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"Onde nossas idéias não copiam decisivamente seu objeto, o que significa o
acordo com esse objeto?... O pragmatismo, formula sua questão usual.
"Admitida a verdade de uma idéia ou a crença nessa verdade", diz o
pragmatismo, "que diferença concreta o fato dela ser verdadeira fará na vida
real de qualquer pessoa? Que experiências (podem) ser diferentes daquelas que
seriam obtidas se a crença fosse falsa? Como será a verdade constatada? Qual
é, em poucas palavras, o valor de verdade obtido em termos experienciais? No
momento exato em que o pragmatismo formula esta questão, ele percebe a
resposta: As idéias verdadeiras são aquelas que assimilamos, corroboramos e
verificamos. As idéias falsas são aquelas com as quais isso não é possível. Esta
é a diferença prática de ter idéias verdadeiras; este é, portanto, o significado da
verdade, pois é desta maneira que a verdade é conhecida como tal.
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Mas “verificabilidade”, acrescento, é exatamente igual a verificação. Pois,
completado um processo de verdade, existe um milhão de outros processos em nossas
vidas que funcionam num estado de nascença. Eles nos conduzem para a verificação
direta, nos conduzem às proximidades do objeto que lhes visam; e então, se tudo se
processa harmoniosamente, ficamos tão seguros de que a verificação é possível que a
omitimos, e estamos comumente justificados por tudo o que acontece”. (N. do A.).
"Concordar com a realidade, no mais amplo sentido, só pode significar ser
conduzido diretamente para a realidade, ou para suas proximidades, ou ser
colocado numa tal operação de contato com a realidade que seja possível
manejá-la; ou manejar algo ligado a ela melhor do que se discordássemos.
Melhor tanto intelectual como praticamente... Qualquer idéia que nos ajuda a
lidar, quer prática quer intelectualmente, tanto com a realidade como com seus
pertences, que não emaranha nosso progresso em frustrações, que se ajusta de
fato e adapta nossa vida ao cenário completo da realidade, concordará
suficientemente para satisfazer o requisito. Será verdade para aquela
realidade."
Uma das acusações que mais freqüentemente tive que enfrentar foi a de fazer a
verdade de nossas crenças religiosas consistir simplesmente no "sentir-se bem".
Lamento ter dado algum motivo para tal ataque, pela linguagem desprevenida
em que, no livro Pragmatismo, falei da verdade da crença de certos filósofos no
absoluto. Ao explicar por que não acredito no absoluto, mesmo achando ser
verdadeiro que ele pode assegurar "feriados morais" àqueles que precisam (se
obter "feriados morais" pode ser considerado um bem), eu ofereci a formulação
acima aos meus inimigos como um ramo de oliveira conciliatório. Mas eles,
como é bastante comum com tais oferendas, a pisaram e voltaram-se para
atacar o doador. Contei demais com a boa vontade deles - Oh ! a raridade da
caridade cristã sob o sol ! Oh ! a raridade, também, de inteligência secular
comum! Supus ser uma questão de observação comum que, de duas visões
competitivas do universo que em todos os outros aspectos são iguais, mas das
quais a primeira nega alguma necessidade humana vital enquanto a segunda a
satisfaz, esta última seria favorecida pelos homens sensatos pela simples razão
de que faz o mundo parecer mais racional. Escolher a primeira visão sob tais
circunstâncias seria um ato ascético, um ato de abnegação filosófica do qual
nenhum homem seria culpado. Usando o teste pragmático do significado de
conceitos, mostrei que o conceito de absoluto significa nada mais que o doador
de feriados, o banidor do medo cósmico. Quando alguém diz "o absoluto
existe", sua libertação objetiva importa, na minha iniciação, simplesmente no
seguinte: que existe "alguma justificação de um sentimento de segurança em
presença do universo", e que recusar, sistematicamente, cultivar um sentimento
de segurança seria violentar uma tendência na vida emocional desse alguém
que deveria ser respeitada como profética.
O postulado é que as únicas coisas que são questionáveis entre filósofos são
coisas definíveis em termos da experiência. (Coisas de uma natureza não-
experienciável podem existir ad libitum, mas não fazem parte do material de
debate filosófico.)
