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Copyright © 2023 by José Lima

Editoração e Revisão Lidia Costa

JESUS, José Lima de.

Depressão
A Vida Desejada e Não Vivida.
Uma Reflexão Psicanalítica no Salmos 129

Categoria: 1. Psicanálise 2. Freud 3. Teologia


4. Depressão. 5. Salmos

II. Título.

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Dedicatória

Dedico esse E-book a minha mãe Maria José e meu pai João
Lima (in memoriam).

Minha esposa Cleireane e meus filhos Abner e Emannuelle e


minha neta, Isis.

Aos meus pacientes, alunos e supervisionandos que têm me


proporcionado a dádiva de cada vez mais me envolver nesse
universo maravilhoso da psicanálise.

A todos(as) amigos e amigas, alunos, ex-alunos e seguidores das


minhas redes sociais, nas quais tenho compartilhado o que
aprendo e aprendo ao compartihar.

Ao Dr Lucas Napoli, pela contribuição na minha formação


continuada através da Confraria Analítica que é um manancial do
saber psicanalitico, acessivel a todos(as) que desejam navegar
nessa arte e ciência do inconsciente.

A todos(as) que vierem a ler esse Ebook.


INDICE

Introdução ...................................................................................... 5

I. Degraus: A Subida - Tristezas e Recordações ........................... 9

II. A Perda da Liberdade: O Passado que Não Passa ............... 11

III. Fé: Mudança no Eixo Narcisico e Objetal ........................... 16

Considerações Finais .................................................................... 19

Referências Bibliográficas ............................................................ 21


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Introdução

Podemos aprender com uma leitura psicanalítica dos


textos sagrados das religiões? Seria possivel entender as angustias
vivenciadas pelos personagens a partir de uma leitura
psicanalitica, das experiências de desejos, medos e angustias
relatados através dos escritores da biblia? A essas perguntas,
respondeu Freud, “Os poetas e os filósofos descobriram o
inconsciente antes de mim. O que eu descobri foi o método
científico que nos permite estudar o inconsciente”.

O inconsciente é da humanidade, sempre existiu, o que


Freud fez foi nos presentear ao elaborar um método sistemático
para que pudessemos o estudar.

A partir da afirmação de Freud, o escritor propõe uma


reflexão psicanalitica sobre o livro do Salmos 129, onde o
escritor compõe um hino que o povo canta na “subida dos
degraus” do templo, onde de forma poética relembrava sua
trajetória. O Salmista fala de seus sofrimentos, angustias, medos e
acima de tudo, como a sua fé o ajudou a superar seus traumas e a
depressão.
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O Salmos 129 no contexto em que foi escrito, fala da saga


de um povo que foi escravizado, sofreu privações e perdas, não
só de objeto concreto, material, mas também a perda da
liberdade. Assim, o Salmista viveu um “luto infinito”, onde o
passado se faz sempre presente na forma de depressão.

Nesse caso, a perda do objeto foi um “ideal”, algo relativo


ao desejo de viver uma vida que lhe foi tolhida, tirada,
impossibilitada. O Salmos 129 nessa reflexão foi dividido em
três etapas da sua narrativa:

(1) Autocomiseração: Esse é o periodo da queixa, nos


versiculos 1 ao 3 a fala está na primeira pessoa do singular o “Eu”
domina sua fala, sua narrativa. Nesse inicio o Salmista é o objeto
passivo, sofre os efeitos de um “Eu” fragilizado, incapaz de
simbolizar, de dar sentido a experiência que viveu. Ele busca o
olhar do outro para sí, nos versiculos 1 ao 3, ele usa os pronomes
possessivos na primeira pessoa, “me, minha, meu” se refere a
uma pessoa que sofre passivamente a ação do Outro,

Muitas vezes Me angustiaram desde a Minha mocidade, Israel que o


diga; desde a Minha mocidade, Me angustiaram, todavia, não
prevaleceram contra mim. Sobre o Meu dorso lavraram os aradores;
nele abriram longos sulcos. (Salmos 129.1-3).
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(2) Redirecidonamento daa libido do EU para a libido de


objeto: No segundo momento surge a mudança na relação
narcisica e de objeto, ou seja, sua linguagem sai da primeira
pessoa do singular, pronomes relacionados ao “Eu” para Objeto,
o Outro, “O Senhor é justo! libertou-me (ele) das algemas dos
ímpios” (Salmos 129.4).

