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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

CURSO DE MESTRADO CIENTÍFICO EM CIÊNCIAS JURÍDICO-


POLÍTICAS
ESPECIALIZAÇÃO EM CIÊNCIAS JURÍDICO-INTERNACIONAIS

A INFLUÊNCIA DO COMBATE AO TERRORISMO NO DIREITO


INTERNACIONAL PÚBLICO E NO DIREITO INTERNACIONAL
DA PESSOA HUMANA

RENATO YOUNES QUATRIN

LISBOA
2019
RENATO YOUNES QUATRIN

A INFLUÊNCIA DO COMBATE AO TERRORISMO NO DIREITO


INTERNACIONAL PÚBLICO E NO DIREITO INTERNACIONAL DA PESSOA
HUMANA

Dissertação de Mestrado Científico na


área de Ciências Jurídico-Políticas,
especialização em Ciências Político-
Internacionais, apresentada à Faculdade
de Direito da Universidade de Lisboa.

Orientador: Professor Doutor Rui Guerra


da Fonseca.

LISBOA
2019
RESUMO

A presente pesquisa propõe a análise do combate ao terrorismo neste início de século


XXI. De forma direita, aduz-se pela ideia de que o combate ao terrorismo seria o
catalisador de mudanças interpretativas de consolidadas normas de direito internacional
público e o propulsor da depreciação de normas internacionais de direitos humanos. De
uma forma introdutória que busca clarificar onde esse debate se encontra no cenário
internacional, realiza-se um exame do papel da propaganda midiática e governamental na
era democrática e um panorama geral sobre a história contemporânea e a definição de
terrorismo. Isso serve para apontar o paralelo entre o discurso de combate ao terrorismo
e a alegada mutação interpretativa de uma exceção à proibição do uso da força no direito
internacional público: o exercício do direito inerente à legítima defesa assegurado aos
Estados. Da mesma forma, serve para apontar outra finalidade para qual este trabalho se
propõe: determinar se a depreciação de direitos humanos em nome da segurança interna
dos Estados seria realmente vantajosa ao ponto de vista individual ou até coletivo. Não
somente, o trabalho procura avaliar até que ponto as medidas de combate ao terrorismo
adotadas através da via democrática violam pactos internacionais de direitos humanos e
valores que seriam considerados inerentes ao sistema de direito internacional público,
principalmente aqueles que garantem a paz e segurança internacionais. Como resultado,
a conclusão é que não se pode ignorar a influência que o combate ao terrorismo segue
trazendo ao direito internacional público após os atentados de 11 de setembro de 2001.
Impulsionado pelo discurso político, trouxe o abalo interpretativo ao direito inerente de
legítima defesa, o qual entende-se que fora excepcional ao caso da invasão do
Afeganistão, ainda em 2001, mas, ao mesmo tempo, em razão da ineficiência do direito
internacional público, por razões majoritariamente políticas, em lidar com o problema de
forma efetiva, tem seus efeitos colaterais prolongados no tempo. Esses reflexos são
observados, também, na esfera interna, via a adoção de peças legislativas que aumentam
o poder do Estado em relação ao indivíduo. Evidenciou-se que, através do fomento de
uma atmosfera de medo, realizada pelo discurso político, propiciou-se um caminho para
a adoção de novas peças legislativas de combate ao terrorismo por vastas partes do globo.
Em alguns casos, evidencia-se a quebra de obrigações inderrogáveis impostas aos Estados
através dos pactos de direito internacional da pessoa humana.

Palavras-chave: Combate ao terrorismo. Propaganda midiática e governamental. Uso da


força. Legítima defesa. Direito internacional da pessoa humana.
ABSTRACT

The present research proposes the analysis of the fight against terrorism at the beginning
of the 21st century. Directly, it is suggested that the fight against terrorism would be the
catalyst for interpretive changes to consolidated norms of public international law and a
propellant to the depreciation of international human rights norms. As an introductory
way that seeks to clarify where this debate lies in the international arena, this paper seeks
to examine the role of media and government propaganda in the democratic era, as well
as to give an overview of contemporary history and the definition of terrorism. This will
help to point out the parallel between the discourse of the war on terror and the alleged
interpretative mutation of an exception to the prohibition of the use of force in public
international law: the exercise of the inherent right to self-defense assured to the States.
By looking closely into that relation, it serves to point out another purpose for which this
work is proposed: to determine whether the depreciation of human rights in the name of
the national security of States proves to be advantageous if seen from the point of view
of an individual or even the collective. Moreover, this work seeks to assess to what extent
the adopted antiterrorist measures through the democratic path can violate international
norms that protects human rights and the core values of the public international law
system, especially those that ensure international peace and security. As a result, the
conclusion is that one cannot ignore the influence that the fight against terrorism is posing
to public international law after the attacks of September 11, 2001. Driven by political
discourse, it brought the interpretative shock to the resort to self-defense, which is
understood to have been an exception in the case of the Afghanistan invasion in 2001, but
at the same time, as a result of the inefficiency of public international law, mainly because
of political reasons, in dealing effectively with the problem, has its side effects prolonged.
These influences are also observed in the internal sphere of States, through the adoption
of legislative pieces that increase the power of the State in relation to the individual. It
was evidenced that, by fostering an atmosphere of fear, carried out by political discourse,
a way was provided for the adoption of new legislative pieces of fight against terrorism
by vast parts of the globe. In some cases, the breach of non-derogable obligations imposed
to the States through the compacts of international law of the human person is evident.

Key Words: War on terror. Mediatic and governmental propaganda. Use of Force. Right
to Self-defense. International human rights law.
Siglas e abreviaturas

AAFDL – Associações Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa


ampl. – ampliada
apud – citado por
atual. – atualizada
CEDH – Convenção Europeia dos Direitos Humanos
Cf. – Confira, confronte
CIDH – Comissão Interamericana de Direitos Humanos
CIJ – Corte Internacional de Justiça
cit. – citado, citada, citação
Ed. – Edição, editor
Eds. – Editores
FUNAG – Fundação Alexandre de Gusmão
l. – localização
n. – número
para., paras. – parágrafo, parágrafos
p., pp. – página, páginas
PIDCP – Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos
ONU – Organização das Nações Unidas
OPAQ – Organização para a Proibição de Armas Químicas
Org. – Organizador
OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte
rev. – revisada
SDN – Sociedade das Nações
ss. – seguintes
TEDH – Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
Vol. – Volume
SUMÁRIO

PARTE I – INFLUÊNCIA DA OPINIÃO PÚBLICA, BREVE HISTÓRIA DO


TERRORISMO CONTEMPORÂNEO E SEU TRATAMENTO PELO DIREITO
INTERNACIONAL PÚBLICO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 6
2 DA OPINIÃO PÚBLICA E DA PROPAGANDA ............................................. 10
3 DA BREVE HISTÓRIA DO TERRORISMO CONTEMPORÂNEO ............ 19
4 DA DEFINIÇÃO DE TERRORISMO ............................................................... 25
4.1 DO TERRORISMO NA DOUTRINA, A TENTATIVA DE UMA
DEFINIÇÃO DEDUTIVA .............................................................................................. 30
4.2 DO TRATAMENTO DO TERRORISMO POR INSTRUMENTOS DE
DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO A PARTIR DE 1937 ................................... 37

PARTE II - APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS DE DIREITO INTERNACIONAL


PÚBLICO NO COMBATE AO TERRORISMO

5 DA POSSÍVEL INTERFERÊNCIA DO COMBATE AO TERRORISMO EM


PRINCÍPIOS DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO ................................. 44
5.1 DO HISTÓRICO DA PROIBIÇÃO DA AMEAÇA OU USO DA FORÇA E
DO DIREITO À LEGÍTIMA DEFESA NO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO
CONTEMPORÂNEO ..................................................................................................... 49
5.2 DO USO DA LEGÍTIMA DEFESA PARA O COMBATE AO
TERRORISMO NO SÉCULO XXI ................................................................................ 61
5.3 DA DOUTRINA DA LEGÍTIMA DEFESA PREVENTIVA PARA O
COMBATE AO TERRORISMO .................................................................................... 76

PARTE III – DIREITO INTERNACIONAL DA PESSOA HUMANA E


COMBATE AO TERRORISMO

6 DA DEPRECIAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS EM RAZÃO DO


COMBATE AO TERRORISMO ................................................................................ 88
6.1 DAS POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS E A DEPRECIAÇÃO DE
DIREITOS HUMANOS NA ESFERA INTERNA ........................................................ 92
6.2 DAS POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS E A DEPRECIAÇÃO DE
DIREITOS EM RAZÃO DOS CONFLITOS ARMADOS ............................................ 99

7 CONCLUSÕES................................................................................................... 108

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 113


6

1 INTRODUÇÃO

Movido pelo surgimento de complexos desafios que se apresentaram perante o


direito internacional público no início do século XXI, este trabalho buscará apontar a
relação entre o tratamento de uma nebulosa área, a do fenômeno criminal terrorismo como
tratado pelo direito internacional público, e uma possível mudança de interpretação de já
firmados princípios que regulam as relações harmônicas entre os Estados, estes que
solidificaram o direito internacional contemporâneo após a Segunda Guerra Mundial,
com o objetivo de assegurar a segurança e a paz internacionais. Um combate ao terrorismo
em detrimento da manutenção de já firmadas interpretações desses princípios, busca-se
averiguar, traria consigo a subjetividade em torno da proibição do uso da força e do
instituto da legítima defesa. Em mesmo norte e em decorrência, também surgiriam novas
indagações sobre a classificação de conflitos armados que envolvem a retórica da guerra
contra o terror e como as normas internacionais de proteção da pessoa humana
interagiriam em resposta.
Da prática terrorista, sabe-se que as vítimas podem vir a sofrer das suas mais
diversas mazelas, até pagar com a mais cara delas: a sua própria vida. Em virtude dessa
forte característica de influenciar direitos e causar danos diretos e indiretos nas vidas das
pessoas, o tema é tratado de maneira efusiva pela mídia, muitas vezes através de juízos
que envolvem valores morais e que se sobrepõem a um conjunto de fatos objetivos que
possuem respaldo histórico e acadêmico. A partir dessa prática desmesurada, procura-se
observar se a maneira com a qual o fenômeno seria tratado contribui, da mesma maneira
que um ato terrorista o faz, para a criação de ambientes sistematizados de medo,
intolerância e discriminação, que possam impactar o direito internacional público.
Dessa forma, o presente trabalho não possui o viés de aprofundar os impactos
diretos que os atos terroristas podem causar na esfera do convívio social e às liberdades
individuais da pessoa humana. Ao contrário, buscar-se-á apontar quais seriam os efeitos
colaterais do caminho escolhido pelos Estados para um combate ao terrorismo no início
do século XXI. As respostas assumidas como necessárias para o combate ao terror, diga-
se, incluem tanto as respostas por meio das medidas adotadas pelos Estados, como o papel
da propaganda governamental e midiática na formação de uma opinião pública que
garanta respaldo às medidas adotadas, mesmo quando estas impõem uma restrição
7

sistemática de direitos humanos prescritos em normas internacionais de proteção da


pessoa humana. Como último efeito, as medidas podem gerar verdadeiras situações de
conflitos armados internacionais, como seria o caso das invasões do Afeganistão e do
Iraque no início deste século, casos que também serão esmiuçados por este trabalho.
Observar-se-á as medidas adotadas para o combate ao terrorismo, desde o
caminho escolhido pela comunidade internacional de Estados através da Organização das
Nações Unidas (ONU) até a conhecida mais nova “guerra ao terror” carregada pela
coalizão liderada pelos Estados Unidos da América. Garante-se um maior foco, contudo,
nas medidas adotadas para a mais nova guerra ao terror, sejam estas tomadas em âmbito
interno dos Estados, através de atos legislativos ou executivos, ou em âmbito de política
externa, como aponta-se a uma possível influência dessas mesmas medidas em alguns
princípios basilares de direito internacional público.
Para cumprir o objetivo que se propõe, o trabalho se inicia, na Parte I, com uma
abordagem que examina o papel e alcance da propaganda governamental e midiática na
formação da opinião pública e se esta ferramenta teria força suficiente para influenciar a
adoção de medidas para o combate ao terrorismo. A importância dada ao assunto,
fundamenta-se, seria em razão da influência que a criação de uma opinião pública poderia
ter nas duas áreas específicas propostas por este trabalho, em última instância, em razão
da possível formação de conflitos armados. Averígua-se, de tal modo, o surgimento da
forma midiática atual, para esclarecer o seu alcance e a evolução do meio. Ademais,
aponta-se para a forma com a qual a mídia trata o fenômeno criminal e se realiza
comparação desse tratamento com os respaldos históricos e acadêmicos que tentam
definir o fenômeno, objetivando-se averiguar se o papel exercido pela mídia ajudaria ou
atrapalharia uma área que já seria considerada nebulosa. Ao mesmo tempo, investiga-se
certos pontos controversos carregados por valores morais e a concepção de pós-verdade.
Ainda na Parte I, aborda-se o problema de definição do fenômeno na arena
internacional, como se faz comparação com outros movimentos realizados por outros
movimentos, como o de libertação nacional, mas que se diferenciam de grupos terroristas
em razão do uso da violência para garantir outros objetivos. Por último, julga-se que esse
exame introdutório seja importante para conduzir o esclarecimento de alguns pontos em
face da multiplicidade de atores midiáticos modernos e uma capacidade de propagação
rápida de informações. O momento, pensa-se, seria oportuno para uma reflexão sobre os
problemas oriundos da propagação de informações manipulativas e sensacionalistas –
8

contemporaneamente conhecidas por fake news – que possam afetar até mesmo uma
mudança drástica na lei, com poderes de comprometer liberdades humanas nas suas mais
diversas áreas.
No capítulo II, passar-se-á ao estudo de como a nova guerra ao terror pós-ataques
de 11 de setembro de 2001, liderada pelos Estados Unidos da América, pode ter
contribuído para uma mutação interpretativa do princípio do uso da força, mais
precisamente em um de seus casos de exceção, isto é, no direito inerente de legítima
defesa garantido pelo artigo 51 da Carta da ONU. A declarada estratégia utilizada para o
que se diz ser a prevenção de novos ataques terroristas seria sustentada através do uso da
força em legítima defesa. Deve-se apontar, assim, se essa forma de legítima defesa seria,
em primeiro lugar, permitida pelas já constituídas regras de direito internacional público.
Se permitida, em quais hipóteses e quais seriam os seus alcances e limites? Se não
permitida, quais seriam as consequências de um desvio da regra para o combate ao
terrorismo? Qual a influência do discurso político no cenário das relações internacionais?
O direito internacional teria chegado a um ponto no qual se julga necessária uma mudança
nos parâmetros interpretativos de aplicabilidade da legítima defesa? A prática seria aceita
como uma exceção específica para o combate ao terrorismo?
Para responder às perguntas, primeiramente procura-se dar clareza histórica ao
rumo percorrido pelo instituto do uso da força nos pelo menos últimos 100 anos,
apontando para os valores que circunscrevem a Carta da ONU e por que esses mesmos
valores estariam possivelmente sendo ignorados em razão de uma guerra ao terror. O
apontamento da influência do combate ao terrorismo no princípio de proibição do uso da
força demonstraria o quanto o combate ao terrorismo possui uma retórica potente, capaz
de balançar até mesmo os valores basilares de direito internacional público. Para isso,
objetiva-se aplicar o que será investigado na Parte I, utilizando-se a análise do discurso
político empregado como propaganda governamental, além de doutrinas jurídicas e
artigos científicos sobre o assunto, como, também, a posição, a reação e o papel da ONU
durante essas situações específicas.
Realizar-se-á uma revisão, também, sobre as políticas externas recentes, adotadas
pelos Estados Unidos da América durante a administração de George W. Bush, mesmo
antes dos ataques de 11 de setembro, buscando averiguar uma ligação entre as políticas
adotadas em momento anterior aos atentados e as políticas adotadas em momento
posterior aos atentados. De forma crítica, objetiva-se examinar se o combate do
9

terrorismo através do uso da força estaria sendo eficaz, da maneira proposta através dos
discursos proferido pela administração estadunidense.
Após, na Parte III, a demonstração de influência do combate ao terrorismo passará
a ser examinada no contexto da depreciação de direitos humanos e nas possíveis violações
que esse combate pode trazer ao contexto normativo que disciplina o direito internacional
da pessoa humana. A grande preocupação, nesse ponto, seria a restrição de direitos
individuais como forma de moeda de troca para a adoção de políticas de segurança
pública que buscam prevenir o terrorismo. Analisa-se se a adoção de novas medidas
antiterroristas, através das vias legislativa ou executiva, nos mais variados Estados, estaria
sendo influenciadas pela sistematização de um ambiente de terror e, por essa razão,
estariam sendo aprovadas pela própria via democrática, resultando na restrição de direitos
prescritos em normas internacionais de proteção da pessoa humana.
Ainda buscará perquirir se a ampliação de poderes do Estado frente ao indivíduo
estaria a ultrapassar um limite considerado como razoável, a desrespeitar direitos
humanos na ordem interna, como seria o caso do direito de ir e vir, do direito ao acesso à
justiça, do direito à vida, da liberdade de não ser torturado, da liberdade da prisão
arbitrária, dentre outros. Em ordem de políticas externa, um combate ao terrorismo
forçado pela via dos conflitos armados conduziria a substituição de regimes jurídicos
aplicáveis, como seria o caso da sobreposição das normas de direito internacional
humanitário em relação às normas internacionais de proteção da pessoa humana. Por
tabela, conduziria, também, aos debates sobre aplicação da jurisdição do Estado em sua
forma extraterritorial e se essa sobreposição entre as normas apontadas seria, de fato,
existente.
10

PARTE I – INFLUÊNCIA DA OPINIÃO PÚBLICA, BREVE HISTÓRIA DO


TERRORISMO CONTEMPORÂNEO E SEU TRATAMENTO PELO DIREITO
INTERNACIONAL PÚBLICO

2 DA OPINIÃO PÚBLICA E DA PROPAGANDA

Em razão da expansão da via eletrônica como meio de propagação de informação


durante o século XX, viu-se surgir o que viria a ser denominado por “sociedade da
informação” ou “era da informação”1. Essa denominação, entretanto, esbarra em uma
cautela acadêmica que objetiva expor que a denominada sociedade da informação seria,
na verdade, uma etapa de desenvolvimento tecnológico evidenciada em países já
industrializados, sob a denominação de “sociedade pós-industrial”2. Assim sendo, poder-
se-ia dizer que as sociedades da informação seriam aquelas que passaram por um processo
de industrialização e que teriam alcançado uma etapa conhecida como era pós-industrial3.
Em Agudo Guevara apud Werthein, diz-se que a perquirição das sociedades que
chegaram a este patamar pós-industrial suscita uma história de relação entre a
“reestruturação do capitalismo e a difusão de novas tecnologias de informação lideradas
e/ou mediatizadas pelo Estado”, e que esta relação interagiria com forças sociais na
geração de um processo de transformação social4. Essa abordagem industrialista percorre
uma noção otimista, se relacionada aos fatores produtivos e se direcionada à informação
como conhecimento científico e tecnológico, conforme apresenta Werthein5.
Essa avaliação de relação da informação com o fomento da tecnologia, contudo,
não será o cerne da problemática trazida. Esse raciocínio objetiva servir como uma
clarificação inicial de como a influência tecnológica, mediada por “interesses sociais,
dentre eles, políticas governamentais e estratégias de negócios”, propulsionou a criação

1
Para um maior aprofundamento sobre os termos, cf. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede.
Tradução de Roneide Venancio Majer. Atual. 6ª ed: Jussara Simões (A Era da Informação: economia,
sociedade e cultura; vol. 1). São Paulo: Paz e Terra, 1999.
2
WERTHEIN, Jorge. A sociedade da informação e seus desafios. Ciência da Informação. Vol. 29, n. 2,
pp. 71-73.
3
Ibidem, p. 73.
4
GUEVARA, Agudo apud Idem.
5
WERTHEIN, Jorge. A sociedade da informação..., op. cit., p. 73 e 74.
11

do meio de comunicação digital atual, o qual integra as mais variadas mídias em uma só
– modalidades escrita, oral e audiovisual em um mesmo sistema6. Este novo sistema de
comunicação induziria o surgimento do que fora denominado por Castells como a
“cultura da virtualidade real”7, e serve para apresentar o alcance midiático em uma era
globalizada.
Castells também defende as sociedades que possuem a informação centralizada
através de uma grande mídia – meio – trariam consigo um poder seletivo da informação,
uma vez que mensagens veiculadas fora de uma denominada grande mídia seriam
consideradas interpessoais e estariam fora do inconsciente coletivo8. Esse contexto
explanado seria dificultado em virtude da evolução da tecnologia durante o final do século
XX, a qual pavimentou o surgimento da mídia digital atual9. Esta última, considerada
mais segmentada e pluralista, características que flexibilizaram as escolhas individuais
das fontes de informação, teria como principal motor a adaptação de seu conteúdo ao
público-alvo e, em decorrência, a mensagem passaria a se tornar o meio10.
A partir dessa última afirmativa, aponta-se a relação da mídia com o objeto de
estudo. Sendo a mídia considerada indispensável e onipresente na sociedade moderna, a
relação desta com o terrorismo seria considerada como uma relação simbiótica, posto que
os atores da prática de atos terroristas dependeriam da mídia para o propósito do terror,
como argui-se que a mídia se utilizaria desses incidentes como “recompensas”11. Diz-se
que o avanço tecnológico das plataformas midiáticas se torna uma ferramenta atrativa
para a transmissão de uma mensagem social ou política em um curto período e no
contexto de uma sociedade vulnerável à rapidez e ao pesado volume de informações12.
Ademais, estudos demonstram que as notícias televisivas que recebem a maior atenção
do público seriam aquelas cujo conteúdo versa sobre situações que despertam medo nos
indivíduos13, elemento este vinculado ao terrorismo, como se verá em momento oportuno.

6
CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: economia, sociedade..., op. cit., p. 414 e 415.
7
Idem.
8
Ibidem, p. 421.
9
Ibidem, p. 422-425.
10
Ibidem, p. 425.
11
BASSIOUNI, M. Cherif. Terrorism, Law Enforcement, and the Mass Media: Perspectives, Problems,
Proposals. The Journal of Criminal Law & Criminology. Vol. 72, nº 1, 1981. p. 14.
12
Ibidem, p. 15.
13
GRABER, Doris A. The Road to Public Surveillance: Breeching Attention Thresholds. In: NEUMAN,
W. Russell et al (Eds.). The Affect Effect: dynamics of emotion in political thinking and behavior.
Chicago: The University of Chicago Press, 2007. p. 266 e 267.
12

Conforme explana Doris Graber, o comportamento seria justificado através de


estudos em neurociência, nos quais se evidenciou que o receptor desse tipo de informação
seria estimulado a criar respostas cognitivas inteligentes para lidar com a ameaça imposta,
mas esta resposta estaria relacionada a um instinto de sobrevivência14. Isso não
significaria dizer que as decisões tomadas por estes indivíduos, apesar de consideradas
inteligentes em relação ao seu bem-estar, sejam consideradas as mais apropriadas ou que,
até mesmo, seja uma resposta a uma experiência de perigo direta15. Essas características
teriam sido estudadas através das análises da propaganda e de discursos políticos, e
indicam uma “ampla evidência” de que a apresentação de sérias ameaças pela mídia,
seguida de uma promessa de alívio, seriam efetivas para capturar um público-alvo16.
Tendo-se as medidas de combate ao terrorismo como promessas de alívio – como,
por exemplo, a adoção de medidas que aumentam a segurança pública para combater o
terrorismo –, cabe analisar qual a influência real exercida pela mídia e pela propaganda
no molde de uma opinião pública que influencie a sustentação dessas medidas. Em um
contexto de combate ao terrorismo que envolve o direito internacional público, se faz
determinante avaliar se as respostas de combate ao terrorismo poderiam causar abalos
interpretativos ao direito inerente à legítima defesa conferido aos Estados, bem como
desencadear a violação do conjunto de proteção internacional da pessoa humana, também
em nome da segurança pública. A propaganda desempenharia alguma influência sobre
como uma sociedade vulnerável interpreta o fenômeno criminal e poderia impor a esta
uma forma para combatê-lo?
Sobre a mencionada vulnerabilidade da sociedade ao pesado volume de
informações, nos anos recentes viu-se surgir novas designações que se destinam a
classificar informações passadas através de discursos políticos considerados oportunos e,
também, a classificar informações que seriam passadas por mídias sensacionalistas ou
que estariam alinhadas com interesses políticos – dentre as mais famosas designações, a
pós-verdade e as fakenews. Assim, não somente se viveria numa era na qual as sociedades
da informação estão presentes, mas, também, na era da pós-verdade, na qual evidencia-
se que os fatos objetivos podem possuir valor notadamente inferior se comparados a uma
especulação carregada de moralismos e crenças pessoais para o convencimento da

14
GRABER, Doris A. The Road to Public Surveillance…, op. cit., p. 267.
15
Idem.
16
Ibidem, p. 269.
13

opinião pública17. Assim, a pós-verdade não seria classificada como uma simples forma
de mentira, mas seria a aceitação da mentira desconsiderando fatos objetivos que estão
acessíveis ao receptor da informação. A escolha, de tal forma, seria realizada de uma
maneira considerada livre18.
Essas afirmativas, apesar de aparentemente apresentadas como novas, foram
verificadas por Platão em sua contraposição aos sofistas19. Para Platão apud Hannah
Arendt, “a arte universal de encantar o espírito com argumentos” não se confundiria com
a verdade, visto que a mencionada arte visava a conquista de opiniões, e que as verdades
seriam instáveis em um mundo no qual a persuasão para a formação de opiniões
decorreria em momento anterior ao aparecimento da verdade20. Poder-se-ia indagar,
entretanto, sobre o aspecto trazido pelas inovações tecnológicas: o alcance facilitado do
conhecimento e, com isso, a facilitação da busca da verdade para o combate da
sobreposição de moralismos em relação à verdade. Segundo Hannah Arendt, a
manipulação dos fatos se torna empecilho aos historiadores, pois essa destruiria a própria
história e “coloca em perigo sempre que os fatos deixem de ser considerados parte
integrante do mundo passado e presente, para serem indevidamente usados a fim de
demonstrar esta ou aquela opinião”21.
Sobre o terrorismo, os problemas das escolhas envolveriam o campo da moral,
considerada intrínseca ao tema por autores que tratam do fenômeno. Conforme Ben Saul,
o termo seria carregado de conotação ideológica e política, pejorativa, implicaria
julgamentos morais, sociais e de valor e, por fim, seria escorregadio e utilizado de maneira
abusiva22. Apesar das mudanças e das contestadas significâncias dadas ao termo
terrorismo durante a história, o vocábulo possuiria um poder semântico que vai além do
seu significado, sendo capaz de “estigmatizar, deslegitimar, e desumanizar aqueles para

17
Considerada a palavra do ano de 2016 pelo dicionário de Oxford e cujo significado seria definido como
um adjetivo que indica circunstâncias nas quais fatos objetivos têm uma menor influência do que apelos e
crenças pessoais para o molde da opinião pública. Apesar do vocábulo ser anterior, o seu emprego com
uma nova implicação surgira em 1992, em artigo publicado por Steve Tesich, no jornal The Nation. Sua
nova implicação seria a de que a verdade se tornou irrelevante. Fonte:
<https://en.oxforddictionaries.com/word-of-the-year/word-of-the-year-2016>.
18
TESICH, Steve apud KREITNER, Richard. Post-Truth and Its Consequences: What a 25-Year-Old Essay
Tells Us About the Current Moment. The Nation, 30 nov. 2016. Disponível em:
<https://www.thenation.com/article/post-truth-and-its-consequences-what-a-25-year-old-essay-tells-us-
about-the-current-moment/>. Acesso em: 07/02/2019.
19
Platão apud ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo:
Companhia das Letras, 2012. p. 34.
20
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo, op. cit., p. 34.
21
Idem.
22
SAUL, Ben. Defining Terrorism in International Law. Oxford: Oxford University Press, 2006. p. 3.
14

os quais a prática é direcionada, incluindo oponentes políticos legítimos” (tradução


nossa)23.
Afirma-se que o terrorismo contemporâneo seria um rótulo utilizado de maneira
displicente, seletiva e pejorativa, havendo uma confusão entre questões de valor moral
em relação àqueles que são acusados da prática24. Sustenta-se que a visão de um
observador será diferente de acordo com os seus valores morais, podendo ser visto e
interpretado de maneira diferente dependendo da posição onde o observador se
encontra25. Não por menos, os acadêmicos que se envolvem com o estudo deste fenômeno
social-criminal já estão acostumados com a frase que melhor exemplifica a contrariedade:
“one man’s terrorist is another man’s freedom fighter”26. Disso, observa-se a própria
incapacidade de construção de uma definição de terrorismo devido a julgamentos morais
que a cercam e “qualificam como terrorismo as atividades ou atitudes violentas para as
quais eles se opõem ou, de modo inverso, rejeitam o uso do termo quando este se relaciona
a atividades e situações às quais eles aprovam”27.
Em artigo que tenta demonstrar a dificuldade de se enxergar truísmos e evidências
empíricas, Chomsky fornece uma exemplificação ao problema, sustentando que um
indivíduo pode aplicar padrões morais de interpretação para o julgamento da conduta de
outras pessoas e, ao mesmo tempo, não aplicar esses mesmos padrões de julgamento a
ele mesmo28. Tratando a comunicação atual como a capacidade de adequação da
mensagem ao público-alvo, distorções podem ser emanadas de uma forma oportuna e
conduzir o debate sobre o terrorismo a um moralismo que seria aplicado exclusivamente
a outrem.
A adaptação do meio ao público não impediria, faz-se cautela, a indução do
telespectador através do meio midiático. A propaganda governamental e as mídias
ganham território para explorar essas fragilidades e lacunas apontadas, visto que a

23
SAUL, Ben. Defining Terrorism in International Law, op. cit., p. 3.
24
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and The Framework on International Law. Cambridge:
Cambridge University Press, 2005. p. 18.
25
GUILLAUME, Gilbert. Terrorismo e Justiça Internacional. In: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira
(Coord.). O Brasil e os Novos Desafios do Direito Internacional. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 28.
26
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law: The Legality of the Use of Force
Against Afghanistan in 2001. Aldershot: Ashgate Puplishing Ltd, 2009. p. 44.
27
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comissão de Direitos Humanos. Fifty-third session on
Promotion and Protection of Human Rights, by Ms. Kalliopi K. Koufa, Special Rapporteur, Terrorism
and Human Rights, E/CN.4/Sub.2/2001/31, 2001. p. 8 e 10. Disponível em: <https://documents-dds-
ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G01/143/52/PDF/G0114352.pdf?OpenElement>. Acesso em: 20/09/2017.
28
CHOMSKY, Noam. Moral Truisms, Empirical Evidence, and Foreign Policy. Review of International
Studies. Vol. 29, Nº 4, 2003. p. 605.
15

expansão da liberdade de imprensa, consubstanciada por uma crescente garantia da


liberdade de expressão, abrira o caminho para a mente pública29. Por se tratar da maior
fonte de informação política disponível ao público, a televisão possuiria modos operativos
conhecidos por capturar a atenção do público – destaca-se a dedicação de um tempo
superior à média ao reportar notícias que provocam o medo, a repetitiva chamada para o
pronunciamento da mesma notícia, a escolha em qualificar a notícia como importante e a
escolha do uso de palavras gráficas e gráficos30.
No estudo da propaganda governamental e do molde da opinião pública, tem-se
por forma de convencimento o que se denomina de “a fabricação de um consenso”31.
Conforme Walter Lippmann, esta habilidade se trataria de uma forma de arte antiga que
deveria ter desaparecido com a chegada da era democrática, porém, observa que, com sua
chegada, uma drástica evolução em sua técnica se fez notória32. Assim, a persuasão
evoluíra para se tornar uma arte autoconsciente e um órgão comum dos governos
populares, capaz de alterar quaisquer cálculos e premissas políticas33. Em exemplo para
determinar o impacto que a propaganda pode causar, sustenta-se que “velhas constantes
em nossas vidas se tornaram variáveis”34. Em um fenômeno tratado com opiniões
fragmentadas e que se verifica dificuldade de consenso, uma lacuna a ser explorada seria
ainda mais evidente, visto que não há um consenso sobre o que se trata o terrorismo.
As arguições levantadas encontram sustentação na obra intitulada “Propaganda”,
de Edward Bernays, na qual, logo de início, se reproduz a ideia de que a manipulação das
opiniões públicas, ou das massas, seria um importante elemento de uma sociedade
democrática35. O poder de criar ou de manejar a opinião pública, anteriormente de uso
exclusivo de chefes tribais, reis e líderes religiosos, passaria para as mãos de todos36.
Todavia, sustenta que opinião pública pode ser observadas de duas formas: (i) em sua

29
BERNAYS, Edward L. The Engineering of Consent. The Annals of the American Academy of
Political and Social Science. Vol. 250, Issue I, 1947. p. 113 e 114.
30
GRABER, Doris A. The Road to Public Surveillance…, op. cit., p. 270.
31
Termo cuja origem se encontra no livro “Opinião Pública”, de Walter Lippmann. Para o acesso ao livro
na íntegra, cf. <https://wwnorton.com/college/history/america-essential-learning/docs/WLippmann-
Public_Opinion-1922.pdf>. Acesso 13/09/2017.
32
Ibidem, p. 98.
33
Idem.
34
Ibidem, p. 98 e 99.
35
BERNAYS, Edward L. Propaganda. New York: Horace Liveright, 1928. p. 9. Cf. CHOMSKY, Noam.
Consent without Consent: Reflections on the Theory and Practice of Democracy. Cleveland State Law
Review. Vol. 44, Issue 4, 1996. p. 424.
36
BERNAYS, Edward L. Manipulating Public Opinion: The Why and the How. American Journal of
Sociology. Vol. 33, Nº 6, 1928. p. 959.
16

forma restrita, seria “o pensamento de determinado grupo da sociedade em um


determinado tempo em direção a determinado objeto” (tradução nossa); (ii) em sua forma
ampla, seria “o poder do grupo em manejar um público maior em sua atitude em relação
à ideia” (tradução nossa)37. A manipulação da mente pública, assim como referida pelo
autor, se trataria de uma característica da sociedade atual, serviria um propósito social de
autopreservação e que as pessoas “tentam influenciar outras pessoas por motivos sociais,
políticos, internacionais, econômicos e por motivos de ambições pessoais”38. Assim
sendo, a propaganda seria considerada como meio essencial para o molde da opinião
pública em governos democráticos.
Os efeitos desse molde de opinião pública serão, assim, averiguados para que se
obtenha uma resposta sobre o seu impacto e influência, caso haja, nos âmbitos do direito
internacional público propostos. A produção de uma atmosfera de crises, através de uma
ênfase exagerada que transforma os ataques terroristas em eventos de espetáculo, foi
utilizada como um dos motivos para o crescente distanciamento a um consenso sobre a
definição do fenômeno terrorismo39. Como se verá posteriormente, um acordo sobre uma
definição dedutiva sobre terrorismo não seria universalmente aceito, e deixaria uma
lacuna exposta a essas características e situações frágeis, as quais seriam possivelmente
aproveitadas pelos meios para fazer avançar uma política governamental40.
Duas teorias podem tentar elucidar o como e o porquê essas políticas
governamentais seriam apoiadas por um povo. O como seria explicado pela teoria do
efeito de “reagrupamento em torno da bandeira”, proposto por John Mueller41. A teoria
tenta demonstrar uma subida repentina nos níveis de aprovação de um governo logo em
seguida a um evento de alta magnitude e que envolva políticas externas42. Um exemplo
de subida em níveis de aprovação foi registrado logo após os ataques terroristas de 11 de
setembro. Nota-se um crescimento de 35% na provação do governo do então Presidente
George W. Bush, demonstrando uma subida de 51% para 86%43. Segundo Steven
Levitsky e Daniel Ziblatt, os níveis de aprovação teriam subido de 53% para 90%,

37
BERNAYS, Edward L. Manipulating Public Opinion…, op. cit., p. 959.
38
Ibidem, p. 959 e 960.
39
Cf. SAUL, Ben. Defining Terrorism in International Law, cit., p. 3 e 6.
40
CHOMSKY, Noam. Moral Truisms, Empirical Evidence, and Foreign Policy, op. cit., p. 606.
41
BAUM, Matthew A. The Constituent Foundations of the Rally-Round-the-Flag Phenomenon.
International Studies Quarterly. Vol. 46, Nº 2, 2002. p. 264.
42
Ibidem, p. 264.
43
BAUM, Matthew A. The Constituent Foundations…, op. cit., p. 264.
17

evidenciando uma taxa jamais antes registrada pelo Gallup Poll44. Os autores
argumentam, ainda, sobre a peculiaridade do poder de um governo com tamanho nível de
aprovação e sustentam que o Patriot Act – peça legislativa que será melhor averiguada na
Parte III deste trabalho – somente teria sido aprovado por essa razão e por entender que
os cidadãos estariam mais propensos a tolerar medidas autoritárias em meio de eventos
que abalam a segurança nacional, “sobretudo pelo seu bem-estar”45. Para isso, pesquisas
de opinião demonstraram que, à época, 55% dos norte-americanos acreditavam que a
supressão de liberdades individuais seria necessária para o combate ao terrorismo,
enquanto em 1997 essa mesma ideia era representada por 29% dos norte-americanos46.
O porquê seria exemplificado através do conceito do “efeito do cisne negro”. O
termo, criado por Nassim Taleb, demonstra o efeito daquilo que se encontra do lado
externo do campo da expectativa regular47. Para exemplificá-lo, Gary LaFree faz menção
aos ataques de 11 de setembro, uma vez que foram inesperados, causaram grande impacto
na história e foram difíceis de prever com antecedência48. O professor aponta, em
comparação, que o cometimento de um homicídio anômalo, que se encontre fora do
campo das expectativas, como foi o caso dos ataques de 11 de setembro, pode ser
vastamente veiculado pela mídia e receber demasiada atenção, a ponto de ocasionar uma
mudança na lei, mesmo que este tipo de homicídio não seja comumente evidenciado49.
Como caso análogo, menciona-se os ataques a Pearl Harbor – ataque inesperado
que foge da expectativa regular –, mas naquele momento foi registrado um aumento de
12% nos níveis de aprovação do então presidente Franklin Roosevelt50 – ainda assim, um
registro de subida nos níveis de aprovação.
Ao mesmo tempo, utilizando-se de estereótipos, a imagem de um ataque terrorista
pode guiar o telespectador a uma incorreta presunção sobre o que seria terrorismo. Um

44
LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as Democracias Morrem. eBook Kindle. Tradução de
Renato Aguiar. Rio de Janiero: Zahar, 2018. l. 1584-1603.
45
Idem. Conforme demonstrado por pesquisas anteriormente mencionadas, situações de perigo inusitadas
provocariam situações nas quais as promessas de alívio teriam um poder sobre medida um público-alvo
com facilidade.
46
Idem.
47
Sua criação é baseada na crença, pelos povos europeus, de que todos os cisnes existentes fossem brancos.
Tal crença teria perdurado até 1967, quando turistas europeus passaram a viajar à Austrália e evidenciaram
a existência de cisnes negros. Fonte: <http://start.umd.edu/news/discussion-point-black-swans-and-
burstiness-countering-myths-about-terrorism>. Cf. LAFREE, Gary. Nine Myths About Terrorism Part 1,
Understanding Terrorism and the Terrorist Threat. 2018, University of Maryland. Notas de aula.
Disponível em: <https://www.coursera.org/learn/understandingterror>.
48
LAFREE, Gary. Nine Myths About Terrorism Part 1, cit.
49
Idem.
50
BAUM, Matthew A. The Constituent Foundations…, op. cit., p. 263 e 264.
18

primeiro exemplo aponta para uma suposição de que o número de ataques terroristas teria
aumentado de forma drástica após os ataques de 11 de setembro de 2001, quando, em
realidade, se analisados os dados coletados, verificar-se-ia que estes são similares aos
números de ataques registrados durante a década de 7051. Percebe-se, na verdade, um
aumento significativo no início da década de 90, após o colapso da União Soviética52.
Outro exemplo sugere que, como se vive em uma época interconectada, na qual a mídia
está onipresente, ter-se-ia a impressão de que nenhum lugar no globo terrestre estaria
seguro e que ataques terroristas seriam cometidos em todos os lugares, quando, de fato,
os ataques terroristas seriam altamente concentrados em regiões específicas – mais de
50% dos ataques terroristas evidenciados entre 1970 e 2010 se concentram em apenas 5%
de todos os países do mundo. Por último, os mesmos dados demonstram que, dentre 10
ataques, 9 deles são considerados como terrorismo doméstico, levando-se a crer que a
forma de terrorismo internacional escapa um pouco do campo da expectativa regular53.
Admitindo-se que o efeito de cisne negro possa causar uma mudança na lei,
ressalta-se os efeitos negativos que a mídia pode causar ao reproduzir estereótipos e
conceitos levianos e que, até certo ponto, prejudicariam o estudo deste fenômeno
criminal. Exemplos dessas construções seriam encontradas na forma como a mídia seria
propensa a enfatizar alguns eventos sobre outros, como quando as coberturas de ataques
terroristas ocorridos nos Estados Unidos da América ou na Europa recebem mais atenção
do que aqueles que ocorrem no Oriente Médio ou na América do Sul – os mesmos dados
mostram a Colômbia e o Iraque em primeiro e segundo lugar, respectivamente, quando
contabilizados o número de ataques terroristas, enquanto os Estados Unidos da América
figuram no décimo quarto lugar54.
Tendo-se isso em vista, faz-se imperioso, antes da perquirição sobre os possíveis
efeitos que o combate ao terrorismo possa causar, abrir espaço para que se faça uma
elucidação sobre a história contemporânea do terrorismo e o percurso da matéria no
âmbito do direito internacional público. Os dois capítulos seguintes possuem o objetivo,
então, de elucidar e de desmistificar certas banalizações que cercam o fenômeno.

