Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Waldecir Gonzaga1
Eliseu Fernandes Gonçalves2
Introdução
Os chamados Salmos de Lamento podem ser individuais/pessoais, como é
o caso do Sl 13(12: LXX), ou coletivos/comunitários (44, 60; 74; etc.)3. Aqui, o
Sl 13, o qual pertence ao gênero de cânticos de oração suplicante4, é analisado à
luz da Análise Retórica Bíblica Semítica5. O orante não diz o que aconteceu com
ele, a não ser que está em perigo, e se não for uma hipérbole6 na sua linguagem,
devido às aflições e à escuridão (vv.3b-4), quer dizer que o orante estava doente
e sofrendo muito7, angustiado ou em risco de morte8. Seus inimigos, mesmo não
nomeados, são muitos, e o salmista sente-se abandonado, solitário. Este salmo
revela um “diálogo silencioso”9, a partir dos olhos do salmista – “ilumina meus
olhos, Senhor” (v.5b) –, que, muitas vezes, é mais eficaz na comunicação e fala
mais que muitas palavras; mais ainda, revela um homem que não se entrega e
nem se resigna10, pelo contrário, persiste e persevera até obter respostas a seus
quatro “até quando?”, como é comum em outros salmos ao longo do Saltério11.
Como um orante fiel, expõe o que o aflige e, também, pede socorro a Deus,
1 Doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma, Itália) e Pós-Doutorado pela
FAJE (Belo Horizonte, Brasil). Diretor e Professor de Teologia Bíblica do Departamento de Teologia da PUC-
-Rio. Criador e líder do Grupo de Estudos Análise Retórica Bíblica Semítica, credenciado junto ao CNPq.
E-mail: <waldecir@hotmail.com>. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9171678019364477 e ORCID ID: ht-
tps://orcid.org/0000-0001-5929-382X
2 Graduado em História pelo Centro Universitário Augusto Motta. Curso Livre em Teologia, pela Faculdade de
Teologia Betesda; pós-graduação lato sensu em Teologia Pastoral, pela Faculdade Unida de Vitória. Membro
do Grupo de Pesquisa de Análise Retórica Bíblica Semítica da PUC-Rio. E-mail: eliseuhistoriador@gmail.com
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1621621385241174 e ORCID ID: https://orcid.org/0000-0002-7041-
5127
3 RAVASI, G., Il Libro dei Salmi (Vol I: 1-50), p. 255.
4 KRAUS, H.-J., Los Salmos (vol. 1: Sal 1-59), p. 332; ALONSO SCHÖKEL, L. A.; CARNITI, C., Salmos I
(Salmos 1-72), p. 246.
5 Este texto é parte da parceria nos estudos, discussões e reflexões realizados mensalmente na PUC-Rio, nas
atividades do Grupo de Pesquisa Análise Retórica Bíblica Semítica, constante no CNPq, sob a liderança do Prof.
Dr. Waldecir Gonzaga.
6 Exageração na linguagem, trata-se de um recurso estilístico.
7 WEISER, A., Os Salmos, p. 113.
8 KRAUS, H.-J., Los Salmos (vol. 1: Sal 1-59), p. 333.
9 APARICIO RODRÍGUEZ, A., Salmos 1-41, p. 136.
10 CORBAJOSA, I., Salmos I (Salmos 1-72), p. 72.
11 MEYNET, R., Le Psaultier. Premier livre (Ps 1-41), p. 155.
Salmos na perspectiva da Análise Retórica Bíblica Semítica
20
Capítulo I | O Salmo 13: Uma oração de lamento e confiança à luz da Análise Retórica Bíblica Semítica
21
Salmos na perspectiva da Análise Retórica Bíblica Semítica
22
Capítulo I | O Salmo 13: Uma oração de lamento e confiança à luz da Análise Retórica Bíblica Semítica
23
Salmos na perspectiva da Análise Retórica Bíblica Semítica
24
Capítulo I | O Salmo 13: Uma oração de lamento e confiança à luz da Análise Retórica Bíblica Semítica
25
Salmos na perspectiva da Análise Retórica Bíblica Semítica
que o salmo é usado por todos quanto confiam em Deus e desejam uma resposta
que só Ele pode dar.
1 56
ל ְַמנַּצֵ חַ ִמזְמֹ ור לְ דָ ִ ֽוד׃ 1
Para o mestre do coro57. Salmo de Davi.
