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METODOLOGIA DA

PESQUISA CIENTÍFICA
Prof.ª ÉRICA DANIELLE SILVA
METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTÍFICA

Autora: Érica Danielle Silva


Graduada em Letras, com habilitação em Português e Inglês e mestre e
doutora em Letras pela Universidade Estadual de Maringá.

Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS.....................................................................................................05

UNIDADE I................................................................................................................................07

FUNDAMENTOS DA METODOLOGIA CIENTÍFICA: CIÊNCIA, METODOLOGIA E PESQUISA


CIENTÍFICA..............................................................................................................................08

CONVERSA INICIAL.................................................................................................................09

1 TIPOS DE CONHECIMENTO HUMANO................................................................................10

2 A CIÊNCIA ............................................................................................................................14

3 MÉTODO ..............................................................................................................................15
3.1 Método indutivo..............................................................................................................16
3.2 Método dedutivo.............................................................................................................16
3.3 Método dialético.............................................................................................................17

4 TIPOS E TÉCNICAS DE PESQUISA CIENTÍFICA...................................................................18


4.1 Do ponto de vista do método ........................................................................................19
4.1.1 Pesquisa qualitativa e quantitativa...........................................................................19
4.2 Do ponto de vista dos objetivos ....................................................................................21
4.2.1 Pesquisa exploratória................................................................................................21
4.2.2 Pesquisa descritiva....................................................................................................22
4.2.3 Pesquisa explicativa..................................................................................................23
4.3 Do ponto da natureza das fontes utilizadas para a abordagem e tratamento do obje-
to..............................................................................................................................................23
4.3.1 Pesquisa bibliográfica...............................................................................................23
4.3.2 Pesquisa documental................................................................................................23
4.3.3 Pesquisa de campo....................................................................................................24
4.3.4 Pesquisa participante................................................................................................24
4.3.5 Pesquisa-ação...........................................................................................................25
4.3.6 Estudo de caso...........................................................................................................26

5 TÉCNICAS DE PESQUISA/COLETA DE DADOS...................................................................28


5.1 Documentação................................................................................................................28
5.2 Entrevistas.......................................................................................................................28
5.3 História de vida...............................................................................................................30
5.4 Observação......................................................................................................................30
5.5 Questionário....................................................................................................................32

CONCLUSÃO............................................................................................................................43

REFERÊNCIAS..........................................................................................................................44
CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A disciplina de Metodologia do Trabalho Científico se faz presente no início da formação


acadêmica de estudantes dos mais variados cursos de graduação e pós-graduação. Mas qual é o
objetivo dessa disciplina? Para compreendê-la, vejamos, primeiramente, os objetivos do ensino
superior:

O ensino superior, tal qual se consolidou historicamente, na tradição ocidental, visa atingir
três objetivos, que são obviamente articulados entre si. O primeiro objetivo é o da for-
mação de profissionais das diferentes áreas aplicadas, mediante o ensino/aprendizagem
de habilidades e competências técnicas; o segundo objetivo é o da formação do cientista
mediante a disponibilização dos métodos e conteúdos de conhecimento das diversas es-
pecialidades do conhecimento; e o terceiro objetivo é aquele referente à formação do ci-
dadão, pelo estímulo de uma tomada de consciência, por parte do estudante, do sentido
de sua existência histórica, pessoal e social (SEVERINO, 2007, p. 23).

Para tanto, a universidade desenvolve atividades de ensino, de pesquisa e de extensão, que


se articulam a partir da pesquisa: só se aprende, só se ensina e só se presta serviços à comunidade
pela pesquisa. Dessa forma, ainda segundo Severino (2007), o processo de ensino e de aprendiza-
gem no curso superior se diferencia no modo como lida com o conhecimento, que passa a ser
adquirido por meio de seus processos e não mais pelo seu produto. Isso significa que, na univer-
sidade, o conhecimento deve ser construído pela experiência ativa do estudante e não mais ser
assimilado passivamente, como ocorre frequentemente no ensino fundamental e médio.

Assim, a atividade de pesquisa passa a ser um elemento fundamental no processo de en-


sino e aprendizagem. Por isso, cada vez mais são reconhecidas as modalidades de atividades de
iniciação ao procedimento científico, como, por exemplo, os projetos de Iniciação Científica e os
Trabalhos de Conclusão de Curso.

Diante do sobredito, essa disciplina tem como objetivo fornecer os pressupostos teórico-met-
odológicos de iniciação à pesquisa do trabalho científico, bem como as normas que o regem, de
forma a permitir que você, aluno(a), desenvolva hábitos de estudo científico e sistematizado, a fim
de aumentar seu nível de aproveitamento acadêmico, durante todo o curso de graduação.

Especificamente, essa disciplina tem como objetivos:

a. Discutir alguns aspectos pertinentes ao conceito de ciência e às formas de construção do


conhecimento;

b. Identificar e distinguir os diferentes tipos de pesquisa científica, articulando os elementos


teóricos que fundamentam o processo de compreensão acerca da natureza do conhecimento e os
seus níveis de explicação da realidade;

c. Caracterizar e aplicar técnicas de leitura, de escrita e de pesquisa que subsidiarão o desen-

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volvimento do discurso acadêmico/científico;

d. Sistematizar a estrutura e a função retórica dos gêneros fichamento, resumo, resenha,


artigo científico, monografia, dissertação e tese;

e. Subsidiar estruturalmente e metodologicamente a elaboração do projeto de pesquisa,


compreendendo-o como parte fundamental do processo de produção do conhecimento;

f. Demonstrar e aplicar as condições exigidas para a apresentação de citações em documen-


tos técnico-científicos e acadêmicos, a partir das orientações previstas na ABNT; e

g. Apreender noções básicas de organização da apresentação formal da pesquisa, sobretu-


do via comunicação oral.

A partir desses objetivos e atendendo à função da disciplina no curso de Administração, or-


ganizamos os temas em quatro unidades. Na Unidade 1, intitulada “Fundamentos da Metodologia
Científica: ciência, metodologia e pesquisa científica”, serão discutidos alguns aspectos básicos
pertinentes à ciência e às formas de construção do conhecimento, de modo que você compreen-
da os diferentes tipos de pesquisa científica, articulando os elementos teóricos que fundamentam
o processo de compreensão acerca da natureza do conhecimento e os seus níveis de explicação
da realidade.

Na Unidade 2, “Orientações para leitura, análise e redação de trabalhos científicos”, apresen-


taremos algumas orientações acerca do processo de leitura, de escrita e de pesquisa que podem
subsidiar o desenvolvimento do discurso acadêmico/científico. Além disso, sistematizaremos a
estrutura e a função retórica dos gêneros fichamento, resumo e resenha, frequentemente requeri-
dos no âmbito acadêmico.

Já a Unidade 3, denominada “Apresentação formal da pesquisa: orientações gerais e met-


odológicas”, oferecerá subsídios para a compreensão do projeto de pesquisa como parte funda-
mental do processo de produção do conhecimento. Além disso, a unidade apresentará noções
básicas de organização da apresentação formal da pesquisa, nas diferentes etapas de formação,
assim como algumas orientações quanto à comunicação oral.

A Unidade 4, “Normas da Associação Brasileira de Normas e Técnicas”, por sua vez, conforme
indicado no próprio título, apresentará as principais normas exigidas em documentos técni-
co-científicos e acadêmicos, a partir das orientações previstas na Associação Brasileira de Normas
e Técnicas (ABNT).

Esperamos, assim, que os assuntos abordados na disciplina estimule você, aluno(a), a val-
orizar os princípios da pesquisa como um meio de aprendizado durante sua vida acadêmica e
profissional, desenvolvendo um processo de profissionalização consciente e de aprimoramento
intelectual. Mas lembre-se: você não se tornará um pesquisador da noite para o dia. Tornar-se apto
para a produção científica é um processo gradativo, que nos é posto mediante muito exercício
e dificuldades. A leitura crítica, o uso sistemático de técnicas e de documentação e a tentativa
constante de relacionar teoria e prática são elementos essenciais na formação de um “espírito
científico”. Espírito este que possibilitará aprender os conhecimentos já existentes, produzir outros
conhecimentos, provocar a reflexão, o debate e o progresso da cultura e da ciência.

Bons estudos!

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UNIDADE I

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UNIDADE I
FUNDAMENTOS DA METODOLOGIA CIENTÍFICA:
CIÊNCIA, METODOLOGIA E PESQUISA CIENTÍFICA
Prof.ª Me. Érica Danielle Silva

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Ao finalizar esta unidade, você deverá ser capaz de discutir aspectos pertinentes à ciência e
às formas de construção do conhecimento, descrever e diferenciar os conceitos de ciência, pesqui-
sa e método, distinguir os diferentes tipos de pesquisa e apontar as técnicas e os instrumentos
utilizados para a coleta e análise de dados nas pesquisas científicas.

Plano de estudo

Serão abordados os seguintes tópicos:

1. Tipos de conhecimento humano.


2. A Ciência.
3. Método indutivo, dedutivo e dialético.
4. Tipos e técnicas de pesquisa científica.
5. Técnicas de pesquisa / coleta de dados.

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CONVERSA INICIAL
Em todos os níveis de ensino, exige-se do estudante atividades de pesquisa. Entretanto, é
na faculdade que essas atividades tomam outra dimensão, em relação à sua natureza e à sua fina-
lidade. Isso porque, em sentido amplo, muito do que se denomina “pesquisa” não passa de uma
cópia de informações sobre um assunto, muitas vezes nem referenciada devidamente.

Essa primeira unidade da disciplina de Metodologia do Trabalho Científico será seu primeiro
contato com o rigor científico de que suas pesquisas deverão ser constituídas a partir de ago-
ra. Com o tempo, ou seja, com a prática da pesquisa, você amadurecerá seu espírito científico e
aprenderá a utilizar os procedimentos adequados e operacionalizar as técnicas de investigação
com êxito.

O primeiro passo de nossa caminhada consistirá em apresentar, nesta unidade, as primeiras


reflexões sobre o “fazer ciência”. Afinal, você já parou para pensar nos tipos de conhecimento ex-
istentes, além do científico? Certamente você convive com vários deles. Iniciaremos, então, nossa
unidade discutindo acerca de alguns tipos de conhecimentos fundamentais existentes, conceitu-
ando o método para, então, conhecermos os tipos de pesquisa possíveis de serem desenvolvidos.

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1 TIPOS DE CONHECIMENTO HUMANO
Para discutirmos sobre conhecimento científico, é necessário diferenciá-lo de outros tipos
de conhecimento existentes. Para iniciar nosso trabalho, leia a reportagem abaixo, veiculada na
edição do dia 20/01/2009 do Jornal Nacional.

