Você está na página 1de 26

Tintas de Sangue e Horror

Caso esteja lendo isto, quer dizer que eu já estou morto e provavelmente encontrado em
meu quarto com a visão horrenda de um homem estraçalhado por uma bala de
revólver no meio de sua testa. Porém, quero que entenda o real motivo de meu suicídio e
ato de manchar uma relíquia até então desconhecida pela humanidade mas que
somente um vislumbre de sua entidade representada me causa um medo ancestral e
quase inenarrável de expressar por conta de sua origem maléfica e profana. As suas
tintas feitas com sangue e excrementos dos mais sujos e negros pagãos, me faz imaginar
para que propósito existimos se estamos destinados a ser cobaias desse horror
incompreensível e invisível à olhos nus?

Capítulo I

As Sombras entre as Árvores…

Nos anos de 1936 - 1937, houve uma série de investigações da polícia nas fronteiras
cobertas de árvores que faziam as sombras de Arkham se arrepiarem. Essas
investigações tinham como principal objetivo a apreensão e disseminação de cultos
pagãos que se alocavam entre a floresta da Costa do Diabo. A polícia foi alertada e
pressionada a investigar o caso após notícias de desaparecimentos e assassinatos que
começaram a circular na cidade chuvosa. O que, consequentemente, fez com que a
população ficasse cada vez mais receosa de chegar perto daquela floresta pútrida e
fétida. Uma testemunha que havia saído para acampar naquela mata obscura, alegou
que seu filho único havia adentrado fundo na floresta e ao longe pode-se ouvir os seus
gritos interrompidos seguidos de berros e canções religiosas de um povo até então
desconhecido e que não falava inglês. O relato contava que a mulher saiu em
desespero atrás de seu filho juntamente de seu marido, porém ao chegar no local onde
se ouvia os gritos demoníacos dos loucos religiosos, a testemunha presenciou uma
cena grotesca e que só de lembrar me causa enjoos e sensações de aperto no peito.

O garoto estava estirado no chão, o seu corpo estava totalmente mutilado por
contusões e cortes profundos e lâminas precisas e afiadas e seus olhos haviam sido
pressionados até um ponto que estouraram e seu sangue era a única forma que
preenchia aquele vazio. As suas vestimentas estavam rasgadas e o seu boné foi jogado
para longe e pisado por algo de extremo peso, onde se podia notar a semelhança com
pegadas cervídeas na grama ao redor do corpo. O que mais chocou as autoridades foi
que na testa do pobre rapaz havia o desenho de um pentagrama distorcido, onde uma
das pontas inferiores da estrela seguia em uma diagonal para cima e caindo em um
círculo, ao redor da estrela havia outras formas geométricas distintas como triângulos
e quadrados, mas no meio da estrela era onde se encontrava o verdadeiro horror ainda
não descoberto, o desenho que intrigou por tantos meses a polícia e que até hoje faz o
delegado Wallace suar e se perguntar que tipo de seres ancestrais fariam um ato
horrendo e terrível deste se não fosse loucos indígenas ou até mesmo religiosos
pagãos. No centro da estrela havia a forma de um alce com 2 grandes tentáculos
saindo de onde devia ser os seus suntuosos chifres e entre esses tentáculos haviam as
ligações de uma membrana onde se fazia mais parecido com os chifres desse animal
excêntrico, mas o que mais causava pânico em quem visse a foto, seria o fato de que o
animal havia 3 grandes olhos e em cima de sua cabeça havia duas datas: 23/03 -
02/04. Não havia anos, apenas meses e dias, o que acabou deixando tudo ainda mais
confuso e vago, apenas o ar de mistério e horror pairava em meio aquele sangue de
tintas de horror que viriam até meu encontro.

Desde a época em que meu avô - agora falecido - me ensinava a cortar pedaços de
madeira, me entendo como lenhador. Meu nome é Frederick J. Williams. Eu vivo em
um pequeno chalé no interior de uma cidade minúscula, uma região florestal
chamada Costa do Diabo. Conhecida pelas pessoas que moram por aqui, como um
berço de histórias para assustar crianças, dentre estas histórias se me lembro bem,
existia uma em específico que lembro-me desde criança, ironicamente, ouvi-la
antigamente me fazia tremer e me arrepiar somente de ouvi-la saindo da boca de meu
avô, sentimento esse que sentiria vários anos depois pela mesma causa, só que agora,
seria algo real e tangível.

A lenda do Demônio Negro, Como o nome já diz, trata-se de um demônio cultuado


por negros indígenas. Ela conta sobre uma espécie de deus do inferno, algo como
Hades da mitologia grega, que seria a principal entidade adorada pelos negros
daquelas bandas. Entre a floresta mais obscura e os arbustos mais espinhosos, haveria
uma cidade repleta desses adoradores indígenas, vivendo juntamente dos demônios
enviados por este deus pagão. A cada badalar da meia-noite, estes homens sairiam de
sua metrópole para caçar homens e crianças que estivessem andando bem fundo nas
florestas, e então iriam sacrificá-los em rituais obscuros de invocação e adoração.
Obviamente, esta história era algo inventado para avisar as crianças de que era
perigoso andar sozinho, mais especificadamente, andar sozinho dentro da floresta
sombria e ainda não desbravada da Costa do Diabo, porém, vim a descobrir
recentemente que talvez não fosse só uma lenda ingênua e boba, inventada pela
mente senil e já misturada com eventos irreais de meu avô. Mas, o que mais me
aterrorizava quando pequeno, era que a lenda se tratava de algo próximo a mim, uma
história originada pela minha própria cidade. Mas, não quero me perder em
memórias de tempos passados e medos que tinha quando era jovem, estou
escrevendo apenas por causa deste maldito quadro e quero desde já esclarecer tudo o
mais nítido possível.

Em 1937, recebi uma carta de um amigo de longa data chamado Martin Fletcher.
No conteúdo do envelope tinha um papel com sua assinatura e um conteúdo de
dezenas de palavras embaralhadas e confusas, como se ele tivesse escrito às pressas ou
até mesmo sob uma situação de urgência, como um desespero.

Em um resumo direto, ela dizia que Martin havia se mudado faz alguns anos para
uma casa à beira do porto de Duncan, que ficaria a uns 18 km de Arkham, onde eu
moro atualmente e sempre morei. Porém, fiquei curioso e de certa forma
embasbacado com a notícia, pois Duncan é uma cidade abandonada, ninguém mais
mora por lá, somente algumas pessoas ainda sobraram mas a maioria fugiu por conta
dos relatos de desaparecimentos constantes. Talvez o maior e mais assustador fato do
Porto maldito, é que ele fica á 1km ao oeste da floresta negra da Costa do Diabo.
Além de que Duncan havia sido o último local em que minha mulher foi vista antes
de desaparecer.

No mesmo parágrafo ele me dizia o quanto estava animado e empolgado com a


mudança, pois Martin é um pescador e sua maior renda vem somente da pesca - e de
alguns trabalhos de meio período que faz na cidade grande de Salsbury, á uns 6,5 km
ao sudoeste de Duncan -. Fazia sentido o que o homem falava porquê o Porto era de
fato um dos melhores locais para se pescar, a abundância de peixes naquele lugar
fedorento e imundo me causava enjoo, além do cheiro de bebidas que vinham dos
mais baratos e horríveis whiskys daquela sebentice exacerbada.

