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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB


DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIII
CURSO DE GRADUAÇÃO EM LETRAS – LICENCIATURA EM LÍNGUA
PORTUGUESA E LITERATURAS

JAMARES DE JESUS OLIVEIRA

ESPELHOS NEGROS: A REPRESENTAÇÃO DE MULHERES NEGRAS NA


LITERATURA DE CRISTIANE SOBRAL

Itaberaba
2016
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JAMARES DE JESUS OLIVEIRA

ESPELHOS NEGROS: A REPRESENTAÇÃO DE MULHERES NEGRAS NA


LITERATURA DE CRISTIANE SOBRAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentada a


Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Campus
XIII, como requisito parcial para obtenção do título
de Licenciada em Letras Vernáculas, sob orientação
da Profa. Dra. Luciana Sacramento Moreno
Gonçalves.

Itaberaba
2016
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JAMARES DE JESUS OLIVEIRA

ESPELHOS NEGROS: A REPRESENTAÇÃO DE MULHERES NEGRAS NA


LITERATURA DE CRISTIANE SOBRAL

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Graduada em


Letras Vernáculas e Literaturas, Universidade do Estado da Bahia.

Itaberaba - Ba, ___ de __________ de 2016.

Banca Examinadora

Luciana Sacramento Moreno Gonçalves


Doutora em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul -
PUCRS Universidade do Estado da Bahia – UNEB

Ana Sheila Nascimento


Mestre em Letras pela Universidade Estadual de Feira de Santana

Cíntia Damasceno
Especialista em
4

Dedico este trabalho a minha mãe, Maria Jesus de Oliveira e ao meu querido pai, José
Antonio Hora de Oliveira (in memoriam).
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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus por ter me dado sabedoria e forças para vencer as
dificuldades durante todo esse percurso universitário.

A minha mãe – guerreira - que sempre me incentivou a vencer e torceu por mim. Aos
meus irmãos, pelo apoio, compreensão e paciência.

Aos meus amigos e familiares pelo incentivo. Aos meus colegas de faculdade, pelo
companheirismo.

Aos meus professores por terem colaborado para que eu pudesse chegar até aqui. Em
especial à professora Dra. Maria Anória de Jesus Oliveira que me fez galgar novos
horizontes e assim me possibilitou escolher com certeza sobre o tema que eu pesquisaria
neste trabalho.

A minha orientadora, professora Dra. Luciana Moreno, pelo suporte, correções,


incentivo e, é claro, paciência e amizade.

E a todos que de alguma forma me ajudaram nesses quatro anos de batalha,


principalmente nesse difícil último semestre, meu eterno agradecimento.
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RESUMO

Este Trabalho de Conclusão de Curso analisa as personagens femininas negras presentes


nos contos do livro Espelhos, Miradouros, Dialéticas da Percepção, de Cristiane
Sobral. A importância da discussão aqui proposta é compreender os aspectos da obra de
Sobral que a inserem na escrita de autoria feminina negra, para entender o contexto da
obra e o relacionar a contemporaneidade. Seu objetivo é investigar quais os perfis da
mulher negra são compostos a partir destes textos literários. Para isso, foi utilizado
como percurso metodológico a pesquisa de caráter bibliográfico em que se fez
necessário buscar respostas em livros, artigos, teses e dissertações que tratam da
temática em questão, bem como pesquisar em sites, blogs e entrevistas online para
melhor compreender o assunto. Prioritariamente, foram tecidas análises literárias sobre
os contos da autora. Os teóricos Miriam Alves (2010) e Cuti Silva (2010)
fundamentaram este trabalho no que se refere a escrita afro feminina e ao conceito de
Literatura Negro Brasileira. Como resultados parciais, obteve-se, informações sobre a
obra e de que maneira a literatura de Cristiane Sobral contribui para a desmistificação
de concepções errôneas, preconceituosas e estereotipadas em torno do preconceito
racial, depressão, fome, adoção, memórias, busca e confronto de identidades. Sobral
constrói perfis de mulheres negras, que estão em confronto com a realidade cotidiana do
enfrentamento do racismo em nosso país, cada um com suas escolhas, perspectivas, mas
sempre instigadas ao conflito pela possibilidade de ruptura. Na obra pesquisa, portanto,
quanto mais a consciência racial perpassa os personagens, maior também é seu auto
reconhecimento enquanto negras e empoderamento.

Palavras-chave: Literatura Negro Brasileira, Literatura Afro-Feminina, Cristiane


Sobral e Autoria Feminina.
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SUMÁRIO

1 OS ESPELHOS DE SOBRAL: A REPRESENTAÇÃO LITERÁRIA DA


MULHER NEGRA........................................................................................................09

2 O TRAJETO MAIS ENCANTADOR E PROMISSOR.........................................14

2.1 A LITERATURA BRASILEIRA: POR ENTRE LINHAS E


CONCEITOS...................................................................................................................14
2.2 A URGÊNCIA DE TRANSPOR AS MARCAS DA ESCRAVIDÃO: POR UMA
LITERATURA NEGRA BRASILEIRA.........................................................................15

2.3LITERATURA AFRO- FEMININA, VOZES QUE NÃO CALAM .......................17

3 ABRIR CAMINHOS PARA NOVOS HORIZONTES, ESPELHOS E


IDENTIDADES QUE SE CRUZAM........................................................................22

3.1 DENTRE TANTAS MORDAÇAS: AS MULHERES NEGRAS NA


LITERATURA................................................................................................................23

4 UM OLHAR SOBRE OS CONTOS.........................................................................25


4.1 PIXAIM: OS BELOS QUE ME CABEM NA DIALÉTICA DOS
CABELOS..........25
4.2 CAUTERIZAÇÃO: A MULHER NEGRA PEDE SOCORRO, UMA TENTAIVA
DE SE DESCOBRIR.......................................................................................................28

4.3 BIFE COM BATATA FRITA: QUEM VAI PREPARAR MEU


PRATO? .............32

4.4 MARIA CLARA: O ANJO NEGRO QUE ILUMINOU VIDAS.............................34

4.5 HOMEM BOM ENTREGADOR DE PIZZA: O SOCORRO QUE FOI


SILENCIADO.................................................................................................................37
8

4.6 A DISCÓRDIA DO “MEIO”: UMA FILHA LEGÍTIMA E UM FILHO A SER


LEGITIMADO................................................................................................................40

4.7 BURACO NEGRO: ÀS VEZES, É PRECISO CAIR PARA VER A LUZ.............42

5 EM BUSCA DE FORMAS DE EMPODERAMENTO DA MULHER


NEGRA...........................................................................................................................46

REFERÊNCIAS.............................................................................................................50
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1 OS ESPELHOS DE SOBRAL: A REPRESENTAÇÃO LITERÁRIA DA


MULHER NEGRA

A monografia intitulada Os espelhos negros: a representação de mulheres negras


na literatura de Cristiane Sobral, busca analisar as representações dos protagonistas
femininas negras dos contos de Cristiane Sobral presentes no livro Espelhos,
Miradouros, Dialéticas da Percepção. A discussão aqui apresentada é relevante,
porque, através dela, é possível refletir sobre o quanto é grande a luta dessas mulheres
negras em busca de conquistas e afro afirmações. Em pleno século XXI, encontramo-
nos numa sociedade preconceituosa, machista e repleta de valores e conceitos
estereotipados que infelizmente ainda estão enraizados no dia-a-dia do ser humano.
Vale destacar, que literatura afro-brasileira e seus percussores é uma questão que tem
suscitado reflexões diversas. Há muito um grupo representativo de escritoras afro-
brasileiras, assim como algumas vozes críticas acadêmicas, vêm afirmando a existência
dessa escrita literária específica na Literatura Brasileira.
É importante destacar que a literatura de autoria feminina vem romper com o silêncio
presente na produção literária brasileira. Entretanto, no cenário literário da
contemporaneidade brasileira, no plano ficcional, surge uma voz ativa por meio da qual
sobressai, quase sempre, o sentimento de inconformismo com os espaços reais e
literários destinados às mulheres. É nesse restrito espaço definido ou predefinido, que a
mulher escreve, inscreve, reescreve, enunciando, denunciando e, a partir da palavra,
tenta romper, desbloquear, deslocar ou deslocar-se: "Esta literatura é algumas vezes
chamada de "intimista", talvez por abrir janelas e portas, escancarando para o exterior
os sons da “não fala”, profanando o confinamento do silêncio”. (ALVES,2010 p.183)
Vale ressaltar que no passado e até mesmo nos dias atuais os dramas, os anseios e as
conquistas de empoderamento das mulheres negras em busca de suas identidades, sejam elas,
ideológicas, físicas, estéticas, sociais e culturais, foram colocadas em evidência pelo viés da
subalternidade sobretudo em relação a superioridade das mulheres brancas. A introdução de
traços literários com apurado senso estético como a literatura de Cristiane Sobral, escritora
negra e uma das vozes femininas mais importantes no cenário literário brasileiro, torna-se assim
aspecto fundamental para contrapor tal perspectiva na literatura contemporânea no Brasil. Esta
escritora possui uma literatura dinâmica, que inquieta leitores. É de voraz ironia, de intensa
ousadia e revela uma escrita coloquial que explora a polissemia das palavras e acrescenta novos
sentidos semânticos, como nomeia Sobral "escurecendo" seus significados, com imagens fortes
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nas diferentes situações de tensão no meio social. Dá ênfase a voz feminina para protagonizar
suas próprias histórias. É necessário ressaltar, o quanto é relevante abordar essa temática nos
escritos de Sobral, pois há a valorização da mulher negra, no viés literário e sua grande
contribuição para a literatura:
No entanto, sendo o Brasil um país de território extenso, com uma população
heterogênea, portanto com histórias, culturas e aculturações díspares, ao lidar
com a Literatura Feminina, ou de autoria de mulheres, há de se acautelar e
não generalizar uma só representação do feminino na Literatura. Por mais
que a escrita da mulher brasileira tenha transformado a face da Literatura
Latino-Americana contemporânea. (ALVES, 2010, p.184)

Sobral em seu blog Cristiane Sobral, menciona que ao escrever um texto


literário traz a seguinte provocação: “Apresentar a personagem negra como ser humano
é um grande desafio no Brasil porque nós somos muito acomodados a nossos
estereótipos e nossas caricaturas". Por causa disso, a mesma destacou-se no campo da
literatura negra feminina, entre críticos e leitores. Passou a ser muito admirada por uma
escrita que não é comum, uma escrita diferente que fomenta a reflexão e estimula os
leitores na tentativa de compreender o universo da literatura de Sobral.
Destaca-se na escrita da autora, uma reflexão a partir da experiência de estar no
mundo diferenciado, indicado pelo gênero ao grafar uma voz desejante, inquietante e
que inquieta, e, assim, desloca a imagem e a auto imagem da mulher negra. Eis a
motivação desta pesquisa: pensar em uma literatura de autoria feminina que instiga
leitores a problematizar sobre as inúmeras dificuldades que a mulher negra precisa
enfrentar para obter o seu lugar no espaço literário e também no contexto sociocultural.
Neste panorama, a questão que norteia esta investigação é: como as personagens
protagonistas dos contos, presentes no livro Espelhos, Miradouros, Dialéticas, da
Percepção, especificadamente na seção "Espelhos" representam a mulher negra, ou
melhor, quais perfis femininos estão sendo representados nas personagens
protagonistas dos contos de Cristiane Sobral?
Inquieta uma visão da mulher negra como dependente, sem direito de escolhas.
Assim, Sobral, partir de sua posição de raça e classe, apropria-se de um veículo que pela
história social de opressão não lhe seria próprio. E o faz por meio do seu olhar e fala,
desnudando os conflitos da sociedade brasileira. Revela o que existe no universo
emotivo daquelas mulheres que, nos textos literários das escritoras brancas brasileiras,
moram nos quartos dos fundos, das quais mal se pressupõe uma vida, voz, existência e
subjetividade própria. Essa escrita tira o véu, descobre-se e toca, mediante as palavras, o
próprio corpo, sem escamotear os conflitos de raça e cor. Tira as máscaras das relações
de gênero e raça da sociedade onde está inserida. Muito mais que isso, traz à tona a voz,
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o rosto (re) interpretados em emoções próprias para registrar e se auto representar no


território da Literatura. Entoa uma “contra-voz a uma fala literária construída nas
instâncias culturais do poder da literatura brasileira” (EVARISTO, 2005, p. 52).
Desta forma, o objetivo geral deste Trabalho de Conclusão de Curso é investigar
como a mulher negra é representada nos contos do livro Espelhos, Miradouros,
Dialéticas, da Percepção. Tem como objetivos específicos: pesquisar a produção
literária brasileira pelo viés da autoria feminina negra; identificar aspectos da obra de
Sobral que a inserem nessa escrita; compreender o contexto da obra e comparar as
características das mulheres presentes nela, a fim de compreender seus perfis negros.
Como referencial teórico deste trabalho, foi iniciado, com Bernd (1988) que considera
que a existência de uma literatura negra se diferencia daquela literatura que apenas tematiza o
negro pelo surgimento do “Eu enunciador”. Sendo assim, o único critério possível para
conceituar uma escritura negra seria o critério discursivo: o surgimento de um emissor que
assume sua condição de negro e constituir-se- á no marco divisório entre um discurso sobre o
negro, de alguma maneira presente na literatura brasileira, e um discurso do negro, que traria em
sua gênese a marca de reinvenção da representação convencional construída ao longo dos
séculos, quase sempre impregnadas de preconceitos e de estereótipos. Já Octavio Ianni (1988,
p.91) em seu artigo Literatura e consciência faz a seguinte evidência:

A literatura negra é um imaginário que se forma, articula e transforma. Não


surge de um momento para outro, nem é autônoma desde o primeiro instante.
Sua história está assinalada por autores, obras, temas, invenções literárias. É
um movimento, um devir, no sentido de que se forma e transforma. Aos
poucos, por dentro e por fora da literatura brasileira surge a literatura negra
como um todo com perfil próprio, um sistema significativo.

