bryce ouviu a conversa em silêncio, controlando até mesmo sua respiração com
medo de ser percebida. Ela virou-se lentamente e pôde ver Russel e Eli ainda
desacordados. O carro estava derrubado, portanto, usar a outra janela para escapar
não seria possível. A ladra encarou o parabrisa.

— Vamos lá, Bryce. Você só precisa quebrar e sair. Quebrar e sair — cochichou
para si mesma.

Depois de dois minutos de reflexão, ela agarrou o pé de cabra no chão do banco do


motorista e usou-o para perfurar o vidro. Um estrondo ecoou pela rua deserta, e a
ruiva apertou os olhos em apreensão, querendo mandar o vidro calar a boca.

— Vocês ouviram isso? — um dos homens do lado de fora disse.

— Merda! — Bryce respondeu em um tom um pouco mais alto que da última vez, e
avistou os sequestradores de preto irem ao seu encontro.

A saída tinha que ser discreta, mas a este ponto não se importou com o volume e só
se permitiu demorar um pouco mais para escapar do acidente em desvantagem dos
cacos de vidro amedrontadores que rasgariam seus belos joelhos em questão de
segundos.

Ao encarar Russel e Eli pela última vez, a garota saiu do carro pelo buraco formado
e correu sem nem olhar para trás, com o corpo repleto de arranhões e sangue tão
vermelho quanto seus cabelos escorrendo por sua testa, sentindo cada um dos
machucados queimarem com o vento contra seu corpo. À sua frente, uma grande
placa dizendo "Bem-vindo à Boston" era iluminada por luzes falhas dos postes da
cidade.

CAPÍTULO 2

As pessoas perambulando pelas ruas olhavam torto para Bryce em seus


trajes rasgados e seu rosto sujo. Ela achava melhor que fosse assim, pois sabia que
o caos se instalaria se a reconhecessem. Com sua fama sendo cada vez maior, era
comum ver mulheres com os cabelos ruivos, compridos e ondulados como o dela.

Duas horas haviam se passado desde que a ladra escapou do carro e deixou
seus comparsas para trás. Nesse tempo, ela aproveitou sua caminhada na cidade
para descobrir como salvaria Russel e Eli, e como faria isso o mais rápido possível,
já que o plano tinha horários tão exigentes que chegava a ser mais chato que os
remédios que tomava. O tempo já havia sido extrapolado, e agora o que Bryce faria
determinaria seu sucesso no esquema.

Enquanto pensava, ela se deparou com um grande restaurante refinado à sua


frente, repleto de luzes iluminando refeições suculentas e pessoas bem vestidas.

Algo lhe chamou atenção em uma das mesas, ou melhor, alguém. A pele
branca e pálida mostrada por baixo dos cabelos curtos e escuros era impossível de
ser esquecida por Bryce. Acompanhando-a, Russel e Eli, limpos, sem nenhum
arranhão em suas peles e mais bem-vestidos que nunca.

Os olhos da moça se reviraram e sua língua foi colocada entre os dentes,


estampando um sorriso sarcástico em sua face. Estava queimando de raiva..

Bryce avistou uma fonte d'água do outro lado da rua, e discretamente limpou
seu rosto sujo de ferrugem dos destroços do carro. Enquanto penteava seus cabelos
com uma das mãos, fazendo caretas ao sentir o puxão de um fio embaraçado, tirava
a poeira de sua vestimenta com a outra. Espiou seu rosto num pequeno espelho do
retrovisor de um carro estacionado e retirou um batom de um dos bolsos de sua
roupa, logo em seguida deslizando o bastão com o pigmento vermelho em seus
lábios.

Dá para o gasto, pensou.

Acenou com a cabeça para o segurança na entrada do local, esboçando seu


melhor sorriso de gentileza. Bryce certificou-se de enrolar para escolher uma mesa
tempo o suficiente para que seu olhar se encontrasse com o de Russel, que
imediatamente a reconheceu e tentou não transparecer seu desespero. Ela logo viu
o movimento do rapaz e se escondeu no banheiro ao seu lado. Russel entendeu a
desculpa proposta e pediu passagem para sair, receoso que a moça em sua mesa
perceberia seu comportamento peculiar, que foi deixado passar por ela, mas não por
seu amigo Eli, que parecia tão confuso com a óbvio mentira do homem que um
ponto de interrogação podia ser visto bem na sua cara. Mentir não era seu forte.

Russel avançou até o banheiro, apressando os passos quando se aproximou


o bastante do local. Alí, encontrou Bryce encostada em uma das paredes e trancou
a porta atrás de si.

— Ei, perguntinha rápida: que diabos está acontecendo? — Bryce perguntou.

— Achei que você já estivesse sacado. A sua amiguinha também tinha


planos, e por coincidência eram no dia do nosso. Acho que a nostalgia bateu e ela
quis nos sequestrar. — A garota quase sorriu ouvindo o amigo, lembrando do quão
parecidos eles eram ao perceber os tons brincalhões mesmo nos piores momentos.

— É uma pena eu ter perdido isso. Queria ter dado um “oi”; ou pelo menos
um soco naquele rostinho, para matar a saudade.

Russel liberou uma risada nasal.

