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SÍNTESE JURÍDICA
Por força do que impõe a Constituição Federal, em seu art. 37, XXI, as obras, serviços, compras e
alienações contratados pela Administração Pública direta e indireta serão precedidos, como regra,
por processo licitatório, o qual se destina a assegurar princípios de grande relevância, como o da
isonomia, o da impessoalidade e o da eficiência. Nessa linha, já se manifestou o Tribunal de Contas
da União:
"[VOTO]
12. A obrigação de licitar não é mera formalidade burocrática, decorrente apenas de preceitos
legais. Ela se funda em dois princípios maiores: os da isonomia e da impessoalidade, que asseguram
a todos os que desejam contratar com a administração a possibilidade de competir com outros
interessados em fazê-lo, e da eficiência, que exige a busca da proposta mais vantajosa para a
administração.
13. Assim, ao contrário do afirmado nas justificativas apresentadas, a licitação, além de ser
exigência legal, quando bem conduzida, visa - e permite - a obtenção de ganhos para a
administração. E quando a possibilidade de prejuízos existe, a própria lei, novamente com base no
princípio da eficiência, prevê os casos em que o certame licitatório pode ser dispensado."[1] (grifou-
se)
No entanto, em determinadas situações o próprio ordenamento admite que a licitação seja afastada.
São os casos de contratações diretas, por dispensa e inexigibilidade. Mas, por constituírem-se
exceção à regra, devem ser interpretadas de modo restritivo, sendo utilizadas apenas se o caso
concreto se amoldar exatamente em uma das hipóteses taxativas de dispensa de licitação arroladas
em lei ou se restar comprovada a inviabilidade fática de competição, pressuposto necessário da
inexigibilidade de licitação.
Marçal Justen Filho bem destaca que "a inviabilidade de competição não é um conceito simples, que
corresponda a uma ideia única. Trata-se de um gênero, comportando diferentes modalidades. Mais
precisamente, a inviabilidade de competição é uma consequência, que pode ser produzida por
diferentes causas, as quais consistem nas diversas hipóteses de ausência de pressupostos
necessários à licitação".[2]
Tal situação foi contemplada pela Lei nº 8.666/1993 nos seguintes termos:
I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por
produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a
comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do
comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação
ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes".
Por seu turno, a Nova Lei de Licitações - Lei nº 14.133/2021 - estabelece o seguinte:
"Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de:
[...]
§ 1º Para fins do disposto no inciso I do caput deste artigo, a Administração deverá demonstrar a
inviabilidade de competição mediante atestado de exclusividade, contrato de exclusividade,
declaração do fabricante ou outro documento idôneo capaz de comprovar que o objeto é fornecido
ou prestado por produtor, empresa ou representante comercial exclusivos, vedada a preferência por
marca específica."
Vê-se, portanto, que existe diferenças nos textos das duas normas. A primeira delas é em relação à
possibilidade de contratação de serviços exclusivos e não apenas de fornecimento de objetos
(equipamentos, materiais e outros gêneros de fornecimento exclusivo) como antes era imposto pela
Lei nº 8.666/93. "O inc. I do art. 74 da Lei 14.133/2021 alude a compras (de materiais, equipamentos
ou de gêneros) e à contratação de serviços. Observe-se que a inviabilidade de competição não se
relaciona com a natureza jurídica do objeto contratual. O núcleo da questão está na ausência de
alternativas para a Administração".[3] (grifou-se)
Essa previsão sempre foi alvo de críticas por parte da doutrina, em razão de as entidades
especificadas no inciso I do art. 25 não terem a atribuição e nem a credibilidade necessária para
emitir tais atestados de exclusividade. As Juntas Comerciais, por exemplo, não avaliam de fato a
exclusividade. Na verdade, somente a atestam com base em declaração firmada pelo próprio
fornecedor.
E por isso mesmo o Tribunal de Contas da União há tempos sinaliza pela necessidade de a
Administração ir além dos atestados obtidos, realizando diligências e investigação ampla no
mercado, para certificar-se da veracidade dos fatos declarados nesses documentos, destacando-se a
respeito os seguintes precedentes da Corte de Contas Federal:
"SÚMULA TCU 255: Nas contratações em que o objeto só possa ser fornecido por produtor, empresa
ou representante comercial exclusivo, é dever do agente público responsável pela contratação a
adoção das providências necessárias para confirmar a veracidade da documentação comprobatória
da condição de exclusividade."
"[ENUNCIADO]
"[ACÓRDÃO]
9.1. conhecer da presente Representação, uma vez que atende aos requisitos de admissibilidade
estabelecidos no art. 113, § 1o, da Lei n. 8.666/1993 c/c o art. 237, inciso VII, do Regimento
Interno/TCU para, no mérito, considerá-la procedente;
"[ENUNCIADO]
"No entanto, à vista das limitações desses documentos em afirmar a veracidade dos fatos
declarados, cuja falibilidade tem sido reiteradamente confirmado em casos concretos, a
jurisprudência desta Corte de Contas e a doutrina têm defendido a necessidade de o gestor ir além
dos atestados de exclusividade para verificar se, de fato, existe a inviabilidade de competição para
fins de declaração de inexigibilidade de licitação.