51
LAFREE, Gary. Nine Myths About Terrorism Part 1, op. cit.
52
Idem. Percebe-se que os números de vítimas no norte das américas estão concentrados em 2001, os quais
fogem da expectativa regular, se comparado com os anos anteriores e posteriores aos atentados de 11 de
setembro daquele ano. Fonte: <https://ourworldindata.org/terrorism>. Acesso em: 19/02/2019.
53
LAFREE, Gary. Nine Myths About Terrorism Part 1, op. cit.
54
Idem.
19

3 DA BREVE HISTÓRIA DO TERRORISMO CONTEMPORÂNEO

Expressando-se de forma confiante, Monty Marshall afirma que o fenômeno


terrorismo seria tão antigo quanto a própria humanidade55. Uma alegada confusão ao
tratar o terrorismo como um fenômeno social novo, assim, adviria em razão deste não
aparecer com a mesma intensidade em diferentes períodos da linha do tempo, sendo a
história normalmente esquecida ou ignorada56. Porém, no decorrer da história, essa forma
de violência brutal teria sido utilizada para realizar fortes declarações políticas, em
diversos pontos da história, remetendo-se à época de Cristo57. Brevemente, sobre sua
origem, parte da doutrina forma consenso em determinar que o fenômeno violento nos
remeteria ainda a tempo mais longínquo, ou seja, remontaria a épocas antes de Cristo. Em
tempos mais recentes, averígua-se, segundo Gilbert Guillaume apud João Lopes, o
surgimento na língua francesa, em 1335, do vocábulo “terreur”, sendo sua acepção “um
medo ou uma ansiedade extrema correspondendo, com mais frequência, a uma ameaça
vagamente percebida, pouco familiar e largamente imprevisível”58. O vocábulo e o
entendimento teriam sido introduzidos à língua portuguesa durante o século XV e, de sua
interpretação, poderia ser visto como uma consequência de causas naturais, como os
terremotos59.
Uma noção de terrorismo de Estado, por sua vez, teria sido integrada em meados
da Revolução Francesa, entre 1792 e 1794, devido a utilização sistêmica do terror pelo
governo revolucionário como instrumento de repressão e controle social60. A expressão

55
MARSHALL, Monty G. Global Terrorism: An Overview and Analysis. In: MARSHALL, Monty G.;
GURR, Ted Robert (Eds.). Peace and Conflict 2005: A Global Survey of Armed Conflicts, Self-
Determination Movements, and Democracy. College Park, Maryland: Center for International
Development and Conflict Management (CIDCM), 2005. p. 62. Disponível em:
<http://www.systemicpeace.org/vlibrary/PeaceConflict2005.pdf>. Acesso em: 20/09/2017.
56
Cf. Introduction to the Transaction Edition em LAQUEUR, Walter. A History of Terrorism. New
Brunswick: Transaction Publishers, 2002, VII.
57
MARSHALL, Monty G. Global Terrorism, op. cit., p. 62. PRIMAKOV, Yevgeny M. A World
Challenged: Fighting Terrorism in the Twenty-First Century. Washington: Bookings Institution Press,
2004. p. 2. WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, p. 25. LOPES, João Felipe
Menezes. Terrorismo internacional: financiamento, regime de combate e a soberania brasileira.
Curitiba: Juruá, 2018. p. 17 e 18.
58
GUILLAUME, Gilbert apud LOPES, João Felipe Menezes. Terrorismo internacional:
financiamento..., op. cit., p. 17. Cf. BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional: a guerra
preventiva e a desconstrução do direito internacional. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo
Horizonte, Vol. 90, 2005. p. 208.
59
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 208.
60
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Fifty-third session on Promotion…, op. cit., p. 11.
20

volta-se para descartar a possibilidade das causas naturais, mirando a prática ao Estado
para “designar uma violência política (abusiva)”61. Posteriormente, em 1798, o dicionário
da língua francesa introduzira o conceito de terrorismo como “regime, sistema do terror”
(tradução nossa)62.
Afora as concepções históricas sobre o surgimento e suas mais variadas mudanças
durante os séculos, o ano de 2001 pode ser considerado o marco da volta do fenômeno
social, trazendo consigo a recordação, pela humanidade, do fenômeno social terrorismo63.
Não se objetiva declarar, entretanto, que este fenômeno não seria recorrente em momento
próximo aos atentados mencionados, ou até mesmo antes. Como visto anteriormente,
evidencia-se crescente exponencial dos números de ataques terroristas durante a década
de 90, com o fim da Guerra Fria. Porém, defende-se que os ataques de 11 de setembro
fogem da expectativa regular, foram propagados pela mídia de maneira efusiva e
utilizados como temas de palanque para políticos de forma oportuna para fazer avançar
suas agendas – o que se verá, com maior aprofundamento, nas partes II e III, quando
analisadas as passagens de discurso proferidos. Ademais, os atentados demonstram com
clareza a evolução da forma terrorista, que acompanha a evolução tecnológica64.
Por isso, apesar de ser tratado como fenômeno antigo, argui-se que seria
impossível identificar o terrorismo como sendo uma forma de violência imutável.
Objetiva-se sustentar que há, no decorrer da linha do tempo, significativas mudanças nas
características, métodos e formas de execução daquilo que se seria conhecido por
terrorismo, além do desaparecimento e surgimento de novas organizações terroristas65.
Possível seria, por outro lado, notar similaridades nas personalidades daqueles que
cometem práticas terroristas, como, por exemplo, uma forte crença em valores morais ou
ideológicos66. A mutação dessa forma de violência pode ser evidenciada nas formas
através das quais o terrorismo se perpetuou durante o decurso da história. Ou seja, a
mutação não seria relacionada a um tipo penal ou às definições do que tratar-se-ia por
terrorismo, mas ao seu modus operandi. Justamente por essas afirmativas, busca-se

61
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 209.
62
LAQUEUR, Walter. A History of Terrorism, op. cit., p. 6.
63
LOPES, João Felipe Menezes. Terrorismo internacional: financiamento..., op. cit., p. 15.
64
LOPES, João Felipe Menezes. Terrorismo internacional: financiamento..., op. cit., p. 15.
65
Cf. LAQUEUR, Walter. A History of Terrorism, op. cit., p. 4 e 5.
66
Idem. Cf. PRIMAKOV, Yevgeny M. A World Challenged…, op. cit., p. 2.
21

delimitar a pesquisa ao período histórico daquilo que comumente se considera por


terrorismo contemporâneo, desde o seu início ao seu desenvolvimento67.
Segundo o que se extrai da cronologia apresentada por Mary Williamson, a
legitimação dada pelos Estados ao direito internacional público em ocupar-se da temática
decorreria de uma onda de ataques terroristas que buscavam realizar graves declarações
políticas através do usa da violência, ainda no final do século XIX e início do século
XX68. De acordo com Yevgeny Primakov, a onda de violência se traduziria por uma
forma específica de violência política que objetivava um fim através do assassinato de
figuras políticas ou ataques à população civil69. Aduz-se pelo surgimento de movimentos
anarquistas e nacionalistas70, os quais objetivaram assassinatos de chefes de Estado de
países europeus71.
Para aprofundar a relação desses movimentos com o terrorismo, aponta-se, ainda,
que o assim chamado “anarquismo violento” possuiria similaridades com o terrorismo
presente no século XXI. Dentre estas similaridades, tem-se que: (i) a violência anarquista
buscava propagar “um senso de medo e ansiedade”, escolhendo locais estratégicos, como
cinemas, restaurantes e cerimônias religiosas para o cometimento dos crimes; (ii) na
Conferência Internacional de Roma pela Defesa Social contra os Anarquistas de 1898,
fora constatada, assim como nas discussões atuais sobre terrorismo, uma dificuldade dos
delegados em conciliar sobre uma definição sobre o que seria o anarquismo; (iii) a
conduta do anarquismo violento era considerada como uma conduta criminal, provocando
o interesse dos Estados em iniciar uma “guerra contra o anarquismo”72. Realiza-se
ressalva a dizer que esses movimentos possuiriam motivações claramente separatistas e
os ataques foram cometidos, em sua vasta maioria, dentro de espaço geográfico
delimitado ao espaço territorial de um Estado, isto é, seriam considerados crimes
majoritariamente domésticos73. Este momento representaria o desabrochar do
denominado terrorismo moderno ou contemporâneo74.

67
PRIMAKOV, Yevgeny M. A World Challenged…, op. cit., p. 2.
68
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit. p. 25. Em obra de Primakov,
adiciona-se os movimentos nacionalistas aos anarquistas (cf. PRIMAKOV, Yevgeny M. A World
Challenged…, op. cit., p. 2).
69
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit. p. 25.
70
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 25. PRIMAKOV,
Yevgeny M. A World Challenged…, op. cit., p. 2.
71
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit. p. 25.
72
Ibidem, p. 25 e 26.
73
Cf. PRIMAKOV, Yevgeny M. A World Challenged…, op. cit., p. 2 e 3.
74
Idem.
22

Seguindo a linha cronológica, após o assassinato do Presidente estadunidense


William McKinley em 1901, uma segunda conferência para o combate ao anarquismo
fora realizada em São Petersburgo, no ano de 1904, e resultou na assinatura, por 10 países,
do Protocolo Secreto Internacional pela Guerra contra o Anarquismo75. Dentre os
assassinatos de figuras políticas importantes por grupos extremistas, estão também: o
assassinato de Francisco Fernando da Áustria-Hungria, herdeiro ao trono do Império
Austro-Húngaro, em 1914, cometido por separatistas étnicos dos Balcãs e que, sustenta-
se, culminou nas tensões diplomáticas que resultaram na Primeira Guerra Mundial; o
assassinato do Rei Alexandre I da Iugoslávia, em 1934, por um membro da Organização
Revolucionária Interna da Macedônia, ensejando uma crise diplomática na Sociedade das
Nações (SDN)76. Com isso, verifica-se que a onda de ataques a agentes públicos levou os
Estados à cooperação internacional e à confecção de instrumentos de direito internacional
para combater a ameaça anarquista e/ou nacionalista que surgira à época. No entanto,
alega-se que foi a partir de 1934 que, efetivamente, o fenômeno teria adquirido alcance
transfronteiriço77.
A datar da metade do século XX, outras organizações, como, por exemplo, a
Fração do Exército Vermelho (RAF), o Euskadi Ta Askatasuna (ETA), o Exército
Republicano Irlandês (IRA), o Caminho Luminoso e as Forças Armadas Revolucionárias
da Colômbia (FARC), buscaram, através da violência, seus objetivos políticos78, movidos
por sentimentos derivados do nacionalismo, separatismo, racismo, niilismo, de ideologia
política e de desigualdade econômica79. Desses grupos, nota-se que suas origens se
distanciavam do oriente médio80 e, pelo contrário, foram ou são formados em países
europeus e sul-americanos, por pessoas nativas da Alemanha, Espanha, Irlanda, Peru e
Colômbia, respectivamente. Ainda, sustenta-se que o terrorismo passa a ser utilizado

75
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 25 e 26.
76
Cf. PRIMAKOV, Yevgeny M. A World Challenged…, op. cit., p. 2 e 3. Cf. SAUL, Ben. Defining
Terrorism in International Law, op. cit., p. 2. Cf. LOPES, João Felipe Menezes. Terrorismo
internacional: financiamento..., op. cit., p. 19.
77
LOPES, João Felipe Menezes. Terrorismo internacional: financiamento..., op. cit., p. 19.
78
O’BRIEN, Peter. The Muslim Question in Europe: Political Controversies and Public Philosophies.
Philadelphia; Rome; Tokyo: Temple University Press, 2016. p. 199.
79
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 28. LOPES, João Felipe
Menezes. Terrorismo internacional: financiamento..., op. cit., p. 20.
80
Conforme os dados coletados, durante a década de 70 até o final da década de 80, os ataques terroristas
eram mais concentrados nos países europeu e sul-americanos, e até mesmo nos Estados Unidos da América.
Fonte: <https://ourworldindata.org/terrorism>. Acesso em: 19/02/2019.
23

como uma ferramenta de grupos religiosos e grupos separatistas que continham como
núcleo suas agendas e ideias extremistas81.
Defende-se, assim, que apesar dos ataques de 11 de setembro de 2001 marcarem
uma data importantíssima para a história do terrorismo, a data não corresponderia ao
início do que se conhece por terrorismo contemporâneo. Por outro lado, os atentados
marcam o início daquilo que se é comumente conhecido como a “Era do Terror” (tradução
nossa)82. A partir desse momento, também se evidencia o início da tomada de diversas
novas medidas de combate ao terrorismo – aqui, conhecido como medidas adotadas no
contexto da nova “Guerra contra o Terror” (tradução nossa) –, que teriam o propósito de
impedir as atividades terroristas e os variados reflexos e implicações que estas ocasionam
na ordem jurídica interna de alguns Estados, como também na esfera jurídica
internacional83.
Contudo, faz-se ressalva de que esta não se trata da primeira vez que o termo “era
do terror” seria empregado. Em 1977, o historiador John Bowyer Bell, fazendo referência
aos ataques terroristas que preocupavam a sociedade internacional à época, sustentou:

It often seems that the world has entered a new and frightful era, a time of
terror, when the fanatical few can disrupt transnational order, hold stability
to ransom, and strike down the innocent with impunity. What is worse, very
little can apparently be done to prevent the new wave of terror84.

Com isso, objetiva-se demonstrar que, na história, “eras de terror” acompanharam


diferentes ondas e formas de terrorismo, estariam mais concentradas em diferentes
regiões do globo terrestre e seriam perpetradas por pessoas de diferentes nacionalidades,
religiões e ideologias. As formas com as quais as atividades terroristas são
desempenhadas se desenvolvem de acordo com a evolução da tecnologia, com o advento
de uma sociedade globalizada através das sociedades da informação e com a facilidade
de transporte e de circulação de pessoas.
Nessa linha de raciocínio, Kalliopi Koufa, como relatora especial do relatório
sobre terrorismo e direitos humanos, realizado pela Comissão de Direitos Humanos da
ONU, em 2001, aponta que o conceito de terrorismo se expandiu e evoluiu no decurso do

81
PRIMAKOV, Yevgeny M. A World Challenged…, op. cit., p. 3.
82
CHOMSKY, Noam. Moral Truisms, Empirical Evidence, and Foreign Policy, op. cit., p. 605.
83
Idem.
84
BELL, John Bowyer. Trends of Terror: The Analysis of Political Violence. World Politics, Vol. 29, Nº
3, 1977, p. 477.
24

século XX, para acompanhar as práticas terroristas que também evoluíram em suas
formas de execução, claramente fazendo o uso das mudanças sociais e tecnológicas que
influenciavam na maneira com a qual os atos terroristas passariam a ser praticados85.
Como exemplo atual, destaca-se o grupo extremista Al-Qaeda como o primeiro a possuir
um alcance global para o cometimento de suas práticas86. Contabilizando-se o período
entre 1999 e 2004, o grupo terrorista cometeu atentados contra mais de dez diferentes
Estados87. Se abarcado o período de 1970 a 2017, o número se trata de um ainda mais
expressivo, conforme os dados apresentados pelo Global Terrorism Database88.
Para acompanhar a evolução das formas de terrorismo, o direito internacional
público passa a se adaptar. Nesse sentido, a Assembleia Geral da ONU sustenta que
ataques terroristas afrontam princípios fundadores presentes na Carta das Nações Unidas,
como o “respeito aos direitos humanos; o Estado de Direito; o direito da guerra para
proteção de civis; a tolerância entre os povos e nações; e a resolução pacífica de
conflitos”, destacando que o terrorismo ganha terreno em lugares onde se evidencia o
“desespero, humilhação, pobreza, opressão política, extremismo, abuso contra os direitos
humanos; em contextos de conflitos regionais e de ocupação estrangeira; e também se
aproveita de Estados que não conseguem manter a lei e a ordem”89. Ainda, menciona-se
que os atos de terrorismo foram caracterizados por resoluções do Conselho de Segurança
da ONU como ameaças à paz e segurança internacionais90 – uma das situações
excepcionais para o uso da força, situações que serão averiguadas na parte II.

85
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Fifty-third session on Promotion…, op. cit., p. 11 e 12.
86
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia Geral das Nações Unidas. Fifty-ninth session
Report of the Secretary-General’s High Level Panel on Threads, Challenges and Change. A more secure
world: Our shared responsibility, A/59/565, 2004. p. 45. Disponível em:
<http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/59/565>. Acesso em: 20/09/2017.
87
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Fifty-ninth session Report…, op. cit., p. 45.
88
Dentre os 29 países que figuram na lista, estão: Arábia Saudita, Espanha, Estados Unidos da América,
França, Iémen, Indonésia, Iraque, Marrocos, Paquistão, Rússia, Tunísia e Turquia. National Consortium for
the Study of Terrorism and Responses to Terrorism (START). (2017). Global Terrorism Database.
Disponível em: <https://bit.ly/2SlRL0w>. Acesso em: 24/02/2019.
89
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Fifty-ninth session Report…, op. cit., p. 45. Evidencia-se,
ainda, que a Assembleia Geral da ONU adotou sua primeira resolução específica sobre o tema em 1972,
demonstrando a preocupação da comunidade internacional conquanto o tratamento da questão
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia Geral das Nações Unidas. Measures to prevent
international terrorism which endangers or takes innocent live or jeopardizes fundamental freedoms
[…], A/RES/3034, 1972. Disponível em: <https://documents-dds-
ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/270/64/IMG/NR027064.pdf>. Acesso em: 26/09/2017).
90
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 37, 153 e 178-179.
25

Durante o período tratado, verifica-se, também, que as diversas formulações de


convenções e tratados internacionais que discriminam atividades terroristas distintas91
demonstraram-se insuficientes para estabelecer um consenso sobre a definição universal
do fenômeno criminal92. Entretanto, mesmo sem a presença de uma norma que descreva
os elementos típicos que constituem essa forma de violência, o impasse sobre a sua
definição não impossibilitara o exercício do direito internacional público em fomentar a
criação de um conjunto de normas específicas para o que se consideraria como “tipos de
terrorismo” (tradução nossa)93. Esses dois pontos – definição universal e tipos de
terrorismo – serão examinados a seguir.

4 DA DEFINIÇÃO DE TERRORISMO

Tendo-se observada e examinada uma breve história sobre o terrorismo


contemporâneo, poder-se-ia presumir que uma definição universalmente aceita sobre esse
fenômeno social se faria existente. Consta-se que o termo seria evocado com tamanha
frequência pelos Estados, mídia, doutrina e organizações internacionais, que seria de se
esperar que uma definição universal sobre a matéria já teria sido formulada94. No entanto,
enganar-se-ia aquele que concluísse dessa forma95. A definição de seu conceito aparenta
permanecer em turbulência permanente, resultado do conflito de interesses dos Estados,
que prejudicam o avanço da temática, como se buscará demonstrar.
Uma primeira evidência parte da afirmação realizada pela Comissão de Direitos
Humanos, a qual considerou o problema de definição como dos temas mais controversos
do direito internacional público e da arena política96. Ainda de acordo com o mesmo
relatório, a controvérsia se mostra aparente desde 1937, quando, na antiga Sociedade das

91
Conforme o escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (ONUDC), em cinco décadas de
trabalho contínuo sobre terrorismo, formalizaram-se dezenove instrumentos universais que buscam inibir
as práticas terroristas. Ademais, conta-se com as relevantes resoluções do Conselho de Segurança da ONU.
Disponível em: <http://www.unodc.org/unodc/en/terrorism/index.html>. Acesso em: 20/09/2017.
92
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 18.
93
Idem.
94
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 37.
95
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 17. Cf.
LEVITT, Geoffrey. Is Terrorism Worth Defining? Ohio Northern University Law Review, Vol. 13, Issue
1, 1986. p. 97.
96
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, Fifty-third session on Promotion..., op. cit., p. 8.
26

Nações, a tentativa de promulgação da Convenção para a Prevenção e Punição do


Terrorismo resultou fracassada97, demonstrando a insatisfação e controvérsia presente
entre os demais Estados sobre o tema98.
A mencionada convenção, em seu artigo 1º, parágrafo 2, buscou definir atos
terroristas como aqueles atos criminais dirigidos contra um Estado e com a intenção de
provocar “um estado de terror nas pessoas, grupos de pessoas ou ao público em geral”
(tradução nossa)99. Através da leitura do texto, nota-se que, para ser considerado como
tal, o ato terrorista teria que ser dirigido a um Estado signatário100. Conforme Geoffrey
Levitt, a Convenção agrega uma lista de ofensas baseadas nas suas qualidades comuns,
resultando em uma explícita classificação desses atos como atos terroristas101. Haveria,
assim, um condicionamento para a aplicabilidade da convenção, através de uma
classificação prévia de um ato como sendo um ato terrorista, seguindo a forma dedutiva
representada pelo artigo 1º, parágrafo 2º, da Convenção102.
A carência de delimitação evidenciada e o exemplo de como as convenções podem
tratar o tema como demasiadamente político remete ao que Salo, Tangerino e D’Avila,
apontariam como uma impossibilitada delimitação do conceito legal de terror em razão
de uma manipulação político-ideológica103. Para Paulo Ferreira da Cunha, terrorismo
seria um conceito construído com fins ideológicos, realizando crítica à ineficiência da
SDN em sua função de prevenir o terrorismo104. Também em forma de crítica, Levitt
aponta que a Convenção teria sido construída por representantes oficiais de Estados e não
por um agrupamento de juristas internacionais, razão pela qual a peça teria demonstrado
concentração do tema em seu aspecto de proteção do Estado e seus agentes, deixando o
requerimento de “risco à comunidade” (tradução nossa) de lado105. Em mesmo tom, Brant

97
A Convenção foi assinada por 24 Estados, mas somente foi ratificada pela Índia. A convenção, assim,
nunca entrou em vigor (WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 27,
50 e 51).
98
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, Fifty-third session on Promotion..., op. cit., p. 8.
99
Para o conteúdo da convenção, cf. <https://www.wdl.org/en/item/11579/view/1/7/>. Cf. BRANT,
Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 212.
100
LEVITT, Geoffrey. Is Terrorism Worth Defining?, op. cit., p. 98.
101
Idem.
102
Idem.
103
TANGERINO, Davi de Paiva Costa; D’AVILA, Fabio Roberto; CARVALHO, Salo de. O direito penal
na “luta contra o terrorismo”: Delineamentos teóricos a partir da criminalização dos movimentos sociais –
o caso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Sistema Penal & Violência, Revista
Eletrônica da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Vol.
4, Nº 1, 2012. p. 15.
104
CUNHA, Paulo Ferreira da. Do terrorismo. Reflexões jurídico-políticas. Direitos fundamentais e
Justiça, n. 8, jul./set. 2009. p. 68 e 69.
105
LEVITT, Geoffrey. Is Terrorism Worth Defining?, op. cit., p. 98.
27

disserta que na convenção havia uma nítida limitação da tipificação aos atos cometidos
contra Estados106.
Ademais, partindo-se do pressuposto que a vontade soberana dos Estados figura
como um dos princípios mais importantes e basilares do direito internacional público,
tratar-se-ia de uma questão ainda mais subjetiva, uma vez que os Estados não se vinculam
de maneira automática a um tratado. Seria necessária, ainda, a vontade soberana do
Estado107 em se comprometer com os tratados internacionais que propõem uma definição
de terrorismo, isto é, o ato de assiná-los e ratificá-los.
Com poucas ressalvas a outras tentativas de definição dedutiva – conceito que será
introduzido adiante –, as convenções internacionais procedentes buscaram tratar o
terrorismo de forma indutiva, não aplicando uma formula definida aos atos criminais, mas
realizando um tratamento de maneira separada. Isto é, seriam considerados atos de
terrorismo ainda sem que se tenha presente um rol que especifique os elementos típicos
do fenômeno108. De pronto, esclarece-se que um acordo universal que traga a definição
dedutiva sobre terrorismo ao plano do direito internacional público se faz inexistente. Por
consequência, o escopo da análise resta, sobretudo, delimitado às propostas de definição
realizadas no âmbito acadêmico, seja pela matéria de direito internacional público, pelo
direito penal e pela criminologia, ou pela definição assentada no direito interno de alguns
Estados.
Iniciando-se pelo direito internacional público, observa-se duas formas pelas
quais este buscou tratar o terrorismo: (i) uma tentativa de elaboração de uma definição
“genérica, analítica e completa nela mesma” (tradução nossa)109, ou seja, uma forma de
raciocínio dedutivo, na qual aqueles atos criminais se enquadrariam em uma categoria de
atos terroristas após a verificação dos elementos do crime e; (ii) separadamente e
diretamente, mediante uma forma de raciocínio indutivo, classificar os atos criminais que,
em conjunto, “compõem uma estrutura para definir e suprimir as atividades terroristas”

106
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 212.
107
A igualdade soberana dos Estados traduz-se em um princípio geral de direito internacional público, que,
parafraseando Kelsen, caracteriza todos os Estados como iguais e os fazem livres da obrigação de estarem
legalmente vinculados a tratados aos quais não queiram fazer parte. Del tal modo e de forma geral, pois há
exceções, será necessário o consenso do Estado para que o mesmo esteja vinculado ao documento
internacional (KELSEN, Hans. The Principle of Sovereign Equality of States as a Basis for International
Organization. The Yale Law Journal, Vol. 53, Nº 2, 1944, p. 209 e 210). Cf. MAZZUOLI, Valerio de
Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 5ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2011. p. 1070.
108
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, Fifty-third session on Promotion..., op. cit., p. 8.
109
LEVITT, Geoffrey. Is Terrorism Worth Defining?, op. cit., p. 97.
28

(tradução nossa)110. Como exemplos, a primeira forma corresponde à tentativa frustrada


da SDN em tipificar os elementos do crime de terrorismo, como mencionado, e a segunda
corresponde aos trabalhos posteriores, uma vez que se passa a criar diversas convenções
para o tratamento específico de ofensas consideradas como atos de terrorismo, a modo de
prevenir a atuação terrorista, e que, juntas, formam uma estrutura de convenções dentro
do direito internacional público. Esta última forma teria sido aquela que sobreviveu ao
jogo da política, vontade e interesses dos Estados111. De tal forma, passam-se a ser
formuladas convenções específicas sobre determinados atos considerados como
terroristas112.
Após o mencionado fracasso da Convenção para a Prevenção e Punição do
Terrorismo, teriam sido constatadas, somados os campos da prática e da academia e entre
1936 a 1981, mais de 109 definições de terrorismo113. Essas definições tendem a ser muito
extensivas, englobando uma possibilidade muito ampla para a interpretação do fenômeno,
ou muito exíguas, impossibilitando qualquer margem de interpretação114.
Isso demonstraria o quão difícil seria para o direito internacional encontrar uma
definição universalmente aceita. Aduz-se que para alguns Estados possa ser problemático
definir certo grupo ou movimento como um grupo ou movimento terrorista115. Sendo
assim, observar a dificuldade que a comunidade internacional possui em chegar a um
consenso não se trata de uma tarefa muito penosa, pois o conflito entre a política dos
governos – ou seja, o real interesse dos Estados e a cautela de que suas políticas externas
se enquadrem em uma definição de terrorismo – e o direito internacional restam
evidentes, caso contrário, um consenso já se faria presente.
No direito interno, já se foi exposta uma possível seletividade na aplicação de leis
que possuem uma definição do fenômeno social. Conforme Chomsky, a definição dada
pelo exército estadunidense, realizada durante a proclamada guerra ao terror durante a

110
LEVITT, Geoffrey. Is Terrorism Worth Defining?, op. cit., p. 97.
111
Ibidem, p. 109.
112
Como, por exemplo, a Convenção referente às Infrações e a certos outros actos cometidos a bordo de
Aeronaves, datada de 1963 e assinada por Portugal e pelos Estados Unidos da América. Disponível em:
<https://treaties.un.org/doc/db/terrorism/conv1-english.pdf>. Acesso em: 21/09/2017. Para acessar outras
convenções específicas sobre atos considerados como atos terroristas, cf. <
http://www.un.org/en/counterterrorism/legal-instruments.shtml>.
113
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, Fifty-third session on Promotion..., op. cit., p. 8. Cf.
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 17 e 18
114
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, Fifty-third session on Promotion..., op. cit., p. 8.
115
BRANIFF, Bill. Defining Terrorism & Key Conceptions for this Course, Understanding Terrorism
and the Terrorist Threat. 2018, University of Maryland. Notas de aula. Disponível em:
<https://www.coursera.org/learn/understandingterror>.
29

administração Reagan, de que o fenômeno se trataria de “uma ameaça calculada ou uso


da violência para obter metas políticas, religiosas ou ideológicas, conduzidas através da
intimidação e da disseminação do medo”, tratar-se-ia de uma definição bruta, mas uma
boa definição116. Apesar de não definir todas as questões postas pelo fenômeno – dentre
elas, as diferenciações entre terrorismo internacional e a agressão e entre o terror e
resistência –, essa definição seria boa o suficiente para “propósitos práticos” (tradução
nossa)117. No entanto, a crítica seria direcionada à aplicabilidade seletiva da definição,
supondo-se que as medidas de combate ao terrorismo, lideradas pela política de política
externa adotadas pelos Estados Unidos da América, teriam por similaridade os elementos
encontrados na definição de terrorismo anteriormente mencionada118.
Apesar da ressalva crítica, também se deve analisar se uma definição dedutiva,
que abranja, defina e delimite especificamente os elementos do tipo criminal e
caracterizadores dos atos terroristas se faz realmente necessária. Defende-se que, como
as formas de terrorismo e suas motivações, sejam elas políticas, religiosas ou ideológicas,
sofreram grandes mutações no decurso dos milênios, seria impossível de chegar-se em
uma definição que atenda todas as variedades de terrorismo que se revelaram durante a
história119. Aborda-se, ainda em mesmo sentido, que o termo seria “impreciso, ambíguo
e, acima de tudo, não serviria uma finalidade legal” (tradução nossa)120. Em Arús Bueno
apud João Lopes, o problema de definição seria dirigido para as características variadas
de definição do bem jurídico a ser protegido e à modalidade da ação praticada pelo delito,
uma vez que essas duas características seriam de difícil observação quando se tratado o
terrorismo121. Defende-se, ainda, a imputação da pena pela via de “concurso de normas
ou de delitos”, visto que o terrorismo englobaria vários tipos penais já conhecidos, como
a ameaça, homicídio e outros122.
Em visão contrária a esta última, aponta-se que a falta de vontade advinda do jogo
político em se estabelecer uma definição, e a partir de então a criminalização internacional
do terrorismo, nada mais do que prejudicaria a luta contra o terror que os próprios Estados

116
CHOMSKY, Noam. Mídia, terrorismo e (des)informação. Revista Famecos, n. 22., 2003. p. 118 e 119.
117
CHOMSKY, Noam. Moral Truisms, Empirical Evidence, and Foreign Policy, op. cit., p. 606.
118
Ibidem, p. 610.
119
LAQUEUR, Walter. A History of Terrorism…, op. cit., p. 7.
120
BAXTER, Richard R. A Skeptical Look at the Concept of Terrorism. Akron Law Review, Vol. 7, Issue
3, 1974, p. 380. Cf. WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law, op. cit., p. 38.
121
BUENO, Arús apud LOPES, João Felipe Menezes. Terrorismo internacional: financiamento..., op.
cit., p. 24.
122
Idem.
30

sustentam combater. Objetiva-se tratar o motivo pelo qual essa tarefa deve ser
considerada como importantíssima: o terrorismo internacional enfraqueceria os direitos
humanos fundamentais, prejudicaria as relações entre os Estados e ameaçaria a paz e a
segurança internacionais123. Além disso, sustenta-se que quanto maior a confusão em
torno de um conceito, mais suscetível ele estará para ser utilizado por oportunistas124.

