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O que fazem
os poetas
com as palavras ·- ., . ,
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)1t~:._.·: ;_: ~: . : ..:.: ;:· ~ ·'
A poesia ~ um facto iaclutáveL Da.em os antropóf ·· _9J\ºP,i~
tica. Esta 15 uma superestrutura. algo jã de mais comp~~º~i•;-~~f~m~o~~-:· ! ·.' :.•:- ; .:,, , , ·: .,
entre a poesia, que~ um dos pdlos, e a linguagem ~ <~~ <;>,.~...~~ -~u~J,.
1.:, '.- :: •• : : ,. , •
o outro. Note-se, por outro lado, que en:i certas aoçi~~-ffl?~ :~ ·.:,:.: ~ .. .. : .: . :· .:· _: ..
sob a fonna de poesia cantada: i o sincretismo primi~Q,~ ,P-~,~,~tí.9': . .. , . . . ...·
e da música. Mais: cm certas tribos q~c não possuefu_'"m~(ij \PS.trum~o~ .::··...'\: -·. .
opõem-se o conjunto poesia-música dum lado e a li,~Qãg;D).®.~ntê df_·· "·_·· :· ··. ··
outro. Nas tribos que possuem música vocal e músi~ J~s~e~~ Ô~· . .·
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va•se, por via de regra, uma estreita ligação entre a m6sicà mstrumental e
. ... .. ...
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aliteração ou de rima: são, sem dúvida, realidades. uius: Dão se trata·: só. ·: ..
de música. estâ sempre cm jogo a relação entre som· e· sentido: tudo· iliC
· linguagem é. nos seus diversos nlveis, sigoiJicante. ·.'.· ·. ,.., :·· .=, :·, : ·· · •• ' ·
Um problema que me impressionou é o papel da gramática na:pocsia,• ·: ·; .-- . ·. -.
Quando estudante, li nos manuais que existem pocÓias:{de Puskinê,-,por:. ·: .. ' . ..·: - · :.
exemplo) sem .imagens, 'sem tropos, cuja ·rorça única-'-tesíde· na força .da:, ,..:: .· '.. - ;
ideia e do sentimento;. Na altura acréditei. depois tórriê:i-me:céptiéo:-M~ : -•. . ·· - · -- .. :,• .· ..
acrêditti, devo·dizer, com certa surpresa. A" profundidade:ôas ·idciás! :Mas:.-,..:. .. . . -·: -
não são textos magnlifoos, cheios de ideias profundàs"~ a· Déclaração-do-s.<~-- -:··. : .
Direito.s·do Hame~ ou a,· Teoria·da Relatívidtide de lfüi~têm"'l·-E algú6m: os; :. ··.: ·. . ,: .. ,•.
de
classificad ·text~s '_po6ticüs? · Logo, parahaver poesia•;J5ãkce ·n~ári<t :. : ·; ., ;·. ·: i. ,º, ~-
álgo· mais. Li, por"" CJÚÜo lado;:- êc:imoventes caitas de•Bliio·r~· -ou fan~inánt~·: ~ : :.:·... ' . . ·,ô. : ;
·cartas de.;"dcsptdidâ dé pcssoiis•· que iain inatár,;,se; p(jj!j:.~~:: tram·,;textO"S'- ;"'·>>:;;;. •.:· ·· . •
·repassados· de :~nümênto, ·~ãcl e~ poemas! E não~se>~tmtà àpcii~•i daº::::--. ',_; :- u:·.·.-•-
.. orpoiúiçãO riiihiu:;t~a ·a ot~ção interna estã::emirc'ausa. ·::.'.':•.::: :_ ~-.--S,. ·.:. ·:'··::'; :: .,,
.· · .-. -Volbil a p"éhsíir·nti.filswitó 'qíiánao :tive de ôrganaar\âJgúns~o1umcs: -~.- ::•,.i.~ <:':.
· de ··traduções de--:Puslioê·.dn ·c~o": bs ·melhores pddtas 7 cll~s pti'seram::·:.-.- '-':·., . :--:,. '.:
mãos ·à ·obra. "Conqumto ente~'- as.-·linguàs" russa ·e clic:éá éxístàm gràndes .- .:.. ·::".:.:_ : : ' ..
~mclbànçàs, cómccei"á-'observàr ~rtas faltas de cotréspon<lêbci~-·Alguns:. -:·_, ._•-:·.· ·
poemas·forani traduzidos com.perfeita exactidão no eóntc:mêlitc à estruturá'
-·:--. · . .-. - ·dos Ymos; à estrutura das rimas. à c:scoi,ia das imagens-$ ~=B,. de:rcpen~ ,_. ,•: :.': :;. . . : ...
pcrtcbi que a tradução não ·cstava bem: manquejava-·aqüi''bü -ali;, A :razão ; :
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estava nas diferenças de estrutura gramatical entre as:lfnguü eslavas;, -·-:· ·:> ~ : . . .
;/ Em certos ~sos, impõe-se "u"ma ·grande atenção ao papét das·categorias-:
gramaticais. Cito um exemplo, entre tantos que poderia-ãdu'zit•. U:o:ia-tradu~·- ...
ção do russo, não jã cm checo. mas ~outra llngua eslava~ ó polâco: a tradução·
dum poema de Puskine feita por um grande poeta -poláéo; J. Tu-w im,·
excelente conhecedor do russo e dotado de singular sensibilidadé ·ungulstita.
O poema, «Amei», 6 daqueles que se costuma considmr· desprovidos de
tropos e figuras. Pois bem: a versão em polaco falhou completaniente.
Porque? Por não se prestar a necessãria atenção a uma diferença que existe
cnue o russo e o polaco: em russo os pronomes pessoais -acompanham
normalmente, como sucede em francês, as formas verbais;· a omissão dos
pronomes pode ocorrer, mas tem uma fu~~Q_cní&uoa,,...i-WICãL ...... foctc __
emoção; cm polaco dA--··~umciitc-o contrário: normalmente não se
emprqam os pronomes, as desinências bastam para indicar as pessoas,
e usar os pronomes provoca uma impressão afcctiva, envolve um tom
retórico. Dostoievski compôs uma breve narrativa onde diz. troçando dum
publicista russo: <<Fu.era-se tão vaidoso que omitia sempre o. pronome da
primeira pessoa.» Ora no poema de Puskine. onde dialogam um herói
e uma herolna, há um jogo fundamental entre os pronomes ftl e v61: con-
servaudo, na. tradução, o pronome da l.• pessoa, dai-se ao texto um caricter 7
excessivamente retórico.
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_86 dei,oi, aprendi qeae • ~ Morte ( du Tod) é masculina em alemão.
Mais tarde. deparou-se-me o caso ·duma-
~ til(Quç&o-doa poemas dc-Pastcroak
em checo. o livro, CID russo, .intituJa-se Sutra mo/a zhlin 'f«Minba .Irml.
a Vida»). Mas em checo o vocibulo que significa «vida» ~ masculino;
e era imposslvd traduzir Minha lrmil, mas igual.mente impeosbel Meu
Irmão, a Vida. O tradutor. Josef Hora, poeta de elevada craveira, ia.dando
cm doido... Um último exemplo: o pocDl& de Heine ( Ein Fichtenbaum
1ieht einsam [...) Er trifwnt l'On einer Palme ••• ) em que duas árvores isoladas
8 - um pinheiro, no Norte, rodeado de ne\le, e uma palmeira, no Sul. envol-
vida no calor meridional- sonham uma com a outra, exprimem um amor