2a
עַד־אָ נָה יְ הוָה ִּת ְׁשּכָחֵ נִ י נֶצַ ח 2a
Até quando, YHWH, me esquecerás
2b
עַד־אָ נָה ׀ ּתַ ְס ִּתיר אֶ ת־ ָּפנֶיָך ִמ ֶ ּֽמּנִ י׃continuamente?58
2b
Até quando esconderás tua face de mim?
3a
עַד־אָ נָה אָ ִׁשית עֵצֹות ּבְ נַפְ ִׁשי3a Até quando hei de perguntar59 à minha alma?
3b
יָגֹון ּבִ לְ בָ בִ י יֹומָ ם3b Existe uma aflição em meu coração diaria-
3c
עַד־אָ נָה ׀ יָרּום אֹ יְ בִ י ע ָ ָֽלי׃mente.
3c
Até quando se exaltará60 meu inimigo sobre
mim?
4a
יטה ֲענֵנִ י יְ הוָה אֱֹלהָ י
ֽ ָ ִהַ ּב 4a
Observa61 e responde-me, YHWH Deus meu,
4b
ֶן־איׁשַ ן הַ ָ ּֽמוֶת׃
ִ הָ ִא ָירה עֵינַי ּפ 4b
ilumina meus olhos para que eu não durma o
sono da morte62;
5a
ּפֶן־י ֹאמַ ר אֹ יְ בִ י יְ כָלְ ִּתיו5a para que não diga63 meu inimigo: Prevaleci
5b
צָ ַרי יָגִ ילּו ּכִ י אֶ ּמֹוט׃contra ele!64,
5b
[nem] se alegrem meus adversários por-
quanto estremeço65.
54 WEISER, A., Os Salmos, p. 114; GALÈS, J., Le Livre des Psaumes. Livre I: I-LXXII, p. 176.
55 Um bom exemplo é o Sl 121, que revela uma grande confiança em YHWH como guardião, aquele que pro-
tege, como vemos no texto VIEGAS, A.; GONZAGA, W. Salmo 121: YHWH está sempre a me guardar! Por
isso vou cantar! Análise Retórica: tecendo uma “costura” que enlaça e une, p. 196-222.
56 Outra possiblidade de tradução: Salmo para Davi, tendo presente o emprego da preposição.
57 Há várias possibilidades de tradução: Ao diretor do coro; Do mestre do canto. O texto apresenta a utilização
de uma forma verbal que pode ser traduzida com valor de substantivo.
58 A expressão עַד־אָ נָהaparece apenas aqui no Sl 13,1-3 e no Sl 62,4.
59 A ideia presente no texto parece ser: “até quando hei de ficar questionando/perguntando a mim mesmo?”
60 Por causa da raiz que indica “colocar para cima”, também seria possível traduzir por “exaltar”.
61 Forma verbal que aparece no livro das Lamentações (3,63; 5,1).
62 A versão da LXX traz a ideia de sono da morte: ἐπίβλεψον εἰσάκουσόν μου κύριε ὁ θεός μου φώτισον τοὺς
ὀφθαλμούς μου μήποτε ὑπνώσω εἰς θάνατον/volte a vista, atende-me, Senhor Deus meu; dê luz a meus olhos,
não aconteça que eu durma até a morte” (Sl 12,4).
63 A ideia presente no texto parece ser aquela de que “não declare que me derrotou/venceu”.
64 Ainda, como possíveis traduções: “Pude vencê-lo!”, “Pude contra ele!”, “Eu o derrotei!”, “Eu o venci!”
65 Possível ainda seria traduzir por: “porquanto eu seja sacudido”.
26
Capítulo I | O Salmo 13: Uma oração de lamento e confiança à luz da Análise Retórica Bíblica Semítica
6a
ַואֲנִ י ׀ ּבְ חַ ְס ְּדָך בָ טַ חְ ִּתי ָיגֵל לִ ּבִ י ִ ּֽביׁשּועָתֶ ָך6a Mas eu, em teu amor66, confiei; alegrar-se-á
6b
אָ ִׁש ָירה לַיהוָהmeu coração em tua salvação67.
6c
ּכִ י גָמַ ל ע ָ ָֽלי׃6b [Eu] cantarei a YHWH,
6c
porquanto sustentou a mim68.