4.1 DO TERRORISMO NA DOUTRINA, A TENTATIVA DE UMA DEFINIÇÃO


DEDUTIVA

As características delineadas em torno do fenômeno terrorismo – desde o


apontamento da sua relação simbiótica com a mídia e propaganda, da averiguação da sua
relação histórica com a política e que envolve questões morais, carregadas de conotações
pejorativas e seria utilizado de maneira oportuna e displicente para deslegitimar inimigos
políticos –, demonstram quão árdua seria a jornada do convencimento que pacifique uma
definição dedutiva. No entanto, poder-se-ia afirmar que um fenômeno social
caracterizado como ameaça à paz e segurança internacionais deveria possuir, ao menos,
uma definição125. Em decorrência, também, da já estabelecida capacidade de mutação das
formas de terrorismo, as quais acompanham motivações distintas, muitas das vezes
chamadas de “eras de terror”, e acompanham o desenvolvimento tecnológico, focar-se-á
na inquirição do fenômeno em seu aspecto contemporâneo e na apreciação de elementos
dedutivos, que comporiam elementos caracterizadores do delito.
Isso posto, primeiramente nota-se uma certa tendência da doutrina em separar o
fenômeno terrorismo de outros demais fenômenos sociais126 – ou seja, busca-se trazer à
tona quais são as características específicas que tornam esse fenômeno social diferente de
outro. Diferentemente da crítica realizada em momento anterior, de que para o terrorismo
bastaria uma concorrência da aplicação de delitos distintos já tipificados, Monty Marshall
propõe o caminho da distinção desses fenômenos sociais127. Por ser considerado uma

123
SAUL, Ben. Defining Terrorism in International Law, op. cit., p. 7.
124
Ibidem, p. 3.
125
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 38.
126
MARSHALL, Monty G. Global Terrorism, op. cit., p. 62.
127
Idem.
31

forma de violência128, a doutrina o inclui dentro da esfera criminal do direito, sendo assim
um fenômeno social criminal. Em mesmo sentido, João Lopes sustenta que a comparação
do fenômeno com outras manifestações violentas pode servir de auxílio para identificação
do delito129. A busca de definição, assim, passa a ser realizada a partir de uma
diferenciação e isolamento desta forma de violência em relação às demais.
Não obstante, antes de se realizar o mencionado isolamento, a conduta típica
deverá ser observada como uma ilegalidade que constitui crime sob a óptica penal,
suscetível a uma sentença que busca penalizar a conduta.
Comumente a ser o utilizado como fenômeno social por parte da academia para
isolar o terrorismo dos demais fenômenos – e acredita-se que assim o seja em razão dos
interesses políticos que cercam a problemática, os quais invocam as questões morais do
observador e os grupos de libertação armados130 – seria o direito garantido aos indivíduos
em se rebelar contra um regime político instaurado. Segundo Antonio Cassese,
“terroristas” e “rebeldes” dividem características similares, como o uso da violência para
demonstrar sua insatisfação política131. Pondera, todavia, que somente a limitadas
categorias de insurgência, como as guerras de independência (ou de libertação nacional),
o direito internacional humanitário garante o adequado direito à rebelião – dentre os
exemplos, o direito internacional assegura o direito de autodeterminação àqueles que
lutam contra a opressão colonial, contra regimes racistas e a ocupação estrangeira132.
Ainda segundo Antonio Cassese, trata-se legítima a rebelião contra Estados que reprimem
direitos humanos básicos e quando não existam meios democráticos e pacíficos
disponíveis para garantir o respeito aos direitos humanos133. A insatisfação direcionada
ao regime político instaurado, manifestada na forma de rebelião, seria exclusiva ao
próprio regime político mencionado, e não teria como alvo, pelo menos de forma
indiscriminada, a própria sociedade civil134.
Monty Marshal, quando faz referência à população civil, restringe o campo das
possíveis vítimas utilizando um vocábulo mais direto e exclusivo, indicando que somente

128
MARSHALL, Monty G. Global Terrorism, op. cit., p. 62.
129
LOPES, João Felipe Menezes. Terrorismo internacional: financiamento..., op. cit., p. 27.
130
Ver página 14.
131
CASSESE, Antonio. The Human Dimension of International Law: Selected Papers of Antonio
Cassese. Oxford: Oxford University Press, 2008. p. 432.
132
Ibidem, p. 432 e 433.
133
CASSESE, Antonio. The Human Dimension of International Law…, op. cit., p. 433.
134
Fonte: <https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf>. Acesso em:
22/02/2019. CASSESE, Antonio. The Human Dimension of International Law…, op. cit., p. 433.
32

a população civil não combatente seria passível de ataques terroristas, ou seja, crê-se que
o autor objetiva separar dois fenômenos classificados como distintos: o terrorismo e o
direito de rebelião135.
O direito de rebelião seria proposto, ainda pela própria Declaração Universal dos
Direitos Humanos, ao direcionar-se à responsabilidade dos Estados em respeitar os
direitos humanos para que “o homem não seja compelido, em supremo recurso, à revolta
contra a tirania e opressão”136. Essa distinção entre os que se utilizam da rebelião e dos
que se utilizam do terrorismo encontra abrigo, também, no direito humanitário, mais
precisamente no 1º Protocolo de Genebra, datado de 1977, em seu artigo 51137, quando
define que os ataques e ameaças à população civil detêm o objetivo de espalhar o terror e
seriam estritamente proibidos. De tal maneira, um grupo de libertação nacional não seria
legitimado ao seu direito de rebelião caso utilize de táticas que espalham o terror.
Necessário, assim, estabelecer com clareza a diferença entre esses dois fenômenos
distintos trazida pelo direito internacional138.
Segundo João Lopes,

É nesse ponto que se identifica o segundo traço distintivo da ação terrorista: a


repercussão objetiva do ato, caracterizada pela exposição, a qualquer preço,
das possíveis vulnerabilidades do sistema político-jurídico contestado.
Significa dizer que o direito de resistência tem seu alvo mais bem calibrado,
com limitações quanto aos sujeitos atingidos por suas condutas, gerando
menores efeitos colaterais; as violações de direitos humanos de indivíduos não
envolvidos no embate revolucionário podem até ocorrer, mas não são o móvel
da ação dos grupos de resistência. O ato terrorista, por seu turno, porque
direcionado à disseminação do terror social, não só produz violações a direitos
humanos de maneira indiscriminada, mas o faz de modo deliberado, volitivo,
calculado. É por essa razão que se sustenta que a repercussão objetiva do ato
terrorista é obtida a qualquer preço, sem qualquer tipo de sopesamento que leve
em conta a proporcionalidade entre os meios empregados e os objetivos
(políticos, sociais ou religiosos) almejados139.

De tal modo, sendo distanciado do fenômeno de rebelião em razão do uso


indiscriminado da violência, também há de se traçar a linha entre o terrorismo e protestos

135
MARSHALL, Monty G. Global Terrorism, cit., p. 62. Walter Laqueur assinala que até mesmo a guerra
civil segue um conjunto de regras, quando as características do terrorismo são o “anonimato e violação de
regras estabelecidas” (LAQUEUR, Walter. A History of Terrorism…, op. cit., p. 1).
136
CASSESE, Antonio. The Human Dimension of International Law…, op. cit., p. 433 e 434. LOPES,
João Felipe Menezes. Terrorismo internacional: financiamento..., op. cit., p 27.
137
Para o conteúdo da convenção, cf. <https://ihl-databases.icrc.org/ihl/INTRO/470>.
138
O debate em torno dos movimentos de libertação ainda é considerado nebuloso e passível de diversas
interpretações em razão de entendimento variados expostos pelas delegações de diversos Estados. Cf.
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 21-23.
139
LOPES, João Felipe Menezes. Terrorismo internacional: financiamento..., op. cit., p. 28.
33

que demonstram grau de insatisfação com políticas governamentais e aqueles atos que
possuem como motivação mostrar para o mundo a sua insatisfação e, ao mesmo tempo,
ocasionam na ameaça direta à vida de integrantes da sociedade civil não combatente140.
Os movimentos sociais que demonstram sua insatisfação em formas de protestos, que às
vezes escapam os limites da pacificidade, em sua análise como simples movimentos
sociais, e não terroristas, não devem ser confundidos com o terrorismo141.
Outras distinções breves são realizadas entre o terrorismo e outros fenômenos
distintos, a saber: (i) o crime organizado; (ii) a guerrilha; (iii) e a guerra. Com exceção
desta última, as distinções jazeriam nos seus respectivos objetivos. Brevemente, ao crime
organizado se teria como objetivo o cometimento de um ou mais delitos, por grupo
estruturado por três ou mais pessoas, para a obtenção de benefícios financeiros ou outro
benefício material142. À guerrilha, atribuir-se-ia o objetivo de controle de determinados
espaços geográficos143. Por fim, a guerra seria tratada de maneira distinta, com
apontamentos à relação ao modus operandi dessas atividades. Sustenta-se que a guerra,
ao contrário do terrorismo, teria regras convencionais de procedimento, com seu alvo
exposto explicitamente, ao contrário do terrorismo, que não possuiria regulação e teria
como fator a sua natureza imprevisível144.
Isolada, a conduta ou ato seria considerada como uma forma específica de
atividade política ou uma forma de violência política145 e que possui como alvo o
assassinato de figuras políticas ou a população civil146, de forma indiscriminada. A

140
BRANIFF, Bill. Defining Terrorism..., op. cit.
141
Como exemplo, apresenta-se o caso brasileiro de uma tentativa de equiparação dos movimentos sociais
ao terrorismo. Em 2019, a Câmara dos Deputados, quando da aprovação de projeto lei 10.431/2018, sobre
a incorporação das resoluções do Conselho de Segurança da ONU que versam sobre as sanções de
indivíduos financiadores de atividades terroristas ao ordenamento interno, detinha em seu texto original a
criminalização de movimentos sociais, constituindo uma afronta a direitos fundamentais já consolidados
pela Constituição Federal de 1988. A aprovação da peça legislativa na Câmara dos Deputados, mas ainda
pendente de sua aprovação no Senado Federal, foi realizada somente após a mudança do conteúdo que
visava a criminalização dos movimentos sociais. A mera proposta, no entanto, deve ser observada como
cautela para que não se cometam abusos em virtude de uma alegada ameaça terrorista. Fonte:
<https://bit.ly/2TfUTzg>. Acesso em: 22/02/2019.
142
BARTOLOMÉ, Mariano César. Las Fuerzas Armadas sudamericanas y las perspectivas de cooperación
em la lucha contra el terrorismo y el crime organizado. Estudios Internacionales, Vol. 43, n. 164, 2009.
p. 10. Cf. United Nations Convention Against Transitional Organized Crime and the Protocols Thereto,
disponível em: <https://bit.ly/1vHv97q>. Acesso em: 22/02/2019.
143
LOPES, João Felipe Menezes. Terrorismo internacional: financiamento..., op. cit., p. 29.
144
Idem.
145
PRIMAKOV, Yevgeny M. A World Challenged…, op. cit., p. 2 e 3. Cf. MARSHALL, Monty G.
Global Terrorism, op. cit., p. 62.
146
Idem. Como se verá quando analisadas as convenções internacionais que tratam da matéria, o patrimônio
público pode, também, ser considerado no rol dos possíveis alvos, não sendo observado por alguns como
uma forma de violência exercida exclusivamente contra outras pessoas.
34

conduta criminosa em lesar figuras políticas ou a população civil trata-se, assim, de um


meio de declaração de insatisfação que busca determinado fim político através da
instauração de um clima de terror.
Essa forma de violência política ainda possui outra característica elementar, qual
seja, a de configurar um meio para o que se entende como um propósito último147. Em
mesmo sentido, Helen Duffy apresenta que o terrorismo encontra motivação ou
significado que envolve “duas ou mais camadas subjetivas”, sendo os atos raramente
representados como o fim deles mesmos, mas, ao contrário, teriam por motivação um
outro objetivo-fim ideológico148. Aduz-se que além dos efeitos imediatos e da vontade
em se praticar o crime, haveria a vontade de se produzir um efeito-fim, como estabelecer
um estado de terror e medo ou constranger um determinado governo a tomar medidas em
direção a um objetivo outro149. Essa violência sistemática seria considerada como uma
forma de violência ou atividade política, uma vez que seu objetivo final seria coagir uma
mudança política em determinada sociedade150.
Aponta-se, entretanto, que certa divergência é verificada em relação ao agente
praticante do delito. Conforme Myra Williamson, algumas organizações internacionais,
governos, instituições privadas e acadêmicos configuram a atividade terrorista como
exclusiva de atores não estatais151. Por outro lado, também se sustenta que o próprio
Estado pode incorrer na prática do terrorismo e poderia figurar como um possível ator
dessa forma de violência152.
Sendo o terrorismo uma forma de violência política, acredita-se que os meios para
o cometimento das atividades terroristas seriam vastos, inserindo-se, aqui, o próprio
governo de um Estado como um meio, através de uma política que se enquadre nesse
fenômeno social – evidentemente, por não haver consenso sobre os elementos desse
fenômeno criminal, a divergência persiste. Constata-se que a Assembleia Geral da ONU,
em sua Declaration on Measures to Eliminate International Terrorism, de 1994, reavivou
as discussões sobre terrorismo de Estado quando fez-se da utilização do vocábulo “quem
quer que seja”153 para determinar os possíveis atores da prática, uma vez que trouxe uma

147
SAUL, Ben. Defining Terrorism in International Law, op. cit., p. 38.
148
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 32.
149
Idem.
150
BRANIFF, Bill. Defining Terrorism..., op. cit.
151
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 39.
152
CASSESE, Antonio. The Human Dimension of International Law…, op. cit., p. 434 e 435.
153
Artigo I, (1), cf. <http://www.un.org/documents/ga/res/49/a49r060.htm>.
35

grande margem de interpretação sobre quem poderia ser considerado como um legítimo
ator de práticas terroristas. Ao mesmo tempo, a afirmativa tornou evidente o conflito
presente em outras convenções de direito internacional que já excluíam as atividades
militares do escopo de aplicação dessas convenções, quando estas atividades fossem
decorrentes dos deveres oficiais das instituições militares154.
Aponta-se e salienta-se, contudo, que uma das características assentadas como
essenciais no modus operandi dos atos terroristas seria a assimetria de poder ou a relação
de autoridade entre o autor e a vítima – faz-se necessária, assim, a imposição de uma
violência desmedida sobre o alvo155. Quando, exercendo uma posição hierárquica que
garanta poder, imagina-se que um agente estatal pode tomar vantagem de seu posto para
o cometimento de atos que objetivem um fim político, através de uma estratégia de
difusão do medo e terror entre a população civil não combatente. A convenção de Genebra
e seus protocolos adicionais também proíbem o Estado e suas atividades militares de
utilizarem a ameaça ou o efetivo uso da força para intimidar a população civil através da
disseminação do terror, da mesma maneira que condenam os movimentos libertários156.
Bill Braniff aponta que, pelo fato do terrorismo se tratar de um tipo de tática, ele pode ser
utilizado por diferentes organizações e entidades, dentre elas os Estados e uma
organização criminal157.
Na arena internacional158, pode-se apontar como evidentes alguns eventos
históricos que demonstram a possibilidade de um Estado em praticar o financiamento de
grupos terroristas para alcançar determinados objetivos políticos, como o caso do
financiamento realizado pelos Estados Unidos, China e Arábia Saudita ao grupo afegão
Mujahidin para o combate contra a União Soviética durante a Guerra Afegã-soviética,
ocorrida durante a década de 80159. Em período posterior, a organização que lutava contra
os Soviéticos e seria financiada por esses países se transforma na fagulha que
desencadearia a origem de organizações como a Al-Qaeda, o Talibã e o Movimento

154
WALTER, Christian. Terrorism. Max Planck Encyclopedia of Public International Law [MPEPIL].
2001. p. 4.
155
MARSHALL, Monty G. Global Terrorism, op. cit., p. 62.
156
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, Fifty-third session on Promotion..., op. cit., p. 14.
157
BRANIFF, Bill. Defining Terrorism..., op. cit.
158
Na arena interna, um dos exemplos notórios foi a da utilização do terror como violência intencional e
sistemática para a repressão e controle social exercidos pelo Estado Francês durante a revolução francesa
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, Fifty-third session on Promotion..., op. cit., p. 11).
159
BRANIFF, Bill. Defining Terrorism..., op. cit.
36

Islâmico do Turquestão do Leste, e estas passam a articular ataques contra os seus


próprios financiadores160.
As bases de dados que coletam informações sobre ataques terroristas também
podem utilizar de diferentes definições de acordo com a metodologia aplicada para a
realização da pesquisa. A base de dados Global Terrorism Database, responsável por
coletar informação sobre ataques terroristas ocorridos em todo o globo161, para a
realização de sua pesquisa, considera como terrorismo todo ato praticado por agentes não
estatais – apesar de considerar o financiamento estatal do terrorismo em seu catálogo –,
que seja intencional e que envolva a ameaça ou real utilização do uso ilegal da força para
alcançar um objetivo político, econômico, religioso ou social através do medo, coerção
ou intimidação. Ainda segundo o grupo de pesquisa, seria o uso da violência visando
influenciar a organização da sociedade, seja em vias políticas, econômicas, religiosas ou
sociais162. Por fim, os eventos analisados quando percorrida a breve história do terrorismo
contemporâneo abordam como o terrorismo teria sido utilizado como forma de controle
social pelo Estado163.
Na doutrina acadêmica verificada, embora apresente, de forma minoritária,
divergências que indagam sobre uma real necessidade de uma definição, alguns
elementos adquirem certo destaque para tentativa de uma definição dedutiva. Por
exclusão, e admitindo-se de pronto que se trata de uma forma de violência, a academia
separa o terrorismo de outros fenômenos sociais para apontar as suas peculiaridades.
Dentre elas, um enfoque maior se é garantido à característica indiscriminada de violência
para fazer com que o terror se propague. Essa violência não seria considerada, também,
o fim em si mesmo, mas o caminho para um objetivo-fim, comumente tido por uma
mudança social, por motivos políticos, sociais, religiosos ou ideológicos. A propagação
do terror pode possuir escalas nacionais, regionais e globais. A subjetividade dos atores
que podem praticar esse tipo de fenômeno aparenta permanecer em aberto, podendo ser
exercido por agentes estatais e não-estatais. Em seu modus operandi, ficaria exposto,
através de uma violência desmedida sobre o alvo, a vontade de demonstração da

160
BRANIFF, Bill. Defining Terrorism..., op. cit.
161
National Consortium for the Study of Terrorism and Responses to Terrorism (START). (2017). Global
Terrorism Database. Disponível em: <http://www.start.umd.edu/gtd/about/>. Acesso em: 05/10/2017.
162
BRANIFF, Bill. Defining Terrorism..., op. cit.
163
Ver página 19 e 20.
37

assimetria de poder ou a relação de autoridade entre o autor e a vítima. Por fim, o ato deve
causar a proliferação de um certo medo ou terror em escala nacional, regional ou global.
Porém, como já mencionado exaustivamente, as várias tentativas da comunidade
internacional de Estados, através do amparo normativo do direito internacional público,
em chegar a um consenso sobre uma definição dedutiva sobre a temática restaram
frustradas e a solução encontrada fora a utilização de uma definição indutiva164.

4.2 DO TRATAMENTO DO TERRORISMO POR INSTRUMENTOS DE DIREITO


INTERNACIONAL PÚBLICO A PARTIR DE 1937

Notadamente, a convenção que representaria o início de uma jornada de fracassos


do direito internacional público contemporâneo em estabelecer uma fórmula dedutiva e
universal seria a Convenção para a Prevenção e Punição do Terrorismo165, de 1937. Em
crítica realizada em momento anterior166, assinalou-se que seu conteúdo seria
demasiadamente limitado por uma ênfase na proteção de pessoas públicas e edifícios
públicos, como os atos de terrorismo somente seriam considerados como tal se somente
fossem direcionados contra um Estado signatário da Convenção e se classificados como
determinado por uma formula dedutiva trazida pelo artigo 1º, parágrafo 2º.
Em seu artigo 2º, vê-se obrigações dirigidas aos Estados signatários, para tipificar
como ofensas criminas em seu território aqueles os atos que se encaixariam na definição
dedutiva trazida. Dentre os atos elencados, destacam-se:

“[…]. (1) Qualquer ato intencional que cause a morte ou grave lesão corporal
ou perda de liberdade contra: (a) Chefes de Estado, pessoas exercendo
prerrogativas de chefe de Estado, seus herdeiros ou seus designados
sucessores; (b) As esposas ou maridos das pessoas mencionadas acima; (c)
Pessoas instituídas de função pública ou que ocupem funções públicas quando
o ato se dirige a estes em sua capacidade pública. (2) Destruição intencional
ou dano causado a propriedade pública ou destinadas para o uso público que
pertença ou se submeta a outro Estado-membro desta convenção. (3) O ato

164
Cf. LEVITT, Geoffrey. Is Terrorism Worth Defining?, op. cit., p. 97 e 109.
165
Datada de 1937, a convenção foi resultado de uma série de conferências realizadas no período pós-
Primeira Guerra Mundial, entre 1920 e 1935, conhecidas pelas Conferência Internacional de Unificação do
Direito Penal. Cf. LEVITT, Geoffrey. Is Terrorism Worth Defining?, op. cit, p. 97 e 98.
166
Ver página 26 e 27.
38

intencional susceptível de colocar em perigo as vidas humanas, através da


criação de um perigo comum” (tradução nossa)167.

Em paralelo realizado com a início da história do terrorismo contemporâneo, à


vista de que os alvos eram, corriqueiramente, os chefes de Estado e a propriedade pública
que incorporava um senso físico de existência estatal, nota-se que a convenção buscou
regulamentar de forma a dar um maior foco aos membros da função pública, estendendo-
se a proteção aos seus cônjuges, e às propriedades públicas consideradas fundamentais
para o funcionamento do governo. Observa-se a presença, porém tímida, da obrigação em
tipificar atos intencionais que ameacem a vida da população civil. Outras obrigações
dirigidas aos Estados signatários, como o método com o qual o Estado deveria trazer o
perpetrador à justiça e a proibição do uso da força, utilizando-se dos métodos pacíficos
de resolução de controvérsias disponíveis, até mesmo com a possibilidade de fazer o uso
do Conselho da Sociedade das Nações para tanto, também se encontram presentes168.
Face a impossibilidade de concordância entre os Estados, resultado observado através do
fracasso da Convenção, que não entrou em vigor169, aparenta direcionar o direito
internacional público a um caminho indutivo.
Porém, ainda se expõe que outras tentativas de uma definição dedutiva ocorreram
em 1972, 1994, 1996, 1999170. Em 1972, forma-se o primeiro Ad Hoc Committee on
Terrorism, designado a estudar o fenômeno e buscar uma definição universalmente aceita
– surge, aqui, o primeiro Draft Comprehensive Convention –, porém, o comitê não
alcançou o objetivo para o qual fora pressuposto, sustentando-se que o trabalho do comitê,
ao contrário, teria servido para apontar problemas que circulavam a impossibilidade de
definição, como, por exemplo, os confrontos promovidos por grupos de libertação
nacional171. Sustenta-se que a fagulha que gera parte desse problema advém da tentativa

167
Fonte: <https://www.wdl.org/en/item/11579/view/1/7/>.
168
Cf. WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 27.
169
Ver nota 96.
170
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 19. Para
mais informações sobre as conveções e projetos, Cf: Resolutions adopted on the reports of the Sixth
Committee, 1972, <https://documents-dds-
ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/270/64/IMG/NR027064.pdf?OpenElement>; Declaration on
Measures to Eliminate International Terrorism, 1994,
<http://www.un.org/documents/ga/res/49/a49r060.htm>; Measures to Eliminate International Terrorism,
1996, <http://legal.un.org/docs/?symbol=A/RES/51/210>; International Convention for the Suppression of
the Financing of Terrorism, 1999, <https://treaties.un.org/doc/db/Terrorism/english-18-11.pdf>.
171
Cf. LEVITT, Geoffrey. Is Terrorism Worth Defining?, op. cit, p. 99 e 100. Cf. DUFFY, Helen. T The
‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 19. Cf. HIGGINS, Rosalyn. The
general international law of terrorism. In: HIGGINS, Rosalyn; FLORY, Maurice (Eds.). Terrorism and
International Law. London: Routledge, 1997. p. 15 e 16.
39

dos Estados Unidos da América, ao propor ao Sexto Comitê da Assembleia Geral, o Draft
Convention for the Prevention and Punishment of Certain Acts of International
Terrorism. Menciona-se que o texto do projeto gerou controvérsias pelos seguintes
motivos: (a) a palavra terrorismo sequer aparecia no texto do projeto, sendo substituída
por “ofensas de significância internacional”; (b) excluía as forças militares do estado
como um possível agente da prática do terrorismo, o que fora considerado como uma
afronta para os Estados que lutavam contra o colonialismo e contra a dominação
estrangeira – a permissão do uso da violência seria interpretada de maneira distinta pela
ideologia ocidental e pelos Estados em desenvolvimento, sobretudo em relação a questão
dos movimentos de libertação172. Argumenta-se que, após o impasse apresentado, o
comitê ficara impossibilitado de confeccionar uma definição dedutiva sobre o fenômeno,
o qual passa a ser tratado, novamente, em sua forma indutiva ao elaborar convenções
sobre os atos de terrorismo, sem que o próprio termo terrorismo seja abarcado173. Como
exemplo, entre as décadas de 60 e 80, tomaram forma algumas convenções nesse sentido.
Dentre elas, convenções sobre atos praticados ao bordo de aeronaves174, sobre a tomada
ilícita de aeronaves175, sobre crimes cometidos contra pessoas internacionalmente
protegidas176, sobre a tomada de reféns177, dentre outras178.
Em meados da década de 90, outro comitê fora estabelecido pela Assembleia
Geral da ONU – o Ad Hoc Committee on International Terrorism. Seu propósito circulava
em torno da produção de diversos instrumentos internacionais para o combate ao

172
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 55.
173
Idem. Cf. HIGGINS, Rosalyn. The general international law of terrorism, op. cit., p. 15.
174
Convention on offences and certain other acts committed on board aircraft, 1936. Para o conteúdo da
convenção, cf. <https://treaties.un.org/doc/db/terrorism/conv1-english.pdf>.
175
Considerado pacificamente pela academia, considera que a convenção trata como ato terrorista a
atividade ilícita realizada por pessoa a bordo de aeronave, objetivando, pela força ou ameaça dela, tomar
controle da referida aeronave. Nota-se, todavia, que a convenção não menciona a palavra terrorismo em
seu texto. Convention for the Suppression of Unlawful Seizure of Aircraft, 1970. Para o conteúdo da
convenção, cf. <https://treaties.un.org/doc/db/Terrorism/Conv2-english.pdf>.
176
Dentre outras previsões, considera como ato terrorista a atividade ilícita que objetiva o assassinato,
sequestro, ou ataque realizado contra agentes do alto escalão do Estado. Convention on the prevention and
punishment of crimes against internationally protected persons, including diplomatic agents. Para o
conteúdo da convenção, cf. <https://treaties.un.org/doc/db/Terrorism/english-18-7.pdf>.
177
Dentre outras previsões, considera como ato terrorista a atividade ilícita que objetiva prender, deter ou
ameaçar matar, ferir ou continuar a deter outra pessoa com a finalidade de obrigar um agente terceiro a
realizar determinado ato ilícito com a condição de libertação de refém. Nota-se, em seu preâmbulo, reforço
sobre o comprometimento da cooperação entre os Estados para o combate do terrorismo internacional. Para
o conteúdo da convenção, cf. <https://treaties.un.org/doc/db/terrorism/english-18-5.pdf>.
178
Cf. WALTER, Christian. Terrorism..., op. cit., p. 3. Cf. DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the
Framework of International Law, op. cit., p. 24. Cf. SOARES, Denise de Souza; DOLINGER, Jacob.
Direito Internacional Penal – tradados e convenções. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 657-733.
40

terrorismo, mas, em particular, seria encarregado com a continuação de tentativa de


formular um novo Draft Comprehensive Convention on International Terrorism179.
Fora somente em 1999, como um efeito colateral positivo dos estudos e projetos
previamente realizados para a tentativa de definição180, que uma convenção internacional
voltou a redigir uma formula dedutiva para definir o terrorismo – pondera-se, no entanto,
que se trataria de uma concepção dedutiva genérica181. A Convention for the Suppression
of Financing Terrorism, a qual fora adotada pela Assembleia da ONU em 1999182 e
permanece vigente, divide-se, pode-se dizer, de forma híbrida.
Primeiramente, introduz e aponta, em seu artigo 2, (1), (a), que comete uma ofensa
segundo a convenção o agente que, por qualquer forma, de maneira direta ou indireta,
ilegalmente e voluntariamente, fornece ou recolhe fundos para financiar os atos terroristas
já prescritos em convenções formuladas a partir da década de 70183. Dessa forma, introduz
uma nova conduta que, quando vinculada a um ato terrorista já previamente disciplinado
dentre aqueles instrumentos internacionais dispostos, será considerada uma ofensa
criminal.
Após, em seu artigo 2 (1) (b), traz a mencionada definição genérica sobre
terrorismo, tratando-o como “Qualquer outro acto destinado a causar morte ou ferimentos
corporais graves num civil ou em qualquer pessoa que não participe directamente nas
hostilidades numa situação de conflito armado, sempre que o objetivo desse acto, devido
à sua natureza ou contexto, vise intimidar uma população ou obrigar um governo ou uma
organização internacional a praticar ou a abster-se de praticar qualquer acto”184. Como se
deduz, classifica como terrorismo qualquer outro ato suficientemente grave que cause a
morte ou lesão a civis que não façam parte de conflito armado, com um objetivo-fim de
causar pânico ou compelir um agente terceiro, nomeadamente Estado ou organização
internacional. a agir ou não agir sobre determinado assunto político. A definição, em
relação ao que já fora visto anteriormente, não aparenta destoar de uma maneira
substancial daquelas outras tentativas de definições vistas anteriormente.
Pondera-se que, mesmo que ainda vinculada a um ato específico – financiamento
–, disciplina de forma ampla que quaisquer outros atos que acarretem os elementos

179
WALTER, Christian. Terrorism..., op. cit., p. 3.
180
Cf. DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 20.
181
Idem.
182
Para o conteúdo da convenção, cf. <https://treaties.un.org/doc/db/Terrorism/english-18-11.pdf>.
183
Conforme anexo I em Idem.
184
Fonte: <https://bit.ly/2VgisVY>.
41

previstos serão considerados como atos terroristas. Deduz-se, além disso, que a
convenção passa a formular mais um ato terrorista – que seria o simples financiamento,
uma forma de cumplicidade e incentivo aos atos terroristas –, mas será considerado como
tal somente quando direcionado ao cometimento de algum dos atos previstos no artigo 2.
No entanto, ressalvas importantes são manifestas. Christian Walter aponta que a
convenção de 1999 trata a definição de maneira abstrata185 e considera como terrorista
aqueles atos que produzem “violência física direcionada contra pessoas”, ignorando uma
certa tendência anterior que buscava, também, considerar os patrimônios públicos186. Faz
ressalva, contudo, que este parece ser um incidente particular e isolado, visto que todos
os outros estudos posteriores sobre o tema continuam a considerar o dano ao
patrimônio187. Myra Williamson, de forma cautelosa, aduz que o disposto na alínea (b)
contém o que poderia ser interpretado como uma definição de um ato terrorista – não
garantindo, assim, que esta seja realmente uma interpretação de uma definição dedutiva
–, incluindo a possibilidade dos atos serem cometidos por agentes não estatais e
enfatizando importância à vontade do agente em causar a morte ou danos corporais, ou
seja, não sendo o dano ao patrimônio suficiente188.
Além de marcar a retomada da tentativa de definição dedutiva, a convenção
também representa a última a tentar formalizá-la189, ou seja, já passados 18 anos da
adoção do texto pela Assembleia Geral da ONU, outra tentativa não fora realizada. Pode-
se atribuir o problema para a turbulência e oscilação causadas no cenário internacional
pelos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, os quais enrijeceram as tensões
políticas nesse âmbito.
Evidenciado o fracasso de uma forma dedutiva, passa-se à análise especifica das
formas indutivas de tratamento do fenômeno. Seriam, assim, os atos já prescritos em
instrumentos internacionais. Conforme Helen Duffy,

These conventions do not attempt to define terrorism, but address specific


conduct that may fall within the purview of what is commonly referred as
terrorist activity, and set forth a framework of obligations on states parties,
including measures to prevent such crimes and to cooperate in the persecution
thereof. Commonly they oblige States to either extradite or submit for
prosecutions persons suspected of the offences covered, subject to limit
exceptions, and to cooperate in, for example, intelligence and evidence

185
WALTER, Christian. Terrorism..., op. cit., p. 3.
186
Idem.
187
Idem.
188
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 58.
189
Ibidem, p. 63-65.
42

gathering. Unlike certain other international treaties, they do not themselves


purport to criminalise conduct, but to impose obligations on states to do so in
domestic law190.

O tratamento realizar-se-ia, assim, através da observância dos atos considerados


comuns à atividade terrorista. Como exemplo, nota-se uma crescente preocupação dos
Estados em tipificar a atividade de sequestro de aviões, em razão do seu cometimento em
larga em escala a partir de 1961191. De início, três convenções internacionais foram
formalizadas para combater esse ato específico. Nomeadamente, a Convention on
Offences and Certain Other Acts Comitted On Board Aircraft192, de 1963, a Convention
for the Suppression of Unlawful Seizure of Aircraft193, de 1970, e a Convention for the
Suppression of Unlawful Acts against the Safety of Civil Aviation194, de 1971. De pronto,
cabe ressaltar que o vocábulo terrorismo não se faz visível em nenhuma das convenções.
O objetivo destas seria fazer com que os Estados contratantes considerem como ofensas
criminais e passíveis de punição os atos lá elencados – notadamente, atos que possam ou
causem uma possível ameaça à segurança da aeronave e às pessoas, como o sequestro de
aeronave pelo uso, ameaça do uso da força ou qualquer outra forma de intimidação195. As
convenções, assim, não tratariam a definição de um conceito de terrorismo, mas
preocupam-se exclusivamente em tornar as condutas ou atos elencados como passíveis
de sanções penais no sistema jurídico interno dos Estados contratantes.
Nos mesmos moldes das convenções anteriores, a Convention on the Prevention
and Punishment of Crimes Against Internationally Protected Persons196, de 1973, a
International Covnention Against the Taking of Hostages197, de 1979, a Convention on
the Making of Plastic Explosives for the Purpose of Detection198, de 1991, a International
Convention for the Suppression of Acts of Nuclear Terrorism199, de 2005, dentre outras,
disciplinam obrigações positivas e negativas aos Estados contratantes, os quais devem
tipificar as condutas como ofensas criminais em seus respectivos ordenamentos jurídicos

190
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 23 e 24.
191
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law, op. cit., p. 51.
192
Para o conteúdo da convenção, cf. <https://treaties.un.org/doc/db/Terrorism/Conv1-english.pdf>.
193
Para o conteúdo da convenção, cf. <https://treaties.un.org/doc/db/Terrorism/Conv2-english.pdf>.
194
Para o conteúdo da convenção, cf. <https://treaties.un.org/doc/db/Terrorism/Conv3-english.pdf>.
195
Cf. WALTER, Christian. Terrorism..., op. cit., p. 5 e 6. Posteriormente, outras 4 convenções vieram a
tratar atos cometidos dentro de aeronaves e aeroportos. Para o conteúdo dessas convenções, cf.
<http://www.un.org/en/counterterrorism/legal-instruments.shtml>.
196
Para o conteúdo da convenção, cf. <https://treaties.un.org/doc/db/Terrorism/english-18-7.pdf>.
197
Para o conteúdo da convenção, cf. <https://treaties.un.org/doc/db/Terrorism/english-18-5.pdf>.
198
Para o conteúdo da convenção, cf. <https://treaties.un.org/doc/db/Terrorism/Conv10-english.pdf>.
199
Para o conteúdo da convenção, cf. <https://treaties.un.org/doc/db/Terrorism/english-18-15.pdf>.
43

internos. A importância das mencionadas convenções estaria em estabelecer um conjunto


de leis para assegurar a cooperação dos Estados no tratamento dessas diversas ofensas
criminais, envolvendo assuntos como a facilitação da extradição, investigação e resolução
pacífica de conflitos200.
Segundo Geoffrey Levitt, a maneira indutiva de se tratar o tema evitaria um
evidente conflito político, permitindo que certo acordo na formulação de novos textos e
convenções sejam possíveis201. Há aqueles que sustentam que não haveria, desse modo,
uma relação entre uma definição dedutiva e qualquer lacuna no conjunto de convenções
internacionais para se tratar da temática202 e aqueles que pensam o contrário e veem como
necessária uma definição dedutiva da matéria para suprimir alegadas lacunas203. A linha
de raciocínio que induz pela dispensabilidade de uma forma dedutiva aparenta, salvo
engano, facilitar que se incorram certos atos que não seriam considerados como atos
terroristas, somente pela inexistência de sua formalização pela via indutiva, sob o pretexto
de que se evite, assim, os mencionados “conflitos políticos”.
Entretanto, não se pode olvidar que as mencionadas convenções desempenham
um papel importante para o combate e a cooperação dos Estados no tratamento do
fenômeno criminal.