Ele então finalizou o texto me propondo a visitá-lo algum dia, tanto para nos
falarmos novamente sem ser pelo meio distante e demorado de cartas, e também para
conversarmos pessoalmente e colocarmos os assuntos em dia, algo que viria a me
arrepender conforme o tempo passava. Então, após algumas semanas me preparando,
arrumei-me rapidamente e levei comigo em uma mala, roupas, equipamentos
pessoais como escovas e outros pertences comuns, e rapidamente peguei meu carro e
parti em uma manhã chuvosa em direção ao porto imundo, mas, que era abrigo de
um amigo muito querido para mim, pois era a única pessoa importante que ainda
havia sobrevivido, mesmo após todo o esse tempo. Foi então, no final de abril de
1937, que tudo começou a desmoronar em um paradoxo de insanidade de terror cujo
minha mente dói só de imaginar as coisas horrendas que a polícia ainda não
testemunhou e que nem sequer pensam em encontrar, perante aquele abismo de
loucura e desenhado por seres irracionais e ingênuos.

Capítulo II

Duncan, A cidade Portuária…

Eu finalmente cheguei após uma longa viagem, à antiga e velha casa de meu velho
amigo - A cidade de Duncan é de fato uma área muito deserta como eu imaginava -.
As casas vazias pareciam me observar enquanto eu passava pelas estradas lamacentas e
úmidas pela chuva que constantemente se fazia presente naquele local. As poucas
entidades ainda presentes eram em sua grande maioria, artesãos e trabalhadores de
fábricas. As grandes fumaças dessas construções criavam uma sensação de pretidão no
céu escurecido pelas nuvens, deixando-me cada vez mais assustado com a péssima
qualidade de vida naquele ambiente hostil e quase inabitado. As pessoas andavam de
cabeça baixa e apressadas, como se houvesse uma pressa involuntária quando chegava
o fim do dia - coisa que me deixou ainda mais preocupado e ansioso de um jeito
horrível, para chegar na casa de Martin -. Virando esquinas e ruas quase nunca
habitadas, somente sendo preenchidas por sem tetos e cachorros vadios que se
barganhavam com a enorme quantidade de lixo que era deixado naquele emaranhado
de vielas e becos. Finalmente, após alguns minutos que pareciam se distorcer em meio
aquele horror, cheguei na Dagon Alley, rua essa em que meu velho e mal encarado
amigo morava. Estacionei meu carro em um estacionamento logo em frente a casa de
Martin, e peguei minhas malas e roupas. Logo que saí pude ter uma vista melhor e
mais ampla da imensidão de vazio que se estendia naquele Porto.

A casa de meu companheiro, fica em uma plataforma acima do chão das docas,
onde escadarias levam para a sua porta de madeira suja e velha, tomada por marcas de
arranhões e com inúmeras partes descascadas. As suas janelas sempre ficavam
fechadas e com cortinas velhas e avermelhadas tampando a visão do lado de dentro. A
casa era de certa forma suntuosa em tamanho, mas a sua estrutura rangia a cada
batida das ondas do mar que vinham do sul, juntamente do fato que a idade desta
casa parecia ser de milênios, se falado em um modo exagerado quase exato. As docas
que haviam ali eram todas banhadas pelas ondas que se quebravam em suas estruturas
de sustentação e molhavam todo o piso de madeira velha e quebradiça. Mas, ainda de
tarde, podia se ver no final desse caminho úmido, poucos homens voltando em
pequenos barcos e trazendo consigo grandes quantidades de peixes. Quantidade essa
que fiquei de certa forma assustado, pois era exageradamente maior que a rede que
segurava os atuns e outros tipos de peixes de porte médio/pequeno. A maioria dos
pescadores pareciam estar saindo das docas, então me apressei pois não tinha mais
nada para me impressionar naquele fim de mundo.

Foi então, que quando comecei a subir os degraus barulhentos de madeira, que
pude perceber o céu ficando cada vez mais escuro acompanhado de uma brisa forte e
quase torrencial, se aproximando da costa. Com um senso de urgência, bati
rapidamente na porta velha e cheia de cracas e gritei com uma calma desesperada em
minha voz: - "Martin, sou eu, Frederick. Abra a porta homem!"

Após alguns minutos que finalmente pude escutar passos pesados vindo de dentro da
casa, pareciam apressados e seu andar ecoava por entre as frestas do piso de madeira
interior que rangia a cada instante. Após alguns segundos, pude notar a janela à
minha esquerda ter um sutil movimento, as cortinas estavam sendo mexidas e
abrindo espaço para que pudesse ver o lado de fora, foi aí que finalmente vi, após
longos anos, Martin. Meu velho amigo estava acabado, grandes olheiras se
mantinham destacadas desde os anos de 1910. Seus olhos pareciam estar arregalados
até demais para ser somente surpresa, como se ele estivesse atento a cada instante. Sua
cara era o que mais me aterrorizava e me causava estranheza, pois pude notar que seu
rosto havia mudado em uma forma grotesca e repulsiva. Seus olhos estavam bem
menores e sua pupila em um tom mais escurecido, juntamente de pelos terem
crescido exageradamente em suas sobrancelhas e dentro de seu ouvido. Mas não só
isso, além de Martin não cuidar de sua aparência, vi que em seu rosto havia marcas de
cicatrizes de arranhões. Mas, senti alívio naquele momento tenso, logo após ver um
sorriso grande e cheio de restos de comida entre os dentes de meu velho
companheiro.

-"Frederick! Meu velho amigo!" - Ele gritou com sua voz rouca e grave que pareceu
ecoar por toda a cidade. Rapidamente chegando até a porta e abrindo-a, ele me
recebeu com um grande abraço, que retribui meio confuso pois estava com certo
nojo de sua roupa de marinheiro já velha totalmente suja e mal cuidada. Martin
estava alegre com minha presença, ele me ofereceu chá e outras bebidas finíssimas que
tinha guardado para ocasiões especiais, minha estadia seria para lhe fazer companhia
então aceitei de bom grado a sua oferta e dei um grande gole em um whisky que ele
tinha ali por perto.

A casa de Martin era bem simples, mal conseguia decifrar como que um homem
conseguiria viver em meio aqueles cômodos vazios. A sua sala de estar era composta
por 2 poltronas, uma mesa de jantar com 4 cadeiras, uma mesa ao fundo onde se
tinha um rádio muito provavelmente quebrado e diversas decorações comuns do
interior como animais empalhados e quadros de paisagens relacionadas com florestas
densas e escuras, além de uma grande lareira que iluminava mais que a única lâmpada
que havia no teto. O que mais me chamou a atenção ali, foi o cheiro quase impossível
de não se perceber, um cheiro pútrido de maresia que parecia vir do mar ao sul,
juntamente do cheiro de podridão que vinha dos corredores. Martin me serviu com
um achocolatado quente e um sanduíche de peixe, e ele parecia viver bem comendo
só aquilo, então, sem mostrar uma incerteza sobre morder aquela gororoba, eu comia
enquanto conversava com meu anfitrião. - "Então, Martin, e a Elisa? Para onde ela
foi?" - Falei em um tom baixo para não fazer tanto barulho naquela hora da noite. Vi
a sua expressão cair em uma tristeza melancólica enquanto ainda se barganhava com
descuidado aquele sanduíche, e então Martin me disse algo que me chocou por
inteiro e me trouxe arrepios, Elisa tinha o deixado recentemente. Pelo que ele me
disse, Elisa teria se separado de Martin por causa de intrigas e brigas que houveram
recentemente. Mas, Elisa e Martin eram casados faziam 25 anos naquela época, era
realmente estranho eles se separarem nesse auge de seu casamento feliz e alegre. Elisa
sabia da condição de seu marido e desde sempre foram muito amáveis, era até de certo
modo invejoso a relação de amor que ambos tinham entre si. Nunca soube de
nenhuma briga que houve entre os dois, mas Martin parecia de certa forma não tão
abatido ao me contar mais sobre o motivo dela ter lhe deixado. Mudei de assunto
rapidamente, perguntando a ele sobre como tem sido sua vida naquela vizinhança,
sobre a abundância de peixe no porto, entre outros assuntos mais leves, mas ainda
com aquela dúvida sobre a separação em minha mente.

