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INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DA SAÚDE-NORTE

BASES BIOPATOLÓGICAS
PARA CURSOS DE
CIÊNCIAS DA SAÚDE

F. Oliveira Torres

Nuno Sampaio

Luis Monteiro

2012
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

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BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

O Homem e o Ambiente - Saúde e Doença

Sumário

- Saúde e doença na perspectiva evolutiva da vida, interrelações e adaptação.

- Energia, matéria e vida. Do "Big Ban" aos elementos químicos que construíram o
universo.

- O Planeta Terra com os seus 4,6 milhões de anos.

- A química da vida na Terra: do metano, azoto, amoníaco e água, que em 1,1 mil
milhões de anos de interrelações, iniciaram a vida. Os aminoácidos e os proteinódes, as
bases púricas e piramídicas e os ácidos nucleidos (RNAs). As organizações proteicas, o
DNA, a vida. Célula e fusão celular.

- O organismo humano, uma das formas de vida na Terra. O elo de ligação das formas
vivas numa evolução de 3,5 mil milhões de anos.

- O organismo humano no todo universal como um conjunto complexo de sistemas.


- Informação dos sistemas. Segundo o princípio da termodinâmica. Sistemas de
equilíbrio. Sistemas homeostáticos.
Sistemas adaptativos ou neguentrópicos, morfostase e morfogénese.

Aquisição de informação: crescimento e adaptação (negação da entropia). Estabilização


(morfostase, equilíbrio e homeostasia). Morte (entropia máxima).

O todo biológico e o indivíduo (individualidade biológica).

Saúde e Doença na perspectiva evolutiva da vida e adaptação.


Saúde- estabilidade adaptativa: equilíbrio, homeostasia, adaptação.
Doença- instabilidade adaptativa, busca de estabilidade.

- A personalidade das formas de vida: a invariabilidade (dependente do DNA, das


superfícies de fronteira, sistema imune e inflamação) e a necessidade de constante
variabilidade (instabilidade adaptativa).

- Estabilidade: saúde. Instabilidade: doença e lesão.

- O ambiente fonte de informação, de variabilidade, de saúde, de doença e de lesão.

- Da química da vida, do caso e da necessidade de interrelações, à estrutura ao


equilíbrio, ao desequilíbrio, à saúde, à doença e à lesão.

- Saúde, doença e lesão, expressões da sistemática biologia adaptativa.

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Objetivos da Biopatologia

- Da filogenia à ontogenia. A ontogenia reproduzindo a filogenia. O desenvolvimento


individual, espelho do desenvolvimento da vida.

- A arquiopatologia.

- As grandes superfícies de fronteira (cutânea, mucosa e endotelial) e sua plasticidade


adaptativa. As células e os sistemas de associação.

- As influências do meio nas superfícies de fronteira: saúde, doença, lesão.

- As principais causas de doença e lesão: trauma, infeção, químicos e radiações.

- Resposta básicas dos tecidos à lesão: imunidade, inflamação e reparação.

- Respostas integradas do organismo ás influências ambienciais: alterações vasculares,


metabólicas, degenerescências e tumores, alterações do desenvolvimento -
envelhecimento.

- O indivíduo, a sua estrutura genética, os seus sistemas e a sua regulação funcional.

- Ajustamento e homeostasia.

- Constituição: genótipo e fenótipo - variações biológicas.

- Constituição antigénica: MHC (Complexo de Histocompatibilidade Major) na saúde e


na doença.

- A doença: sua natureza dependente da causa (etiologia) e da capacidade de resposta


orgânica a suas causas: sintomas e sinais, morfologia, evolução.

- Doença hereditária; Doença genética; Doença congénita; Doença familiar; Doença


adquirida.

- Etiologia; Patogenia; Prognóstico.

- Curso clínico: doença aguda, sub-aguda e crónica. Exarcebações, remissões,


intermitências.

- Doença individual e doença comunitária (epidémica)

- Medicina preventiva

- Doenças da civilização e adaptação. Variabilidade da doença ao longo dos tempos

- Doenças herdadas (doença molecular). Erros inatos do metabolismo.

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- Doenças por bloqueios metabólicos com acumulação de produtos anormais: doenças


das reservas do glicogénio, lipidoses, galactosémia, fenilacetonúria, alcaptonúria, etc...

- Doenças por bloqueios metabólicos com deficiência dos produtos finais: albinismo,
síndrome de Ehlers- Danlos, etc...

- Doenças metabólicas produzindo novos produtos finais: hemoglobinopatias.

- Patologia geográfica

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CAPÍTULO I

A ORGANIZAÇÃO SISTÉMICA ORGÂNICA:


- SUA ORIGEM E SEU DESENVOLVIMENTO

A Biopatologia, estudo das expressões da vida, exige a tentativa de compreender o que


poderá ser a vida. No sentido mais primário, a vida é tudo o que replica, ou seja, se
divide, se renova.

Iniciou-se essa replicação, princípio da vida, há cerca de três mil e seiscentos milhões de
anos, quando a matéria, com origem na energia e constituída apenas por cento e poucos
elementos químicos da tabela de Mendeleev de hoje, determinou matéria de idêntica
estrutura. De então e até agora, com avanços e recuos, temos tudo aquilo que a nossa
visão alcança de diversidade morfológica fantástica, mas, sempre sendo essa
diversidade apenas o resultado dos mesmos compostos químicos, diferentemente
posicionados.

O nada era lei, há dezasseis mil milhões de anos. Energia condensada, em milésimos do
segundo expandiu-se na mais tremenda, e nunca mais igualada das explosões de
partículas energéticas que, dispersas no nada, foram dar origem, por ligações possíveis
entre essas partículas, à matéria. Existindo matéria acabou o nada, passa a haver espaço
e aparece a noção do tempo. Assim surgiu o Universo, que continua em expansão por,
nos seus limites, se continuar a dispersar a energia e a criar matéria, aumentando o
Espaço, à custa do nada.

Onze mil milhões de anos depois do Big Bang, essa tremenda explosão energética,
matéria condensada e em fusão, constituiu o chamado planeta Terra. Em sua superfície
existiam, metano, azoto, amoníaco e vestígios de água. Estes apenas quatro compostos
químicos, em mil e cem milhões de anos, deram origem aos hoje chamados elementos
da tabela de Mendeleev, após um sem número de interrelacionamentos, ocorridos, pelo
acaso da química.

Mais e mais interrelações desses compostos químicos levaram à possibilidade da


replicação da matéria. Criaram a vida que, continuando a interrelacionar-se, jamais
parou de se diversificar, ou seja, jamais parou de criar as formas com as funções mais
consistentes com a persistência dessa vida.

A diversidade nas expressões da vida nunca mais deixou de acontecer. Apenas à


monotonia do ambiente, à pequena variabilidade no ambiente, acontecia monotonia com
pequena variação nas expressões da vida. Assim se passaram três mil milhões de anos
de vida expressa em protistas e unicelulares. Foram vidas livres e independentes,
adaptando-se ás pequenas variações do meio, continuando em equilíbrio com esse meio,
nunca morrendo, por se dividirem em dois descendentes.

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Há quinhentos milhões de anos surge o oxigénio na atmosfera, vindo da água e da


fotossíntese das algas, fora da água estabelecidas. O oxigénio é o primeiro grande
mutante da vida, continuando ainda hoje a sê-lo.

Acontece a diversificação das expressões da vida, qual tronco que se ramifica -


autêntica árvore da vida, com duas grandes vias: a protostómica, que vai até aos
artrópodos e a deuterostómica que vai até às aves e aos mamíferos. Aventuras
ecológicas acontecidas triunfantes, foram geneticamente fixadas, originando formas
anatómicas, onde novas aventuras ecológicas continuaram a acontecer.

Quando o homem se julga o fulcro da evolução da vida e o terminus de uma evolução,


está redondamente enganado. Aquilo que é hoje, esboçou-se apenas há quatro milhões
de anos e só há dois milhões de anos existe como homem. O que virá a ser ele,
submetido a uma exposição ambiental totalmente diferente daquela que o estruturou,
muito mais estimuladora de uma necessária adaptação, daqui a outros dois milhões de
anos? Diverso será de certeza. O que é hoje, não é o que era ontem e não é o que será
amanhã. Nesta constante necessidade adaptativa ao ambiente em mudança, mudança
hoje principalmente ditada pelo próprio homem, reside a expressão da adaptação e da
evolução. É algo de distinto de um equilíbrio entre o organismo e ambiente, e a que
chamamos saúde, para se exprimir morfofuncionalmente diferente e traduzido por
sintomas, sinais, doença e lesão, situações dependentes da busca de um novo equilíbrio.

Com este intróito, muito esquemático, muito rápido e incompleto, onde a diferença
entre proteinoide e proteína, produto do acaso o primeiro, e já de um comando o
segundo (que deveria ser exposto com o surgir das chamadas bases púricas e
pirimidínicas e dos RNAs), temos então a vida, e na sua complexidade, o organismo
humano.

Será então o organismo humano um produto evolutivo, uma associação complexa de


células, não por si originariamente criadas, mas herdadas das formas unicelulares dos
primórdios da vida.

Somos uma associação imensa de células, descendentes desses unicelulares. Por isso as
células que nos constituem, nunca perderam as suas características básicas de adaptação
ao meio, nem as características de defesa que, por si próprias, como unicelulares
conseguiram.

A primeira das propriedades vitais do unicelular é a de poder fazer tudo quanto deseja,
sem ter de dar explicações a mais nenhuma outra célula. Associada, formando os
pluricelulares, como o organismo humano, fica amordaçada, escravizada à forma e à
função que interessa ao equilíbrio do todo orgânico, realizando apenas aquilo que tem
de realizar, para o triunfo da associação celular acontecer, ou seja, o equilíbrio do
organismo com o ambiente.

Associada, escravizada, diferenciada digamos desde já, a célula nunca esqueceu ter sido
um dia isolada e livre, e por isso leva para sempre a capacidade de adaptação, quando
estrutura os pluricelulares.

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A outra propriedade básica das expressões celulares individuais da vida, que nunca mais
se perdeu e se mantém nos pluricelulares, é a propriedade de defesa, iniciada pela
chamada fagocitose e continuada com a elaboração de produtos químicos, hoje
chamadas citocinas. Estas duas propriedades, aparentemente contraditórias, a mudança e
a adaptabilidade por um lado e o da defesa da sua personalidade individual por outro,
nunca as células as perderam, e mantêm-nas hoje nos pluricelulares, numa dinâmica
chamada de diferenciação celular, ou seja, a realização do programa, geneticamente
fixado, necessário para cada célula realizar no todo orgânico.