200
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 43.
201
Cf. LEVITT, Geoffrey. Is Terrorism Worth Defining?, op. cit, p. 102.
202
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 44.
203
TRAHAN, Jennifer. Terrorism Conventions: Existing Gaps and Different Approaches. New England
Journal of International and Comparative Law, Vol. 8, Issue 2, 2002, p. 220-223.
44

PARTE II - APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS DE DIREITO INTERNACIONAL


PÚBLICO NO COMBATE AO TERRORISMO

5 DA POSSÍVEL INTERFERÊNCIA DO COMBATE AO TERRORISMO EM


PRINCÍPIOS DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

Como uma resposta contra prática terrorista como evidenciada no início do século
XXI nos mais diversos Estados204, o combate ao terrorismo se torna uma pauta importante
e até mesmo necessária. Os efeitos colaterais de um combate ao terrorismo desenfreado,
como já sugerido na primeira parte da presente dissertação, podem ter a força para causar
abalos sistemáticos que prejudicariam a relação entre os Estados. Em última instância,
podem criar verdadeiras situações de guerra, como foi o caso do Afeganistão e do Iraque,
logo no início do século. Por se tratar de um assunto demasiadamente político e deveras
controverso, o assunto passa a ser objeto explícito de agendas governamentais, que
encontram uma oportunidade para preencher a lacuna deixada pelo impasse, para garantir
os seus interesses.
Em razão da impossibilidade de um acordo mediante organizações internacionais,
aliado a uma área confusa e nebulosa que seria o fenômeno terrorismo, os Estados passam
a “preencher um vazio com métodos de sua escolha”, utilizando-se de procedimentos
dúbios que vêm a contradizer o direito internacional público205. Em relação à opinião
pública, diz-se que seria difícil encontrar um argumento que apoie a inércia de um Estado
em agir unilateralmente frente a um ataque terrorista, principalmente quando o direito
internacional e suas instituições não seriam capazes de fornecer uma solução efetiva206.
O terreno deixado por essas lacunas, em outras palavras, pode ser ocupado pelos
interesses nacionais das mais diferentes nações, através da construção de uma opinião

204
Nesse início de século XXI, atos considerados terroristas foram evidenciados nos mais variados países,
como no Reino Unido, França, Espanha, Turquia, Rússia, Índia, Uganda, Somália, Estados Unidos da
América, dentre outros. Fonte: <http://www.dw.com/pt-br/cronologia-do-terrorismo-ap%C3%B3s-o-11-
de-setembro/a-38093309>.
205
DAUDET, Yves. International action against State terrorism. In: HIGGINS, Rosalyn; FLORY, Maurice
(Eds.). Terrorism and International Law. London: Routledge, 1997. p. 202.
206
Idem.
45

pública em âmbito interno. Essa construção pode ter influência suficiente a ponto de se
garantir suporte a ações unilaterais que envolvam os caminhos da força.
Isso posto, o regresso a um debate sobre a permissão do uso da força, mais
especificamente sobre uma de suas exceções, o exercício da legítima defesa, não seria por
acaso. Como exemplo dessas medidas adotadas pela estratégia de combate ao terrorismo,
destaca-se a mais nova guerra contra o terror lançada pelos Estados Unidos da América,
a qual, primeiramente, possuiu como alvo a organização não estatal responsável pelos
ataques de 11 de setembro, a Al-Qaeda, e, por consequência, o regime do Talibã que
dominava o Afeganistão207. Seguindo a mesma agenda de política externa, também
culmina na invasão do Iraque, em 2003208. Esses pontos serão aprofundados em momento
oportuno, após o esclarecimento das questões históricas e jurídicas que envolvem a força.
Apesar de se reconhecer que os ataques de 11 de setembro escapam de um
contexto habitual, e, assim, seriam considerados eventos propícios para aproveitar a
fragilidade do momento, faz-se uma ressalva inegável a estes ataques, os quais, do ponto
de vista histórico e humanitário, não devem deixar de ser lembrados como tragédias
graves e que devem ser combatidas. Contudo, crê-se que a ocorrência desse alarmante
evento não deslegitimaria quaisquer críticas que possam ser realizadas em relação à
condução e ao tratamento de um problema inegável que é o terrorismo. Essa condução,
em tese, deveria respeitar o direito internacional público contemporâneo, este que,
também, deveria evoluir em observância aos seus princípios basilares209.
Para a análise presente, faz-se cogente que se especifique a relação entre esses
princípios e a proibição do uso da força. Assim, em primeiro momento, evidencia-se que
o direito internacional, ao tratar de conflitos armados, estabelece as regras de jus ad

207
Segundo a Carta datada de 7 de outubro de 2001 do Representante Permanente dos Estados Unidos da
América para as Nações Unidas adereçado ao Presidente do Conselho de Segurança, o uso da força
mediante a legítima defesa seria possível em virtude de um comodismo demonstrado pelo governo do
Talibã. Esse comodismo, sustenta, permitia que partes do Afeganistão fossem utilizadas como base de
operação da Al-Qaeda (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Conselho de Segurança. Carta
datada de 7 de outubro de 2001 do Representante Permanente dos Estados Unidos da América para
as Nações Unidas adereçado ao Presidente do Conselho de Segurança, S/2001/946, 2001. Disponível
em: <https://undocs.org/s/2001/946>. Acesso em: 26/01/2018).
208
VIZENTINI, Paulo Fagundes. A guerra contra o Iraque, o “império” norte-americano e a crise sistêmica.
Indicadores Econômicos FEE – Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser, vol.
31, n. 1, 2003. p. 10. Cf. Presidente George W. Bush, em 1 de junho de 2002, em sua pronúncia em West
Point. Disponível em: <https://georgewbush-whitehouse.archives.gov/news/releases/2002/06/20020601-
3.html>. Acesso em: 26/01/2018.
209
Dentre esses princípios, estão a proibição do uso da força, a resolução pacífica de controvérsias e o
respeito à dignidade da pessoa humana (MACHADO, Jónatas. Direito Internacional: do paradigma
clássico ao pós-11 de setembro. 3ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2006. p. 645).
46

bellum210, cujas finalidades são a proteção de valores previamente estabelecidos pela


comunidade internacional de Estados, de modo que o uso da força somente seria
admissível em causas justas. A guerra, que já fora tratada como uma ferramenta benéfica
exclusiva dos poderosos211, passa a ser regulamentada para que se evite os abusos da
força. Nessa perspectiva, Emer de Vattel salienta que

O um soberano promove (sic) a guerra injusta é culpado: Quem toma das armas
sem causa legítima não tem, assim, nenhum direito; todas as hostilidades que
ele comete são injustas. Ele responde por todos os danos, por todos os horrores
da guerra: o sangue derramado, a desolação das famílias, a pilhagem, os atos
de violência, a devastação, os incêndios, tudo são obras suas e seus crimes. Ele
é culpado em relação ao inimigo que ataca, oprime e massacra sem motivo; ele
é culpado em relação ao seu povo, que domina com injustiça, que expõe ao
perigo sem necessidade, sem razão; [...]212.

Defende-se que, com a evolução do direito internacional após a Segunda Guerra


Mundial, a prática do combate ao terrorismo deveria prestar deveras atenção às
convenções e acordos previamente estabelecidos – firmados, diga-se, em princípios
extraídos das mazelas da guerra. A mencionada evolução do direito internacional público
garantiu importância à proibição da guerra e a outros valores “supra estaduais”, como
seria o caso da proteção dos direitos da pessoa humana213. Como exemplo, tem-se a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, hoje incorporada ao costume
internacional214, a qual demonstra o sinal de que a harmonização e a manutenção da paz
entre os Estados dependeria, primeiramente, de um ciclo de humanização das relações
entre os Estados e que estas seriam reguladas pelo direito internacional215, exigindo-se
dos Estados esforços mútuos e que deveriam ser aplicados efetivamente. A mera

210
Trata-se de um conjunto de critérios que devem ser estabelecidos em momento anterior ao engajamento
a um possível conflito armado, para que este seja considerado como “justo”. A concepção do direito de se
recorrer à guerra tem suas origens em um tempo remoto, não se tratando de uma preocupação nova, e que
passou pela análise de grandes estudiosos. Dentre eles, Platão, Aristóteles, Cícero e Santo Agostinho (Cf.
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 146. Cf.
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 71).
211
MACHADO, Jónatas. Direito Internacional..., op. cit., p. 643.
212
VATTEL, Emer de. O direito das gentes. Tradução de Vicente Marotta Rangel. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, 2004. p. 523.
213
MESQUITA, Maria José Rangel de. Justiça Internacional: Lições – Parte I – Introdução. Lisboa:
AAFDL, 2010. p. 80 e 81.
214
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Da Declaração Universal dos Direitos Humanos: gênese,
conteúdo normativo e alcance. In: Os Direitos Humanos Desafiando o Século XXI. Brasília: Ordem dos
Advogados do Brasil, 2009. p. 23.
215
Idem. Cf. PIOVESAN, Flávia. A constituição brasileira de 1988 e os tratados internacionais de proteção
dos direitos humanos. In: MARCÍLIO, Maria Luiza; PUSSOLI, Lafaiete (Coords.). Cultura dos Direitos
Humanos. São Paulo: LTr, 1998. pp. 87-90.
47

prescrição dessas regras, entretanto, não significa que inexistam interessados em


contorná-las.
Com tal viés crítico, pode-se notar, de início, que a utilização e emprego do
vocábulo “guerra”, para o início dos embates contra o terrorismo no início do século XXI
– “America and our friends and allies join with all those who want peace and security in
the world, and we stand together to win the war against terrorism”216 –, por si só, já sofre
com certa resistência perante alguns estudiosos do direito internacional. Isso porque,
conforme depreende-se de sua noção clássica arraigada no direito internacional público,
para ser qualificado como uma guerra, um conflito armado deveria envolver dois ou mais
Estados soberanos217. Especificamente ao que diz o direito internacional pós-Segunda
Guerra Mundial, argui-se que, para ser classificado como um conflito armado de caráter
internacional, a guerra deve ser travada entre dois ou mais Estados, estes que se
submetem, mediante sua igualdade soberana, à norma que proíbe a utilização da força218.
Assim sendo, a guerra se trataria de um conflito entre entidades carregadas de poderio
militar e evidentemente soberanas. Quando demanda para emitir opinião consultiva sobre
o caso “Consequências Jurídicas da Construção do Muro em Território Palestino
Ocupado” (tradução nossa), a CIJ defendeu que o artigo 51 da Carta da ONU, o qual
dispõe sobre exceção para o uso da força em legítima defesa, somente seria aplicável em
casos de ataques armados realizados por outro Estado soberano219. Aplicando-se a lição
à guerra declarada ao terror, pode-se cogitar que o emprego do termo teria sido utilizado
de forma oportuna, em virtude do seu apelo psicológico, objetivando a criação de um
ambiente propício para a adoção de medidas extremas220. Afinal, a forma subjetiva com
a qual se declarou uma guerra contra o terror, não sendo especificado o alvo a ser
combatido, se distancia da maneira histórica de como guerras seriam tratadas.
Um molde propagandista que vise convencer o maior número de indivíduos a
apoiar o discurso, através de um molde de uma opinião pública, seria, como já visto,

216
Para o conteúdo do pronunciamento do então presidente George W. Bush Jr. na íntegra, cf.
<https://georgewbush-whitehouse.archives.gov/news/releases/2001/09/20010911-16.html>. Acesso em:
02/01/2018.
217
CASSESE, Antonio. Terrorism is Also Disrupting Some Crucial Legal Categories of International Law.
European Journal of International Law. Vol. 12, n. 5, 2001. p. 993.
218
BAPTISTA, Eduardo Correia. A Nova Tipologia dos Conflitos Internacionais: O Uso da Força Contra
Grupos Armados e os Conflitos no Afeganistão e no Iraque. Revista de Direito da Universidade de
Lisboa. Vol.: XLIV-Nº 1 e 2. Coimbra: Coimbra Editora, 2003. p. 538.
219
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Consequências Jurídicas da Construção do Muro em
Território Palestino Ocupado. Opinião Consultiva, para. 139, 2004. Disponível em: <https://www.icj-
cij.org/files/case-related/131/131-20040709-ADV-01-00-EN.pdf>. Acesso em: 26/01/2018.
220
CASSESE, Antonio. Terrorism is Also Disrupting Some Crucial Legal..., op. cit., p. 993.
48

importante para a sobrevivência dessas medidas que, se consideradas em tempos nos


quais esse tipo de conflito não existisse, talvez não resistissem à passagem por um debate
verdadeiramente livre de quaisquer suposições ou medos.
Ainda sobre o uso do termo “guerra”, como adotado para o combate ao terrorismo,
Antonio Cassese disserta:

Admittedly, the use of the term ‘war’ has a huge psychological impact on
public opinion. It is intended to emphasize both that the attack is so serious
that it can be equated in its evil effects with a state aggression, and also that
the necessary response exacts reliance on all resources and energies, as if in
a state of war221.

A despeito da análise do vocábulo empregado para legitimar uma nova guerra


contra terror, o recurso à guerra sempre possuiu o seu posto nas relações internacionais,
passando de um recurso que, antes, não encontrava qualquer impeditivo que o tornasse
ilegal222, até a sua proibição expressa através da Carta das Nações Unidas.
Isso posto, as ações realizadas pelas forças militares de grandes potenciais
mundiais, em nome do combate ao terrorismo, devem ser dissecadas para que se averigue
o possível atropelamento de uma série de princípios basilares de direito internacional
público, se estariam de acordo com essa mudança de valores supra estatais pós-Segunda
Guerra Mundial, ou se até mesmo se teria formado um consenso internacional que apoie
essas ações de maneira excepcional. Relaciona-se isso com a possível influência que
políticas de governo oportunas, transvestidas de combate ao terrorismo, poderiam ter
sobre o direito internacional público, demonstrando certa fragilidade do sistema proposto
para assegurar a paz e segurança internacionais. Para o início de uma resposta, deve-se
fundamentar pontos importantes relacionados à proibição do uso da força e como uma
resposta de combate ao terrorismo tem se adequado às suas exceções.

221
CASSESE, Antonio. Terrorism is Also Disrupting Some Crucial Legal..., op. cit., p. 993.
222
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira; LAGE, Délber Andrade. Eficácia e coerção: uma análise sobre o
sistema de garantia do cumprimento das normas jurídicas internacionais. In: BRANT, Leonardo Nemer
Caldeira; LAGE, Délber Andrade; CREMASCO, Suzana Santi (Coords.). Direito Internacional
Contemporâneo. Curitiba: Juruá, 2011. p. 483.
49

5.1 DO HISTÓRICO DA PROIBIÇÃO DA AMEAÇA OU USO DA FORÇA E DO


DIREITO À LEGÍTIMA DEFESA NO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO
CONTEMPORÂNEO

Ao direito internacional contemporâneo foi dada a missão da proteção da


comunidade internacional, que vivenciara, por mais uma vez, um conflito de escala
mundial. Tratava-se de consenso que a estratégia deveria incluir como centro a proteção
da dignidade da pessoa humana223, conjuntamente com a aplicação de outros princípios
considerados como essenciais para a manutenção da paz224. De tal modo, restou-se
impossível desassociar a proibição da ameaça ou uso da força desse objetivo de proteger
a comunidade internacional através da garantida importância à dignidade da pessoa
humana, de maneira que se proíbe, de forma expressa através da Carta da ONU, a
utilização da força para a resolução de conflitos internacionais.
Não somente para conflitos internacionais de caráter armado, mas, também, para
a resolução de disputas que derivam de obrigações internacionais diversas, uma vez que
a notória carência de mecanismos de execução no âmbito do sistema de justiça
internacional, salvo melhor juízo, estaria em consonância com a proibição do uso da força
para o cumprimento das obrigações internacionais estabelecidas entre os Estados,
creditando-se o cumprimento de sentenças internacionais à boa vontade dos Estados225.
Não se pode olvidar, entretanto, que quando observada a longa história das
relações internacionais, averígua-se que o uso da força ainda predominaria como o
recurso mais utilizado para a resolução de conflitos internacionais, considerando-o,

223
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Caderno de Direito
Constitucional. Módulo V. Escola da Magistratura do Tribunal Regional da 4ª Região. Porto Alegre-RS:
EMAGIS, 2006. pp. 6-7. Cf. BARROSO, Luís Roberto. “Aqui, lá e em todo lugar”: a dignidade humana
no direito contemporâneo e no discurso transnacional. In: VON BOGDANDY, Armir; PIOVESAN, Flávia;
ANTONIAZZI, Mariela Morales. Direitos humanos, democracia e integração jurídica: uma emergência
de um novo direito público. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. pp. 416-425.
224
ARMSTRONG, David; FARELL, Theo; LAMBERT, Hélène. International Law and International
Relations. 2ª ed. New York: Cambridge University Press, 2012. p. 125.
225
Princípios de direito internacional pautados na boa-fé dos Estados, como seria o caso do pacta sunt
servanda, demonstram um afastamento do recurso ao uso da força para questões de solução de disputas
entre os Estados (BYNKERSHOEK apud CRAWFORD, James. State Responsibility: The General Part.
Cambridge: Cambridge University Press, 2014. p. 15. FITZMAURICE, Malgosia. The Practical Working
of the Law of Treaties. In: EVANS, Malcolm D. International Law. New York: Oxford University Press,
2003. p. 183. BINDER, Christina. The Pacta Sunt Servanda Rule in the Vienna Convention on the Law of
Treaties: A Pillar and its Safeguards. In: BUFFARD, Isabelle; CRAWFORD, James; PELLET, Alain;
WITTICH, Stephan. International Law between Universalism and Fragmentation. Leiden/Boston:
Martinus Nijhoff Publishers, 2008. p. 317).
50

também, como um recurso eficiente226. Não somente, sustenta-se que, até o final do século
XIX, a guerra seria considerada como recurso legítimo ligado à soberania estatal227.
Conforme Brant, “as relações dos Estados eram, na sua origem, fundadas em relações de
força”228 e, de tal modo, o percurso histórico do instituto do uso da força conduz o exame
a percepções antagônicas em relação ao seu emprego, uma vez que já teria sido
reconhecido como o modo mais eficaz para se fazer cumprir obrigações internacionais,
como hoje há uma forte rejeição sobre o seu uso.
Na história, o caminho percorrido para sua proibição expressa começa a ser
visível, mas ainda de forma tímida, somente a partir da segunda metade do século XIX e
início do século XX229, haja vista que, antes da Primeira Guerra Mundial, uma
regulamentação quanto sua proibição seria praticamente inexistente230. Seguindo este
raciocínio, até então não haveria interesse dos Estados em limitar um meio tão eficaz para
garantir cumprimento de suas obrigações internacionais.
Assim, durante o lapso temporal mencionado, uma doutrina humanitária que
buscava “controlar os efeitos nocivos das hostilidades”231 teria sido posta em evidência
mediante a proposição da Convenção de Genebra de 1864, da Declaração de São
Petersburgo de 1868 e da Declaração de Bruxelas de 1874232. A mencionada doutrina
recebe ainda maior relevância em razão da adoção, já em 1907, da Convenção relativa à
Limitação do Emprego da Força para a Recuperação de Dívidas Contratuais233. Esta
última relaciona-se com as importantíssimas Conferências de Paz de Haia, realizadas em
1899 e 1907, as quais representam o início de um movimento mais desinibido sobre a
limitação do uso da força. Isso porque, além da adoção da mencionada convenção, as
conferências deram origem às convenções sobre a resolução pacífica de controvérsias234.

226
EYFFINGER, Arthur. A Highly Critical Moment: Role and Record of the 1907 Hague Peace
Conference. In: Netherlands International Law Review, Vol. 54, Issue 2, 2015, pp. 199 e 200.
227
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira; LAGE, Délber Andrade. Eficácia e coerção..., op. cit., p. 483.
ARON, Raymond. Paz e guerra entre as nações. Tradução de Sérgio Bath. 1ª ed. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais; São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2002. p. 854.
228
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 200.
229
Ibidem, p. 200 e 201.
230
DÖRR, Oliver. Prohibition of Use of Force. Max Planck Encyclopedia of Public International Law
[MPEPIL]. 2015. p. 2. Cf. BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 201.
231
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 201.
232
Idem.
233
DÖRR, Oliver. Prohibition of Use of Force, cit., p. 3.
234
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. The International Court of Justice: Handbook. 2013. p.
10 e 11. Disponível em: <https://www.icj-cij.org/files/publications/handbook-of-the-court-en.pdf>. Acesso
em: 03/01/2018.
51

O incentivo para o início de uma caminhada em sentido à restrição do uso da força parte,
assim, dessas conferências, as quais encorajaram os Estados235 a fazer o uso de meios
alternativos de resolução de suas disputas, os quais foram formalizados nessas
conferências236 – os bons ofícios, a mediação ou inquérito, a já conhecida via diplomática
e o tribunal arbitral237. Com o aumento de um conjunto de opções para a resolução de
conflitos internacionais, torna-se mais interessante aos Estados a tentativa de resolver
suas diferenças de uma maneira a não se recorrer ao uso da força, desde que esse meio se
mostre tão eficiente quanto o recurso ao uso da força.
Em 1919, influenciada pelas mencionadas conferências de paz, a SDN, em seu
pacto constitutivo, já contemplava uma tentativa de impor mecanismos de solução
pacífica para a resolução de controvérsias contraídas pelos Estados, de maneira a
desencorajar a utilização da ameaça ou uso da força, mas não a proibia de forma
expressa238. Pelo contrário, o Pacto, em seu artigo 12239, é inequívoco ao recomendar aos
Estados signatários que estes esgotassem as vias dos meios de solução pacífica de
controvérsias para que, somente depois e como último recurso, recorressem à ameaça ou
ao uso da força. De tal forma, ainda restaria assegurado aos Estados, mesmo após a
Primeira Guerra Mundial, o direito de recorrer às armas, ou à guerra, para fazer cumprir
as obrigações internacionais240, sendo meramente recomendado que os Estados não o
fizessem de pronto.
Segundo Brant e Lage, as medidas impostas pela SDN detêm importância
significativa, uma vez que, ao contrário das Conferências de Paz de Haia, o pacto da SDN
propôs soluções coletivas, em prol da segurança dos Estados signatários, como assegurou
que a Sociedade pudesse ser utilizada como foro para o discussão e verificação desses

235
Ainda com um número restrito de países, as conferências buscaram discutir temas como a paz e o
desarmamento (Idem).
236
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 74 e 75.
237
Não se menciona a via própria judicial pois foi somente através da Sociedade das Nações, em 1921, que
a Corte Permanente de Justiça Internacional, uma corte de caráter universal, foi criada. Anteriormente,
verifica-se a criação da Corte Centro-americana de Justiça, em 1907, mas essa detinha um caráter regional
(Cf. AMERASINGHE, Chittharanjan F. Jurisdiction of International Tribunals. The Hague: Kluwer
Law International, 2003. p. 26. Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Os Tribunais
Internacionais Contemporâneos. Brasília: FUNAG, 2013. pp. 9-11).
238
PEREIRA, Antonio Celso Alves. A Reforma das Nações Unidas e o Sistema Internacional
Contemporâneo. In: MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz de (Org.). Desafios do Direito Internacional
Contemporâneo: Jornadas de Direito Internacional Público no Itamaraty. Brasília: Fundação Alexandre
de Gusmão, 2007. p. 41.
239
Para o conteúdo do Pacto, cf. <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-
Internacionais-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-1919-a-1945/pacto-da-sociedade-das-nacoes-
1919.html>.
240
PEREIRA, Antonio Celso Alves. A Reforma das Nações Unidas..., op. cit., p. 41.
52

problemas241. Isso não seria suficiente, contudo, para isentar a SDN das possíveis críticas,
uma vez que a utilização da força ainda encontraria um amparo legal242, também em um
aspecto individual do uso da força.
Mais tarde, convenções multilaterais trouxeram dispositivos que previam a
“interdição total da guerra” (tradução nossa)243, mas estas não possuíam um alcance
global. O Pacto de Paris, também conhecido como Pacto Kellogg-Briand, de 1928, por
exemplo, vinculava os Estados signatários à obrigação de não fazer o uso da guerra para
resolver suas disputas ou conflitos244. Outro exemplo seria o Tratado Antibélico de Não
Agressão e Conciliação, de 1933, também conhecido como pacto Saavedra-Lamas,
realizado por inúmeros países Latino-americanos, e que possuía o mesmo objetivo de
proibir o recurso à guerra. Com a importante adesão dos Estados Unidos da América,
todos os Estados-partes restavam obrigados a uma proibição da guerra245. As duas
convenções, ao mesmo tempo, traziam consigo a exceção para o exercício do uso da força
nos casos de legítima defesa246.
Diz-se que, anteriormente à 1919, o direito internacional público não faria
qualquer restrição ao emprego do uso da força, inexistindo grandes preocupações ou até
uma demanda para existência de uma norma específica que regulasse um direito de
legítima defesa, depositando esta tarefa ao direito costumeiro e à jurisprudência247. Nota-
se, ainda, que os instrumentos mencionados faziam alusão ao recurso à guerra, não sendo
empregado o vocábulo “ameaça ou uso da força”, como se vislumbra nos tempos atuais.
Sendo assim, as outras formas de emprego da força ainda restavam legítimas, desde que
não houvesse uma declaração de guerra e que esta fosse realizada a outro Estado
signatário248. Disso, sustenta-se que, com a evolução do direito internacional
contemporâneo, escolhe-se o vocábulo “ameaça ou uso da força” em razão de outras
atividades militares estatais que podem pôr em risco os princípios e valores dessa nova

241
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira; LAGE, Délber Andrade. Eficácia e coerção..., op. cit., p. 484 e 485.
242
Idem.
243
CASSESE, Antonio. Commentaire à l’article 51. In: COT, Jean-Pierre; PALLET, Alain (Eds.). La
Charte des Nations Unies: commentaire article par article. Vol I, 3rd Edition. Paris: Economica, 2005. p.
1330.
244
CASSESE, Antonio. Commentaire à l’article 51…, op. cit., p. 1330.
245
DÖRR, Oliver. Prohibition of Use of Force, op. cit., p. 3.
246
Idem.
247
CASSESE, Antonio. Commentaire à l’article 51…, op. cit., p. 1330.
248
ARON, Raymond. Paz e guerra entre as nações, op. cit., p. 855.
53

comunidade. Dentre os atos, tem-se: (i) a própria ameaça do uso da força; (ii) as
represálias; e (iii) os atos de agressão249.
A partir dessa escalada de novos posicionamentos em direção a um uso cada vez
mais restrito da força, é que se passa a proibir, de forma expressa, a amaça ou o uso da
força no cenário das relações internacionais. As razões para tanto se encontram em
evidência no preambulo da Carta da ONU, que delineia seus objetivos de “praticar a
tolerância e viver em paz” e “unir nossas forças para manter a paz e a segurança
internacionais” em volto ao “flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço de nossa
vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade”250. Especificamente, a proibição do
uso da força recebe disposição expressa e se encontra redigida no artigo 2(4), o qual
dispõe que “Todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça
ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer
Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas”251.
Ainda, reforça-se o que se fora afirmado em momento anterior sobre o sistema de justiça
internacional, através do artigo 2(3) da Carta, o qual disciplina que “Todos os membros
deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não
sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais”252, e adiciona-se os
mecanismos das sanções aos Estados que manifestarem, através das suas ações, ameaças
a segurança e paz internacionais253.
Demonstra-se, assim, a direção para qual o direito internacional contemporâneo
escolheu caminhar após o fracasso da SDN. Buscou-se consolidar princípios entendidos
como essenciais para a manutenção da paz, muito em decorrência de exemplos históricos,
como o de duas grandes guerras mundiais, e, com isso, tem-se a proibição expressa da
ameaça ou uso da força254. Em sua forma universal, trata-se de uma proibição
relativamente nova, que possui menos de um século de implementação no cenário das
relações internacionais e no direito internacional público.
Apesar de recente, a magnitude dada ao instituto não consegue ser facilmente
ignorada. Atualmente, a proibição da ameaça ou o uso da força seria considerada um

249
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 81 e 82.
250
Fonte: <https://nacoesunidas.org/carta/>.
251
Fonte: <https://nacoesunidas.org/carta/cap1/>.
252
Idem.
253
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira; LAGE, Délber Andrade. Eficácia e coerção..., op. cit., p. 486 e 487.
254
ARMSTRONG, David; FARELL, Theo; LAMBERT, Hélène. International Law…, op. cit., p. 125.
54

costume internacional, suportada por outros diversos tratados internacionais255 e,


também, seria respeitada como parte do rol de jus cogens256. Ao se reconhecer como uma
norma imperativa – norma jus cogens –, estabelece-se que a proibição da ameaça ou uso
da força não pode ser ignorada no momento da celebração de tratados257, sob pena deste
ser considerado nulo, conforme artigo 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados258. Conforme disserta Eduardo Correia Baptista, o conjunto de normas de jus
cogens se confunde com a ordem pública259, isto é, esse conjunto de normas imperativas
seria considerado essencial para o funcionamento e harmonia da comunidade
internacional. Nesse sentido, as regras imperativas de direito internacional não podem ser
afastadas senão por uma nova norma de mesmo valor e que arrazoe o contrário260.
Observa-se que a proibição da ameaça ou uso da força encontra-se muito bem solidificada
no costume internacional, nos variados instrumentos de direito internacional, e seria
considerada como um dos princípios constitutivos da comunidade internacional
contemporânea261, ou seja, tratar-se-ia de um dos princípios gerais de direito
internacional.
Comparativamente, a admissibilidade do uso da força, conforme o direito
internacional até a primeira metade do século XX, regulava-se através de limites
procedimentais, como aqueles trazidos pela SDN, sendo ainda reconhecido o direito do
uso da força em uma perspectiva considerada de interesse privado dos Estados para

255
No julgamento do caso Atividade Militares e Paramilitares na e contra a Nicarágua, a Corte Internacional
de Justiça trouxe exemplos de convenções que possuem obrigações negativas, proibindo a utilização do
recurso à ameaça ou uso da força aos Estados-Partes em suas relações, também confirmando a existência
de opino juris que torna a matéria inserida no contexto do direito costumeiro internacional (CORTE
INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Caso Concernente às Atividades Militares e Paramilitares na e
contra a Nicarágua (Nicarágua v. Estados Unidos da América. Méritos, p. 89-91, paras. 188-190, 1986.
Disponível em: <https://www.icj-cij.org/files/case-related/70/070-19860627-JUD-01-00-EN.pdf>. Acesso
em: 03/01/2018).
256
DÖRR, Oliver. Prohibition of Use of Force, op. cit., p. 1. Cf. ARMSTRONG, David; FARELL, Theo;
LAMBERT, Hélène. International Law…, op. cit., p. 125. Cf. DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’
and the Framework of International Law, op. cit., p. 147. Cf. CORTE INTERNACIONAL DE
JUSTIÇA. Caso Concernente às Atividades Militares..., op. cit., p. 90 e 91, para. 190. Cf.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comissão de Direito Internacional. Yearbook of The
International Law Commission, A/CN.4/SER.A, Vol. II, 1996. p. 247. Disponível em:
<http://legal.un.org/ilc/publications/yearbooks/english/ilc_1966_v2.pdf>. Acesso em: 03/01/2018.
257
Cf. MIRANDA, Jorge. Direito Internacional Público – I. Ver. 2. Lisboa: Pedro Ferreira, 1995. p. 143-
144.
258
Para o conteúdo da convenção, cf.: <http://www.gddc.pt/siii/docs/rar67-2003.pdf>.
259
BAPTISTA, Eduardo Correia. Ius Cogens em Direito Internacional. Lisboa: Lex, 1997. p. 21 e 282.
260
Cf. DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 147.
Cf. BROWNLIE, Ian. Principles of Public International Law. 6ª ed. New York: Oxford University Press,
2003. p. 488.
261
CASSESE, Antonio. International Law. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2005. p. 188.
55

resolução de conflitos262. Ao contrário do que se verifica, posteriormente, com o avanço


do direito internacional contemporâneo, que passa a proibir expressamente o uso da força
de maneira privada, mas abre exceção para o uso da força através do exercício da legítima
defesa em suas formas individual ou coletiva263, ou através de poder discricionário do
Conselho de Segurança, para assegurar a paz e a segurança. Essa nova característica busca
resguardar os interesses da comunidade internacional, ou seja, detém interesses e
finalidades que, no fim, seriam públicos264.
A finalidade pública relaciona-se ao entendimento de autopreservação que os
Estados sempre detiveram, através da legítima defesa265, mas adiciona-se a isso um outro
valor, o de proteção da comunidade internacional, de acordo com os princípios acordados
em torno da Carta das Nações Unidas. Faz-se crer, assim, que o escopo da legítima defesa
clássica seria o de preservar, defensivamente, a integridade física do Estado agredido,
pelo Estado agredido266. Após, com sua evolução através da Carta, adiciona-se uma
finalidade de interesse público, de preservação dos princípios para a harmonia da
comunidade internacional de Estados, sendo permitida a legítima defesa coletiva em prol
desses valores, inclusive267.
Facilitando a observação dessas últimas afirmativas, no século XX, o direito de
legítima defesa tradicional começa a ser moldado a partir do costume internacional,
orientando-se “claramente dentro de um senso de licitude de aplicação da força para
repelir um ataque armado, mas não para prevenir um ataque”268. Assim, a ação em
legítima defesa somente poderia ser admitida como consequência de um verdadeiro
ataque armado, excluindo-se a subjetividade, esta que resultaria na possibilidade de se
alegar quaisquer tipos de coação como motor para o seu exercício269. No contexto de sua
evolução, nota-se que a SDN passou a disciplinar e admitir a recorrência à guerra somente
como um meio de resistência a uma agressão realizada por outro Estado, não aceitando a
possibilidade de exercício de um tipo de legítima defesa preventiva, harmonizando-se
com o Pacto de Paris270. Faz-se importante menção sobre a impossibilidade de ser

262
MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Internacional Público. 3ª ed., rev. e actualizada. S. João do
Estoril: Principia, publicações universitárias e científicas, 2006. p. 269.
263
Idem.
264
Idem.
265
MACHADO, Jónatas. Direito Internacional..., op. cit., p. 653.
266
Idem.
267
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 206.
268
CASSESE, Antonio. Commentaire à l’article 51…, op. cit., p. 1330.
269
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 206.
270
CASSESE, Antonio. Commentaire à l’article 51…, op. cit., p. 1330.
56

considerada como legítima defesa, nesses termos, a ação estatal violenta que busca pôr
fim a uma situação considerada perigosa para os seus interesses internos271. Consolida-se
que o exercício do direito de legítima defesa estaria condicionado a uma ilicitude prévia,
exercida pelo Estado agressor, que legitima o Estado agredido a exercer a força como
forma de defesa. Não haveria, assim, abertura para o chamamento da legítima defesa
baseada em exercícios de futurologias que supõem uma ameaça à segurança interna de
um Estado.
A Carta da ONU, através de seu preambulo – “que a força armada não será usada
a não ser no interesse comum” – e Capítulo VII, busca regulamentar as exceções para o
uso da força. Elenca-se, em seu artigo 51, que “nada na presente carta prejudicará o
inerente direito de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque
armado contra um membro das Nações Unidas [...]”, e, no artigo 42, o resguardo ao direito
pela Organização, mediante autorização do Conselho de Segurança, de recorrer ao uso da
força para “manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais”272. De tal modo, o
jus ad bellum273 passaria a ser guiado por esse conjunto de disposições presentes no
Capítulo VII da Carta da ONU.
Todavia, com a proibição expressa do uso da força pela Carta da ONU, a legítima
defesa passa a ter um status de instituto jurídico, uma vez que seu uso se trata de
excludente de ilicitude atrelada a uma conduta proibitiva – ameaça ou uso da força. A
conduta praticada, se condizente com a norma que prevê a exceção, impede que o
praticante sofra as sanções decorrentes da quebra da norma proibitiva, como, também,
seus reflexos274.
Jorge Miranda faz crítica, contudo, ao arrazoar que, no plano dos princípios e não
no dos fatos, ao Conselho de Segurança pertenceria o monopólio do uso da força em
legítima defesa, pois a avaliação dos critérios que ditam a sua possibilidade ou
impossibilidade passaria exclusivamente por ele275. Em mesma linha, Eduardo Correia
Baptista articula que a competência para deliberar sobre as exceções ao uso da força cabe

271
Idem.
272
Para o conteúdo dos artigos mencionados, cf. https://nacoesunidas.org/carta/cap7/.
273
Ver nota 210.
274
DIAS, Caio Gracco Pinheiro. CONTRA A DOUTRINA ‘BUSH’: PREEMPÇÃO, PREVENÇÃO E
DIREITO. 2007. p. 138 e 139. Tese (Doutorado) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo.
Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2135/tde-30072007-155126/pt-br.php/>.
Acesso em: 12/01/2018.
275
MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Internacional Público, op. cit., p. 269.
57

exclusivamente ao Conselho de Segurança276, posto que compete ao Conselho decidir


sobre as questões que envolvem a manutenção da paz e segurança internacionais277.
Também em mesmo norte, Brant e Lage apontam para a centralização, em um órgão
coletivo, do exercício de deliberação sobre a possibilidade do exercício da força em suas
exceções278.
Particularmente imperioso, para esse sentido, a análise do artigo 51, o qual
disciplina o direito à legítima defesa e se trata do âmago da presente parte do trabalho:

Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa


individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um membro
das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas
necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As
medidas tomadas pelos membros no exercício desse direito de legítima defesa
serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão,
de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta
atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar
necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança
internacionais279.

