Você está na página 1de 7

“O SIGNIFICADO DA VERDADE”

William James, “Author`s Preface to the Meaning of Truth” in “Pragmatism


together with four related essays from The Meaning of Truth”, New York,
Longmans, Green and Co., 1949. Tradução de Pablo Rubén Mariconda.

OBS.: Este texto foi “scanneado” do livro “Pragmatismo e outros textos”, de


William James, publicado pela Editora Vitor Civita, de São Paulo, em 1985.
Esta cópia é divulgada para fins exclusivamente didáticos. Embora eu tenha
procurado revisar o texto depois de “scanneado”, é possível que ele ainda
contenha alguns erros decorrentes do procedimento de cópia. Se você encontrar
algum desses erros, por favor, aponte-o ao professor.

“A parte central de meu livro Pragmatismo é a consideração da relação


denominada "verdade" que pode ser obtida entre uma idéia (opinião, crença,
enunciado, ou qualquer coisa) e seu objeto. "Verdade", eu dizia nesse trabalho,
"é uma propriedade de algumas de nossas idéias. Significa seu acordo, assim
como a falsidade significa seu desacordo, com a realidade. Tanto os
pragmatistas como os intelectualistas aceitam esta definição como algo
natural”.

"Onde nossas idéias não copiam decisivamente seu objeto, o que significa o
acordo com esse objeto?... O pragmatismo, formula sua questão usual.
"Admitida a verdade de uma idéia ou a crença nessa verdade", diz o
pragmatismo, "que diferença concreta o fato dela ser verdadeira fará na vida
real de qualquer pessoa? Que experiências (podem) ser diferentes daquelas que
seriam obtidas se a crença fosse falsa? Como será a verdade constatada? Qual
é, em poucas palavras, o valor de verdade obtido em termos experienciais? No
momento exato em que o pragmatismo formula esta questão, ele percebe a
resposta: As idéias verdadeiras são aquelas que assimilamos, corroboramos e
verificamos. As idéias falsas são aquelas com as quais isso não é possível. Esta
é a diferença prática de ter idéias verdadeiras; este é, portanto, o significado da
verdade, pois é desta maneira que a verdade é conhecida como tal.

“A verdade de uma idéia não é uma propriedade estagnada inerente a ela. A


verdade acontece a uma idéia. A idéia se torna verdadeira pelos eventos. Sua
verdade é de fato um evento, um processo, o processo notadamente de se
verificar a si mesmo, sua verificação. Sua validade é o processo de sua
validação1”.

1
Mas “verificabilidade”, acrescento, é exatamente igual a verificação. Pois,
completado um processo de verdade, existe um milhão de outros processos em nossas
vidas que funcionam num estado de nascença. Eles nos conduzem para a verificação
direta, nos conduzem às proximidades do objeto que lhes visam; e então, se tudo se
processa harmoniosamente, ficamos tão seguros de que a verificação é possível que a
omitimos, e estamos comumente justificados por tudo o que acontece”. (N. do A.).
"Concordar com a realidade, no mais amplo sentido, só pode significar ser
conduzido diretamente para a realidade, ou para suas proximidades, ou ser
colocado numa tal operação de contato com a realidade que seja possível
manejá-la; ou manejar algo ligado a ela melhor do que se discordássemos.
Melhor tanto intelectual como praticamente... Qualquer idéia que nos ajuda a
lidar, quer prática quer intelectualmente, tanto com a realidade como com seus
pertences, que não emaranha nosso progresso em frustrações, que se ajusta de
fato e adapta nossa vida ao cenário completo da realidade, concordará
suficientemente para satisfazer o requisito. Será verdade para aquela
realidade."

Formulando brevemente, "o verdadeiro é o único expediente no curso do nosso


pensamento, da mesma maneira que o justo é o único expediente no curso do
nosso comportamento. Expediente de quase todo modo e expediente em geral,
obviamente, pois o que satisfaz experientemente toda experiência visível não
satisfará necessariamente da mesma maneira todas as experiências mais
distantes: A experiência, como sabemos, tem maneiras de transbordar e nos
fazer corrigir nossas fórmulas atuais".

Essa explicação de verdade, seguindo explicações similares dadas pelos


senhores Dewey e Schiller, ocasionou a mais viva discussão. Poucos críticos a
defenderam; a maioria a desdenhou. Parece evidente que o tema, sob sua
aparente simplicidade, é de fácil entendimento; e me parece também que seu
estabelecimento definitivo marcará passo decisivo na história da epistemologia,
e conseqüentemente na história da filosofia em geral. De maneira a tornar meu
próprio pensamento mais acessível àqueles que daqui por diante poderiam
estudar a questão, selecionei, para este volume, todo o trabalho de minha pena
que trata diretamente da questão da verdade. Meu primeiro juízo foi formulado
em 1884, no artigo que começa o presente volume. Os outros escritos seguem
na ordem de sua publicação. Dois ou três deles aparecem agora pela primeira
vez.