ÍNDIA MORDIDA POR COBRA DIVIDE MÉDICOS E PAJÉS

Uma índia de 12 anos mordida por uma cobra está no centro de uma polêmica no Amazonas:
de um lado, o tratamento médico convencional; do outro, as tradições indígenas.

A indiazinha deu entrada em um hospital público, em Manaus, há duas semanas. Segundo


os médicos, o local da picada da cobra, no pé, já apresentava sinais de necrose, quando as
lesões no tecido são irreversíveis.

A adolescente é da etnia tukano e vive em uma aldeia de São Gabriel da Cachoeira, no ex-
tremo norte do país. Segundo o tio da menina, João Paulo Barreto, a família foi impedida
de praticar rituais de cura no hospital.

Os médicos também não concordaram com as restrições alimentares impostas pelos índi-
os e em proibir o acesso ao local de gestantes e mulheres no período menstrual.

“Dentro da Carta Magna existe um artigo que garante esses direitos, o artigo 231, que diz
que devemos respeitar as tradições, línguas, costumes e formas de organização”, diz o tio.

O Ministério Público federal emitiu uma recomendação para que o tratamento da criança
conciliasse a medicina indígena com os métodos convencionais.

A recomendação foi atendida. O pajé passou a ter acesso à menina, desde que os rituais
não incomodassem os outros pacientes. Mas um impasse permaneceu.

“Não temos conhecimento da eficácia no resultado da aplicação combinada dos medica-


mentos convencionais com as ervas que são parte da tradição na cultura indígena”, alerta
Joaquim Alves, diretor do hospital.

Por causa da possibilidade de amputação, que não é aceita pelos tukanos, a família levou
a menina para a Casa de Apoio à Saúde Indígena, onde ela está sendo tratada por pajés e
por um cirurgião geral. O Ministério Público diz que vai continuar acompanhando o caso.

“A preocupação do Ministério Público federal é com a vida da criança. Nesse sentido, eu


vou analisar o caso com cuidado e verificar que providências eu vou tomar”, observa a
procuradora da República Luciana Portal Gadelha.

Disponível em <http://jornalnacional.globo.com/Telejornais/
JN/0,,MUL964736-10406,00-INDIA+MORDIDA+POR+COBRA+DIVIDE+MEDI-
COS+E+PAJES.html>. Acesso em: 01 out. 2012.

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Você pode notar que se mesclam, nesse exemplo, dois tipos de conhecimento: o científico
– representado pelos conhecimentos desenvolvidos pela medicina, e o indígena. Vejamos, com
mais detalhes, como se caracterizam quatro tipos de conhecimento humano, segundo a siste-
matização de Trujillo (1974):

Quadro 1 - Os quatro tipos de conhecimento humano


POPULAR CIENTÍFICO FILOSÓFICO RELIGIOSO
Valorativo Real (factual) Valorativo Valorativo
Reflexivo Contingente Racional Inspiracional
Assistemático Sistemático Sistemático Sistemático
Verificável Verificável Não verificável Não verificável
Falível Falível Infalível Infalível
Inexato Aprox. Exato Exato Exato
Fonte: Elaborado pela autora

FIQUE POR DENTRO

É importante destacar que, apesar dessa separação metodológica entre os tipos de


conhecimento, o indivíduo pode estar inserido nas diversas áreas. Por exemplo, um
cientista pode ser crente praticante de uma determinada religião, estar filiado a um
sistema filosófico ou ainda agir segundo conhecimentos provenientes do senso co-
mum.

Conhecimento popular

O conhecimento popular, por vezes denominado como senso comum, fundamenta-se a


partir da experiência (empírica), disseminada no seio da população (popular) comum e aceita por
todos (senso comum). Isso quer dizer que é um conhecimento obtido por experiências causais,
independentemente de estudos, pesquisas ou de aplicações de métodos.

Apesar de não ser dotado de rigor científico, o conhecimento popular não deve ser de-
sprezado, pois é ele a fonte de inspiração para a ciência. Por exemplo, é o conhecimento científico
que vai investigar as substâncias responsáveis pelos efeitos medicinais de plantas na melhora de
sintomas, crença transmitida de geração em geração no seio familiar, de modo informal.

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Conhecimento Filosófico

Etimologicamente, a palavra “filosofia” é composta pelos termos philos, que significa amigo,
e sophia, que significa sabedoria ou capacidade de perceber o certo e o errado, de debater sobre
a verdade e a falsidade, sobre o bem e o mal.

O ponto de partida do conhecimento filosófico consiste em hipóteses, que se baseiam em


experiências; logo, não são verificáveis, pois não podem ser confirmadas nem refutadas. Conforme
destacam Marconi e Lakatos (2010), o conhecimento filosófico se caracteriza por acionar a razão
pura para questionar os problemas humanos, a fim de discernir entre o certo e o errado. Dessa for-
ma, se por um lado o conhecimento científico abrange fatos concretos e fenômenos perceptíveis
pelos sentidos, por meio de instrumentos, técnicas e recursos de observação, por outro lado o
objeto de análise da filosofia são ideias, relações conceituais não redutíveis a realidades materiais,
logo não passíveis de observação sensorial direta ou indireta. Em suma, o conhecimento filosófico
está sempre à procura de uma concepção unificada, mais geral, tentando responder aos grandes
questionamentos do ser humano e até mesmo tentando formular leis universais que englobem e
harmonizem as conclusões da ciência.

Conhecimento Religioso

O conhecimento religioso se apoia em doutrinas que contêm proposições sagradas, revela-


das pelo sobrenatural. Logo, são verdades indiscutíveis, cujas evidências não são verificáveis, uma
vez que são consideradas revelações da divindade. Esse conhecimento implica, portanto, uma
atitude de fé das pessoas, perante uma verdade.

Conhecimento Científico

O conhecimento científico é real, uma vez que lida com fatos e ocorrências. Refere-se a todo
conhecimento obtido por meio de procedimentos metodológicos que possibilitam investigar a
realidade de forma organizada, por meio de aplicação de métodos que buscam responder como
e por que ocorrem os fatos e fenômenos. Em síntese, o conhecimento científico resulta de pesqui-
sa metódica e sistemática da realidade. E é sobre o conceito de ciência que dispensaremos uma
atenção especial a partir desse momento.

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LEITURA COMPLEMENTAR

Para aprofundar seus estudos sobre a ciência, leia o livro:

A FORÇA DO CONHECIMENTO

Autor: John Ziman


Idioma: Português
Editora: Itatiaia
Assunto: Sociologia
Edição: 1ª
Ano: 1981

Sinopse: O livro mostra de um modo lúcido e vívido a es-


sência das atitudes dos cientistas e, por meio de marcantes
contrastes entre o estilo e o assunto, sacode o leitor e o in-
duz a novos raciocínios.

Fonte: YOUTUBE, 2015

Em todas as unidades, serão sugeridos vários títulos de livros e artigos que enriquec-
erão nossas discussões. Para iniciar, sugerimos:

METODOLOGIA PARA QUEM QUER APRENDER

Autor: Pedro Demo


Idioma: Português
Editora: Atlas Editora
Assunto: Metodologia de Pesquisa
Edição: 1ª
Ano: 2008

Resumo: É um texto introdutório, que tem como referência o pro-


cesso de tornar-se autor, que significa construir uma autonomia,
enquanto alguém que é capaz de saber pensar, argumentar, pesquisar e elaborar uma
proposta própria.

Fonte: Elaborado pela autora.

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2 A CIÊNCIA
Segundo Eco (2005, p. 21), um estudo é científico quando responde a alguns requisitos. Ve-
jamos quais são.

• O estudo debruça-se sobre um objeto reconhecível e definido de tal maneira que seja
reconhecível igualmente pelos outros. O termo objeto, nesse âmbito, não possui necessaria-
mente um significado físico (coisa palpável). Quando definimos um objeto de pesquisa, significa
que definimos as condições sob as quais podemos falar, com base em certas regras que foram es-
tabelecidas por nós ou por outros pesquisadores. A raiz quadrada, por exemplo, pode ser tomada
como um objeto de estudo, apesar de nunca ninguém tê-la visto.

• O estudo deve dizer do objeto algo que ainda não foi dito ou rever sob uma óptica difer-
ente o que já se disse.

• O estudo deve ser útil aos demais. Conforme aponta Eco (2005), um trabalho é científico
se acrescentar algo à comunidade científica e for tomado como referência por pesquisadores do
mesmo tema.

• O estudo deve fornecer elementos para a verificação e a contestação das hipóteses


apresentadas, ou seja, o pesquisador deve fornecer provas que comprovam sua hipótese, mas
também proceder de maneira que outros pesquisadores continuem a pesquisar, a fim de conte-
star ou confirmar a hipótese.

Mas como poderíamos, então, definir “ciência”? De acordo com Ferrari (1974, p. 8 apud Mar-
coni e Lakatos, 2010, p. 62), “[...] a ciência é todo um conjunto de atitudes e atividades racionais, di-
rigidas ao sistemático conhecimento com objeto limitado, capaz de ser submetido à verificação”.

Marconi e Lakatos (2010) explicam que a ciência possui objetivo e finalidade (preocu-
pação em distinguir as leis gerais que regem determinados eventos), função (aperfeiçoamento da
relação entre o homem e o mundo) e objeto material (aquilo que se pretende estudar, analisar,
interpretar) e formal (o foco da pesquisa, como as diversas pesquisas que têm o mesmo objeto
material).

A necessidade de estudar e explicar o universo e a diversidade de fenômenos existentes


levou ao surgimento de diversos ramos de estudo e ciências específicas, o que fez com que a ciên-
cia fosse sistematizada e categorizada a partir de sua complexidade, quer por seu objeto ou tema,
quer pela metodologia empregada. Essa sistematização pode ser assim visualizada:

Figura 1 - A formação das ciências


humanas e os novos paradigmas
epistemológicos

Fonte: Adaptada de Severino (2007)

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3 MÉTODO
As definições podem até variar de um autor para outro. Entretanto, o caráter racional é pre-
dominante quando se trata de ciência. Logo, não há ciência sem o emprego de um método.

A palavra método, em relação à ciência, refere-se à maneira que o pesquisador escolhe para
investigar um objeto, um fato ou um fenômeno. Em outras palavras, é uma série de procedimen-
tos reflexivos e técnicos adotados para atingir um objetivo proposto.