A noite foi alegre, Martin desde o ensino médio foi muito carismático e trazia
sempre uma aura de felicidade consigo, e nunca me aguentava quando ele começava a
ficar bêbado e contava suas melhores piadas. Então, quando senti que minha barriga
já não aguentava mais as cervejas de baixa qualidade e minha cabeça doía de tanto
álcool. Perguntei ao meu companheiro onde dormiria e ele não me respondeu pois
estava já desacordado em sua poltrona, babando e roncando como sempre. Peguei
minhas malas e subi as escadarias para o segundo andar e como sempre elas rangiam
como gritos, e logo então subi com cuidado para não acabar incomodando meu
amigo com o barulho irritante dos degraus. As escadarias levavam para um corredor
liso no segundo andar, onde as lâmpadas estavam desligadas e a luz da lua cheia era a
única que o iluminava pela janela ao fundo desse caminho. Passando pelas portas, vi
que a primeira porta à esquerda estava trancada, então passei reto, mas senti uma aura
estranha após passar em frente aquela porta, como se estivesse sendo observado. O
primeiro quarto à direita deduzi que era o quarto de meu amigo. O Segundo quarto à
Direita estava entreaberto e entrei no quarto aos poucos e cada vez que ia
descobrindo os detalhes daquela sala, ia ao mesmo tempo ficando cada vez mais triste
e tomado por uma melancolia, era o quarto de uma criança, um recém nascido preste
a vir para este mundo, rapidamente uma aura de tristeza caiu sobre mim pois fiquei
imaginando a vida de Elise tendo que cuidar de um bebê, sem ter o apoio do pai. Mas
isso também veio a se tornar mais uma dúvida em minha cabeça, por que Elise
deixaria Martin se ainda tinha um filho seu em sua barriga? Isso não seria na verdade
mais um motivo de alegria entre os dois? Cada vez que eu me fazia perguntas e me
adentrava cada vez mais nesse mistério, mal sabia que logo eu iria descobrir a pura e
horrenda verdade.

Eu saí do quarto e quando estava fechando a porta escutei o som das madeiras da
escadaria rangerem e a figura de meu amigo aparecer em meio aquela escuridão. - O
seu quarto fica á esquerda, logo do seu lado, é um quarto meio bagunçado, mas
arrumei do jeito que pude. - Ele falou enquanto ia em direção ao seu quarto com
uma expressão de cansaço e sonolência, bastante perceptível. Com um leve medo, me
dirigi ao último quarto que sobrou, e que era realmente decadente, mas dava-se para
dormir. Tinha somente uma cama, uma mesa, uma estante com livros genéricos e
baratos, além de um armário com nada dentro. A única luz ali era de uma luminária
que estava em uma estante ao lado da cama de solteiro. Arrumei minhas coisas,
troquei de roupa, e me deitei naquela cama dura e desconfortável, mas não consegui
dormir, estava preso em meus pensamentos, imaginando motivos para a separação de
dois grandes amigos meu e estava confuso e abatido sobre o que tinha acontecido
naquele dia. A cidade velha e assustada de Duncan, a pesca estranha e exacerbada
daquele porto, o novo hobby de Martin, tudo isso estava se amontoando em minha
mente junto de pensamentos do que fazer no próximo dia. Mas, após longos
minutos, finalmente pude achar uma posição confortável, e apaguei perante a luz do
luar, que iluminava pela janela ao lado de minha cama, onde o som da chuva batendo
no vidro anunciava um período de terror e insanidade que estava por vir.

Capítulo III

Pesadelo no mundo dos sonhos...

Acabei sucumbindo para o cansaço de meu corpo, e pude sentir o toque suave de
meu travesseiro quando minha mente começou a escurecer enquanto o uivar de
corujas e o cantarolar de corvos gritavam ao longe, em meio a chuva torrencial que
caía ao lado de fora da casa de meu querido amigo Martin. Tive um pesadelo que me
lembro até hoje, mesmo após todos esses eventos, ele parece estar incrustado no mais
tenebroso calabouço fundo de memórias de meu cérebro, mas ainda assim consigo
sentir as sensações e toques daquele vislumbre de horrores inexplicáveis. Ainda assim,
ao acordar consegui anotar uma boa parte daquele show de aberrações e visões
estranhas com metáforas que até hoje não consegui decifrar ou se quer entender.

Eu andava por um vazio inexistente, um preto quase intangível, uma vastidão de


solidão parecia rondar os meus arredores. Senti meu corpo pesado, como se estivesse
caindo, mas ainda assim perambulava por aquele espaço sem luz e frio, rodeado por
apenas o negro do vazio. Eu me virei, e me vi em uma cratera, ao meu lado se podia
ver um grande monólito negro com dezenas de milhares de pinturas. Elas
representavam grandes guerras, povos lutando contra outros, o nascimento de
crianças bizarras, figuras antropomórficas com a aparência de um animal grande
como um alce, entre outras representações e escrituras de uma língua estranha para
minha pessoa, que vim a descobrir mais para frente que se tratava de indígena. Atrás
do monólito se estendia um grande meteoro, que parecia emanar uma fumaça quente
e tenebrosa e eu conseguia escutar o galopar de cascos andando pela floresta ao redor
dessa cratera. O céu estava escurecido com a luz da lua cheia iluminando o pedaço de
terra enorme que eu me encontrava, mas também notei algo no céu que me fez
estremecer e ficar ainda mais tenso com a situação, pois acima da camada da
atmosfera do céu, havia figuras do que pareciam ser astros celestes alinhados, e
consegui deduzir isto pois a grandiosidade de Vênus era algo marcante e que já havia
visto em livros e desenhos sobre a profecia dos planetas alinhados. Continuei lendo e
tentando decifrar as figuras e pinturas naquela grande pedra exuberante de tamanho
enorme, e foi aí que percebi, o meteoro pareceu pulsar como se uma força extrema
interior estivesse tentando abrir essa grande massa rochosa. Após alguns segundos, a
grande massa começou a rachar juntamente do som agudo e estridente de gritos ao
longe, e logo então se abriu, revelando uma figura de tamanho colossal e quase
inenarrável.