66 Muitas traduções preferem: em tua misericórdia, bondade, benignidade etc., sempre na linha do amor.
67 Pastoralmente, esta expressão (ּביׁשּו ָ֫ע ֶ ֥תָך/em
ִֽ tua salvação), formada pela junção de uma preposição ( ְ )ּבe de
um substantivo (יְ ׁשּועָה, feminino singular construto, com sufixo de segunda pessoa masculina singular) salta
positivamene aos olhos de um cristão, seja na leitura, seja pela escuta do texto. Não tem como um cristão não
enxergar ou não se recordar aqui de Cristo que é nossa Salvação, como encontramos em todos os textos do
Novo Testamento. Para tanto, basta percorrer os olhos e conferir desde o Evangelho de Mateus até o livro do
Apocalipse. NESTLE-ALAND (eds.), Novum Testamentum Graece (2012);
68 Uma tradução possível também seria: “porque me colmou/cumulou de bens”. Tendo presente que o verbo
גָמַ ל, qal perfeito, terceira pessoa masculina singular de ּגָמַ ל, e o substantivo ( )גָמַ לtêm a mesma raiz, e levando
em consideração toda a realidade do deserto, Gamal transmite a ideia do camelo, animal sumamente importante
para a sobrevivência na realidade territorial de Israel; o texto parece indicar a imagem de um “camelo de Ado-
nai” ( )גמלque carrega a pessoa no deserto e travessia da vida. Por detrás desta raiz verbal pode estar a imagem
de Deus que conduz e salva a seus filhos e filhas nos momentos de deserto e aridez da vida, nas experiências
turbulentas de provação, em que vem o sentimento de abandono; pelo contrário, Ele está lá e nos carrega em
seus braços amorosos de pai terno e misericordioso. Tenhamos presente que Cristo, no Horto das Oliveiras,
segundo Mt 26,39.42 e Mc 14,36.39, passou por esta mesma experiência de abandono, pedindo ao Pai que, “se
possível, afaste de mim este cálice”; mas confiante se colocou nas mãos do Pai: “seja feita não a minha, mas
sim a tua vontade”; MONTI, L., I Salmi: preghiera e vita, p. 191-193; KRAUS, H.-J., Los Salmos (vol. 1: Sal
1-59), p. 338.
69 A fim de conhecer o método da Análise Retórica Bíblica Semítica, sugerimos conferir os textos MEYNET,
R., L’Analise Retorica (1992); MEYNET, R., Trattato di Retorica Biblica (2008); MEYNET, R., A análise re-
tórica. Um novo método para compreender a Bíblia, p. 391-408; MEYNET, R., I frutti dell’analisi retorica per
l’esegesi biblica, p. 403-436; MEYNET, R., La retorica biblica, p. 431-468; GONZAGA, W., O Salmo 150 à
luz da Análise Retórica Bíblica Semítica, p. 155-170.
27
Salmos na perspectiva da Análise Retórica Bíblica Semítica
vv.4-6
: 4a
Observa e responde-me, YHWH DEUS MEU,
+ 4b
Ilumina MEUS OLHOS para que não durmam o sono da morte
: 5a
Para que não diga MEU INIMIGO: Prevaleci contra ele!
+ 5b
[nem] se alegrem MEUS ADVERSÁRIOS porquanto estremeço.
: 6a
Mas eu, em teu amor confiei, alegrar-se-á MEU CORAÇÃO em tua salvação
+ 6b
[Eu] cantarei a YHWH
= 6c
porquanto sustentou a mim
28
Capítulo I | O Salmo 13: Uma oração de lamento e confiança à luz da Análise Retórica Bíblica Semítica
29
Salmos na perspectiva da Análise Retórica Bíblica Semítica
apresenta uma situação de dor, sofrimento e lamento78, que brota do mais profun-
do do coração/alma orante79 do salmista, em sua experiência de estar sendo pro-
vado por alguma dificuldade; mas ele é capaz de superar e renovar sua confiança
nas mãos do Senhor80. Por isso não tem dúvida e solta um grito/pedido81: “ilumina
meus olhos” (v.4). Diante de sua profissão de fé, “o suplicante tem certeza da
graça de Deus, pela qual antes temeu e orou, e alcançou a posição sólida em que
Deus lhe permite esperar um futuro luminoso, acima de todo sofrimento”82. Para
Kraus, o Sl 13 apresenta um orante que se coloca diante de Deus e do próximo
com suas “perguntas e lamentações junto ao abismo da morte”83.