Marconi e Lakatos (2010) destacam que, com o passar do tempo, muitas modificações foram
feitas em relação aos métodos existentes. Ressaltam, sobretudo, o conceito moderno de método
(independente do tipo), que cumpre seu objetivo quando realiza as seguintes etapas:

a. Descobre um problema ou uma lacuna em um conjunto de conhecimentos;


b. Define um problema com precisão;
c. Busca conhecimentos e/ou instrumentos que podem ser relevantes na resolução do problema;
d. Tenta solucionar o problema com o auxílio dos instrumentos identificados;
e. Inventa ideias (hipóteses, teorias ou técnicas) ou dados empíricos;
f. Obtém uma solução (exata ou aproximada);
g. Investiga as consequências da solução obtida;
h. Comprova a solução;
i. Corrige as hipóteses, teorias, procedimentos ou dados empregados, quando necessário.

Tais etapas podem ser assim esquematizadas (MARCONI; LAKATOS, 2010, p. 67):

Figura 2 - Etapas para o conceito de método

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Fonte: Adaptada de Marconi e Lakatos (2010)

Na literatura, existem diferentes tipos de métodos. Neste momento, serão apresentados al-
guns deles.

3.1 Método Indutivo


Em linhas gerais, na indução, o pensamento percorre um caminho partindo de fatos particu-
lares em direção aos fatos universais. Em outras palavras, uma generalização é construída a partir
da observação de dados. O objetivo dos argumentos indutivos é levar a conclusões cujo conteúdo
é muito mais abrangente do que as premissas nas quais se baseiam.

Segundo Marconi e Lakatos (2010), o método indutivo passa por três etapas. São elas:

• a observação dos fenômenos: o investigador parte da observação de fatos e fenômenos,


com a finalidade de descobrir as causas de sua manifestação;
• a descoberta da relação entre eles: a seguir, por meio da comparação, o investigador
aproxima os fatos para descobrir a relação existente entre eles;
• generalização da relação: com base na relação verificada, o investigador generaliza a
relação.

Exemplo: estudos feitos com uma amostra de uma população. Após análises, os resultados
são generalizados para toda a população da mesma espécie.

3.2 Método Dedutivo


Na dedução, o raciocínio parte de uma premissa geral para uma particular. Vejamos os ex-
emplos expostos por Marconi e Lakatos (2010) para ilustrar a diferença entre argumentos deduti-
vos e indutivos:

Dedutivo:
Todo mamífero tem um coração.
Ora, todos os cães são mamíferos.
Logo, todos os cães têm um coração.

Indutivo:
Todos os cães que foram observados tinham um coração.
Logo, todos os cães têm um coração.

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FIQUE POR DENTRO

Para saber sobre outros tipos de argumentos dedutivos e indutivos, cf. o Capítulo 4 de
Lakatos e Marconi (2010).

Salmon (1978, p. 30-31 apud Marconi e Lakatos 2010, p. 73) aponta duas características
básicas que diferenciam os argumentos dedutivos dos indutivos. São elas:

DEDUTIVOS INDUTIVOS
I. Se todas as premissas são ver- I. Se todas as premissas são
dadeiras, a conclusão DEVE verdadeiras, a conclusão é
ser verdadeira. provavelmente verdadeira,
mas não necessariamente
verdadeira.
II. Toda informação ou conteú- II. A conclusão encerra a infor-
do fatual da conclusão já es- mação que não estava, nem
tava, pelo menos implicita- implicitamente, nas premis-
mente, nas premissas. sas.

3.3 Método Dialético


Muito usado nas Ciências Sociais, o Método Dialético é antigo e passou por diferentes con-
cepções ao longo da história. Platão considerava, por exemplo, a dialética como a arte do diálogo.
Já na Antiguidade e na Idade Média, esse método era sinônimo de lógica. Na concepção moderna,
Marx e Engels criaram a “dialética materialista”.

Independente dos autores que defendem o Método Dialético, Marconi e Lakatos (2010) uni-
ficam quatro leis fundamentais desse método:

a) Ação recíproca, unidade polar ou “tudo se relaciona”. A dialética compreende o mun-


do como um conjunto de processos nos quais o fim de um é sempre o começo de outro. Entre-
tanto, as coisas formam um todo coerente e dependente: tanto a natureza como a sociedade são
compostas de objetos e fenômenos ligados entre si, condicionando-se reciprocamente.

b) Mudança dialética, negação da negação ou “tudo se transforma”. Toda transformação


opera-se por meio das contradições ou pela negação de uma coisa. A negação é considerada o
ponto de transformação das coisas em seu contrário.

c) Passagem da quantidade à qualidade ou mudança qualitativa. A mudança das coisas


não pode ser indefinidamente quantitativa. Uma vez transformadas, em determinado momento,

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as coisas sofrem a mudança qualitativa. A quantidade transforma-se em qualidade.

d) Interpenetração dos contrários, contradição ou luta dos contrários. Enquanto


princípio de desenvolvimento, a contradição é interna, inovadora e unidade dos contrários.

FIQUE POR DENTRO

Importa destacar que há outros métodos, por exemplo, aqueles específicos das ciên-
cias sociais. Destacam-se os métodos histórico, comparativo, monográfico, estatístico,
tipológico, funcionalista e o estruturalista, etnográfico e clínico. A escolha do méto-
do depende, portanto, do problema de pesquisa levantado, da teoria que sustenta a
pesquisa e dos objetivos, entre outros fatores.

4 TIPOS E TÉCNICAS DE PESQUISA CIENTÍFICA


Segundo Andrade (2010, p. 109), pesquisar é o “[...] conjunto de procedimentos sistemáticos,
baseado no raciocínio lógico, que tem por objetivo encontrar soluções para problemas propostos,
mediante a utilização de métodos científicos”. Apesar de inúmeras outras definições que poderi-
am ser levantadas em relação à pesquisa, uma característica é comum a todas: o caráter racional
dos métodos empregados na pesquisa.

A pesquisa pode ser classificada também de diversas formas, segundo critérios variados.
Se considerarmos as duas principais finalidades da pesquisa como (I) o enriquecimento teóricos
das ciências e (II) seu valor prático ou pragmático da realidade, então temos uma primeira grande
divisão da pesquisa em dois tipos: a pura e a aplicada.

No primeiro caso, a pesquisa é um tipo de estudo sistemático motivado pela curiosidade


intelectual. Segundo Andrade (2010), a pesquisa “pura” ou “fundamental” é desenvolvida por cien-
tistas e contribui para o progresso da Ciência.

Já no caso da pesquisa aplicada, a pesquisa objetiva aplicações práticas e soluções para


problemas concretos, a fim de atender às exigências da vida moderna. Esse tipo de pesquisa tam-
bém é denominado “empírico”, uma vez que o pesquisador necessita ir a campo para presenciar
relações sociais.

Andrade (2010, p. 110-111) destaca, entretanto, que esses dois grandes blocos não são inde-
pendentes entre si. Nas palavras da autora, “[...] a pesquisa ‘pura’ pode, eventualmente, proporcio-
nar conhecimentos passíveis de aplicações práticas, enquanto a ‘aplicada’ pode resultar na desco-

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berta de princípios científicos que promovam o avanço do conhecimento em determinada área”.

Existem, entretanto, outras maneiras de classificarmos e nomearmos os tipos de pesquisa, a


partir de alguns critérios. Vejamos o quadro a seguir:

Quadro 2 - Critérios para a classificação do tipo de pesquisa


- Qualitativa
Pesquisa quanto ao método
- Quantitativa
- Exploratória
Pesquisa quanto aos objetivos - Descritiva
- Explicativa
- Bibliográfica
- Documental
Quanto à natureza das fontes utilizadas para - De campo
a abordagem e tratamento do objeto - Pesquisa participante
- Pesquisa-ação
- Estudo de caso
Fonte: Elaborado pela autora

4.1 Do Ponto de Vista do Método

4.1.1 Pesquisa qualitativa e quantitativa


A pesquisa qualitativa caracteriza-se, em princípio, pela não utilização de instrumental es-
tatístico na análise dos dados. Isso significa que, para atribuir cientificidade a uma pesquisa desse
tipo, são acionados conhecimentos teórico-empíricos. Bogdan (apud TRIVIÑOS, 1987) aponta cin-
co características do estudo qualitativo:

a. A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como fonte direta dos dados e o
pesquisador como instrumento-chave. Isso quer dizer que um estudo qualitativo tem como
preocupação básica o mundo empírico em seu ambiente natural. No trabalho de campo, por ex-
emplo, o pesquisador é quem observa, seleciona, interpreta e registra os comentários e as infor-
mações do mundo natural. Logo, é necessário que o pesquisador tenha a capacidade para ouvir,
perspicácia para observar, disciplina para registrar o que foi observado e as declarações coletadas,
organização, paciência e capacidade de interação com o grupo de investigadores e com as pes-
soas envolvidas na pesquisa.

b. A pesquisa qualitativa é descritiva. Isso porque esse tipo de pesquisa preocupa-se em


descrever os fenômenos por meio dos significados que o ambiente manifesta. As formas de coleta
de dados comuns são a transcrição de entrevistas, narrativas, declarações, fotografias, desenhos,
documentos e diários pessoais.

c. Os pesquisadores estão preocupados com o processo. O pesquisador deve preocu-


par-se em conhecer como determinados fenômenos se manifestam, ou seja, o processo, e não o

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produto/resultado.

d. Os pesquisadores tendem a analisar os dados indutivamente. As abstrações são con-


struídas a partir de dados, num processo de baixo para cima.

e. O significado é a preocupação essencial. Isso significa que o pesquisador, nesse tipo de


pesquisa, busca compreender os fenômenos a partir do ponto de vista dos participantes.

FIQUE POR DENTRO

Exemplo de pesquisa qualitativa:

Organizações Públicas Governamentais em processo de mudança e seu quadro de fun-


cionários: incentivos, motivações e desmotivações. De Ana Marcia Fornaziero Ramos,
Ovidio Felippe Pereira da Silva Junior. Disponível em: <http://www.anpad.org.br/ad-
min/pdf/APS-A909.pdf>. Acesso em: 28 de novembro de 2012.

Já a pesquisa quantitativa caracteriza-se pelo emprego de instrumentos estatísticos, tanto


na coleta quanto no tratamento dos dados. Em suma, esse tipo de pesquisa preocupa-se com a
representatividade numérica, ou seja, com a medição objetiva e quantificação dos resultados.

FIQUE POR DENTRO

Exemplo de pesquisa quantitativa:

Competências profissionais relevantes à qualidade no atendimento bancário. Autores:


Hugo Pena Brandão, Jairo Eduardo Borges-Andrade, Tomás de Aquino Guimarães.
Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view-
File/6415/5000>. Acesso em: 20 nov. 2012.