Não sei se foi apenas a distorção de meus sonhos ou se a coisa era de fato uma
aberração sem nome, onde somente o desespero parecia rondar as ondas de vapor que
saíam de seu corpo. A sensação de vazio ao perceber a forma mais horrenda que o
universo poderia abrigar em seu ventre escuro e sombrio, me fez sentir uma onda de
repulsa e uma histérica vontade de rir. Mas, nem mesmo durante minha insanidade
consegui tirar os olhos daquela junção de horrores que se estendia em uma postura
corcunda se tornando ereta, enquanto seus tentáculos balançavam abaixo de seu
rosto vazio. Queria poupar o leitor de tal descrição terrível que irei fazer, mas quero
que me entendam e tentem compreender o real motivo de tanto pavor ao olhar para
representação daquele desvairo sem sentido feito por demônios ainda mais blasfemos
e insanos. Enquanto olhava para cima, comecei a ter uma concepção terrível sobre a
sua forma e suas principais características que seriam as principais razões de eu sentir
o sentimento horrível do pavor, trazem o medo constante desse sonho. Ela era uma
criatura humanoide, seu corpo era formado por apêndices e tinha a estrutura quase
normal de um humano mas com diversas deformações no torso e nas pernas, os seus
braços eram longos e cobertos por uma pelagem escura castanha com a presença de
asas abaixo de seus membros braçais, algo parecido com os morcegos. As suas pernas
eram semelhantes às de um animal cervídeo e sua estrutura óssea era distorcida e
muito evidente, com alguns de seus ossos saindo de locais como ombros e cotovelos.
A sua face era a única parte que não conseguia compreender e nem descrever em
palavras vagas e simples. Era um borrão, como se a matéria estivesse incorreta naquele
lugar ou como se minha visão se distorcesse ao olhar para o seu rosto, como se
estivesse mudando de forma sólida para líquida e logo após uma forma plasmática,
algo como uma transformação infinita de estágios da matéria. Mesmo que não
quisesse, por algum motivo, durante alguns segundos eu conseguia entender a
distorção da realidade que pairava sobre a face daquela coisa. O seu rosto era mais um
amontoado de tentáculos plasmáticos do que qualquer outra coisa, mesmo eu
podendo ver que no fim desses tentáculos tivessem cascos animalescos. A sua boca
central era uma abertura que cortava o seu rosto quase por inteiro, me lembrando um
pouco os peixes e outros animais aquáticos. Os seus olhos eram duas grandes esferas
quase saltando para fora e com uma cor preta permeando toda a esclerótica. O que
quer que fosse aquela abominação de galáxias distantes e mistérios afundados em
desespero e temor, obviamente acabou tomando conta de minha presença pois estava
berrando enquanto gargalhava em terror abjeto. Apenas a sua forma me causava um
horror ancestral que pude só compreender a origem de tanto medo só após estudos
minuciosos e detalhados que viriam a ser o fim de minha estabilidade mental. A coisa
de outro espaço me encarou com seus olhos vazios e senti um remorso dentro de meu
cérebro, uma sensação de vazio e solidão, algo como uma dor dentro de meu peito
que se assemelhava muito com o sentimento que tive após saber a notícia que minha
esposa havia desaparecido. Uma tristeza profunda me tomou por completo, a minha
percepção de seres cósmicos além da compreensão humana me fez questionar o
próprio sentido de nossa mísera e nefasta existência. Uma das maiores bênçãos do
mundo, creio eu, é a incapacidade da mente humana em correlacionar todos os seus
conhecimentos. Vivemos numa plácida ilha de ignorância no meio de mares negros e
infinitos. Mas novamente a insanidade tomou presença no local, e esse sentimento
triste e vazio passou após eu escutar uma voz grotesca e nojenta saindo do que era pra
ser a boca daquela coisa. Escutei em meio aquele som rouco e catarrento uma frase
que ficaria para todo o sempre incrustada em minha memória:

"ph'nglui mglw'nafh Cthulhu R'lyeh wgah'nagl fhtagn".

Enquanto aquela odiosidade de face amorfa soava o seu cântico demoníaco, minha
mente doía cada vez mais e eu conseguia ouvir o som de cascos pisando acima do
baixo relevo da cratera e figuras antropomórficas nojentas começaram a tomar forma
entre os arbustos e árvores negras naquele abismo insano. Enquanto a coisa
pronunciava a última palavra eu senti meu corpo amolecer e vislumbres de uma
cidade ciclópica e arcaica passou pela minha frente, uma cidade tomada por esses
seres humanoides com a aparência deformada e com cascos nos pés e dedos
atrofiados. Foi então que a misericórdia de meu despertar súbito desse pesadelo,
encerrou essas cenas de terror que passaram em minha cabeça.

Acordei em uma espécie de solavanco, meu corpo estava trêmulo e meu coração
batendo forte, eu estava ofegante e agitado pois ainda tinha a percepção de que a coisa
ainda estava ali pronunciando seus ritos diabólicos e blasfemos. O quarto ainda estava
escurecido pela noite e lua cheia ainda se estendia ao longe no horizonte, havia se
passado quanto tempo? Eu me perguntei. Mas não tinha real importância de
procurar uma resposta, pois escutei vindo do primeiro andar, o som de uma porta
abrindo e fechando. Martin não me disse que sairia mais cedo e então a primeira
hipótese que veio em minha mente conturbada foi que a casa estava sendo invadida, o
que não seria tão improvável dado a situação geral da cidade de pobreza e
criminalidade. Eu então me deitei novamente, fingindo estar dormindo, mas com
ouvidos atentos para notar se ainda havia algum tipo de movimentação na casa.
Passou-se pouco tempo e não pude escutar nada, ainda estava em silêncio, minha
mente ainda estava processando o horror que presenciei à pouco tempo. Após
perceber que o som poderia ter sido algo de minha cabeça, me sentei na cama
novamente e comecei a escrever tudo que tinha lembrado daquele pesadelo
permanente que ainda estava vivendo dentro de minhas memórias. O monólito, as
pinturas, a cratera, o meteoro, a coisa, os vislumbres e a frase profana que foi ditada
pela aberração cósmica. Me recompus e olhei o relógio de bolso que tinha trazido, eu
tinha ido dormir talvez umas 00:20 AM e eram 02:37 AM se não me engano. Havia
dormido pouco, mas estava sem vontade de voltar a dormir, tudo isso estava sendo
demais para mim e tinha que pelo menos organizar as ideias e tentar entender as
metáforas e simbologias daquele mundo perverso dos sonhos.

Coloquei uma roupa simples, uma camisa social de mangas atadas e uma calça,
vesti meus sapatos e peguei minha carteira e outros utensílios essenciais. Me dirigi até
a porta do quarto velho que estava dormindo e abri a porta, tudo estava normal, o
corredor estava limpo, tudo estava silencioso, o som da chuva ainda batia na janela ao
meu lado esquerdo do corredor, e logo que olhei para a direita onde seria o caminho
para as escadarias, percebi que o quarto de meu amigo estava aberto e o quarto que
anteriormente estava trancado, agora também tinha uma passagem entreaberta.
Estava receoso de invadir o espaço pessoal de meu amigo, mas queria checar se não
havia nenhum invasor de propriedades ali por perto. Me dirigi então até o quarto de
Martin, mas não havia ninguém por lá, Martin não estava ali e sua cama estava
desarrumada. No momento eu pensei que ele estivesse pela cozinha, talvez ele tenha
ido para algum outro cômodo e foi tomar um ar ao lado de fora da casa e logo voltou.
Me virei e olhei para dentro do quarto que antes vi trancado, ele era mais escuro e
sujo, a madeira era ainda mais enegrecida e a luz que vinha de lá era de velas
suntuosas. Eu pensei na possibilidade de Martin estar por ali e dei poucos passos
dentro da sala, e foi então que o início do horror tangível começou.

Capítulo IV

O Horror de Outro Mundo...

O quarto era sujo, mas não por poeira ou sujeira propriamente dita, mas sim sujo de
tinta, havia um grande quadro em cima de um cavalete de pintura mas que estava
sendo coberto por um pano preto. O quarto tinha também algumas mesas com
objetos de artes como pincéis, tintas em potes, panos, água e etc. Ao lado dessas
mesas havia uma que se parecia mais com uma mesa de escritório, tinha gavetas e em
cima dela pude notar a presença de papéis em branco e objetos de escrita. Mas, havia
algo estranho, tinha um diário de capa lisa e escura com o nome “Martin J. Fletcher”,
nome de meu amigo. Em cima do diário havia uma chave dourada com um papel
preso que estava escrito "Gaveta 1", a única gaveta com uma fechadura era justamente
a primeira. O que fiz foi pegar o diário e em uma rápida folheada pude ler que era
apenas um diário comum de Martin, ele se estendia desde o ensino médio até os dias
de hoje, obviamente, alguns dias passavam em branco, mas nao tinha muito interesse
ainda no diário então o deixei para depois e fui investigar a gaveta pois sentia uma
curiosidade estranha vinda diretamente desse espaço. Eu abri e percebi dezenas de
jornais e alguns recortes de matérias e títulos. Peguei alguns desses jornais e tomei um
susto ao ver que abaixo deles havia um livro, mas logo que reparei melhor na capa
deste manuscrito, senti uma repulsa extrema ao ver que o livro retratava uma cara
humana distorcida e horrenda, a capa parecia ter sido moldada com algum tipo de
pele suína ou de outro animal, e havia buracos para os olhos e narinas com alguns
dentes humanos formando uma espécie de boca. Eu me arrepiei ao ver que abaixo
dessa capa grotesca havia o nome, "Necronomicon". Eu peguei o livro com um mau
pressentimento, o rosto assustador que tinha sido moldado de uma forma horrenda
parecia me encarar com um sentimento de desprezo ou medo. Eu abri a bíblia
profanada e dei de cara com a primeira página, me arrepiei e engoli em seco quando
percebi que tinha o nome "Abdul Alhazred" gravado naquele papel amarelado e sujo.