No que diz respeito a esse sistema literário estão incluídas características


internas como língua, temas e imagens e também elementos sociais e psíquicos que se
manifestam através da história. Conforme Cuti (2010, p.10), a literatura negra é:

Opção, que é estética, política e ideológica pelo termo "literatura negra" em


contrapartida a denominação "afro-brasileiro" ou "afrodescendente", por
entender que esses termos acabam por escamotear a questão negra que
ficaria, assim, diluída na diversidade subjacente ao prefixo "afro".

De todo modo, é oportuno e proveitoso salientar que a literatura brasileira não


pode ser compreendida com o projeto que se constitua fora do contexto da literatura
canônica nacional. É necessário o estabelecimento de outra forma de problematização
do sistema literário brasileiro, que deve ser destacado como um sistema plural e
heterogêneo, engendrado dialeticamente a partir de fragmentos que o compõem. O
discurso da literatura negra seria, assim, o discurso da identidade que almeja
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precipuamente a desconstrução e reconstrução identitárias dentro desse sistema de


significações, colocando como ponto fulcral o equacionamento da noção de identidade
nacional homogênea e uniforme. Cuti afirma que:

Literatura negra não é só uma questão de pele, é uma questão de mergulhar


em determinados sentimentos de nacionalidade enraizados na própria história
do africano no Brasil e sua descendência, trazendo um lado do Brasil que é
camuflado. (Cadernos Negros 7, p.23).

Portanto, vale mencionar que a especificidade negra brasileira recai sobre o fato
de ser elaborada a partir da perspectiva do dominado e do oprimido. Segundo Sobral
(2013) em entrevista dada ao blog Afropress, autora afirma sobre sua produção literária:
Aos jovens negros eu diria: tomem posse, revisitem biografias, procurem
quem possa perpetuar a nossa memória, vistam as palavras como roupas de
guerra, leiam tudo, disseminem a informação, ocupem o nosso espaço nesse
planeta. A inclusão da população negra na vida pública do país pode
alavancar, sem sombra de dúvida, o desenvolvimento do país.

De acordo com Marisa Lajolo (2001) não há definição restrita para o termo
literatura e também: “(...) a literatura do século XXI, é marcada pela metalinguagem e
intertextualidade”. (LAJOLO, 2001, p.21) Já Roland Barthes (1977), declara que a
literatura é a utilização da linguagem não submetida ao poder, que consequentemente
deve-se ao fato de que a linguagem literária não necessita de regras de estrutura para se
fazer compreender. Dessa forma, o autor traz algumas concepções fundamentais para
compreender o texto literário, como "as relações entre Linguagem literária e poder
social, a língua como objeto de submissão e alienação" (BHARTES,1977 p.14).
Conforme Antonio Candido (1955, p.74) em O escritor e o público, "A literatura é pois
um sistema vivo de obras, agindo umas sobre as outras e sobre os leitores; e só vive na
medida em que estes a vivem, decifrando-a, aceitando-a, deformando-a".

A pesquisa realizada para este trabalho é de cunho bibliográfico, feita por uma
abordagem qualitativa. Nela foram utilizados livros, páginas de sites da internet, artigos,
dissertações e teses. Diante desses recursos, foi realizada uma análise literária em que se
buscou entender quais são os perfis das personagens protagonistas negras da obra
Espelhos, Miradouros, Dialética da Percepção. O percurso metodológico utilizado,
parte da pesquisa bibliográfica que segundo Boccato (2006, p.266), constitui-se em:

A pesquisa bibliográfica busca a resolução de um problema (hipótese) por


meio de referenciais teóricos publicados, analisando e discutindo as várias
contribuições científicas. Esse tipo de pesquisa trará subsídios para o
conhecimento sobre o que foi pesquisado, como e sob que enfoque e/ou
perspectivas foi tratado o assunto apresentado na literatura científica. Para
tanto, é de suma importância que o pesquisador realize um planejamento
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sistemático do processo de pesquisa, compreendendo desde a definição


temática, passando pela construção lógica do trabalho até a decisão da sua
forma de comunicação e divulgação.

Este trabalho de pesquisa foi iniciado primeiramente com a leitura do livro,


Espelhos, Miradouros, Dialéticas da Percepção, logo após foi construído o tema do
trabalho que é: a representação literária da mulher negra através das personagens
protagonistas dos contos de Cristiane Sobral. A partir daí vieram as leituras teóricas,
como livros dos autores: Antônio Candido, Luiz Silva(Cuti), Conceição Evaristo,
Marisa Lajolo, Miriam Alves e Roland Barthes, juntamente com os artigos, dissertações
e páginas de sites voltados para este tema. Com as leituras e discussões realizadas,
começou-se o momento da escrita sobre a definição em torno da Literatura, Literatura
Negro Brasileiro, Literatura Afro-Feminina e construção da personagem, logo após, o
perfil biográfico e bibliográfico de Cristiane Sobral. Em seguida, foi feita uma análise
sobre os contos e suas personagens protagonistas negras e, por fim as considerações
finais com resultados da pesquisa.
Este trabalho de conclusão de curso é dividido em quatro sessões. A primeiro é
esta Introdução. A segunda trata das Discussões Teóricas que fundamentam os
conceitos de literatura. A terceira refere-se a uma breve reflexão sobre vida de Cristiane
Sobral e suas obras publicadas, juntamente com a reflexão geral sobre o livro Espelhos,
Miradouros, Dialéticas da Percepção. Na quarta seção é apresentada uma análise dos
contos e, sobretudo, das personagens protagonistas negras, todas mulheres, e buscando
delinear as representações e perfis por Sobral, elaboradas. Eis o foco principal da
pesquisa. Por fim, na última seção, voltada para as considerações finais, apresentam-se
os resultados da pesquisa em que são tecidas algumas reflexões sobre esse processo de
compreensão da contística de Sobral.
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2 O TRAJETO MAIS ENCANTADOR E PROMISSOR

2.1 A LITERATURA BRASILEIRA: POR ENTRE LINHAS E CONCEITOS

De acordo com Jouve (2012) “A palavra “literatura” vem do latim literatura


(escrita, gramática, ciência), forjado a partir de littera (letra)”. Faz-se necessário
esclarecer aqui que há muitos conceitos para o termo literatura e estes mudam de acordo
com a época, a perspectiva histórica, o lugar. O que torna está uma definição muito
ampla. Neste trabalho, serão adotados alguns conceitos com base em alguns teóricos
como o de Compagnon:
Segundo a tradição aristotélica, humanista, clássica, realista, naturalista e
mesmo marxista, a literatura tem por finalidade representar a realidade, e ela
o faz com certa conveniência; segundo a tradição moderna e a teoria literária,
a referência é uma ilusão, e a literatura não fala de outra coisa senão da
literatura. (COMPAGNON, 2001, p.114).

Por esta discussão, observa-se que a literatura representa a realidade, prende-se


ao meio social. Por isso, atrela-se a mimese, já que a mimese nada mais é do que a
imitação do real. Conforme Barthes em seu livro Aula (1977, p.20), uma das funções da
literatura é o poder de representar:
A segunda força da literatura é sua força de representação. Desde os tempos
antigos até as tentativas da vanguarda, a literatura se afaina na representação
de alguma coisa. O quê? Direi brutalmente: o real. O real não é representável,
e é porque os homens querem constantemente representá-lo por palavras que
há uma história da literatura.

Outro autor que conceitua a literatura fazendo referência a representação da


realidade é Antonio Candido. Para este crítico literário, o social é matéria fundante para
a escrita literária (1972, p.53):

A arte, e portanto a literatura, é uma transposição do real para o ilusório por


meio de uma estilização formal da linguagem, que propõe um tipo arbitrário
de ordem para as coisas, os seres, os sentimentos. Nela se combinam um
elemento de vinculação à realidade natural ou social, e um elemento de
manipulação técnica, indispensável à sua configuração, e implicando em uma
atitude de gratuidade.

Na citação acima, o autor expõe a indispensável presença de um elemento de


manipulação técnica, o qual é fator determinante para a classificação de uma obra como
literária ou não. Esse elemento é a linguagem, que é classificada por Barthes (1977)
como "a linguagem literária", a qual estabelece uma nova ordem para as coisas
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representadas, mantendo uma ligação com a realidade natural. Embora a literatura


permita a criação de novos universos, esses são baseados ou inspirados na realidade da
qual o escritor participa. Daí a afirmação de que a literatura é vinculada à realidade, mas
dela foge através da estilização de sua linguagem. Marisa Lajolo (1998, p.23), também
afirma que a linguagem tem um papel determinante na classificação de uma obra como
literária:
É a relação que as palavras estabelecem com o contexto, com a situação de
produção da leitura que instaura a natureza literária de um texto [...]. A
linguagem parece tornar-se literária quando seu uso instaura um universo, um
espaço de interação de subjetividade (autor e leitor) que escapa ao
imediatismo, à predictibilidade e ao estereótipo das situações e usos da
linguagem que configuram a vida cotidiana.
Sabe-se que um texto de caráter literário possui expressividade e é rico em
simbologias em que o subjetivo se faz presente para assim fazer com que o leitor
"mergulhe" no texto e deixe a imaginação fluir. Além disso, o texto literário conta
como uma das funções de impulsionar os leitores para a criticidade e reflexão. Para
Afrânio Coutinho (2003, p. 46):
A literatura é uma arte, a arte da palavra, isto é, produto da imaginação
criadora, cujo meio específico é a palavra e cuja finalidade é despertar no
leitor ouvinte o prazer estético e sua crítica deve obedecer a esses elementos
intrínsecos.

Através do poder de representar, a literatura faz parte da formação social e


crítica dos humanos. Conforme Barthes (1977, p.14) "A linguagem literária tem um
poder social, enquanto a língua e objeto de submissão a alienação, estamos aprisionados
às estruturas linguísticas". Dessa forma, quando o autor cria um texto literário, ele tem
livre arbítrio para imaginar, inventar, mas não consegue fugir totalmente do seu
contexto, até porque amarra o texto em uma sequência lógica. Por isso, para deixar uma
obra literária coerente e coesa, são encontrados os elementos essenciais: os conteúdos,
que são a mensagem da obra; as ideias que o autor quer transmitir, e a forma que um
autor empregou a palavra para elaborar seu texto.

2.2 A URGÊNCIA DE TRANSPOR AS MARCAS DA ESCRAVIDÃO NO


BRASIL: POR UMA LITERATURA NEGRO BRASILEIRA

Desde que o povo africano chegou ao nosso país, este sofre discriminação. A
escravidão se configurou como sistema político altamente violento que dentre outras
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marcas promoveu represália a cultura dos povos africanos que para o Brasil vieram. A
partir de então, o negro passou a enfrentar maus tratos psicológicos, físicos e morais.
Enquanto a escravidão era parte integrante do sistema econômico-social-cultural e
ideológico brasileiro, a escravização dos povos africanos implicava subalternização
destes grupos sociais e no tratamento destes como cativos, sem direito a cidadania e
muito menos a condição de humanidade. Isto ocorreu, pois:

O Brasil foi o principal destinatário do comércio internacional de escravos


africanos entre os séculos XVI e XIX e foi o último país das Américas a
abolir o regime escravocrata, em 1888. Estima-se que 4.2 milhões de homens
e mulheres chegaram em terras brasileiras, violentamente forçados a sair da
África e cruzar o Oceano Atlântico em condições precárias, para se
transformarem em escravos no Brasil. A título de ilustração, até 1800, o país
recebeu 2.5 milhões de africanos/as, enquanto para toda a América
espanhola, no mesmo período, foram menos de 1 milhão. Por volta de 1872,
de todos os escravos vivendo no país, mais de 90% haviam nascido no Brasil.
Em 1890, dois anos após a abolição do regime escravocrata, a população
negra representava quase 50% da população brasileira (Andrews, 2004).

Sabe-se que na Contemporaneidade, o racismo é um dos principais fatores que


corroboram para injustiças sociais que acometem a sociedade brasileira. Nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicos Raciais e para o Ensino
de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, (2005, p.7), é declarado que:

O Brasil Colônia, Império e República, teve historicamente, no aspecto legal,


uma postura ativa e permissiva diante da discriminação e do racismo que
atinge a população afrodescendente brasileira até hoje”. O Decreto nº 1331,
de 17 de fevereiro de 1854, estabelecia que nas escolas públicas do país não
seriam admitidos escravos, e a previsão de instrução para adultos negros
dependia da disponibilidade de professores. O Decreto nº 7.031-A, de 6 de
setembro 1878, estabelecia que os negros só podiam estudar no período
noturno e diversas estratégias foram montadas no sentido de impedir o acesso
dessa população aos brancos escolares.

Esta citação revela o alto grau de preconceito racial e discriminação social


vivenciada pelo negro no Brasil nesse período. O negro tinha pouco acesso a
escolaridade, o que não o caracterizava como cidadão e era visto como uma ameaça
para a coletividade “embranquecida”. Mesmo após a Abolição, a sociedade ainda
afirma que a figura do homem brasileiro é o branco europeu. Portanto, há uma forte
evidência de que ser negro no Brasil é um empecilho para a formação da identidade
nacional que estava sendo forjada pelos republicanos, a partir da ideia da miscigenação
entre europeus/ portugueses e povos nativos/ indígenas. Então, o desafio passou a ser
encarar o fato de que ao negro, inferiorizado no passado, deveria ser direcionando um
tratamento humanizador e cidadão.
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Assim, vário movimentos no campo da política, da educação, do direito, dentre


outros, reivindicaram este lugar de garantia de direitos, acesso ao poder, aos bens de
cultura e consumo, às populações negras brasileiras. Com as artes, especialmente a
literatura, não foi diferente. A partir da década de 70, começa-se a se delinear a
concepção de Literatura Negra, defendidas por críticos e escritores negros, estudada no
campo acadêmico. Conforme Miriam Alves apud Lima (2006, p.11).