20
Importa destacar que as pesquisas qualitativa e quantitativa são complementares, podendo
ser utilizadas em uma mesma pesquisa. Como exemplo, vide o estudo intitulado “As consequên-
cias comportamentais da insatisfação dos clientes”, dos autores Daniel Von der Heyde Fernandes
e Cristiane Pizzuti dos Santos, disponível em <http://www.scielo.br/pdf/rac/v12nspe/a07v12ns.
pdf>. A pesquisa foi desenvolvida em três etapas. Na primeira, qualitativa, foram realizadas 16
entrevistas em profundidade, que deram origem ao instrumento de coleta de dados. Na segun-
da, a eficácia da manipulação da variável a ser controlada na pesquisa experimental – nível de
insatisfação – foi qualitativamente validada com 22 entrevistados. Finalmente, um questionário
estruturado foi aplicado a 480 estudantes de graduação. Os resultados mostram que o impacto do
nível de insatisfação nas intenções de comunicação boca-a-boca negativa e troca de empresa é
alto. Em relação à intenção de reclamação, o impacto da autoconfiança do consumidor é superior
à influência das demais variáveis. A atitude em face da reclamação exerceu papel de moderadora
entre o nível de insatisfação e a intenção de reclamação. Esses resultados fornecem implicações
acadêmicas e gerenciais para minimizar a troca de fornecedor e a comunicação negativa e au-
mentar os índices de reclamação e, portanto, as oportunidades de remediar problemas.

FIQUE POR DENTRO

Severino (2007, p. 119) chama a atenção para o fato de que quando tratamos de pesqui-
sa qualitativa e quantitativa ou metodologia qualitativa e quantitativa, não se está
referindo a uma modalidade de metodologia em particular. O autor prefere denominar,
então, de abordagem quantitativa e abordagem qualitativa. Afinal, “[...] são várias met-
odologias de pesquisa que podem adotar uma abordagem qualitativa, modo de dizer
que faz referência mais a seus fundamentos epistemológicos do que propriamente a
especificidades metodológicas”.

4.2 Do Ponto de Vista dos Objetivos

4.2.1 Pesquisa exploratória


Segundo Severino (2007, p. 123), a pesquisa exploratória objetiva “[...] levantar informações
sobre um determinado objeto, delimitando assim um campo de trabalho, mapeando as condições
de manifestação desse objeto”. Esse tipo de pesquisa explora, assim, a realidade, buscando maior
conhecimento, para depois planejar uma pesquisa explicativa ou descritiva.

21
FIQUE POR DENTRO

Exemplo de pesquisa exploratória:

Investigando portais de governo eletrônico de estados no Brasil: muita tecnologia, pouca


democracia. Autor: José Antônio Gomes de Pinho. Disponível em: <http://www.scielo.
br/pdf/rap/v42n3/a03v42n3.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2012.

4.2.2 Pesquisa descritiva


Como o próprio nome diz, a pesquisa descritiva tem o objetivo de “[...] descrever com ex-
atidão os fatos e fenômenos de determinada realidade” (TRIVIÑOS, 1987, p. 100, grifo do autor). É
claro que quando se fala em descrever com “exatidão”, não estamos nos referindo a uma descrição
“fiel” da realidade, mas sim que os fenômenos são estudados a partir do olhar do pesquisador e
de sua teoria. Nesse sentido, o pesquisador deve se afastar do objeto enquanto objeto de suas
relações pessoais e assumir uma rigorosidade científica no que concerne a coleta e análise dos
dados.

Andrade (2010) destaca que pesquisas descritivas são normalmente solicitadas por empre-
sas comerciais (aceitação de novas marcas, novos produtos ou embalagens), institutos pedagógi-
cos (nível de escolaridade, por exemplo) e partidos políticos (preferências eleitorais), entre outros.
A autora salienta ainda que uma das características desse tipo de pesquisa é a técnica padronizada
da coleta de dados, frequentemente feita por meio de questionários e da observação sistemática.

FIQUE POR DENTRO

Exemplo de pesquisa descritiva:

Marca e etnocentrismo: uma pesquisa descritiva com consumidores mineiros. Autores:


Sany Karla Machado, Fabiana Borges Gonçalves Biasi e Odilon José de Oliveira Neto.
Disponível em: <http://www.convibra.com.br/2009/artigos/57_0.pdf>. Acesso em: 05
dez. 2012.

22
4.2.3 Pesquisa explicativa
A pesquisa explicativa é aquela em que se busca, além de registrar os fenômenos estudados,
identificar suas causas, seja por meio da aplicação do método experimental ou por meio da inter-
pretação por métodos qualitativos.

4.3 Do Ponto da Natureza das Fontes Utilizadas para a


Abordagem e Tratamento do Objeto

4.3.1 Pesquisa bibliográfica


Como o próprio nome diz, a pesquisa bibliográfica se fundamenta a partir de registros
decorrentes de pesquisas anteriores, em documentos impressos como livros, artigos e teses, entre
outros. Esse tipo de pesquisa se restringe ao campo de atuação no levantamento e na discussão
da produção bibliográfica existente sobre o tema. Pode ser um trabalho independente ou pode
ser o passo inicial de outra pesquisa.

FIQUE POR DENTRO

Exemplo de pesquisa bibliográfica:

Sistema Stanislavski: o processo criativo nas organizações. Autores: Lessandra Scherer


Severo, Edinice Mei Silva. Disponível em: <http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/
adm/article/view/1182>. Acesso em: 03 dez. 2012.

4.3.2 Pesquisa documental


A pesquisa documental, semelhante à pesquisa bibliográfica, utiliza-se de fontes documen-
tais. A diferença é que ela não se limita a documentos impressos, mas se amplia a outros tipos de
documentos, como jornais, fotos, filmes, gravações e documentos legais. Nesses casos assinala-
dos, os conteúdos dos textos ainda não tiveram tratamento analítico. Assim, são matérias-primas
a partir das quais o pesquisador vai desenvolver sua investigação e análise.

23
FIQUE POR DENTRO

Exemplo de pesquisa documental:

Políticas públicas para as comunicações no Brasil: adequação tecnológica e liberdade de


expressão. Autores: Octavio Penna Pieranti, Paulo Emílio Matos Martins. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rap/v42n2/05.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2012.

4.3.3 Pesquisa de campo


Nesse tipo de pesquisa, o objeto é abordado em seu meio ambiente próprio (SEVERINO,
2007). A palavra “campo” quer dizer que o estudo é realizado num ambiente real. Abrange desde
os levantamentos, que são mais descritivos, até estudos mais analíticos.

FIQUE POR DENTRO

Exemplo de pesquisa de campo:

Produção científica em administração de empresas: provocações, insinuações e con-


tribuições para um debate local. Autores: Carlos Osmar Bertero; Miguel Pinto Caldas;
Thomaz Wood Jr. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttex-
t&pid=S1415-65551999000100009> . Acesso em: 4 dez. 2012.

4.3.4 Pesquisa participante


Segundo Severino (2007), nesse tipo de pesquisa, o pesquisador, para realizar a observação
dos fenômenos, compartilha a vivência dos sujeitos pesquisados. Ou seja, o pesquisador participa
de forma sintética e permanente das atividades, ao longo da pesquisa. O pesquisador se identifica
com os sujeitos pesquisados, de forma a interagir com eles em todas as situações.

24
LEITURA COMPLEMENTAR

Como exemplos de pesquisa participante, sugerimos as seguintes dicas de leitura:

REPENSANDO A PESQUISA PARTICIPANTE

Autor: Carlos Brandão Rodrigues


Idioma: Português
Editora: Brasiliense
Assunto: Ciências Sociais, Antropologia
Edição: 1ª
Ano: 1999

Sinopse: Reunião de artigos sobre questões metodológi-


cas e práticas relativas à pesquisa participante.

Fonte: LIVRARIA CULTURA, 2017

PESQUISA PARTICIPANTE: SABER, PENSAR E INTERVIR


JUNTOS

Autor: Pedro Demo


Idioma: Português
Editora: Liber Livro
Assunto: Metodologia de Pesquisa
Edição: 1ª
Ano: 2005

Sinopse: Desde a década de 70 do século passado, alas-


trou-se o interesse em torno da ‘Pesquisa Participante’,
destacando-se, sobretudo, grupos americanos (principal-
mente, latino-americanos), asiáticos e africanos.

Fonte: LIVRARIA CULTURA, 2017

4.3.5 Pesquisa-ação
A pesquisa-ação é aquela que visa, além de compreender, intervir em uma determinada
situação, com o objetivo de modificá-la. Assim, além de diagnosticar a realidade investigada, a
pesquisa-ação propõe mudanças que levem a um aprimoramento das práticas analisadas.

25
LEITURA COMPLEMENTAR

Como exemplos de pesquisa-ação, sugerimos as seguintes dicas de leitura:

A PESQUISA-AÇÃO

Autor: René Barbier


Idioma: Português
Editora: Liber Livro
Assunto: Metodologia de Pesquisa
Edição: 1ª
Ano: 2013

Sinopse: No dizer de Bernardete Gatti, coordenadora da série Pesquisa, “[...] trata-se de


um rico texto de René Barbier ao trazer uma visão que avança em relação às premissas
dessa modalidade investigativa da realidade social”.

Fonte: LIVRARIA CULTURA, 2017

METODOLOGIA DA PESQUISA-AÇÃO

Autor: Michel Thiollent


Idioma: Português
Editora: Cortez
Assunto: Metodologia de Pesquisa
Edição: 18ª
Ano: 2008

Sinopse: ‘Metodologia da Pesquisa-Ação’, em sua 14º


edição, busca iniciar a atualização da metodologia de
pesquisa-ação, foi acrescentando um posfácio no qual
o autor sugere novas questões e indica referências bibli-
ográficas mais recentes.

Fonte: LIVRARIA CULTURA, 2017

4.3.6 Estudo de caso


Esse tipo de pesquisa concentra-se no estudo de um caso particular, considerado repre-
sentativo em um conjunto de casos (SEVERINO, 2007). A coleta de dados e sua análise são muito

26
parecidas com as pesquisas de campo.

Segundo Severino (2007, p. 121), “[...] o caso escolhido para a pesquisa deve ser significativo
e bem representativo, de modo a ser apto a fundamentar uma generalização para situações análo-
gas, autorizando inferências”.

LEITURA COMPLEMENTAR

Como exemplos de estudo de caso, sugerimos as seguintes dicas de leitura:

ESTUDO DE CASO EM PESQUISA E AVALIAÇÃO EDUCACIONAL

Autora: Marli Elisa D. A. de André


Idioma: Português
Editora: Liber Livro
Assunto: Pedagogia
Edição: 1ª
Ano: 2005

Sinopse: A autora desenvolve uma criteriosa análise sobre os diferentes enfoques da-
dos ao estudo de caso, tanto no país como no exterior. Adverte, entretanto, que no
enfoque educativo, a preocupação dos pesquisadores é com a compreensão da ação
educativa.