O que seria a anatomia e fisiologia humana, com os seus duzentos tipos celulares e os
milhões desses tipos derivados, a realizarem tudo o que cada uma pode realizar? Seria o
caos orgânico, seríamos neoplasia dos pés à cabeça e nem mesmo pés e cabeça
conseguiríamos vir a ter.

A "escravatura" da célula é regida pela diferenciação dessa mesma célula, ou seja, pela
sua sujeição à forma e à função necessária ao todo. Nunca porém a célula diferenciada
esqueceu ter sido um dia livre. Assim, sem ter perdido a sua capacidade adaptativa,
quando fatores ambientais as agridem no todo orgânico, buscam na adaptação, a sua
sobrevivência. Esta adaptação celular, este estar diferente no todo orgânico, acarreta
profundas consequências, traduzidas em doença e lesão, já que o todo pessoal e
personalizado orgânico, não aceitando diferenças, contra essas diferenças actua.

Apresentada de forma aligeirada a origem do indivíduo humano, temo-lo então como


um conjunto celular diversificado, com a necessidade funcional e morfológica, das
células, para o todo. Temos assim nos pluricelulares as células a nascerem, a cumprirem
o seu dever morfofuncional, ou seja a diferenciar-se, e uma vez cumprido esse
programa, a morrerem e serem substituídas por outras. O que não acontecia no
unicelular livre, passa a acontecer na célula do pluricelular e é a morte.

Portanto toda a célula nasce, vive, trabalhando segundo a sua diferenciação


morfofuncional e morre. Toda esta sequência é geneticamente programada desde o
nascer ao morrer, passando pelo trabalho. As células diferenciam-se segundo o
programa estabelecido no genoma e que é aquele, lá marcado, pela necessidade de ser
esse mesmo, útil para o equilíbrio do organismo no ambiente.

Vamos assim ter células que precisam de possuir uma grande capacidade de divisão -
células móveis ou lábeis, uma menor capacidade de divisão - células fixas ou estáveis
e células com uma quase nula capacidade de divisão - células permanentes.

Vamos ter células a produzirem por exemplo queratina, e outras, insulina, e assim
sucessivamente, por no seu genoma estar activa a sequência que conduz à proteína
queratina e frenada a da insulina, e vice-versa.

Geneticamente programada está a morte celular. A morte celular geneticamente


programada constitui a apoptose.

A apoptose, descoberta em 1972 e desprezada durante mais de vinte anos, constitui um


conhecimento imprescindível, tal é a vastidão da sua importância durante o

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desenvolvimento intrauterino, como ao longo da vida na morfostase, ou seja no


equilíbrio orgânico, na sua renovação e na sua defesa. A apoptose é regulada por um
conjunto génico, a família Bcl2, em que o gene Bcl2 do cromossoma 18 codifica uma
proteína, potente bloqueadora, enquanto outras proteínas da família estimulam a
apoptose. A morte por apoptose programada ainda pela p53 e outros factores génicos,
efetiva-se por meio de enzimas, as caspases, que digerem as células e promovem a
fagocitose. Um recetor celular, " o recetor da morte", o FAS, estimulado por fatores
vários como o fator de necrose tumoral - TNF, promove a estimulação e libertação das
caspases. Também fatores libertados pelas mitocôndrias (via mitocondrial da apoptose)
possibilitam a libertação das caspases.

A célula do organismo humano é hoje um complexo conjunto de organelos com uma


história de conhecimentos e uma vasta complexidade que pode ser aprendida no livro
"Biologia Celular" de Carlos de Azevedo, edições Lidel, 3ª edição.

A célula tem origem alguns milhões de anos após a origem da vida, quando a química
replicativa, fundamentalmente proteica, mas também glucídica, se rodeou de uma
fronteira lipoproteica e se isolou do ambiente. Isto levou à sua individualização, como a
possibilidade de estabelecer gradientes tensionais distintos, intra e extracelulares,
passíveis de trocas - os hoje chamados canais ou bombas, permitindo a sobrevivência e
a adaptabilidade, ao meio circundante.

São sistemas fundamentais da célula, a membrana com sua composição própria e sua
variabilidade em recetores, que vão ser a base de ligação e funcionamento celular, o
citoplasma, com uma multiplicidade de organelas como as mitocôndrias, o retículo
endoplásmico liso e rugoso, os lisossomas e toda a armação proteica do citoesqueleto. O
equilíbrio funcional destes organelos é imprescindível na formação de energia para a
vida e função celular, para a síntese proteica e para a defesa. Por fim, o núcleo, ou
aparelho nuclear, o governo celular, como o governo da sobrevivência adaptativa e da
evolução, mas também do posicionamento, divisão e função celular.

Alterações de membrana, de mitocôndrias, de lisossomas, do citoesqueleto e do


aparelho nuclear, vão ser responsáveis por características doenças, ao longo do curso,
referidas.

As células ligam-se ás células e ligam-se ao seu suporte estrutural, a chamada matriz


extracelular, paraplasma ou mesênquima, por moléculas químicas, as moléculas de
adesão - a apresentar em algum pormenor no Cap.2 - Estas moléculas de estrutura
química variável, permitem a especificidade da ligação, e logo o posicionamento celular
e portanto a estrutura anatómica, a mobilidade e a facilidade plástica da estrutura, bem
como as trocas entre os meios intra e extracelulares e ainda a diferenciação, ou seja, a
função específica da célula.

Células, matriz extracelular e moléculas de adesão, são componentes estruturais, em


cuja variabilidade e lesão, vai residir a causa de muitas doenças.

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Membrana celular

Os seus principais componentes são lipídeos e proteínas. Dos lipídeos temos


fosfolipídeos, glicolipídeos e colesterol. Os fosfolipideos são importantes na hidrofilia e
hidrofobia celular. As proteínas podem passar através da membrana - proteínas
integrais, ou disporem-se na parte interna e externa da membrana - proteínas periféricas.
A variabilidade da diferenciação das proteínas na superfície celular determina a
especificidade celular, regulada pelo cromossoma 6, na área que constitui o complexo
major da histocompatibilidade MHC, ou HLA, na superfície dos leucócitos.

As proteínas do esqueleto de membrana incluem a anquirina, a proteína 4.1, a espectrina


e a actina. Permitem a modelação da célula e, por exemplo, anormais moléculas de
espectrina, são incapazes da ligação à proteína 4.1, e assim manter a estabilidade do
glóbulo rubro, acarretando a doença chamada esferocitose hereditária.

Mitocôndrias

São as fornecedoras da energia à célula, produzindo trifosfato de adenosina (ATP), por


processos de fosforilação oxidativa. Complexos enzimáticos, localizados na membrana
interna das mitocôndrias, são responsáveis pela fosforilação oxidativa.

A capacidade fosforilativa e de formação de ATP, ou seja, as mitocôndrias, são algo que


enriqueceram a vida, bastante mais tarde, da sua estruturação inicial. Foi apenas quando
a fonte energética da vida primitiva, a via anaeróbica ou fermentativa, ainda hoje em
nós existente e funcionante, foi substituída pela via da aerobiose, ou seja, a via do
aproveitamento do oxigénio, que há cerca de 500 milhões de anos enriqueceu a
atmosfera terrestre. Foi uma aquisição acontecida, distinta do geneticamente codificado
e expresso. Foi uma aquisição independente, com codificação própria, localizada em
cromossomas não nucleares. Estes novos genes constituem o ADN mitocondrial,
responsável pelas enzimas que intervêm na fosforilação oxidativa, e logo, na síntese do
ATP. Todas as células do organismo exigem esta fonte energética e logo que haja
deficiências nas enzimas mitocondriais, responsáveis pela energia, há graves lesões no
sistema nervoso central - caso da síndrome de Reye, no fígado, no músculo (miopatias
mitocôndriais), como oftalmoplegias.

Anomalias mitocondriais traduzem-se por alterações no tamanho, forma e número, pelo


aparecimento de inclusões como calcificações e cristais, ou pela ação de toxinas
inibidoras da fosforilação oxidativa. Outra anomalia é o aumento do número de
mitocôndrias, constituindo as chamadas "células oncocíticas".

O síndroma de Reye aparece em crianças na sequência de infeções víricas e ingestão de


aspirina. Há encefalopatia microvesicular, degenerecência gorda do fígado e
disseminada alteração mitocondrial, com mitocôndrias muito ramificadas.

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Lisossomas

São organelos celulares com diferentes tipos de potentes enzimas, muitas delas ativas
em meio ácido (hidrolases acídicas). São sintetizadas no retículo endoplásmico rugoso,
acumulam-se no aparelho de Golgi e são transportados sob a forma de vesículas para o
citoplasma. As vesículas envolvidas por uma cápsula própria, constituem os lisossomas
primários. Os lisossomas têm funções de ingerir e degradar produtos extracelulares
(heterofagia) e degradar organelos intracelulares (autofagia). Anormalidades na
heterofagia vão interferir com a dinâmica inflamatória (fagocitose). Anormalidades na
autofagia vão ser responsáveis pelas chamadas doenças lisossómicas, de que falaremos
no capítulo 13.

Citoesqueleto

O citoesqueleto é constituído por microtúbulos, filamentos actínicos, filamentos


miosínicos e várias classes de filamentos intermediários. Os filamentos intermediários,
por imunohistoquímica, distinguem-se em filamentos de queratina, neurofílamentos,
filamentos gliais, vimentina e desmina, e têm por função suportarem os organelos
celulares no citoplasma.

Ligações cruzadas de filamentos intermediários neuronais interferem com a dinâmica do


citoesqueleto, alteram axónios e dendritos e são a causa da demência pré-senil,
característica da doença de Alzheimer.

Anomalias do citoesqueleto alteram a fagocitose e acarretam a imobilidade dos cílios,


com infeção respiratória, esterilidade masculina e "situs inversus" - Síndroma de
Kartagener.

Retículo endoplasmático

O retículo endoplásmico liso está especializado no metabolismo dos lipídeos, síntese de


hormonas esteróides em células próprias e de lipoproteínas no fígado.

O retículo endoplásmico rugoso é principalmente responsável pela síntese de proteínas


ciloplasmáticas, quer livres no citosol, quer contidas em cisternas. É o formador das
proteínas de membranas e vários outros tipos de proteínas.