Uma das acusações que mais freqüentemente tive que enfrentar foi a de fazer a
verdade de nossas crenças religiosas consistir simplesmente no "sentir-se bem".
Lamento ter dado algum motivo para tal ataque, pela linguagem desprevenida
em que, no livro Pragmatismo, falei da verdade da crença de certos filósofos no
absoluto. Ao explicar por que não acredito no absoluto, mesmo achando ser
verdadeiro que ele pode assegurar "feriados morais" àqueles que precisam (se
obter "feriados morais" pode ser considerado um bem), eu ofereci a formulação
acima aos meus inimigos como um ramo de oliveira conciliatório. Mas eles,
como é bastante comum com tais oferendas, a pisaram e voltaram-se para
atacar o doador. Contei demais com a boa vontade deles - Oh ! a raridade da
caridade cristã sob o sol ! Oh ! a raridade, também, de inteligência secular
comum! Supus ser uma questão de observação comum que, de duas visões
competitivas do universo que em todos os outros aspectos são iguais, mas das
quais a primeira nega alguma necessidade humana vital enquanto a segunda a
satisfaz, esta última seria favorecida pelos homens sensatos pela simples razão
de que faz o mundo parecer mais racional. Escolher a primeira visão sob tais
circunstâncias seria um ato ascético, um ato de abnegação filosófica do qual
nenhum homem seria culpado. Usando o teste pragmático do significado de
conceitos, mostrei que o conceito de absoluto significa nada mais que o doador
de feriados, o banidor do medo cósmico. Quando alguém diz "o absoluto
existe", sua libertação objetiva importa, na minha iniciação, simplesmente no
seguinte: que existe "alguma justificação de um sentimento de segurança em
presença do universo", e que recusar, sistematicamente, cultivar um sentimento
de segurança seria violentar uma tendência na vida emocional desse alguém
que deveria ser respeitada como profética.

Aparentemente, meus críticos absolutistas falham em ver os trabalhos de suas


próprias mentes em qualquer descrição como esta, portanto tudo que posso
fazer é me desculpar e retirar minha oferenda. Assim, o absoluto não é
verdadeiro de maneira designada por mim !

Meu tratamento de "Deus", "liberdade" e "desígnio" era similar. Reduzindo,


através do teste pragmático, o significado de cada um desses conceitos à sua
operação experienciável positiva, mostrei que todos significavam a mesma
coisa, a saber, a presença da "esperança" no mundo. "Deus ou não Deus?"
significa "esperança ou não esperança?". Parece-me que a alternativa é
suficientemente objetiva, sendo uma questão de se o cosmo tem um caráter ou
outro, mesmo que vossa resposta provisória seja feita em bases subjetivas.
Contudo, críticos cristãos e não cristãos igualmente me acusaram de mandar as
pessoas dizerem "Deus existe", mesmo quando ele não existe, porque
certamente em minha filosofia a "verdade" do dito não significa realmente que
ele existe em qualquer forma que seja, mas somente que falar de tal modo faz
sentir bem.

A maior parte da contenda entre o pragmatista e o antipragmatista é a respeito


do que se sustenta ser o significado da palavra "verdade", e não a respeito de
qualquer dos fatos incorporados nas situações de verdade; porque tanto os
pragmatistas como os antipragmatistas acreditam nos objetos existentes, da
mesma maneira que acreditam em nossas idéias desses objetos. A diferença é
que, quando os pragmatistas falam da verdade, eles querem dizer
exclusivamente algo sobre as idéias e, notadamente, sua operacionalidade,
enquanto que, quando os antipragmatistas falam da verdade, parecem mais
freqüentemente querer dizer algo a respeito dos objetos. Desde que o
pragmatista concorda que uma idéia é "realmente" verdadeira, também
concorda com qualquer coisa que ela diz de seu objeto; e desde que muitos
antipragmatistas se uniram ao concordar que, se o objeto existe, a idéia que ele
assim produz é operacional, pareceria que fica tão pouco para disputar, que me
poderia ser perguntado por que, ao invés de reimprimir minha parte de maneira
verbal tão disputada, não mostro meu senso de "valores" queimando-a toda.

Entendo a questão e darei minha resposta. Estou interessado em outra doutrina


na filosofia à qual dei o nome de empirismo radical e me parece que o
estabelecimento da teoria pragmática da verdade é um passo de primeira
importância no sentido de fazer o empirismo radical prevalecer. O empirismo
radical consiste primeiro em um postulado, a seguir em um enunciado de fato
e, finalmente, numa conclusão generalizada.