[...]
Assim, cabe ao gestor promover ampla pesquisa de mercado, a fim de confirmar, por
verificação própria, o que os atestados apresentados pelo interessado declaram.
"[RELATÓRIO]
146.Outro artifício que tende a inviabilizar a competitividade nos certames é a emissão indevida de
carta de exclusividade (peça 77, p. 2, questão 5; peça 92, p. 3, questão 5; peça 96, p. 3, questão 5) .
147.A carta de exclusividade deve ser utilizada para evidenciar que uma empresa é fornecedora
exclusiva de determinado produto. A Lei 8.666/1993 prevê, no art. 25, inciso I, que a comprovação
de exclusividade deve ser feita através de atestado fornecido por órgão de registro do comércio do
local em que se realiza a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação
Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes.
148.Apesar de a legislação explicitar que a emissão deve ocorrer por entidade imparcial, alguns
fabricantes tentam emitir cartas de exclusividade de autoria própria com intuito de direcionar a
negociação para revenda específica, mesmo em casos onde há mais de um revendedor autorizado a
vender o produto. Desse modo, as organizações devem ficar atentas quanto à ilegitimidade da carta
de exclusividade emitida por fabricante de software.
149.Além disso, a carta, por mais que tenha sido emitida por alguma entidade habilitada,
por si só, é insuficiente para demonstrar que uma empresa é fornecedora exclusiva de
determinado produto ou serviço. As organizações devem adotar medidas para assegurar a
veracidade das declarações prestadas, pois este tribunal, reiteradamente, veda a
inexigibilidade de licitação quando não comprovado o requisito de inviabilidade de
competição (Acórdão 1802/2014-TCU-Plenário, de relatoria do Ministro Raimundo Carreiro)".[8]
(grifou-se)
Com o fito de amenizar esta celeuma e diminuir as dificuldades práticas que enfrentavam os
gestores públicos na instrução dos processos de inexigibilidade, a Nova Lei de Licitações, como
visto, prevê outros meios de comprovação da situação de exclusividade - atestado, contrato,
declaração do fabricante ou outro documento idôneo capaz de comprovar que o objeto é fornecido
ou prestado por produtor, empresa ou representante comercial exclusivos. Ou seja, a Administração
não está mais restrita a obtenção de atestados, podendo/devendo utilizar-se de outros meios de
prova, de modo a comprovar nos autos a efetiva exclusividade do contratado. A questão está mais
flexível a fim de que a Administração adote os meios de prova mais adequados ao caso concreto, o
que requer, de todo modo, a realização dos devidos estudos e pesquisas de mercado para que sejam
obtidas todas as evidências que atestem a inviabilidade fática de competição.
Não é incomum a prática de alguns particulares que oferecem seus produtos ou serviços atestando
sua exclusividade em razão de características ou tecnologias utilizadas que os tornam diferenciados
em relação aos demais no mercado, mas sem que haja análise pela Administração da possibilidade
de existência de outras soluções similares. Há, nesses casos, uma inversão quanto ao planejamento
da contratação. Primeiramente verifica-se o objeto para após avaliar a sua necessidade, o que
caracteriza irregularidade da contratação direta.
"A exclusividade não se limita à pessoa do fornecedor ou do executante. Para bem configurar-se a
hipótese do art. 25, I, o próprio objeto deverá ser aquele que, com exclusão de qualquer
outro, seja capaz de atender às necessidades da Administração".[9] (grifou-se)
"A decisão de contratar tem de ser antecedida de verificações acerca das diferentes soluções
técnico-científicas disponíveis para atender ao interesse sobre tutela estatal. Essa atividade
administrativa prévia deverá conduzir à seleção de uma das alternativas como a melhor.