A partir disso, compreende-se que a seção dos Sl 3-7 é encerrada, na LXX,
com uma doxologia, e o Sl 8 traz a condição humana em uma perspectiva po-
sitiva; a seção dos Sl 9-13, também com 5 lamentos, é encerrada com a mesma
doxologia, e em contraponto, o Sl 14 (13: LXX) tem a condição humana em pers-
pectiva negativa, que nos faz concluir que esta seção dos Sl 3-14 está repleta de
antíteses, tanto pela própria estrutura quanto pela inserção na doxologia na LXX,
exatamente entre os salmos que tratam da condição humana, exaltada e rebaixada
(dignidade/desgraça). Para Smith84, dentro do Livro I da estrutura do Saltério, nos
Sl 3-14 a base de conteúdo pode ser vista da seguinte forma:
• Sl 3-7: cinco lamentos
• Sl 8: a condição humana em alta dignidade
• Sl 9-13: cinco lamentos
• Sl 14: a condição humana em profunda desgraça
4. O paralelismo do Salmo 13
Tendo presente os critérios para a realização da análise retórica, Sl 13 conta
com um paralelismo AB |A’B’:
78 WEISER, A., Os Salmos, p. 114.
79 GALÈS, J., Le Livre des Psaumes. Livre I: I-LXXII, p. 176 ; RAVASI, G., Il Libro dei Salmi (Vol I -1-50),
p. 258.
80 CORBAJOSA, I., Salmos I (Salmos 1-72), p. 73.
81 MAYS, J. L., Salmi, p. 97.
82 WEISER, A., Os Salmos, p. 114.
83 KRAUS, H.-J., Los Salmos (vol. 1: Sal 1-59), p. 331.
84 SMITH, M., The Structure of Psalms, p. 1.
85 RAVASI, G., Il Libro dei Salmi (Vol I -1-50), p. 256.
86 RAVASI, G., Il Libro dei Salmi (Vol I -1-50), p. 253.
87 RAVASI, G., Il Libro dei Salmi (Vol I -1-50), p. 254.
30
Capítulo I | O Salmo 13: Uma oração de lamento e confiança à luz da Análise Retórica Bíblica Semítica
Os termos pertencentes ao Senhor são: “tua face // teu amor leal // teu refú-
gio”; e os termos pertencentes ao salmista são: “minha alma// meu coração // meu
inimigo // meu adversário”; eles revelam uma passagem da angústia do sofredor
ao campo da comunhão e confiança nas mãos de Deus, apesar de todos os desafios
enfrentados pelo orante88 que, como afirma Aparicio Rodríguez, indica “um salto
vertiginoso”89 do desespero à serenidade nas mãos d’Aquele que tudo pode. Portan-
to, poderíamos colocar o Sl 13(12) desta forma: vv.1-3 como o lamento do salmista,
sendo o v.4a o clímax, com a petição: “Observa, e responde-me, YHWH Deus
meu”. A parte “b” do mesmo versículo traz o que os inimigos do orante pretendem
dizer ou dizem a respeito dele. É o que o salmista pensa ou consegue imaginar o que
eles farão por serem seus adversários e inimigos90. E por mais que o tom seja triste,
a expressão de confiança aparece no último versículo do Sl 13, indicando que a
última palavra não é a do desespero angustiado e sim da serenidade reconquistada91.
Além do mais, o sentido figurado aparece, porque o salmista diz: “Ilumina
meus olhos para que não durmam o sono da morte” (v.4b). Para Caird, a noite,
o tempo de dormir, é uma metáfora para morrer92. O mesmo pensa Ibn Ezra, que
traduz da seguinte forma: “pelo menos que eu não durma o sono da morte”93.
Neste sentido, o Sl 13 está repleto de simbologias, como é a da vida, funerária,
da vista, escuta etc94.
31
Salmos na perspectiva da Análise Retórica Bíblica Semítica
32
Capítulo I | O Salmo 13: Uma oração de lamento e confiança à luz da Análise Retórica Bíblica Semítica
b) Bíblias em Espanhol:
• Biblia del Oso: “mas yo en tu misericordia he confiado” (mas eu
na tua misericórdia tenho confiado).
• A Reina y Valera (RVR) traz: “mas yo en tu misericordia he con-
fiado” (mas eu na tua misericórdia tenho confiado).
c) Bíblias em Inglês:
• Wycliffe Bible (WB): “but I hoped in thy mercy” (mas eu esperei
na tua misericórdia).