O postulado é que as únicas coisas que são questionáveis entre filósofos são
coisas definíveis em termos da experiência. (Coisas de uma natureza não-
experienciável podem existir ad libitum, mas não fazem parte do material de
debate filosófico.)

O enunciado de fato é que relações conjuntivas, assim como disjuntivas, entre


coisas, .são simplesmente matérias da experiência direta particular, nem mais
nem menos, do que as próprias coisas o são.

A conclusão generalizada é que, portanto, as partes da experiência são


relacionadas coerentemente pelas relações que são também partes da
experiência. O universo diretamente apreendido não precisa, em poucas
palavras, de nenhuma sustentação de ligação trans-empírica estranha; mas
possui de seu próprio direito uma estrutura concatenada ou contínua.

O grande obstáculo ao empirismo radical, na opinião contemporânea, é a


arraigada crença racionalista de que a experiência tal como é imediatamente
dada é unicamente disjuntiva sem ter nenhuma conjunção, e que, para se fazer
um mundo a partir dessa separação, uma ação unificadora superior deve aí
existir. No idealismo predominante, essa ação é representada pela testemunha
absoluta, que "relaciona" as coisas entre si, atirando "categorias" sobre elas
como uma rede. Supõe-se que a mais peculiar e rara de todas essas categorias
seja, talvez, a relação de verdade, que liga partes da realidade em pares,
fazendo de uma dessas partes o que conhece e da outra uma coisa conhecida,
ainda que esta seja em si experiencialmente sem conteúdo, não seja descritível
nem redutível a termos inferiores e seja denotáveI somente pelo
pronunciamento do nome "verdade".

Ao contrário, a posição pragmatista da relação de verdade é que ela tem um


conteúdo definido e que tudo nela é experienciável. Toda a sua natureza pode
ser relatada em termos positivos. A operacionalidade que as idéias devem ter,
de forma a serem verdadeiras, significa as operações particulares, físicas ou
intelectuais, reais ou possíveis, que as idéias podem erigir entre as partes
interiores correlatas da experiência concreta. Se a contenda pragmática fosse
admitida, um passo fundamental na vitória do empirismo radical seria
realizado; pois a relação entre um objeto e a idéia que verdadeiramente o
conhece é tida pelos racionalistas como não sendo de maneira alguma
descrível, mas se estabelecendo fora de toda experiência temporal possível. Na
relação assim interpretada, o racionalismo costuma fazer seu último alento
mais obstinado.

Ora, a disputa antipragmática que tentei discutir neste volume pode ser tão
facilmente usada pelos racionalistas como armas ofensivas de resistência, não
só contra o pragmatismo mas também contra o empirismo radical (pois, se a
relação de verdade fosse transcendente, outras relações também deveriam ser
assim), que sinto, fortemente, a importância estratégica de tê-los
definitivamente enfrentado e afastado do caminho. O que nossos críticos mais
persistentes dizem é que, apesar de as operações serem concomitantes com a
verdade, ainda assim, elas não a constituem. A verdade lhes é numericamente
adicional, lhes é explanatória, e de modo algum é explicada por elas. Tal nos é
incessantemente dito. O primeiro ponto a ser estabelecido por nossos inimigos,
portanto, é que algo numericamente adicional e anterior às operações está
envolvido na verdade de uma idéia. Desde que o objeto é adicional, e
comumente anterior, muitos racionalistas o advogam e, audaciosamente, nos
acusam de negá-lo. Isto deixa nos espectadores a impressão - desde que não
podemos racionalmente negar a existência do objeto - que nossa consideração
da verdade cai por terra e que nossos críticos nos tiram de campo. Apesar de
tentar refutar, em vários lugares deste volume, o ataque calunioso de que
negamos a existência real, voltarei a dizer aqui, com ênfase, que a existência do
objeto, sempre que a idéia o afirma "verdadeiramente", é a única razão, em
inúmeros casos, pela qual a idéia opera com sucesso, se é que opera; e que, no
mínimo, parece um abuso de linguagem transferir a palavra "verdade" da idéia
para a existência do objeto, quando a falsidade de idéias que não operarão é
explicada pela existência assim como a verdade daquelas que operarão.

Encontro este abuso prevalecendo entre meus mais acirrados adversários. Mas,
uma vez estabelecido o costume verbal apropriado, deixe-se a palavra
"verdade" representar uma propriedade da idéia, deixe-se de fazê-la algo
misteriosamente ligado ao objeto conhecido, e o caminho se abre límpido e
amplo, como acredito, à discussão dos méritos do empirismo radical. A
verdade de uma idéia significa, pois, somente suas operações, ou aquilo que
pelas leis da psicologia comum estabelece essas operações; não significará nem
o objeto da idéia, nem nada "saltitante" dentro dela que os termos retirados da
experiência não possam descrever.

