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Em resumo o Salmos 1 se assemelha aos textos de Provérbios: 3,31 Não invejes o violento nem

escolhas nenhum de seus caminhos. Provérbios: 22,24-25 Não te juntes ao colérico nem vás
com o iracundo, para que não ocorra que te acostumes com seus caminhos e te ponham uma
armadilha mortal. E Provérbios: 23,17-18 Não tenhas inveja dos pecadores, mas sempre dos
que respeitam a Deus: assim terá um porvir e tua esperança não fracassará.

O salmo primeiro é uma espécie de introdução à filosofia espiritual, pois nos persuade a
afastar-nos do malvado ou do mal, a aproximar-nos do bom ou do bem.

V. 1. A peça negativa articula-se em três momentos progressivos, já indicados por


comentadores antigos e modernos. Os personagens a serem evitados são rsh‘ym - malvados,
htym = pecadores, Içym = cínicos em sentido não técnico (de escola filosófica). O adjetivo
designa o homem que despreza com superioridade, burla com segurança, não respeita nem
valores nem pessoas. Em geral os comentadores assinalam a ação e o costume de burlar.
Os malvados não são simples pluralidade, mas grupo concorde, como o insinua a palavra ‘eça,
se lhe atribuímos o valor de conselho, deliberação, indica-o claramente o termo moshab, que
tem aqui o sentido tardio de junta, sessão: como em Ezequiel 28,2 a assembleia dos deuses ou
no Salmos 107,32 o conselho dos anciãos. Entre ambos os substantivos abre passagem o drk,
caminho ou conduta, o qual produz um corrimento de versos. Sendo a expressão normal hlk
bdrk = ir pelo caminho, o autor rompe o sintagma e fala de “ir pelo conselho, deter-se no
caminho”. O terceiro verbo, sentar, resolve a miúda tensão. O trio enuncia uma ruptura total
com um modo de viver e atuar; ruptura que Pr 29,27, fechando um ciclo, enuncia em termos
de incompatibilidade radical, de aborrecimento mútuo.
Como há três graus de malvados, a saber, os que propõem, os que pecam, os que se obstinam,
assim também há três graus de honrados, a saber, principiantes, adiantados, perfeitos. Por isso
podemos ler e entender os versículos hipoteticamente assim: Feliz o homem que não segue o
conselho dos malvados, mas permanece no conselho dos fiéis e justos; que não se detém nas
sendas dos pecadores, mas que persiste em fazer o bem; que não se senta no banco da
pestilência, mas que persevera na doutrina autêntica da lei. 120 Salmo 1 2.

Este texto fala de uma felicidade que consiste em observar a lei. O Salmos 1 se detém
na meditação, como tarefa permanente, supondo que dela se seguirá o cumprimento. É
curioso que se detenha aí, inclusive se afastando do modelo de Josué 1,8. Por quê?
Talvez porque o salmo programe uma atividade recolhida, de simples meditação,
própria do mundo espiritual dos salmos. Através da meditação o homem poderá
modelar sua conduta. hgh significa mussitar, sussurrar e mais tarde meditar. Opõe-se à
meditação em voz alta, Salmos 50,16 spr, ou à leitura em voz alta.

v. 3 passando às consequências valendo-se de uma figura vegetal singela, um esboço de


paisagem: uma árvore plantada junto a ribeiros, com o sulco sempre assegurado, de
folha perene e fruto em seu tempo, obviamente, mesmo sem cair na alegoria
pormenorizada, a bíblia é a corrente de água que o homem absorve meditando. O fruto é
consequência de uma vitalidade bem regada, não é um prêmio dependurado desde fora,
como os enfeites de uma árvore de Natal. Por que também as folhas? Fazia falta para
completar o paralelismo; talvez visão de beleza, frondosidade que é um sinal de vida,
oferta de sombra. Sendo esse dado menos comum, abre-se à sugestão. O Salmos 92,13s
se compraz na descrição vegetal do honrado, afirmando enfaticamente, paradoxalmente,
que isso sucede no templo: 13 O honrado florescerá como a palmeira, se alçará como
cedro do Líbano 14 plantado na casa do Senhor, florescerá nos átrios de nosso Deus; 15
na velhice continuará dando fruto e estará loução e frondoso. As árvores que contempla
Ezequiel, vivificadas pelo manancial do templo, justificam expressamente as folhas:
“seus frutos serão comestíveis, suas folhas, medicinais” (47,12). Jeremias frisa a
esterilidade do povo mencionando frutos e folhas: “não há cachos de uva na videira nem
figos na figueira, a folha está seca” (8,13). Por sua vez, Isaías (texto provavelmente
posterior) pronúncia esta maldição: “serão como carvalho de folhas secas, como jardim
sem água” (Mais que os textos precedentes interessa-nos Jr 17,5-8 - Assim diz o
Senhor: “Maldito é o homem que confia nos homens, que faz da humanidade mortal a
sua força, mas cujo coração se afasta do Senhor. 6Ele será como um arbusto no deserto;
não verá quando vier algum bem. Habitará nos lugares áridos do deserto, numa terra
salgada onde não vive ninguém.7"Mas bendito é o homem cuja confiança está no
Senhor,
cuja confiança nele está. 8Ele será como uma árvore plantada junto às águas e que
estende as suas raízes para o ribeiro. Ela não temerá quando chegar o calor, porque as
suas folhas estão sempre verdes; não ficará ansiosa no ano da seca nem deixará de dar
fruto".
Jeremias opõe bênção a maldição, o salmo fala de felicidade; o tema de Jeremias é a confiança
em Deus ou no homem e se fixa na ameaça periódica da seca. O aspecto parecido dos dois
textos é bem restrito.

V.4. O autor abrevia a antítese vegetal do malvado, como que materializando no texto seu
prazo de validade, como que polarizado pelo momento final e irreversível. A comparação da
palha é tópica: O verbo ndp = arrebatar é pouco frequente. Aplica-se a folhas, palha, fumaça. E
curioso que o dinamismo do vento seja aqui sinal negativo, ao passo que a quietude vertical é
signo positivo. O vento não arrasta a árvore enraizada, mas os que voluntariamente se tornam
palha. Contrasta a agitação repentina de uma rajada de vento com o fluir sossegado dos
ribeiros. O vento pode ser instrumento a serviço de Deus (Salmos 104,4).

V. 5. O poema abandona a breve figura vegetal, dá um salto ao momento escatológico e adota


um tom sentencioso, mais regular. Malvados e pecadores são os de antes, que hão de
comparecer ao juízo definitivo de Deus; se bem que o verbo qwm pareça significar aqui o
manter-se em pé, na posição dos inocentes.
Os pecadores culpados não terão um posto no grupo dos honrados. Pois os honrados são agora
uma comunidade, uma assembleia, que tem lugar precisamente diante do Exegese 123
tribunal (à direita?). Mudou-se a direção da negação: no v. 1 era o honrado que evitava a
sessão dos malvados, agora são os malvados que não têm acesso à assembleia dos justos. È
tarde demais, não é hora de conversão, mas de receber a sentença.

V. 6. O último versículo dá a razão do desenlace, no qual intervém de modo particular o Senhor.


A assimetria está bem calculada: da primeira metade é sujeito o Senhor e complemento o
caminho, na segunda metade é sujeito o caminho. Como se o êxito dependesse do Senhor, e o
fracasso fosse consequência imanente de uma conduta.

Realmente, é preciso felicitar o homem que se liberta da perdição graças ao exercício de


meditar a lei; o homem se atarefa com a lei do Senhor, e o Senhor ocupa-se de seu destino.

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