Nota-se que, considerado um direito inerente aos Estados-membros, o exercício


da legítima defesa ainda deve respeitar os critérios apontados, sendo eles: (i) deve ser
uma reação a um ataque armado, este último tendo como alvo um estado-membro280; (ii)
deve-se informar, de forma imediata, o Conselho de Segurança sobre suas ações; e (iii) a
ação em legítima defesa individual ou coletiva não pode prejudicar as ações determinadas
pelo próprio Conselho281. Sendo assim, limita-se o exercício do direito à observância de
critérios já estabelecidos na Carta.
Apesar das críticas apontadas e observâncias a serem seguidas para o exercício da
legítima defesa, o Painel de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudanças das Nações

276
BAPTISTA, Eduardo Correia. O Poder Público Bélico em Direito Internacional: O Uso da Força
pelas Nações Unidas em Especial. Coimbra: Almedina, 2003. p. 597 e ss. Cf. GOUVEIA, Jorge Bacelar.
O uso da força no Direito Internacional Público. Revista Brasileira de Estudos Políticos. n. 107, 2013. p.
165.
277
BAPTISTA, Eduardo Correia. O Poder Público Bélico..., op. cit., p. 617.
278
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira; LAGE, Délber Andrade. Eficácia e coerção..., op. cit., p. 487.
279
Para o conteúdo do artigo 51, cf. <https://nacoesunidas.org/carta/cap7/>.
280
MARTINS, Ana Maria Guerra. Algumas implicações do 11 de Setembro de 2001 na ordem jurídica
internacional. Revista de Direito da Universidade de Lisboa. Vol.: XLIV-Nº 1 e 2. Coimbra: Coimbra
Editora, 2003. p. 599.
281
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira; LAGE, Délber Andrade. Eficácia e coerção..., op. cit., p. 487 e 488.
CASSESE, Antonio. Terrorism is Also Disrupting Some Crucial Legal..., op. cit., p. 995. “L’article 51
permet l’emploi de la force seulement en réaction à une « agression armée », et à condition que soient
observées les normes de procédure qui prescrivent que le Conseil de sécurité soit immédiatement informé
de l’action armée en légitime défense” (CASSESE, Antonio. Commentaire à l’article 51…, op. cit., p.
1332).
58

Unidas sugeriu ao Conselho, quando da deliberação sobre a possibilidade do uso da força,


que este deve “adotar e tratar sistematicamente uma série de acordadas regras básicas,
não se direcionando diretamente à questão se o uso da força poderá ser legalmente
utilizado, mas se, como uma maneira de boa consciência e bom senso, ele deveria ser
utilizado” (tradução nossa)282. Dentre essas diretrizes, sustenta-se que o recurso da força
deve considerar a gravidade da ameaça, o esgotamento das medidas não-militares,
considerar se a ação proporcionará a prevenção ou impedimento de uma ameaça à paz e
segurança internacionais, atentar para os meios proporcionais das medidas a serem
adotadas e avaliar, em última instância, as consequências de uma ação do Conselho de
Segurança283.
Salienta-se que o direito internacional público não possui um sistema
sancionatório unificado tal como se evidencia no direito interno de diferentes Estados,
mas ainda disciplina as circunstâncias nas quais o uso da força seria permitido284. O
Conselho de Segurança pode aplicar sanções em caso de ameaça à paz, violação da paz
ou atos de agressão e, dentre esses casos, autorizar sanções de cunho econômico, como
foi o caso aplicado à Rodésia, em 1966, ou de cunho militar, como foram os casos das
resoluções sobre o uso da força que culmina na Guerra da Coreia e na Guerra do Iraque,
em 1950 e 1990, respectivamente285. As sugestões do mencionado Painel, assim, possuem
caráter sugestivo, cabendo ao Conselho de Segurança a deliberação ou autorização do uso
da força nos moldes da Carta286.
Faz-se apontamento, ainda, em relação ao termo “ataque armado”. Myra
Williamson sustenta que esta expressão não foi definida, pois seria tratada como
“evidente por si mesmo” (tradução nossa)287. Nesse sentido, em 1949, a “Comissão de
Relações Exteriores do Senado dos Estados Unidos da América” (tradução nossa) buscou
tornar a interpretação do vocábulo mais objetiva, arguindo que um ataque armado seria
aquele realizado por um Estado contra um outro Estado, diferenciando-se de um incidente

282
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Fifty-ninth session Report…, op. cit., p. 57.
283
Ibidem, p. 57 e 58. Cf. PEREIRA, Antonio Celso Alves. A Reforma das Nações Unidas..., op. cit., p.
74.
284
SHAW, Malcolm N. International Law. 6ª ed. Cambridge: Cambridge University Press. 2008. p. 4.
MACHADO, Jónatas. Direito Internacional..., op. cit., p. 650-653.
285
Idem.
286
A Organização das Nações Unidas também não possui forma de recrutamento direto de indivíduos para
que se forme um aparato de defesa, isto é, a ONU ainda depende diretamente da força fornecida pelos
Estados membros (BAPTISTA, Eduardo Correia. O Poder Público Bélico..., op. cit., p. 733 e 734).
287
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 109.
59

criado por “grupos irresponsáveis ou indivíduos”288. Ainda, a comissão expôs a


característica “evidente por si mesmo” de um ataque armado, com base de que as dúvidas
sobre o cometimento de um ataque armado ou por quem teria sido cometido seriam
raras289. Neste sentido, aponta-se que a Corte Internacional de Justiça (CIJ), no caso
Nicarágua v. Estados Unidos e, posteriormente, no caso Iran v. Estados Unidos, afirmou
que não seria todo e qualquer uso da força capaz de equiparar-se a um ataque armado,
sendo contabilizado dessa forma somente aqueles mais graves, e somente esses poderiam
ser suficientes para evocar o direito à legítima defesa290. Por isso, o caso das organizações
terroristas e a equiparação de atentados com ataques armados dependerá de uma
interpretação classificatória que enquadre os atos terroristas como graves suficientes,
enquadrando-os como ataques conduzidos por forças regulares – ou seja, forças
equiparadas ao poderio militar de um Estado soberano291.
Ainda no exame do caso Iran v. Estados Unidos, a Corte fez ponderação a aspectos
de necessidade e de proporcionalidade para o exercício do direito de legítima defesa:
“whether the response to the [armed] attack is lawful depends on observance of the
criteria of the necessity and proportionality of measures taken in self-defence”292. Esses
aspectos passaram por escrutínio primeiramente em 1837, como se sustenta, no Caso
Carolina, entre Estados Unidos da América e Reino Unido. Nesse caso, suscitou-se que
o exercício do direito de legítima defesa estaria condicionado a uma necessidade
instantânea, irresistível, que não deixaria tempo para deliberação ou qualquer outra
escolha à vítima a não ser o seu uso293. Ademais, deveria obedecer a medidas razoáveis –
proporcionalidade –, dentro de um panorama não excessivo de exercício do uso da
força294.

288
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 109 e 176.
289
Idem.
290
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Caso Concernente às Atividades Militares..., op. cit., p.
91, para. 191. Entendimento posteriormente reafirmado em julgamento de 2003, no caso Irã v Estados
Unidos (CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Caso Concernente às Plataformas Petrolíferas (Irã
v. Estados Unidos da América). Méritos, p. 30, 31, 34 e 35, paras. 51 e 64, 2003. Disponível em:
<https://www.icj-cij.org/files/case-related/90/090-20031106-JUD-01-00-EN.pdf>. Acesso em:
03/01/2018). Cf. GARWOOD-GOWERS, Andrew. Self-defense Against Terrorism in the Post-9/11 World.
QUT Law Review. [S.I.], Vol. 4, Nº 2, 2004. p. 4.
291
O’CONNELL, Mary Ellen. American Exceptionalism and the International Law of Self-Defense.
Denver Journal of International Law and Policy. Vol. 31, 2002-2003. p. 45 e 46. WILLIAMSON, Myra.
Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 109
292
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Caso Concernente às Plataformas, op. cit., p. 39, para.
40.
293
. O’CONNELL, Mary Ellen. American Exceptionalism…, op. cit., p. 46.
294
BEARD, Jack M. America’s New War On Terror: The case for self-defense under international law.
Harvad Journal of Law & Public Policy. Vol. 25, 2001-2002. p. 585.
60

De tal modo, somados os requisitos e características apontados até o momento, o


exercício do direito de legítima defesa aparenta possuir três critérios sólidos para sua
evocação, sendo eles: (i) a necessidade que o Estado sofra um ataque anterior, com
magnitude suficiente para ser considerado um ataque armado; (ii) o ataque armado deve
ser realizado por um outro Estado soberano, através do seu poderio militar ou através de
vias indiretas, desde que comprovado o controle efetivo295 do Estado sobre uma
organização não estatal; (iii) a resposta ao ataque armado deverá obedecer as condições
de proporcionalidade e necessidade, como aquelas condições previstas na Carta.
Verificou-se, de todo modo, que o uso da força e suas exceções, demonstram-se
como preceitos bem consolidados no direito internacional contemporâneo, visto que
figuram em convenções internacionais, no costume internacional e, sustenta-se, fazem
parte das normas imperativas de direito internacional. A proibição da ameaça ou uso da
força se encontra expressamente redigida na Carta, como também é o caso do direito à
legítima defesa, este que detém caráter excepcional e de interesse público.
Quando exercido legalmente – ou, na redundância, legitimamente –, o direito de
legítima defesa preclui determinados atos que seriam considerados como ilegais, como é
o caso da utilização da força, da invasão do território do Estado agressor e da interferência
na organização deste, desde que respeitadas as normas de direito internacional
humanitário e as normas inderrogáveis contidas nos pactos internacionais de direitos
humanos, ambas que seriam consideradas leis especiais e que não restariam precluídas,
através dos dispositivos inderrogáveis, pelo exercício de legítima defesa, caso violadas296.
Remete-se, assim, à interpretação da passagem de Emer de Vattel, realizada em momento
anterior297: ao soberano que pratica a guerra injusta, nenhum direito, somente a
responsabilização pelas mazelas ocasionadas pelas injustiças.
Após o esclarecimento das noções de uso da força e a exceção de legítima defesa,
cabe fazer a inquirição da aplicabilidade dessas regras para o combate ao terrorismo. Ter-
se-á em conta, para o exame, uma alegada mudança de interpretação dada ao instituto da
legítima defesa individual ou coletiva. Deve-se sopesar, ademais e em caso positivo de
uma mudança de interpretação na exceção do uso da força, se a alegada mudança de
interpretação se fez forte o suficiente para mudar a prática internacional relativa ao
exercício do direito de legítima defesa.

295
A noção de controle efetivo será abordada posteriormente, em páginas 66 e ss.
296
CRAWFORD, James. State Responsibility…, op. cit., p. 290-292.
297
Ver página 46.
61

5.2 DO USO DA LEGÍTIMA DEFESA PARA O COMBATE AO TERRORISMO NO


SÉCULO XXI

De pronto, salienta-se que ao instituto da legítima defesa se fazem fortes críticas


devido a sua recente formada ambiguidade. O procedimento e os requisitos para a sua
evocação, os quais anteriormente restariam claros, sofrem certo embaralho após os
ataques de 11 de setembro de 2001, de maneira que o instituto passa a se tornar
peculiarmente confuso. Chega-se a afirmar que os referidos ataques causaram um impacto
que iria além do simples encaixe de ataques terroristas no quadro interpretativo do artigo
51 da Carta, eles afetariam o âmago do instituto da legítima defesa298.
Em relação a essa mudança, Antonio Cassese sustenta que, anteriormente, o
recurso à legítima defesa estaria sujeito à condições estritas e claras, sendo elas: (i) a
necessidade de agir em legítima defesa deveria ser instantânea, ao ponto de não haver
outra escolha e não haver tempo para deliberação – o lapso temporal entre o ataque sofrido
e a resposta em legítima defesa, então, seria muito curto; (ii) o uso da força deveria ser
direcionado exclusivamente para repelir o ataque sofrido por um Estado agressor; (iii) a
força utilizada deve ser proporcional para o objetivo de cessar o ataque; (iv) o uso da
força deve cessar tão cedo quanto a agressão chegasse ao seu fim ou que o Conselho de
Segurança tomasse as medidas cabíveis; (v) os Estados, em seu uso do direito de legítima
defesa, devem respeitar os princípios fundamentais de direito humanitário – deve-se
respeitar a população civil, abstendo-se da utilização de armas que causem sofrimentos
desnecessários, dentre outras peculiaridades299.
Ao continuar sua advertência, Antonio Cassese arrazoa que as medidas adotadas
após os ataques causaram impacto direto a essas já constituídas condições que
regulamentam o instituto da legítima defesa. Aponta-se para a possibilidade da formação
de um consenso, quase que como um costume instantâneo – ao qual o próprio autor se
indaga sobre a sua real possibilidade –, de que ataques terroristas passariam a ser
assimilados e equiparados a ataques armados realizados por um Estado soberano,

298
STAHN, Carsten. Terrorist Acts as “Armed Attack”: The Right to Self-Defense, Article 51 (½) of the
UN Charter, and International Terrorism. Fletcher Forum of World Affairs. Vol. 27, 2002. p. 37.
299
CASSESE, Antonio. Terrorism is Also Disrupting Some Crucial Legal..., op. cit., p. 995.
62

garantindo o direito ao Estado em reagir em estrita legítima defesa individual ou


coletiva300. Entretanto, até aquele momento, ter-se-ia um entendimento majoritário de que
a possibilidade do exercício do direito se justificaria somente quando emanado contra um
outro Estado soberano301, e não em face de grupos terroristas. O ensejo do direito, como
já visto, decorreria das ações cometidas por outro Estado, através do seu poderio militar
ou, como se verá adiante, através da comprovação de controle efetivo do Estado sobre
organizações terroristas e/ou grupos armados. Como consequência, aquelas diretrizes que
antes seriam bem estabelecidas se tornam nebulosas: o alvo não é mais tão bem
especificado – antes sendo somente um Estado, agora os alvos se tornam, também,
organizações –, o motivo do uso da força para repelir a agressão se torna confuso – fazer
cessar uma agressão corrente transforma-se em possibilidade discutível de uma legítima
defesa antecipatória a um ataque –, a duração do uso da legítima defesa, que antes seria
até o fim da agressão, se torna problemática, ilógica e, por fim, uma resposta atrasada à
agressão passa a ser aceita pelos Estados302.
Alega-se que parte do problema teria surgido com a adoção da Resolução 1368,
pelo Conselho de Segurança da ONU, no dia 12 de setembro de 2001303, logo após os
ataques de 11 de setembro. Considerada ambígua e contraditória, a resolução define os
ataques como ameaça à paz – e não categoricamente como um ataque armado que
legitime o chamamento do artigo 51, mas faz menção, em seu preambulo, ao
reconhecimento do direito inerente à legítima defesa como estabelecido pela Carta304 – e
demonstraria a vontade do Conselho em tomar as medidas necessárias como resposta aos
ataques.
Aponta-se que, na mesma data da adoção da resolução 1368, a Organização do
Tratado do Atlântico Norte (OTAN) acionou seu artigo 5, que proclama pelo direito de
legítima defesa no caso de um ataque armado direcionado a um dos seus 29 membros,
diferenciando-se da deliberação como realizada pelo Conselho de Segurança da ONU,
que não proclamava, pelo menos não diretamente, o direito à legítima defesa, mas o de

300
CASSESE, Antonio. Terrorism is Also Disrupting Some Crucial Legal..., op. cit., p. 995.
301
Idem.
302
Ibidem, p. 997 e 998. CASSESE, Antonio. Commentaire à l’article 51…, op. cit., p. 1332.
303
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução 1368 do Conselho de Segurança de 12 de
Setembro de 2001, S/RES/1368. Disponível em:
<https://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/RES/1368%20%282001%29>. Acesso em:
09/01/2018.
304
BAPTISTA, Eduardo Correia. A Nova Tipologia dos Conflitos Internacionais..., op. cit., p. 551.
63

ameaça à paz305. A crítica resta no fundamento de que, no período curto de alguns dias, a
prática teria sido formulada em sentido a se admitir que um ataque terrorista realizado por
uma organização criminosa se equiparasse a uma agressão armada promovida por um
Estado306.
O que, antes, seria tratado no âmbito das atividades criminais, sujeitas ao devido
processo legal, de forma a trazer os responsáveis à justiça, seja perante uma corte
internacional ou doméstica, começa a ser tratado como um ataque armado que ensejaria
a utilização das exceções para o uso da força e traz consigo todos os riscos iminentes de
um conflito armado internacional, sendo o principal deles, o de causar a morte ou lesão
de pessoas não combatentes e inocentes307. O sistema de proteção criado para facilitar a
cooperação internacional e a escolha pelo caminho de uma definição indutiva para o
terrorismo se demonstram, salvo melhor juízo, malogrados, uma vez que alguns Estados
não cooperariam da forma esperada, não seriam suficientemente responsáveis ou capazes
de administrar o seu próprio território e/ou os Estados agredidos por organizações
terroristas desrespeitariam o conjunto de normas estabelecidas de forma unilateral,
utilizando-se de contornos para se fazer valer do uso da força.
Segundo Brant, o aprofundamento da prática terrorista, a níveis internacionais,
provocou “um sentimento de que o sistema internacional se tornou ineficaz em face desta
sombria realidade na qual a violência passou a ter autor desconhecido e alvos difusos”308.
Seguindo esta linha crítica, a Resolução 1373, adotada pelo Conselho de
Segurança no dia 28 de setembro de 2001309, a qual também estabelece diversas diretrizes
para o combate ao terrorismo, declarou o terrorismo internacional como uma ameaça à
paz e segurança internacionais – porém, não o define310 –, como reafirmou, em seu
preâmbulo, o direito de legítima defesa individual ou coletiva como reconhecido pela
Carta da ONU e “como reiterada na resolução 1368” (tradução nossa)311. A resolução,
para alguns, corresponde com certa vontade do Conselho de Segurança em garantir e

305
CASSESE, Antonio. Terrorism is Also Disrupting Some Crucial Legal..., op. cit., p. 996 e 997.
306
Idem.
307
TRAVALIO, Greg; ALTENBURG, John. Terrorism, State Responsibility, and the Use of Military
Force. Chicago Journal of International Law. Vol. 4, Nº 1, 2003. p. 99. Cf. GARWOOD-GOWERS,
Andrew. Self-defense Against Terrorism…, op. cit., p. 1.
308
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 207.
309
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução 1373 do Conselho de Segurança de 28 de
Setembro de 2001, S/RES/1373. Disponível em: <https://undocs.org/S/RES/1373(2001)>. Acesso em:
09/01/2018.
310
ROSAND, Eric. Security Council Resolution 1373, the Counter-terrorism Committee, and the Fight
against Terrorism. The American Journal of International Law. Vol. 97, Nº 2, 2003. p. 333.
311
BEARD, Jack M. America’s New War On Terror..., op. cit., p. 565.
64

afirmar, dessa vez, as ações em resposta aos ataques de 11 de setembro, colaborando para
que a utilização das forças militares pelos Estados Unidos da América passasse pelo crivo
da legalidade em seu espectro de legítima defesa312. Isso seria significantemente
importante em razão do impacto causado na interpretação do direto à legítima defesa, pois
demonstra uma demora do Conselho de Segurança em deliberar sobre a legalidade do
exercício do direito e causa certa dúvida no que se refere a um requisito intrínseco: o da
resposta instantânea a um ataque armado. As afirmações elencadas anteriormente, sobre
a evidência manifesta do que seria um ataque armado e sobre a obviedade de quem seria
o agressor responsável pelo ataque armado, se tornam, também, confusas.
Além disso, ambas as resoluções não fazem menção ao governo do Afeganistão
ou ao Talibã, sendo esta a principal base argumentativa para relacionar o uso da legítima
defesa a um Estado de fato. Não mencionam a organização terrorista Al-Qaeda, sequer.
De tal forma, mesmo as resoluções do Conselho seriam insuficientemente objetivas ao
indicar o alvo para o exercício da legítima defesa313. No contexto de agentes não estatais,
como as organizações terroristas, necessário se faz, para o chamamento da legítima
defesa, que o ataque tenha magnitude suficiente para equiparar-se a um ataque armado e
este deverá ser atribuído a outro Estado mediante a atribuição de responsabilidade314. A
resposta ainda deverá responder àquelas regras anteriormente elencadas, respeitando-se
as características de proporcionalidade e necessidade315. Ressalta-se, novamente, que se
faz imperiosa a atribuição da ação do grupo armado a um Estado para que o Estado vítima
possa exercer o seu inerente direito à legítima defesa, uma vez que a exceção, para ser
exercida e como já visto, envolveria o desrespeito da norma que proíbe o uso da força por
um Estado que está vinculado à proibição316. A exceção, afirma-se, não poderia ser
exercida contra indivíduos ou contra grupos armados317. Para elucidar tais assertivas,
Eduardo Correia Baptista aduz que, um verdadeiro conflito internacional seria aquele
realizado entre “entidades plenamente vinculadas pela proibição do uso da força”318. Isso
não significaria a inexistência de qualquer forma de reação. Restaria ao Estado agredido,

312
Ibidem, p. 566.
313
PHILIPP, Christiane E. Taliban. Max Planck Encyclopedia of Public International Law [MPEPIL].
2007. p. 4.
314
GARWOOD-GOWERS, Andrew. Self-defense Against Terrorism…, op. cit., p. 5 e 6.
315
Idem.
316
DABONÉ, Zakaria. International Law: armed groups in a state-centric system. International Review
of the Red Cross. Vol. 93, n. 882, 2011. p. 402 e 403.
317
Idem.
318
BAPTISTA, Eduardo Correia. A Nova Tipologia dos Conflitos Internacionais..., op. cit., p. 538.
65

sobretudo e primeiramente, o respeito às normas que disciplinam o instituto da não


intervenção, como, também, sustenta-se que as organizações terceiras não se
encontrariam protegidas de atos bélicos, tanto por Estados terceiros, quanto pelo próprio
Estado no qual a organização se encontra319. De tal forma, o direito internacional público
estabeleceria que o direito do Estado em recorrer ao seu inerente direito à legítima defesa
contra atos cometidos por grupos armados estará condicionado à atribuição de autoria do
ataque armado a um outro Estado soberano, o qual também deveria respeitar a proibição
expressa à ameaça ou uso da força, caracterizando-se, assim, em um conflito
internacional.
Essa visão, todavia, resta prejudicada em razão das mencionadas resoluções. A
forma generalista, como posta nas resoluções, ao não se apontar os responsáveis pelos
ataques de maneira direta, faz fomentar, através dessas lacunas, o uso indiscriminado da
força em sua exceção de legítima defesa.
Estas últimas ponderações se encaixam na crítica elaborada por Brant, que
enquadrou as Resoluções 1368 e 1373 como improdutivas para o combate ao terrorismo
em sua forma atual320. Categoricamente, aduz-se que a resolução 1368 contribuiu para o
enfraquecimento da ONU ao criar um “precedente lamentável” quando estendeu o direito
à legítima defesa de forma abusiva321. Ao ter reconhecido a possibilidade de exercício de
uma legítima defesa com critérios abrangentes e generalistas, afirma-se que o Conselho
teria garantido uma carta branca aos Estados Unidos da América, redesenhando-se o
direito internacional relativo às medidas de manutenção da paz e germina o “desastre da
intervenção no Iraque”322.
Passando-se ao quesito de atribuição de responsabilidade de ataques terroristas ou
de grupos armados a um Estado em particular, antes dos ataques de 11 de setembro, se
fazia cogente comprovar, através de conteúdo probatório relevante, que o Estado no qual
a organização se encontra seria conivente, a modo dar assistência à organização
criminosa, sob pena de violação do princípio de soberania desse Estado323. Se
comprovado o envolvimento, garantir-se-ia a legitimidade e possibilidade da
responsabilização internacional do Estado que abriga e financia a organização

319
Ibidem, p. 539-542.
320
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 231.
321
Ibidem, p. 231-233.
322
Idem.
323
CASSESE, Antonio. Terrorism is Also Disrupting Some Crucial Legal..., op. cit., p. 996 e 997.
66

terrorista324. Utilizando-se o regime da responsabilidade internacional de Estados, por


exemplo, deveria ser atribuída ao respectivo sujeito de direito internacional, no caso, o
Estado, a responsabilidade pelas atividades do grupo armado325. Para que essa atribuição
seja concluída, necessário será a comprovação de que o Estado teria agido
deliberadamente e que essa ação deliberada tenha ensejado no evento para o qual se busca
atribuir ligação326. Com isso, crê-se necessária a evidência de dolo do Estado acusado.
Nesse ponto, a visão sobre os atentados de 11 de setembro apresentada por Rüdiger
Wolfrum, que usa como base legal o instituto da responsabilidade internacional de
Estados, justifica que o exercício da legítima defesa em direção ao Talibã seria justificada,
tendo em vista a incapacidade do Talibã, ao meio do desrespeito às recomendações da
ONU em momentos anteriores aos ataques – as quais serão mencionadas no final deste
subcapítulo –, de impedir que a organização terrorista Al-Qaeda usasse o território afegão
como base para as suas atividades327.
Sobre esta imperiosa e necessária comprovação de conivência e assistência, volta-
se à jurisprudência do caso Nicarágua v. Estados Unidos, cujo fundamento decisório,
mesmo tendo a Corte decidido em sentido de que os Estados Unidos da América teriam
financiado, treinado e equipado os Contras – assim chamado os grupos insurgentes
nicaraguenses –, ressaltou que essas ações não seriam consideradas suficientes para
atribuir as atividades dos Contras aos Estados Unidos da América. Naquela data, a
atribuição da responsabilidade ao Estado por tais ações fora colocada em patamar
relativamente alto, devendo-se comprovar uma efetiva participação do Estado nos
ataques328. O chamado controle efetivo deve ser exercido para que se tenha a
responsabilização do Estado pelos atos praticados329. Lembra-se que, apesar dessas
ponderações, os Estados Unidos foram condenados em razão do suporte garantido aos
grupos insurgentes, mas a tese de controle efetivo restou vencida.
Mais tarde, em 1995, esse entendimento exarado vem a ser reaplicado pelo
Tribunal Internacional Penal para a ex-Iugoslávia, no caso Tadic, cujo fundamento

324
GARWOOD-GOWERS, Andrew. Self-defense Against Terrorism…, op. cit., p. 5 e 6.
325
WOLFRUM, Rüdiger. The Attack of September 11, 2001, the Wars Against the Taliban and Iraq: Is
There a Need to Reconsider International Law on the Recourse to Force and the Rules in Armed Conflict?
In: BOGDANDY, Armin von; WOLFRUM, Rüdiger (Eds.). Max Planck Yearbook of United Nations
Law. Volume 7. Leiden: Brill. p. 36.
326
WOLFRUM, Rüdiger. The Attack of September 11, 2001…, op. cit., p. 36 e 37.
327
Ibidem, p. 36-38.
328
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 49-51.
329
Idem.
67

decisório reafirmou a necessidade de comprovação de uma grande dependência entre o


grupo que comete esses atos e o Estado, ao ponto deste segundo exercer uma relação de
poder sobre a organização, seja esta chamada de rebelde ou terrorista330. Assim,
baseando-se no caso dos Contras, o tribunal entendeu que a assistência, o fornecimento
de treinamento e/ou equipamentos seria insuficiente para responsabilizar o Estado
apoiador pelas ações particulares da organização, sendo primordial para tanto que se
comprove que o Estado possuiu um papel essencial na organização, coordenação e/ou
planejamento dessas ações particulares, caracterizando-se um controle efetivo331. Ambas
as cortes internacionais apontaram para a necessidade de posse de um controle efetivo
sobre a organização criminosa, pelo Estado, entendimento este que virá a sofrer mutação
após os ataques de 11 de setembro, através das mencionadas resoluções e da conduta da
comunidade internacional ao suportar tais medidas.
Pode-se arriscar dissertar que a utilização de grupos terroristas ou de movimentos
libertários para promover uma agenda política também seria um problema ao ponto de
vista probatório. Isso porque, tendo-se em vista a dificuldade de se comprovar o efetivo
controle da organização pelo Estado, cria-se uma via oportunista para que estes façam
avançar certas agendas políticas, sabido que uma ação de forma indireta através de
agentes não estatais seria mais vantajosa. Contudo, uma saída extremada que busca
solucionar o problema através do uso da força, crê-se, não seria a mais indicada.
Certa subjetividade na interpretação para a equiparação de ataques terroristas a
ataques armados também se é evidenciada. Segundo Antonio Cassese, em artigo
publicado antes dos ataques de 11 de setembro, para qualificá-los como ataques armados,
o direito internacional requereria que os atos terroristas formassem “part of a consistent
pattern of violent terrorist action rather than just being isolated or sporadic attacks”332.
Dever-se-ia, como se sustenta, exaurir todos os métodos disponíveis antes que houvesse
um uso das forças militares333. Outros autores interpretam de forma que somente aqueles
ataques graves seriam considerados, não importando se isolados ou esporádicos334, como,
ainda, outros aduzem que há uma evidente expansão no quadro interpretativo do que

330
Idem.
331
Idem.
332
CASSESE, Antonio. The International Community’s “Legal” Response to Terrorism. The
International and Comparative Law Quarterly. Vol. 38, n. 3, 1989. p. 596.
333
Idem.
334
GARWOOD-GOWERS, Andrew. Self-defense Against Terrorism…, op. cit., p. 5 e 6.
68

tratar-se-ia “ataque armado”335. Isso conduziria o instituto para uma ainda maior
subjetividade, ocasionando nos possíveis problemas que essa expansão possa causar336.
A resolução 1373 se mostra ainda mais confusa ao declarar o terrorismo como
ameaça à paz e segurança internacionais, sem que haja um acordo sobre uma definição
do fenômeno criminal, em plano internacional. A tese levantada, sobre as aberturas
susceptíveis à interpretação ao bel prazer das agendas políticas de Estados restariam, de
tal modo, evidenciadas. Como já apontado em outros momentos, o notório impasse
político sobre um fenômeno carregado de julgamentos de valor e de interesses dos mais
diversos Estados seria prejudicial, uma vez que o direito internacional deveria combater
um fenômeno que não possui uma tipificação dedutiva, sobrando espaço para que os
Estados se utilizem dessas lacunas para tentar contornar os preceitos da Carta337. A
diminuição de requisitos após requisitos, aduz-se, transformaria o artigo 51 da Carta em
abrigo para as ações desses Estados, para que estes justifiquem seus objetivos militares,
e não para um real exercício de legítima defesa, em seu estado excepcional de
necessidade, como disciplinado pelo direito costumeiro338.
Retornando ao exame específico do conflito que marca o início da nova guerra ao
terror, observa-se que esta tem início somente no dia 7 de outubro de 2001, quase um mês
após os ataques terroristas. À época, a invasão do Afeganistão foi justificada a partir da
premissa de que o Talibã, grupo que administrava o território afegão, estaria abrigando e
financiando a organização terrorista Al-Qaeda. Invocou-se, assim, o direito inerente de
legítima defesa individual e coletiva, em face dos ataques armados realizados pelo Estado
do Afeganistão, para prevenir e deter quaisquer futuros ataques aos Estados Unidos da
América339. O exercício do direito começa a ser praticado via a atribuição de
responsabilidade ao Estado do Afeganistão e a resposta aos ataques foi evidentemente
tardia, saindo do escopo de uma noção clássica de legítima defesa. A proporcionalidade
da resposta, agregada ao tempo que dura o conflito – a guerra ainda está em curso e
representa, até hoje, a mais duradoura guerra em toda a história dos Estados Unidos da
América – não diferentemente, também foge do escopo de uma noção clássica. Ainda,

335
STAHN, Carsten. Terrorist Acts as “Armed Attack”…, op. cit., p. 37.
336
Idem.
337
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 207 e 234.
338
STAHN, Carsten. Terrorist Acts as “Armed Attack”…, op. cit., p. 37.
339
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Carta datada de 7..., op. cit.
69

encontra-se crítica em sentido de que o governo do Talibã não seria universalmente


reconhecido como um governo legítimo340.
Sobretudo, nota-se que a tentativa de ajuste seria nítida, uma vez que, em razão
da incapacidade do Conselho, através da Resolução 1368, em detalhar a quem poderia ser
exercido o direito de legítima defesa, atribuiu-se como alvo, de forma livre, Osama bin
Laden e a Al-Qaeda e, depois, através da imputação de responsabilidade, migra-se para o
Talibã e o Estado do Afeganistão341.
Apesar das ressalvas apontadas, a relatada decisão de invadir e suas razões não
sofreram relutância perante a comunidade internacional de Estados, a qual se posicionou
de maneira a concordar e garantir assistência para essas medidas como consideradas pelos
Estados Unidos da América342. Como já observado mediante a verificação das resoluções
emitidas pelo Conselho de Segurança, a ONU também se posicionou de maneira a aceitar
as razões, além de contar com o apoio dos membros da OTAN, da Rússia e dos membros
da Organização dos Estados Americanos343. Contaram, também, com o apoio de aliados
como a Nova Zelândia, Austrália, Japão, Coreia do Sul, Filipinas, e de outros países do
leste europeu, da África e da Ásia344.
Mais assertivamente sobre a relação feita entre o Talibã e a organização terrorista
Al-Qaeda, para os atos terroristas de 11 de setembro, a ONU passou, através da Resolução
de 1378345, adotada pelo Conselho de Segurança em 14 de novembro de 2001346, a
condenar expressamente a ligação entre o Talibã e a Al-Qaeda, sob o fundamento que o
primeiro estaria permitindo a permanência do segundo em seu território, como também
estaria fornecendo refúgio a Osama bin Laden347. Por se tratar do órgão encarregado de
deliberar a matéria específica, somente a partir da Resolução 1378 é que a “dimensão
interestatal” do exercício do direito à legítima defesa passa a ser restabelecida348, isto é,

340
PHILIPP, Christiane E. Taliban, op. cit., p. 3.
341
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 233.
342
Como exemplo, Estados garantiam acesso ao seu espaço aéreo e/ou forneciam apoio logístico para as
operações necessárias (Cf. DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International
Law, op. cit., p. 187 e 188).
343
BEARD, Jack M. America’s New War On Terror..., op. cit., p. 568 e 569.
344
Idem.
345
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução 1378 do Conselho de Segurança de 14 de
Novembro de 2001, S/RES/1378. Disponível em: <http://unscr.com/en/resolutions/doc/1378>. Acesso em:
09/01/2018.
346
Nota-se a preocupante demorada do Conselho em deliberar.
347
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução 1378, op. cit., p. 1. Cf. PHILIPP, Christiane E.
Taliban, op. cit., p. 4.
348
GARWOOD-GOWERS, Andrew. Self-defense Against Terrorism…, op. cit., p. 13.
70

volta-se àquela aplicação de uma das características básicas de um conflito armado


internacional: o envolvimento entre dois ou mais Estados soberanos.
Mediante essa aceitação dos diversos sujeitos de direito internacional – como
visto, Estados e Organizações Internacionais –, a teoria de necessidade de controle efetivo
para a responsabilização do Estado, discutivelmente, aparenta ter sido demasiadamente
diminuída. Se, antes, os tribunais internacionais admitiam uma responsabilização do
Estado mediante a comprovação de um alto grau de envolvimento deste com grupos
armados e seus atos, a relação e responsabilização do Estado, agora, em face de atos
terroristas, aparenta ter sido simplificada pelo Conselho de Segurança. Não obstante,
autores apontam pela falta de evidências que vinculem o Talibã e os atentados de 11 de
setembro, sendo esta a única maneira de condicionar exercício da legítima defesa como
sustentado pelos Estados Unidos da América349. Outros autores, entretanto, sugerem que
a ligação entre o Talibã e a Al-Qaeda estaria bem estabelecida350.
Ainda assim, mesmo através do apoio declarado de alguns ou da atitude silente de
muitos outros, a invasão e a atribuição dos ataques ao Estado do Afeganistão não
deixaram de sofrer críticas na esfera acadêmica. Eduardo Correia Baptista, por exemplo,
sustenta que o uso da legítima defesa sequer aplicar-se-ia ao caso, tendo em vista que os
ataques perpetrados pela organização terrorista, apesar de possuírem magnitude
suficiente, a ponto de serem equiparados a ataques armados, não poderiam ser atribuídos
ao Talibã351. Em suas palavras, o professor disserta:

Os factos descritos constituem mais uma situação complexa de recurso à força


que, segundo se julga, não pode ser reconduzida à legítima defesa. A legítima
defesa pressupõe que a proibição do uso da força tenha sido violada pela
entidade contra a qual se reage sob a forma de uma agressão em escala
apreciável, isto é, um ataque armado. É certo que movimentos armados,
incluindo os Talibãs (ainda que não fosse considerado como Governo), se
encontram vinculados pela proibição do uso da força em relação a Estados
terceiros, mas não parece que os actos terroristas de 11 de Setembro lhe sejam
imputáveis. Os elementos parecem confirmar que o grupo armado terrorista
sediado no Afeganistão foi efectivamente responsável por estes actos. Mas,
mesmo que o regime Talibã possa ser acusado de cumplicidade em tais actos,
tal só por si não permite imputar-lhe a autoria destes. Esta imputação apenas
poderia basear-se na existência de controlo efectivo deste grupo armado pelos
Talibãs ou que estes tivessem dado instruções específicas quanto à prática dos
actos. [...]. Aliás, os EUA não acusaram os Talibãs pelos actos, mas apenas por

349
STAHN, Carsten. Terrorist Acts as “Armed Attack”…, op. cit., p. 37. Cf. DUFFY, Helen. The ‘War
on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 189. Cf. BAPTISTA, Eduardo Correia.
A Nova Tipologia dos Conflitos Internacionais..., op. cit., p. 557-559.
350
Cf. WOLFRUM, Rüdiger. The Attack of September 11, 2001…, op. cit., p. 37. Cf. TRAVALIO, Greg;
ALTENBURG, John. Terrorism, State Responsibility…, op. cit., p. 105, 116 e 117.
351
BAPTISTA, Eduardo Correia. A Nova Tipologia dos Conflitos Internacionais..., op. cit., p. 557-559.
71

cumplicidade. O mesmo foi feito pelo Conselho de Segurança. A não distinção


entre autores materiais e cúmplices referida pelos EUA, não corresponde ao
Direito Internacional vigente e nem sequer foi seguida formalmente por estes
[...]. Deste modo, os actos, mesmo que materialmente possam, por força da sua
trágica gravidade, ser equiparados a ataques armados, juridicamente foram da
autoria de um mero grupo armado que não se encontra vinculado pela
proibição de uso da força352.