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CAPÍTULO II

O HOMEM E O AMBIENTE - SAÚDE E DOENÇA

Falamos na origem da vida, sua diversidade e no homem, sua estrutura celular e


diferenciação.

As células com diferenciação morfofuncional possuem a capacidade maior ou menor de,


em ambiente diversificado, poderem captar estímulos e informação e integrar esta
informação com maior ou menor facilidade, segundo o tipo celular, ou seja, a sua
capacidade maior ou menor de divisão. A informação é tudo o que existe no ambiente
com possibilidade de ser captado pela célula e ser trabalhado por essa mesma célula.
Todo o trabalho de informação acontece no genoma e toda a informação genómica
adquirida pode matar a célula, pode ficar apenas como reserva génica e nunca se vir a
exprimir ou pode mudar o programa de diferenciação da célula, estabelecendo novas
formas e novas funções.

A fase crítica da célula, para aquisição de informação ambiental no seu genoma, é a fase
do ciclo de divisão celular, a fase de replicação do ADN. Sendo assim, quanto mais
facilmente e mais vezes uma célula se dividir, mais fácil será a aquisição de informação
por parte da célula, enquanto em toda a célula de muito difícil divisão, rara ou nula será
a informação adquirida.

Vamos assim, na estruturação sistémica orgânica, possuir três grandes tipos de sistemas
em relação aos três grandes tipos celulares relacionados com a capacidade de divisão,
ou seja, a presença de células com grande capacidade de divisão - células móveis ou
lábeis; células com menos capacidade de divisão - células fixas ou estáveis; e células
com nula ou quase nula capacidade de divisão - células permanentes.

Assim, numa perspectiva de organização sistémica funcional, podemos referir ser o


organismo constituído por três grandes tipos de sistemas.

Sistemas de equilíbrio serão formados por células permanentes que, com muito escassa
ou nula capacidade de divisão, não captam informação, não modificam a sua
composição, não criam formas novas, mantendo constante a sua diferenciação
morfológica e funcional. O sistema ósseo e muscular são característicos sistemas de
equilíbrio.

Sistemas homeostáticos são todos aqueles que possuem capacidade de aquisição de


informação e com ela passarem a uma hiperactividade funcional, capaz de modelar a
informação e assim voltarem à anterior situação de equilíbrio. É um característico
sistema homeostático o sistema cardiovascular que, perante uma informação (caso de
um agente biológico patogénico) vai, modificando o seu equilíbrio, trabalhar em
condições hiperfuncionais facilitadoras do estabelecimento de uma dinâmica de defesa,
para anular o agente de lesão (informação) e depois repor o normal equilíbrio

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anteriormente existente. Na fase hiperfuncional o sistema exprime sintomas e sinais


como cefaleias, febre, aumento do número de batimentos cardíacos e acontece assim,
aquilo a que chamamos doença. Doença, a manter-se como necessária, até o novo
equilíbrio ser conseguido, ou seja, se regresse ao estado de saúde. Teremos assim como
os sistemas homeostáticos, de que outros exemplos serão o aparelho respiratório e até o
renal, em estimulação, podem apresentam características clínicas de doença.

Esta é felizmente a mais frequente das causas de doença, ou seja, doença, capacidade
reativa para se voltar ao equilíbrio, o estado de saúde. Fazer febre e tossir são
expressões de defesa, necessárias para a efetivação dessa defesa. Nunca as anular, sem
saber primeiro porque se tem febre e se tosse.

Sistemas adaptativos englobam estruturas formadas por células com grande


capacidade de divisão e logo grande capacidade de captação de informação. Negam,
impedem o estabelecimento da entropia, e também por isso se chamam neguentrópicos.
A entropia de um sistema é o zero absoluto, o equilíbrio negativo a que, pelo chamado
segundo princípio da termodinâmica - num sistema fechado tudo tende para o
equilíbrio, tudo quanto no sistema fechado que é o Universo existe, para o zero absoluto
tende. Só a energia e à custa da energia, as formas vivas negam a entropia e contrariam
o segundo princípio da termodinâmica. A vida existe na Terra, subsistema do Universo,
à custa de energia. A célula vive enquanto tiver energia. Crescemos negando a entropia.
Morremos por termos atingido a entropia máxima. A geleira de nossas casas só arrefece
à custa de energia elétrica. Faltando, partículas frias e quentes misturam-se e pouco
depois, dentro e fora da geleira, a temperatura iguala-se. É o equilíbrio a que tudo está
votado, se se não produzir e conseguir energia para vencer esta lei da física.

São exemplos de sistema adaptativos ou neguentrópicos, as superfícies de fronteira


cutânea e mucosa e os órgãos parenquimatosos. A neguentropia máxima acontece ao
nascer a entropia máxima estabelece-se ao morrer. Durante a vida e ao longo da
evolução reside e residiu a capacidade de criar formas novas que, ao longo dos tempos
se foram estabilizando e aceites como componentes próprios, ganhos adaptativos
normalizados, aventuras ecológicas conseguidas. O sistema adaptativo diz-se por isso,
morfogenético - criador de novas de formas, e morfostático - estabilizador de formas
morfológicas. É sua expressão, na filogenia, (evoluir da vida, evoluir das espécies) toda
a estrutura orgânica que possuímos, é sua expressão na ontogenia ou seja na vida de
cada um, o aparecimento de neoestruturas, neoplasias, tumores, ou expressões reativas
adaptativas a vários fatores do ambiente. Um nódulo da glândula tireoideia será sempre
uma lesão, mas poderá representar uma necessidade de formação de mais hormona
tireoideia e então a adaptação proliferativa que a isso conduz vai permitir que, com um
teor hormonal diferente se obtenha um equilíbrio para aquele organismo e com uma
lesão que é o nódulo, está perfeitamente em saúde, por com ele ter assim conseguido o
equilíbrio hormonal necessário. O nódulo é porém uma lesão, retira-se cirurgicamente, e
aquele organismo passa a estar doente, por ter perdido o equilíbrio que com o nódulo
havia conseguido.

A neoplasia maligna é uma das mais francas expressões morfogenéticas dos sistemas
adaptativos. Vai matar o seu portador, mas na sua génese porta a capacidade da criação
de novas formas adaptativas, úteis à vida das espécies.

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O bacilo da tuberculose invadindo o organismo é informação que vai determinar uma


proliferação de macrófagos e linfócitos, impedindo a divisão do bacilo. Vai formar-se
uma lesão tuberculosa, o granuloma tuberculoso, mas como o bacilo fica impedido de se
dividir não haverá doença tuberculosa. É um franco exemplo, existente em quase todos
nós, de lesão sem doença.

Teremos assim que, na perspectiva de estruturação sistémica orgânica e suas relações


com o ambiente, saúde será a expressão do equilíbrio sistémico com esse ambiente e
doença poderá ser compreendida como necessidade de desequilíbrio sistémico, criador
de condições para o estabelecimento de novo equilíbrio - Saúde. Já o referimos ser,
nesta perspectiva, doença a capacidade de se voltar a ter saúde. É a chamada doença
reativa, a mais frequentemente acontecida. É claro que doença é também incapacidade
de reação, e nesse sentido rapidamente a entropia aumenta e atinge o seu máximo com a
morte. Também doença e lesão podem ser o resultado da capacidade adaptativa dos
sistemas adaptativos.

Temos então o organismo humano produto da evolução filogenética com milhões de


milhões de anos e temos a sua actual organização estabelecida no desenvolvimento
individual - ontogenia, desde a união dos gâmetas. Temos o organismo formado por
células ligadas por grandes sistemas de associação como a matriz extracelular, o sistema
vascular, o sistema endócrino e o sistema nervoso.

G2
Células móveis
ou lábeis

Células
S Mitose permanentes

G1

Células fixas
G0
ou estáveis
aveis

Esquema 1 - Ciclo celular

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Moléculas de adesão

A adesão celular é um processo chave no estabelecimento da arquitetura tecidular e na


diferenciação.

Uma vasta gama de moléculas de adesão se conhece hoje (glicoproteínas


transmembranosas, que incluem moléculas de adesão célula a célula (CAMS) e
moléculas de adesão célula-matriz ou substratos (SAMS). A estrutura, a genética
molecular e a bioquímica destas moléculas, está elucidada e são conhecidas as suas
funções normais.

Conhecem-se cinco famílias de recetores de adesão e que compreendem integrinas,


caderinas, super-família das imunoglobulinas, selectinas e CD44.

Integrinas

São glicoproteínas transmembranosas com cadeias α e β, exprimem-se nas células


epiteliais e noutros tipos celulares. Existem pelo menos 15 diferentes cadeias α e 9
cadeias β, o que permite um considerável número de permutações moleculares.

A maioria das integrinas são SAMS ou seja, funcionam como recetores para proteínas
da matriz extracelular como colagénio, laminina e fibronectina. Algumas possuem
ligações específicas. Assim a α1β1 liga-se à laminina e ao colagénio, a α3β1 liga-se à
laminina, colagénio e fibronectina.

Outras integrinas funcionam como CAMS ou seja funcionam como moléculas de


adesão célula-célula. Encontram-se nos leucócitos mediando ligações heterotípicas
célula-célula, por ligação a alguns dos membros da super-família das imunoglobulinas,
como as moléculas de adesão intercelular ICAM-l, ICAM-2 e vascular VCAM.

As integrinas são capazes de estabelecer ligações a ligandos, a trombospondina,


fibrinogénio e vitronectina, e são importantes na inflamação, na reparação e no
desenvolvimento.

A ligação mais conhecida aos substratos faz-se pela sequência RGD (arginina, glicina,
ácido aspártico), encontrada no colagénio tipo I, laminina, fibronectina, fibronogénio e
vitronectina. Peptideos com estas sequências podem bloquear a ligação de células ás
proteínas extracelulares.
As integrinas desempenham um papel central na adesão celular e migração e a sua
função normal é fulcral na indução e diferenciação de células in vitro. Alteração na
expressão de integrinas ou sua função acontece em tumores e pode ajudar a explicar o
seu comportamento social e de diferenciação, modificado.

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Alterações na expressão integrínica encontram-se em neoplasias malignas epiteliais


como o carcinoma do pulmão, mama, cólon, próstata, estômago, pâncreas, rins e pele. A
redução dos níveis de integrinas é acompanhada de uma diminuição da diferenciação.