Fonte: LIVRARIA CULTURA, 2017

ESTUDO DE CASO

Autor: Robert K. Yin


Idioma: Português
Editora: Bookman
Assunto: Metodologia de Pesquisa
Edição: 1ª
Ano: 2015

Sinopse: O livro apresenta, de forma resumida, um méto-


do de pesquisa para a investigação de inferências válidas
a partir de eventos que se encontrem fora dos limites do
laboratório, ao mesmo tempo em que mantém os objeti-

27
vos do conhecimento compartilhado com a ciência laboratorial.

Fonte: LIVRARIA CULTURA, 2017

5 TÉCNICAS DE PESQUISA/COLETA DE DADOS


As técnicas de pesquisa dizem respeito aos procedimentos operacionais que medeiam a
realização da pesquisa. Apesar de poderem ser utilizadas em pesquisas conduzidas por diferentes
métodos, Severino (2007) chama atenção para o fato de que as técnicas de pesquisa devem ser
compatíveis com os métodos adotados. Vejamos algumas técnicas.

5.1 Documentação
A pesquisa documental é toda forma de registro e sistematização de dados e informações
que os tornam analisáveis pelo pesquisador. Yin (2001) destaca que a documentacão é estável, já
que pode ser revisada quantas vezes forem necessárias, e exata, pois contém nomes, referências e
detalhes. Entretanto, o autor também aponta que a capacidade de recuperação dos documentos
pode ser baixa, a seleção pode ser tendenciosa e o acesso pode ser negado.

Foster (apud ROESCH, 1999) destaca algumas orientações importantes para uso de docu-
mentos em pesquisas científicas:

• Negociação do acesso aos documentos: sempre deixe claro o objetivo de sua pesquisa, já
que muitos documentos são sigilosos ou alguns deles não podem ser copiados, somente consul-
tados.
• Verifique a autenticidade do documento junto às pessoas que os produziram ou têm sua
posse.
• Tente compreender e identificar o assunto e o tema de cada documento.

5.2 Entrevistas
A entrevista é uma técnica de coleta de informações solicitadas diretamente aos sujeitos
pesquisados, numa situação de conversação efetuada face a face, de maneira metódica. Marconi
e Lakatos (2010) destacam os seis tipos de objetivos da entrevista segundo Selltiz (1965):

• Averiguação dos fatos: O pesquisador verifica se as pessoas que estão de posse de certas

28
informações podem compreendê-las.

• Determinação das opiniões sobre os fatos: As pessoas pensam ou acreditam nos fatos?

• Determinação de sentimentos: O pesquisador busca compreender a conduta do pesqui-


sado por seus sentimentos e anseios.

• Dercoberta de planos de ação: O pesquisador tenta descobrir qual é a conduta adequada


a determinadas situações – o que deveria ter sido feito e o que é possível de ser feito.

• Conduta atual ou do passado: Inferência em relação à conduta que a pessoa terá no fu-
turo, a partir de seu comportamento no passado ou no presente.

• Motivos conscientes para opiniões, sentimentos, sistemas ou condutas: Que fatores


podem influenciar as opiniões, sentimentos e condutas? Por quê?

Marconi e Lakatos (2010) também destacam os tipos de entrevistas:

a) Padronizada ou Estruturada: Neste tipo de pesquisa, o entrevistador segue um roteiro


previamente estabelecido. O pesquisador não é livre para adaptar as perguntas de acordo com a
situação, alterar a ordem dos tópicos ou fazer outras perguntas.

b) Despadronizada ou não estruturada: O entrevistor pode desenvolver explorar mais am-


plamente uma questão, direcionando a entrevista para o que considerar mais adequado.

c) Painel: As perguntas são repetidas, de tempo em tempo, às mesmas pessoas, a fim de se


estudar a evolução das opiniões em períodos curtos.

Quais são as vantagens dessa técnica? E suas limitações? Vejamos o quadro a seguir, formu-
lado a partir das considerações de Marconi e Lakatos (2010):

Quadro 3 - Vantagens e limitações da técnica Painel


Vantagens Limitações
Pode ser usada com todos os segmentos da Pode haver dificuldade de expressão e comuni-
população, inclusive os analfabetos. cação de ambas as partes.
Há maior flexibilidade, uma vez que o entrev- O informante pode ser influenciado, consciente
istador pode repetir ou esclarecer perguntas, a ou inconscientemente, pelo entrevistador.
fim de garantir que está sendo compreendido.
Há a oportunidade de avaliar atitudes e condu- O entrevistado pode não estar disposto a for-
tas. necer informações importantes.
O pesquisador pode obter dados significativos O informante pode reter alguns dados impor-
e relevantes que não estão documentados. tantes, visto o receio de que sua identidade
seja revelada.
Permite que os dados recebam um tratamento Ocupa muito tempo de ambas as partes.
quantitativo.
Fonte: Adaptado de Marconi e Lakatos (2010)

29
FIQUE POR DENTRO

Em hipótese alguma o entrevistador deve opinar ou emitir qualquer julgamento tanto


sobre o tema quanto sobre a manifestação verbal e não verbal do entrevistado.

Para que a técnica da entrevista seja conduzida de forma adequada, é necessário que o
pesquisador tome alguns cuidados. O pesquisador precisa ter claro o objetivo que quer alcançar.
Para tanto, deve organizar previamente um roteiro com as questões importantes. Além disso, o
entrevistador deve conhecer previamente o entrevistado e marcar com antecedência a hora e o
local, para assegurar uma recepção adequada. É fundamental garantir ao entrevistado o segredo
de suas declarações e de sua identidade.

5.3 História de vida


Algumas informações da vida pessoal de um ou vários informantes podem ser coletadas de
formas variadas: autobiografia, memorial ou crônica.

5.4 Observação
A técnica da observação não consiste apenas em ver e ouvir, mas examinar os fatos ou
fenômenos que se deseja estudar. Marconi e Lakatos (2010) destacam que, do ponto de vista
científico, há uma série de vantagens e limitações (assim como outras técnicas). Logo, é necessário
aplicar mais de uma técnica ao mesmo tempo. Vejamos:

Quadro 4 - Vantagens e limitações da Observação


Vantagens Limitações
Possibilita meios diretos e satisfatórios para es- O observado tende a criar impressões fa-
tudar uma ampla variedade de fenômenos. voráveis ou desfavoráveis no observador.
A ocorrência espontânea não pode ser previs-
Exige menos do pesquisador, se comparado
ta, o que impede, muitas vezes, o observador
com outras técnicas.
de presenciar o fato.
Permite coletar dados sobre um conjunto de Podem ocorrer imprevistos que interferem na
atitudes comportamentais típicas. tarefa do pesquisador.

30
A duração dos acontecimentos é variável. Se
Depende menos da introspecção ou da reflex-
dois fatos ocorrerem simultaneamente, tor-
ão.
na-se difícil a coleta de dados.
Permite a evidência de dados não constantes Vários aspectos da vida cotidiana e/ou partic-
do roteiro de entrevistas ou de questionários. ular podem não ser acessíveis ao pesquisador.
Fonte: Adaptado de Marconi e Lakatos (2010)

Ander-Egg (1978, apud Marconi e Lakatos, 2010) apresenta quatro tipos de modalidades de
observação, que variam de acordo com a circunstância. São elas:

Quadro 5 - Modalidades da Observação


Observação não estruturada (Assistemáti-
ca): Consiste em recolher e registrar os fatos da
realidade sem que o pesquisador utilize meios
técnicos especiais, ou faça perguntas diretas.
O êxito dessa técnica depende da atenção do
Segundo os meios utilizados pesquisador em relação aos fenômenos que
ocorrem no mundo que o cerca.
Observação estruturada (Sistemática): Utili-
za instrumentos para a coleta de dados. Reali-
za-se em condições controladas.
Observação não participante: O pesquisador
toma contato com o grupo e/ou realidade es-
tudada, mas sem integrar-se a ela. Seu papel é
o de espectador.
Segundo a participação do observador Observação participante: O pesquisador par-
ticipa do grupo pesquisado. Pode ser natural,
ou seja, o pesquisador pertence ao grupo que
investiga, ou artificial, em que o observador in-
tegra-se ao grupo com o objetivo de obter in-
formações.
Observação individual: Realizada por um
pesquisador, apenas.
Segundo o número de observações
Observação em equipe. Realizada por uma
equipe.
Observação efetuada na vida real (trabalho
de campo): Os dados são registrados à medida
que ocorrem no ambiente local.
Segundo o lugar onde se realiza
Observação em laboratório: Há a tentativa
de descobrir a ação e a conduta em condições
cuidadosamente dispostas e controladas.
Fonte: Adaptado de Ander-Egg (1978)

31
5.5 Questionário
O questionário é constituído por uma série ordenada de perguntas, que devem ser respon-
didas por escrito, sem a presença do entrevistador. Marconi e Lakatos (2010) destacam que, assim
como todas as técnicas de pesquisa, o questionário também tem vantagens e desvantagens:

Quadro 6 - Vantagens e limitações do Questionário


Vantagens Limitações
Percentagem pequena dos questionários re-
Economia de tempo.
tornam ao pesquisador.
Atinge maior número de pessoas e obtém Grande número de perguntas podem não ser
grande número de dados. respondidas.
Obtém respostas mais rápidas e mais precisas. Não pode ser aplicado a pessoas analfabetas.
Há maior liberdade nas respostas, em razão do O pesquisador não pode ajudar o informante
anonimato. no caso de perguntas incompreendidas.
Há menos risco de distorção, uma vez que o A devolução tardia prejudica o calendário de
pesquisador não exerce influência. tarefas do pesquisador ou sua utilização.
Na leitura de todas as perguntas, antes de re-
Há um tempo maior para responder e em
spondê-las, uma questão pode influenciar a
horário favorável do entrevistado.
outra.
O desconhecimento das circunstâncias em que
Há mais uniformidade na avaliação, uma vez
foi preenchido torna difícil o controle e a veri-
que o instrumento adquire natureza impessoal.
ficação.
Fonte: Adaptado de Marconi e Lakatos (2010)

O processo de elaboração de um questionário é longo e complexo, pois exige do pesqui-


sador cuidado extremo na seleção das questões e na extensão do documento: se longo demais,
pode causar desinteresse no entrevistado, mas, se curto demais, pode não oferecer informações
suficientes para a pesquisa. O aspecto estético também deve ser observado. O tamanho do papel,
a facilidade de manipulação, o espaço para responder as questões e a disposição dos itens devem
facilitar o processo.

Depois de formulado, o questionário deve ser aplicado a um pequeno grupo de pessoas


para testá-lo, antes de utilizá-lo definitivamente. Esse processo de pré-teste pode detectar a ex-
istência de algumas falhas, por exemplo, complexidade de questões, ambiguidade ou linguagem
inacessível, perguntas supérfluas, a ordem das questões ou a extensão do documento.