• King James Bible (KJV): “But I have trusted in thy mercy” (mas
eu tenho confiado na tua misericórdia).
• Douay-Rheims Bible (DRB): “But I have trusted in thy mercy”
(Mas eu tenho confiado na tua misericórdia).
• English Standard Version (ESV) “but I have trusted in your stea-
dfast love” (mas eu tenho confiado no seu amor inabalável).
d) Bíblias em Francês:
• Bible Louis Segond (BLS): “moi, j’ai confiance en ta bonté”
(quanto a mim, eu tenho confiança na tua bondade).
• Bible de Jérusalem (BJ): “Pour moi, en ton amour je me confie”
(quanto a mim, no teu amor eu confiei).
• Bible Catholique Crampon (BCC): “moi, j’ai confiance en ta bonté”
(idêntica a BLS: quanto a mim, eu tenho confiança na tua bondade)
• Bible Annoteé Neuchâtel (BAN): “pour moi, je me confie en ta
grâce” (Quanto a mim, eu confio na tua graça).
33
Salmos na perspectiva da Análise Retórica Bíblica Semítica
e) Bíblias em Italiano:
• La Sacra Bibbia (Ed. CEI): “nella tua misericordia ho confidato”
(na tua misericórdia tenho confiado).
• La Bibbia (CEI 2008): “Ma io nella tua fedeltà ho confidato” (mas
eu, na tua fidelidade, tenho confiado).
• Bibbia Riveduta: “io confido nella tua benignità” (eu confio na tua
benignidade).
Considerações finais
“Até quando?” – pergunta o orante, por ser uma pessoa de fé, porque conti-
nua, apesar das dificuldades encontradas ao longo de sua vida, com o sentimento
de solidão e aparente abandono, afirmando que deseja ver a face de Deus. Tendo
em vista que face é presença, sem presença divina existe sentimento de abandono.
No pensamento do Antigo Oriente Próximo, “ver a face” corresponde a ter acesso
à presença de alguém; deste modo, ser esquecido e não ter acesso a uma pessoa,
ou não estar diante de YHWH, faz com que o orante se sinta abandonado, o que
explica a intensidade na anáfora do Sl 13, repetida como se fosse um “refrão”.
“Até quando?” – depende da nossa meditação neste Sl 13, porque ele com-
porta uma riqueza ímpar para todas as pessoas. Somos convidados a estar juntos
com o orante, e com ele sentir a presença de Deus e louvá-lo por tudo o que em
feito por nós, a exemplo da confiança final do salmista, mudando nosso choro em
103 CLARK, G., The Word Hesed in the Hebrew Bible, p. 18-21.
34
Capítulo I | O Salmo 13: Uma oração de lamento e confiança à luz da Análise Retórica Bíblica Semítica
alegria, nosso luto em festa, como temos em Is 61,1-3. Também é possível para
nós a mesma experiência de vida, podendo vivenciá-la no hoje de nossa história,
pois o amor leal não nos abandonará jamais, mesmo que exista em nossa perspec-
tiva uma aparente demora.
“Até quando?” – o que fez com que o salmista repetisse incessantemente a
mesma pergunta inquietante? É interessante que o orante muda a súplica por uma
declaração de confiança e louvor ao Deus da Aliança. Ele usa o Nome e Tetra-
grama Sagrado, YHWH, o Nome da Aliança mosaica, que traz forte recordação
dos momentos em que Deus reergueu e salvou seu povo das situações difíceis104;
e nele espera e também salmodia enquanto aguarda a resposta, como o vigia
espera pelo amanhecer (Sl 63/62). É claro que o ritmo do salmo é de urgência
devido à situação do orante. Que possamos, a exemplo do salmista, expressar
as nossas angústias pelas labutas diárias, mas igualmente cantar ao Senhor pelo
seu “amor leal” para conosco, seus filhos e filhas que confiam nele e se alegram
em saber que não está ausente, porque em todos os momentos da vida podemos
ver a providência divina em nossa vida cotidiana, apesar de experiências de dor,
sofrimento e provação.