Essa mudança na linguagem mostra uma nova posição


frente ao sofrimento, ao narrar sua história, ele desperta a
esperança, começa dar sentido, deixar de sentir-se sozinho e o
ódio vivenciado na depressão contra o próprio Eu, é
redirecionado para o objeto. Dessa forma, ele faz um movimento
inverso, se a depressão é a sombra do objeto que se volta sobre o
Eu, logo, a saida é a mudança de-“pressão”, ou seja, uma
mudança de direção da libido de dentro “Eu” para fora
“obejto=outro”, foi o que começou a acontecer, primeiro o
sentimento de gratidão (Salmos 129.4) e, na sequência, sua
pulsão muda a rota e vai em destino do objeto de ódio, se refere
a seus opressores como “erva dos telhados que seca antes de
florescer sem dar frutos (Salmos 129.5-7).
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O Salmista se consola ao perceber que essas pessoas estão


presas num ciclo interminavel de repetição, ninguém as
bendizem o bem dizer não as alcança, “E também os que passam
não dizem: A bênção do Senhor seja convosco! (Salmos 129.8) e
a ultima fase do processo, a elaboração do luto;

(3) Elaboração da Experiência: O Salmista Resgata o


objeto bom que havia introjetado e ressignifica sua experiência,
ao verbalizar, bem-dizer o outro, ele havia percebido que pessoas
que ferem são pessoas feridas, e que ferir é o que sabem fazer,
então, ele resolve quebrar o ciclo da repetição, não que o outro
fosse mudar, mas ele faria a mudança em si, ao fazer diferente
que os demais sempre fizeram; “nós vos abençoamos em nome
do Senhor”! (Salmo 129.8).

Dessa forma, faremos uma leitura usando a teoria


psicanalitica para falarmos sobre a depressão, e como a fé pode
contribuir para superação dos que passam por esse sofrimento.
9

I. Degraus: A Subida - Tristezas e Recordações

O Salmos 129 na bíblia hebraica é chamado de “Salmos


de Peregrinação”, ou “Cânticos das Subidas”, em algumas
traduções é “Cânticos de Degraus”. A expressão “das subidas”
tem a raiz verbal na palavra „Alah‟ que significa “subir”, também
pode ser interpretada por salmos de romaria ou romagem. Esse
cântico era usado no período pós-exílico pelos judeus que
peregrinavam em direção as festas cultuais no templo em Israel,
entoavam cânticos que relembravam sua história,

Muitas vezes me oprimiram desde a minha juventude; que Israel o


repita: muitas vezes me oprimiram desde a minha juventude, mas
jamais conseguiram vencer-me. Passaram o arado em minhas costas e
fizeram longos sulcos Mas o Senhor é justo; cortou as cordas dos
ímpios. Sejam envergonhados e repelidos todos os que aborrecem a
Sião! Sejam como a erva dos telhados, que seca antes de florescer,
com a qual não enche a mão o ceifeiro, nem os braços, o que ata os
feixes! E também os que passam não dizem: A bênção do Senhor
seja convosco! Nós vos abençoamos em nome do Senhor! (Salmos
129.1-8).