As perguntas podem ser, em geral, abertas, em que o informante pode responder livre-
mente; fechadas ou dicotômicas, em que o informante escolhe sua resposta entre opções – sim
ou não -; ou de múltipla escolha, que são perguntas fechadas, mas que apresentam uma série de
possíveis respostas.

32
REFLITA

Leia o texto abaixo e reflita sobre a questão que segue.

Sobre a integridade ética da pesquisa

(texto de trabalho; FAPESP, abril de 2011)

Luiz Henrique Lopes dos Santos


Membro da Coordenação Adjunta da Diretoria Científica da FAPESP e
Professor Livre Docente, Departamento de Filosofia, FFLCH, USP

A expressão “integridade da pesquisa” (research integrity) vem sendo utilizada


para demarcar um campo particular no interior da ética profissional do cientista, en-
tendida como a esfera total dos deveres éticos a que o cientista está submetido ao
realizar suas atividades propriamente científicas. No interior dessa esfera, pode-se dis-
tinguir, por um lado, o conjunto dos deveres derivados de valores éticos mais univer-
sais que os especificamente científicos. São dessa natureza aqueles que compõem o
campo da chamada Bioética, derivados, por exemplo, do valor (não especificamente
científico) que é o respeito à integridade física, psicológica e moral dos seres humanos
e do interdito (não especificamente científico) de submeter animais a tratamento cru-
el. É enquanto pesquisador que um cientista se relaciona com os sujeitos e as cobaias
de seus experimentos, mas não é por ser um pesquisador que ele deve preservar os
direitos dos sujeitos de seus experimentos ou deve ponderar, no planejamento desses
experimentos, o possível sofrimento de suas cobaias.

Por outro lado, a ética profissional do cientista inclui um conjunto de deveres


derivados de valores éticos especificamente científicos, isto é, valores que se impõem
ao cientista em virtude de seu compromisso com a própria finalidade de sua profissão: a
construção coletiva da ciência como um patrimônio coletivo. O princípio desse campo
particular da ética profissional é: ao exercer suas atividades científicas, um pesquisador
deve sempre visar a contribuir para a construção coletiva da ciência como um patrimô-
nio coletivo, deve abster-se de agir, intencionalmente ou por negligência, de modo
a impedir ou prejudicar o trabalho coletivo de construção da ciência e a apropriação
coletiva de seus resultados. É a essa parte da ética profissional do cientista que remete
a expressão “integridade da pesquisa”. Pretendo aqui explorar, em linhas gerais, o con-
ceito de integridade da pesquisa e, em seguida, esboçar um balanço de como se vem
lidando, no mundo, com as questões relativas à integridade da pesquisa.

Antes disso, porém, cabe uma observação terminológica. Empregarei aqui a pala-
vra “ciência” e seus cognatos em sentido bastante amplo. Para dispor de um termo sufi-
cientemente geral para meus propósitos, polêmicas epistemológicas à parte, chamarei
de ciência todo corpo racionalmente sistematizado e justificado de conhecimentos,

33
obtido por meio do emprego metódico de observação, experimentação e raciocínio.
Essa definição ampla aplica-se às chamadas Ciências Exatas, Naturais e Humanas, bem
como às disciplinas tecnológicas e àquelas ordinariamente incluídas entre as chama-
das Humanidades. Chamarei de pesquisa científica toda investigação original que vise
a contribuir para a constituição de uma ciência e chamarei de atividade científica toda
atividade que vise diretamente à concepção e realização de pesquisas científicas, à
comunicação de seus resultados, à interação científica entre pesquisadores e à orien-
tação ou supervisão de processos de formação de pesquisadores.

O compromisso de um cientista com a finalidade de sua profissão submete-o


a deveres profissionais de duas espécies. Há, em primeiro lugar, os deveres do cien-
tista concernentes à qualidade científica dos resultados de seu trabalho de pesquisa,
seus deveres em relação ao avanço da ciência. Dado que o trabalho individual de um
pesquisador apenas se efetiva como parte da construção coletiva da ciência e apenas
contribui para que a ciência se constitua como patrimônio coletivo na medida em que
é coletivizado, isto é, comunicado, todo pesquisador tem o dever de respeitar alguns
pressupostos que acompanham toda comunicação científica.

Quando se ouve ou se lê uma comunicação científica, pressupõe-se que o autor


utilizou, para tratar de seu tema, os procedimentos que julgou serem cientificamente
adequados a esse tratamento; pressupõe-se também que relatou fielmente os proced-
imentos que utilizou e seus resultados. As ações de um pesquisador que, intencional-
mente ou por negligência, contrariam esses pressupostos constituem condutas etica-
mente inadequadas do ponto de vista da integridade da pesquisa. Entre elas, estão os
tipos de conduta consensualmente tidos como os mais graves desse ponto de vista: a
fabricação (ou invenção pura e simples) e a falsificação (ou manipulação intencional)
de dados, informações, procedimentos e resultados.

Há, em segundo lugar, os deveres do cientista perante a comunidade científi-


ca no interior da qual seu trabalho se efetiva como trabalho coletivo. Para que esse
trabalho coletivo seja possível, é necessário que a comunidade se organize segundo
regras, que governem a formação das reputações científicas (e, portanto, das relações
de confiança profissional) e a distribuição das oportunidades, recompensas e sanções
profissionais, bem como os modos de reprodução da própria comunidade. Ainda que
muitas dessas regras tenham sido historicamente instituídas por consensos práticos e
sejam, em princípio, mutáveis, elas devem existir para que o trabalho coletivo de pro-
dução da ciência seja possível, de modo que toda ação que, intencionalmente ou por
negligência, as transgrida ameaça a eficácia do sistema coletivo de pesquisa e, portan-
to, o avanço da ciência.

No que concerne às regras vigentes de formação de reputações e distribuição de


oportunidades, recompensas e sanções profissionais, o conceito chave é o de autoria.
Os pesquisadores ganham oportunidades de realizar suas pesquisas e são profissional-
mente recompensados ou sancionados na medida de sua reputação científica, que é,
por sua vez, estimada principalmente pelos resultados científicos que já obtiveram e

34
comunicaram como sendo seus resultados. Dado um relato científico, pressupõe-se
que, salvo indicação expressa em contrario, os pesquisadores expressamente identi-
ficados como seus autores apresentam tudo o que é relatado como sendo resultados
que julgam ser originais de seu próprio trabalho de pesquisa. Ações que, intenciona-
lmente ou por negligência, contrariem esse pressuposto contribuem para o estabe-
lecimento de falsas reputações e para a distribuição cientificamente injustificada de
oportunidades e recompensas. Nessa medida, minam as condições que hoje garantem
a possibilidade do trabalho coletivo eficaz de construção da ciência e constituem con-
dutas eticamente inadequadas do ponto de vista da integridade da pesquisa. Entre
elas, a que é considerada mais grave é o plágio de textos ou ideias; além do plágio, a
falsa indicação de autoria – a omissão, entre os autores de uma comunicação, do nome
de alguém que fez uma contribuição cientificamente significativa para a obtenção dos
resultados apresentados ou, inversamente, a inclusão do nome de alguém que não fez
nenhuma contribuição dessa natureza.

No que concerne às regras relativas à reprodução da comunidade científica, o


conceito chave é o de tutoria. Pesquisadores em formação aprendem a fazer pesquisa
científica fazendo pesquisas científicas sob a orientação ou supervisão de pesquisa-
dores já qualificados e experientes, muitas vezes integrados nas equipes de pesquisa
em que esses pesquisadores desempenham funções de direção. Enquanto instrumen-
to de reprodução da comunidade cientifica, pressupõe-se que a tutoria seja sempre ex-
ercida em benefício da formação do tutelado como pesquisador independente. Ações
que contrariem esse pressuposto (como, por exemplo, a utilização do tutelado apenas
como mão de obra barata) constituem condutas eticamente inadequadas do ponto de
vista da integridade da pesquisa, na medida em que minam as condições vigentes de
reprodução cientificamente eficaz da comunidade científica e, portanto, as condições
de continuidade da construção coletiva da ciência.

Como lidar com as questões relacionadas à integridade da pesquisa? Até os anos


80 do século passado, predominava a crença difusa de que más condutas do ponto de
vista da integridade da pesquisa seriam acontecimentos tão raros e excepcionais que
não justificariam a preocupação com a formulação de políticas sistemáticas para a pro-
moção e preservação da qualidade ética das pesquisas e com a criação de instrumen-
tos institucionais e organizacionais para a implementação de tais políticas. Predomi-
nava a crença difusa de que o debate científico rotineiro e os mecanismos rotineiros
de peer review seriam suficientes para coibir as más condutas científicas. Por tornarem
alta a probabilidade de serem desmascaradas, esses mecanismos de controle recípro-
co entre os cientistas coibiriam as más condutas, fazendo delas iniciativas de alto ris-
co; quando elas acontecessem, impediriam que acarretassem prejuízos graves para a
ciência.

Há cerca de trinta anos, começou a impor-se a percepção de que as más condu-


tas científicas talvez não fossem tão raras e excepcionais como se pensava. Embora não
haja dados empíricos que permitam afirmar com segurança que tenha havido, a partir
dos meados do século XX, um crescimento, em termos proporcionais, do número de

35
ocorrências de má conduta, pode-se conjeturar que tenha havido esse crescimento,
em função da amplitude, complexidade e espalhamento crescentes do sistema de
pesquisa mundial, em função da natureza cada vez mais interativa e competitiva desse
sistema e em função das facilidades tecnológicas para a prática de ações fraudulentas,
como, por exemplo, o plágio e a manipulação de imagens.

Seja como for, ainda que o número de más condutas tenha crescido apenas pro-
porcionalmente ao crescimento do sistema de pesquisa, na medida em que os efeitos
das más condutas passaram a repercutir no trabalho de um número cada vez maior de
pesquisadores, eles passaram a repercutir, em virtude de um efeito dominó, na quali-
dade dos resultados de um número cada vez maior de pesquisas. E, o que talvez seja
o mais grave, passaram a prejudicar mais seriamente a fidedignidade pública da ciên-
cia. A ciência vive de sua credibilidade, não só porque depende cada vez mais de in-
vestimentos públicos e privados, mas principalmente porque, sem essa credibilidade,
perde sua principal razão de ser: seu potencial de fazer diferença na vida das pessoas,
por meio da ampliação do estoque de seus conhecimentos e dos meios de orientação
racional de suas ações.