Não queria lembrar de mais nada daquela coisa. O motivo de minha instabilidade
mental está escrito com tinta preta naquele amontoado de loucura e caos. Toda a
verdade estava dita ali, naquele único objeto, naquelas páginas, naqueles desenhos,
naqueles cânticos e naqueles deuses. Quero compartilhar os horrores que conheci
naquele acervo de demônios, mas pouparei de muitos detalhes, não quero trazer mais
ninguém ao mesmo fim que terei. Durante toda a nossa vida, durante todo esse
tempo, nós fomos apenas crias indesejadas, uma espécie de piada de seres muito
maiores que nos odeiam e querem nos ver escravizados ou extintos. Deuses Antigos,
Deuses Exteriores, dezenas deles rondam os pontos mais obscuros do universo à
procura de uma razão, um motivo para tudo isso, um passatempo. Azatoth, o Deus
Idiota ou o Caos Primordial. Azathoth rege o trono desse panteão demoníaco, ele é o
líder de todas essas crias místicas e perversas, é ele quem criou o universo e é ele quem
pode destruí-lo. Yog-Sothoth, a Chave e o Portão. Yog-Sothoth é o responsável por
tomar conta de todo o conhecimento e toda estrutura do espaço-tempo e da
realidade. Nyarlathotep, o Caos Rastejante, a Língua Sangrenta ou o Demônio
Negro. Ele é o mensageiro, ele quem faz as vontades de Azathoth, ele é o que mais
interage com as espécies mortais e por algum motivo tem um grande interesse nos
humanos. E finalmente, Cthulhu, o Deus Adormecido. Ele é quem dorme debaixo
do mais profundo calabouço do oceano pacífico, a cidade afundada de R'lyeh. Ele é
um Grande Antigo, e é o ser que trará o apocalipse consigo quando os planetas
estiverem alinhados, ele acordará de seu sono eterno e junto de suas crias profundas,
escravizará toda a humanidade. Esse enorme panteão de deuses odiosos, continham
ainda mais criaturas e seres distantes, até mesmo citações de raças alienígenas vivendo
em planetas próximos ao nosso; por exemplo em Plutão, o planeta Yuggoth. Tudo
nasceu das vontades desses deuses e tudo vem das vontades deles.

Nada parecia fazer sentido naquele lugar, eu estava suando e tremendo enquanto
lia aquelas balbúrdias de um homem louco. Pela minha cabeça se passavam milhares
de possibilidades, milhares de contradições e questionamentos, mas, tudo estava ali,
descrito em poucos parágrafos. A verdade de nossa existência cômica é que ela é
realmente uma piada, nada faz sentido e nada é realmente importante, pois tudo
acabará quando Cthulhu acordar e os planetas estiverem alinhados. Todas essas
questões ecoavam e batiam na minha cabeça, estava finalmente adentrando cada vez
mais o poço sem fundo da loucura, onde não haveria mais volta para tudo que acabei
de ler e conhecer. Mas, os resquícios de sanidade ainda perduraram somente até eu
virar a página e ler sobre um ser familiar, algo que já tinha visto em vislumbres e
projeções de minha mente durante o mundo caótico dos sonhos. Northquah, a Cria
sem Rosto.

A noite ainda estava escura, a chuva parecia ficar cada vez mais torrencial e
agressiva, o clima frio não interrompia o suor gélido e genuíno de pavor que escorria
pela minha testa. Estava ofegante e antes de ler eu olhei novamente para a porta e me
tranquei no quarto, com um medo e paranoia de estar sendo observado ou sendo
escutado pelo meu amigo. Eu me sentei na cadeira atrás da mesa e me posicionei bem.
Já estava afundo demais para recuar e estava apavorado e ao mesmo tempo confuso
com o desenho de uma criatura bulbosa e parecida com um polvo e com
características de alce com asas abaixo de seu braço, muito parecida com as asas de um
morcego.

O Grande Antigo nasceu de uma semente de Cthulhu enquanto ele ainda vagava
pelo espaço vazio e recém nascido do universo e a semente germinou durante
milhares de anos dentro de um meteoro na órbita de Júpiter cujo esse mesmo
meteoro tinha sua estrutura formada de um material sólido com uma cor plasmática
e esverdeada e feito por químicos inexistentes no planeta Terra e até então nunca
visto pela raça humana até os dias de hoje. Northquah cresceu durante milênios
dentro da rocha e desenvolveu habilidades telepáticas e oníricas, influência de seu
"pai", o Deus adormecido que nesse ponto já havia chegado na terra e reinava naquele
monte de água e destruição. O Deus sem Rosto só chegou a ter consciência após os
primeiros humanos nascerem na terra, mas ele ainda não tinha uma razão pela sua
existência e isso lhe causava frustração, ele ansiava o momento de sua liberdade pois
queria vagar pelo cosmo à procura de uma motivo para tudo isso. Enfim, após
milhares e bilhões de anos, Northquah acabou caindo na atmosfera da Terra, mais
especificamente na América do Norte na região onde viria a ser os Estados Unidos da
América. Não foi descrito quando isso ocorreu, mas em 1492, quando a América foi
descoberta, Northquah já estava lá, hibernando e esperando o momento certo. Não
se sabe a razão, mas Northquah só despertou nos anos de 1590-1610, quando a
guerra contra os indígenas começou.

Os canacas da tribo Nafhyi, encontraram o Deus sem rumo quando um de seus


homens estava caçando e viu uma grande cratera ao redor de uma grande rocha de
material exterior. Todos da tribos ficaram sabendo e foram olhar a coisa de fora da
Terra, foi então que Northquah fez seu primeiro contato após milênios, com sons
agudos dentro do meteoro e mais tarde se fazendo presente nos sonhos dos indígenas.
Não se sabe o porquê mas a tribo viu a coisa como um deus benevolente da floresta,
em seus sonhos a coisa mostrava uma grande quantidade de alimento nas florestas ao
redor da cratera e uma exacerbada quantidade de animais perambulando entre as
árvores. O líder da tribo ordenou que começassem a adorar a divindade e foi o que
fizeram, canções, orações, sacrifícios, tudo que podiam fazer, eles fizeram para agradar
a divindade. Northquah fez o que pediram, a pesca se tornou um dos principais
meios de recurso de alimentação da tribo, além da caça aos animais, que em sua
maioria eram cervos e veados. Northquah pareceu ter finalmente encontrado sentido
naquilo tudo, ele estava satisfeito e se sentiu importante. Mas, acabou descobrindo
por meios desconhecidos que Cthulhu jazia naquele mesmo planeta, em uma cidade
afundada no pacífico, o que deixou o deus de tinta furioso. Ele soube que Cthulhu
acordaria no momento certo e na data certa, exatamente quando os planetas
estivessem alinhados e quando Atlach-Nacha tecesse a Grande Teia, que anunciaria o
fim dos tempos, e ele guardou isso em sua mente profana.