Carster Sthan, em mesmo curso, aponta que a teoria de controle efetivo teria sido
derrubada para o caso do Talibã e que, caso não tivesse sido derrubada, não seria admitida
o uso da força em razão da falta de conteúdo probatório que comprovasse a assistência
do Talibã nos ataques realizados em território estadunidense353. A isso, continua o autor,
implicar-se-ia uma facilitada relação dos atos terroristas aos atores estatais354. Arguiu-se
que ao meio de pesadas acusações realizadas contra o Talibã, nenhum dos Estados que
visavam a intervenção militar no Afeganistão teria comprovado que o Talibã poderia ter
poder e autoridade sobre a Al-Qaeda a ponto de estabelecer um controle efetivo355. Com
efeito, não havendo comprovação necessária de que o Talibã teria participado ativamente
dos ataques ou dos planejamentos, esta vertente entende injusta a responsabilização.
Por outra óptica, chega-se a afirmar que a ligação entre a Al-Qaeda e o Talibã
seria evidente e, inclusive, seria reconhecida pela Resolução 1333, adotada pelo Conselho
de Segurança da ONU em 19 de dezembro de 2000356. O Conselho de Segurança vinha
advertindo o Talibã pela sua resistência em entregar Osama bin Laden às autoridades
competentes, solicitando aos Estados-membros da ONU que congelassem os fundos e
recursos financeiros relacionados ao Talibã. Advertiu-o, também, pelo uso do território
afegão para o treinamento de terroristas, classificando a prática como uma ameaça à paz
e segurança internacionais357.
Essas duas perspectivas antagônicas demonstram o impasse que paira em questões
relativas ao terrorismo. Porém, uma demonstra uma maior passionalidade e pressa, ao
ponto de admitir contornos nas regras de legítima defesa, sustentando que o combate ao

352
BAPTISTA, Eduardo Correia. A Nova Tipologia dos Conflitos Internacionais..., op. cit., p. 557-559.
353
STAHN, Carsten. Terrorist Acts as “Armed Attack”…, op. cit., p. 37.
354
Idem.
355
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 189.
356
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução 1333 do Conselho de Segurança de 19 de
Dezembro de 2000, S/RES/1333. p. 1. Disponível em: <http://unscr.com/en/resolutions/doc/1333>. Acesso
em: 11/01/2018. Cf. BEARD, Jack M. America’s New War On Terror..., op. cit., p. 578.
357
BEARD, Jack M. America’s New War On Terror..., op. cit., p. 582 e 583. ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS. Resolução 1267 do Conselho de Segurança de 15 de Outubro de 1999. Disponível
em: <http://unscr.com/en/resolutions/doc/1267>. Acesso em: 11/01/2018. ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS. Resolução 1333, op. cit., p. 1 e 2.
72

terrorismo em sua forma atual deveria se dar pela flexibilização do exercício da teoria de
controle efetivo, como também aceita, desse mesmo modo, a flexibilização de outros
requisitos clássicos para o exercício das exceções do uso da força. O instituto de legítima
defesa aparenta ter sido modificado a tal ponto que suas regras básicas foram
reinterpretadas e colocadas na formalidade através das Resoluções 1368, 1373 e 1378.
Proporcionam, salvo melhor juízo, uma maior lacuna em um campo de um fenômeno
social que já vinha sendo cada vez mais carregado por antagonismos e pela incapacidade
da sociedade internacional em tratar da nova forma terrorista de forma inteligente. Nota-
se que as resoluções não buscam uma nova maneira de combater um fenômeno constatado
durante todo o século XX, com seu apogeu na década de 90, mas buscam flexibilizar e
ampliar a abrangência do combate em mesmo sentido em que já se vinha sendo feito: o
caminho priorizado continua sendo aquele através de uma abordagem de definição
indutiva e da flexibilização das normas, cada vez mais carregada de lacunas.
Resta imperioso, nesse sentido, apontar que, anteriormente aos ataques de 11 de
setembro, o uso unilateral da força como combate ao terrorismo seria evidenciado com
facilidade358. Como exemplo, em retaliação aos ataques suicidas às embaixadas
estadunidenses na Tanzânia e Quênia em 1998359, os Estados Unidos da América
lançaram 79 mísseis para destruir campos de treinamento no território do Afeganistão e
uma indústria farmacêutica do Sudão360. Para tanto, o Estado estadunidense justificou-se
sob a premissa de um exercício de legítima defesa “para prevenir que ataques contra alvos
americanos não continuassem”361. Percebe-se que, todavia, quando o uso unilateral da
força é praticado por algum Estado, o reflexo da comunidade internacional de Estados
envolve certo criticismo. Seria o exemplo da série de bombardeios realizados contra a
Líbia, em resposta a um ataque terrorista em Berlin, em 1986362. A justificativa para tanto
foi baseada em um suposto envolvimento do Estado líbio no atentado – chega-se a
sustentar que os ataques teriam sido ordenados pela Líbia363. Outros casos demonstram

358
GARWOOD-GOWERS, Andrew. Self-defense Against Terrorism…, op. cit., p. 8.
359
Os ataques, reivindicados pela Al-Qaeda, teriam resultado na morte de mais de duzentas pessoas, dentre
elas, doze estadunidenses (BEARD, Jack M. America’s New War On Terror..., op. cit., p. 562. BRANT,
Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 229).
360
Sustenta-se que a planta farmacêutica foi identificada com uma fábrica de armas químicas e estaria
relacionada a Osama bin Laden (Idem).
361
Idem.
362
Nesse caso específico, os ataques contra o Estado foram motivados em resposta a um ataque terrorista a
uma discoteca berlinense que seria muito frequentada por estadunidenses. Como resultado, deixou 2
mortos, dentre eles, um estadunidense e uma turca, e 230 feridos (BEARD, Jack M. America’s New War
On Terror..., op. cit., p. 561).
363
BEARD, Jack M. America’s New War On Terror..., op. cit., p. 561.
73

opiniões divididas, como foi o caso do ataque armado realizado contra o Iraque, em 1993,
e dos já mencionados ataques contra o Afeganistão e o Sudão em 1998364.
Verificado, de qualquer feita, que a evocação de um suposto direito à legítima
defesa para o combate ao terrorismo não se trata de prática posterior aos ataques de 11 de
setembro e foi utilizado para justificar o uso unilateral da força contra Estados que
abrigariam organizações terroristas em seu território. A aceitação da prática, no entanto,
não seria muito receptiva. A construção de uma teoria cada vez mais subjetiva seria de
interesse desses Estados para que suas ações fossem juridicamente lícitas365.
O meio empregado para o combate ao terrorismo aparentou, de qualquer forma,
estar distanciado de uma via de cooperação internacional. Um predomínio de opiniões
favoráveis à utilização do uso da força estadunidense e seus aliados, pela comunidade
internacional, aparenta ser um caso extraordinário presente somente no caso da invasão
do Afeganistão em 2001, visto que, para o conflito estabelecido contra o Iraque em 2003,
a comunidade internacional de Estados não compactuou com as razões que motivavam a
invasão, resultando na falta de legitimidade para o exercício dos atos366.
Em relação aos critérios para o exercício da legítima defesa, vê-se que muitos
deles foram extrapolados e a tese de controle efetivo foi diminuída. A importância
particular do caso seria representada por essas mudanças de interpretação sobre a relação
entre o Estado e as organizações não estatais terroristas, ignorando-se uma tradição
estabelecida pela jurisprudência internacional. O combate ao terrorismo, no início do
século XXI, dessa forma, passa a admitir, pelo menos nesse caso da guerra do
Afeganistão, que o exercício do direito à legítima defesa seja reinterpretado.
Salienta-se que a problemática jaz justamente na capacidade que uma justificativa
simplória teria em estimular novos conflitos bélicos. Sabe-se que organizações terroristas
se espalham pelo mundo de forma a ser quase impossível identificar todos os Estados nos
quais organizações terroristas se encontram367. Questiona-se, assim, se os mais diversos
Estados, nos quais evidencia-se grupos ramificados da Al-Qaeda, poderiam ser alvos de
um ataque em nome de um direito de legítima defesa368. Ainda, não sendo a única

364
Ibidem, p. 562-564. Cf. GARWOOD-GOWERS, Andrew. Self-defense Against Terrorism…, op. cit.,
p. 8 e 9.
365
TAMS, Christian J. The Use of Force against Terrorists. European Journal of International Law. Vol.
20, n. 2, 2009. p. 367.
366
COCKBURN, Patrick. The Age of Jihad: Islamic State and the Great War for the Middle East. 1ª ed.
eBook Kindle. London and New York: Verso, 2016. l. 822.
367
CASSESE, Antonio. Terrorism is Also Disrupting Some Crucial Legal..., op. cit., p. 997.
368
Idem.
74

organização terrorista existente, e de modo que não se aponta, através das resoluções, a
quem poderia ser exercido a legítima defesa, imagina-se que o problema tomaria uma
proporção ainda mais perigosa.
A dada atribuição de responsabilidade ao Estado, que seguia parâmetros
relativamente altos, devendo-se comprovar o efetivo controle do Estado sobre uma
organização criminosa, passa a ser tratada com demasiada simplicidade. Agora, tudo
indica que “qualquer nível de suporte” seria suficiente para responsabilizar um Estado
pelas ações de organizações terroristas369. Isto é, uma mudança no requisito de atribuição
de responsabilidade a ataques realizados por organizações terroristas ao Estado, que
demonstre qualquer nível de suporte, seja até mesmo pela simples tolerância em seu
território, passa a ser considerada370.
Soma-se isso ao discurso adotado logo após os atentados, pela administração
estadunidense, representada à época pelo então presidente George W. Bush:

“Our response involves far more than instant retaliation and isolated
strikes. Americans should not expect one battle, but a lengthy campaign, unlike
any other we have ever seen. It may include dramatic strikes, visible on TV,
and covert operations, secret even in success. We will starve terrorists of
funding, turn them one against another, drive them from place to place, until
there is no refuge or no rest. And we will pursue nations that provide aid or
safe haven to terrorism. Every nation, in every region, now has a decision to
make. Either you are with us, or you are with the terrorists. (Applause.) From
this day forward, any nation that continues to harbor or support terrorism will
be regarded by the United States as a hostile regime”371

Não se objetiva, aqui, olvidar do papel de várias resoluções da ONU, que


buscaram condenar, através do tempo, atividades estatais ao abrigar e suportar grupos em
seus respectivos territórios. A resolução 2625 da Assembleia Geral da ONU, datada de
1970, por exemplo, já afirmava sobre a obrigação de cada Estado a se abster “from
organizing, instigating, assisting or participating in acts of civil strife or terrorist acts in
another State or acquiescing in organized activities whitin its territory”372. No entanto,
do que se foi visto, o fim de uma tradição que delineava requisitos preciso para o uso da
legítima defesa aparenta, em última instância, resultar em um certo afastamento dos

369
GARWOOD-GOWERS, Andrew. Self-defense Against Terrorism…, op. cit., p. 12.
370
Idem.
371
Presidente George W. Bush, em 10 de setembro de 2001. Fonte: <https://georgewbush-
whitehouse.archives.gov/news/releases/2001/09/20010920-8.html> Acesso em: 01/06/2018.
372
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução 2625 da Assembleia Geral de 24 de Outubro
de 1970, A/RES/25/2625. Disponível em: <http://www.un-documents.net/a25r2625.htm>. Acesso em:
09/01/2018. Cf. BEARD, Jack M. America’s New War On Terror..., op. cit., p. 579 e 580.
75

princípios e objetivos estabelecidos pela própria Carta, permitindo que os relativize em


razão de uma guerra ao terror, observando-se uma influência do combate ao terrorismo
no direito internacional público.
Sugere-se que os atentados de 11 de setembro serviram como o ponto de partida
para uma série de eventos trágicos – a invasão do Afeganistão, em 2001, e do Iraque, em
2003, como os mais citados –, que teriam destruído o status quo e que transformaram o
panorama “político, sectário e étnico” (tradução nossa) do Oriente Médio373. Aponta-se
que a invasão do Iraque se provou tão desestabilizadora que, até os tempos atuais, o
Estado iraquiano não conseguiria reestabelecer certa normalidade, como seus efeitos
seriam nítidos nos tempos atuais374. O efeito que se enxergaria com maior facilidade seria
o surgimento do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL)375, que ocupara partes da
fronteira do Iraque e da Síria e criara um novo “Estado capaz de recrutar soldados, cobrar
impostos e defender suas fronteiras” (tradução nossa)376. Ademais, notar-se-ia que o EIIL
contaria, dentre seus membros, com líderes de tribos Sunitas, insurgentes antiamericanos
e antigos oficiais militares iraquianos que buscariam readquirir o poder que antes
possuíam durante o governo de Saddam Hussein377. Dentre estes últimos, dois generais
que serviam o exército iraquiano agora comandam operações-chave no domínio de
territórios sírios e iraquianos378. dentre as chefias do comando militar da organização,
encontram-se militares veteranos que faziam parte das lideranças do exercido de Saddam
Hussein. Outros efeitos também seriam notados. Alega-se que a invasão teria catalisado
e expandido conflitos internos pré-existentes, mas que estariam, anteriormente,
estabilizados. Dentre eles, confrontos entre os Curdos, Xiitas e Sunitas379. Também ter-
se-ia garantido oportunidade para que os Estados monárquicos do Golfo Pérsico,
caracterizados por sua riqueza e seu sectarismo religioso, estabelecessem um maior poder
sobre a região, uma posição que cerca de 40 anos atrás estaria na mão de Estados
seculares380. Observa-se, ainda, a dita exportação do Wahabismo, vertente
ultraconservadora do Islã, aos países do Oriente Médio, dominando a região e trazendo

373
COCKBURN, Patrick. The Age of Jihad…, op. cit., l. 83.
374
Ibidem, l. 83-94 e 104-109.
375
No anacrônico da língua inglesa, ISIS.
376
COCKBURN, Patrick. The Age of Jihad…, op. cit., l. 83-94.
377
CRONIN, Audrey Kurth. ISIS Is Not a Terrorist Group: Why Counterterrorism Won’t Stop the Latest
Jihadist Thread. Foreign Affairs. Vol. 94, n. 2, 2015. p. 89.
378
Ibidem, p. 91.
379
COCKBURN, Patrick. The Age of Jihad…, op. cit., l. 94.
380
Ibidem, l. 94-99.
76

consigo mais intolerância – a vertente seria descrita como intolerante se comparada a


outras vertentes do Islã, estas que seriam mais progressistas381.
Por fim, não pode se deixar de notar que, antes dos atentados de 11 de setembro,
o governo George W. Bush já vinha conduzido a política estadunidense a uma visão
unilateralista de relações internacionais e demonstrara certo desprezo em relação às
organizações internacionais382. Notou-se, também, que “os seus principais assessores de
política externa já haviam escolhido como uma das prioridades a ‘mudança de regime’
em Bagdá”, denotados pela retomada do contato estadunidense com a oposição
iraquiana383. Por fim, a criação do grupo estratégico, a pedido da administração, que
delineou política energética para os próximos 25 anos, apontara como uma das metas o
aumento das importações de petróleo vindas do Golfo, tendo-se, como reflexo, um maior
interesse estadunidense em possuir influência sobre a região384. E assim a parte crítica
expõe que os ataques de 11 de setembro teriam servido como um catalisador para que
uma agenda, anteriormente delineada, recebesse apoio popular385.
Agregando-se isso ao forçoso objetivo de convencer mentes simpáticas à tese de
legítima defesa preventiva, forma antecipatória de legítima defesa que será analisada
doravante, leva-se a crer que o combate ao terrorismo liderado pelos Estados Unidos teria
aproveitado o medo proveniente dos atentados para fazer avançar seus objetivos, os quais,
discutivelmente, seriam nitidamente observados na política externa adotada pelo governo
de George W. Bush.

5.3 DA DOUTRINA DA LEGÍTIMA DEFESA PREVENTIVA PARA O COMBATE


AO TERRORISMO

381
Idem.
382
VIZENTINI, Paulo Fagundes. A guerra contra o Iraque..., op. cit., p. 9. PEREIRA, Antonio Celso Alves.
A Reforma das Nações Unidas..., op. cit., p. 26.
383
MORAES, Roberto Camps. A segunda Guerra do Golfo e as relações econômicas internacionais.
Indicadores Econômicos FEE – Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser, vol.
31, n. 1, 2003. p. 50.
384
FAY, Claudia Musa. A questão do petróleo e suas implicações na Guerra do Iraque. Indicadores
Econômicos FEE – Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser, vol. 31, n. 1, 2003.
p. 67 e 68.
385
FRANCK, Thomas M. What Happens Now? The United Nations after Iraq. The American Journal of
International Law. Vol. 97, nº 3, 2003. p. 610. VIZENTINI, Paulo Fagundes. A guerra contra o Iraque...,
op. cit., p. 9.
77

A alegada influência do combate ao terrorismo no direito internacional público


trouxe consigo o reavivamento dos debates sobre as formas antecipatórias do exercício
do direito à legítima defesa. Essas formas teriam sido propostas com um maior enfoque
logo após a Segunda Guerra Mundial386, levando-se a crer que surgem em razão da
proibição expressa da ameaça ou uso da força. Hoje, o reavivamento das formas
antecipatórias decorre de uma tendência dos Estados, mas mais especificamente dos
Estados Unidos da América e o Reino Unido, em buscar a legitimação para o uso
unilateral da força antecipada para o combate ao terrorismo. Direcionando o problema
para um caso em concreto, sustenta-se que, com o desmantelo do direito internacional
público para o caso afegão, houvera a oportunidade de se empurrar uma agenda favorável
ao uso da chamada legítima defesa preventiva. Como o primeiro teste de passagem a um
escrutínio apresentado à comunidade internacional e, em decorrência, ao direito
internacional público, tem-se a invasão do Iraque. Ao tempo, poucos imaginariam que o
Estado iraquiano, enfraquecido pelo fim da I Guerra do Golfo e pelas sanções impostas
pela ONU, que vigoraram de 1990 a 2003, pudesse ameaçar a segurança interna
estadunidense ou a comunidade internacional de Estados387.
A questão jurídica, todavia, seria uma de interpretação do artigo 51 da Carta,
particularmente em relação ao termo “ataque armado”, cuja compreensão aparenta estar
dividida entre aqueles que entendem que o direito à legítima defesa só poderia ser
exercido quando e somente quando da ocorrência de um ataque armado anterior, ao
mesmo tempo em que outros percebem que a ocorrência de um ataque armado seria uma
das hipóteses pelas quais poder-se-ia fazer o uso desse direito388. Dentre essas
possibilidades admitidas pela segunda linha de pensamento, estariam a antecipação e a
prevenção a um ataque armado389. Os dois vocábulos – antecipação e prevenção – servem
para caracterizar e distinguir duas modalidades antecipatórias de legítima defesa,
respectivamente: (i) a defesa preemptiva; e (ii) a defesa preventiva. Estas se
configurariam, assim, como duas vertentes antecipatórias atreladas ao instituto de
legítima defesa. Entretanto, isso não significaria que essas formas seriam aceitas pela
comunidade internacional de Estados ou que sequer seriam garantidas pelo artigo 51.

386
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 117.
387
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 235. Sobre as sanções
econômicas e seus reflexos no povo iraquiano, cf. COCKBURN, Patrick. The Age of Jihad…, op. cit., l.
628-808.
388
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 117 e 118.
389
Idem.
78

Faz-se necessário, antes de um exame mais detalhado da teoria preventiva, a qual


é objeto maior deste subcapítulo, fazer a distinção entre as duas mencionadas formas
antecipatórias mencionadas, para que se evite confusões adiante, quando apreciados os
discursos proferidos em meio da lançada guerra ao terror.
De maneira sucinta e segundo Caio Gracco Pinheiro Dias, tem-se que a doutrina
preemptiva se caracterizaria pelo uso antecipado da força como resposta a um ataque
iminente, ou seja, será justificado somente quando houver a certeza de que um ataque irá
ocorrer390. Sendo assim, o Estado agiria antecipando – por causa disso, antecipação – e
evitando quaisquer danos iminentes. No caso da doutrina preventiva, esta defende o uso
da força antecipada para prevenir certo problema futuro, que não iminente, mas uma
possível ameaça, encontrando bojo, assim, no mundo das hipóteses391. Segundo Jack
Levy, à modalidade preventiva foi dada uma concepção simplista, sendo seu propósito o
de se lutar uma guerra agora, em condições mais favoráveis, para que se evite os riscos
de se lutar uma guerra em piores condições no futuro, ou seja, diminui-se as perdas e
maximiza-se as vantagens lutando-se agora392. Essa concepção, como se depreende, não
especifica que o ator do ato preventivo seria aquele que possui maior poder bélico, em
comparação à vítima. Isso porque a lógica da prevenção, segundo Levy, também se
aplicaria em relação ao Estado considerado mais fraco, bastando que seja o praticante do
ato preventivo, em uma situação hipotética em que sua desvantagem somente aumentaria
no futuro393.
Como exemplos de casos específicos, diz-se que uso da preempção pode ser
verificada no caso do ataque aéreo realizado por Israel contra o Egito, em 1967, sob as
alegações de que as ações do Estado egípcio e de alguns de seus aliados apontavam para
um ataque iminente, cujo efeito colocaria em risco a própria existência do Estado de
Israel394. Já em caso de utilização da doutrina preventiva de legítima defesa, tem-se o
ataque proferido por Israel, em 1981, a um reator nuclear situado em território iraquiano,
o qual encontrava-se ainda em construção, sob o pretexto de ameaça à existência do
Estado israelense395, em um futuro próximo396. Como resultado, o Conselho de Segurança

390
DIAS, Caio Gracco Pinheiro. CONTRA A DOUTRINA ‘BUSH’..., op. cit., p. 145-147.
391
Ibidem, p. 146.
392
LEVY, Jack S. Declining Power and the Preventive Motivation for War. World Politics. Vol. 40, nº 1,
1987. p. 82 e 87-88.
393
LEVY, Jack S. Declining Power and the Preventive…, op. cit., p. 89.
394
DIAS, Caio Gracco Pinheiro. CONTRA A DOUTRINA ‘BUSH’..., op. cit., p. 147.
395
MACHADO, Jónatas. Direito Internacional..., op. cit., p. 654.
396
DIAS, Caio Gracco Pinheiro. CONTRA A DOUTRINA ‘BUSH’..., op. cit., p. 147.
79

adotou a Resolução 487, de forma unânime, condenando expressamente o uso da força


de maneira unilateral por Israel397.
Nos exemplos trazidos, compreende-se que, na teoria preemptiva, as justificas
baseiam-se em um ataque iminente, que colocaria em risco a segurança nacional ou até
mesmo a existência de um Estado. Envolve, nesse sentido, o uso da força militar do
Estado em razão da observância de um ataque iminente e a realização de que haveria
vantagens em se agir primeiro, seja para atacar ou evitar que o Estado seja atacado398. Na
modalidade preventiva, encontra-se uma maior subjetividade e vasto campo para
manipulação399, visto que a averiguação sobre a existência de uma autêntica ameaça se
trata de uma tarefa penosa. De mesmo modo, a caracterização de um ataque iminente
inexistiria no modelo preventivo, ou, como Jónatas Machado argui, subsistiriam
“dificuldades na determinação do grau de iminência necessário para fundamentar a
legítima defesa preventiva” 400. Em exercícios perigosos de futurologias, a sua utilização
poderia ocorrer devido a uma infinitude de causas. Como exemplo, poder-se-ia utilizá-la
em decorrência de uma deficiência ou perda de poder que determinado Estado possa
possuir sobre uma região, dependendo da política externa dos mais variados governos401,
e como cada governo classificaria as possíveis ameaças à sua segurança interna.
Demonstra-se que a doutrina preemptiva objetiva colocar o exercício do direito
da legítima defesa em patamar antecipatório quando exista a certeza indubitável de que a
segurança de um Estado se encontra ameaçada, de maneira iminente. Para tanto, faz-se
necessária a convicção, através de conteúdo probatório manifesto, de que um Estado está
prestes a realizar um ataque bélico contra outro soberano402. Esta escola sugere que o
artigo 51 da Carta teria preservado esse direito, pois a Carta não poderia garantir um
direito “inerente” para, em seguida, restringi-lo403. Pensa-se que, se a possibilidade de um
ataque iminente existe, o poderio bélico estará pronto e em evidência, prestes a ser
utilizado em um momento muito próximo, com seu alvo já definido. Ao contrário, esses
pontos específicos não se encaixariam nas características que envolvem o modelo

397
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução 487 do Conselho de Segurança de 19 de Junho
de 1981, S/RES/487. Disponível em: <https://undocs.org/S/RES/487(1981)>. Acesso em: 09/04/2019.
398
LEVY, Jack S. Declining Power and the Preventive…, op. cit., p. 90.
399
MACHADO, Jónatas. Direito Internacional..., op. cit., p. 655.
400
Idem.
401
LEVY, Jack S. Declining Power and the Preventive…, op. cit., p. 90. DIAS, Caio Gracco Pinheiro.
CONTRA A DOUTRINA ‘BUSH’..., op. cit., p. 152.
402
MURPHY, Sean D. The Doctrine of Preemptive Self-Defense. Villanova Law Review. Vol. 55, Issue
3, 2005. p. 711 e 712.
403
MURPHY, Sean D. The Doctrine of Preemptive Self-Defense, op. cit., p. 712.
80

preventivo de exercício da legítima defesa. As duas formas de exercício da força de


caráter antecipatório possuiriam significados distintos, apesar dos vocábulos serem
próximos, e, assim, suscetíveis à confusão.
O fator que predomina em destaque para diferenciar essas modalidades seria o
tempo: a legítima defesa preemptiva encontraria base em uma ameaça de ataque iminente,
nítido a sua frente na ocasião presente; a preventiva constituiria em uma resposta tática a
uma ameaça que tomaria anos para se desenvolver por completo404, uma ameaça incerta
e hipotética “que se espera a prazo”405. Convergente com a ideia de tempo, indaga-se que,
por ser preventiva, deve-se procurar, antes do uso da força, o esgotamento de todas as
medidas alternativas para solução da eventual controvérsia406.
No âmbito da prática internacional, verifica-se que os Estados, em geral, incluindo
os Estados Unidos da América e o Reino Unido, não demonstrar-se-iam simpáticos à
doutrina de legítima defesa preemptiva no percurso da história recente407. Entre 1950 a
1993, Estados condenavam incidentes envolvendo o uso da força nas formas
antecipatórias, requerendo que, para o uso do artigo 51, um ataque armado realmente
ocorresse. O que se relata, contudo, seria que, durante esses anos, a opinio juris de alguns
Estados teria se desenvolvido na direção de uma aceitação do modelo preemptivo408.
Demonstra-se, especificamente, o contraste entre a posição estadunidense em 1981, a qual
condenava as ações preventivas por meio da força de Israel contra o Iraque, através da
Resolução 487, e a posição adotada pelas estratégias de política externa para a chamada
nova guerra contra o terror409.
Também é verdade que a forma terrorista avançou a patamar preocupante,
principalmente em razão das armas de destruição em massa410, exigindo-se uma resposta
não somente proativa, mas efetiva por parte do direito internacional público. A resposta

404
LEVY, Jack S. Declining Power and the Preventive…, op. cit., p. 91. MURPHY, Sean D. The Doctrine
of Preemptive Self-Defense, op. cit., p. 712.
405
BAPTISTA, Eduardo Correia. A Nova Tipologia dos Conflitos Internacionais..., op. cit., p. 572.
406
PALMA, Maria Fernanda. Tribunal Penal Internacional – Evoluções previsíveis ante os problemas da
guerra de agressão, da “legítima defesa preventiva” e do terrorismo. Revista de Direito da Universidade
de Lisboa. Vol.: XLIV-Nº 1 e 2. Coimbra: Coimbra Editora, 2003. p. 633.
407
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 118-120.
408
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 120. A isso, soma-se a
aceitação, pela comunidade internacional, cada vez com maior frequência, de ações unilaterais pelo
caminho da força, por Estados contra outros Estados que, alegadamente, admitiam organizações terroristas
em seu território (BAPTISTA, Eduardo Correia. A Nova Tipologia dos Conflitos Internacionais..., op. cit.,
p. 545-550).
409
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 120 e 121.
410
MACHADO, Jónatas. Direito Internacional..., op. cit., p. 656.
81

em legítima defesa preemptiva acaba por receber atenção legítima, em meio a essas
possibilidades, uma vez que, se comparadas as duas formas abordadas, esta seria mais
prudente.
O debate sobre sua utilização também não se trata de um novo. Segundo John
Quigley, vários autores, dentre eles, Ian Brownlie e Hans Kelsen, já debatiam a permissão
do uso da força, no escopo do artigo 51 da Carta da ONU, em razão do início da
mobilização de um Estado para a realização de um ataque armado, ou em razão da
tamanha evidência de que um ataque armado seria iminente411. O que se proporia, deste
modo, não seria que o Estado devesse aguardar os danos físicos ao seu território para
poder agir em legítima defesa. Disso, surge a indagação sobre o porquê ter-se-ia insistido
na denominação “preemptiva” para o exercício da legítima defesa para essas ocasiões –
não seria, de mesmo modo, o exercício do direito inerente à legítima defesa em estrito
cumprimento do artigo 51 da Carta?
Todavia, aponta-se para a confusão dos próprios Estados em saber diferenciar as
duas formas. Como exemplo, a primeira tentativa do uso preventivo após o 11 de
setembro baseou-se, como se verá, na posse de armas de destruição em massa pelo Iraque.
Não obstante, a alegação se configura como uma simples alegação até os tempos atuais,
havendo nítida carência de conteúdo probatório sobre a posse de armas de destruição em
massa pelo Estado iraquiano412, governado, à época, por Saddam Hussein. Como já
sustentando anteriormente, a ideia de que o Estado pudesse representar uma ameaça seria
uma de difícil acepção, visto que o Estado iraquiano ainda sofreria com o fim da I Guerra
do Golfo e com a imposição de sanções pela ONU, as quais perduraram até o ano de 2003.
De fato, o banimento de um controle externo, o qual se realizaria pelos inspetores da
ONU, para a averiguação de cumprimento da Resolução 687, de 1991, que determinou o
fim da I Guerra do Golfo e previa o desarmamento do Iraque, reconhecida como violada
através da Resolução 1441, de 2002, contribui para invasão413. Saddam Hussein, ao
mesmo tempo que pressionava a ONU pelo fim das sanções econômicas, passava sua
imagem como o líder que enfrentava Israel e os Estados Unidos da América, através de
um nítido suporte à causa Palestina414.