O que se pode dizer com segurança é que os dados disponíveis sobre casos con-
hecidos, investigados e eventualmente punidos de má conduta científica nos últimos
trinta anos certamente não refletem a amplitude atual do problema da integridade éti-
ca da pesquisa. Por exemplo, um estudo que analisa estatisticamente vários levantam-
entos realizados entre 1987 e 2005 conclui que, dos pesquisadores consultados nesses
levantamentos, 2% confessaram já ter praticado má conduta grave e 33% confessaram
já ter praticado conduta ao menos eticamente questionável; 14% declararam já ter ob-
servado a prática de má conduta grave e 72% declararam já ter observado a prática de
conduta eticamente questionável por parte de outros pesquisadores. [1] Desde 2002,
o Journal of Cell Biology vem testando as imagens incluídas nos artigos aceitos para
serem nele publicados. Até 2006, verificou-se que 25% dos artigos aceitos continham
imagens manipuladas de modo inadequado e, no caso de 1% dos artigos aceitos, essa
manipulação afetava a credibilidade científica das conclusões [2].

Uma vez reconhecida a necessidade de submeter as questões relativas à integ-


ridade da pesquisa a um tratamento sistemático e institucional, formaram-se alguns
consensos a respeito de como lidar com elas. É hoje um consenso que, diferentemente
dos aspectos éticos das atividades científicas que não dependem essencialmente de
valores especificamente científicos, os aspectos concernentes à integridade da pesqui-
sa devem ser objeto de autorregulação e autocontrole pela comunidade científica.
Cabe aos cientistas formular os princípios e valores especificamente científicos que
definem o conceito de integridade da pesquisa, cabe aos cientistas definir, com base
nesses princípios e valores, os critérios que permitam distinguir as boas e más con-
dutas nas diferentes áreas da ciência, cabe aos cientistas aplicar esses critérios para a
identificação, investigação e eventual punição das más condutas científicas.

A caracterização de uma ação particular como boa ou má conduta científica mui-

36
tas vezes depende de juízos que são de natureza propriamente científica e nem sempre
são triviais. Nem sempre é trivial, e frequentemente requer perícia científica, distinguir
que dados são relevantes e que dados não são relevantes para a confirmação ou não
de uma hipótese científica, quando se trata de estabelecer se um certo artigo relata
com fidelidade todos os dados relevantes para a ponderação do grau de corroboração
que propõe para suas hipóteses. Nem sempre é trivial, e frequentemente requer perí-
cia científica, determinar se as ideias expostas por um autor como suas são suficiente-
mente semelhantes a ideias de outro autor para que essa exposição seja considerada
como possível caso de plágio. Nem sempre é trivial, e frequentemente requer perícia
científica, distinguir o erro involuntário, o erro por imperícia, da má conduta intencion-
al e da má conduta negligente. E nem sempre é trivial, e frequentemente requer muita
sensibilidade científica, distinguir o que é um desvio cientificamente injustificado de
práticas científicas geralmente aceitas e o que é um desvio inovador cientificamente
valioso.

Na verdade, todo conceito ético é suscetível de aplicações que requerem algum


grau de interpretação subjetiva, isto é, de interpretação não governada mecanica-
mente por regras universais. A tipificação de uma ação como correta ou incorreta de-
pende, no mais das vezes, da aplicação de noções cujas fronteiras são indefinidas e,
no mais das vezes, depende da consideração das circunstâncias particulares em que
a ação é realizada. Nas situações em que as noções envolvidas se aplicam de maneira
suficientemente inequívoca e as circunstâncias relevantes são identificáveis de manei-
ra suficientemente inequívoca, a aplicação do conceito deixa-se governar, de maneira
praticamente adequada, por um conjunto de regras universais, deixando pouco es-
paço para interpretações subjetivas. No entanto, quando isso não ocorre, nas situações
que se incluem na zona cinzenta das noções envolvidas e nas quais os parâmetros
circunstanciais relevantes não são suscetíveis de identificação inequívoca, a aplicação
do conceito exige a intervenção essencial do que chamamos de bom senso, isto é, da
capacidade de julgar irredutível à aplicação mecânica de regras e constituída a partir
de um misto de talento natural e experiência.

É um consenso que, exceto em situações extremas, a aplicação dos conceitos da


ética da pesquisa, a tipificação das condutas científicas como boas ou más, requer essa
espécie de bom senso – no caso, um bom senso científico, uma capacidade de julgar
que envolve a familiaridade com o que é e o que não é cientificamente relevante para
essa tipificação. Isso reforça a ideia de que a esfera da ética da pesquisa deva ser objeto
de autorregulação pela comunidade científica, ainda que não seja um consenso que
essa autorregulação deva ser irrestrita, tendo em vista o risco do corporativismo e dos
conflitos de interesse que a autorregulação irrestrita poderia acarretar.

É um consenso que, no plano institucional, as instituições de pesquisa têm a re-


sponsabilidade principal por garantir que as pesquisas que nelas se realizam se con-
formem aos padrões da integridade ética da pesquisa. Por ser o ambiente próximo em
que os pesquisadores desenvolvem sua atividade científica, ela dispõe dos meios mais
ágeis e eficazes para promover entre seus pesquisadores os valores da ética da pesqui-

37
sa, e também para implementar mecanismos de prevenção, identificação, investigação
e punição de eventuais más condutas.

É um consenso que o objetivo principal de uma política de promoção da integri-


dade da pesquisa – principal na medida em que, de certo modo, inclui todos os demais
– deve ser a formação de uma cultura da integridade, no sentido da palavra “cultura” em
que ela remete ao arraigamento de certos valores na prática cotidiana, a tal ponto que
o respeito a eles aconteça espontaneamente e o desrespeito a eles gere, no ambiente,
uma sanção moral imediata. Para a formação dessa cultura, certamente é um elemento
fundamental a percepção da punibilidade, a existência de procedimentos explícitos
para a identificação, investigação e eventual punição de supostas más condutas, bem
como de mecanismos institucionais para a aplicação desses procedimentos. No entan-
to, igualmente importantes são ações que visem a dar visibilidade contínua à questão
da integridade, como, por exemplo, a instituição de programas de treinamento volta-
dos a pesquisadores em formação, a divulgação de materiais educativos, a inclusão
de compromissos formais com códigos de boa conduta em contratos de trabalho ou
termos de concessão de bolsas e auxílios. O reconhecimento da importância do com-
ponente pedagógico no contexto de uma política de promoção da integridade é uma
consequência imediata do fato de que a distinção entre boas e más condutas científi-
cas não é um assunto trivial, exigindo não apenas boa fé, mas também competências
de natureza especificamente científica.

Se é um consenso que, no plano institucional, a responsabilidade principal pela


manutenção da integridade da pesquisa cabe às instituições de pesquisa, vem se for-
mando também o consenso de que outras instâncias institucionais devem compar-
tilhar, em maior ou menor grau, essa responsabilidade, o consenso de que as ações
necessárias para a garantia da integridade da pesquisa implicam a articulação de es-
forços de diferentes instituições e órgãos, em diferentes instâncias envolvidas no fo-
mento e na realização das pesquisas. Particularmente, as agências de fomento vêm
desempenhando, em muitos países, um papel central no que concerne à formulação e
aplicação de políticas de integridade.

Grosso modo, podemos classificar os países em um espectro de três tipos, con-


forme o modo como, em cada um deles, se lida institucionalmente com a questão da
integridade da pesquisa. Em um extremo do espectro, estão os países em que reina
a anarquia. É o caso do Brasil, mas também de países de peso científico considerável,
como a França. Neles, não há políticas sistemáticas de promoção e prevenção, não há
mecanismos institucionais permanentes destinados a lidar com a questão da integri-
dade. Eventuais alegações de más condutas são tratadas de maneira casuística, não
havendo procedimentos previamente definidos e concebidos para garantir investi-
gações e decisões imunes à percepção de enviesamento, por corporativismo ou con-
flitos de interesse, e respeitadoras da reputação dos investigados e de seu direito a
presunção de inocência.

No outro extremo do espectro estão países que dispõem de uma estrutura insti-

38
tucional já relativamente complexa para lidar com a questão da integridade, uma es-
trutura coordenada por órgãos dotados de poder e dever legalmente atribuídos para
fazê-lo. É o caso dos Estados Unidos, e também da Noruega e Dinamarca. Nos Estados
Unidos, foi legalmente estabelecido, em 1993, que, no caso de pesquisas financiadas
com recursos federais, a competência das instituições de pesquisa para lidar com as
questões de integridade deve ser limitada pela supervisão de órgãos federais associa-
dos às agências de fomento, mas independentes delas, órgãos que respondem direta-
mente ao Congresso. Foi criado um órgão para esse fim no Departamento de Saúde,
com competência sobre as pesquisas financiadas pelos National Institutes of Health
(Office of Research Integrity – ORI); o órgão corregedor da National Science Foundation
(NSF Office of Inspector General – NSF OIG) passou a cumprir essa tarefa em relação
às pesquisas apoiadas pela NSF. Esses órgãos supervisionam e aconselham as institu-
ições de pesquisa no que diz respeito às suas atividades de promoção da integridade
da pesquisa e de prevenção e investigação de possíveis más condutas. Se julgarem
necessário, podem conduzir autonomamente investigações e sugerir punições.

Em 2000, a Secretaria de Política Científica e Tecnológica do governo americano


publicou a Federal Policy on Research Misconduct, aplicável a todos os órgãos federais
que financiam pesquisas e, indiretamente, às instituições de pesquisa que recebem esse
financiamento. Esse instrumento legal define um conjunto mínimo de procedimentos
obrigatórios no caso de denúncias de más condutas. Com base nesse documento, o
ORI e o OIG elaboraram códigos de procedimentos bastante minuciosos, aplicáveis
às investigações conduzidas tanto por eles como pelas instituições de pesquisa. As
linhas gerais desses códigos tornaram-se, a partir de então, paradigmáticas, estando
presentes em muitos códigos posteriormente elaborados em outros países. Eis algu-
mas dessas linhas gerais.

(1) Cabe tratar as más condutas diferentemente, conforme seus diferentes graus
de gravidade. São consideradas más condutas graves típicas a fabricação e a falsifi-
cação de dados, informações, procedimentos e resultados, assim como o plágio. São
consideradas ordinariamente más condutas menos graves, por exemplo, a atribuição
incorreta de autoria, o chamado (talvez inadequadamente) auto-plágio, a ocultação de
potenciais conflitos de interesse, a conservação inadequada dos registros de pesqui-
sa, a omissão de dados de modo a dificultar a replicação de experimentos, a retenção
injustificada de informações de modo a dificultar que a linha de pesquisa seja desen-
volvida por outros pesquisadores. Os procedimentos de investigação previstos no
caso de denúncias de más condutas graves são rigorosos e complexos, impondo-se às
instituições de pesquisa o dever de segui-los. A obediência a esses procedimentos é
diretamente supervisionada pelos órgãos associados às agências de fomento. No caso
de más condutas menos graves, confere-se às instituições de pesquisa maior autono-
mia no tratamento de denúncias e investigações. Algumas más condutas consideradas
mais leves podem ser tratadas apenas internamente pelas instituições de pesquisa,
sob o argumento de que, tornadas públicas denúncia e investigação, a mancha na rep-
utação dos denunciados já seria pena severa demais para a pouca gravidade da má
conduta em questão.