A expressão “Literatura Negra” só passou a ser usada no Brasil com


regularidade a partir dos anos 80, e antes disto, já era utilizada em
publicações de antologias em vários países e, está ligada a discussão no
interior de movimentos que surgiram nos Estados Unidos e no Caribe.
Espalharam-se por outros espaços e incentivaram um tipo de literatura que
assumia as questões relativas à identidade e as culturas dos povos africanos e
afrodescendentes.

Esta literatura tem um poder social muito grande, que é de retomar,


ressignificando questões afro brasileiras, através do texto literário. Dentro dessa
perspectiva, a literatura negra fala de circunstâncias do cotidiano, que afetam a todos,
especialmente as populações negras do Brasil. A literatura negra brasileira vem romper
barreiras e inaugura a perspectiva de uma produção que é o negro que trata das suas
múltiplas demandas, sejam elas políticas, sociais ou emocionais. Nela, o sangue negro
pulsa nas veias. A ideia é atear a bandeira da negritude, para que as próximas gerações
de escritores negros possam fortalecer ainda mais suas identidades negras. Por que a
literatura pode também ser um elemento de reparação histórica e de transformação do
mundo em um lugar onde não haja racismo, discriminação e/ou preconceito.

2.3 LITERATURA AFRO- FEMININA, VOZES QUE NÃO CALAM

A Literatura Afro- Feminina Brasileira passa a ser prestigiada, a partir da década


de 60 e 70, com a publicação da coletânea Cadernos Negros, em 1978. Nesta antologia,
percebe-se que “A produção textual das mulheres negras é relevante, pois põe a
descoberta muitos aspectos de nossa vivência e condição que não estão presentes nas
definições dominantes de realidade e das pesquisas históricas”. (Alves, 2010, p.67).
Vale ressaltar que a Literatura Afro-brasileira, no âmbito acadêmico brasileiro, ainda é
território de polêmicas conceituais. Duarte no site Letrafo 2016, a conceitua como:

Um conceito em construção, processo e devir. Além de segmento ou


linguagem, é componente de amplo encadeamento discursivo. [...] constitui-
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se a partir de textos que apresentam temas, autores, linguagem, sobretudo,


um ponto de vista culturalmente identificado com a afro-descendência.

Vale dizer que a escrita feminina negra até hoje, sofre preconceitos,
principalmente por alguns segmentos do campo literário, como críticos, teóricos etc.
Muitas vezes, tal silenciamento ocorre pela via da exclusão (ou melhor, não inserção),
pois afirmam que a literatura afro é baseada em achismos e feita somente por cunho
ideológico, costumam a rotular de maneira pejorativa como se não tivesse consistência.

Nos livros, por exemplo, enquanto a mulher branca era retratada como uma
criatura frágil e totalmente dedicada ao bem-estar de suas famílias, por outro lado, as
mulheres negras e libertas eram designadas de "criolas", por seus donos e capatazes. As
negras precisavam lutar pelos seus objetivos, para sobreviver em sociedade e conquistar
seu espaço e muitas precisaram se escolarizar para romper com as barreiras do racismo
e do preconceito.

Segundo Alves (2010, p.67) “Debatendo-se contra as amarras da linguagem, as


mordaças ideológicas e as imposições históricas, propiciam uma reflexão revelando a
face de um brasil afro feminino”. Através dessas perspectivas de reflexão é que as
próprias escritoras negras humanizaram e passaram a enxergar a mulher negra com
rosto, corpo e com características próprias, mas ainda há alguns escritores que não
consideram que exista uma literatura afro brasileira:

Esse corpus se constituiria como uma produção escrita marcada por uma
subjetividade construída, experimentada, vivenciada a partir da condição de
homens negros e de mulheres negras na sociedade brasileira. Contudo, há
estudiosos, leitores e mesmo escritores afrodescendentes que negam a
existência de uma literatura afro-brasileira. (EVARISTO, 2009, p.17).

O preconceito e desmoralização por parte de alguns autores ainda resistem em


não considerar e valorizar a literatura brasileira e seu importante papel na sociedade.
Ainda conforme a autora “A literatura é universal, e igualitária, mas a realidade é que a
literatura negra não é vista desta forma, e sim, muito criticada. Além disso, a literatura
afro- feminina tem sua particularidade ideológica, sua subjetividade e questiona o que
está a sua volta”. (Evaristo, 2009, p.17).

Essa literatura afro é tão desvalorizada que há tantas escritoras femininas e


negras que possuem um talento de escrita inenarrável. Estas, às vezes, não chegam a ser
conhecidas nacionalmente e o seu sucesso vem depois que morrem ou quando fazem
sucesso internacionalmente como é o caso de Carolina Maria de Jesus. Conforme o site
19

Escritoras Negras no Brasil, da blogueira e escritora negra, Luciana Barreto, em um de


seus textos intitulado Uma luta contra a invisibilidade, cita que:

Este já é um costume abrasileirado. O que dizer do fenômeno Carolina Maria


de Jesus. A catadora de lixo negra e favelada, cujo centenário de nascimento
foi comemorado em 2014, é uma das escritoras mais traduzidas do Brasil.
Conseguiu projeção mundial. Já foi peça de teatro e tese acadêmica. E caiu
no esquecimento. “O mercado é macho, branco e rico. Eles vão se interessar
pela história que os homens contam. Primeiro vêm os homens, depois a
mulher branca e, por último, as escritoras negras”, afirma Lia Vieira.

Conforme Luciana Barreto, uma escritora internacional recebeu um prêmio de


uma festa literária em Paraty no Rio de janeiro e duas escritoras negras brasileiras e
talentosas como Conceição Evaristo e Lia Vieira estavam presentes mas nunca haviam
sido sequer convidadas para uma das mais importantes festas literárias do país, pois
ainda enfrentam a invisibilidade, mas quando um escritora negra internacional apareceu
no evento foi recepcionada e idolatrada. Além de tudo isso, ainda há a questão de
supervalorizar a cultura do estrangeiro que costumeiramente é visto como melhor e
superior e menosprezar o nacional:

Há alguns anos, Toni Morrison, a única escritora negra a ganhar o Nobel de


Literatura, esteve na Flip, a Festa Literária de Paraty. Causou muito furor.
Façam uma busca rápida pela web e vão descobrir que os fotógrafos e fãs se
amontoavam para conseguir um registro qualquer. Em meio ao assédio, uma
cena causou impacto. A americana premiada parou a agenda por um tempo
para receber as colegas brasileiras. Estavam ali nomes conhecidos
internacionalmente, Conceição Evaristo e Lia Vieira. Digo,
internacionalmente, porque as duas escritoras não foram convidadas uma
única vez sequer para compor a Festa Literária mais importante do Brasil.
Como Lia prefere dizer, são muito celebradas fora do país, com dezenas de
livros e filas enormes para autógrafos em salões do livro. Mas, por aqui…

É fato que escritoras negras como Conceição Evaristo, Cidinha da Silva e a


Cristiane Sobral, que representam a resistência da população negra na sociedade
brasileira através de suas produções, histórias, luta, demarcam suas vivências em prol da
população negra. Mas mesmo sendo escritoras respeitadas até internacionalmente, a
própria sociedade brasileira discrimina essas escritoras negras. O festival de Paraty por
exemplo, poderia legitimar, homenagear e representar a escrita afro feminina, mas isso
foi negado aos talentos brasileiros. Como a própria blogueira Luciana Barreto informa:
"Parece que nada do nosso país presta".

Vale ressaltar que a um caminho longo a ser percorrido, a literatura negra


feminina ainda vive e sobrevive sob olhar preconceituoso, sobre uma ótica inferior as
demais, sobretudo por ser mulher e estar sendo a percussora desse saber.
20

De acordo com Bianca Gonçalves escritora do site CEERT – Centro de Estudo


das Relações de trabalho e Desigualdades (2015), a seguinte pesquisa informa: "De fato,
há poucas mulheres negras sendo publicadas em grandes editoras. Segundo a pesquisa
de Regina Dalcastagné, intitulada Literatura Brasileira Contemporânea – Um território
contestado, os autores são, em sua maioria, brancos (93,9%) e homens (72,7%). Tal
pesquisa destaca mais uma vez o quanto a produção é uma tarefa árdua que perpetuará
por muitos anos.

Podem até homenagear um escritor negro e elegê-lo como cânone, mas,


homenagearem uma escritora negra por ter se tornado cânone pode até acontecer mas
será uma prática incomum. Esta escrita afro-feminina encontra-se ancorada nos escritos
de Sobral autora escolhida no presente trabalho, para apresentar “A garra e a
determinação de mulheres negras poetas em sua arte, mas que ultrapassa a arte,
constituindo-se também como atividade-denúncia” (Gonçalves,2005, p.19). Uma vez
que torna público agruras para além do existencial, que são perpetradas contra muitos há
séculos.

"Tais questões encontram-se implicadas por uma história marcada pela


resistência e persistência em não abrir mão do respeito e dignidade na condição de
mulher negra que há tanto tempo tentam, sem êxito, subtrair" (Gonçalves,2005, p.19).
Essa escrita feminina negra revelará essa tensão, em não abrir mão do direito de existir
como humano e não como peça, mercadoria, coisa, como outrora tentaram:

Escrever para estas mulheres, é “ultrapassar” uma percepção única da vida é


construir mundos e neles apreender, discutir, apontar, enfim, serem agentes
imprescindíveis à vida. As vozes das mulheres negras são, portanto, as vozes,
agora audíveis, não somente a própria voz, mas as vozes ancestrais
silenciadas por séculos de exclusão. As mulheres negras se posicionam e
constituem uma resistência contra os preconceitos. Suas tessituras literárias
vão rompendo com as barreiras, como agulhas nas mãos de tecelãs, ora com
pontos apertados da crítica, ora com pontos finos mas, firmes de poesia. Elas
soltam as mãos e os olhares em seus teares, formando, aos poucos, novas
roupagem para literatura brasileira: a literatura afro-brasileira de autoria
feminina. O papel das escritoras é escrever e inscrever a memória do povo
negro pelo olhar de dentro; um olhar que recusa as omissões que a sociedade
brasileira, sob a égide do mito da democracia social e racial, impôs e ainda
impõe à população afro-brasileira. (Figueiredo apud Alves, 2009, p.105).

De acordo com a citação acima, verifica-se que a escrita afro-feminina, tem


conseguido efetivamente se emancipar neste universo da arte, são elas as protagonistas
de uma nova sociedade, graças a literatura negra. No mundo inteiro, em movimentos
negros, em movimentos sociais, são essas mulheres que trilham um caminho de lutas
almejando combater toda forma de opressão que lhes são destinadas. Todas escritoras
21

femininas do Brasil merecem ser valorizadas e respeitadas por poder proporcionar e


legitimar essa literatura e escrita de qualidade para os cidadãos brasileiros que precisam
aprender a respeitar o próximo lidando com as diferenças sejam elas étnicas, capilares
ou até mesmo religiosas. Enfim, a mulher negra também faz história, ela possui um
papel importante para transformar sua própria história e construir um futuro melhor pra
si e para a sociedade.
22

3 ABRIR CAMINHOS PARA NOVOS HORIZONTES, ESPELHOS E


IDENTIDADES QUE SE CRUZAM

O livro Espelhos, miradouros, dialéticas da percepção de Cristiane Sobral vem


contribuir para a desmistificação de concepções errôneas e preconceituosas e
estereotipadas abordando as mais diversas temáticas, no que tange ao preconceito racial,
depressão, fome, adoção, memórias, busca e confronto de identidades.

Com relação ao livro vale dizer que o mesmo é dividido em três partes, a
começar pela primeira parte intitulada de Sete espelhos contendo sete contos como se
fossem espelhos que refletem a realidade; na segunda parte Sete miradouros, também
com sete contos com o objetivo de que o leitor contemple as histórias de forma
reflexiva. Na última parte Sete dialéticas da percepção há também sete contos com o
intuito de aflorar a discussão e o diálogo inquietando assim o público leitor.

É necessário dizer que nesse livro Espelhos, miradouros, dialéticas da


percepção, Cristiane Sobral constrói vinte e um contos espelhando-se na sociedade
brasileira que é em sua maioria negra e não se assume como tal. E com sua escrita
instigante, inquieta o leitor e o faz refletir, relatando as mais diversas situação de
racismo, crise e de afirmação de identidade. Problemáticas essas que são atuais e fazem
parte da vida do negro. A autora também propõe a desconstrução de estereótipos,
conceitos e paradigmas na luta contra o racismo, sinalizando assim um novo olhar sobre
o que é ser negro e a importância do seu empoderamento no meio social, almejando
assim o respeito e valorização. Vale lembrar que apesar do livro conter vinte e um
contos foram analisados apenas sete, seis da primeira parte do livro Sete espelhos:
Pixaim, Cauterização, Bife com batata frita, Maria Clara, A discórdia do meio, Buraco
negro e um da segunda parte do livro Sete miradouros: Homem bom entregador de
pizza.

Enfim, Espelhos, miradouros, dialéticas da percepção faz com que se olhe,


creia, reflita e perceba os espelhos e exemplos da vida. Na apresentação do livro, o
jornalista Marcos Fabrício Lopes da Silva, inicia dizendo:
23

Cristiane Sobral, em seu livro Espelhos, miradouros, dialéticas da percepção,


constrói enredos inventivos que abalam imagens muitas vezes cristalizadas.
O título da obra se justifica pela necessidade de se educar o olhar, tanto
individual como coletivamente, a fim de se desconstruir visões unilaterais
que costumam funcionar como base de preconceitos. Por ampliar o processo
perceptivo, a dialética, regida pelo princípio do contraditório, é recomendada
pela autora como instrumento de leitura capaz de levar o sujeito a
compreender a pluralidade de vozes-valores que compõem as imagens do
mundo. (SOBRAL,2011, p.11)

Sobral relata em seus contos situações de preconceito que ocorrem atualmente


com os negros na sociedade, o que ao mesmo tempo, relembra os tempos que a
ancestralidade negra sofria no período escravocrata, mostrando uma indignação e
reconhecendo que muita coisa mudou, pois, direitos foram adquiridos e conquistados a
pessoas que eram negados, mas, que mesmo assim o racismo não acabou e muito menos
os problemas e dificuldades enfrentados por quem é negro na sociedade brasileira.