411
QUIGLEY, John. The United Nations Action against Iraq: A Precedent for Israel’s Arab Territories.
Duke Journal of Comparative & International Law. Vol. 2, n. 2, 1992. p. 206.
412
Cf. BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 235.
413
Ibidem, p. 235 e 236.
414
MORAES, Roberto Camps. A segunda Guerra do Golfo..., op. cit., p. 49 e 50.
82

Porém, como bem aponta Brant, isso não seria capaz de legitimar outro Estado a
recorrer à força de maneira unilateral, desrespeitando o poder central do Conselho de
Segurança da ONU, alegando o descumprimento de obrigações internacionais415. E
assim, apesar das críticas apontadas, essa primeira ação concreta não contribuiria
positivamente para um eventual caminho a ser construído pela prática internacional. Ao
contrário, prejudicaria os novos caminhos para combater a já difícil tarefa imposta pela
tática terrorista, como apresentada nesse início do século XXI.
Particularmente ao caso estadunidense pós-11 de setembro, a escolha das palavras
“prevenir” e “deter”416, empregadas ao discurso realizado pelo governo Bush, atrai certa
curiosidade e pode ser interpretada como uma estratégia oportuna para fazer avançar o
instituto de legítima defesa em seu propósito preventivo, aproveitando-se de um momento
de maior aceitabilidade de uma forma preemptiva. Entretanto, para utilização da forma
preemptiva, se pressupõe a nítida vontade, através da observância de armamentos postos
e/ou movimentação militar do outro Estado, para ser considerado como tal.
Voltando-se um pouco à tese de controle efetivo, no caso iraquiano se configurou
uma ligação sem rodeios daquele Estado com o terrorismo – lembra-se que, como parte
da guerra contra o terror, a invasão teve, dentre o seu bojo, uma razão antiterrorismo –,
mas não apresentou conteúdos probatórios que venham a elucidar a ligação da produção
de armas de destruição em massa com as organizações terroristas. Sugere-se que a
abordagem do governo estadunidense seria, assim, a de retirar o elemento de iminência
do conceito da forma de legítima defesa preemptiva417. De qualquer forma, isso faria com
que as formas antecipatórias se confundissem, visto que a iminência está intimamente
ligada ao tempo para a realização de um ataque armado. Outra visão aponta para o
contrário, pois, em decorrência do avanço da forma terrorista e as armas de destruição em
massa, os Estados estariam correndo riscos iminentes a todo tempo, mas é simplesmente
derrubada pelo simples fato de que, parafraseando Thomas Franck, “poucos Estados se
consideram diretamente ameaçados pelo terrorismo em qualquer das suas manifestações
atuais” (tradução nossa)418.
Ainda, nos discursos que serão vistos mais adiante, nota-se, quando da sustentação
por um direito de legítima defesa, o uso do vocábulo “defesa preemptiva”, e não “defesa

415
Idem.
416
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Carta datada de 7..., op. cit.
417
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 121.
418
FRANCK, Thomas M. What Happens Now?..., op., cit., p. 618.
83

preventiva”. A condução dessa nova política de segurança, diz Noam Chomsky, coincidiu
com uma forte onda propagandista por uma guerra que estabelecera a doutrina preventiva
de legítima defesa como a nova prática internacional419. Diz-se que a adoção de uma
política externa que se distancia dos princípios basilares de direito internacional público
não causa tanta estranheza, uma vez que as promessas do governo, à época, giravam em
volta da adoção de medidas peculiares420. A retirada do Estado do Tratado Antimísseis
Balísticos, firmado com a então União Soviética, a rejeição do Protocolo de Kyoto, do
Estatuto de Roma e a declaração de que um dos passos do governo seria o distanciamento
em relação à ONU421 reforçariam tal afirmação. Após os atentados de 11 de setembro,
essas medidas acabam por ser intensificadas, focando-se no combate ao terrorismo e na
legítima defesa preventiva422 – “we may find that our self-defence requires further actions
with respect to other organizations and other States”423.
Ainda sobre as armas de destruição em massa, à época da invasão do Iraque, alega-
se que o governo Bush exercia pressão sobre a presidência da Organização para a
Proibição de Armas Químicas (OPAQ), representada pelo diplomata José Maurício
Bustani, recém reeleito para o exercício de um segundo mandato. Bustani foi afatastado
da chefia da OPAQ, como o próprio relata, sob argumentos de “má gestão” e “perda de
confiança”424. Sob o comando de Bustani, a organização fora responsável por 1100
inspeções em mais de 50 Estados, efetivando o fechamento de 2/3 das intalações que
produziam armas químicas no mundo425. Resumidamente, sustenta-se que a tentativa do
diplomata em tratar a aproximação do Iraque e da Líbia, no sentido da desão à
Organização, teria sido repudiada pelo governo estadunidense426. A aproximação, cabe
interpretação, seria uma maneira a garantir novas inspeções, as quais, como reflexo,
minariam a base argumentativa para a invasão do Iraque427. Por essas razões, passa-se a

419
CHOMSKY, Noam. Moral Truisms, Empirical Evidence, and Foreign Policy, op. cit., p. 607.
420
Mesmo antes dos ataques de 11 de setembro, o governo já seria conhecido pela proposição de medidas
reconhecidas como ultraconservadoras (PEREIRA, Antonio Celso Alves. A Reforma das Nações Unidas...,
op. cit., p. 26). Ainda, realiza-se comparação entre os governos Clinton e Bush, visto que o segundo teria
uma abordagem diferenciada, direcionada a um endurecimento “das relações com outros países, recusando
submeter-se aos acordos multilaterais e, ao mesmo tempo, aumentando a militarização” (FAY, Claudia
Musa. A questão do petróleo..., op. cit., p. 60).
421
PEREIRA, Antonio Celso Alves. A Reforma das Nações Unidas..., op. cit., p. 26.
422
PEREIRA, Antonio Celso Alves. A Reforma das Nações Unidas..., op. cit., p. 27.
423
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Carta datada de 7..., op. cit.
424
BUSTANI, José Mauricio. O Brasil e a OPAQ: diplomacia e defesa do sistema multilateral sob ataque.
Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Vol. 16, n. 46, 2002. p. 76.
425
Ian Williams apud Ibidem, p. 78 e 79.
426
Ibidem, p. 79.
427
Fonte: <https://theintercept.com/2018/03/28/trump-jose-bustani-john-bolton-iraque/>.
84

garantir atenção aos discursos proferidos pelos Estados Unidos e Reino Unido e o possível
impacto que estes possam ter no instituto de legítima defesa, utilizando-se do que se foi
visto na parte I deste trabalho.
Destarte, os dois Estados emitiram declarações que justificavam o uso da força,
ainda para o caso afegão, baseando-se na prevenção de ameaças futuras428. A confusão
trazida pelo discurso seria nítida. Isso porque se é comum encontrar menções à defesa
“preemptiva” quando, na realidade, a estratégia de defesa do Estado, quando dissecada,
seria, de fato, preventiva. Como exemplo, averígua-se o discurso proferido pelo então
presidente George W. Bush, em 2002:

For much of the last century, America’s defense relied on the Cold War
doctrines of deterrence and containment. In some cases, those strategies still
apply. But the new threats also require new thinking. Deterrence – the promise
of massive retaliation against nations – means nothing against shadowy
terrorist networks with no notion or citizens to defend. Containment is not
possible when unbalanced dictators with weapons of mass destruction can
deliver those weapons on missiles or secretly provide them to terrorist allies.
We cannot defend America and our friends by hoping for the best. We cannot
put our faith in the world of tyrants, who solemnly sign non-proliferation
treaties, and then systematically break them. If we wait for threats to fully
materialize, we will have waited too long. Homeland defense and missile
defense are part of stronger security, and they’re essential priorities for
America. Yet the war on terror will not be won on the defensive. We must take
the battle to the enemy, disrupt his plans, and confront the worst threats before
they emerge. (Applause.) In the world we have entered, the only path to safety
is the path of action. And this nation will act (Applause.) Our security will
require the best intelligence, to reveal threats hidden in caves and growing in
laboratories. Our security will require modernizing domestic agencies such as
the FBI, so they’re prepared to act, and act quickly, against danger. Our
security will require transforming the military that you will lead – a military
that must be ready to strike at a moment’s notice in any dark corner of the
world. And our security will require all Americans to be forward-looking and
resolute, to be ready for preemptive action when necessary to defend our
liberty and to defend our lives429.

Myra Williamson aponta, sobretudo, que

One obvious problem with the above statements is that they assume that the
right of self-defence permits force to be used in anticipation of future attacks,
even though there is no apparent knowledge of when those attacks are likely
to occur, where they are going to be launched from or what form they are likely
to take. The US and the UK thereby indicated their intentions to use force in
self-defence to prevent non-imminent future attacks from unspecified sources.
It is submitted that this is a departure from the accepted, restrictive,
interpretation of Article 51, which literally states that force is permitted if an
armed attack occurs. The US and the UK ostensibly tried to extend the

428
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 219.
429
Presidente George W. Bush, em 1 de junho de 2002, op. cit.
85

timeframe within which self-defence can be exercised, so that they would be


entitled to use force indefinitely to prevent future attacks. This interpretation
of article 51 should not be accepted and the evidence shows that states have,
historically, not accepted it. The only compelling conclusion is that article 51
confines states to exercising the right of self-defence only in response to an
armed attack. If an armed attack is not yet on the horizon, a concerned state
cannot launch an aggressive war in order to prevent future attacks before they
are planned. However, a state which feels that future attacks may be launched
against it does not have to stand idly by and wait for them […]430.

Em sua visão, não há dúvidas sobre a interpretação do artigo 51, o qual excluiria
o recurso do uso da força para quaisquer ameaças não iminentes. A iminência, conforme
debate doutrinário já escrutinado, seria uma caraterística presente na forma preemptiva e,
quando presente, poder-se-ia tomar as precauções necessárias, como a de se preparar para
impedir o ataque quando o mesmo fosse mobilizado431.
Os discursos, no entanto, obtiveram o respaldo através da via democrática, através
da chancela para o uso da força no Iraque, pelo congresso estadunidense, em 16 de
outubro de 2002. De tal modo, as instituições democráticas estariam em sintonia com o
discurso proferido: o Iraque teria a “capacidade e vontade” (tradução nossa) para usar
armas de destruição em massa, sendo possível que o regime poderia fazer o uso destas
em “um ataque surpresa contra os Estados Unidos ou suas forças armadas” (tradução
nossa), justificando-se, a partir desse momento, o uso da força para defender a integridade
de sua população e de seu território432. As pesquisas de opinião confirmariam que as
instituições democráticas estariam em concordância com os anseios populares,
demonstrando-se que, em 2003, 72% da população apoiava a decisão de invadir o
Iraque433. Entretanto, evidencia-se quedas para as proporções de 55%, 46%, e 36%, em
2004, 2005 e 2006, respectivamente434. Tamanha queda, constata-se, acompanha a
crescente dúvida sobre a real existência das mencionadas armas de destruição em massa,
tese central proposta pelo governo para a invasão435.
Um molde preventivo de legítima defesa, em âmbito interno estadunidense,
recebera o apoio em decorrência de uma fomentada ameaça, através dos discursos sobre

430
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 219 e 220.
431
Ibidem, p. 220.
432
Fonte: <https://www.congress.gov/107/plaws/publ243/PLAW-107publ243.pdf>. Cf. MURPHY, Sean
D. The Doctrine of Preemptive Self-Defense, op. cit., p. 701 e 702.
433
SANTOS, Maria Helena de Castro; TEIXEIRA, Ulysses Tavares. The essential role of democracy in
the Bush Doctrine: the invasion of Iraq and Afghanistan. Revista Brasileira de Política Internacional.
Vol. 56, n. 2, 2013. p. 137.
434
SANTOS, Maria Helena de Castro; TEIXEIRA, Ulysses Tavares. The essential…, op., cit., p.137.
435
Ibidem, p. 137 e 138.
86

armas de destruição em massa, que causara medo na população. O caso representa, crê-
se, outro exemplo do efeito de “reagrupamento em torno da bandeira”436, mas aplicado
diretamente a uma política pública singular – no caso, a garantia da defesa interna
mediante a invasão do Iraque –, e não a níveis de aprovação do governo. A verificação
do efeito se daria através das porcentagens coletadas em momento posterior, em
consonância com a realização, por parte do povo, da inexistência de armas de destruição
em massa e com a já diminuída atmosfera de medo que, possivelmente, teria sido criada
para a aprovação de tais medidas pela via democrática437. As reações, mesmo que passem
por essa via democrática, seriam facilmente influenciadas por uma ambiência de medo
instaurada pelo terrorismo e possivelmente fomentadas por agendas políticas oportunas.
Como exemplo, chega-se a afirmar que, hoje, a intolerância religiosa tem sido
considerada como um dos principais motivos da ocorrência de conflitos armados, sendo
deliberadamente fomentada438.
Além da tese principal, George W. Bush utilizou-se da tese de que o Estado
iraquiano estaria fornecendo abrigo para organizações terroristas, tese também
apresentada para o caso afegão, em 2001. Classificou, de tal maneira, o Estado iraquiano
como “the central front in the war on terror” e que “the war on terror in Afghanistan and
Iraq will require a sustained commitment of time and resources, similar to our
commitment to rebuilding Germany and Japan after World War II”439. Novamente,
através do discurso, compara-se a situação com as situações de guerra, já tendo sido
arguido que o vocábulo possui um significativo impacto na opinião pública, capaz de
gerar efeitos psicológicos desmedidos à população.
Resta cristalina, em razão da ausência da característica de caráter iminente, que a
política externa estadunidense buscava fazer avançar e assegurar seus interesses440 através
do instituto da legítima defesa, em sua forma preventiva – “if we wait for threats to fully
materialize, we will have waited too long”441.

436
Ver páginas 16 e 17.
437
Para uma análise interessante sobre “a construção do inimigo por George W. Bush”, Cf. LEITE, Lucas
Amaral Batista. George W. Bush e a construção do inimigo na guerra ao terror. Revista de Iniciação
Científica em Relações Internacionais. Vol. 8, n. 16, 2009. p. 41-54.
438
MACHADO, Jónatas. Direito Internacional..., op. cit., p. 646.
439
Presidente George W. Bush, em 9 de Setembro de 2003, em sua pronúncia à Nação. Disponível em:
<https://georgewbush-whitehouse.archives.gov/news/releases/2003/09/20030909.html>. Acesso em:
26/01/2018.
440
Ver páginas 75 e 76.
441
Presidente George W. Bush, em 1 de junho de 2002, op. cit.,
87

Apesar da tentativa de legitimar um uso preventivo da força através do discurso


confuso e oportuno, esta não se demonstrou suficiente, desta vez, para satisfazer a opinião
pública, academia, diversos Estados e o Secretário Geral da ONU442. A guinada se
constata através da falta de suporte da comunidade internacional em relação à invasão do
Iraque. A causa, sustenta Mary O’Connell, estaria correlacionada às propostas que
envolviam um expansivo conceito de segurança443. A acusação de que o governo
iraquiano possuiria armas de destruição em massa estaria presente naquele mundo das
hipóteses, justificando-se a legítima defesa somente através de uma doutrina preventiva,
esta que nunca possuiu forte aceitação no decurso da história444 e não seria considerada
verdadeiramente como uma exceção para o uso da força.
No cenário de justiça internacional, a CIJ se absteve em tratar sobre a
diferenciação das duas formas no caso Nicarágua v. Estados Unidos da América, como
também não houve manifestação do Conselho de Segurança em sentido de diferenciar
essas formas de legítima defesa445. Leva-se a crer que isso tenha acontecido porque não
seja deveras importante diferenciá-las, como vem fazendo a doutrina. Essa crítica se
estende ao ponto de que somente seria necessário, independente da forma de legítima
defesa, que os requisitos para o exercício da legítima defesa, como proposta pela Carta,
sejam respeitados. Sobre esse viés crítico, Caio Gracco Pinheiro Dias explana:

Por isso, a rigor, não faz sentido falar em legítima defesa preemptiva ou em
legítima defesa preventiva como sendo duas espécies de legítima defesa; essa
terminologia, inclusive, tem prestado um desserviço à discussão: ao enfatizar
apenas e tão-somente a referência ao requisito de que a defesa se dirija contra
uma agressão, as expressões ‘legítima defesa preemptiva’ e ‘legítima defesa
preventiva’ deixam em segundo plano o outro requisito da legalidade da ação
defensiva: a necessidade concreta dos meios empregados; o uso de tais
expressões tende a fazer esquecer que a licitude da violência praticada com
fins preventivos ou preemptivos também depende da comprovação da
necessidade de seu emprego, atribuindo a tais fatos uma presunção quase
inafastável de legalidade, decorrente da enorme carga emocional ínsita no
conceito de legítima defesa, em razão da sua natureza de condição de
legitimidade de um ordenamento jurídico446.

442
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 49-198.
443
O’CONNELL, Mary Ellen. American Exceptionalism…, op. cit., p. 43.
444
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, cit., p. 219 e 220.
445
MURPHY, Sean D. The Doctrine of Preemptive Self-Defense, op. cit., p. 702 e 703.
446
DIAS, Caio Gracco Pinheiro. CONTRA A DOUTRINA ‘BUSH’..., op. cit., p. 157.
88

Sem embargos, a tentativa de segurar uma linha argumentativa sob os resquícios


das razões utilizadas para a invasão do Afeganistão, para que uma ação de legítima defesa
preventiva no caso iraquiano fosse apoiada, restou fracassada.
Porém, mesmo que se vislumbre que a invasão do Iraque sofreu uma maior
reprovação perante a comunidade internacional, foi a partir da invasão do Afeganistão
que preceitos de direito internacional público começaram a ser relativizados e se tornaram
mais subjetivos. O uso do discurso político parece, até certo ponto, ter sido comprovado
como uma ferramenta útil de convencimento da opinião pública, uma vez que a invasão
do Iraque, afora o criticismo, aconteceu sem que os Estados Unidos da América sofressem
quaisquer tipos de penalidades no cenário internacional. Nesse sentido, o criticismo deve
recair, com maior força, sobre o direito internacional público e a comunidade
internacional, os quais, conforme disserta Brant, devem se posicionar diante a uma crise
de legitimidade, sendo mais enfáticos na defesa de um multilateralismo que defenda os
preceitos da Carta, para que não seja possível que um Estado possa extrapolá-los, por
mero prazer de exercício de sua hegemonia447.
PARTE III – DIREITO INTERNACIONAL DA PESSOA HUMANA E
COMBATE AO TERRORISMO

6 DA DEPRECIAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS EM RAZÃO DO


COMBATE AO TERRORISMO

O grande alcance dos efeitos ocasionados pelo terrorismo neste início de século,
pode-se dizer, se trata de um consenso. Afirma-se que os atos terroristas causam impactos
diretos em diversas liberdades humanas protegidas por convenções internacionais448.
Seria o caso do direito à vida, do direito à saúde, do direito à não-discriminação, do direito
a se ver livre da tortura, penas e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, da
detenção arbitrária, dentre outros449. Suscintamente, aduz-se que não exista um sequer
direito humano que não sofra impacto em razão da atividade terrorista450. O Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos vai além e afirma que o

447
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 236.
448
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Fifty-third session on Promotion…, op. cit., p. 28.
449
Idem.
450
Idem.
89

terrorismo atacaria os valores estabelecidos pela Carta das Nações Unidas, o respeito
pelos direitos humanos, o Estado de Direito, as regras que regulam os conflitos armados
e a proteção de civis, a tolerância entre os povos e nações e a resolução pacífica de
conflitos, desestabilizando governos e a sociedade civil, ameaçando o desenvolvimento
social e econômico451.
Dada a relevante relação entre a depreciação de direitos humanos, os atos
terroristas e conflitos armados, buscar-se-á apontar, através da análise do outro lado do
espectro, quais os efeitos que a reação – combate ao terrorismo – vêm proporcionando
em âmbito de proteção internacional dos direitos humanos. Sabendo-se que os atos
terroristas afetam as liberdades humanas, ainda mais difícil seria buscar um paralelo que
justifique criticar um combate que, via de regra, combateria um fenômeno criminal
prejudicial para essas mesmas liberdades. Ainda, sendo os pactos de direitos humanos
direcionados aos seus Estados signatários, como se verá, caberia a este, na forma de
combate ao terrorismo, adotar medidas que assegurem os direitos humanos para que seus
cidadãos não se sejam alvo de ações terroristas. No entanto, como já se foi visto, certa
prudência deveria ser respeitada, uma vez que o combate ao terrorismo pode vir a
desrespeitar os mesmos valores propostos pela Carta da ONU, desestabilizar governos e
um determinado povo, como, também, causar reações discriminatórias devido a um
tratamento exclusivo de certo povo ou de certa religião como intrinsecamente terrorista.
Evidenciada a forçosa tentativa de posicionar o combate contra organizações
terroristas no plano dos conflitos armados internacionais, intensifica-se o tratamento do
problema pela mesma via de uso da força, ou, como sustenta-se, por um “paradigma de
conflitos armados” (tradução nossa)452, através de uma possível aceitação da legítima
defesa preemptiva, ou da atitude passiva da comunidade internacional ao uso de uma
legítima defesa preventiva. Como reflexo maior, tem-se que o direito humanitário
ocuparia o espaço que antes seria ocupado pelas normas internacionais de proteção dos
direitos humanos453. Um tratamento pela via de cooperação internacional, obstado pela
atuação unilateral e por um desprezo pueril ao multilateralismo de alguns Estados, como
já arrazoado anteriormente, estaria cada vez mais distante.

451
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos
Humanos. Human Rights, Terrorism and Counter-terrorism. p. 7. Disponível em:
<http://www.ohchr.org/Documents/Publications/Factsheet32EN.pdf>. Acesso em: 26/02/2018.
452
FITZPATRICK, Joan. Speaking Law to Power: The War Against Terrorism and Human Rights.
European Journal of International Law. Vol. 14, n. 2, 2003. p. 246.
453
Idem.
90

Além do tratamento específico em plano internacional, as políticas e medidas de


combate ao terrorismo aplicadas em âmbito interno também possuem sua influência no
direito internacional da pessoa humana, vide os seus efeitos diretos às liberdades
humanas. Quer-se dizer que, ao meio dessas medidas combativas, existiriam dispositivos
que visam limitar as liberdades humanas, indo em desencontro com regras estabelecidas
pelas normas internacionais de proteção da pessoa humana. As leis nacionais
antiterroristas recebem maior atenção, pois passíveis de encurtar direitos que seriam
estipulados por essa gama de proteção454. Da mesma maneira que o terrorismo de Estado
seria exercido para a instauração de regimes totalitários e, também, exercido durante a
sua vigência, na forma de uma prática de governo conduzida pela instauração do medo,
utilizando-se do sequestro e assassinato de inimigos políticos, prisões arbitrárias, torturas
e intolerância com minorias raciais e religiosas, um governo democrático poderia, da
mesma forma, tirar proveito de uma situação emergencial para limitar certas liberdades
individuais, em nome do combate ao terrorismo455.
Já se tendo feita a análise do discurso político, o estudo da influência dos meios
de comunicação sobre a opinião pública e seu impacto para promover uma agenda
política, busca-se relacionar a assertiva com a habilidade que os regimes democráticos
possuem quando fazem o uso dessa ferramenta, a fim de justificar suas violações de
normas internacionais de proteção da pessoa humana, caso confirmadas. Se considerada
a hipótese, a formação da opinião pública forneceria certa imunidade para os governos
democráticos, uma vez que, presumidamente, as mudanças seriam aprovadas pelas
instituições democráticas, sendo empoderadas com força de legitimidade,
independentemente se forem limitadoras de direitos humanos no âmbito interno ou
violadoras das normas internacionais de proteção da pessoa humana. Questões
relacionadas a essa relação entre os direitos humanos e a democracia apontam que a
proteção dos direitos humanos seria essencial para sustar o avanço de possíveis regimes
autoritários456, que poriam em risco o próprio regime democrático.
A criação de uma atmosfera de medo desproporcional e enviesada por critérios
discriminatórios podem, de todo feito, atingir garantias e liberdades de todos, como
poderia fomentar a intolerância em direção às minorias de uma sociedade. Como
apontado, tem-se visto que a intolerância religiosa como a maior causa da formação de

454
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Fifty-third session on Promotion…, op. cit., p. 28.
455
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Fifty-third session on Promotion…, op. cit., p. 13.
456
PIOVESAN, Flávia. A constituição brasileira de 1988..., op. cit., p. 87-94.
91

conflitos armados atuais, sendo, em alguns casos, deliberadamente fomentada. Por se


tratar de uma religião associada com o volume de ataques terroristas, o islã tem sido visto
como uma religião intolerável, salvo melhor juízo, em algumas sociedades cristãs, muito
em razão do poder que Estado e a propaganda possuem na transformação da percepção
de uma religião, que pode ser percebida como um grupo de fanáticos religiosos, em sua
totalidade. A adoção de medidas de cunho migratório, como a restrição de entrada de
imigrantes ou turistas de países majoritariamente muçulmanos também pode abastecer
esse tipo de intolerância, mesmo quando as razões para essa restrição forem
empiricamente infundadas.
Sobre isso, Kalliopi Koufa arrazoa:

Either State or non-State may intentionally fan the fear of terrorist acts against
a population. Fear out of proportion to actual risk can generate, for example,
attitudes of generalized fear of a particular race or religion. Clearly, in a
number of countries orchestrated denouncing of certain groups has already
resulted in generalized racism and religious intolerance. Undue fear leads to
weakened resistance to overly harsh anti-terrorism measures. The desire of a
State to have such measures may lie behind fear campaigns. Some States may
consider that the resulting racism and religious intolerance is useful to its
political agenda and therefore worth the price. However, from a human rights
perspective such cynicism is offensive and has had a serious negative effect on
human rights wherever these policies occur. In any case, there may be a
serious risk of curtailment of basic civil liberties457.

Nesse sentido, a nova guerra ao terror desafiaria o conjunto de normas


internacionais de direitos humanos. Em uma posição mais crítica, chega-se a afirmar que
a guerra contra o terrorismo, da forma pela qual vem sendo conduzida, ignorando-se
normas de direito internacional da pessoa humana e de direito internacional humanitário,
seria em si mesma uma ameaça potencialmente maior à segurança humana, se comparada
aos bombardeios terroristas458. Os horrores dos mais variados atentados terroristas,
veiculados de forma efusiva por mídias onipresentes nas sociedades de informação,
facilitariam a formação da mente pública, obscurecendo as consequências das medidas
adotadas como necessárias para o combate ao terror459. Alega-se, não obstante, que o
conjunto de normas internacionais de direitos humanos não inibiria quaisquer tentativas
de resposta ao fenômeno criminal460, não havendo um motivo para desrespeitá-las ou

457
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Fifty-third session on Promotion…, op. cit., p. 31.
458
HOFFMAN, Paul. Human Rights and Terrorism. Human Rights Quarterly. Vol. 26, nº 4, 2004. p. 933
e 934.
459
Idem.
460
Ibidem, p. 934.
92

diminuí-las. Os mecanismos de direitos humanos, que teriam sido criados para proteger
os indivíduos contra o abuso de poder do Estado, diz-se, não impediriam um governo de
aplicar uma resposta efetiva para se lidar com a ameaça terrorista461.

6.1 DAS POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS E A DEPRECIAÇÃO DE DIREITOS


HUMANOS NA ESFERA INTERNA

Um exemplo de caso recente e de como uma política governamental pode afetar


ou instigar a intolerância seria o caso da recente ordem executiva do atual presidente dos
Estados Unidos da América, Donald Trump, realizada em janeiro de 2017 e intitulada
“Protecting the Nation From Foreign Terrorist Entry Into the United States”.
Fundamentada na ameaça de grupos terroristas e na perseguição de minorias religiosas
em território iraquiano e sírio, dominados pela organização Estado Islâmico do Iraque e
do Levante, a mais nova ordem banira a entrada de nacionais do Iraque, Irã, Sudão, Líbia,
Somália, Síria e Iêmen no território estadunidense462. Ademais, colocara em pausa
indefinida o programa de acolhimento de refugiados sírios, suspendera o Programa de
Admissão de Refugiados por 120 dias e criara exceção a garantir preferência de refúgio
àqueles que possuíssem outra religião considerada como minoritária nesses países
citados463.
Apesar de ter sido derrubada464, sob uma óptica do direito internacional da pessoa
humana, essas medidas estariam em flagrante violação do artigo 4 do Pacto Internacional
sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP), de 1966, o qual dispõe que, mesmo em casos
emergenciais, os Estados signatários não poderiam fundamentar a supressão dos direitos
elencados no pacto com base em motivos exclusivos de raça, cor, sexo, língua, religião

461
MICHAELSEN, Christopher. Permanent Legal Emergencies and the Derogation Clause in International
Human Rights Treaties: A Contradiction? In: MASFERRER, Aniceto (Ed.). Post 9/11 and the State of
Permanent Legal Emergency: Security and Human Rights in Countering Terrorism. New York: Springer,
2012. p. 288.
462
Anunciada como uma continuação do programa de segurança de Barack Obama, que baniu a entrada de
refugiados iraquianos durante 6 meses, mais nova ordem foi expandida de maneira notória (BARROW,
Jennifer Lee. Trump’s Travel Ban: Lawful but Ill-Advised. Harvard Journal of Law & Public Policy.
Vol. 41, 2018. p. 691 e 692).
463
BARROW, Jennifer Lee. Trump’s Travel Ban…, op. cit., p. 692.
464
A Ordem foi derrubada pelo judiciário americano, o que não impediu que o então presidente formulasse
uma nova ordem executiva, diminuindo alguns pontos apresentados pela ordem original (Ibidem, p. 693 e
694).
93

ou origem social. Não somente, afronta também o artigo 26, referente ao tratamento
igualitário de todas as pessoas perante a lei465.
No tocante à generalidade do que dispõe o Pacto, como à época de sua formulação
já se tinha como notória a relação de hipossuficiência entre o indivíduo e o Estado, em
razão do Estado ser considerado o principal violador de direitos humanos à época466, este
foi formulado de modo a estabelecer obrigações majoritariamente negativas aos seus
signatários, a modo que estes se abstenham de agir de determinada forma, para resguardar
certas liberdades humanas. Isso significaria dizer que o Estado deve respeitar liberdades
humanas na forma de inação, em alguns casos467, como são os exemplos do direito de
livre circulação, proibição da tortura e da não discriminação468. Como exemplo de uma
obrigação mista – negativa e positiva –, tem-se o direito à vida, garantido pelo Pacto e
que atribui aos Estados a tarefa de assegurar que seus cidadãos não tenham esse direito
ameaçado, dentre as possibilidades, por atos terroristas, instigando ação estatal para
preveni-los469. O direito à vida como disciplinado pelo pacto seria constituído por uma
mistura de obrigações positivas e negativas, visto que, pelo lado da inação, determina que
ninguém deverá ser privado arbitrariamente de sua vida, demandando uma inação do
Estado. Não obstante, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos
aponta, por fim, que a obrigação positiva de assegurar a vida, através do fornecimento de
segurança aos seus cidadãos, deve obedecer a promoção dos direitos humanos, no estrito
dever que o Estado signatário possui em cumprir as obrigações às quais se submeteu
diante do direito internacional470. Particularmente relevante à temática, o Comissariado
faz menção ao direito internacional da pessoa humana, o direito internacional humanitário
e o direito internacional dos refugiados471.

465
BRASIL. Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos. Promulgação. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm>. Acesso em: 10/01/2018.
466
SANTOS, Boaventura de Souza. Uma Concepção Multilateral de Direitos Humanos. Lua Nova:
Revista Cultural e Política. n. 39, 1997. p. 106.
467
O Pacto também requer ação positiva dos Estados-signatários para garantir certos direitos humanos,
como é o caso do artigo 14º, que determina a obrigação dos Estados em assegurar aos indivíduos o “[...]
direito a que sua causa seja ouvida equitativa e publicamente por um tribunal competente, independente e
imparcial”. Essa medida depende da criação de tribunais independentes e do acesso à justiça para todos e,
assim, para que se concretize, impõe uma obrigação positiva que incita a ação do Estado.
468
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Direitos Humanos na Administração da Justiça:
manual de direitos humanos para juízes, magistrados do ministério público e advogados. Tradução
de Raquel Tavares. Vol. 1. Genebra, 2003. p. 23.
469
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Human Rights, Terrorism..., op. cit., p. 8 e 9.
470
Idem.
471
Ibidem, p. 9.
94

Da mesma maneira, o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais


e Culturais472 – o qual, juntamente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e
o PIDCP, forma o tripé normativo internacional geral que, de certa forma, influencia
outras demais convenções internacionais específicas sobre direitos humanos473 –, em seu
artigo 2(2), requer que os Estados signatários apliquem as medidas e obrigações impostas
respeitando e garantindo um tratamento não discriminatório e igualitário, não havendo
espaço para um tratamento desigual baseado na discriminação de raça, cor, religião,
gênero, dentre outros474. O respeito a esses pontos específicos de não discriminação e
tratamento igualitário seria considero como parte integral para a garantia do gozo dos
direitos econômicos, sociais e culturais475. Por essa razão, esses direitos seriam por
diversas vezes afetados pelas medidas antiterroristas que constringem ou não observam
essas mesmas disposições476.
Voltando-se à ordem executiva, esta aparentou priorizar a entrada de cristãos,
tendo em vista as medidas que buscavam proteger somente aqueles que possuíssem uma
religião considerada minoritária em um desses países477, ao mesmo tempo que excluía a
entrada de muçulmanos advindos desses mesmos países. Nota-se que a justificativa
apresentada seria a de que organização terrorista estaria perseguindo – executando –
indivíduos que possuíam credos religiosos distintos daqueles pregados pela organização
terrorista, mas estaria sendo realizada em partes da Síria e do Iraque. A ordem, entretanto,
abrange um número maior de Estados, os quais não apresentam ligação direta com as
razões apresentadas. Por se tratar de uma restrição de entrada a indivíduos oriundos de
países nos quais a religião do islã possui papel fundamental para a adoção de políticas de
Estado ou nas regras das condutas sociais, essa restrição já fora chamada pela mídia de

472
BRASIL. Decreto nº 591, de 6 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Promulgação. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm>. Acesso em: 10/01/2018.
473
São exemplos, dentro outros, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher, a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes.
474
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia Geral das Nações Unidas. Sixty-fourth session
Report of the Special Rapporteur on the promotion and protection of human rights and fundamental
freedoms while countering terrorism. Promotion and protection of human rights: human rights situations
and reports of special rapporteurs and representatives, A/64/211, 2009. p. 8. Disponível em:
<http://www2.ohchr.org/english/issues/terrorism/rapporteur/docs/A-64-211.pdf>. Acesso em: 01/03/2018.
475
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Sixty-fourth session Report…, op. cit., p. 8 e 9.
476
Idem.
477
Fonte: <https://www.economist.com/graphic-detail/2017/09/11/the-curious-case-of-donald-trumps-
travel-ban>.
95

“Muslim ban”478, pois possuiria um motivo exclusivo baseado em um preconceito


religioso, mesmo que não representassem a totalidade dos povos muçulmanos presentes
no globo terrestre. Ainda, o artigo 4(1) do PIDCP exige uma situação emergencial para a
restrição desses direitos, o que não aparenta ser o caso da ordem executiva examinada.
Por fim, do próprio nome fornecido à ordem executiva extraem-se termos pejorativos,
depreciativos aos Estados e aos povos afetados.
Clarifica-se que, em razão dos ataques de 11 de setembro, outras nações também
endureceram suas normas de segurança, pela via legislativa, como foi o caso do Reino
Unido, Austrália, Canadá, França, Alemanha e Japão479. O impacto também foi visível
em países africanos, asiáticos e latino-americanos. Em sua totalidade, afirma-se que pelo
menos 33 países em desenvolvimento adotaram medidas legislativas antiterroristas após
os referidos ataques. Dentre eles, o Qatar, Nepal, Tanzânia, Uganda, Colômbia, Indonésia
e Cuba480. Cumpre salientar que, apesar de exponencialmente maior e mais comum no
século XXI, a constrição de direitos humanos relacionada com o combate ao terrorismo
não se trata de fenômeno decorrente da denominada onda islâmica de terror, como
apontam James Piazza e James Walsh481. Garante-se como exemplo, ainda em 1974, no
Reino Unido, a entrada em vigor de lei “Prevention of Terrorism Acts” que garantia
amplos poderes de detenção e interrogação contra suspeitos supostamente ligados à
organização terrorista do Exército Republicano Irlandês, dentre outros casos482.
Alguns governos, no entanto, tomariam a oportunidade e a fumaça da famigerada
guerra ao terror para disfarçar campanhas políticas que visam punir certos indivíduos e
grupos sociais que seriam vistos como a voz crítica do governo483. Ao mesmo tempo que
essas novas legislações entram em vigor com o objetivo de acabar com o terrorismo, sob
a premissa de que este seria intolerável e afeta todos os direitos humanos, a ação
governamental através da via legislativa ou executiva pode ultrapassar as barreiras do
razoável e afetar justamente essas mesmas liberdades individuais em nome da segurança

478
Fonte: <https://www.independent.co.uk/news/world/americas/us-politics/travel-ban-trump-what-is-it-
muslim-countries-list-restrictions-latest-a8093821.html>.
479
WHITAKER, Beth Elise. Exporting the Patriot Act? Democracy and the ‘war on terror’ in the Third
World. Third World Quarterly. Vol. 28, nº 5, 2007. p. 1018.
480
WHITAKER, Beth Elise. Exporting the Patriot Act? Democracy, op. cit., p. 1019. Cf. PIAZZA, James
A.; WALSH, James Igoe. Transnational Terror and Human Rights. International Studies Quarterly. Vol.
53, nº 1, 2009. p. 125.
481
PIAZZA, James A.; WALSH, James Igoe. Transnational Terror..., op. cit. p. 125.
482
Idem.
483
JOYNER, Christopher C. The United Nations and Terrorism: Rethinking Legal Tensions Between
National Security, Human Rights, and Civil Liberties. International Studies Perspectives. Vol. 5, Issue
3, 2004. p. 244.
96

nacional484. Disso surge a preocupação de que a aplicação da lei possa ser seletiva e possa
criar oportunidades que buscam culpar indivíduos criminalmente por associação de suas
bases éticas, religiosas, de identidade nacional e até meramente por suas opiniões e
ideologias. Há, assim, uma inversão de valores tradicionais de devido processo legal e do
princípio da presunção de inocência, argumentando-se até mesmo sobre uma possível
inversão da máxima “inocente até que se prove o contrário” para “culpado até que se
prove inocente”485.
Utilizando como exemplo, a “Anti-terrorist Crime and Security Bill”, legislação
que entrou em vigor no Reino Unido em 2001, busca fornecer amplos poderes à aplicação
da ordem ao ponto de permitir a detenção de suspeitos sem garantir os seus direitos
recursais, violando, salvo melhor juízo, a liberdade humana em se ver livre da prisão
arbitrária486. O termo “suspeito de terrorista internacional”, como utilizado na peça
legislativa, seria subjetivo ao ponto de se permitir uma insegura associação de origens
étnicas, religiosas, nacionais ou de ideologia política com a culpabilidade de um suspeito,
visto que a própria legislação não especifica o significado do termo487. Isto é, a
arbitrariedade para deter suspeitos se torna demasiadamente forte e desvantajosa ao ponto
de vista do indivíduo, que pode vir a sofrer com as injustiças de um julgamento de valor
baseado em preconceitos discriminatórios. Consubstanciando-se isso à prejudicada
garantia do direito ao acesso digno e mínimo aos instrumentos jurídicos recursais, as
medidas afetam o acesso do indivíduo à justiça até mesmo para que este se prove
inocente488. Em paralelo, os poderes que as instituições possuem frente ao indivíduo se
demonstram cada vez mais abrangentes, indo na contramão da ratio das convenções
internacionais de proteção da pessoa humana frente aos abusos estatais.
Nota-se que, além de ampliar poderes relacionados à segurança, a peça legislativa
mencionada fora aprovada ainda no ano de 2001, após os ataques de 11 de setembro, em
um Estado que não foi diretamente afetado pelos atentados. A esse despeito, a Comissão
Internacional de Juristas já apresentou forte crítica:

Many States have fallen into a trap set by terrorists. Ignoring lessons from the
past, they have allowed themselves to be rushed into hasty responses,
introducing an array of measures which undermine cherished values as well

484
Idem.
485
Idem.
486
JOYNER, Christopher C. The United Nations and Terrorism…, op. cit., p. 244 e 245.
487
Idem.
488
Ibidem, p. 245.
97

as the international legal framework carefully developed since the Second


World War. These measures resulted in human rights violations, including
torture, enforced disappearances, secret and arbitrary detentions, and unfair
trails489.