Caderinas

São glicoproteínas transmembranosas que medeiam a adesão célula-célula (CAMS) por


meio da dependência em cálcio, em interações homotípicas (moléculas de caderina de
uma célula, ligam-se a moléculas de caderina idênticas de outras células). São as mais
importantes moléculas de adesão célula a célula e quando se exprimem, a inativação das
outras moléculas de adesão é de pouco efeito. As caderinas E e N participam na
formação de junções.

A implicação das caderinas na malignidade, tem sido focada na caderina E. A perda de


caderina E permite ás células adquirirem a capacidade de invadirem os tecidos
mesenquimatosos. A transfeção da caderina E em DNA de linhas celulares de tumores
altamente invasivos epiteliais, leva à perda da capacidade invasiva das células e o
processo é reversível, pela adição de anticorpos anti-caderína E. As células tumorais que
exprimem caderina E não são invasoras, as que não exprimem, são altamente invasoras.
A transfeção de DNA caderina E num carcinoma do cólon pouco diferenciado, inverte a
malignidade do fenótipo.

Superfamília das Imunoglobulinas

São moléculas que têm em comum uma homologia estrutural imunoglobulínica e


consistem em cadeias leves de 70 a 110 aminoácidos formando conjuntos (3. São
importantes na adesão celular e agrupam adesão neural NCAM, intercelular ICAM-1 e
células vasculares VCAM-1 e ainda o antigénio carcinoembrionário (CEA). Como as
caderinas, estas moléculas podem mediar a aderência homotípica como NCAM com
NCAM ou aderências heterotípica entre dois diferentes tipos celulares como com
VCAM do endotélio e VLA-4 das células linfóides (α4β1).

O antigénio carcinoembrionário é importante na agregação das linhas celulares do


carcinoma do cólon, funcionando como CAM podendo também ocasionalmente ler
funções SAM. Estas ICAM e VCAM são induzidas por citocinas e servem de recetores
para integrinas presentes nos leucócitos e vão ter papel importante na aderência celular
no processo inflamatório, a nível vascular.

Selectinas

São glicoproteínas transmembranosas com um domínio lectínico N-terminal. Na


presença de cálcio o domínio lectinico liga-se a carbohidratos fucosilados e sialilados,
como por exemplo o antigénio sialilado Lewis X das células adjacentes.

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As selectinas medeiam interações heterotípicas entre células do sangue e células


endoteliais, durante a aderência leucocitária e portanto são fatores chave na inflamação
(marginação e migração). Englobam a E-selectina também chamada ELAM-I confinada
ao endotélio, a P-selectina também chamada GMP 140, presente no endotélio e nas
plaquetas, e a L-selectina também chamada LAM-I presente em muitos tipos de
leucócitos. A L-selectina liga-se a glicoproteínas do tipo mucina.

Uma molécula de adesão endotelial (Lu-ECAM-1) que se exprime nos vasos


pulmonares, pode estar envolvida na fixação de metástases de melanoma no pulmão.
Anticorpos contra esta molécula inibem as metásteses pulmonares.

CD44

É uma glicoproteína da superfície celular importante no "homing" linfocitário, na


ativação de células T e na adesão a hialuronatos e a matrizes proteicas. Variantes de
CD44 facilitam adesão celular e a metastização.

lisossomas
selectinas
mitocôndrias
integrinas
golgi
família das
citoplasma
retículo imunoglobulinas

moléculas de caderinas
adesão
CD44
citoesqueleto
actina
CÉLULA núcleo cromatina miosina
queratina
lípidos neurofilamentos

proteínas: vimentina
integrinas, caderinas,
membrana CD44 desmina

hidratos de carbono:
selectinas

Esquema 2 – Célula e moléculas de adesão

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colagénio
proteínas
estruturais
fibrosas elastina
fibronectina

matriz laminina
extracelular proteínas
de adesão trombospondina

tenascina

células Glicosaminoglicanos
glicoproteínas
(selectinas, (selectinas)
integrinas, ICAMs,
VCAMs posicionamento – divisão –
crescimento – diferenciação
- morfostase

matriz extracelular
(proteínas de adesão
– sequências RGD e
selectinas

Esquema 3 – Célula, matriz extracelular e moléculas de adesão

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CAPÍTULO III

OS GRANDES PROCESSOS PATOLÓGICOS E RESPOSTA ORGÂNICA

Apresentamos o organismo com suas superfícies de fronteira, seus tipos celulares, sua
matriz extra celular e seus sistemas de associação. Os grandes processos de alteração do
seu equilíbrio, englobam respostas sistémicas básicas como a imunidade, a inflamação e
a reparação e respostas integradas, como sejam alterações vasculares, metabólicas,
degenerativas e tumorais.

Já falamos na especificidade de disposição de produtos químicos no nosso organismo e


como o sistema MHC (Complexo Major de Histocompatibilidade) rege, a partir do
cromossoma 6 essa especificidade. Assim a especificidade química de cada um é a base
da sua capacidade de defesa e de saúde, como pode ser a facilitadora da doença.
Determinada composição MHC ou HLA (leucócitária) poderá dificultar ou facilitar a
ligação de vírus a células, como facilitar ou dificultar a instabilidade genómica e logo o
estabelecimento, ou não estabelecimento, de certas neoplasias.

A doença pode ser herdada quando recebida dos progenitores através do genoma, sendo
sempre uma doença do foro genético. Há porém doenças genéticas que podem ser
adquiridas como sejam as que dependem de alterações do genoma durante o
desenvolvimento embrionário. É o caso das lesões do genoma por produtos químicos
intra-útero, químicos, como o fumo do cigarro ou a célebre talidomida, ou por viroses
contraídas pela mãe, como o sarampo e a varicela, ou por radiações a que a mãe foi
submetida.

A doença adquirida é toda aquela que ao longo da vida se estabelece, sem relação com
herança.

Doença familiar é a doença prevalente numa família. Pode ser hereditária, ou pode estar
relacionada com hábitos de vida da família, que se mantém de pais para filhos.

Doença hereditária é aquela que se transmite aos descendentes por via genética.

Doença congénita é a que se manifesta ao nascer. Pode ser de causa genética herdada,
genética adquirida intra-útero, ou infeciosa, caso da tuberculose ou sífilis congénita. O
facto de se manifestar na altura do nascimento é que a define.

Sintomas - São dados subjetivos da doença. São colhidos pelo interrogatório. As


cefaleias são sintomas, pois só o doente poderá dizer ter dores de cabeça.

Sinais - São dados objectivos, colhidos pela observação, caso de um tumor cutâneo, de
uma úlcera, etc.

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Etiologia - é o fator causal da doença. O bacilo de tuberculose é o factor etiológico da


tuberculose.

Patogenia - É o mecanismo por meio do qual o fator etiológico desencadeia a doença.

Prognóstico da doença - É o prever do que poderá acontecer na evolução da doença.


Assenta no conhecimento sobre o acontecido em casos semelhantes.

Evolução da doença - E a sequência clínica da doença. É o curso clínico da doença.

O curso clínico - Pode ser rápido (agudo), menos rápido (sub-agudo) e demorado
(crónico).

Toda a doença pode ter exacerbações ou recrudescências do quadro clínico, pode ter
remissões, ou seja, desaparição da sintomatologia, continuando a doença a evoluir, e
pode apresentar intermitências, ou seja, remissões e exacerbações, como é o caso da
febre ondulante. O indivíduo é um produto do seu genoma, modelado pelo ambiente.
Este produto é a constituição individual, ou seja, o genótipo e o fenótipo - expressão
morfológica da constituição. Genótipo e fenótipo encontram-se ajustados e em
homeostasia com o ambiente, ou seja, exprimem nessa circunstância o estado de saúde.
Variações biológicas estão relacionadas com diferentes genótipos e diferentes
ambientes.

Doença individual - É a que se apresenta num individuo.

Doença Comunitária - É a que atinge vários indivíduos numa comunidade. É também


chamada doença epidémica.

Medicina preventiva - Consta em prevenir o aparecimento da doença. Hábitos


higiénicos, alimentares, vacinas, defesa de agressões como radiações solares, raio x,
fumo de cigarro, tudo pode ser controlado e não presente, prevenir muita doença.

Sendo a doença uma expressão de desiquilíbrio com o ambiente, havendo grandes


variações do ambiente ao longo do tempo e variações em diferentes áreas geográficas,
temos doenças a apresentar características distintas ao longo dos tempos, dependentes
ainda das condições de equilíbrios criados e defesas adquiridas por parte dos
organismos.

A existência de áreas geográficas com ambientes bem distintos leva a uma patologia
própria para as diferentes áreas e sempre relacionada com as características de agressão
existentes e com os equilíbrios entretanto acontecidos ao longo do tempo. Esta é a base
da chamada patologia geográfica, constatada para os vários tipos de doença com
especial realce para as neoplasias malignas.

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CAPÍTULO IV

ALTERAÇÕES NO CRESCIMENTO CELULAR E


BIDIRECIONALIDADE ADAPTATIVA

O organismo humano é geneticamente programado e desenvolve-se intra-útero, e após o


nascimento, ao longo da vida, cumprindo o programa da diferenciação, ou seja, aquele
que lhe foi permitido acontecer pelo ambiente e lhe permite sobreviver no ambiente. Há
todavia a possibilidade da existência de erros durante o desenvolvimento intra-útero e
depois do nascimento, como são possíveis modificações, devidas à influência do
ambiente, no programa da diferenciação. Temos assim a considerar algumas condições,
que passamos a apresentar de modo sucinto esquemático, com importância para a
correta interpretação clínica.

Alterações com redução do tamanho dos órgãos ou estruturas

Agenesia ou Aplasia - não desenvolvimento de um órgão.

Atrofia - Redução do volume de um órgão, por redução do número de suas células,


órgão esse que já foi um órgão normal. Um órgão de reduzidas dimensões é hipoplásico
se já assim era na altura do nascimento e atrófico se já foi um órgão normal.

A atrofia pode ser fisiológica como acontece no cordão umbilical, no canal arterial, nas
fendas branquiais. Pode ser uma atrofia patológica em casos de atrofia por compressão,
por desuso, por deficiência vascular, senilidade.

Alterações com aumento do volume dos órgãos ou estruturas

Hipertrofia - Aumento do volume de órgão ou estrutura por aumento do volume


celular, por aumento da massa citoplasmática. Pressupõe aumento da síntese proteica.
Exemplo a cultura física muscular, a hipertrofia cardíaca.