— Bom, ela está bem lá fora e ainda tem um rostinho. Você vai matar além da
saudade.
Um breve silêncio pairou pelo banheiro e Bryce expressou um semblante um
pouco mais sério, encarando o chão sem ao menos piscar, com os braços cruzados.

— Acho que surtaria se a visse de novo — confessou, e Russel aproveitou


aqueles raros segundos da ruiva comentando sobre a mulher para tentar captar o
que havia nisso tudo, levando em consideração a cara melancólica ao falar da
garota.

A quietude se instalou, até que foi interrompida por batidas na porta trancada
e gritos vindo do lado de fora. O que estava acontecendo já era óbvio para a dupla,
pois era a mesma reação esboçada pelos presentes em todo crime presenciado por
eles.

Com apenas um olhar um para o outro, seguido por um olhar para uma
pequena janela acima de suas cabeças, o recado foi entendido. Bryce balançou a
cabeça em direção à fenestra e Russel subiu na pia de mármore que o ajudaria a
fugir.

Ao sair, a garota foi logo atrás, refazendo os passos do amigo. Ao subir no


mármore, algo a impediu.

Bryce se perguntou por anos o que sentiria ao olhar novamente nos olhos de
Elizabeth. Se analisaria seu rosto e mergulharia em seu sorriso travesso — Russel
poderia se parecer com a ruiva, mas Elizabeth era seu clone — ou se sentaria no
chão e choraria até que seu mar de lágrimas a levasse para longe da mulher.

Mas, ao encarar Abbey depois de longos quatro anos, não olhou para seus
olhos azuis de inverno, mas sim para sua boca que mostrava um sorriso satisfeito
bem desenhado por um batom vinho, quase do mesmo tom que o de Bryce, o que
lhe deixou um pouco irritada.

— Até que você está bem para alguém que estava toda suja num carro
destroçado. Agora posso ver seu rosto melhor. Você não mudou nada, B. — a ruiva
ficou perplexa por alguns instantes, corada, mas seu transe foi cortado quando
Elizabeth puxou sua cintura de vez e a retirou da pia de mármore.

— Sempre piadista nos piores momentos, não é mesmo?


— Aprendi com você. — retrucou, suas respostas eram ágeis, como se
tivesse ensaiado a conversa no espelho todas as noites durante todos aqueles anos.
— Você foi lenta e indiscreta, e agora está parando uma luta para bater papo.
Confesso que fiquei preocupada, você era melhor nisso.

— E você parece ser a única amargurada por uma merda que aconteceu há
quatro anos atrás. Não foi você quem foi roubada, Elizabeth. — seu rosto estava tão
quente que tinha medo que o vermelho de suas bochechas trouxesse ambiguidade.

— É o gosto do seu próprio veneno.

— Esse veneno é seu também.

Rapidamente, a ruiva colocou Abbey contra a parede gélida do banheiro, e a


arma em sua cabeça estava sendo pressionada tão fortemente que a ponta deixou
uma marca em seu rosto.

— Isso é o que você sempre quis, não é? Enquanto os miseráveis ladrões


ganham dinheiro sujo, você é exposta como uma bonequinha de porcelana nas
revistas com sua fama e seu rostinho bonito.

Elizabeth riu, uma risada espontânea como a de uma criança.

— Apenas aceite que iria acontecer do mesmo jeito, Williams. Com ou sem o
dinheiro, estaríamos aqui, dessa mesma forma. A verdade é que você simplesmente
não consegue aceitar que enquanto está vivendo essa vida medíocre, eu realmente
busquei algo que valesse à pena. — O olhar da moça alternava entre a arma posta
em sua cabeça e os lábios vermelhos de Bryce, que se curvaram em um sorriso um
tanto sádico.

A ladra podia sentir seu sangue circulando em cada uma das veias, levando
consigo uma maré de frustrações. Seus olhos castanhos ameaçavam chorar, mas
essa era a única coisa em que ela se concentrava ao máximo para não fazer. Seus
músculos estavam tensionados, fazendo com que a arma fosse forçada na pele
pálida de Abbey novamente e sua cabeça se recusasse a fazer um movimento
sequer.
Um estrondo ecoou no banheiro e chamou a atenção das garotas. A ruiva
olhou de relance para Elizabeth e retirou a pistola, refazendo seus passos de fuga
rapidamente.

Quando Bryce já estava do lado de fora do restaurante, a morena observou


pela janela o cenário externo. As pessoas que presenciaram a invasão corriam
apressadamente e gritavam por socorro. Bem à sua frente, um Buick Electra
vermelho estava estacionado, com Eli no volante e Russel abrindo a porta do banco
do passageiro para Bryce, que adentrava o veículo com passos pesados.

Ela se sentou no banco de couro e forçou-se a esboçar uma expressão


divertida, porém, vingativa. O motor do carro foi ligado com um barulho um tanto
desagradável.

— Esta pode ser uma má hora para mencionar isso mas… eu realmente
gostei do seu perfume, Beth. Se quiser fazer as pazes, me manda um desse. Você
tem o meu endereço — a ladra disse, com um sorriso provocador estampado em
seu rosto. Elizabeth não se preocupou em se despedir, pois, quando viu o carro se
afastando do local, sabia que não seria a última vez que veria os ladrões de Boston.
CAPÍTULO 3

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