Você está na página 1de 2

A MISERICÓRDIA TEM ROSTO: nascimento e vida oculta de Jesus

“Jesus Cristo é o rosto da misericórdia do Pai. O mistério da fé cristã parece encontrar nestas palavras a sua síntese.
Tal misericórdia tornou-se viva, visível e atingiu o seu clímax em Jesus de Nazaré”.
(Papa Francisco - Misericordiae Vultus)

“Deus se humanizou”: tal expressão revela que a Misericórdia de Deus significa também ternura.
Apareceu um Menino: apareceu a ternura e a doçura do Deus que salva. No rosto de uma criança se faz
visível a Misericórdia que desce sempre mais abaixo, que nasce no ventre da terra e se faz terra fértil.
Misericórdia carregada de humanidade: possibilitadora de tudo o que existe, discreta presença
expansiva que ilumina todas as expressões de vida, rosto que des-vela todos os rostos e a todos
dignifica.
A Misericórdia “desce” aos rincões da humanidade; uma intensa Luz brilha no interior da gruta e nos
convida a olhar contemplativamente todo o universo e descobrir o significado do mundo. “Deus se fez
mundo”. As grutas sempre despertaram fascínio nos seres humanos; possuem uma força atrativa e
guardam segredos em seu interior. Ao mesmo tempo simbolizam o desejo permanente de retornar ao
ventre materno, lugar de segurança, de aquecimento...
A contemplação do Nascimento de Jesus nos impulsiona a fazer a travessia para o interior de uma
Gruta: ali o Grande Mistério se faz visível e revelador do sentido da existência humana.
Trata-se de “entrar” nela com suavidade, de percebê-la e fazê-la descer até o coração, de convertê-la em
matéria de consideração e oração silenciosa e surpreendida.
A contemplação desse Menino na Gruta revela que Deus, na sua Misericórdia, assumiu a aventura
humana desde seus começos até seu limite (vida, amor e morte). Deus se fez “tecido humano”, revestiu o
ser humano de sua própria glória, plenificou-o de sentido e de finalidade. No nascimento de Jesus é
revelada a grandeza, a dignidade, o mistério inesgotável do ser humano. Nossa humanidade foi
divinizada pela “descida” de Deus. “Sendo rico, Cristo se fez pobre para que nós participássemos
de sua riqueza” (2Cor. 8,9).
Acolhido pela natureza, presente na Gruta, Deus se deixou impactar por tudo aquilo que o rodeava. Tudo
isso é Deus na nossa carne quente e mortal. Um Deus que “adentrou” na humanidade e de onde nunca
mais saiu; um Deus que agora pode ser buscado em nossa interioridade e em tudo o que é humano. Na
pobreza, na humildade da própria história pessoal, inserida na grande história da humanidade, torna-se
possível acolher o dom do amor de Deus visível na Criança de Belém.
Quando confessamos que o Verbo se fez carne, cremos que o desejo do ser humano de se tornar divino se
concretizou, o utópico se tornou tópico. Cremos que o ser humano chegou a Deus porque Deus chegou
primeiro ao ser humano. O ser humano se “divinizou” porque Deus se “humanizou”. Ao humanizar-se
Deus não mutilou o ser humano, mas divinizou-o.

O palácio e a manjedoura, o imperador e a criança, Augusto e Cristo, Herodes e os pastores... esses são
os pontos mais distantes entre si, os pólos extremos de toda a história humana.
Esse abismo nos ajuda a compreender o modo de agir de Deus Misericordioso
Ele não irrompe na história pelo lado mais alto e forte; prefere revelar sua presença no reverso da
história. Para encontrar Deus temos de empreender o caminho de “descida”, dirigir o olhar e o coração
para o mundo da exclusão.
Lá em “cima” não há lugar para a Maria pobre, nem para o José sem recursos, nem para a criança sem
títulos. O Filho de Deus apareceu nos grotões da humanidade, justamente lá onde ferve a luta pela
sobrevivência, onde se acotovelam os esquecidos e os náufragos da vida... Deus se faz “clandestino”
entre os clandestinos desta terra de exclusão. Porque viveu a experiência da exclusão é que Jesus inclui;
ou, porque foi excluído é que Ele inclui.