O personagem não identificado relata suas experiências


traumáticas causadas quando foram levados como escravos para
outra nação. Não há referências sobre sua história, apenas o
registro das angustias que o acompanham “desde a mocidade”.
(Salmos 129.1-2). A palavra mocidade nesse contexto é uma
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referência primária à nação de Israel que foi levada para


cativeiros por outras nações durante a sua existência, contudo, os
pronomes pessoais me são referências a pessoa da narrativa. A
frase “me oprimiram” no hebraico, “‫ צָ ַרר‬tsârar = tsaw-rar” trás os
sentido de: tornar apertado para, causar aflição a, pressionar.
(NEPE SERACH 2013 s/n).

O verbo pual1 é usado para expressar ações que


acontecem na voz passiva, ou para indicar que a ação foi
realizada de forma intensa, no sentido de sofrer opressão. Essa
definição está em harmonia sobre o que ocorre na depressão de
acordo com a descrição de Freud (1914/1916) “A sombra do
objeto recaiu sobre o Eu”. A narrativa do Salmos fala da
coletividade, dos sofrimentos de uma nação, mas a fala, as
expressões verbais falam também do sentimento individual de
cada personagem de cada pessoa que vivenciaram a experiência
da perda da liberdade. O escritor do Salmos usa metáforas para
expressar sofrimentos, dores, angustais e descreve o estado
depressivo tão presente em nossa contemporaneidade.

1
A conjugação do verbo Pual é usada para indicar que a ação foi realizada
passivamente, ou seja, que o sujeito da frase sofreu a ação. É frequentemente
usada para descrever uma ação realizada por outra pessoa ou para indicar que
a ação foi realizada de forma intensa. (Nepe Serach 2013).
11

II. A Perda da Liberdade: O Passado que Não Passa

O Salmista fala 3 vezes que foi oprimido, perdeu algo


valioso e não conseguia elaborar sua perda, não conseguia dar
sentido a experiência, nesse estágio, a pessoa sente-se vitima e só
consegue se lamentar. No relato ele usa verbos no tempo
passado, “me oprimiram, (objeto=eles) jamais conseguiram,
(objeto=eles) passaram, (objeto=eles) fizeram, (objeto=eles)”
(Salmos 129.1-3), contudo, o tempo psiquico é sempre presente,
não linear, não cronológico (tempo do relógio, calendário),
quando as pessoas procuram ajuda para resolver seus conflitos,
normalmente à recomendação que ouve é: "esquece o passado,
deixa para trás, já passou! Entendem o tempo como
fragmentado, dividido entre passado, presente e futuro, mas o
tempo do inconsciente na teoria psicanalítica,

Estão sujeitos ao princípio dos prazeres atemporais, isto é, não são


ordenados temporalmente, não se alteram com a passagem do
tempo; não têm qualquer referência ao tempo. (FREUD 1915,
p.214).

Essas frases ignoram a realidade de que esquecer não é


uma questão racional que depende apenas da vontade, mas é
preciso rememorar, para então elaborar, precisa dar sentido a
experiência vivenciada. Sobre o objeto que se perde na
12

melancolia, escreve Freud (1914/1916, p.174), “Numa série de


casos, é evidente que ela também pode ser uma reação à perda
de um objeto amado; em outras ocasiões, nota-se que a perda é
de natureza mais ideal”. Sobre a relação entre o que se conhece e
desconheceem relação ao objeto perdido na melancolia, de
acordo com Freud,

[...] Não podemos discernir claramente o que se perdeu, e é licito


supor que tampouco o doente pode ver conscientemente o que
perdeu. [...] a perda que ocasionou a melancolia é conhecida pelo
doente, na medida que ele sabe quem, mas não o que perdeu nesse
alguém, de algum modo, a uma perda de objeto subtraida à
consciência; diferentemente do luto, em que nada é inconsciente na
perda. (FREUD 1914/1916, p. 175).

O Salmista coloca tudo sobre o seu Eu (me) isso tem uma


razão para ocorrer, segundo Freud,

Um extraordinario rebaixamento da autoestima um enorme


emprobrecimento do Eu [...] descreve seu Eu como indigno, incapaz
e desprezível; recrimina e insulta a sí mesmo, espera rejeição e
castigo. (FREUD [1914-1916], p.176).