Em uma noite, o líder da tribo foi chamado pelo deus sem rosto em seu sonho, ele
dizia que tinha um dever para cada um que quisesse se juntar ao deus em seu plano
final. Eles deveriam passar por uma transformação e jurar a total submissão à
divindade, eles ficariam mais fortes e conseguiriam contra-atacar os americanos que
naquela época já tinham estabelecido a cidade de Arkham como um posto avançado
contra os canacas. O líder começou a pegar cada vez mais pesado com as adorações e
ordenou que esculpissem um monólito no centro da tribo com figuras que ele tinha
visto em seu sonho, os artistas da vila o fizeram, e dezenas de figuras metafóricas e sem
sentido foram esculpidas. Um altar de pedra foi criado em frente ao monólito onde
seriam feitos os sacrifícios e adorações, e em frente ao altar foi onde decidiram
desenhar o deus sem rosto com tintas de sangue e horror

Capítulo V

A Verdade nas Cores...

Me estremeci por inteiro e senti uma vontade extrema de vomitar e sensações de


enjoo. Minha cabeça doía e meus braços estavam trêmulos, não conseguia mais ler
nada que estava escrito ali, só de assimilar as visões do líder da vila com o meu sonho
recente, me causava um terror extremo e uma suposição de que esse deus estivesse
fazendo o mesmo que fez com o índio louco, só que dessa vez, comigo. Tudo ainda
estava pesando muito em meu cérebro e não estava conseguindo conter tudo aquilo,
eu tinha que vomitar, e foi então que coloquei minha cabeça pro lado de fora da
janela desse quarto e vomitei no beco atrás da casa. Minha garganta estava ardendo e
minha cabeça doía, mas nem isso me poupou de ver algo estranho no horizonte
estilhaçado da chuva. Uma fumaça parecia se levantar ao longe, ao oeste, pude notar
uma vaga iluminação na floresta. Era extremamente difícil de se enxergar, mas o
porto era a área mais aberta e com poucas casas grandes, foi fácil identificar a clareira
no meio das árvores. Me indagava o que podia ser aquilo, mas minha mente só tinha
espaço para a insanidade da verdade. Juntei coragem e me sentei novamente na
cadeira, limpei minha boca e continuei lendo o livro profano. Não se sabe exatamente
o que seria o plano final mencionado pelo Deus sem Rosto. O que se supõe era que
Northquah estaria juntando e criando um exército de criaturas grotescas, para no dia
em que seu pai acordasse, ele também estivesse preparado. Northquah queria
vingança, ele não queria salvar a humanidade, mas sim, destruí-la com suas próprias
mãos. E ele fará quando a data certa chegar, e o despertar dos Antigos acontecer.
Northquah acordará e batalhará contra o Deus Adormecido para garantir a sua
dominância e reinado sobre a humanidade.

A história terminava com os indígenas se escondendo entre as árvores e todas as


noites na floresta escura e sombria da Costa do Diabo, podia-se ouvir o som de gritos e
grunhidos de animais desconhecidos juntamente de cânticos berrados em uma língua
desconhecida. O que me fez lembrar das antigas histórias que meu avô me contava,
algo muito semelhante aquilo. Toda vez que dava lua cheia, eu me escondia debaixo
de minha cama, pois sabia que ouviria os gritos ao longe e dentro da floresta. Era algo
tão próximo que eu ignorava, talvez porque fosse ingênuo e achasse que fosse
somente lobos os animais, mas agora, sabendo de toda a verdade, fingir que aquilo era
só um bando de animais, já não é mais possível.

Sabia que não tinha mais volta. Haviam índios ou criaturas animalescas e grotescas
andando pelas florestas e eu não conseguia parar de pensar nas notícias e assassinatos
que ocorriam por ali no porto de Duncan. Como que esses seres sairiam das árvores
densas e escuras da Costa e viriam para a cidade capturar e sequestrar homens e
mulheres de bem?…Demorei um tempo, mas foi então que uma verdade chocante
me bateu na cabeça. De repente comecei a lacrimejar, meus pelos se arrepiaram, estava
tremendo e sentia uma dor no peito, não física, mas emocional, uma profunda
tristeza. A resposta que veio em minha cabeça, era de que tinham pessoas da cidade
que fariam parte desse culto, participantes ainda não transformados completamente,
que moram no próprio porto ou nas regiões pobres de Duncan. Foi então que me
indaguei, o por quê Martin tinha aquele livro horrendo em sua gaveta? Como ele teve
acesso a um livro tão maligno e perverso como aquele, que continha em suas
gravuras, textos e citações horrendas e segredos obscuros das mais hediondas
criaturas? Eu comecei a me perguntar cada vez mais. Comecei a procurar entre os
jornais, algum recorte sobre o último desaparecimento ou assassinato naquela região,
e por sorte - ou azar - eu consegui encontrar um pedaço de uma matéria de capa do
Duncan News.

“Martha P. Williams - moradora de Arkham é encontrada morta na Dagon Alley na


cidade de Duncan.”

“A polícia suspeita que tenha sido assassinato, mas o principal suspeito alega que tenha
sido suicído.”

“Ela passou o fim de semana na minha casa. Eu acordei no dia seguinte e encontrei ela
em um quarto com uma faca na barriga.'' - disse o pescador Martin James Fletcher,
amigo da vítima.”

Não conseguia acreditar no que estava vendo. Martin havia guardado esses recortes
por algum motivo doentio. Eu senti uma repulsa extrema e um vazio estranho na
mente, pois parei para raciocinar. Martha nunca me disse que visitaria Martin, eles
nunca foram conhecidos, eu só mencionava ele de vez em quando e visitamos Martin
juntos faz anos. Esses jornais não foram publicados em Arkham e ninguém de
Arkham ficou sabendo disso ou mencionou isso. Comecei a me perguntar se a
imprensa não quis mostrar isso ou se não foi mostrado em uma grande quantidade
pois isso afetaria a população ainda mais. Duncan sempre foi muito temida e evitada
por causa de seus sequestros, desaparecimentos e assassinatos constantes. Foi então
que enquanto minhas mãos tremiam e minha garganta se preparava para mais uma
onda de enjôo e vômito. Que meus olhos começaram a caminhar pela sala, analisando
tudo que vi. Parei para olhar o chão, em um ato de desvario e tontura. Eu não devia
ter feito isso, pois foi por causa disso que eu vi todas aquelas cenas horríveis que eu
estaria por ver. Pude enxergar que no piso de madeira velha e escura totalmente suja
do quarto de pintura, havia manchas de sangue seco.
No mesmo instante eu entrei em negação. Não podia acreditar naquilo. A
suposição de que Martin talvez fizesse parte ou fosse filiado com algum tipo de culto
ou organização pagã ou até mesmo grupos criminosos, me fez cair de joelhos. De
quem era aquele sangue? Por que ele estava justamente embaixo do quadro
escondido pelo pano preto? Por que tudo aquilo estava acontecendo? Eu só queria
visitar um colega, mas acabei encontrando apenas o mais puro e horrendo terror. para
que servia toda aquela sala eu não sabia, mas estava despedaçado por tudo que estava
ao meu redor. Queria achar que aquilo tudo não se passava apenas de uma grande
mentira e grandes coincidências. Mas, como eu já disse, não dava mais. Tudo estava
ali na minha frente, todas as provas e pistas de que Martin talvez não fosse quem ele
era antes.