Com a ação ousada e surpreendente de Deus, a periferia se põe em efervescência, os pobres e


excluídos se agitam, uma alegria contagia a todos. Uma novidade foi introduzida por Deus na história
da humanidade: chegou a vez do protagonismo dos últimos, dos pequenos, da “massa sobrante”...;
quem estava “fora” ocupa o centro das atenções; o olhar de todos se dirige para a periferia da história,
onde Deus se faz “margem”. Na Encarnação e Nascimento de Jesus esvaziou-se o céu. Deus
abandonou o trono altíssimo, exilou-se nas entranhas profundas da humanidade e assumiu tudo o que é
radicalmente humano.
Se a história da Encarnação começa lá “embaixo”, na periferia, quer dizer que a fé em Deus implica pres-
tar atenção na manifestação do amor materno e na frágil beleza do recém-nascido.

É por esse caminho que podemos chegar à descoberta e à experiência de Deus; é também por este
caminho que podemos chegar ao conhecimento de nós mesmos. No momento em que o Verbo de Deus
assume um rosto, todo ser humano chega à plenitude de sua realização: entra em comunhão com o
Infinito e recebe uma dignidade infinita.

Em Jesus, Deus não só se humanizou, senão se fez “homem pobre e humilde”. Na “vida oculta em
Nazaré” encontramos os “nomes” e “verbos” nos quais Deus falou em Jesus e onde continua nos
falan-do hoje.
Ali Ele se faz “um entre tantos”, vizinho com os vizinhos, trabalhando com os que trabalhavam,
acolhen-do a vida cotidiana em toda sua riqueza e limitação. Ele é “o filho do carpinteiro”.
Conheceu a dor real do povo, na escola de Deus, que é a escola da vida humana, em contato com as
necessidades dos mais pobres e excluídos, em solidariedade laboral. Assim aprendeu a ser humano,
ouvin-do os gritos dos homens e mulheres de seu entorno, expulsos, oprimidos, como ovelhas sem
pastor. Não teve que entrar a partir de fora no lugar da dor; cresceu ali, o levava dentro.
Jesus nos ensina, em Nazaré, o valor das coisas cotidianas quando são feitas com dedicação e carinho.
Nesta ocultação a “Divindade escondida” estava assumindo a condição da imensa maioria dos mortais
deste mundo, dos homens e mulheres “comuns”, dos que vão trabalhar ou estão sem emprego, dos que
tem que “ganhar a vida” porque na vida não encontram seu lar, daqueles que são pura estatística...
Na escola da vida, comum e cotidiana, Jesus também foi aprendiz. Portanto, Jesus viveu a vida como um
processo lento e progressivo, a partir da própria condição humana no meio dos seus, no meio do povo e
em vista do Reino de Deus, graças a uma criatividade transformadora.

Na sua vida em Nazaré Jesus nos convida a entrar na sua casa para aprender d’Ele e com Ele os
valores do Evangelho. É difícil compreender a “normalidade” da vida de Jesus Cristo; parece até que
o Reino não tem exigências sobre a sua Vida. Identificando-se com a vida de todo mundo mostrava
que a salva-ção não consiste em coisas extraordinárias e em gestos fantásticos, mas na “adoração do
Pai em espírito e verdade”. O Reino se revela no pequeno, no anônimo e não no espetacular, no
grandioso.
Nazaré é o sinal da “epifania” de Deus nas pequenas coisas, é o sinal da palavra divina escondida nas
vestes humildes da vida simples, é o sinal do sorriso de Deus para a rua de nossa casa.
Tanto em Nazaré quanto na vida pública, Jesus nos comunica uma profunda união com o Pai.
Jesus recorre em seu íntimo ao Pai, numa oração confiante e de entrega.
Jesus sente quando o Pai o chama a mudar o estilo de vida escondido. Ele está atento aos “sinais dos
tempos” e sabe discernir nesses sinais a Vontade do Pai que o chama a mudar de caminho, a deixar sua
terra, a lançar-se numa aventura. Começa uma vida itinerante, missionária, despojado de tudo.
Texto bíblico: Lc. 2,1-20 Lc 2,39-52

As cenas do Nascimento e da vida oculta de Jesus pedem tempo, presença, assombro... para deixar-nos afetar
por elas.
- descer aos rincões interiores com a luz do Nascimento de Jesus; abrir espaço para que a luz chegue até os recantos mais escondidos;
“nas cavernas interiores está escondido nosso verdadeiro tesouro”;
- nós nos humanizamos ao mergulhar na humanidade de Jesus;
- descobrir o significado profundo da vida cotidiana mais simples (visite sua Nazaré).

Você também pode gostar