O Salmista usa uma metáfora, “passaram o arado em


minhas costas e fizeram longos sulcos” (Salmos 129.3), sabia
quem, os impios! (Salmos 129.4) os inimigos que o aprisionou,
mas não fala o que levaram de sí, sabe o que sofreu (Salmos
129.1-3), mas não reconhece consciente o que perdeu. Ele busca
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para si os olhares de comiseração, evoca a figura de um animal


abrindo buracos nas suas costas, como os agricultores o faziam
para lançar a semente no solo (Salmos 129.4), ele queria
dimensionar o seu sofrimento, simbolizar as suas feridas
emocionais, suas angustias e perdas.

No inicio do Salmos, a fala do Salmista repetia o


pronome na primeira pessoa (Eu), “Me oprimiram; Minha
juventude; Me oprimiram; Minha juventude, mas jamais
conseguiram vencer-ME; Minhas costas”. (Salmos 129.1-3). A
sombra do objeto recaiu sobre o Eu, Freud diz que,

A ausência de interesse explicadas pelo trabalho do luto que absorve


o Eu [...] no melancólico apresenta um extraordinário rebaixamento
da autoestima, um empobrecimento do EU. (FREUD [1914/1916],
p.175)

O Salmista tinha uma identificação com o objeto perdido


e ofereceu seu EU como objeto para a satisfação de seus
impulsos destrutivos. Na depressão a pessoa se reprova porque o
EU é capaz de se dividir em uma parte que julga e outra parte
que é julgada, sobre essa cisão (divisão) Freud diz que,

A libido livre não foi deslocada para outro objeto, e sim, recuada
para o Eu. Mas la ela não encontrou utilização qualquer: serviu para
estabelecer uma identificação do eu com o objeto abandonado. Desse
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modo a perda do objeto se transformou numa perda do eu, e o


conflito entre o Eu e o Eu modificado pela identificação. (FREUD
[1914/1916] p.181)

O Salmista começa a redirecionar a libido do EU para a


libido de objeto, “O Senhor (ele=objeto na psicanálise) é justo!
libertou-me (ele=objeto) das algemas dos ímpios (outro=objeto)”
(Salmos 129.4). Como ocorreu esse redirecionamento? Sim,
através da sua fé no seu SENHOR, isso porque, na formação de
Ideal aumenta as exigências do Eu favorecendo a repressão, em
contrapartida, a sublimação, de acordo com Freud (1914-
1916,p.41), “representa a saída para cumprir a exigência sem
ocasionar a repressão”, um poderoso recurso simbólico, o
Grande Outro (Deus) da religião que segundo Lacan,

É inclusive impossível imaginar quão poderosa é a religião e, no que


se refere ao sentido, eles conhecem um bocado. São capazes de dar
um sentido realmente a qualquer coisa. [...] e a religião vai dar um
sentido às coisas mais curiosas, aquelas pelas quais os próprios
cientistas começam a sentir uma ponta de angústia. (LACAN, 2005,
p. 65-66).

A fé ajudou o Salmista na função simbolizante, o discurso


que estava na 1ª pessoa, “me, minha, minhas” (Salmos 129.1-3)
foi substituido pela 3ª pessoa: “Sejam (Eles/Outros)
envergonhados e repelidos todos (Eles/Outros)os que aborrecem
15

(Eles/Outros) a Sião! (Salmos 129.5). No Luto e na Melancolia


muitas das sintomatologias são semelhantes, tais como,

Abatimento doloroso, uma cessação do interesse pelo mundo


exterior perda da capacidade de amar, inibição de toda atividade e
diminuição da autoestima que se expressa nas recriminações e
ofensas à própria pessoa e pode chegar a uma delirante expectativa
de punição.
(FREUD [1914/1916], p,172-173)

No entanto, Freud faz uma diferenciação para um


sintoma que é exclusivo na melancolia,

Diminuição dos sentimentos de autoestima a ponto de encontrar


expressão em autorrecriminação e autoenvilecimento, culminando
numa expectativa delirante de punição. (FREUD 1914/1916,173).