3.1 DENTRE TANTAS MORDAÇAS, AS MULHERES NEGRAS NA


LITERATURA

Como já foi mencionado anteriormente, o desenvolvimento desse trabalho se


dará pela análise de sete contos, porém, antes da análise dos contos é necessário
conhecer um pouco sobre a autora.

Cristiane Sobral nasceu em 1974 na Zona Oeste do Rio de Janeiro, em um bairro


chamado de Coqueiros, mas reside em Brasília há alguns anos. É casada e mãe de dois
filhos. É atriz, escritora e professora de teatro. Possui duas formações universitárias pois
é Licenciada em Artes Cênicas pela Universidade Católica do Distrito Federal; Bacharel
em interpretação teatral pela Universidade de Brasília. Especializou-se em docência
superior pela Universidade Gama Filho (Rio de Janeiro) e é Mestranda em Artes pela
UNB.

Sobral participou de vários eventos nacionais e internacionais voltados para


temáticas referentes ao negro e sua afro descendência. Já ganhou vários prêmios e
títulos. Em 2005, foi nomeada como melhor atriz pelo Sesc Esquete Show; em 2007,
recebeu o Diploma de mérito pelo Grupo de teatro Nus Yetu Teatro na Luanda em
Angola. Recebeu também o segundo prêmio Literário Canon Poesia 2009. Em 2012,
24

levou o título de Escritora imortal da Academia de Letras do Brasil - ALB cadeira nº 34,
Academia de Letras do Brasil, dentre outros.

Possui três obras: Não vou mais lavar os pratos, que é um livro de poesias,
publicado em 2011; Espelhos, miradouros, dialéticas da percepção, um livro de contos,
publicado também em 2011 e Só por hoje vou deixar o meu cabelo em paz, livro de
poesias, lançado em 2014.

Sobral é criadora do grupo de teatro “Cabeça Feita”, na qual encenam além de


suas peças, trabalhos que tratam do negro. Ela também já realizou alguns trabalhos pro
cinema e televisão. É notório a sua ligação com o meio artístico eem entrevista
concedida em 2012 a Vera Lúcia da Silva Sales Ferreira, declarou que:

Minha relação com a arte é e sempre foi o mais intensa possível. A arte traz
em seu bojo um grande poder e age como um importante instrumento de
educação da sensibilidade. Creio na força do artista como um representante
da sua geração e intérprete das intenções e desejos de todo um povo, são
mesmo os artistas os responsáveis pela quebra de padrões e paradigmas em
todos os movimentos históricos.

Desde muito jovem, Sobral esteve envolvida em temas sociais, principalmente


em relação à questão racial. Em entrevista, concedida para o Portal Literafro, em maio
de 2006, lhe perguntaram sobre o porquê de suas obras abordarem a questão racial e sua
opinião sobre os movimentos negros no país:

Vejo de forma positiva, pois a maioria de população brasileira é negra e


mestiça e acredito que a cultura negra trouxe imensa contribuição ao país em
todos os níveis. Entretanto divulgo a crença de que a questão racial é uma
questão nacional e como tal dever ser discutida por todos que pensam e
sonham com um Brasil melhor. A questão do negro não é do negro, é do
Brasil, pois a inclusão da população negra na vida pública do país vai
alavancar, sem sombra de dúvida, o desenvolvimento do país. É uma grande
chave para este país com dimensões continentais e a maior população negra
fora da África. O passado escravocrata deixou profundas marcas na formação
do povo brasileiro e precisamos todos, inserir esse tema na agenda das
discussões essenciais do nosso povo, nas escolas, nas empresas, no nosso
círculo íntimo, enfim, não há outra saída senão aprender a conviver e
respeitar as diferenças.

Vale dizer que a escritora foi à primeira atriz negra formada no Departamento de
Artes Cênicas da Universidade de Brasília e sua primeira peça teatral foi Uma Boneca
no Lixo (1998), em que utilizou como requisito para concluir seu curso de graduação.
As suas principais peças foram: Uma Boneca no lixo (1998), Dra. Sida (2002), Petardo
25

(2004) e Comédia do Absurdo (2005). E ainda há o espetáculo Não Vou Mais Lavar os
pratos, adaptação para o teatro de seu livro de poemas, que carrega o mesmo nome.
Vale lembrar que Cristiane Sobral, em todas as suas obras, coloca em destaque
os personagens negros protagonizando a cena, ainda que sejam histórias representando o
racismo pelo qual o negro sofre constantemente no Brasil.

4 UM OLHAR SOBRE OS CONTOS

4.1 PIXAIM: OS BELOS QUE ME CABEM NA DIALÉTICA DOS CABELOS

Pixaim é um conto de autoria de Cristiane Sobral, narrado em primeira pessoa e


em um tempo indeterminado. Mas, o que significa a palavra pixaim, qual a sua origem?
De acordo com o site Dicionário e gramática:

Pixaim quer dizer cabelo crespo. A palavra tem registro escrito na língua
portuguesa desde pelo menos 1887, e vem da língua tupi, dos índios
brasileiros, com o significado original de “cabeça enrugada”. E por que se
escreve com x e não com ch? Porque é uma palavra de origem tupi. Como
regra geral, usa-se em português a letra xis (e não ch) em palavras
de origem tupi, africana, árabe ou persa.

Logo, ao ler o título do conto Pixaim subtende-se que a temática tratada será
referente ao cabelo. Este conto relata a história de uma garota de dez anos que reside em
um subúrbio na zona oeste do Rio de Janeiro, em que a mesma por ser negra e de
cabelos crespos sofria preconceito. Família e vizinhos não aceitavam a sua aparência e
assim ela era forçada a seguir padrões estéticos impostos pela sociedade, como por
exemplo, o alisamento do cabelo. Este, a qualquer custo teria que ficar "liso e bom" para
seguir o padrão estético do branco.

A garota gostava de seu cabelo enroladinho, mas com o passar do tempo


começou a ter seu cabelo desqualificado, pois a medida em que ia crescendo sua mãe
não admitia ver sua filha com o cabelo crespo e então passa a utilizar produtos e
objetos capilares como "pentes de ferro" em altas temperaturas, o henê que é um creme
preto que serve para alisar e tingir os cabelos, utilizava também bobes para esticar os
fios de seu cabelos, fazia de tudo para que a carapinha de sua filha fosse alisada.
Várias eram as formas usadas para auxiliar no processo de branquitude. A jovem,
26

porém, tentava escapulir das seções de "embelezamento” mas não tinha escolha, pois o
seu querer não era respeitado:

Os ataques começaram quando fui apresentada a uns pentes estranhos,


incrivelmente frágeis, de dentes finos, logo quebrados entre as madeixas
acinzentadas. Pela primeira vez ouço a expressão 'cabelo ruim'. Depois, uma
vizinha disse a minha mãe que lutava todos os dias para me pentear e me
deixar bonitinha como as outras crianças, que tinha uma solução para
amolecer a minha 'carapinha dura’. (SOBRAL,2011, p-21)

No trecho acima evidencia-se que a imposição do "alisar" o cabelo ocasionava o


sofrimento da criança que de forma opressora, tinha que aceitar o uso de diversos tipos
de produtos mesmo contra a sua vontade e de forma passiva e subserviente. De acordo
com Munanga (1998, p.6) tentaram inculcar no negro que a sua cultura era inferior ao
dos demais:

Ele se convence de que o único remédio para curar sua inferioridade, obter
sua salvação, estaria na assimilação dos valores do branco superpotente. Essa
fase de absorção do branco pelo negro é chamada de embranquecimento
cultural.

Vale lembrar que não assumir o cabelo crespo é uma forma de evitar a
discriminação já que a sociedade possui um código estético em que a feiura está ligada
ao "cabelo duro", aos negros e a inferioridade. É o que a mãe da jovem faz. Não aceita o
cabelo natural da filha porque a sociedade não o vê com bons olhos. "Minha mãe me
amava muito mas não sabia lidar com as nossas diferenças"(SOBRAL,2011, p.21). O
que fica evidente também em outro trecho do livro:

Minha mãe queria me embranquecer para que eu sobrevivesse a cruel


discriminação de ser rejeitada por ser diferente. Percebi subitamente que
aquela jamais pensara na dificuldade de ter criança negra, mesmo tendo
casado com um homem negro, porque que ela e meu pai tiveram três filhos
mestiços que não demonstravam a menor necessidade de serem negros. Eu
era a ovelha mais negra, rebelde por excelência, a mais escura e a que tinha o
cabelo "pior". Às vezes, eu acreditava mesmo que meu nome verdadeiro era
pixaim. (SOBRAL,2011, p.24).

Porém, mesmo diante de tanto sofrimento e discriminação, com o passar do


tempo a garota toma consciência da importância e valor de suas raízes capilares e decide
então resistir, se aceitar e tentar superar todos aqueles preconceitos pelos quais sofria:
“Pela primeira vez foram violentadas minhas raízes, senti muita dor, e fiquei frágil, mas
adquiri também, uma estranha capacidade de regeneração e de ter ideias próprias”.
(SOBRAL,2011, p-21)

E assim mesmo vivenciando dificuldades diárias para resistir a prática do


alisamento, a jovem passa a não pensar igual aos outros. Resistia a sessões de tortura,
27

pois era obrigada a sentar por horas até que o henê fosse aplicado em suas madeixas
com uma temperatura bem quente. O intuito era que esticasse e crescesse, pois esse era
o desejo de sua mãe. A menina chorava, tentava fugir mas o que lhe acontecia era
apanhar com vara de marmelo e logo voltar a sessão de tortura.

Vale dizer também que o cabelo está sujeito a influência de grupos sociais, em
que é veiculado e propagado um discurso midiático por meio da indústria da moda e
beleza que elege o que deve ou não ser valido como estética pela sociedade e como
normalmente de costume o cabelo afro não é visto como algo belo.

O conto Pixaim vem criticar e desmistificar a concepção do padrão ideal de


cabelo, desconstrói também a ideia de que o cabelo do negro tem que ser igual ao do
branco ou seja, "liso". É importante pensar que desconstruir essa ideologia que
desqualifica o padrão de beleza negra colocando-a como inferior as outras, é de
fundamental importância para a reconstrução e valorização da identidade étnico/racial.
Também contribui na elevação da autoestima dos afrodescendentes que muitas vezes
são rotulados como feios por uma sociedade racista e preconceituosa. Segundo Silva,
(2005, p,33):

A desconstrução da ideologia abre a possibilidade do reconhecimento e


aceitação dos valores culturais próprios, bem como a sua aceitação por
indivíduos e grupos sociais pertencentes a outras raças /etnias, facilitando as
trocas interculturais na escola e na sociedade.

Conforme Silva (2005), é com base na desconstrução da política de


branqueamento que é necessário ensinar o quanto a diversidade pode ser positiva e
enriquecedora para todos. Outro fato a citar aqui é que não se pode negar que os meios
de comunicação acabam por construir a imagem da mulher negra seja no cinema, nas
músicas e telenovelas. A importância da ideologia que é propagada por cada meio
artístico é formar o imaginário coletivo dos grupos sociais seja de forma preconceituosa
ou não, com simbologias negativas ou positivas arraigando ou não preconceitos.

Em relação as canções por exemplo, cada vez mais são direcionadas pelo
sensacionalismo. Há muitas músicas com letras apelativas e "ritmo contagiante” em que
perpetua-se um discurso colonialista, em que muitas possuem o racismo ora camuflado,
ora escancarado. A música de Chiclete com Banana que surgiu no ano de 1993, e que
tem como título "Meu cabelo duro é assim" e tem como compositores Paulinho
Camafeu, Bell Marques e Wadinho Marques trata da questão capilar e faz referência ao
termo Pixaim popularmente utilizado para se referir ao cabelo crespo:
28

Meu cabelo duro é assim, cabelo duro, de pixaim

Nega não precisa nem falar, nega não precisa nem dizer

Que o meu cabelo se parece é com você

Na letra da música em questão, o sujeito, por não ter o cabelo liso, faz uma
comparação com a mulher negra, guiando-se pela ideologia de que ter o cabelo crespo é
se igualar ao negro, e o cabelo do negro é costumeiramente apelidado de pixaim. Esta
música faz referência ao racismo, generalizando como se todo negro tivesse um cabelo
crespo, e isso não é verdade, pois há negros que possuem sim cabelo liso. Infelizmente,
ainda há muitas músicas que são de uma ideologia que pregam o racismo e inferiorizam
o negro mas é necessário lembrar também que, nem todas as músicas que relatam sobre
o negro são com o intuito de inferiorizá-los e criticar sua afro descendência, pois há
compositores que os valorizam, auxiliando e contribuindo para uma formação de
identidade negra positiva de modo a influenciar uma visão positiva do negro no meio
coletivo e social.

Sobral com o conto Pixaim, ao retratar a história de uma jovem que desejava
manter suas raízes capilares naturais, evidencia que, se por um lado o cabelo é para a
personagem principal um elemento de opressão, por outro é um símbolo de luta e
resistência em favor da cultura negra, por isso o conto traz o relevante esclarecimento
de que a diferença não deve ser sinônimo de inferioridade e feiura e que essa visão
preconceituosa de que o diferente é inferior, tem que ser debatida e cerceada assim
como o mito da superioridade racial deve ser extinguido, pois muitas vezes o
preconceito e o racismo partem da própria família que se guiando pelo ideal de beleza
midiático não aceita as diferenças do próximo.