“Até quando?” – todos nós, de uma forma ou de outra, às vezes, também
perguntamos de forma impaciente porque buscamos uma resposta urgente, não
para hoje, mas para ontem. Enfim, o Sl 13 é exatamente isto, a busca de uma
resposta que só se encontra em Deus, nada nos é dito de como a resposta chegou,
apenas sabemos que chegou, já que no íntimo o orante sentiu a resposta e por isso
muda o seu lamento em louvor; já que percebemos que o silêncio é momentâneo;
aliás, o aparente “silêncio divino”105 é tão útil e pedagógico quanto a resposta,
em que Deus quebra o sentimento de ausência106. Por isso mesmo, a exemplo do
salmista, que reconquistou sua serenidade/calma107 nas mãos de Deus, eu também
proclamarei: “em teu amor confiei, alegrar-se-á meu coração em tua salvação, eu
cantarei a YHWH, porquanto sustentou a mim” (Sl 13,6).
Referências bibliográficas
ADEYEMO, T. (Ed.). Comentário Bíblico Africano. São Paulo: Mundo Cristão, 2010.
AGOSTINHO, S. Comentários aos Salmos 1-50 (vol. 9/1), Série Patrística, São Paulo: Paulus,
2005.
ALONSO SCHÖKEL, L.; CARNITI, C. Salmos I (Salmos 1-72). São Paulo: Paulus, 1996.
APARICIO RODRÍGUEZ, A. Salmos 1-41. Bilbao: Desclée, 2005.
CAIRD, G. Lingua e Linguaggio Figurato nella Bibbia. Brescia: Paideia, 2009.
CALVIN, J. Calvin’s Commentary. Michigan: Christian Classics Ethereal Library, 1999.
35
Salmos na perspectiva da Análise Retórica Bíblica Semítica
CLARK, G. The Word Hesed in the Hebrew Bible (JSOT-Supplement Series: 157). Sheffield: She-
ffield Academic Press, 1993.
CLINES, D. A. J. חֶ סֶ ד. In: CLINES, D. A. J. Dictionary of Classical Hebrew. Sheffield: Sheffield
University Press, 1996, p. 277. (Vol III: ט-)ז
CORBAJOSA, I. Salmos I (Salmos 1-72). Madrid: BAC, 2018.
CRAIGIE, P. C. Psalms 1–50. vol. 19. Nashville: Nelson Reference & Electronic, 2004.
CROFT, S. J. L. The identity of the individual in the Psalms (Journal for the study of the Old Testa-
ment supplement series) Sheffield: Sheffield University Pres, 1987.
DAY, J. Psalms. Sheffield: Sheffield University Press, 1990.
ELLIGER, K.; RUDOLPH, W. (Eds.). Biblia Hebraica Stuttgartensia. 5. ed. Stuttgart: Deutsche
Bibelgesellschaft, 1997.
EZRA, A. Ibn. Commentary on the first book of Psalms. Boston: Academic Studies Press, 2009.
GALÈS, J. Le Livre des Psaumes. Livre I: I-LXXII, v. I. Paris: Beauchesne, 1936.
GARCIMARTÍN, R. G. La Lectio Divina: Un Itinerario Antiguo con Posibilidades Nuevas, Pam-
plona: EVD, 2011
GONZAGA, W. O Salmo 150 à luz da Análise Retórica Bíblica Semítica. ReBiblica, 1/2, p. 155-
170, 2018.
GONZAGA, W.; FURGHESTTI, J. M. Exegese do Salmo 72 à luz da Análise Retórica Bíblica Se-
mítica. Um rei que espelha o coração de Deus. Cultura Teológica. Ano XXIX, nº 99, p. 315-346,
maio-ago 2021. Doi: http://dx.doi.org/10.23925/rct.i99.54785
GRUBER, M. L. Rashi’s Commentary on Psalms. Leiden: Brill, 2004.
HUMAN, D. “Human Suffering in need of God’s ‘Face’ and ‘Eyes’, Old Testament Essays,
University of Pretoria, vol.34, n.1; 2021, p.268-284, 1º semestre de 2021, Doi: http://dx.doi.
org/10.17159/2312-3621/2021/v.34n1a15., pp. 268-284.
KRAUS, H.-J. Los Salmos (vol. 1: Sal 1-59). Salamanca: Sígueme, 1993.
KRAUS, H-J. Theology of the Psalms. Minneapolis: Fortress Press, 1992.
KUHRT, A. The Persian Empire: A Corpus of Sources from the Archaemenid Period, London:
Routledge, 2007.