Hiperplasia - Aumento do volume do órgão ou estrutura, por aumento do número de


células. Pressupõe aumento do ritmo da divisão celular. A hiperplasia pode ser
fisiológica, por ação hormonal, como o crescimento fisiológico dos órgãos, casos da
glândula mamária e da próstata a seguir à puberdade. Pode a hiperplasia ser
compensatória, caso da perda de um rim, com compensação do outro, ou ser ainda
reparativa como acontece na reparação tecidular. A hiperplasia pode ser patológica,
casos de estímulos hormonais persistentes e excessivos, como acontece em todas as
mastopatias displásicas, reativa, ou autónoma como acontece nos tumores malignos.

Alterações na adaptação e na bidirecionalidade celular

Metaplasia - Transformação de uma estrutura adulta, diferenciada, noutra estrutura


adulta diferenciada, diferente. É o caso do epitélio cilíndrico, brônquico, sob a ação do
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fumo do cigarro a transformar-se em epitélio pavimentoso estratificado. É o caso da


mucosa oral com epitélio pavimentoso não queratinizado, por ações traumáticas várias,
passa a queratinizar. Nestas circunstâncias há espessamento do epitélio que esbate a
tonalidade rosada da mucosa, tomando-a branca. É o que constitui a leucoplasia, ou
seja, a transformação branca da mucosa. A metaplasia acontece por modificações do
programa genético e logo é um processo pré-neoplásico. Há metaplasias na estrutura
mesenquimatosa. Tecido conjuntivo transforma-se em tecido ósseo, por exemplo.

Displasia - Desorganização estrutural por fuga à diferenciação. Nos epitélios, há perda


de polaridade celular, inversão das relações núcleo-citoplasma e presença de mitoses a
todos os níveis. Exige a presença de um estímulo, e faltando este, as alterações
displásicas regridem. È uma lesão pré-neoplásica, expressão de desorganização celular
característica no colo do útero, em casos de cervicite.

Anaplasia - É um processo de desorganização celular mais marcado do que a displasia


e com a capacidade de autonomia, ou seja, o de não precisar da presença do estímulo
para se prepetuar. É a autonomia com a não regressão a característica principal da
anaplasia. A estrutura histológica é a do processo neoplásico maligno.

agenesia
aplasia
falha durante o
desenvolvimento
o hipoplasia
diminuição de
crescimento

falha após atrofia


anormalidades desenvolvimento
de crescimento
hipertrofia

excesso de patológica /
crescimento fisiológica
hiperplasia

metaplasia epitelial /
anormalidades
displasia mesenquimatosa
de diferenciação
anaplasia

de crescimento
Esquema 4 – Alterações no crescimento celular e bidirecionalidade adaptativa

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CAPÍTULO V

CÉLULA E LESÃO CELULAR

Causas e mecanismos da lesão

A célula será então a unidade estrutural do organismo, porta a lei orgânica da estrutura e
da função, e sobre ele se exercem os fatores do ambiente, com capacidade lesional. Nela
existem os mecanismos da capacidade adaptativa. É portanto a célula fulcro da vida, da
adaptação e da lesão. O ambiente e os seus fatores de lesão atingem a célula nos seus
subsistemas mais vulneráveis. São eles o sistema de membrana, o sistema produtor de
energia, o sistema de síntese proteica e o aparelho genético.

Vamos apresentar as principais causas de lesão e de imediato expor o mecanismo da


patogenecidade de cada um dos factores.

Isquémia e anóxia - A anóxia é a deficiente oxigenação de uma célula ou estrutura. A


causa mais frequente da anóxia é a isquémia, ou seja, a insuficiente irrigação sanguínea
com insuficiente aporte de oxigénio. A causa mais frequente da isquémia é a esclerose
arterial ou arteriosclerose.

Sendo o oxigénio a grande fonte de energia celular via fosforilação oxidativa (ATP), a
sua falta conduz à redução e paragem de toda a dinâmica celular, não renovação
proteica por falta de síntese, não renovação de proteínas da membrana, maior
deficiência mitocondrial, ganho de entropia, entrada de água na célula, dispersão dos
elementos intracitoplasmáticos, equilíbrio entre o meio intracelular e extracelular, e logo
morte celular pelo fator de lesão. É a necrose celular ou morte por lesão.

Agentes físicos

Traumatismo com rotura da membrana acarreta lesão irreversível.

Frio - Temperaturas negativas determinam a transformação da água, o maior


componente intracelular em gelo. Logo, paragem de trocas e morte. O frio atua ainda
por estreitamento da parede dos vasos sanguíneos, constrição e isquémia. É no inverno
que os indivíduos idosos fazem mais vezes enfartes cardíacos e gangrena (necrose
isquémica dos membros inferiores).

Calor - Lesa as células por acumulação de metabolitos tóxicos e por precipitação


(coagulação) das proteínas.

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Radiações - Lesam as células por lesão direta das membranas celulares e pela produção
de mutações genómicas. Temos as radiações solares, os raios X e as radiações atómicas,
com alguma variabilidade na sua patogenicidade.

Radicais livres - Individualizamos os radicais livres para lhes dar um pouco de ênfase.
Radicais livres são ''radicais livres", ou seja, radicais com átomos ou grupos de átomos
que estão livres, disponíveis para se ligarem a outros compostos químicos. A fonte
principal de radicais livres provém da radiólise da água e do oxigénio. Os radicais livres
atuam lesando as células por peroxidações dos lipídeos das membranas com destruição
destas e morte celular. Esta oxidação lipídica dá origem a um pigmento amarelo
acastanhado chamado lipofuscina, típico nos órgãos na senescência e constituindo o
aspeto da atrofia castanha dos órgãos. Os radicais livres acarretam também mutações
genómicas. São os radicais livres produzidos pelas células de defesa, características da
inflamação aguda, os polinucleares neutrófilos. Estes, fagocitando agentes, formam
água oxigenada (02 H2) fonte de radicais livres, que oxidam as membranas dos agentes
bacterianos, destruindo-os. Neste mecanismo de defesa são também destruídas pelos
radicais livres, células normais.

Persistindo a inflamação e portanto a formação de radicais livres há a possibilidade,


dado acontecerem mutações, de nos processos inflamatórios muito demorados, possam
vir a constituírem-se neoplasias malignas. Caso de úlceras gástricas, úlceras cutâneas e
cervicites.

Os radicais livres iniciam-se por fontes de energia, propagam-se e inativam-se. A


inativação dos radicais livres faz-se por antioxidantes, produzidos pelo próprio
organismo e também durante a defesa inflamatória para neutralizar os excessos de ação
desses mesmos radicais livres. São antioxidantes a ceruloplasmina, produzida pelo
fígado durante a inflamação aguda, a vitamina E e o catation reduzido.

Agentes químicos

Toda a substância química que em pequenas concentrações produz morte celular é


chamada veneno. Há substâncias muito utilizadas que, em grande quantidade, são
capazes de produzir graves e irreversíveis lesões celulares. É o que acontece com o
açúcar, importante fonte de energia para as células, mas que muito utilizado, pode
acarretar lesão das membranas celulares. Há substâncias químicas que são venenos, mas
dada a sua interferência na síntese proteica, na replicação do ADN e na transcrição do
ARN, são utilizadas na terapêutica de neoplasias malignas. São os chamados
citostáticos que destroem células neoplásicas, mas também células não neoplásicas.
As estruturas orgânicas estão em constante renovação. Esta exige a presença de agentes
trípticos (digestivos das estruturas) e de sua substituição por novas estruturas. O tríptico
por excelência é a tripsina. A sua potência digestiva tem de ser contrabalançada por
antitrípticos, para excessiva digestão das estruturas não acontecer. O paradigma dos
antitripticos é a α1-antitripsina, produzida pelo fígado, onde se liga a uma proteína, que
a transporta a todo o organismo.

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Pode acontecer haver uma deficiência congénita da função da α1-antitripsina - a


chamada deficiência da α1-antitripsina. Nos fumadores há uma deficiência adquirida
de α1-antitripsina no pulmão. Neste caso os fumadores estão sujeitos ao excesso de
ação tríptica, com digestão dos septos alveolares e formação de enfisema pulmonar,
com insuficiência respiratória. Na chamada deficiência de α1-antitripsina, a deficiência
reside na falência da proteína transportadora do antitriptico para fora do fígado. Haverá
assim no fígado α1antitripsina em excesso, que anula todos os trípticos hepáticos,
ocorrendo então acumulação de tecido fibroso não digerido, acarretando intensa fibrose
e segmentação do parênquima hepático. É a chamada cirrose da deficiência de α1-
antitripsina. No estômago, a deficiência do antitríptico, vai permitir excesso de tríptico,
e logo formação de úlcera gástrica, por digestão da mucosa gástrica.

Os deficientes herdados de α1-antitripsina, podem ser homozigoticos (deficientes


totais), ou heterozigóticos (deficientes parciais). O gene proteinase inibidor PI, normal,
é o PIM, o deficiente PIZ. Assim o homozigótico deficiente será PIZZ, o normal PI
MM, o heterozigótico PIZM.

De entre as substâncias químicas, fatores de lesão, temos o álcool, tão ingerido pelas
populações. O álcool, metabolizado, dá lugar ao acetaldaido, grande tóxico cerebral e
respiratório.

O álcool reduz a absorção de proteínas e de vitaminas no intestino. O álcool, no homem


reduz o teor de androgénios em relação aos estrogénios. É assim feminizante do
homem. O álcool provoca mutações. O álcool inverte a relação entre as prostaglandinas
e o tromboxano, a favor das prostaglandinas o que poderá ser um efeito benéfico anti-
trombótico. Todavia inviabiliza a função respiratória do miocárdio.

Produtos alimentares cozinhados podem ser causa de lesão orgânica. É o caso de


excesso de lípidos saturados fritos. De um modo geral, todos os alimentos fritos são
facilitadores da formação de cancerígenos.

Proteínas alteradas: Amiloidose, a versar no cap.13; Proteína priónica; Fumo do


cigarro.

Os prions são formas anormais de proteínas normais. A proteína prion é codificada por
um gene no cromossoma 20, e apresenta-se conservada através de várias espécies. Esta
proteína alterada é altamente eficaz na transmissão da doença a indivíduos normais, a
produzir a proteína normal. Em casos de doenças familiares, já se descobriu por análise
génica, diferentes classes de mutação no gene priónico, responsáveis pelo fenótipo
doente, sendo os tecidos destes doentes infeciosos para outros indivíduos.

A proteína mutada possui modificação da sua forma e a possibilidade de coalescência e


aderência que vai constituir depósitos amilóides. Por outro lado a proteína mutada tem a
capacidade de corromper a integridade dos componentes celulares normais.