4.2 CAUTERIZAÇÃO: A MULHER NEGRA PEDE SOCORRO, UMA TENTATIVA


DE SE DESCOBRIR

Socorro é uma jovem negra, magra, de curvas avantajadas, corpo escultural. Um


dos modelos de mulher que existem na sociedade brasileira. Vale dizer que muitas delas
não aceitam seus corpos avantajados e, por isso, querem seguir, se vestir, e se portar
como mulheres brancas. Muitas vezes, imitam as mulheres europeias e assim vestem
roupas claras, alisam seus cabelos, se transformam em outra pessoa em busca da
"felicidade".
29

Sobral em vários momentos traz uma reflexão acerca da identidade negra, em


busca de afirmação dentro da sociedade brasileira. Neste conto, apresenta dois
personagens centrais, uma mulher chamada Socorro e o motorista de ônibus, Jorge. Os
outros personagens são o cobrador e os passageiros do ônibus. Mas a diferença entre os
protagonistas é que Jorge é um homem que afirma sua identidade negra, Socorro a
esconde.
O conto relata uma história em que os fatos induzem o leitor ao seguinte
questionamento: o alisamento é uma alternativa estética ou a negação das raízes?
Socorro é negra e não se aceita como tal, tenta a todo momento esconder essa negritude.
Alisa o cabelo, assim como também utiliza cosméticos no intuito de se tornar "menos
negra", isso não ocorre somente com ela pois, há muitas mulheres que agem da mesma
forma e com o mesmo pensamento. Vale dizer que outro motivo pelo qual muitas
optam pelo processo de "embranquecimento" a todo custo é para fugir do preconceito.

Segundo Stuart Hall, "A identidade torna-se uma celebração móvel: formada e
transformada continuamente em relação as formas pelas quais nos rodeiam”. (2005,
p.12,13). Assim pode-se afirmar que, dependendo do meio em que o sujeito estiver
inserido, ele formará sua personalidade, seus conceitos e ideologias escolhendo assim
de que forma escolherá viver e quais posicionamentos a tomar. Ou seja, essa questão da
mulher negra se assumir ou não enquanto identidade negra, irá depender do meio e
pessoas com as quais convive.

Apesar de não assumir suas raízes e sua cor, Socorro não deve ser julgada pois a
sua trajetória de vida contribuiu para que tomasse tais atitudes. Além disso, é um direito
das mulheres escolher a estética que melhor se adeque, e como ela vá se sentir bem. O
que não deve ocorrer é que deixe de assumir sua negritude por mera vergonha ou
preconceito da sociedade.

Neste conto, encontram-se diversos elementos que demonstram o teor de


racismo e preconceito que está enraizado na memória de Socorro, fruto de toda história
da cultura negra, que normalmente é contada somente pelo lado negativo. Assim como
é retratado o período escravocrata, os anos de discriminação e exclusão pelo qual passou
o povo negro, e isso acaba sendo um dos fatores que levam o negro a negar sua própria
etnia. Outro ponto importante a citar aqui é que, o discurso do branco em menosprezar
a cultura do negro contribuiu e ainda contribui na maneira que os negros se veem,
normalmente de forma estereotipada e negativa.
30

A autora constrói diálogos sobre vários temas presentes na vida dos


afrodescendentes, mostrando as dificuldades encontradas por essas pessoas para serem
aceitos e se afirmarem dentro da estrutura social brasileira. Temas esses que são
referentes aos aspectos físicos, psicológicos, religioso, dentre outros que fazem parte
das problemáticas do conto. Para Socorro, o fato de ser negra se resumia em ter que
lutar todos os dias para sobreviver na sociedade.

Acreditava que a negritude era um verdadeiro desafio para testar os


escolhidos à salvação e, por isso, somente com muita coragem e fé alcançaria
a vitória. Este era um segredo guardado a sete chaves. Socorro aprendera o
saber pelo sofrer. Como era hábito naqueles tempos, aceitou de bom grado a
oportunidade de ser morena ou parda, afinal de contas, todos tinham um pé
na cozinha. (SOBRAL,2011, p.30).

Socorro, por um lado, movimenta-se dentro de mundos escondidos, de uma


mulher guerreira, independente, e que não gosta de viver na sombra de outros, luta pelos
seus ideais, tem personalidade forte. Por outro, não luta e não aceita suas raízes étnicas
raciais, nem seus cabelos crespos e nem tampouco sua identidade de mulher negra.
Além disso, Socorro assim como tantas mulheres negras, sonha em se casar, mas não
com um homem negro e sim com branco, para que suas raízes sejam esquecidas. Para
formar uma família de no mínimo mestiços, negros não.

Socorro ao tentar sair de casa para curtir uma balada enfrenta o verdadeiro caos
que é o trânsito da cidade grande e acaba sendo fechada por um motorista de ônibus. Ela
desce de seu carro branco, insulta e xinga o motorista, que não aceita tais provocações
calado e então desce do ônibus, e a chama de negra. A partir desse instante, Socorro
jamais pensara que um frase seria tão transformadora viesse mudar sua vida por
completo:

[...] Fala negrona! Fez a escova progressiva né? Cuidado com essa
progressiva, isso é a maior regressão na vida de um ser humano. A verdade é
que o motorista enxergou Socorro, uma mulher completamente cauterizada,
de um modo nunca antes visto. (Sobral 2011, p.32)

Diante de tais adjetivos que lhe foram endereçados, Socorro sente-se triste, fica
espantada e chocada pelas palavras ditas por Jorge e começa a chorar baixinho. Mas,
revoltada com tudo que ouviu entra em seu carro, pega uma tesoura e começa a cortar
seu cabelo. A medida em que ela cortava, aos poucos ia assumindo à sua identidade. E
assim ela passa a se valorizar e se enxergar como negra e bela:

Eis o clímax da história. Socorro tirou da bolsa uma tesoura pequena e


começou a cortar o cabelo. Quanto mais cortava, mais bonita ficava, mais
serena, mais incrivelmente consciente. Para o espanto geral, pela primeira
31

vez, parecia uma mulher integrada a sua identidade, negra e linda. Suas
pernas foram finalmente descobertas pela meia calça rasgada e o rosto não
apresentava mais vestígios da maquiagem, desfeita pela força das águas.
Socorro ficou paralisada. Sentia a dor indescritível do seu nascimento, vivia o
seu mistério profundo. (SOBRAL,2011, p.33).

A partir daquele momento Socorro encontra seu verdadeiro eu, e se despe de


toda a camuflagem que o envolvia devido a tentativa de embranquecimento. Conforme
declara Lélia Gonçalvez, (2003): (…) “A gente nasce preta, mulata, parda, marrom,
roxinha dentre outras, mas tornar-se negra é conquista". A personagem principal do
conto representa as diversas mulheres brasileiras que se utilizam de vários objetos para
apagar sua origem afro e passar uma imagem de mulher branca, elegante e civilizada.
Socorro utiliza o processo de cauterização em seu cabelo, por isso o título do conto é
cauterização.

Mas o que seria essa cauterização? Cauterizar é utilizar um produto químico no


cabelo com a finalidade de alisar as raízes capilares. Segundo o Minidicionário Aurélio
(2012) cauterizar é: "extirpar, aplicar cautério". O intuito de Socorro em alisar os
cabelos era almejar a tão sonhada aceitação e maior inserção em sua comunidade
visando até mesmo ascensão social. Um dos motivos para tal alisamento provém
também do desejo de fazer parte da beleza considerada padrão, até mesmo de que
muitas pensam que ao tentar embranquecer conseguirão um marido branco para ampliar
a sua inserção, via processo de embranquecimento.

A autora traz a realidade de muitas mulheres negras e brasileiras que vivem


refém de máscaras, e uma delas é a capilar, ferindo assim sua afro descendência.
Partindo para falar um pouco sobre o outro protagonista do conto, Jorge é um homem
negro de pele bem escura que também é fruto de uma exclusão social, tendo que se
adaptar as regras para viver em um mundo que brancos ditam e negros obedecem, mas o
diferencial é Jorge ser consciente de sua negritude e reconhecer o seu valor ainda que a
sociedade pense o contrário. Conforme o site da Uol notícias, no texto intitulado Cresce
número de quem se diz 'preto' e 'pardo'; grupo chega a 53% no país, de Paula Bianchi e Taís Vilela, os
brasileiros estão se assumindo cada vez mais enquanto negros:

Em dez anos, a população autodeclarada preta no país cresceu 2,1 pontos


percentuais, passando de 5,9% do total de brasileiros em 2004 para 8% em
2013, segundo dados da Pnad (Pesquisa Nacional de Amostras de
Domicílios) 2013. O material foi divulgado na quinta-feira (18) e corrigido
no dia seguinte após o recolhimento de erro do IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística). Os dados divulgados originalmente apontavam
crescimento de 2,2 pontos percentuais. Além dos pretos, cresceu também o
número de pessoas autodeclaradas pardas. Juntos, os conceitos de pardo e
32

preto formam a população negra do país, que passou de 48,1% em 2004 para
53% em 2013.

É necessário lembrar que o fato das pessoas estarem se declarando e se


reconhecendo como negras está relacionado a políticas públicas e de autoafirmação,
com isso a população está tendo uma maior consciência de sua cor e consequentemente
está ocorrendo a sua valorização. Sobral neste conto, faz uma reflexão sobre a
negritude na sociedade brasileira e utiliza um casal para mencionar algumas situações
que ocorrem corriqueiramente na vida de negros, mostrando um paralelo entre aquele
que se assume como negro e outro não. Alertando que se as pessoas assumissem sua
identidade e lutassem pelas suas raízes seria mais fácil combater e desconstruir tanto
preconceito na sociedade brasileira, está faltando empoderamento racial.

4.3 BIFE COM BATATA FRITA:QUEM VAI PREPARAR MEU PRATO?

Ióli é uma simpática criança negra de aproximadamente sete anos e meio, olhos
pequenos castanho escuros, acinzentados e cabelos crespos. Reside em um bairro
suburbano que se encontra em condições precárias, faltando os serviços básicos de
saúde e educação que uma criança precisa. Ióli é uma menina carente, que sente a falta
e companhia de sua mãe e nunca frequentou à escola por falta de oportunidade.
A autora representa a situação de algumas crianças brasileiras, que vivem em
total abandono e convivem com a dor. Mas apesar disso não perdem o encantamento,
nem tampouco a ingenuidade da infância. Sonha com uma condição de vida melhor,
sente uma forte melancolia, tem família em desequilíbrio social, seus irmãos vivem
abandonados, sem pai e mãe. A garotinha vive de acordo com o que o meio fornece, a
menina nascera com os pés chatos e as pernas tortas e precisava usar botas ortopédicas
que são doadas pela vizinha, porém, o número era menor que o seu pé, o que a
machucava e provocava muitas dores.
Sobral retrata nesse conto o comportamento e as vivências da personagem. E o
que está em evidência é a forma precária que a menina vive e o fato de ser ignorada pela
sociedade. A partir disso, percebe-se que é um problema que perpassa anos e anos da
história, em que a criança, o índio, a mulher, o negro e pobre, eles não possuem a
visibilidade necessária. Mas, as minorias cada vez mais criam estratégias de serem
visibilizados socialmente. O caos social muitas vezes é atribuído a estes grupos.
Todavia, eles são as vítimas disso e não seus autores.
33

Diante de tantos problemas e racismo, Ióli passa por um vazio existencial que a
acompanha em todos os momentos de sua vida. Um mundo que ela não queria
pertencer, se refugiava entre suas brincadeiras de criança, no quintal de terra batida,
tentando silenciar a dor que sentia pela ausência da mãe, pelas perdas.
Ióli, como qualquer criança, deseja passar momentos e viver com sua mãe.
Compartilhando assim fraquezas, vitórias e felicidades. Usufruir de uma vida em
família, tomar café na mesa com seus irmãos, colocar sua cabecinha inocente de
criança, para sua mãe poder acariciar seus cabelos. Sendo assim, a pequenina, pegava
sua boneca, apertava-lhes, pois não tinha o direito de chorar, por que esse lugar, não
havia momentos para choro e só ficava as lembranças. Em certo momento da narrativa,
o irmão gritou e gesticulou totalmente descontrolado: “Mamãe morreu! Ninguém chora,
ninguém grita aqui, mamãe morreu! “(Sobral, 2011, p.37).
Ióli ficara surpresa e assustada com a notícia. Ela correu assustada para o
cantinho da casa e começou a chorar. Naquele instante, ela percebeu que sua infância
acabava de morrer junto com sua mãe, e consequentemente seus sonhos e desejos,
inclusive o desejo de algum dia comer bife com batata e arroz. Nesse momento, teve a
convicção que isso jamais iria acontecer. A garota ficou a pensar o quanto sua vida
mudaria e que a possibilidade de mudanças não aconteceria. O preconceito, a
discriminação, a falta de amor e de respeito, se faria presentes em sua vida e pessoas
que algum dia poderiam de fato lhe dar amor, a negariam.
A autora induz mais uma vez a reflexão sobre questões culturais, sociais e
históricas de famílias negras, que se perpetuam desde a escravidão, momento histórico
em que muitos navios negreiros desembocaram no Brasil trazendo populações negras. É
preciso pensar e fazer uma releitura de como esses povos sofriam, a exemplo das
crianças que eram separadas de suas mães ainda quando bebês. Muitas crianças
morriam com tanto sofrimento pois, lhes tiravam o que era mais precioso os vínculos
familiares, principalmente, os maternos. Com relação as famílias negras africanas após
abolição, no texto História - O destino dos negros após a Abolição de Gilberto
Maringoni 1927, disponível no site Desafios do desenvolvimento, relata que:
A força de atração destas propostas imigrantistas foi tão grande que, em fins
do século, a antiga preocupação com o destino dos ex escravos e pobres
livres foi praticamente sobrepujada pelo grande debate em torno do imigrante
ideal ou do tipo racial mais adequado para purificar a ‘raça brasílica’ e
engendrar pôr fim a identidade nacional.