Qual foi o objeto perdido do Salmista? A liberdade!


Perdeu os melhores anos da sua vida, viveu uma vida no falso self
(Winnicott) seus desejos foram aniquilados, foi escravo de
desejos que não eram seu, seus desejos eram desejos desejados
por quem lhe oprimia.
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III. Fé: Mudança no Eixo Narcisico e Objetal

O Salmista consegue sobreviver a suas angustias por


acreditar que pessoas que tem prazer em fazer o mal, secam,
assim, começou a perceber que a energia da libido projetada no
outro com sentimentos de ódio, produz no efeito no próprio
sujeito os seus efeitos, “sejam como a erva dos telhados, que seca
antes de florescer” (Salmos 129.6). A fala muda de direção, não
mais é direcionada ao Eu, há um movimento diferente da
autocomiseração do inicio, isso porque,

O automartirio claramente prazeroso na melancolia significa [...] a


satisfação de tendencias sádicas de ódio relativas a um objeto que por
essa via se voltaram contra a própria pessoa. (FREUD [1914/1916],
184).

No luto, a libido do Salmista teria se desgarrado


naturalmente do objeto se não houvesse a ameaça de um ódio
excessivo querendo forçar esse desligamento, assim, com o
tempo, a libido procuraria outro objeto, contudo, se o Eu for
frágil, reage de forma introjetiva, ou seja, internaliza, coloca para
dentro de sí, o ódio que deveria ser direcionado ao Objeto, dessa
forma, segundo Freud, “Na melancolia travam-se inúmeras
batalhas em torno do objeto, nas quais o ódio e o amor lutam
entre sí, um para desligara libido do objeto, o outro, para manter
17

essa posição da libido contra o ataque”. (FREUD [1914/1916] p.


191).

O Eu frágil do Salmista precisou se defender, e assim,


introjetou mágoa, ódio, ressentimento por ter sido escravizado,
sua esperança estava em crêr que, pessoas que semeiam o mal
são vazias, não produzem frutos, sempre frustram quem cria
expectativas sobre elas, (Salmos 129. 6-7) como efeito, “e
também os que passam não dizem: A bênção do SENHOR seja
convosco” (Salmos 129.8).

Ele acreditava que essas pessoas vivem num ciclo


interminável por não conseguirem quebrar a repetição, então
decidiu que ele tomaria iniciativa, precisava mudar, tomar uma
decisão, “nós vos abençoamos em nome do SENHOR”! (Salmos
129.8). Ele percebeu que as pessoas não podem dar o que não
tem, o que não receberam, pessoas destrutivas, são
autodestrutivas, expressam os afetos que internalizaram em sua
experiencia de vida.

O Salmista inicialmente desejava o sofrimento dos que o


fizeram sofrer, “sejam (eles-objeto) envergonhados, repelidos,
sejam (eles-objeto) como a erva dos telhados, que seca antes de
18

florescer” (Salmos 129.5,6), mas superou, conseguiu ressignificar,


passou a olhar sua história por outro ângulo, percebeu que, os
que o fizeram sofrer, já tinham recebido suas recompensas pelo
que fizeram, assim, saiu da passividade, do lugar de vitima, de
refém do que lhe fizeram à protagonista do que poderia fazer,

Muitas vezes me oprimiram desde a minha juventude; muitas vezes


me oprimiram desde a minha juventude, jamais conseguiram vencer-
me. Passaram o arado em minhas costas. (SALMOS 129.1-3).