Ora, a disputa antipragmática que tentei discutir neste volume pode ser tão
facilmente usada pelos racionalistas como armas ofensivas de resistência, não
só contra o pragmatismo mas também contra o empirismo radical (pois, se a
relação de verdade fosse transcendente, outras relações também deveriam ser
assim), que sinto, fortemente, a importância estratégica de tê-los
definitivamente enfrentado e afastado do caminho. O que nossos críticos mais
persistentes dizem é que, apesar de as operações serem concomitantes com a
verdade, ainda assim, elas não a constituem. A verdade lhes é numericamente
adicional, lhes é explanatória, e de modo algum é explicada por elas. Tal nos é
incessantemente dito. O primeiro ponto a ser estabelecido por nossos inimigos,
portanto, é que algo numericamente adicional e anterior às operações está
envolvido na verdade de uma idéia. Desde que o objeto é adicional, e
comumente anterior, muitos racionalistas o advogam e, audaciosamente, nos
acusam de negá-lo. Isto deixa nos espectadores a impressão - desde que não
podemos racionalmente negar a existência do objeto - que nossa consideração
da verdade cai por terra e que nossos críticos nos tiram de campo. Apesar de
tentar refutar, em vários lugares deste volume, o ataque calunioso de que
negamos a existência real, voltarei a dizer aqui, com ênfase, que a existência do
objeto, sempre que a idéia o afirma "verdadeiramente", é a única razão, em
inúmeros casos, pela qual a idéia opera com sucesso, se é que opera; e que, no
mínimo, parece um abuso de linguagem transferir a palavra "verdade" da idéia
para a existência do objeto, quando a falsidade de idéias que não operarão é
explicada pela existência assim como a verdade daquelas que operarão.
Encontro este abuso prevalecendo entre meus mais acirrados adversários. Mas,
uma vez estabelecido o costume verbal apropriado, deixe-se a palavra
"verdade" representar uma propriedade da idéia, deixe-se de fazê-la algo
misteriosamente ligado ao objeto conhecido, e o caminho se abre límpido e
amplo, como acredito, à discussão dos méritos do empirismo radical. A
verdade de uma idéia significa, pois, somente suas operações, ou aquilo que
pelas leis da psicologia comum estabelece essas operações; não significará nem
o objeto da idéia, nem nada "saltitante" dentro dela que os termos retirados da
experiência não possam descrever.
Mais uma palavra antes de terminar este prefácio. Uma distinção é algumas
vezes feita entre Dewey, Schiller e mim, como se eu, supondo a existência do
objeto, fizesse uma concessão ao prejuízo popular que eles, enquanto
pragmatistas mais radicais, se recusassem a fazer. Da maneira pela qual
entendo esses autores, nós três concordamos totalmente ao admitir a
transcendência do objeto (desde que haja um objeto experienciável) com
relação ao sujeito na relação de verdade. Dewey, particularmente, insistiu
quase ad nauseam que o signficado total de nossos estados e processos
cognitivos se funda na maneira pela qual eles intervêm no controle e
reavaliação das existências ou fatos independentes. Sua descrição do
conhecimento não só é absurda, mas carente de significado, a menos que
houvesse existências independentes das quais nossas idéias tomariam
conhecimento e para cuja transformação nossas idéias operariam. Mas, porque
ele e Schiller se recusam a discutir objetos e relações "transcendentes" no
sentido de serem totalmente trans-experienciais, seus críticos precipitam-se
sobre sentenças de seus escritos com o intuito de mostrar que eles negam a
existência, no domínio da experiência dos objetos externos, às idéias que
declaram sua presença nesse domínio2. Parece inacreditável que críticos cultos
e aparentemente sinceros falhem dessa maneira em perceber o ponto de vista
do adversário.
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Sinto-me honrado em apresentar as boas-vindas da escola pragmática ao professor
Carveth Read pela maneira em que se processa sua epistemologia. Veja-se seu
vigoroso livro The Metaphysics of Nature, 2ª edição, Apêndice A (London, Black,
1908). O trabalho What is Reality?, de Francis Howe Johnson (Boston, 1891), da qual
somente tive conhecimento enquanto corrigia as provas deste livro, contém algumas
antecipações surpreendentes da visão pragmática posterior. The Psychology of
Thìnking, de Irving E. Miller (N. York, Macmillan Co., 1909), que acaba de aparecer,
é um.dos mais convincentes documentos pragmáticos já publicados, embora não use a
palavra "pragmatismo".de maneira alguma. Ao fazer referências, não posso deixar de
inserir um dos artigos extraordinariamente profundos de H. V. Knox em Quartely
Review de abril, 1909. (N. do A.)