O preconceito racial abolicionista criava raízes no Brasil. A divulgação da


superioridade da raça branca fazia parte da ideologia do “progresso”. Os ex escravos,
34

eram descriminados pela sua cor e estavam entre à população pobre. Com isso cresceu
o número de desempregados, trabalhadores temporários, mendigos e crianças
abandonadas nas ruas. Após a abolição da escravatura não houve nenhum incentivo para
integrar os negros a sociedade baseada no trabalho assalariado. Vale dizer que a
permanência do povo africano no Brasil fez com que os negros formassem suas
famílias. Com isso deram origem a filhos mestiços, crioulos, e assim surgiram os
mulatos, pardos e caboclos. O Brasil tornou-se um país miscigenado. Porém, muitas
pessoas não aceitam e outras não entendem que tal miscigenação funda-se a partir da
negritude e se perpetua assim o racismo. Conforme o site Carta Capital, no texto de
Paulo Daniel, A população negra brasileira, cita que:

Não houve alteração do quadro de oportunidades no mercado de trabalho,


principal fonte de renda e de mobilidade social ascendente. A conclusão que
se impõe é que, a despeito dos avanços registrados, a situação da população
negra no país continua bastante vulnerável.

É fato que se comprar a trajetória da população branca com a negra, a negra


está em desvantagem principalmente em relação a demandas por políticas públicas.
Devido ao racismo enraizado no país, muitas famílias e crianças negras vivem à
margem da sociedade como é o caso da protagonista do conto de Sobral, a menina Ióli.
Dentro dessas perspectivas, Ióli enquadra-se nos números das estatísticas de muitas
crianças que vivem à margem da sociedade brasileira, sem lar, sem teto, sem dignidade.
Todavia permanece com o sonho de que algum dia da sua vida, assim como outras
crianças, vivenciarão dias melhores em uma sociedade enraizada por preconceitos.

Enfim, o conto deixa como convicção que a miséria e a pobreza não será a única
saída para Ioli assim como tantas crianças negras que moram nas ruas da sociedade
brasileira. Ióli vem tirar essa macula que age por pessoas que sofrem na pele tal
preconceito. A fim de resgatar o passado e o presente de crianças negras que lutam para
se afirmarem no país.

4.4 MARIA CLARA: O ANJO NEGRO QUE ILUMINOU VIDAS

O conto é narrado em primeira pessoa e nele é contada a história de Maria Clara,


uma criança órfã e negra que foi abandonada ainda quando recém nascida. Mesmo com
a saúde frágil, ela foi entregue à própria sorte, deixada em uma caçamba de lixo. A
35

narrativa apresenta um tempo indeterminado como forma de prender o leitor atento e


despertar a curiosidade do que irá acontecer com a personagem principal no decorrer do
conto. Maria Clara teve a sorte de ter sido adotada por uma família pobre que mesmo
diante de tantas dificuldades não desistiu de criá-la com amor e carinho:

Resolveram ficar com a menina. Resolveram exercer certa dialética a favor


da vida humana. Eram pobres, estavam na meia-idade, tinham três filhos já
criados, não tinham perspectivas futuras. Tinham dignidade. (SOBRAL,2011,
p.50)

A jovem enfrentou ao longo de sua vida várias situações de preconceito, não só


pela cor da pele negra, mas também por ser filha adotiva e ainda de um casal de
brancos. Entretanto, Maria Clara sempre enfrentou a vida de uma maneira positiva,
independente das suas circunstâncias. Por ser adotiva, era mal vista, pois as pessoas o
rotulavam e previam que no futuro seria uma "má filha", ideia essa que era sustentada
pela ideologia preconceituosa de que filhos adotivos independente de uma boa criação
só trariam desgosto e aborrecimentos a família que o acolhera. Diante disso, muitos
eram os comentários desagradáveis sobre Maria Clara que se espalhavam e se
perpetuavam em sua vizinhança.

Uma criança custa caro, diziam alguns.

- Filho alheio é como cobra, a gente cria e cresce para nos morder.

Sabe-se lá o que essa menina vai ser no futuro, se foi jogada fora é porque é
filha de árvore podre. (SOBRAL,2011, p.49)

Assim como é relatado no trecho acima, muitos eram os comentários maldosos


referidos a Maria Clara, o que leva a reflexão de que em nenhum momento as pessoas
se preocupavam com o bem estar da criança e não tinham piedade e compaixão ao
saberem que uma bebê inofensiva havia sido abandonada, rejeitada maternalmente e
paternalmente. Nem mesmo levam em conta que a criança não foi responsável pelo seu
nascimento. Isso também ocorre com algumas Marias Claras na vida real. Cristiane
Sobral quando narra a história dessa criança coloca em xeque uma das temáticas que é o
abandono e que paralelamente ocorre com crianças brasileiras diariamente e isso não é
um fato recente pois se perpetua por várias gerações, o que é uma triste realidade. O que
a maioria das pessoas fazem é criticar, questiona-se a cor da pele, o histórico familiar.
Levantam-se hipóteses desagradáveis e pejorativas mas não há a atitude por parte dessas
pessoas em ajudar. Mas Maria Clara ainda que sendo julgada cotidianamente lutou com
perseverança e apoio da família e provou para a sociedade que é possível sim ser uma
pessoa honesta, ter uma família e ser feliz ainda que essa família seja adotiva.
36

O conto de Sobral traz à tona alguns problemas sociais como abandono paterno e
materno, preconceito, racismo, situações essas que são propensas a ocorrer na vida de
pessoas negras já que uma parte da sociedade brasileira é preconceituosa e racista. A
autora questiona também a sociedade que ainda acredita que a população negra é
inferior aos demais.

[...] é pertinente observar que, em decorrência do modo como a sociedade


brasileira lidou com a questão escravocrata, as imagens de negro e de negrura
continuam a ser modeladas por uma gama imensa de preconceitos que podem
ser percebidos em diferentes lugares sociais ainda que, muitas vezes,
encobertos por eufemismos que contornam o fato de o país haver decidido
ver-se, particularmente a partir da metade do século XX, como mestiço e a
reconhecer a pluralidade étnica de sua população. (FONSECA,2006, p.92)

Devido ao processo histórico e cultural que o Brasil passou a exemplo do regime


escravocrata, não só contribuiu para que a sociedade seja racista e preconceituosa como
também corroborou para tornar-se difícil o processo de ascensão social dos
afrodescendentes. E vale lembrar também que o país não se considera racista e há o
mito da democracia racial que tenta camuflar tais questões.
Com relação ao título do conto "Maria Clara" é colocado pelo fato de Célia, sua
futura mãe adotiva, por ser branca assim como seu marido, e com medo de que a mãe
futuramente lhe tomasse a criança ou alguém descobrisse que aquela criança não era
sua, decide então levar ao cartório e registrá-la e para que o funcionário não percebesse
a negritude da menina, resolveu então colocar um nome que fizesse referência a uma
criança de pele branca.
Tornou-se clichê mães colocarem o nome em seus filhos negros que fazem jus a
pessoas de pele branca, como se alguns nomes fossem superiores e específicos de
crianças brancas. Fato que é necessário parar e pensar, levantando assim um
questionamento: será que existem nomes específicos para crianças brancas? E se
houver, utilizar tal nome embranquecerá a criança? Será esse o intuito das famílias?
Questões essas que devem ser refletidas, deixando claro que cada um coloca o nome
que quiser em seus filhos mas, se esses nomes forem colocados para fazer referência a
pele branca não seria um ato de tentar embranquecer a criança negra? E essa prática
inferioriza o indivíduo. Outro ponto importante a citar aqui é a dificuldade em adoção
de crianças negras, pois muitas pessoas as rejeitam pela cor da pele.
Decidida a encontrar um lar para a menina, a mulher dona das mãos salva-
vidas enrolou a infante em uma coberta, embora fizesse calor naquele dia.
Era melhor não ficar mostrando demais a criança. Nesse dia não foi trabalhar.
Andou de casa em casa pelo subúrbio onde morava como quem oferecia um
produto em liquidação. O interessante era que ninguém estava interessado.
(SOBRAL,2011, p.49)
37

Assim como é relatado no conto de Sobral a adoção de crianças ainda é um tabu


para a sociedade, principalmente se for negra. No Brasil, muitos casais ainda resistem
em adotar negros por mero preconceito, colocam a questão da cor de pele como um
obstáculo e apesar desse assunto estar sendo bastante debatido em rodas sociais ainda há
muito o que lutar e preconceitos a combater. Conforme o site da Revista Afro com um
texto intitulado "A dificuldade para adoção de crianças negras” publicado no dia 04 de
setembro de 2012, o supervisor da 1ª Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal,
Walter Gomes, diz que:

Apesar das campanhas promovidas por entidades e governos sobre a


necessidade de se ampliar o perfil da criança procurada: O que verificamos
no dia a dia é que as famílias continuam apresentando enorme resistência [à
adoção de crianças negras]. A questão da cor ainda continua sendo um
obstáculo de difícil desconstrução. No Distrito Federal, por exemplo, há
cerca de 51 crianças negras habilitadas para adoção, todas com mais de 5
anos. Entre as 410 famílias que aguardam na fila, apenas 17 admitem uma
criança com esse perfil. Permanece o padrão que busca recém-nascidos de
cor branca e sem irmãos.

Como foi mencionado acima, o quadro de adoção de crianças negras no Brasil


ainda é insatisfatório, pois o que predomina é a preferência por crianças com pele
branca. Mas, felizmente ainda que a passos lentos essa realidade está sendo modificada,
e a boa notícia é que após quatro anos a essa publicação da Revista Afro a procura por
adoção de crianças negras tem aumentado. De acordo com Álvaro Guimarães, colunista
do site r7, em cinco anos dobrou o número de brasileiros que aceitam adotar crianças
negras:

O total de brasileiros que aceitam adotar crianças negras dobrou nos últimos
cinco anos, apontam números do CNA (Cadastro Nacional de Adoção). Hoje,
16,6 mil pretendentes habilitados à adoção aceitam receber crianças negras
— o que equivale a 47% do total de 35,6 mil pretendentes. Em 2010, havia
8,4 mil pessoas habilitadas abertas à adoção de crianças negras — o que
equivalia a 31% do total de 27,6 mil pretendentes.

De acordo com os dados, as crianças negras estão tendo uma maior visibilidade
e sendo adotadas, mas ainda há muito o que conscientizar a população de que a criança
negra é igual ao qualquer outra e também tem o direito de ser adotada, de ter um lar,
assim como crianças de pele branca. Cristiane Sobral com esse conto traz o drama dos
bebês abandonados e as diversas dificuldades, pelas quais passam em seu processo de
adoção, mostrando como as pessoas são racistas e mesquinhas e por uma cor de pele
deixa-se de amar o próximo e o que predomina é a maldade e os comentários sórdidos
em uma sociedade que valoriza o branco tido sempre como superior.
38

4.5 HOMEM BOM ENTREGADOR DE PIZZA: O SOCORRO QUE FOI


SILENCIADO

O conto é narrado em primeira pessoa e nele é contada a história de um homem,


entregador de pizza, que vivenciou uma experiência triste e ao mesmo tempo marcante.
Pois relata uma mulher negra que se deparou com a triste sina de viver nas sombras de
seu mundo, presa nas tormentas de sua vida, mergulhada numa crise existencial que
somente ela poderia explicar.

O conto de Sobral traz à luz da sociedade um tema muito importante para a vida
da mulher negra na contemporaneidade que é a solidão, as tormentas intelectuais e as
mazelas de uma vida fora dos padrões estéticos de uma sociedade cruel e
preconceituosa. Os maus hábitos alimentares da protagonista nomeada de Socorro,
como aquela do conto Cauterização, revelam uma ansiedade e uma recusa de viver,
tendo desistido de lutar, jogando assim seu destino à própria sorte. Vale lembrar que há
outra personagem do livro que se chama Socorro. Provavelmente pela ideia de pedido
ou ajuda que o nome evoca.

Neste conto, Sobral questiona uma sociedade que continua agindo de forma
medíocre, nos fazendo por vezes invisíveis, marginalizados e sem nenhuma chance de
lutar por dias melhores. A escritora induz o leitor a um universo reflexivo sobre a
origem do caos dentro de nós. Sobre nossas lutas internas e principalmente sobre a
intimidade das pessoas que por vezes passam despercebidas por nossa vida. A autora faz
com que o leitor perceba que o resultado de uma atitude de recusa, de uma vida
indiferente, às vezes, prega peças com surpresas desagradáveis:

[...] Que cenário triste. Sentei no chão da sala e chorei como se estivesse
perdendo um ente querido. Ah, Socorro, por que a destruição? Seria solidão?

Eu também me sentia só. Nunca tive muito sucesso na vida cotidiana, eu


cantava, entregava pizza com esmero, mas não tinha uma vida pessoal. Não
tinha amigos. Geralmente as pessoas só conversavam comigo por meio das
gorjetas, tanto na entrega de pizzas como no bar. [...]” (SOBRAL, 2011, p.
62).