O Salmista assumiu seu lugar naquilo que se queixava,


seu lugar de sujeito do desejo, tornou-se ativo, “nós vos
abençoamos em nome do SENHOR”! (Salmos 129.8), conseguiu
bem dizer os que lhe haviam feito mal, elaborou sua perda ao
olhar para os que viveram a mercê da repetição, percebeu que
ainda havia tempo de ressignificar, dar sentido aos seus traumas e
seguir em frente. Ele precisava integrar sua experiência no
psicossoma (Winnicott), sim, o passado só passa quando
lembrado, sentido, para então ser elaborado.
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Considerações Finais

A depressão é um sofrimento que está relacionado a


conflito de perdas, o Salmista vivenciou essas angustias, o estado
depressivo ocorreu em três tempos, onde em casa etapa ele
conseguiu reviver e atualizar, ressingificar sua experiência, na
primeira fase:

(1) Autocomiseração - A Sombra sobre o Eu: Sua queixa


recaiu sobre a impotência, “me oprimiram, jamais conseguiram,
passaram, fizeram” (Salmos 129.1-3). Ele havia perdido um
Objeto e com ele parte do seu EU fora levado, olhava para o
passado e viu a juventude perdida, lhe roubaram os melhores
anos da sua vida, estava ressentido, amargurado, havia introjetado
muita raiva, ódio e precisava descarregar, redirecionar sua libido,
sua pulsão destrutiva precisava encontrar um destino, porque até
então, havia introjetado, colocado sobre seu EU todo o seu ódio.
Na segunda fase;

(2) Redirecionou a libido do EU para a libido de objeto:


Surge um Outro como Objeto de transferência, surge sua
esperança “O Senhor é justo! libertou-me (ele) das algemas dos
ímpios” (Salmos 129.4. O SENHOR (o Grande Outro, o S1
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significante mestre) foi estruturante para verbalizar seu seu ódio,


ao mesmo tempo dar capacidade de simbolizar, através de
metáforas “erva dos telhados que seca antes de florescer sem dar
frutos (Salmos 129.5-7) ele percebeu que o mal das pessoas que
ferem é justamente ferir, essas vivem num ciclo de repetição,
recebem o que fazem, “E também os que passam não dizem: A
bênção do Senhor seja convosco! (Salmos 129.8) e por ultimo,
dar sentido a experiência;

(3) Elaboração da Experiência - Valeu a Pena Viver: O


Salmista resgata o “objeto bom” (Klein) que havia introjetado e
ressignifica sua experiência, “nós vos abençoamos em nome do
Senhor! (Salmo 129.8)”.

Na gramática hebraica, a palavra abençoar “bârak” (no


tempo verbal hitpael) é reflexivo, é abençoar-se! Abençoar é uma
ação do sujeito que se volta para o próprio sujeito ao mesmo
tempo, como um bumerangue! Abençoamos no hebraico
Bᵉrâkâh também carrega o sentido de um acordo de paz. O
Salmista fez um “acordo de paz” não com quem o feriu, mas
consigo mesmo, com sua história.
21

Referências Bibliográficas

FREUD, S. Obras completas volume 12. Introdução ao


Narcisismo, Ensaios de Metapsicologia e Outros textos (1914-
1916). Cia da Letras.

_________.(1915) Recalque. In: Obras psicológicas completas:


Edição Standard Brasileira. Vol. XIV. Rio de Janeiro Imago,
1996.

LACAN, J. “O triunfo da religião” precedido de “Discurso aos


católicos”. Tradução de Andre Teles. Revisão técnica de Ram
Mandil. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

BIBLIA Online. Salmos. In: Biblia Sagrada. Tradução de João


Ferreira de Almeida Revisa e Atualizada (ARA).
http://biblia.com.br/joaoferreiraalmeidarevistaatualizada/
(Acesso em 17/12/2023)

BÍBLIA. Salmos. In: Bíblia Sagrada. Tradução de Fernando. 3ª


Edição. Rio de Janeiro - RJ: Editora NVI, 2023.

BIBLIA. Salmos. In: Biblia Sagrada Interlinear. Nepe Serach


https://search.nepebrasil.org/interlinear/?chapter=3&livro=2&vers
e=14. 2013. (Acesso em 10/08/2023).

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