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Gerado, não criado — esta é a nossa fé [12]


— reflexão semanal sobre o credo niceno-constantinopolitano —

O «Credo Niceno-constantinopolitano» contém várias expressões


relativas à divindade de Jesus Cristo, o Filho, a Segunda Pessoa da
Trindade, como mostram as reflexões anteriores (cf. temas 8 a 11).
No Concílio realizado em Niceia, no ano 325, introduz-se no
«Credo» uma nova terminologia, que pretende estabelecer uma
distinção muito clara entre «gerado» e «criado». Daí resultou a
expressão atribuída a Jesus Cristo quando proclamamos o
«Credo»: «gerado, não criado». [Para ajudar a compreender
melhor, ler:
Salmo 2; Catecismo da Igreja Católica, números 238-242]

«Tu és meu filho, Eu hoje te gerei» — é uma frase original do Salmo


2, que o Novo Testamento e a tradição cristã utilizam para se
referirem a Jesus Cristo; e desta forma atestam a geração do Filho,
a Segunda Pessoa da Trindade. O Salmo 2 está relacionado com a
entronização do rei; utiliza o termo «filho» em sentido figurado
aplicado ao rei. Para o salmista, no dia da sua entronização, o rei
era «gerado» por Deus. Vários exegetas explicam este versículo
dizendo que «eu hoje te gerei», quer dizer «neste dia eu te designei
para seres ungido como rei». Assim, de acordo com esta
interpretação, estabelecia-se uma relação direta entre a realeza e a
divindade. Digamos que, para o povo bíblico, o rei não era apenas
uma escolha humana, mas também uma eleição divina. O profeta
Natan, aquando da revelação das promessas de Deus a David, usa
uma terminologia idêntica: «eu serei para ele um pai e ele será para
mim um filho». Também esta expressão será retomada pelo autor
da Carta aos Hebreus (1, 5) para aplicá-la a Jesus Cristo. A citação
do Salmo 2 — «Tu és meu filho, Eu hoje te gerei» — é aplicada a
Jesus Cristo por três vezes no Novo Testamento: uma no livro dos
Atos dos Apóstolos (13, 33); e duas na Carta aos Hebreus (1, 5; 5,
5).

Esta frase aplicada a Jesus Cristo tem sido relacionada, pela


tradição cristã, com momentos diferentes da vida do Filho de Deus.
Alguns referem-na unida à Encarnação; outros ao Batismo, no
Jordão; outros à Ressurreição; outros à Ascensão; outros à própria
afirmação de Filho de Deus. Todas estas ligações não se opõem e,
por isso, são válidas. E, em qualquer caso, não contradizem, antes
contribuem para dar sentido ao que estamos a refletir: Jesus Cristo
é Deus, gerado pelo Pai e não resultado do ato criador.

Gerado, não criado. Esta afirmação é consequência das reflexões


provocadas no Concílio de Niceia (325). No contexto da divindade
de Jesus Cristo, nesse Concílio, dá-se destaque, pela primeira vez,
à distinção entre geração e criação. Perante doutrinas que
pretendiam afirmar o contrário, o Concílio afirma que Jesus Cristo
faz parte de Deus. Ele não é criado por Deus. O Filho é gerado pelo
Pai. Através do uso destes dois termos — gerado e criado —
estabelece-se a distinção entre a criação de «de todas as coisas
visíveis e invisíveis» (cf. temas 5 e 6) e a geração do Filho no
«seio» do Pai.

É claro que esta linguagem não é exata para expressar a realidade


de Deus (e da Trindade). É, como todas as linguagens humanas,
uma aproximação possível ao indizível que é Deus. O uso do termo
«gerado» está intimamente relacionado com a expressão anterior
do «Credo»: «nascido do Pai antes de todos os séculos» (cf. tema
9).
A esse propósito relembramos a reflexão de Hilário de Poitiers: «Se
alguém quiser zangar-se com a sua própria inteligência por não
conseguir compreender o mistério dessa geração, que saiba, pelo
menos, que eu também sofro ainda mais que ele por o ignorar. Não
sei, mas não me inquieto...». A distinção entre a geração do Filho e
a criação do universo é decisiva para compreender a identidade de
Jesus Cristo: «o Filho está do lado de Deus que cria, é a Sua
Palavra, o Seu Verbo, eterno como Ele. [...] A verdadeira aposta
destas primeiras reflexões da Igreja sobre a identidade de Jesus
consiste em perceber que a filiação não é, de per si, uma
inferioridade. ‘Vir de’, ‘tender, ir para’, é uma relação. E, para Cristo,
não é uma relação acrescentada ao que Ele é, como as relações
que podemos adquirir. Esta relação de origem e de vocação (o Filho
vem do Pai e vai para o Pai) constitui-O, é o Seu próprio ser. [...] O
Pai a quem o Novo Testamento continua a dar como próprio o
nome de Deus, é também relacional. Se não há Filho sem Pai,
também não há Pai sem Filho. [...] Esta interdependência não é
inferioridade, mas partilha e comunhão» (Ph. Ferlay, J.-N.
Bezançon, J.-M. Onfray, «Para compreender o Credo», ed.
Perpétuo Socorro, Porto 1993,69).

A divindade de Jesus Cristo, o Filho, nada tira à divindade do Pai.


Pelo contrário, revela a própria natureza divina que é relação e
comunhão interpessoal: o Filho é «consubstancial ao Pai».

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