O entregador de pizza, que só teve contato com a personagem já morta


identifica-se com a solidão vivida por ela. É interessante como a autora usa o conto
como forma de alertar sobre as problemáticas implícitas no texto: obesidade,
preconceito, depressão, suicídio, dentre tantos outros. A autora usa essa história como
39

forma de chamar a atenção de que o acontecido com a personagem do conto, ainda


acontece na contemporaneidade. Apesar da ascensão das populações negras e da
conquista das mulheres negras por independência e valorização, situações como a
solidão, a ausência afetiva ainda são recorrentes entre tais mulheres.
Vale dizer que as mulheres negras tendem a ser mais solitárias, e a cor da pele é
um dos fatores que corroboram para essa solidão já que se vive em uma sociedade em
que a cor da pele é um dos pré-requisitos para que a mulher seja aceita como modelo
ideal para homens e que assim possam ter um futuro juntos. Essa solidão não se dá
somente pelo fato da mulher negra não ter um parceiro sexual. É preciso mencionar
também que esta solidão está relacionada aos vínculos de amizade, família, dificuldade
em se comunicar e um dos mais preocupantes o abandono, pois muitos muitas mulheres
são deixadas por seus parceiros com filhos e tornam-se mães solteiras e isso ocorre em
sua maioria com mulheres negras. De acordo com o blog Geledés: Instituto da mulher
negra, a colunista Gleide Fraga escreve um texto intitulado " A solidão do mulher
negra" postado em três de junho de dois mil e quinze, e cita que:
Sabe-se que pouquíssimas mulheres negras conseguem se estabelecer
romanticamente enquanto casadas, que o número de famílias onde a mulher é
mãe solteira é em sua maçante maioria, de mulheres negras. Fomos
crescendo com a ideia de ver nossas avós, mães, tias criando seus filhos
sozinhas, sem companheiros, por vários motivos; abandonadas por eles,
relacionamentos extra conjugais e etc. E com isso crescendo sem exemplos
de mulheres como nós que querem se casar (é importante frisar o desejo do
casamento como algo condicionado, mas quando se há essa desconstrução e o
desejo permanece, já entramos em outro patamar discursivo), e ainda assim,
não conseguem se estabelecer num casamento, seja ele com homens negros
ou não, seja ele com mulheres negras ou não.

Infelizmente essa é uma triste realidade que acomete as mulheres negras. O


racismo no Brasil embora seja mascarado existe, apesar de algumas pessoas acharem
que o racismo já foi suplantado, pois ainda sustenta-se o mito da democracia racial, mas
cotidianamente o que se presencia são as exclusões sociais, seja nas universidades, em
local de trabalho, com relação ao salário, enfim, questões essas que estão relacionadas a
etnia, já que o negro sempre foi visto em situação inferior as demais etnias.

Nos contos, aparece uma atitude em defesa dos valores culturais do povo negro e
como é de praxe para ser considerado um autor de literatura afro-brasileira, o indivíduo
precisa muito mais que ter a pele negra, ele tem que reivindicar para si essa condição e
comprometer-se com a inversão de valores que atualmente se tem sobre o que é ser
negro. E como salienta Duarte (2008, p.15): “Literatura é discursividade e a cor da pele
será importante enquanto tradução textual de uma história coletiva e/ou individual”.
40

Sobral, em seu conto, reflete sobre o que é ser uma mulher negra no Brasil e ter
que conviver/resistir aos padrões de uma parte da população aos quais todos estão
acostumados a ter como únicos válidos e o indivíduo que não os segue é considerado/a
um ser feio e para ser aceito deve que se adequar.

4.6 A DISCÓRDIA DO “MEIO”: UMA FILHA LEGÍTIMA E UM FILHO A SER


LEGITIMADO

O conto aqui descrito é narrado em terceira pessoa e traz a história intrigante


entre dois irmãos que escondem entre si frustrações, alimentadas ao longo das suas
vidas. Estes transformam o meio social em que vivem em um ambiente conturbado, e
por serem meio irmãos vivem discutindo. Daí o título provocador do conto “A discórdia
do meio” que traz ideias ambivalentes da palavra “meio”. Há dois sentidos: primeiro
faz jus a situação que ocorrem com algumas famílias, casais que tem filhos e separam-
se, vão em busca de um novo relacionamento e constroem uma nova família, na qual
seus filhos acabam não aceitando seus meios irmãos, por não acharem que fazem parte
daquele núcleo familiar. Outro sentido é que a palavra meio se refere ao ambiente, local.
Esse "meio" era um ambiente que havia a discórdia, por isso discórdia do meio.
O conto descreve situações de preconceito e rancor, vividos por décadas, que se
revela na falta de afeto da irmã mais velha pelo seu irmão mais novo, por achar que ele
tem a culpa de ter lhe roubado o amor de sua mãe. Outra coisa que sua irmã não
aceitava era o fato de que seu irmão era fruto do relacionamento de sua mãe com um
homem branco, fato este que lhe permitiu traços estéticos cobiçados por sua meio irmã:

[...] ele, um mulato de cabelo liso, meio fulo, cheio de traços brancos na
cara, traços “finos” no fim dos trinta, cheio de marcas da traição materna
oculta pelo tempo e motivo da picuinha eterna entre os dois. Para ela
recalcada pelo amor menor que recebera da mãe, mais cuidadosa com o filho
do amor impossível, o irmão era indigno. A irmã era Jupira, mulher
arrogante, usava os gritos para impor a sua vontade, humilhava o meio irmão
como podia, e, ele, acuado, jamais reagira aos múltiplos insultos. Jupi era um
homem sem atitudes, e adotava, desde sempre, um comportamento marginal.
Vivia pelas beiradas. Naquela casa, as mulheres falavam mais alto.
(SOBRAL, 2011, p. 41).

Este conto questiona padrões de uma sociedade que ainda revela-se acreditando
que exista uma superioridade racial, neste caso, a população branca. Os familiares dos
dois irmãos não alimentam tal falsa convicção de que há tratamento diferenciado entre
41

um e outro, mas o que demonstra é que tanta implicância pode ser algo pessoal,
enraizado no âmago de um coração machucado e rancoroso como de Jupira:

Entre os irmãos havia uma espécie de cumplicidade maligna, um mudo pacto


de maldade que a ambos destruía, mas, qual a verdadeira magoa de Jupira?
Porque o irmão tanto a incomodava em seu mudo resignar? [...] (SOBRAL,
2011, p. 41).

O irmão Jupi não demonstrava essa angústia velada, apesar de se sentir menos
importante por não ter um padrão racial definido, ao contrário de sua irmã Jupira, que
ao invés de valorizar os traços oriundos de sua raça, preferiria adotar os padrões
estéticos do branco, utilizando-se de uma peruca com cabelos lisos, para esconder sua
real condição estética.
Diante dessa situação, ambos sentem na pele o preço alto da discriminação e
diminuição do seu valor individual, por carregarem consigo traços distintos. Nesse
aspecto, o conto revela um tema muito importante para a vida do negro na
contemporaneidade que é essa busca incessante por uma identidade própria,
desvinculada dos padrões estéticos do branco, tentando mais uma vez apagar da história
o mesmo processo de embraquecimento defendido e imposto durante tantas décadas
atrás.
Jupi revela-se nesse conto como aquela mulher sem estima, castigada pela
sociedade, desprezada pela família e que internalizou a falsa ideia de inferioridade.
Mostra-se, inconformada não consigo ou com a sociedade, mas sim com seu meio irmão
e não perde a oportunidade de mais uma vez destilar seu rancor. “[...] Seus olhos negros
imensos estavam dilatados de ódio enquanto gritava sem piedade: Negro sem valor,
parasita filho da puta! vê se te manca, tá pensando o quê?” (SOBRAL, 2001, p. 42).
O conto revela uma mulher que não se apresenta aqui como ser resignado, que
busca alcançar seus objetivos e que se auto afirma dia após dia na luta incessante por
uma mudança social no que tange ao preconceito. Enfatiza, pela fala de seu meio irmão,
fortes indícios de um preconceito velado, que se materializa no ódio revelado a qualquer
um que lhe pareça ter traços estéticos por ela almejado:
[...] você nunca me aceitou porque eu sou mais claro, o meu cabelo é bom, e
eu não estou nem aí, não dou a mínima pra essa porcaria, enquanto você
gasta os tubos pra esconder a sua carapinha, preta complexada. [...] Sou filho
de um amor escondido de minha mãe com um branco que soube lhe dar amor
e prazer, ao contrário da estupidez legitima do seu pai, que você herdou junto
com o seu pixaim. (SOBRAL, 2011, p. 43).

Por fim, a autora revela por meio da fala de Jupi, a realidade que sempre vem à
tona: o preconceito racial, sendo algo que vai muito mais além que a cor da pele, pois
42

se revela no meio, se amplifica pela discórdia histórica vivida por negros, brancos,
mestiços, moços e velhos. Uma estupidez apresentada de forma absurda:
Eu sou esse mestiço trágico, filho da mentira, só eu sei o preço que pago por
isso, porque não sou branco nem preto, e isso todo mundo vê. Estou e sempre
estive no meio dessa confusão, no meio de qualquer coisa, assim como somos
meio-irmão. Mas eu sou um ser humano, isso eu sempre soube ser.
(SOBRAL, 2011, p. 43).
Jupi tinha a consciência do que era ser meio irmão de Jupira pois sofria
diariamente com os preconceitos e piadinhas diariamente realizadas por sua própria
irmã, mas convivia com tantas humilhações e ficava quieto para evitar qualquer tipo de
discórdia, pois diferente de sua irmã o que ele tinha é caráter.
Portanto, como diz Sobral (2001, p. 44), “[...] Era sem dúvida um osso meio
duro de roer”. O conto revela essa luta incessante pela afirmação identitária, por um
olhar mais singular das particularidades do ser humano em detrimento a padrões
estéticos incorporados ao longo dos tempos. O conto “A Discórdia do Meio” se revela
como mais uma defesa dos valores culturais do povo negro. A autora demonstra aqui
que para ser considerado ser humano, seja ele negro, branco, índio ou mestiço, o
indivíduo precisa muito mais que ter a pele marcada por um traço estético. Tem que
reivindicar essa condição e comprometer-se com a luta contra qualquer forma de
preconceito e discriminação.

4.7 BURACO NEGRO: ÀS VEZES, É PRECISO CAIR PARA VER LUZ

Este conto é narrado em primeira pessoa e traz uma reflexão sobre o universo
misterioso que é o psicológico do ser humano. Intitulado de O buraco negro faz
referência a situação pela qual a personagem feminina e principal do conto está
passando por um momento de depressão. Um momento em que é representado o
universo complexo das certezas e incertezas, frustrações, decepções, e dissabores que
acaba por transportar o ser humano para um campo reflexivo. Com simples descuido,
tais reflexões e pensamentos permitem prevalecer a negatividade. Logo, é posto em
risco toda a estrutura física e intelectual do ser:
Estive muito tempo dentro de um buraco estranho e escuro de onde eu pude
ouvir as vozes das pessoas que caminhavam lá fora. Era um espaço invisível
aos olhos dos outros, que jamais me imaginariam assim, caída. Muitas vezes
tentei sair, gesto inútil, pois não tinha forças. Cada vez mais agarrada as
paredes deste poço profundo, percebi como uma depressão pode ser adesiva.
(SOBRAL,2011, p.45).

A depressão adesiva de que trata o conto, refere-se a uma depressão que estava
aderente, colada, fazendo parte de sua vida. Descreve esse espaço psicológico
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conturbado que somente a autora pode transitar, local em que os pensamentos pairam,
um local fundo, escuro, que a sufocava, e já não tinha forças para sair daquela situação
de tristeza e melancolia. Estava no fundo do poço. Mas o que seria depressão? A
depressão tem sido uma das temáticas mais debatidas pelos meios de comunicação, em
espaços acadêmicos e abordada em livros. Conforme Teodoro (2010, p.20)
Depressão é um transtorno mental, causado por uma complexa interação
entre fatores orgânicos, psicológicos, ambientais e espirituais, caracterizado
por angústia, rebaixamento do humor e pela perda de interesse, prazer e
energia diante da vida.

Logo, a depressão é desenvolvida pela forma com que cada sujeito lida com as
emoções desencadeadas pelas situações pelas quais passam durante a vida. A
invisibilidade com a qual a autora Cristiane Sobral se refere no trecho do conto abaixo,
revela que independente do esforço que fizesse, nada faria com que lhe salvasse daquela
depressão e saísse daquele buraco escuro e sem perspectiva de vida, um espaço invisível
que somente ela via e sentia.

Ela cria a metáfora de que viva com depressão é o mesmo que estar em um
buraco negro, sem alegria, sem perspectiva. Um lugar que as pessoas não conseguiriam
imaginar que um dia ela pudesse estar, no fundo do poço, em um buraco escuro: “[...]
Era um espaço invisível aos olhos dos outros, que jamais me imaginariam assim, caída”.
(SOBRAL,2011, p.45).

Essa luta interna vivida pela personagem causava grande dor e sofrimento, a
escuridão desse espaço corrompia a reflexão positiva, criava mitos e barreiras que a
cada instante sobressaíam a tentativa de recuperação. E mesmo estando em contato
direto com outras pessoas, muitos não entendiam o estado em que ela se encontrava.