O homem alegre e carismático, talvez na verdade fosse um maníaco sequestrador ou


apenas um homem louco que teve sua mente corrompida por causa de religiosos
indígenas e criaturas monstruosas. Estava sentindo raiva e tristeza, ao mesmo tempo,
pois queria explicações para todas as minhas perguntas, mas não conseguia encontrar.
Eu tomei postura somente alguns minutos depois, quando um trovão despertou
novamente meus sentidos e tomei coragem para ver o que diabos Martin estava
pintando esse tempo todo. Me levantei de forma descuidada e tonta, mas ainda com
meus sentidos aguçados. Lentamente me aproximando do quadro, comecei a sentir
um medo, talvez de preocupação de talvez ver algo que não queria ver naquele
quadro escondido, ou talvez de pressentir que encontraria a verdade para minhas
mentiras. Eu toquei o pano com sutileza e percebi que ainda estava tremendo. Em
um movimento brusco, rapidamente puxei o pano escuro de tecidos podres. Era de se
esperar que uma mente doentia como a de meu ex amigo fosse fazer algo como
aquilo. Eu sabia que não veria algo bom, já conseguia imaginar o que uma pessoa
insana desenharia com aquela concepção de horror.

O quadro branco e emoldurado tinha no meio um desenho feito com tintas a óleo.
O cheiro pútrido de mofo subiu após alguns segundos tentando compreender aquela
imagem distorcida mas com uma grande maestria em alguns de seus traços, porém,
em outras partes era desenhado com uma força bruta, quase perfurando a tela, como
se estivesse se forçando a fazer aqueles traços perfeitamente. Eu não conseguia
entender no início o que estava sendo representado pela pintura. Fiquei analisando
por inúmeros minutos, cada parte daquela coisa. A figura em si foi feita com base
somente em seu protótipo de rosto e seu pescoço, cujas mesmas partes eram
extremamente enigmáticas e com diversas anatomias estranhas e sem coesão artística.
O rosto parece que foi sendo moldado perfeitamente e depois estragado com um
banho de tinta sem cuidado, pois era uma bagunça de informações e cores. Mas foi
então, só após exatos 10 minutos analisando aquilo, em um ambiente silencioso e
mórbido, cujo sons eram abafados pela cacofonia da chuva forte que batia no vidro
da janela. Pude finalmente entender a figura, dessa vez, muito mais horrível. Os seus
olhos são quase impossíveis de não reconhecer e de se lembrar, pois eram as únicas
partes ainda intactas naquela bagunça de tintas. A sua boca extensa que dividia a sua
cara, os tentáculos e cascos que tinham no topo de sua cabeça, juntamente de pus
espalhado em bolhas grotescas representadas por colorações roxas e esverdeadas. A
representação do plasma que era formado naquela coisa, a estrutura sem sentido de
sua face, as inúmeras guelras em seu pescoço entre outras características nojentas e
repulsivas. Era óbvio para mim, que aquela pintura horrenda se tratava da coisa que
me perseguia nos sonhos e que agora me atormentava em vida. Mas, o que mais me
chocou e me pôs novamente no estado catatônico, foi a percepção aguçada que tive
em meio aquele caos inundado de perguntas. Abaixo do ombro esquerdo da coisa, eu
vi uma estranha marca branca em uma espécie de padrão, como se fosse letras. Me
aproximei o bastante para tentar ler o que quer que estivesse escrito naquela
escuridão vasta de colorações. Já não consegui mais me conter. Eu gritei
desesperadamente, mesmo naquela hora da noite, enquanto os corvos gralhavam e a
chuva parecia arranhar a janela. Eu gritei em pleno pulmões, pois não estava
acreditando no que estava presenciando. Aquelas letras brancas, eram na verdade
uma assinatura, como o nome “Martha Williams.”

Capítulo VI

O Caderno de um Louco...

Já estava claro, Martin de alguma forma estava envolvido com aquela criatura
ancestral cósmica e com o desaparecimento - agora assasinato - de minha mulher.
Martin talvez fosse um louco, um adorador, um homem procurando respostas, mas
não conseguia entender. O por quê ele faria uma coisa tão horrível e desumana como
matar uma mulher? Por que ele guardava aqueles recortes? Por que diabos ele estava
tão obcecado por aquela criatura? E por que Martha a pintou naquele quadro
maldito? Novamente, aquelas mesmas perguntas ecoavam em minha mente já
tomada pela incerteza e o início da pré insanidade. Eu me vi tomado por perguntas,
mas sem nenhuma resposta, eu não tinha ninguém ali além de meu próprio ser.
Tudo que consegui fazer foi encostar as minhas costas na parede e deslizar em um
estado vazio até o chão gelado e fedorento. Meus olhos caminharam mais uma vez
pela sala, procurando mais alguma fonte de esclarecimento. E foi então que lembrei
do diário, e me lembrei também que o dia mais recente que tinha lá, era o dia de
ontem. Então me levantei em uma explosão de adrenalina e raiva, procurei em cima
da mesa, e peguei o caderno negro, que continha todo o cotidiano daquele homem
que nesse momento já considerava um maníaco e degenerado. Já nem me importava
em sentar, apenas abri o livro o mais rápido possível e comecei a ler cada parágrafo,
cada frase, cada palavra e cada letra escrita pelo maldito do Martin.

O diário começava no ano de 1913, quando Martin tinha 19 anos, um ano


atrasado. Estávamos prestes a acabar o ensino secundário, e Martin parecia estar triste
com a nossa separação já que a família dele planejava se mudar para Salsbury, uma
cidade relativamente próxima de Duncan e bem afastada de Arkham. Ele decidiu
anotar tudo neste diário, pois assim ele não se sentiria tão só. E por longos dias ele
começou a contar sobre cada coisa que acontecia em sua vida, desde um homem que
lhe cumprimentou na rua, até o fato dele ter visto um esquilo que carregava muitas
nozes em sua boca e que ele achou incrível. Pulei inúmeras páginas e durante um
certo tempo, houve uma época que Martin não escreveu mais nada. Muito
provavelmente deve ter arranjado algum emprego ou percebeu que aquilo era
ridículo demais para um homem já adulto como ele. Eu virei diversas páginas em
branco, todas encardidas com algum tipo de líquido, muito provavelmente café ou
chá. Até que finalmente chegou no dia 17 de março de 1930, época em que Martin
havia acabado de se mudar para Duncan. A partir desta página, Martin começou a
descrever os primeiros momentos estranhos que começaram a rondar a sua vida.

Martin conta que viu o anúncio da casa em uma rua de Salsbury, com um número
de telefone e um endereço, Duncan - Dagon Alley. Ele ligou para o proprietário da
casa, e após alguns minutos um funcionário de uma imobiliária o atendeu. Martin
disse que tinha o interesse na casa referida no anúncio e dizia que queria marcar
algum dia para averiguar as condições da mesma entre outras coisas. A imobiliária no
mesmo momento o avisou que a casa era perigosa pois todos os relatos vindos
daquela região, eram sempre relacionados com desaparecimentos, e mencionaram
também que o último morador da casa havia sumido algumas semanas após fazer
reclamações com a polícia, dizendo que estava sendo perseguido entre outras
balbúrdias que somente um louco falaria. Martin confirmou com a imobiliária que
iria pensar mas que ela deveria anotar o nome dele pois ainda estava interessado.
Durante alguns dias, Martin ficou pensando e conversando com Elisa sobre se
mudarem para Duncan pois soube que a pescaria era o que mais rendia, antes de
lojistas e artesãos, além de policiais e delegados. Martin prometeu à Elisa milhares de
coisas, pois realmente estava animado com a possibilidade de alavancar sua vida
apenas se mudando. A esposa de Martin sempre foi muito bondosa, e mesmo incerta
com essa mudança súbita, ela aceitou a proposta, mas queria primeiro ver a casa, para
ter realmente certeza sobre isso.