Mutações no gene priónico encontram-se na síndroma de Gerstmann-Sträussler-


Scheinker (GSS) e na insónia familiar letal.

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A doença de Creutzfeldt-Jakob, caracterizada por demência rapidamente progressiva,


inicia-se por alterações de memória, seguida pela demência e alterações mioclónicas.
Há atrofia cerebral, alterações espongiformes, perda neuronal e astrocitose reativa. A
duração média de vida, declarada a doença, é de 7 meses.
Nos bovinos a encefalopatia espongiforme (BSE) é similar.

O tabaco e o fumo do cigarro

- A origem do tabaco - A planta Nicotiana tabacum

- A composição do fumo do cigarro - 6.000 compostos químicos alcalóides,


nitrosaminas, hidrocarbonatos aromáticos, benzopirenos e antracenos, monóxido de
carbono, amónia, formaldeido, fenóis, álcool metílico, ácido cianídrico, cádmio,
arsénico (10 mg/m3 de fumo), plutónio, chumbo, nicotina, etc.

- A deposição dos componentes de combustão: produtos solúveis veiculados pela linfa e


disseminação generalizada; produtos insolúveis e depósitos pulmonares (o fumo de 1
maço de cigarros por dia, acarreta a acumulação de 150 grs. de alcatrão num ano).

- Os benzopirenos, os radicais livres, a redução de antioxidantes, ativação de oncogenes


e inibição de genes supressores da divisão celular (p53) e de fatores protetores celulares.

- O fumo do cigarro e os desiquilíbrios nutricionais

- O fumo do cigarro e o aparelho cardiovascular: a ação constritora da nicotina por


mecanismos adrenérgicos e a ação asfixiante do CO (um cigarro inviabiliza a função
transportadora de 250 c.c. de sangue). Facilitação de polimerização da fibrina,
agregação plaquetária, oxidação de lipoproteínas e a trombose.

- O fumo do cigarro e o cancro

- O fumo do cigarro e o sistema imune: estimula e suprime o sistema: hipersensibilidade


e depressão imune. Desiquilíbrio de células T.

- O fumo do cigarro e o pulmão: ativação dos polinucleares e dos macrófagos e


aumento da atividade tríptica e deficiência de antitripticos (α1-antitripsina). Doenças
dos pequenos canais respiratórios, enfisema, fibrose pulmonar e pleural. O cancro do
pulmão.

- O tabaco e a falsa economia.

- A luta anti-tabágica.

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Hipersensibilidade

A defesa orgânica, a apresentar no cap.8, tem no sistema imune, uma das suas grandes
armas de defesa. Todavia, ou o sistema imune tem a capacidade de inviabilizar o agente
agressor, sem permitir as suas manifestações de vida e estamos imunes, intocáveis a
esse agente, ou o agente pela sua capacidade patogénica obriga o sistema imune "à
luta", daí aparecendo sintomas e sinais da doença. Vencendo o sistema imune temos o
estado de equilíbrio, ou seja, de saúde. Podemos não sentir o sistema imune trabalhar,
acontecendo sempre isso em saúde, ou podemos sentir os efeitos do sistema imune com
os seus produtos de defesa: anticorpos e citocinas, na luta com os fatores de lesão, luta
essa que vai ser causa, ela própria, de lesão.

Chama-se hipersensibilidade ao estado reativo do sistema imune que conduz a


condições de defesa e de lesão orgânica.

A hipersensibilidade poderá ser imediata ou de tipo I quando se formam anticorpos


reagínicos, como a imunoglobulina A que vai produzir grandes reações inflamatórias,
por estimulação da formação de leucotrienos. É o que acontece na, vulgarmente
chamada, alergia, como situações de asma, eritemas e enantemas.

Pode ser tipo II, quando os anticorpos se ligam ao fator estranho, o antigénio e ativam
os fatores do complemento. Estes chamam os polinucleares neutrófilos e vamos ter uma
inflamação aguda. É o que acontece em certas glomerulonefrites por anticorpos anti-
membrana basal.

Pode ser tipo III, quando por excesso de anticorpo ou de antigénio se formam
complexos antigénio-anticorpo, de um porte tal, que não fagocitados se depositam nas
paredes vasculares, onde ativam o complemento, dando inflamação aguda. Podem esses
complexos não serem filtrados pelo rim e depositam-se nos glomérulos renais,
desencadeando, pelos mesmos, glomerulonefrites.

O tipo IV é chamado de sensibilidade retardada. A célula efetora é o linfócito e o


macrófago. Acontece contra virús, bactérias intracelulares, parasitas e células
neoplásicas. É um processo inflamatório crónico.

O tipo V, chamado de hipersensibilidade estimulante, em que o anticorpo, em vez de


eliminar o antigénio, o estimula. É o caso da hiperfunção da tiróide por anticorpos anti-
tiróide.

O tipo VI (variante do tipo II) – citotoxicidade celular mediada por anticorpo (ADCC).
Imunoglobulinas envolvem o antigénio e possuindo essas imunoglobulinas recetores
para macrófagos e células Killer, o antigénio é por estas fagocitado.

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CAPÍTULO VI

EXPRESSÕES MORFOLÓGICAS DA LESÃO CELULAR

Toda a célula lesada, por qualquer fator de lesão, vai apresentar alterações na sua
composição que pode chegar à irreversibilidade, ou seja, à morte celular por lesão, a
necrose.

As expressões morfológicas constam de sobrecargas, impropriamente chamadas


degenerescências, sobrecargas de produtos normais orgânicos, anormais, endógenos e
exógenos.

O ponto a partir do qual toda a célula lesada é incapaz de voltar ao estado normal,
constitui o ponto de não retorno da lesão celular. Acontece por rotura da membrana
celular, por grande tumefacão celular, por rotura lisossómica e libertação dos enzimas
lisossómicas no citoplasma, por entrada de cálcio na célula. A entrada de cálcio vai
bloquear mitocôndrias e reduzir a capacidade energética, como vai ativar lipases
(enzimas) que digerem a membrana.

São alterações morfológicas das células lesadas:

Tumefação Turva - A primeira das alterações. Resulta da entrada de água na célula e


dispersão dos elementos intracitoplasmáticos. Esta dispersão dá um aspecto turvo ao
citoplasma e a presença de água torna a célula tumefacta.

Degenerescência hidrópica ou vacular - Resulta da entrada de água na célula e sua


disposição não dispersa, mas sob a forma de vacuolos.

Acumulação de lipídeos

Três condições distintas têm lugar na acumulação de lipídeos, e relacionadas com o


tipo de lipídeos em causa. Se os lipídeos acumulados são triglicerideos, vamos ter a
degenerescência gorda do fígado, ou do miocárdio. Se o lipídeo é o colesterol, vamos
ter o ateroma e sua complicação, a arterosclerose. Se os lipídeos são os chamados
lipídeos complexos, vamos ter as chamadas lipidoses. As duas últimas acumulações
lipidicas serão tratadas nos cap. 12 e 13, ficando para já a acumulação de triglicerídeos,
quer no fígado quer no miocárdio.

A acumulação de triglicerideos constitui a chamada degenerescência gorda do fígado.


Os triglicerideos no fígado vêm dos ácidos gordos da alimentação e da sua mobilização
dos depósitos (tecido celular subcutâneo). Os ácidos gordos entram no fígado, dão
origem a fosfolípideos, corpos cetónicos e colesterol, e são esterificados em
triglicerideos. Estes são transportados para fora do fígado por proteínas, constituindo-se
as lipoproteínas. No fígado há ainda formação de triglicerideos a partir do alfa-glicerol.

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CÉLULA ácidos gordos


HEPÁTICA

fosfolípidos

ácidos gordos corpos


cetónicos
α-glicerol colesterol
esterificação

triglicerídeos
+ lipoproteinas
proteina

Esquema 5 – Acumulação de triglicerídeos no fígado

Excesso de acumulação de triglicerideos no fígado (fígado gordo), pode ser o resultado


de:

- Falta de energia para o metabolismo se realizar. É o que acontece na insuficiência


cardíaca direita, acarretando estase sanguínea no fígado, e logo, anóxia nas áreas mais
perto da estase, ou seja, nas células hepáticas junto aos vasos portais (ramos da veia
porta que atravessam o fígado e desembocam na veia cava inferior pelas chamadas veias
supra-hepáticas). Assim a insuficiência cardíaca direita vai dar estase em todo o
território venoso, e pelas supra-hepáticas, no fígado. Como neste há uma irrigação
arterial pela artéria hepática, vai o fígado, na insuficiência cardíaca direita apresentar
áreas alternadas de fígado gordo, com áreas de fígado com aspeto normal. É o que
constitui o chamado fígado cardíaco ou fígado em nóz moscada.

- Ação do álcool - O álcool mobiliza os ácidos gordos dos depósitos e logo mais ácidos
gordos chegam ao fígado. Acarreta uma maior esterificação dos ácidos gordos em
triglicerideos e reduz a captação de proteínas no intestino e a sua elaboração pelo
fígado. Altera as proteínas mitocondriais, interferindo com a energia celular formando
coalescência dessas proteínas. Esta coalescência dá a imagem histológica, nas células
hepáticas do alcoólico, os chamados hialinos alcoólicos ou corpos de Mallory. No
alcoolismo a transformação gorda do fígado é difusa e total.

- Deficiência proteica alimentar - A causa mais frequente é a chamada má nutrição em


que a alimentação é predominantemente feita à custa de hidratos de carbono, sem

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proteínas nem vitaminas. A hipoproteinemia acarreta edema - presença de água nos


intertícios celulares e nas cavidades, dá origem a fígado gordo (fígado grande, mole,
difusamente amarelo).

A deficiência em vitaminas leva a alterações (principalmente por falta de vitamina A)


da pele e mucosas, com grade descamação celular a ponto dos padecentes, sempre
crianças, parecerem grandes queimados, sem pele e com grandes perdas de água pela
superfície cutânea. Esta situação - sídrome dos malnutridos, adotou o termo que no
centro de África quer dizer "cabelos em fogo", cabelo do negro, despigmentado,
acastanhado, desencaracolado, e que é Kvvashiorkor. Assim, no Kwashiorkor, por má
nutrição proteica e vitamínica, há na criança, fígado gordo, grande edema dos membros
inferiores, ascite e descamação cutânea e mucosa. Sem proteínas não há proteínas de
defesa, e grande número destas crianças morre de infeções, principalmente
broncopneumonias.

Acumulação de hidratos de carbono - a versar no capítulo 13.