Mais uma palavra antes de terminar este prefácio. Uma distinção é algumas
vezes feita entre Dewey, Schiller e mim, como se eu, supondo a existência do
objeto, fizesse uma concessão ao prejuízo popular que eles, enquanto
pragmatistas mais radicais, se recusassem a fazer. Da maneira pela qual
entendo esses autores, nós três concordamos totalmente ao admitir a
transcendência do objeto (desde que haja um objeto experienciável) com
relação ao sujeito na relação de verdade. Dewey, particularmente, insistiu
quase ad nauseam que o signficado total de nossos estados e processos
cognitivos se funda na maneira pela qual eles intervêm no controle e
reavaliação das existências ou fatos independentes. Sua descrição do
conhecimento não só é absurda, mas carente de significado, a menos que
houvesse existências independentes das quais nossas idéias tomariam
conhecimento e para cuja transformação nossas idéias operariam. Mas, porque
ele e Schiller se recusam a discutir objetos e relações "transcendentes" no
sentido de serem totalmente trans-experienciais, seus críticos precipitam-se
sobre sentenças de seus escritos com o intuito de mostrar que eles negam a
existência, no domínio da experiência dos objetos externos, às idéias que
declaram sua presença nesse domínio2. Parece inacreditável que críticos cultos
e aparentemente sinceros falhem dessa maneira em perceber o ponto de vista
do adversário.

O que engana tantos críticos é possivelmente também o fato de que meu


universo de discurso e o de Schiller e Dewey são panoramas de extensão
diferente e que, o que um postula explicitamente, o outro provisoriamente
deixa só num estado de implicação, enquanto o leitor, por causa disso, o
considera negado. O universo de Schiller é menor, sendo essencialmente
psicológico. Ele começa com uma única espécie de coisa, as alegações da
verdade, mas é levado posteriormente aos fatos objetivos independentes que
elas afirmam, visto que, de todas as alegação, a que é validada com maior
sucesso é a de que tais fatos aí estão. Meu universo é essencialmente mais
epistemológico. Começo com duas coisas, os objetivos e as alegações, e indico
quais alegações, estando presentes os fatos operarão com sucesso como
substitutas destes últimos e quais não. Chamo as primeiras de verdadeiras. O
panorama de Dewey, se entendo este colega, é o mais amplo dos três, mas me
contenho de apresentar minha própria exposição de sua complexidade. Seja
suficiente dizer que ele sustenta tão firmemente quanto eu a independência dos
objetos com relação a nossos juízos. Se estou errado ao dizer isto, que me
corrija. Desculpo-me, nesta questão, pela possibilidade de ser corrigido
posteriormente.

Não pretendi considerar acima todos os críticos de minha interpretação da


verdade, tais como os srs. Taylor, Lovejoy, Gardiner, Bakewell, Creighton,
Hibben, Parodi, Salter, Carus, Lalande, Mentré, McTaggart, G. E. Moore, Ladd
e outros; especialmente não levo em consideração o professor Schinz, que
publicou, sob o título de Antipragmatismo, um romance sociológico muito
divertido. Alguns desses críticos me parecem trabalhar com uma falta de
habilidade quase patética para entender as teses que se esforçam por refutar.
Imagino que a maioria de suas dificuldades foi respondida por antecipação
noutra parte deste volume e estou certo de que meus leitores me agradecerão
por não ter acrescentado maior repetição à que já se encontra aqui.

95 Irving St., Cambridge (Mass.),


Agosto, 1909”.

2
Sinto-me honrado em apresentar as boas-vindas da escola pragmática ao professor
Carveth Read pela maneira em que se processa sua epistemologia. Veja-se seu
vigoroso livro The Metaphysics of Nature, 2ª edição, Apêndice A (London, Black,
1908). O trabalho What is Reality?, de Francis Howe Johnson (Boston, 1891), da qual
somente tive conhecimento enquanto corrigia as provas deste livro, contém algumas
antecipações surpreendentes da visão pragmática posterior. The Psychology of
Thìnking, de Irving E. Miller (N. York, Macmillan Co., 1909), que acaba de aparecer,
é um.dos mais convincentes documentos pragmáticos já publicados, embora não use a
palavra "pragmatismo".de maneira alguma. Ao fazer referências, não posso deixar de
inserir um dos artigos extraordinariamente profundos de H. V. Knox em Quartely
Review de abril, 1909. (N. do A.)

Você também pode gostar