A melhor alternativa deve ser avaliada não apenas sob o enfoque de critérios técnicos, mas também
econômicos. Deve estabelecer-se uma relação entre os benefícios qualitativos que serão obtidos e os
possíveis encargos financeiros com o que o Estado arcará. Nada impede que a melhor solução
técnica seja afastada em face de limitações orçamentárias. Ou seja, o dever de considerar vantagens
e encargos existe mesmo na fase interna da atividade administrativa, quando a Administração cogita
de escolher entre diversas alternativas para satisfazer suas necessidades".[10]
"Por fim, ressalto que farta jurisprudência do Tribunal de Contas da União considera suficiente, na
hipótese de ofensa ao disposto no art. 25, inc. I, do Estatuto das Licitações e considerando
circunstâncias específicas de cada processo, que seja determinado ao órgão ou entidade que se
abstenha de indicar a preferência de marca e que comprove cabalmente a inviabilidade de
competição em função de o objeto pretendido só poder ser fornecido por produtor,
empresa ou representante comercial exclusivo(Acórdãos 116/2008 e 2.099/2008 ambos da 1ª
Câmara e 3.645/2008, 5.053/2008 e 2.809/2008 da 2ª Câmara, entre muitos outros)[11]". (grifou-se)
provisionamento automático, além dos serviços de atualização sem as mãos, para a capacitação dos
alunos do ensino superior da escola (ESE) e potenciais empreendedores, microempreendedores
individuais, empresários, colaboradores, clientes corporativos e parceiros institucionais no âmbito
dos programas do Sebrae-SP, sob o valor global de R$ 8.628.082,86. Segundo a representante, a
contratação teria sido ilegalmente efetivada por inexigibilidade, pois várias empresas no mercado
prestariam o serviço de ambiente virtual para a aprendizagem em LMS e a justificativa para a
utilização da marca escolhida careceria do devido embasamento técnico, tendendo a resultar no
direcionamento da contratação. Após instruir o feito, a unidade técnica propôs o conhecimento da
representação para, no mérito, assinalar a sua improcedência, sem prejuízo do envio de ciência
sobre as eventuais falhas ao Sebrae-SP. Para tanto, a unidade instrutiva teria identificado as
seguintes circunstâncias: I) a contratação de ambiente virtual para aprendizagem pode ser vista
como contratação de serviço em software (SaaS - Software as a Service) em sintonia, entre outros,
com o Acórdão 2.267/2020-TCU-Plenário; II) a indicação de marca para a contratação de bens ou
serviços deveria ser precedida de evidente justificativa em parâmetros objetivos tendentes a
demonstrar essa indicação como a melhor opção em termos técnicos e econômicos; III) o valor da
presente contratação seria compatível com os preços normalmente praticados no mercado para os
produtos semelhantes; IV) o Sebrae-SP teria apresentado a eventual justificativa sobre a suposta
inviabilidade de competição para o fornecimento do aludido serviço a partir da individual avaliação
sobre os requisitos técnicos do produto e as condições de mercado, além da ponderação sobre o
certificado apresentado pela contratada, atestando a exclusividade no fornecimento do aludido
produto. Em seu voto, o relator discordou da unidade técnica acerca da cogitada regularidade na
inexigibilidade de licitação, aduzindo que a exclusividade no fornecimento da marca não figuraria
como a exclusividade do fornecedor, não servindo, desse modo, para fundamentar a subsequente
contratação direta sem a necessária licitação prévia. Para ele, a despeito de o principal argumento
para a inexigibilidade da licitação residir na suposta exclusividade do fornecimento do ambiente
virtual para a aprendizagem em LMS pela AVA/LMS CANVAS junto à contratada, não teria o
Sebrae-SP efetivamente demonstrado a inexistência de outros produtos semelhantes com vistas,
assim, a resultar na verdadeira evidenciação da suposta inviabilidade de competição. Teria então
subsistido no processo de inexigibilidade a falha pela inadequada caracterização da contratada como
fornecedora exclusiva do serviço, ante a insuficiência de efetivas justificativas para a indicação da
CANVAS, até porque o certificado emitido pela ABES Software não atestaria a exclusividade do
fornecimento do serviço de ambiente virtual para a aprendizagem, mas tão somente a exclusividade
sobre a negociação da respectiva marca. O relator também assinalou que a jurisprudência do TCU
até possibilitaria a indicação de marca na contratação de bens ou serviços, mas essa possibilidade
figuraria como excepcionalidade em face do consolidado regramento pela não indicação da marca,
devendo essa indicação de marca ficar expressamente vedada, no entanto, para funcionar como
aceitável motivação (justificativa) em prol da inexigibilidade de licitação. Não por acaso,
acrescentou o relator, o art. 25, inciso I, da Lei 8.666/1993 estabelece, como foco para o princípio da
motivação, o seguinte parâmetro técnico: Art. 25. É inexigível a licitação quando houver
inviabilidade de competição, em especial: I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros
que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a
preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado
fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o
serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades
equivalentes. De acordo com o relator, essa prévia e necessária justificativa objetiva não
subsistiria, então, no referido processo de contratação direta, devendo resultar, pois, na vedação
para a prorrogação do atual contrato. Assim sendo, nos termos da proposta do relator, o colegiado
decidiu determinar ao Sebrae-SP que se abstenha de promover a próxima prorrogação do
subsequente contrato e, para tanto, deve providenciar a futura e tempestiva licitação por
intermédio, preferencialmente, do pregão com a efetiva indicação, no respectivo termo de
referência, dos parâmetros objetivos de funcionamento do ambiente virtual de aprendizagem, para a
superveniente contratação do aludido serviço em substituição ao atual Contrato de Prestação de
Serviços 005/2020 assinado em 19/3/2020, diante da falha na atual contratação direta pela ausência
de adequada motivação sobre a suposta inviabilidade de competição a partir da exclusividade no
fornecimento da correspondente marca, pois essa exclusividade no fornecimento da marca não
figuraria como a exclusividade do fornecedor, não servindo, assim, para a suposta inexigibilidade de
licitação, ante a evidente dissonância com os princípios administrativos da transparência,
impessoalidade, motivação e ampla competividade no certame, além da busca da proposta mais
vantajosa para a administração, ao
[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei
14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 959.