Acumulação de proteínas

Não há acumulação de excessos de proteínas alimentares. Excessos alimentares


proteicos são eliminados pelas fezes. As acumulações proteicas acontecem nas infeções
víricas (corpos de inclusão víricos), em plasmócitos formando imunoglobulinas (corpos
de Russel) e nas amiloidoses a tratar no cap.13, bem como o caso da proteína priónica já
referido.

Modificações proteicas, com homogeneização das estmturas acontecem nas chamadas


transformação hialina, característica da cicatrização e nas paredes dos pequenos vasos
arteriais em casos de hipertensão arterial, e na transformação fibrinoide da placenta de
termo, e nos processos de natureza auto-imune sistémica, constituindo a "assinatura de
um processo de causa auto-imune". (ver cap. 14).

Acumulação de pigmentos

Os pigmentos podem ter origem exógena ou serem endógenos.


Os pigmentos exógenos são as poeiras inaladas que, pelo seu porte, sua física e sua
química, podem acarretar reações de defesa (rejeição), por parte do organismo. São
processos inflamatórios (não infecciosos, já que o agente é matéria inanimada) com o
nome de pneumoconioses. As pneumoconioses podem traduzir-se em processo
inflamatório agudo tipo alérgico imediato como é o caso da asma dos fenos, ou em
processos inflamatórios crónicos granulomatosos, mais frequentemente. O tipo agudo
exige uma sensibilização prévia ao agente. O tipo crónico granulomatoso exige longos
contactos, de anos, com o agente. Grande parte das pneumoconioses é profissional.
Vamos apenas citar algumas: a silicose, pneumoconiose grave, dada a incapacidade de
remoção da sílica. Acontece nas pedreiras de granito e nas minas de carvão.
A antracose pelo carvão; a abestose pelo amianto e uma série de pneumoconioses
profissionais descritas em Portugal primeiro por Lopo de Carvalho - a suberose dos
trabalhadores de cortiça do Alentejo, simulando tuberculose com cavernas, e por Cortez

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Pimentel, que descreveu o pulmão dos cabeleireiros pelas lacas, o remendador de pneus
pela borracha, o de tratador de pombos pela penugem, o pulmão dos violinistas pelas
crinas soltas no deslizar das cordas, e o pulmão do sulfatador das vinhas, pelos
inúmeros sais de cobre da calda bordaleza, com fibrose (pulmão dos sulfatadores e
carcinoma bronquiolo-alveolar). As pneumoconioses dão reações inflamatórias
fibrosantes, com fibrose e hipertensão pulmonar, insuficiência cardíaca direita e morte.
As pneumoconioses acarretam aumento da incidência das neoplasias malignas e
depleção do sistema imune.

Pigmentos endógenos - Podem ser não derivados da hemoglobina e derivados da


hemoglobina.

Os pigmentos não derivados da hemoglobina são a lipofuscina e a melanina.


A lipofuscina é um pigmento lipidico resultante da oxidação dos lipídeos da membrana
celular por radicais livres. Acontece ainda na defesa inflamatória, ao longo da vida, pelo
contacto com o oxigénio. Por isso é também chamado o pigmento de uso, do desgaste
biológico. É característico, como já referido, na atrofia castanha dos órgãos

A melanina ou pigmento melânico é produzido pelos melanoblastos a partir da tirosina


sob a ação da enzima tirosinase. Forma-se o pigmento melânico que injetado entre os
queratinócitos dá a cor escura à pele. O excesso de melanina acontece sob a ação de
radiações solares que estimulam as células produtoras de melanina. Acontece ainda na
insuficiência supra-renal crónica ou doença de Addison, por deficiência de cortisol. Não
frenada a hipófise produtora de ACTH, hormona no homem também hormona
melanogénica, acontece contínuo estímulo da melogénese. Na doença de Addison há
então insuficiência crónica da supra-renal, insuficiência dos ilhéus pancreáticos
produtores de insulina e portanto diabetes mellitus e hiperpigmentação melânica. Por
isso a doença de Addison é também chamada de diabetes bronzeada.

A melanina existe localmente aumentada nos nevos e tumores melânicos. A deficiente


produção de melanina pode ser total, por deficiência em tirosinase, e temos o
albinismo, ou pode ser parcial, constituindo-se o vitiligo.

Do desdobramento da hemoglobina temos uma proteína, a globina, e heme, fonte dos


seguintes pigmentos: hemossiderina ou ferro, bilirrubina e sua variante hemateina. Em
erros na formação da hemoglobina podem circular as porfirinas que se originam no
porfobilinogéneo, que são as classes I e III do uroporfirinogéneo, coproporfirinogéneo e
protoporfirinogéneo.

Excessos de degradação dão excessos de ferro - hemossideroses e hemocromatose (a


tratar no capítulo 13). Uma hemossiderose localizada acontece numa pisadura
(equimose) ou num hematoma. Acontece no baço - nódulos hemossideróticos e
acontece nos macrófagos pulmonares na insuficiência cardíaca esquerda (estase
pulmonar). O excesso de bilirrubina sérica – hiperbilirrubinémia, dá cor amarela à
pele e ás mucosas - icterícia.

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Ácido cítrico + glicina


ferro

succinil
coenzima A Ácido γ aminolevulínico
P
O
N
T piridoxal fosfato
E
S
heme uroporfirinogénio
M I e III
E
T
A porfobilinogénio coproporfirinogénio
N I e III
hemoglobina O
protoporfirinogénio
I e III

globina
4 anéis pirrólicos
Protoporfirina IX biliverdina bilirrubina

Esquema 6 – Pigmentos derivados da hemoglobina

A icterícia é um sídroma hiperbilirrubinémico e as suas causas podem ser excesso de


destruição dos glóbulos rubros. É o que constitui a icterícia hemolítica. Pode resultar de
incompatibilidade Rh, incompatibilidade sanguínea transfusional, excesso de
transfusões sanguíneas, hemólise autoimune ou hemólise na malária. A icterícia pode
ser hepatocelular, ou seja, de causa hepática congénita, caso das icterícias congénitas
por incapacidade de entrada da bilirrubina na célula hepática, dificuldade de transporte
na célula hepática por deficiência da enzima transportadora e dificuldade de saída da
bilirrubina transportada, para fora da célula para os canaliculas biliares.

As icterícias de causa hepática adquirida estão relacionadas com lesão da célula


hepática, como acontece nas hepatites víricas. A icterícia pode ser de causa obstrutiva
ou colestática. A obstrução pode ser intrahepática e é falsa obstrutiva, pois a causa está
na paralisia de contração dos canalículos, devida a lesão por tóxicos, muitas vezes
medicamentos, das proteínas de contração, actina e miosina e portanto paralisia e estase
do fluxo biliar.

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A obstrução extrahepática, real obstrução deve-se a cálculos nas vias biliares, ou a


tumores malignos do colédoco, da cabeça do pâncreas ou do esfíncter de Oddi.

Porfírias

Resultam de erros na formação de protoporfirina IX com acumulação dos percursores


porfirínicos.

Há porfírias eritrocitárias, por defeito no glóbulo rubro que levam a


fotossensibilização e hemólise.
Há porfírias hepáticas, a intermitente aguda, com sintomas abdominais que chegam a
simular ventre agudo e com sintomas nervosos, mas sem fotossensibilizacão. Outra
variante da porfiria hepática é a cutânea tardia, com fotossensibilização que chega a
formar úlceras e sem sintomas abdominais, nem nervosos. Há porfírias adquiridas, por
lesão hepática.

Acumulação de cálcio

O cálcio é imprescindível na formação do esqueleto, na coagulação sanguínea e como


mensageiro secundário hormonal.

Falaremos na absorção do cálcio e em seus controlos metabólicos e hormonais para


compreender as condições que podem acarretar alterações na deposição do cálcio. Já
vimos como o cálcio, entrando na célula lesada, precipita o ponto de não retomo.

Calcificações anómalas

Calcificação metastática - calcificação em tecidos sãos. Exige sempre hipercalcémia.


Acontece com excessiva administração de cálcio e vitamina D em crianças, podendo
levar à calcificação de órgãos vitais, como as válvulas cardíacas.

Calcificação distrófica - acontece em tecidos lesados como o tecido cicatricial. Pode


acontecer em hiper, normo ou hipócalcémia. O tecido lesado ou matriz calcificável é o
que, por alterações de PH, facilita a deposição do cálcio.

Calcinose - calcificação cutânea, metastática ou distrófica.

Lipopedium - Calcificação intra-útero de feto morto. E uma calcificação distrófica.

Cálculos - formação relacionada com o metabolismo do cálcio.

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Absorção do cálcio

No estômago todos os sais de cálcio formados de cálcio e ácidos fracos são


solubilizados, e o cálcio convertido em Cl2Ca. No Ph do intestino mais alcalino, muitos
dos sais de cálcio ingeridos são insolúveis, exceto o fosfato de cálcio, o único sal de
cálcio realmente absorvido. A absorção faz-se no intestino delgado por difusão e só na
porção terminal do duodeno, já que nas primeiras porções há acidez e faz-se por
transporte ativo. Esta absorção é facilitada pela Vit.D3 e pela paratormona. Condições
locais intestinais facilitam a absorção, como seja a presença de sacarídeos e
dissacarídeos. 35% do cálcio sérico está ligado a proteína, principalmente albumina e
globulina.

A homeostasia do cálcio faz-se principalmente pela sua excreção. O cálcio é excretado


pela bílis, urina, fezes, leite. Parte do cálcio excretado pelo rim é reabsorvido pelos
túbulos renais.

Na insuficiência renal crónica, a excessiva perda de cálcio pela urina, leva à


descalcificação do osso e a uma forma de hiperparatiroidismo secundário (sempre que
há baixa de cálcio sérico, há libertação de paratormona e mobilização de cálcio do osso,
base do chamado raquitismo renal).

A necessidade diária normal de cálcio é de 0,5 gr/dia. Na lactação há grandes perdas de


cálcio não só pelo leite mas também pelas fezes e isto mantém-se vários meses após o
fim da lactação.

A ossificação é uma forma de diferenciação envolvendo a elaboração da matriz,


deposição de cálcio, reabsorção de cálcio e remodelação da matriz osteoide, seguida de
nova deposição de cálcio. Assim, a deposição de cálcio (calcificação) e remoção
(descalcificação), são dois processos essenciais da diferenciação do osso.