LITURGIA DAS HORAS. Segundo o Rito Romano (tempo comum 1ª-17ª semana). São Paulo:
Vozes, Paulinas, Paulus, Ave Maria, 1995.
LONGMAN, T. III. Lament. In: SANDY, D. Brent; JR, Ronald L. Giese (ed.). Cracking Old Tes-
tament Codes: A Guide to Interpreting Old Testament Literary Forms, Tennessee: Broadman &
Holman Publishers, 1995.
MEYNET, R. L’Analise Retorica. Brescia: Queriniana, 1992.
MEYNET, R. A análise retórica. Um novo método para compreender a Bíblia. Brotéria 137, p.
391-408, 1993.
MEYNET, R. I frutti dell’analisi retorica per l’esegesi biblica. Gregorianum, v.77, n.3, p. 403-436,
1996.
MEYNET, R. La retorica biblica. Atualidade Teológica, Rio de Janeiro, v.24, n. 65, p. 431-468,
mai./ago.2020. Doi: https://doi.org/10.17771/PUCRio.ATeo.49825
MEYNET, R. Trattato di Retorica Biblica. Bologna: EDB, 2008.
MEYNET, R. Le Psaultier. Premier livre (Ps 1-41). Leuven/Paris/Bristol, CT: Peeters, 2018.
MAYS, J. L. Salmi. Torino: Claudiniana, 2010.
MONTI, L. I Salmi: preghiera e vita. Mognano: Qiqajon, 2018.
NESTLE-ALAND (eds.) Novum Testamentum Graece. Ed. XXVIII. Stuttgart: Deutsche Bibelge-
sellschaft, 2012.
36
Capítulo I | O Salmo 13: Uma oração de lamento e confiança à luz da Análise Retórica Bíblica Semítica
ODEN, T. C. (ed.). Salmos 1-50. La Biblia comentada por los Padres de la Iglesia. Antiguo Testa-
mento 8. Madrid: Ciudad Nueva, 2017.
PORTER, S. E. (ed.). Dictionary of Biblical Criticism and Interpretation. New York: Routledge,
2007.
PRÉVOST, J. P. Diccionario de los Salmos (CB 71), Navarra: Editorial Verbo Divino, 1991.
RAHLFS, A.; HANHART, R. (eds.). Septuaginta. Editio Altera. Stuttgart: Deutsche Bibelgesells-
chaft. 2006.
RAVASI, G. Il Libro dei Salmi (Vol I -1-50): Commento e Attualizzazione, Bologna: EDB, 1986.
REICH, B. A Brief History of Israel. Washington, DC: George Washington University, 2008.
SHIMUSH PESUKIM: A Comprehensive Index to the Liturgical and Ceremonial Usages of Bibli-
cal Verses and Passages (2nd edition). Israel: Reuben Brauner, 2013.
SMITH, M. The Structure of Psalms, [s.l.]: [s.n.], 2014.
TARSUS, D. Commentary on Psalms 1-51, v.9, (Writings from the Greco-Roman World). Trans-
lated with an Introduction and Notes by Robert C. Hill. Atlanta: Society of Biblical Literature,
Brill, 2005.
THE BOOK OF COMMOM PRAYER. Administration of the Sacraments and other Rites and
Ceremonies of the Church, according to the use of the Church of England. Cambridge: DOD
Bookfeller, 1757.
THE PSALTER. According the Seventy: Ecclesiastical Text (Third Edition), transl. Vivian Ma-
ria Hartley, M. A., Archdiocese of Canada (The Orthodox Church in America). Ontario,
2000/2009/2012, p. 27.
VIEGAS, A. S.; GONZAGA, W. Salmo 121: YHWH está sempre a me guardar! Por isso vou can-
tar! Análise Retórica: tecendo uma “costura” que enlaça e une. Cuestiones Teológicas, Medellín,
Colômbia, vol. 46 (n.105/106, julio-diciembre 2019), 196-222. Doi: https://doi.org/10.18566/
cueteo.v46n106.a01
WEBER, R.; GRYSON, R. (eds.). Biblia Sacra Vulgata. Iuxta Vulgatam Versionem. Editio Quinta.
Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 2007.
WALTNER, J. H., Psalms (Believers Church Bible Commentary), Ontario: Herald Press, 2006.
WEISER, A. Os Salmos. Grande Comentário Bíblico. São Paulo: Paulus, 1994.
37