39
(2) Cabe garantir aos denunciados por más condutas científicas, no curso de pro-
cessos de investigação, o direito à presunção de inocência e à preservação de suas
reputações. Na medida do possível, esses processos devem transcorrer confidencial-
mente e o denunciado deve ser mantido a par de todas as suas etapas do processo,
com direito de resposta a todas as acusações levantadas e direito de recurso no final
do processo, em caso de veredito adverso.

(3) As punições devem ser proporcionais à gravidade das más condutas identifi-
cadas. Para estimar o grau de gravidade de uma má conduta, deve-se considerar se ela
foi intencional ou apenas fruto de negligência, se foi um caso isolado ou obedeceu a
um padrão regular de comportamento e em que medida foi prejudicial ao avanço e à
fidedignidade da ciência.

As agências de fomento americanas influenciaram diretamente o estabelecimen-


to, nas instituições de pesquisa, de órgãos e instrumentos institucionais permanentes
destinados a tratar dos diferentes aspectos da questão da integridade da pesquisa.
A concessão de bolsas de pós-graduação e pós-doutorado, por exemplo, é condicio-
nada ao compromisso de que o bolsista receba treinamento regular para lidar com
questões de integridade. Toda instituição de pesquisa que pretenda receber recursos
federais deve ter um órgão encarregado não apenas de receber denúncias e coordenar
investigações de más condutas, mas também de desempenhar funções educativas e
consultivas.

No meio do espectro, estão países onde não existem órgãos centralizados legal-
mente instituídos para regular e supervisionar as atividades das instituições de pesqui-
sa relativas à integridade da pesquisa, mas onde as agências nacionais de fomento
assumem de fato funções regulatórias. É o caso da Alemanha, Reino Unido, Canadá e
Austrália. Na Alemanha, essas funções são desempenhadas pela Deutsche Forschungs-
gemeinschat (DFG) e, no Reino Unido, Canadá e Austrália, pelos conselhos centrais das
agências nacionais de fomento. As agências publicam códigos de conduta e de pro-
cedimentos para tratar de casos de má conduta e condicionam a concessão de bolsas
e auxílios à aceitação dessas códigos, bem como à implementação de políticas de pre-
venção de más condutas.

Na Alemanha, criou-se a figura do ombudsman, com funções exclusivamente


consultivas. A motivação para isso foi, em primeiro lugar, o reconhecimento da im-
portância de se ter mecanismos institucionais para o aconselhamento dos pesquisa-
dores sobre questões de integridade da pesquisa, já que nem sempre é clara, mesmo
para o pesquisador qualificado, a fronteira entre as boas e más condutas; em segundo
lugar, o reconhecimento da importância de serem distintas as instâncias responsáveis
pelo aconselhamento dos pesquisadores e aquelas responsáveis pela investigação e
eventual punição de más condutas, pois quem procura aconselhamento deve ter ga-
rantia de confidencialidade e alguém com funções investigativas não pode dar essa
garantia. A DFG mantém um ombudsman para cada uma das três grandes áreas do

40
conhecimento e requer que haja um ombudsman em cada instituição de pesquisa
beneficiária de seus auxílios e bolsas.

No Reino Unido, há uma organização privada – mantida por órgãos governa-


mentais, agências de fomento, universidades e instituições privadas envolvidas com
a pesquisa – que fornece consultoria e orientação, sobre questões gerais e casos par-
ticulares concernentes à integridade da pesquisa, para instituições, pesquisadores e o
público em geral. É a UK Research Integrity Office (UKRIO), criada em 2006. Faz aconsel-
hamentos confidenciais a pessoas e instituições sobre casos de possíveis más condutas
(em 2010, fez consultoria em 60 casos), presta consultoria a programas institucionais
de educação e treinamento e presta assessoria em investigações institucionais de má
conduta. Embora não tenha poderes legais, nem mesmo regulatórios, elaborou um
Procedimento para a Investigação de Má Conduta em Pesquisa e um Código de Condu-
ta para a Pesquisa que foram adotados, com leves modificações, pelas instituições de
pesquisa e pelas agências de fomento do país. Além disso, promove pesquisas empíri-
cas sobre o estado da integridade da pesquisa no país e no mundo e sobre a eficácia
de políticas de promoção e prevenção.

Abril de 2011
________________________________________
[1] Fanelli, D., “How Many Scientists Fabricate and Falsify Research? A Systematic
Review and Meta-Analysis of Survey Data”, PLoS ONE | <www.plosone.org> 11 May
2009 | Volume 4 | Issue 5 | e5738.

[2] V. carta do editor do Journal Of Cell Biology ao presidente da Academia Na-


cional de Ciências dos Estados Unidos (20 de fevereiro de 2006) em <http://rupress.
typepad.com/files/nas_letter.pdf>.

Disponível em <http://www.fapesp.br/6566>. Acesso em 02/05/2012.

Suponha que você trabalhe para uma grande empresa de produtos ao consum-
idor. Um dos produtos que você representa é um molho para salada. Um concorrente
está começando um teste de comercialização envolvendo um novo sabor, o “Spicy
Ranch”. Os vendedores estão passando de loja em loja para colocá-lo nas prateleiras.
Seu chefe pede que você vá a essa loja e compre todos os frascos do novo molho. Por
que ele lhe pediria que fizesse isso? Qual seria sua reação? Considere as implicações
éticas desse comportamento.

41
LEITURA COMPLEMENTAR

INTRODUÇÃO À PESQUISA QUALITATIVA E SUAS POSSIBILIDADES

Autora: Arilda Schmidt Godoy


Assunto: Pesquisa qualitativa; pesquisa social; metodologia da pesquisa; história da
pesquisa; qualitativa; Ciências Sociais
Ano: 1995

Sinopse: Uma revisão histórica dos principais autores e obras que refletem esta met-
odologia de pesquisa em Ciências Sociais.

Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rae/article/view/38183>.

METODOLOGIA QUALITATIVA E QUANTITATIVA NOS ESTUDOS EM ADMINIS-


TRAÇÃO E ORGANIZAÇÕES

Autores: Samuel Carvalho de Benedicto, et al.


Assunto: Metodologia qualitativa. Metodologia quantitativa. Administração. Estudos
organizacionais. História da ciência.
Ano: 2011

Sinopse:: Este estudo de natureza teórica analisa as contribuições da história da ciên-


cia para a produção do conhecimento científico no campo da administração e dos es-
tudos organizacionais.

Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/adm/article/view/2175-


8077.2011v13n30p39/18640>.

42
CONCLUSÃO

Nesta primeira unidade da nossa disciplina, você teve um breve contato com os tipos de
conhecimento, bem como os critérios de cientificidade que são atribuídos a uma pesquisa. Vimos
também que cada tipo de pesquisa, seja exploratória, descritiva, explicativa, qualitativa ou quan-
titativa, entre outros, apresenta características próprias, planejamento adequado e uso específico
de técnicas de coleta e análise de dados.

Tais considerações são de extrema importância para orientar o processo de pesquisa, prin-
cipalmente a problematização que norteia o processo investigatório, sobre o qual estudaremos
nas próximas unidades. Entretanto, para definirmos nossos objetivos de pesquisa, é de suma im-
portância dispensarmos atenção especial para a leitura e a escrita no meio acadêmico, cujas técni-
cas, quando utilizadas adequadamente, podem dinamizar e facilitar nosso processo de pesquisa.
É o que veremos na próxima unidade.

43
REFERÊNCIAS

A FORÇA DO CONHECIMENTO. In: Youtube. 2015. Disponível em: <https://www.youtube.com/


watch?v=gw9A1SE3bVY>. Acesso/. 24 jul. 2017.

A PESQUISA-AÇÃO. In: Livraria Cultura. Disponível em: <https://www.livrariacultura.com.br/p/


livros/metodologia-de-pesquisa/a-pesquisa-acao-1794057>. Acesso/. 24 jul. 2017.

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de trabalhos na graduação. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

ECO, Umberto. Como se faz uma tese. Tradução Gilson Cesar Cardoso de Souza. São Paulo: Per-
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ESTUDO DE CASO EM PESQUISA E AVALIAÇAO EDUCACIONAL. In: Livraria Cultura. Disponível em:
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MARCONI, Maria de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. 7.


ed. São Paulo: Atlas, 2010.

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PESQUISA PARTICIPANTE - SABER PENSAR E INTERVIR. In: Livraria Cultura. Disponível em: <https://
www.livrariacultura.com.br/p/livros/metodologia-de-pesquisa/pesquisa-participante-saber-pen-
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REPENSANDO A PESQUISA PARTICIPANTE. In: Livraria Cultura. Disponível em: <https://www.


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ROESCH, Sylvia Maria Azevedo. Projetos de estágio do curso de administração: guia para pesquisas,
projetos, estágios e trabalho de conclusão de curso. São Paulo: Atlas, 1999.

SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23.ed. rev. E atual. São Paulo:
Cortez, 2007.

TRIVIÑOS, Augusto N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em edu-


cação. São Paulo: Atlas, 1987.

44
TRUJILLO, F.A. Metodologia da Ciência. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Kennedy, 1974.

YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.

45
INSTITUIÇÃO
Mantenedora
União das Faculdades Metropolitanas de Maringá
Forma Jurídica
Instituição com fins lucrativos

Diretor Presidente
Evandro Buquera de Freitas Oliveira
Diretora Geral
Maria da Conceição Buquera de Freitas Oliveira
Diretora de Ensino
Professora Doutora Adriana dos Santos Souza Crevelin
Diretora de Pesquisa e Extensão e Pós-Graduação
Professora Doutora Juliana Orsini da Silva

Comissão Editorial
Adriana dos Santos Souza Crevelin (UNIFAMMA)
Celso Leopoldo Pagnan (UNOPAR)
Juliana Orsini da Silva (UNIFAMMA)
Patrícia Aparecida Ferreira (UFLA)

Coordenador do Núcleo de Educação a Distância


Professor Mestre Givago Dias Mendonça

Revisão Linguística
Tatiane Caldeira dos Santos Bernardo

Projeto Gráfico e Diagramação


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Mariana Pereira de Novaes

Normalização
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4.0 Internacional.

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