Controlos metabólicos e hormonais do cálcio

A vitamina D3 (colecalciferol) é sintetizada na pele pelos raios ultravioletas a partir do


7-dehidro-colesterol. A vitamina D2 (ergocalciferol) é também obtida da dieta por
absorção na porção baixa do intestino, após captação do esterol pela mucosa e sua
transferência pela linfa. Após a absorção é esterificada por ácidos gordos e armazenada
no fígado.

As vitaminas D2 e D3 são biologicamente inativas. No fígado sofrem hidroxilação até à


posição 25. A 25- hidroxi-Vit.D é transportada ao rim onde sofre uma nova hidroxilação
constituindo-se a 1,25-dihidroxi-Vit. D3, a mais potente forma biológica ativa da
vitamina D, que vai influenciar a absorção do cálcio.

São funções da vitamina D3 no metabolismo do cálcio:

- aumento da absorção de cálcio e fosfato no intestino


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- aumento da reabsorção de fosfato pelo rim


- mobilização do cálcio do osso - deposita-o no osso em formação e remove-o do osso
já formado
- aumento do cálcio e fósforo plasmático

Paratormona - hormona da paratiroide. A regulação da atividade da paratiroide é


regulada pela taxa de cálcio sanguíneo, sem regulação hipofísária. Sempre que baixa o
cálcio sérico liberta-se paratormona que vai acarretar mobilização do cálcio do osso, por
estimulação da actividade osteoclástica. São causas mais frequentes de
hiperparatiroidismo a existência de um adenoma (tumor glandular benigno) da
paratiroide, hipertrofia difusa das paratiroides, carcinoma da paratiroide, o que é raro, e
secundariamente, sobretudo, na insuficiência renal.

São funções da paratormona

- mobilização do cálcio do osso


- promoção da síntese da vitamina D3 pelo rim
- intervenção na absorção de cálcio no intestino
- hipofosfatémia, que leva à necessidade do aumento de cálcio sérico, dado o equilíbrio
cálcio-fósforo (baixando um sobe o outro)
- acarreta hipercalcémia

Calcitonina - elaborada pelas células parafoliculares as células C da tiróide (sistema


APUD). Muito rapidamente controla a calcémia. Em poucos minutos baixa a taxa de
cálcio sérico atrasando ou impedindo a libertação do cálcio do osso. Uma
hipercalcémia, mesmo ligeira, leva à sua secreção e à sua ação na fixação do cálcio do
osso.
Uma insuficiência da calcitonina pode levar à osteoporose dos idosos. No sistema
ósseo, o cálcio deposita-se sob a forma de hidroxiapatite.
Rim - Forma a vitamina D3. Regula o cálcio e o fósforo plasmático.
Na insuficiência renal crónica há:

- deficiência da vitamina D3
- baixa de absorção do cálcio no intestino
- retenção de fosfato (hiper-fosfatémia) e logo baixa do cálcio sérico. Isto conduz a:
- hiperactividade paratiróide com mobilização do cálcio do osso - raquitismo renal

Na acidose tubular aguda - síndrome de Fanconi, há:


- deficiência de vitamina D3
- perda de fosfato com muita reduzida reabsorção e logo hipofosfatémia (logo
necessidade de mobilização do cálcio)
- perda de cálcio pelo rim, logo hipocalcémia
- menor reabsorção de cálcio no intestino
- hiperparatiroidismo
- mais mobilização de cálcio do osso
- osteomalácea e osteoporose
- acidose metabólica

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O tratamento desta grave situação de desequilíbrio geral do metabolismo do cálcio,


exige a administração de fósforo, pois o principal motivo de todo o desequilíbrio é a não
reabsorção de fosfato pelo rim.

Esterogéneos - Promovem a fixação do cálcio no osso. A sua insuficiência pós-


menopausa é uma das principais condições de osteoporose na mulher.

Síndromes de má absorção sprue, a doença celíaca, a doença pancreática, acarretam


deficiência da vitamina D.

Envelhecimento - Pode ser considerado como expressão de lesão celular. É o


cumprimento do programa biológico e o resultado do cumprimento desse programa é
um somatório de "lesões" acontecidas na dinâmica do viver.

Assim, são causas de envelhecimento:

- a programação genética e as modificações genéticas adquiridas, como seja um


aumento de atividade de genes supressores da divisão celular
- a perda de tolerância imunológica e agressão pelo sistema imune das estruturas
próprias
- a ação dos radicais livres, oxidando as membranas celulares
- deficiência de proteínas de choque térmico protetoras de metabolismos
- o uso metabólico. Dietas de baixos teores calóricos retardam o envelhecimento.
Animais alimentados com dietas de baixos teores calóricos, comparados com animais
alimentados com altos teores calóricos, têm menos artrites, menos cancro, menos
mortalidade por diabetes mellitus e por doenças cardiovasculares

Em relação à programação génica uma palavra sobre os telómeros

Os telómeros são curtas sequências repetitivas do ADN, localizadas na terminação dos


cromossomas. Protegem os cromossomas da degradação do ADN, de fusões e outras
mutações, mantendo a estrutura nuclear. Divisões celulares sucessivas encurtam os
telómeros, levam a uma paragem de crescimento e à senescência.

Uma enzima, a telomerase, pode induzir um estado imortal por estabilização do


comprimento dos telómeros.

O jogo telómero-telomerase é hoje muito estudada. Sabemos a atividade telomerásica


muito ativa em células embrionárias e nas células cancerosas. Sabemos a incapacidade
telomerásica permitir o encurtamento dos telómeros e o fim da vida celular e orgânica.
Entre estas duas consequências, o ideal será um dia encontrar o equilíbrio. As
telomerases regulam a apoptose, a sobrevivência e a progressão tumoral, e a sua
atividade é regulada a múltiplos níveis por genes supressores, por oncógenes e
estimuladores da diferenciação celular. Hoje estuda-se como a quimio e a radioterapia
poderão interferir com a atividade telomerásica.

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CAPÍTULO VII

MORTE CELULAR POR LESÃO – NECROSE

Atingido o "ponto de não retorno" toda a célula morre. A morte celular por lesão é a
chamada necrose. Já vimos nos organismos diferenciados, no programa celular, estar a
sua morte - apoptose.

A necrose das estruturas orgânicas não é uniformemente idêntica. Apresenta aspectos


morfológicos distintos segundo o tipo de estrutura que necrosa e segundo o fator causal
da necrose.

Descreveram-se cinco tipos particulares de necrose que se podem englobar em dois


grandes grupos. Se houver coagulação das proteínas, componentes de tecido necrosado,
a necrose será de coagulação, se houver, não coagulação, mas liquefação, a necrose
será de liquefação.

São necroses de coagulação, a necrose de coagulação propriamente dita, de causa


isquémica, com o nome genérico de enfarte. Logo, enfarte é uma necrose isquémica, e
pode acontecer em qualquer ponto do organismo, inclusivé no músculo cardíaco.

Uma outra variante da necrose de coagulação é a necrose de caseifícação. Acontece na


tuberculose. Há coagulação proteica e os componentes do bacilo da tuberculose
transformam a estrutura necrosada em massa amorfa lembrando o queijo-caseum, daí o
nome de caseifícação. Ao contrário do que acontece na necrose de coagulação
propriamente dita, em que histologicamente se adivinham ainda os detalhes estruturais –
“fantasmas celulares”, na necrose de caseifícação há total desaparição desses detalhes.
A necrose de caseifícação aparece ainda na parte central de neoplasias malignas, com
acentuado e rápido crescimento.

Na sífilis terciária (capítulo 10) há somatório de micro necroses por lesão vascular que
constituem as gomas siflíticas, expressão de macro enfarte.

São necroses de liquefação, a necrose de liquefação propriamente dita, que é típica da


isquémia cerebral (logo seria uma coagulação), mas a estrutura cerebral muito rica em
água e lipídeos, vai necrosando liquefazendo-se, tomando a forma de uma “papa". A
outra variante de necrose de liquefação é a necrose enzimática da gordura, que
acontece na pancreatite aguda, com ativação dos fermentos pancreáticos (enzimas muito
potentes), que tudo digerem, pâncreas, perítoneu e outros órgãos e que saponificam a
gordura peritoneal, formado aspetos dos chamados “pingos de cera", disseminados por
todo o peritoneu.

Outra necrose enzimática é o pus, exsudado inflamatório descrito no capítulo 8,


resultado da ação das enzimas das células de defesa e morte dos agentes e de células
normais.

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Entre os dois grandes tipos de necrose de coagulação e liquefação temos o quinto tipo
de necrose, que é a necrose gangrenosa.

A necrose gangrenosa é uma necrose isquémica (coagulação-enfarte) com contaminação


bacteriana e logo associada à liquefação produzida pelas enzimas bacterianas e as
enzimas das células de defesa.

Necrose de coagulação
propriamente dita
Necrose de coagulação

Necrose de caseificação

Necrose gangrenosa

Necrose de liquefação
propriamente dita

Necrose de liquefação

Necrose enzimática

Esquema 7 – Diferentes expressões da necrose

Não se deve confundir necrose gangrenosa com gangrena. Gangrena é uma necrose
isquémica dos membros, logo é uma necrose de coagulação, ou seja, um enfarte.

A gangrena pode ser o resultado de uma isquémia de causa arterial, caso de uma
trombose da artéria femural e assim haverá falta de irrigação arterial, e logo necrose de
coagulação, apresentando-se o membro seco, fino, escuro, sonoro ao toque,
mumificado. É o que constitui a chamada gangrena seca.

A gangrena pode resultar de uma estase venosa, caso de trombose venosa do membro, e
assim haverá encharcamento do membro por edema, estagnação do sangue, o membro
volumoso e arroxeado, podendo ser local de contaminação bacteriana, dado ser o sangue
estagnado um excelente caldo de cultura. É o que constitui a gangrena húmida, que ao
contrário da seca, contaminada por agentes, poderá dar origem a uma necrose
gangrenosa.

Os tecidos necrosados, sobrevivendo o organismo, são removidos por fagocitose,


reabsorvidos, ou expulsos por drenagem - como o caso da necrose caseosa, no pulmão
com tuberculose, que expulsa pelos brônquios, vai formar as cavernas. Os tecidos

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necrosados não removidos organizam-se, ou seja, são penetrados por tecido de


granulação (capítulo 9) e dão lugar a tecido de cicatriz. É a reparação da lesão necrótica.
A área de necrose cicatrizada vai constituir uma matriz calcificável, e por deposição de
cálcio, calcificar (calcificação distrófica), e até ossificar.

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