Eles marcaram com a imobiliária para visitar a casa no dia 19 de março de 1930, e
assim fizeram. Eles arrumaram suas coisas, pegaram suas malas, e partiram em uma
tarde chuvosa e chegaram somente à noite. Tiveram a primeira impressão horrível
sobre a cidade de Duncan, passaram pelos becos escuros e ocupados por mendigos
feiosos e aberrantes e chegaram na beira do porto de Duncan, na Dagon Alley. Um
representante e o responsável por mostrar a casa para os mesmo já estava ali, e os
cumprimentou com um grande carisma. Ele os alertou novamente sobre os horrores
que haviam por ali frequentemente, mas Martin estava encantado somente com a
quantidade absurda de peixes que alguns pescadores traziam apressados na noite, cuja
maioria tinha grandes capuzes cobrindo seus rostos e Martin jurava ter visto a
aparência de um alce na face de um deles. Logo que ele entrou na casa, notou que ela
era grande demais por fora, mas pequena demais por dentro. Os cantos de suas
paredes pareciam errados e de vez em quando mostravam formas incorretas como
quinas redondas e corredores em zig zag. O cheiro que se mostrava presente era o
cheiro comum de maresia do mar mas de vez em quando ele descrevia um cheiro
podre vindo de algum lugar da casa, mas não sabia aonde. O piso do primeiro andar
rangia horrores, diferente do segundo e do terceiro andar. Os quartos estavam todos
vazios e todos eram bem suntuosos e o terceiro andar era algo como um sótão, onde
várias caixas com alguns itens do dono antigo ainda estavam por ali. A casa era
extremamente aconchegante e as poucas decorações deixadas eram a principal atração
para Elisa que amou o lugar. Martin confirmou com o imobiliário que ficaria com a
casa e disse que queria assinar tudo ali mesmo. E assim Martin assinou o contrato
com o inominável horror que estaria por vir.

Em alguns dias, ele e sua mulher começaram as mudanças, colocando mais móveis e
decorações que tinham na sua casa anterior. Em uma certa noite, no dia 23 de março
de 1930, Martin alega que durante o jantar, eles puderam escutar ao longe o som de
gritos e uma estranha luz no meio da floresta da Costa ao oeste. Na mesma noite eles
foram dormir cedo, se perguntando se fosse somente a confusão da distância ou os
gritos reais de alguém. Martin contou que os gritos continuaram, e a clareira parecia
ficar cada vez maior conforme o tempo passava. Quando ele foi dormir, presenciou
aquela mesma cena que eu viria a presenciar 7 anos depois. A criatura, na mesma
forma, descrita em perfeitos detalhes e perfeita coesão com o meu sonho. Ele anotou
tudo no diário logo após acordar em um frenesi atordoante, tomado pelo medo e
pelo início de seus infinitos pesadelos. Justamente como eu. Na manhã seguinte ele
comentou sobre o seu sonho com a sua mulher que disse que foi muito
provavelmente só um pesadelo ruim e que todos de vez em quando tinham um
pesadelo como esse. Mas, Martin não achava que fosse somente coisa de sua mente já
envelhecida. Ele tinha seus 36 anos mas já batia mal da cabeça, desde sempre foi um
homem estranho, pois tinha surtos de raiva frequentes, coisa que somente Elisa
conseguia curar.

Durante todo o dia, durante toda noite, Martin ficou alerta. Ele foi pescar naquele
mar cinzento e escuro, e toda hora ele olhava para a floresta, lembrando da clareira e
sentindo algo ruim toda vez que anoitecia ou quando os pescadores voltavam com
seus barcos sujos e repletos de cracas. Passou-se uma semana e Elisa começou a
reclamar sobre o cheiro ruim em sua casa, um cheiro ruim de podre vindo do
primeiro andar. Martin sempre dizia que iria averiguar mas sempre acabava
esquecendo. Só decidiu acabar com esse problema quando chegou da pescaria e o
cheiro invadiu as suas narinas a ponto de fazê-lo lacrimejar e correr pelo primeiro
andar somente para não sentir aquele fedor insuportável. Tomou um banho quente,
se arrumou e disse para Elisa que iria olhar de onde estava vindo o mal cheiro pois ele
já não aguentava mais. Começou então procurando na lavanderia, no quintal, na
despensa, e foi na cozinha que ele pareceu perceber a direção de origem do cheiro.
Parecia indicar o porão, local que ficava devidamente escondido na cozinha em um
alçapão abaixo da geladeira. Ele tentou abrir, mas estava trancado. Ele avisou para
Elisa e a informou que iria fazer uma chave para aquela porta.

Passou-se mais alguns dias, e o cheiro começou a se intensificar. A maioria do


tempo eles passavam somente em seus quartos e só iam para baixo quando fossem
comer, ir ao banheiro ou pegar algo importante. Martin já estava cansado de não
poder ficar justamente no andar onde tinha acabado de colocar sua televisão, objeto
que no momento era o seu mais valioso além de seu carro. Em um certo dia, Elisa
pediu para Martin arrumar o sótão pois ainda haviam coisas lá para jogar fora que ela
tinha esquecido de tirar. Ele subiu pelo alçapão que fica no teto do corredor e
começou a vasculhar entre as poucas caixas que tinham por ali. Até que ele achou
dentro de uma caixa, um objeto dourado e pequeno, como uma chave. Abaixo da
chave, havia inúmeras anotações, alguns papéis estavam rabiscados completamente e
outros apenas continham palavras sem rumo. Ele pegou a chave e ela batia
exatamente com a fechadura do alçapão, o que fez ele se alegrar no mesmo instante e
gritar para Elisa ao longe que iria finalmente acabar com aquele mal cheiro. Ele bateu
o olho em uma página que o fez pensar duas vezes antes de ir para a cozinha, e o
intrigou ainda mais sobre a origem daquelas anotações. Naquele papel amarelado
havia uma única e grande frase destacada além de uma grande quantidade de palavras
menos acima explicando alguma coisa. Martin fez questão de colar a folha em seu
diário e eu pude ler claramente aquele horror em palavras.

“A cidade inteira está tomada, eles já estão entre nós. Eu procurei demais, e achei
demais. Não podia ter todas essas informações. Eles já sabem quem sou eu. Parece que
sempre fui destinado a isso. Como se tivesse assinado meu atestado de morte quando
comprei essa casa. Não devia ter olhado no porão, eles estavam lá. Eles me viram. Eles
me veem. Tentei avisar os policiais. Eles já estavam transformados. Estão se infiltrando
na cidade. Tudo vai ser tomado por eles. Tudo é deles. Tudo vem deles. Tudo acaba por
eles. Eu já não tenho expectativa de viver. Eles irão me matar antes mesmo de eu fechar
meus olhos e entrar denovo naquele mesmo sonho. Parece que a casa faz isso. Como se
aqui fosse um local amaldiçoado. Quem vive aqui, morre aqui. É a regra. Ele pediu
isso. Para que aqui continuasse sendo um local sagrado. Durante a data certa. 23/04.
Eles irão vir para cá. Não sei quando. Mas eles se reunirão aqui. Eles irão acordá-lo.
Seus cânticos sombrios dizem sobre ele. Seus cânticos sombrios adoram a ele. Seus cânticos
sombrios invocam ele. Iä! Iä! North’quah! Iä! Iä! Cthulhu!

Ph'nglui mglw'nafh North’quah Shugg wgah'nagl fhtagn.”

Capítulo VII

O Último Ritual...

Você também pode gostar