Sensível é esse limiar do pensamento, pois mesmo tendo consciência do seu


estado depressivo tentando lutar contra aquela realidade de imensa tristeza, quando
tentava sair do buraco se via em pânico, ficava agarrada a beira da cratera do buraco,
não conseguia se libertar sozinha: “Não entendia o que me prendia a esta morada da
decepção. Não percebera o que era preciso aprender para me libertar” (SOBRAL, 2011,
p. 45). Sabe-se que quando uma pessoa se encontra em um estado depressivo é muito
complicado fazer com que a alegria e a esperança se faça presente. Assim também
como o conto de Sobral, Caio Fernando Abreu no livro O ovo apunhalado traz em um
de seus contos intitulado Nos poços a temática da depressão e o vazio desse eu:
Primeiro você cai num poço. Mas não é ruim cair num poço assim de
repente? No começo é. Mas você logo começa a curtir as pedras do poço. O
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limo do poço. A umidade do poço A água do poço. A terra do poço. O cheiro


do poço. O poço do poço. Mas não é ruim a gente ir entrando nos poços dos
poços sem fim? A gente não sente medo? A gente sente um pouco de medo
mas não dói. A gente não morre? A gente morre um pouco em cada poço. E
não dói? Morrer não dói. Morrer é entrar noutra. E depois: no fundo do poço
do poço do poço do poço do poço você vai descobrir quê. (ABREU,2008,
p.17)

Vale dizer o quão difícil é uma pessoa libertar-se de um estado depressivo, pois
"acostuma-se" com a dor e o sofrimento, como é relatado no trecho acima "começa a
curtir as pedras do poço" e assim é complicado encontrar forças para lutar contra a
tristeza. Mas, felizmente a esperança surge, e para enfrentar tal problema há a
possibilidade de mudar a realidade melancólica e angustiante. Ao falar em depressão
associa-se a "frescura" ou a algo das populações abastadas. Cultua-se a ideia de que o
“pobre não tem depressão”. Todavia desde a escravidão fala-se em banzo. O banzo é
originado do termo quimbundo mbanza que significa aldeia, e o que os negros sentiam é
saudade de sua aldeia na África e isso ocasionava o estado de banzo, ou seja, estado
depressivo. De acordo com Moura em seu Dicionário da Escravidão Negra no Brasil
define o banzo como:
Estado de depressão psicológica que se apossava do africano logo após seu
desembarque no Brasil. Geralmente os que caíam nesta nostalgia profunda,
acabavam morrendo. Atribui-se tal estado depressivo à saudade da aldeia da
qual provinham, de modo que o banzo atingia somente a primeira geração de
escravos, isto é, aqueles diretamente importados da África (MOURA; 2004,
p.63).

Muitos escravizados ficavam em estado de banzo por estar distante de sua terra
natal o que gerava uma tristeza muito grande e então os negros se suicidavam das mais
variadas formas dentre eles estavam: a utilização de venenos vegetais e enforcamento. E
segundo Sobral quando cita em seu conto a frase "reparar na beleza das flores" seria
então uma solução para curar a depressão, passando assim a enxergar o lado positivo de
coisas negativas, tentar compreender a verdade, os fatos, encarar novamente a vida,
ainda que em meio as dificuldades. Já que quando se está imersa na dor não se consegue
enxergar o mundo de uma forma diferente: “Quanto mais eu olhava pra dentro dessa
caverna escura, mais altas cresciam as suas paredes em torno de mim. Não conseguia
enxergar o mundo ao meu redor. Tão imersa que estive na minha própria dor”.
(SOBRAL, 2011, p. 45).

Ao pensar reflexivamente, percebe-se que a autora lamenta o fato de não ter se


agarrado as flores que brotavam ao redor do buraco negro. Essas flores seriam as
chances e esperanças que a vida lhe dava para a sua recuperação. Passa então a
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reconhecer que precisa mudar, e busca com suas próprias forças a saída para seu estado
de profunda depressão. O seu choro passa a servir como desabafo, para aliviar tamanha
dor, e assim descobre que a terra úmida, encharcada por suas lágrimas é o terreno
propício para que se plante aquelas flores colhidas nos momentos de extrema reflexão
do eu:
Tempos depois, num dia de sol, sentada numa das esquinas do meu
precipício, após a ressurreição, como quem contempla a própria sepultura,
observei que várias pessoas paravam para admirar o jardim que brotou com a
minha própria dor. Não apenas fiquei de pé, como também fui capaz de
caminhar. Finalmente, era chegado o momento de seguir adiante e
empreender novas obras. (SOBRAL, 2011, p. 45).

E foi lutando e tentando tirar proveito daquele sofrimento e dor para as reerguer
que, finalmente a jovem sai daquele estado de depressão. Este conto traz a reflexão de
como a depressão é nociva ao ser humano desestruturando desde o estado físico ao
mental do ser humano. Sabe-se que é difícil sim superar dificuldades, mas a reflexão
silenciosa e individual é o melhor caminho na busca das mudanças. Todavia, para além
das questões individuais, as coletividades também corroboram com o adoecimento das
pessoas em estado de depressão. Portanto, é preciso ter em mente que todo ser humano
é fruto de suas escolhas, assim como também fruto do meio, de questões sociais e
históricas. É preciso ter a consciência de que cada um deve conhecer a si mesmo, seus
dramas, virtudes e limites para poder lidar com qualquer situação que aconteça em sua
vida. Até mesmo para se fortalecer contra as questões construídas na sociedade ao longo
do tempo.
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5 EM BUSCA DE FORMAS DE EMPODERAMENTO DA MULHER NEGRA

Ao ler os contos de Cristiane Sobral no livro Espelhos, Miradouros, Dialéticas


da Percepção, foi possível compreender o quanto as mulheres negras ainda são
discriminadas na sociedade. Neste trabalho de pesquisa, ao investigar os perfis
femininos das protagonistas negras dos contos, é notório o quanto as mulheres negras
sofrem. Através desta pesquisa, foi possível compreender quanto é difícil sobreviver em
sociedade enquanto mulher negra, educadora e pesquisadora. Neste esforço que abarca
diversas nuances identitárias, observo que por mais que já tenhamos conquistado nosso
espaço, ainda existe um preconceito que está enraizado em nós e é alimentado pela
sociedade todos os dias.
Vale dizer que apesar de todos os problemas de preconceito e racismo que
muitos negros enfrentam no dia a dia da sociedade muitos com muito esforço, dedicação
e luta conseguem alcançar seus objetivos e ascendem socialmente. Ainda que em sua
minoria, atualmente se vê negros em cargos políticos, outros sendo médicos, e nas mais
variadas profissões e etc. Vale lembrar que o negro é a todo instante discriminado, mas
se em algum momento alcança a ascensão social vira alvo de notícias e é rotulado quase
sempre como "o negro que venceu na vida". A exemplo da negra medalhista do ouro no
judô Rafaela Silva, moradora da favela, em que a mídia utilizou a jovem para propagar
uma imagem, da democracia racial brasileira, camuflando o quão racista e cruel o país
é. Todavia, deve-se deixar evidente que mesmo alguns negros alcançando a tão sonhada
ascensão social ainda assim, continuam sofrendo preconceitos raciais e sendo
desrespeitados.
Diante disso, durante todo o processo de pesquisa e construção desse Trabalho
de Conclusão de Curso a todo momento refleti e questionei muito como é ser uma negra
brasileira e como estou desempenhando meu papel na sociedade brasileira, como estou
contribuindo para que estereótipos e preconceitos sejam quebrados com relação aos
negros.
Tal pesquisa acadêmica me fez compreender ainda mais como sou e como as
pessoas me veem em sociedade, e mesmo sofrendo e presenciando tanto preconceito
existente na sociedade, ainda há esperança de dias melhores, dias de conquistas e que
ainda que o percurso seja longo é possível sim lutar e galgar objetivos. Como mulher
negra sei que é possível e necessário poder expressar opinião e ter a liberdade para tal
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feito. Tendo a consciência de que sou importante e posso contribuir para uma melhoria
social, seja ela econômica, cultura. Como educadora devo ensinar aos meus alunos que
preconceito e racismo são atos intoleráveis, pois, ninguém é melhor do que ninguém.
Com relação a obra Espelhos, Miradouros, Dialéticas, da Percepção, as
mulheres negras ali representadas tinham o desejo de se colocar no lugar onde elas
tinham por direito, são elas que lutam pelo empoderamento, rompendo com paradigmas
e estereótipos que lhes foram rotulados. Valorizando assim sua cultura identitária e
emancipando-se enquanto mulher negra no meio social, ideológico e político,
revelando-se através dessa Literatura Negra Brasileira.
No que tange as inquietações vivenciadas por mulheres negras representadas na
obra de Sobral, vale lembrar que estas são propulsoras de movimentos negros
importantes que muito contribuíram e influenciaram para me tornar a mulher que sou
hoje. Uma mulher negra capaz de discutir e interferir em diálogos que envolvem a
maneira de como irei me comportar no mundo e que sou dona de minhas próprias
escolhas, podendo decidir o que eu acho melhor para minha vida. Assim como também
tenho o direito de escolher com quem me relacionar. Todo esse direito de liberdade
deve-se ao fato dos variados movimentos de reinvindicação realizadas pelas mulheres
que decidiram lutar em favor da liberdade, como é o caso do Movimento Feminista,
movimento esse que trouxe muitas conquistas e direitos, melhorando a vida das
mulheres.
Ao que se refere a pesquisa deste trabalho, para mim foi de grande importância
tratar sobre algo que ainda é tão atual. Através dessa obra de Cristiane Sobral foi
possível fomentar o quanto as mulheres negras precisam desse apoio, de valorização e
questionamento deste posicionamento político- ideológico da mulher negra.
No que tange as mulheres negras retratadas na obra de Sobral, através de contos,
são personagens que não se diminuem por não se sentirem inferior a ninguém pela cor
da pele, tendo a consciência que são iguais as mulheres brancas, podendo viver tomando
suas próprias decisões, adquirindo e construindo seus objetivos. Mas, aos longo dos
contos Sobral deixa claro toda a opressão que as protagonistas viviam seja em relação a
estética capilar, ao físico ou até mesmo sentimental, mulheres que tornaram-se libertas e
não subalternas.
Essa pesquisa me fez entender que as mulheres buscavam através de seu perfis a
imagem de mulher destemida e determinada, servindo de exemplo para que outras
mulheres negras tomem tal posição de empoderamento perante a sociedade. Ou seja, nas
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personagens negras analisadas, é possível observar que muitas delas saem da


subalternidade para o empoderamento de si mesmas.
A literatura de Sobral nos permite revelar o que pensamos e quem somos, sem
medo do que irão falar de nós, sem o medo do que poderão fazer para nos calar, sem
medo de questionar os nossos próprios valores. Ainda que esse modo de agir possa
parecer tão revoltante, é preciso compreender que não estamos agindo erroneamente,
mas sim recorrendo a melhorias e satisfação para o nosso bem-estar, para que possamos
“existir” de verdade, sem invisibilidade social, ou até mesmo compreender porque
estamos vivos e fazer com que isso aconteça de maneira esplêndida, pois o ser humano
vive com base em suas realizações. Os textos da autora nos humanizam e por isso
implicamos em querer uma motivação para existir, caso contrário entraremos em um
terrível caos e vazio em nosso ser.
Falar sobre a Literatura de Sobral se torna ainda mais desafiador, já que sua
escrita é completamente implícita e de cunho ideológico. A autora traz sua literatura
como uma denúncia. Assim, temos aqui uma literatura ousada, cheia de coragem para
expressar o real sentido de viver, de se pronunciar enquanto cidadão. A escrita de
Cristiane Sobral se apresenta como uma linguagem contemporânea, já que ela frisa os
problemas que o homem e mulher passam para enfrentar suas inquietações e
questionamentos. Dessa forma, a autora traz a consciência para seus personagens, ou
seja, escancara a verdade sem nenhum pudor.
Sobre os contos da obra Espelhos, Miradouros, Dialéticas, da Percepção é
possível compreender que em cada história há mulheres que inicialmente se encontram
em lugar de apenas desempenhar suas atividades cotidianas, e que até então achavam
que isso era comum e que estavam cumprindo o papel que qualquer outra mulher tinha
o dever de cumprir. Porém, chega um momento em que passam a refletir qual era de
fato o lugar que deveriam estar ocupando enquanto ser humano, enquanto mulher, e
passam ter a consciência de quem realmente elas eram, entendendo que tinham a
capacidade de fazer muito mais do que apenas se dedicar ao fator de poder.
Assim, posso sinalizar que as protagonistas dos contos Espelhos, Miradouros,
Dialéticas, da Percepção são mulheres negras que apresentam desejos em comum, que
possuem um mesmo pensamento em querer fazer suas próprias escolhas, de sair do
lugar de subserviente, de poderem ser incluídas na vida pública como por exemplo, no
mercado de trabalho, mas para esse acontecimento é necessário que todas elas rompam
com os paradigmas sociais do contexto em que vivem, o que é muito difícil e algumas
vezes não se consolida nas narrativas analisadas. Sendo assim, entendo que a mulher se
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constrói através da cultura em que ela vive, pois ela aprende aquilo que recebe de
ensinamentos, foi o que aconteceu com essas mulheres que eram criticadas física,
esteticamente e psicologicamente quando apenas viviam a favor de saciar as vontades
de uma sociedade racista e preconceituosa.
Por fim, com relação as protagonistas da obra nota-se que cada uma delas tinha
um só objetivo, o anseio de concretizar um sonho considerado possível, de ir e buscar
seus ideais e valores, saindo das rédeas da discriminação e passando a agir pela via da
luta e da resistência, coragem e ousadia para garantir seu empoderamento feminino.
Vale lembrar que mesmo diante de todas as questões aqui discutidas, abro portas
para a continuação dessa pesquisa pois ela não se encerra aqui. Há muito o que se
discutir e pesquisar ainda. Sugiro que mais leitores apreciem a obra Espelhos,
Miradouros, da Dialéticas da Percepção para maiores debates sobre o assunto aqui
proposto, e que as escolas venham possibilitar que os alunos leiam essa obra, e que ela
seja trabalhada por eles a fim de que obtenham o conhecimento de que nem sempre a
mulher conquistou o seu espaço na sociedade, e que houve e ainda há muitos desafios a
serem enfrentados por elas.
Pretendo inclusive, em breve poder destrinchar ainda mais a discussão dessa
pesquisa em uma dissertação de Mestrado, para trazer o caminho revolucionário da
mulher negra que apenas servia, e que ao perceber o que realmente acontecia e
descobrir o poder que ela tinha em suas mãos, parte para o combate e não reivindica
mais apenas em sua imaginação, mas que agora vai realmente em busca do que lhe foi
tirado, realizando movimentos, protestos e criando grupos feministas até conseguir
ocupar o seu lugar de domínio.
Finalizo aqui, relembrando que há discriminação e preconceito e racismo que
muitas mulheres estão sujeitas em seu cotidiano, mas que assim como muitos direitos
foram conquistados há muito preconceito a ser quebrado e é isso que vale a pena lutar
todos os dias por uma sociedade mais justa e igualitária.
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