Aparenta-se que atos terroristas criam momentos propícios e oportunos para


governos implementarem medidas drásticas e apressadas, e contam com um apoio
popular que ainda estaria mobilizado psicologicamente em decorrência dos efeitos
devastadores que esses atos possuem.
No contexto da discriminação de gênero, também se evidenciou que a construção
de um ambiente de combate ao terrorismo pode gerar impunidade a atos cometidos por
agentes estatais e não estatais contra mulheres. Em relatório especial da Assembleia Geral
da ONU, menciona-se que esse ambiente foi constatado na Argélia, onde restou
evidenciado a detenção de mulheres sob a premissa de que seriam potenciais terroristas,
isso após efetuadas denúncias de violência sexual cometidas por movimentos islamistas
armados490. No exemplo, denota-se tanto o abuso cometido por agentes não estatais, como
pelo agente Estado, responsável por fornecer instituições justas para combater
impunidades. Ainda sobre esta sistematização de abusos, chega-se a afirmar que no Iraque
evidenciam-se violências sexuais praticadas contra mulheres pelos movimentos
islamistas armados, milícias, governo iraquiano e soldados estrangeiros integrantes da
força multinacional liderada pelos Estados Unidos da América491.
Aponta-se, ainda, para a habilidade de utilizar a fumaça gerada pela guerra ao
terror para retirando a atenção dos seus cidadãos das reais políticas de governo e reduzir
a habilidade de crítica dos seus adversários políticos492. Serve ainda como combustível
do discurso para enfraquecer os adversários políticos, como foi o caso das eleições russas
em 1999, quando um dos principais argumentos do então Primeiro Ministro Vladmir
Putin, candidato à presidência, baseava-se em promessas de uma forte reação aos ataques
terroristas realizados por separatistas chechenos em Moscou493 naquela época.

489
INTERNATIONAL COMISSION OF JURISTS. Assessing Damage, Urging Action: Report of the
Eminent Jurists Panel on Terrorism, Counter-terrorism and Human Rights. Geneva, 2009. p. 159.
Cf. MICHAELSEN, Christopher. Permanent Legal Emergencies…, op. cit., p. 287.
490
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Sixty-fourth session Report…, op. cit., p. 9.
491
AMNISTIA INTERNACIONAL. Trapped by Violence: Women in Iraq. MDE 14/005/2009, p. 3.
Disponível em: <https://www.amnesty.org/download/Documents/48000/mde140052009en.pdf>. Acesso
em: 01/03/2018. Cf. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Sixty-fourth session Report…, op. cit.,
p. 9 e 10.
492
KASSIMERIS apud PIAZZA, James A.; WALSH, James Igoe. Transnational Terror..., op. cit. p. 127.
493
PIAZZA, James A.; WALSH, James Igoe. Transnational Terror..., op. cit., p. 127.
98

A despeito de todos os exemplos trazidos, a peça legislativa que recebeu maior


atenção e relevância foi o Patriot Act, assinada pelo presidente americano George W.
Bush em 26 de outubro de 2001, logo após os atentados de 11 de setembro. Acusa-se que
a legislação também serve como exemplo para as tantas outras demais peças legislativas
que foram aprovadas em outros Estados494. Sendo considerada como o primeiro exemplo,
a então nova lei trouxe consigo a discussão entre a negociação de direitos humanos frente
a uma maior segurança contra possíveis ataques terroristas495. A possível “exportação”
desse modelo legislativo para outros Estados aparenta ter causado um efeito cascata que
expande os poderes de vigilância e reduz requisitos procedimentais perante cortes
judiciais496. Somente em relação à expansão do exercício desses dois poderes que afetam
as competências de agências estatais – vigilância e diligências procedimentais
simplificadas –, a depreciação do direito à privacidade e do direito de ir e vir são evidentes
e de grande escala, vista a disseminação desse modelo legislativo para outros Estados.
Em relação ao segundo caso, emana-se a preocupação com a detenção de suspeitos que
possam ter ou tenham praticado atos de terrorismo por um período mais longo497.
Conjuntamente e como visto recentemente, a restrição do direito de ir e vir afeta outras
áreas relacionadas com a imigração e o direito dos refugiados.
Outra preocupação e forma de depreciação de direitos humanos estaria
relacionada com uma abrangente definição de terrorismo doméstico trazido por essas
legislações, como é o caso do Patriot Act. Isso porque a maneira com a qual a legislação
trata a definição de terrorismo faz brotar discussões sobre a sua subjetividade e a
potencialidade que uma ampla forma de interpretação pode ter na limitação dos direitos
de livre expressão e de assembleia, por exemplo498. Isto é, dentro de sua definição,
protestos políticos e desobediência civil poderiam ser caracterizados como atos
terroristas, dependo da sua forma de interpretação499.

494
Cf. JOYNER, Christopher C. The United Nations and Terrorism…, op. cit., p. 244, nota de rodapé nº 3.
495
PIAZZA, James A.; WALSH, James Igoe. Transnational Terror..., op. cit. p. 127.
496
WHITAKER, Beth Elise. Exporting the Patriot Act? Democracy, op. cit., p. 1021.
497
Idem.
498
JOYNER, Christopher C. The United Nations and Terrorism…, op. cit., p. 245.
499
Idem. Essa diferenciação entre os atos terroristas que possuem em seu cerne o objetivo de mostrar sua
insatisfação ao mundo, através da ameaça direta à vida da sociedade civil não combatente, e protestos que
demonstram grau de insatisfação com políticas governamentais, que por vezes escapam os níveis da
pacificidade, já foram demonstrados em momento anterior. Ver página 31-34. Aponta-se, em nota 141,
caso brasileiro recente.
99

A expansão dos poderes de vigilância através de grampos telefônicos500,


igualmente autorizados mediante o Patriot Act, foram amplamente aumentados sob a
justificativa de prevenção terrorista – disso, evidenciou-se o vazamento de documentos
classificados como secretos por Edward Snowden, delator do caso de espionagem
estadunidense durante o mandato do então presidente Barack Obama, cujo resultado
culminou no escândalo de escala quase mundial da Agência Nacional de Segurança
(NSA) estadunidense501.
Durante o escândalo, afirmou-se que a coleta de dados pela NSA teria
desempenhado um papel fundamental e vital para que o governo evitasse diversos ataques
terroristas em solo estadunidense. Todavia, segundo estudo dos dados coletados pela
agência de segurança, concluiu-se que a maior parte dos ataques terroristas prevenidos
envolveram meios tradicionais de investigação – a partir de denúncias realizadas pela
comunidade ou pela família e a utilização de informantes – e que estes dados telefônicos
não tiveram quase nenhum impacto na política de prevenção de atos terroristas502.
De toda feita, nota-se relações diretas entre a política de combate ao terrorismo e
a depreciação de direitos humanos em âmbito interno de diversos Estados, sejam eles
desenvolvidos ou em desenvolvimento. Poriam em vigência, assim, os debates sobre a
possível diminuição dos direitos humanos e sobre um possível desrespeito às normas
internacionais de proteção da pessoa humana.

6.2 DAS POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS E A DEPRECIAÇÃO DE DIREITOS


EM RAZÃO DOS CONFLITOS ARMADOS

Passando-se para os casos de conflitos armados que envolvem uma retórica de


guerra contra o terror, como são os casos da guerra do Afeganistão, Iraque e o conflito na

500
JOYNER, Christopher C. The United Nations and Terrorism…, op. cit., p. 245.
501
Além de outras informações divulgadas, o programa de vigilância foi diretamente relacionado à
polêmica de grampos de telefones de líderes mundiais como Dilma Rousseff e Angela Merkel, então
presidente do Brasil e chanceler da Alemanha, respectivamente. Conjuntamente, os referidos governos
afetados submeteram um projeto de resolução antiespionagem à Assembleia Geral da ONU em 2013. Fonte:
<http://www.bbc.com/news/world-europe-24781417>.
502
BERGEN, Peter; STERMAN, David; SCHNEIDER, Emily; CAHAL, Bailey. Do NSA’s Bulk
Surveillance Programs Stop Terrorists? New York: New America Foundation, 2004. p. 5 e 6.
100

Síria503, o direito internacional humanitário se encarrega de traçar as regras sobre a


proteção de civis, vítimas, feridos e prisioneiros de guerra, mediante as Convenções de
Genebra de 1949 e seus protocolos adicionais de 1977504. Independente disso, o artigo
4(2) do PIDCP já prevê como inderrogáveis algumas liberdades humanas, que sequer em
situações de emergência, como é o caso dos conflitos armados internacionais ou internos,
poderiam ser suprimidas. Dentre elas, o direito à vida, a liberdade de não ser submetido
à tortura, penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, a liberdade de não ser
submetido à escravidão e o direito à liberdade de pensamento, consciência e religião –
artigos 6, 7, 8 e 18 do PIDCP, respectivamente.
Conforme lição de Cançado Trindade a “convergência não é mera causalidade”,
uma vez que os protocolos adicionais às Convenções de Genebra sofreram influência dos
instrumentos internacionais de direitos humanos505, como essa aproximação estaria
relacionada à importância garantida à pessoa humana506 após o final da Segunda Guerra
Mundial507. Assim sendo, o combate ao terrorismo, quando carregado através da via do
uso da força pelo poderio militar e da formação de conflitos armados, deve observar, além
das regras de direito internacional humanitário, os dispositivos inderrogáveis contidos nas
outras normas internacionais de proteção da pessoa humana. Outrossim, o Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos afirma que a aplicabilidade
do PIDCP ainda estaria vigente e seria aplicável em tempos de conflitos armados, salvas
as hipóteses de derrogação permissíveis pelo próprio pacto508.

503
A situação síria seria um pouco mais complexa, vista a formação de um conflito armado não
internacional e de um conflito armado internacional. Em relação ao primeiro caso, garante-se a
característica de conflito armado interno, ou não internacional, em virtude de conflito estabelecido pelo
Estado sírio e grupos não estatais, dentre eles, o Exército Livre da Síria e o EIIL, que ocupam partes do
território sírio, realizam treinamentos e recrutamentos de caráter militar, dentre outras peculiaridades que
formam, nesse sentido, um conflito armado interno, que será regido por normas de direito internacional
humanitário. Em razão de ataque armado unilateral realizado contra base aérea síria, em abril de 2017, pelos
Estados Unidos da América, classifica-se o caso como um conflito armado internacional, apesar do ataque
estar limitado ao seu alcance e ao tempo (WALLACE, David; MCCARTHY, Amy; REEVES, Shane.
Trying to Make Sense of the Senseless: Classifying the Syrian war under the law of armed conflict.
Michigan State International Law Review. Vol. 25, Issue 3, 2017. p. 585-588, 591 e 592).
504
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Fifty-third session on Promotion…, op. cit., p. 14.
505
Concomitantemente com o direito internacional da pessoa humana e o direito internacional humanitário,
Cançado Trindade ainda inclui o direito dos refugiados, o que chama de “as três vertentes da proteção
internacional da pessoa humana” (CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito
Internacional dos Direitos Humanos. Vol. 1. 2ª ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003. p.
340-342).
506
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional..., op. cit., p. 348.
507
Como exemplos, a proibição do uso da força e a limitação da soberania estatal para a proteção da pessoa
humana (Cf. MESQUITA, Maria José Rangel de. Justiça Internacional..., op. cit., p. 80 e 81).
508
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Human Rights, Terrorism..., op. cit., p. 12 e 13.
101

Não por menos, a Resolução 1456 da ONU, adotada pelo Conselho de Segurança
em janeiro de 2003, buscou reafirmar que os Estados devem adotar medidas para o
combate ao terrorismo em estrito cumprimento de suas próprias obrigações contraídas
através de convenções e tratados internacionais. Mais especificamente, aponta que essas
medidas devem prestar atenção especial ao direito internacional da pessoa humana, ao
direito internacional humanitário e ao direito dos refugiados509. Garante-se que a
aplicabilidade das normas de proteção da pessoa humana seguiria o princípio da
complementariedade510, sendo reafirmada pela Resolução 1894, adotada pelo Conselho
de Segurança em 2009, e, assim, as normas sobre refugiados, direitos humanos e direito
humanitário seriam complementares umas às outras511. De tal modo, esclarece-se que,
apesar de possuírem as suas próprias fontes, as normas que versam sobre direito humanos,
direito humanitário e direito dos refugiados possuem finalidade comum, a de proteção da
pessoa humana contra abusos, e se complementariam512.
A problemática se intensifica quando se depreende que as normas de direito
humanitário e de direitos humanos dirigem-se a tratamentos de conjeturas distintas. As
normas internacionais de direitos humanos, como já visto, direcionam-se, em sua
generalidade, à atuação estatal em plano interno dos Estados e protegeriam os indivíduos
em todos os tempos513. As normas que disciplinam os conflitos armados, dado a sua
natureza e características excepcionais, tendem a admitir uma maior constrição de direitos
humanos514 e são aplicadas somente durante os conflitos armados. Apesar de considerada
a humanização do direito humanitário como uma evolução bem-vinda, não poder-se-ia
desconsiderar que as diferenças entre as normas de proteção da pessoa humana são
evidentes. O direito internacional humanitário regula situações, como descreve-se, de luta
pela vida ou morte, admitindo-se a morte de combatentes, tolerando-se a morte de civis

509
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução 1456 do Conselho de Segurança de 10 de
Janeiro de 2003, S/RES/1456. p. 3. Disponível em: <https://www.undocs.org/S/RES/1456%20(2003)>.
Acesso em: 02/03/2018.
510
CHETAIL, Vincent. Armed Conflict and Forced Migration: A Systematic Approach To International
Humanitarian Law, Refugee Law, And International Human Rights Law. In: CLAPHAM, Andrew;
GAETA, Paola (Eds.) The Oxford Handbook of International Law in Armed Conflict. Oxford: Oxford
University Press, 2014. p. 702 e 703.
511
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução 1894 do Conselho de Segurança de 11 de
Novembro de 2009, S/RES/1894. Disponível em:
<https://www.un.org/ruleoflaw/files/Security%20Council%20Resolution%201894.pdf>. Acesso em:
16/04/2019.
512
CHETAIL, Vincent. Armed Conflict and Forced Migration…, op. cit., p. 701.
513
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Human Rights, Terrorism..., op. cit., p. 12 e 13.
514
MERON, Theodor. The Humanization of Humanitarian Law. The American Journal of International
Law. Vol. 94, n. 2, 2000, p. 240 e 241.
102

não combatentes como efeito colateral do conflito, permitindo-se a privação de indivíduos


sem prévia condenação por um tribunal, dentre outras extensas limitações às liberdades
humanas515. Daqui decorreria outro problema em se tratar o combate contra organizações
terroristas no plano dos conflitos armados internacionais, ou através do uso da força: a
sua caracterização ocasionaria em uma maior diminuição de liberdades individuais. Por
essa razão, crê-se que o Conselho de Segurança, detentor do poder decisório sobre o uso
da força, deveria analisar os possíveis casos de conflitos armados com prudência, a ponto
de ponderar se seriam realmente necessários para o combate ao terrorismo, e evitar se
expressar de forma subjetiva.
Um dos exemplos de uma não tão harmonizada relação entre o direito
internacional da pessoa humana e o direito internacional humanitário estaria sendo
emanada por juristas e Estados que lutam a “guerra contra o terror”. Segundo David
Kretzmer, a execução extrajudicial de indivíduos em meio à guerra ao terror envolveria
não somente questões de moralidade e legalidade, mas também questões sobre qual norma
deveria ser aplicada a esses casos516. Os Estados que carregam a guerra contra o terror
sustentariam que as execuções seriam justificáveis em decorrência de conflitos armados
e, assim, dever-se-ia observar as normas de direito internacional humanitário, enquanto
outros juristas veem as execuções como uma afronta à aplicação da lei, devendo-se seguir
padrões básicos disciplinados pelas normas internacionais de direitos humanos517.
Especificamente em relação ao direito à vida, traça-se um paralelo entre o uso da
força para execuções e o Caso Carolina, anteriormente analisado para definir modelos de
proporcionalidade e necessidade para o exercício da legítima defesa. Argui-se que, de
mesmo modo, a ação letal que priva quaisquer indivíduos de suas vidas deveria respeitar
condições análogas ao uso da força em legítima defesa, não havendo escolha para a
utilização de outro meio e não havendo momento hábil para deliberação, arrazoando-se,
ainda, que a ação preventiva deveria respeitar a característica de perigo iminente518.
Todavia, aponta-se pela dificuldade de justificar essas execuções arbitrárias, vista a
dificuldade, incapacidade, e falta de interesse em investigar esses casos particulares.

515
DANCHIN, Peter G. Human Rights, Humanitarian Law and the “War on Terrorism” in Afghanistan. In:
DIJKZEUL, Dennis (Ed.). Between Force and Mercy: Military Action and Humanitarian Law Aid. Berlin:
Berliner Wissenschaftsverlag, 2004. p. 121 e 122.
516
KRETZMER, David. Targeted Killing of Suspected Terrorists: Extra-Judicial Executions or Legitimate
Means of Defence? European Journal of International Law. Vol. 16, n. 2, 2005, p. 174.
517
Idem.
518
KRETZMER, David. Targeted Killing of Suspected…, op. cit., p. 179.
103

Como já levantado nesta parte do trabalho, a impunidade com que se tratam as violações
de direitos humanos são recorrentes em ambientes cercados por uma sistemática de
combate ao terrorismo.
Como crítica, surge indagação sobre a capacidade dos Estados, em razão da sua
carência de jurisdição no território “inimigo”, em trazer os alegados terroristas à justiça,
como também se afirma que o PIDCP não especificaria os casos nos quais o uso letal da
força violaria o direito à vida519. A primeira parte do argumento baseia-se no fato de que
o PIDCP determina obrigações que os Estados signatários devem assumir dentro de sua
própria jurisdição. Contudo, a problemática trazida teria sido esclarecida pelo Comitê de
Direitos Humanos, o qual entendeu que qualquer indivíduo que seja afetado pela ação de
algum Estado signatário da convenção estaria sujeito à jurisdição deste520. Uma resposta
negativa sobre os casos nos quais o Estado invadido não seja signatário do PIDCP,
continua David Kretzmer, também iria em desencontro com uma conceptualização de
universalidade dos direitos humanos, atacando o núcleo das convenções internacionais de
direitos humanos e de normas costumeiras521. Sobre o alcance da limitação do direito à
vida e sobre a vigência das normas internacionais de direitos humanos durante conflitos
armados, a CIJ, em diversos casos, possui linha argumentativa em sentido de que caberia
à lei especial, ou seja, ao direito internacional humanitário, determinar o que seria uma
“privação arbitrária da vida” (tradução nossa), apesar de aguir, também, que o direito a
não ser arbitrariamente privado de sua vida, como disposto pelo PIDCP, se aplica mesmo
na vigência dos conflitos armados, como todos os outros dispositivos considerados
inderrogáveis pelo artigo 4 do mesmo pacto522.
Outras liberdades individuais acabam por sofrer limitações severas. As prisões
arbitrárias e a prática da tortura – o último prescrito na forma do artigo 7 do PIDCP, vide
a garantia ao indivíduo em se ver livre da tortura, e reconhecido como inderrogável pelo
artigo 4 do mesmo instrumento – passam a ser consideradas como necessárias para o
combate ao terrorismo, como se denota dos discursos realizados para a guerra ao terror.
Ao caso concreto, os Estados Unidos da América adotaram medidas que visavam
aumentar os poderes de interrogação e a sua capacidade de extradição arbitrária523. A

519
Ibidem, p. 179 e 180.
520
KRETZMER, David. Targeted Killing of Suspected…, op. cit., p. 179 e 180.
521
Ibidem, p. 184.
522
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Human Rights, Terrorism..., op. cit., p. 13.
523
PIAZZA, James A.; WALSH, James Igoe. Transnational Terror..., op. cit., p. 127.
104

disposição para o uso de todos os meios necessários para o combate ao terrorismo é


verificada através do discurso proferido pelo então vice-presidente estadunidense, Dick
Cheney, que articulou como segue:

We also have to work, though, sort of the dark side, if you will. We've got to
spend time in the shadows in the intelligence world. A lot of what needs to be
done here will have to be done quietly, without any discussion, using sources
and methods that are available to our intelligence agencies, if we're going to
be successful. That's the world these folks operate in, and so it's going to be
vital for us to use any means at our disposal, basically, to achieve our
objective524.

Para justificar a extradição e adotar medidas como a da tortura para a obtenção de


informações, a administração do governo passou a identificar os suspeitos terroristas
como “combatentes ilegais”, um termo que não seria utilizado ou definido por normas de
direito internacional humanitário. Segundo Christian Walter, a denominação seria
aplicada a civis que participam diretamente do conflito armado525. Pela definição trazida
pela retórica nitidamente oportuna, o novo termo se distinguiria de outros já definidos
pelas normas humanitárias, como “combatentes legais”, “prisioneiros de guerra” e
“civis”526. Em última instância, sustenta-se que a manobra objetivava escapar da vigência
das normas que regulam os conflitos armados527, impossibilitando que os civis fossem
qualificados como prisioneiro de guerra528.
Não bastasse a observância de uma forte retórica para o contorno das regras de jus
ad bellum, tenta-se contornar, através do convencimento de que a guerra ao terror não
seria uma guerra convencional – o que, de fato, mas por outros motivos já explanados,
não seria – as normas de jus in bello. A manobra política, todavia, sofreu críticas do
Comitê Internacional da Cruz Vermelha e de outros juristas, que sustentaram, baseando-
se nos protocolos adicionais às convenções de Genebra, que os civis que se engajam em
conflitos armados, denominados como “combatentes ilegais” deveriam ser qualificados
como civis e estariam sob a vigência do que já dispõe o direito internacional
humanitário529.

524
Fonte: <https://georgewbush-whitehouse.archives.gov/vicepresident/news-
speeches/speeches/vp20010916.html>.
525
WALTER, Christian. Terrorism..., op. cit., p. 19.
526
Idem.
527
Idem.
528
FOLEY, Brian J. Guantanamo and Beyond: Dangers of Rigging the Rules. Journal of Criminal Law
and Criminology. Vol. 97, Issue 4, 2007. p. 1022.
529
WALTER, Christian. Terrorism..., op. cit., p. 19.
105

A tentativa de fuga, não somente das normas internacionais, mas até mesmo das
normas nacionais norte-americanas, leva a crer que a política externa de combate ao terror
adotada pelos Estados Unidos da América buscava realizar atos que não seriam
permitidos por esses regimes jurídicos. A isso, relaciona-se o memorando organizado
pelo Departamento de Justiça estadunidense, o qual aduz que autoridade exercida pelo
Comandante das Forças Armadas em tempos de guerra, posição corporificada na figura
do Presidente da República, mediante o artigo II, seção 2, da Constituição Federal dos
Estados Unidos530, gozaria de poderes que sobreporiam a lei531.
Como justificativa aos atos carregados, as extradições de “combatentes ilegais”
para a prisão de Guantánamo detinham a finalidade de coletar informações consideradas
como essenciais para o combate ao terrorismo. Em mesma ceara que busca apontar para
uma propositada fuga dos Estados Unidos da América do alcance das normas internas e
externas, analisa-se, segundo Brian Foley, o propósito da prisão de Guantánamo, para
onde seriam levados os suspeitos de participação em atividades terroristas:

What must be understood about Guantanamo is that it is an interrogation


camp, not a traditional prisoner-of-war camp where combatants are merely
detained until the end of hostilities to prevent their rejoining the fight. It was
designed as a legal no man’s land, a black hole, where U.S. laws would not
apply; the enemy combatant classification was designed so that international
laws, mostly the Geneva Convention, would not apply; enemy combatants fall
through the cracks between combatants and civilians – or so the argument
goes. Therefore, Guantanamo became a place where officials believed they
could ‘legaly’ (read: not illegaly) apply certain coercive interrogation
techniques […]532.

Indaga-se se a mencionada fuga seria, como se verifica do intuito das mencionadas


ações adotadas, possível. Isso porque, tendo-se em vista a vencida tese sobre a jurisdição
aplicável, argui-se que quando um Estado-parte dos pactos de direitos humanos exerce
controle sobre pessoas ou territórios, a jurisdição recairia sobre o controle exercido pelo
do Estado-parte, seja um controle territorial ou sobre pessoas, devendo este cumprir com
as normas para as quais se comprometera533. A aplicação das normas, contudo, pode
variar de acordo com as circunstâncias. Defende-se, como exemplo, que se um indivíduo

530
Fonte: <https://www.senate.gov/civics/constitution_item/constitution.htm#a2>.
531
PACHECO, Cristina Carvalho. Os “combatentes inimigos” e a Guerra ao Terror: A relação entre
Suprema Corte e Política Externa nos EUA durante o Governo Bush II (2001-2008). Carta Internacional.
Associação Brasileira de Relações Internacionais. Vol. 10, n. 3, 2015, p. 80.
532
FOLEY, Brian J. Guantanamo and Beyond: Dangers of Rigging the Rules, op. cit., p. 1043 e 1044.
533
MURRAY, Daragh. Practitioners’ Guide to Human Rights Law in Armed Conflict. Oxford: Oxford
University Press, 2016. p. 56.
106

está detido por um Estado-parte, os direitos relevantes ao caso seriam os direitos a não
ser torturado e o direito à vida, devendo-se respeitá-los534. Não seria relevante ao caso e,
por consequência, de escusável não cumprimento, por exemplo, o direito à educação535.
Em casos específicos envolvendo tortura, a Convenção contra a Tortura e Outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes ainda sugeriria que os Estados
signatários estariam obrigados a combater a tortura cometida por seus nacionais,
incluindo os agentes de Estado, sugerindo uma aplicação extraterritorial da convenção536.
Os órgãos regionais que tratam da matéria de direitos humanos, como o Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) e a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH), também emanaram seus respectivos entendimentos sobre o alcance
extraterritorial de normas de direitos humanos. O tribunal europeu já reconheceu que
existiriam exceções nas quais o princípio da territorialidade, previsto no artigo 1 da
Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), se estenderia a territórios nos quais
um Estado signatário exerce funções de controle e administração. O Tribunal defendeu
que em casos nos quais um agente estatal exerce o uso da força fora de seu território,
como nos casos nos quais indivíduos são detidos sob a custódia de agentes de um Estado
signatário, aplicar-se-ia a jurisdição prevista no artigo 1 e, em decorrência, o Estado
estaria obrigado a assegurar os direitos e liberdades previstos na seção I da CEDH, visto
que estaria formalizado o exercício de controle do Estado sobre o indivíduo537. Ademais,
segundo o TEDH, a aplicação extraterritorial da CEDH também se estenderia nos casos
de conflitos armados, dando a entender, assim, que a CEDH aplicar-se-ia durante a
vigência de conflitos armados538. A CIDH, em sentido amplo, arrazoou que os direitos
individuais seriam inerentes aos indivíduos em virtude da sua simples característica
humana, restando aos Estados assegurar o respeito os direitos garantidos no sistema
americano a qualquer pessoa sob sua jurisdição. O controle sobre pessoas e territórios,

534
Ibidem, p. 56 e 57.
535
Ibidem, p. 57.
536
MURRAY, Daragh. Practitioners’ Guide to Human…, op. cit., p. 58.
537
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS HUMANOS. Case of Al-Skeini and Others v. The United
Kingdom. Application n. 55721/07. Julgamento de 7 de julho de 2011, paras. 133-137. Disponível em:
<https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22tabview%22:[%22document%22],%22itemid%22:[%22001-
105606%22]}>. Acesso em: 20/03/2019. MURRAY, Daragh. Practitioners’ Guide to Human…, op. cit.,
p. 59.
538
MURRAY, Daragh. Practitioners’ Guide to Human…, op. cit., p. 59 e 60.
107

exercido por um Estado signatário, é novamente proposto como uma circunstância na


qual a jurisdição extraterritorial se aplicaria539.
Em relação ao termo “combatentes ilegais”, arrazoa-se que o termo não escaparia
sequer do escopo das já existentes categorias de prisioneiros de guerra, disciplinadas pelo
direito internacional humanitário. O caso afegão demonstra de forma explicita a confusão
gerada. Em razão da atribuição de ligação entre o Talibã e a Al-Qaeda540, ponto utilizado
para que se estabelecesse um conflito armado internacional entre dois Estados soberanos,
não haveria como escapar do disposto no artigo 4(A)(1), da III Convenção de Genebra
Relativa ao Tratamento dos Prisioneiros de Guerra de 1949541, o qual confere status de
prisioneiro de guerra aos “membros das forças armadas de uma Parte em conflito, assim
como membros das milícias e dos corpos de voluntários pertencentes a essas forças
armadas”542. O termo ainda falharia a fuga do artigo 4(A)(4), relativo às pessoas que
acompanham as forças armadas do Estado, mas da qual não fazem parte543 e, salvo melhor
juízo, poderia ser aplicado ao caso da invasão do Iraque.
Ademais, relativamente às técnicas coercitivas mediante tortura para o ganho de
informações, consideradas essenciais para o combate ao terrorismo pela administração
Bush, observa-se criticismo relacionado à sua efetividade. Coloca-se em discussão se
essas medidas, violadoras de normas internacionais de direitos humanos e de direito
internacional humanitário, produziriam alguma contribuição para o combate ao
terrorismo. Como conclusão, tem-se que essas técnicas de interrogação podem extrair
uma série de confissões falsas. Submetidos a tratamentos cruéis que geram uma
quantidade de cansaço e estresse enorme, os indivíduos podem, em certo ponto e para
evitar o sofrimento causado, confirmar as alegações conduzidas pelos interrogadores,
confessar crimes aos quais não fizeram parte ou até mesmo chegar ao ponto de se inventar
testemunhos que satisfaçam os objetivos da interrogação544.

539
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Coard et al. v. United States. Case
n. 10.951. Report n. 109/99, 29 de Setembro de 1999, paras. 36 e 37. Disponível em:
<http://www.cidh.oas.org/annualrep/99eng/Merits/UnitedStates10.951.htm>. Acesso em: 20/03/2019.
MURRAY, Daragh. Practitioners’ Guide to Human…, op. cit., p. 61.
540
A administração bush sustentou que o Talibã e a Al-Qaeda “funcionavam em conjunto” (tradução nossa)
(BLOCHER, Joseph. Combatant Status Review Tribunals: Flawed Answers to the Wrong Question. The
Yale Journal. Vol. 116, n. 3, 2006. p. 672).
541
Fonte: <https://www.icrc.org/pt/publication/convencoes-de-genebra-de-12-de-agosto-de-1949>.
542
BLOCHER, Joseph. Combatant Status Review Tribunals..., op. cit., p. 672.
543
Ibidem, p. 672 e 673.
544
FOLEY, Brian J. Guantanamo and Beyond: Dangers of Rigging the Rules, op. cit., p. 1045.
108

No campo da neurociência, chega-se a afirmar que o estresse psicológico


experienciado em situações que ameaçam a vida seria uma das formas de estresse mais
extremas que se poderia vivenciar, ocasionando uma resposta de “fight or flight”545. Em
outros exames de diversas outras formas de tortura, conclui-se que a tortura causaria
diversas reações químicas e psíquicas que influenciam na resposta do torturado546.

7 CONCLUSÕES

Examinados alguns dos desafios que se impuseram diante do direito internacional


público no início do século XXI, crê-se que a influência do combate ao terrorismo,
corporificado através da lançada guerra ao terror pela coalizão liderada pelos Estados
Unidos da América, sobre preceitos de direito internacional público, seria manifesto.
Denota-se influência, sobretudo, na capacidade interpretativa daquilo que se conhece por
normas de jus ad bellum, estas que regulam as condições necessárias para a formalização
de um conflito armado justo, ou, em outras palavras, ditam as exceções nas quais o uso
da força pode ser exercido.
A mencionada influência, contudo, não consegue ser analisada de maneira
desacompanhada de outros fatores que fizeram com que essas medidas de combate ao
terrorismo passassem, pelo menos no caso específico do caso da invasão do Afeganistão,
pelo crivo da legalidade. Por se especificar esse caso peculiar, não se busca afirmar que
as já consolidas regras que regem o uso da força teriam sido contornadas somente para o
caso afegão. Quer-se dizer, ao contrário, que aceitação das medidas adotadas, do jeito que
foram aceitas e adotadas, resultaram em uma abertura para uma grande subjetividade, esta
que foi apanhada por governos que souberam usar dessa oportunidade para fazer avançar
suas agendas políticas. No caso dos Estados Unidos da América, que foi tomado como
foco em razão de seu protagonismo nas relações internacionais e em razão da sua
hegemonia, ficou evidenciado que o próprio governo buscava uma política externa que
se distanciava do multilateralismo proposto pelo direito internacional público,
priorizando caminhos unilaterais, inclusive quando o cerne da questão envolvesse o uso
da força, antes dos ataques de 11 de setembro de 2001.

545
O’MARA, Shane. Why Torture Doesn’t Work: the neuroscience of interrogation. Cambridge: Harvard
University Press, 2015. p. 107.
546
Ibidem, capítulo 4.
109

A potencialidade dos discursos governamentais, aliada com o exercício midiático


que especula sobre uma área indefinida dedutivamente pelo direito internacional,
verificou-se como ampla para fazer com que medidas antiterroristas, sejam elas
executadas em âmbito interno ou externo de um Estado, recebessem apoio popular
relevante. Como exemplificados, na primeira parte deste trabalho, pelas teorias de
“agrupamento em torna da bandeira” e de “efeito do cisne negro”, eventos que possuem
força de criar uma sistematização de medo também se relacionam a uma subida dos níveis
de aprovação de governos, como eventos que fogem da expectativa regular podem ter
força suficiente para que novas leis sejam implementadas, em nome de uma segurança
contra uma ameaça. Por se tratar de um fenômeno intrinsecamente ligado à instauração
do medo, o terrorismo se encaixa nas teorias propostas, como visto no caso dos níveis de
aprovação do governo do então presidente George W. Bush, na aprovação de medidas
legislativas, como o Patriot Act, e medidas de política externa, como o caso da invasão
do Iraque, que recebeu apoio popular até que a tese da posse de armas de destruição em
massa caísse por terra.
Adiciona-se isso à escolha do direito internacional público em optar por um
tratamento quase exclusivo por uma definição indutiva sobre o terrorismo – não se
confirma um tratamento exclusivo pela via indutiva em razão de alguns poucos esforços
para o aparecimento de uma definição dedutiva. Faz-se uma ressalva, entretanto, para
apontar que, no momento da escolha pelo tratamento indutivo, acredita-se que o direito
internacional público não teria outra escolha, vista a indisposição dos Estados em
estabelecer uma definição dedutiva, pelo medo de que suas próprias ações encaixar-se-
iam em uma possível definição dedutiva. Os instrumentos internacionais de prevenção
contra atos terroristas, apesar do criticismo, desempenham papel importante no combate
ao terrorismo, principalmente em relação a uma visão de cooperação internacional entre
os Estados.
Entretanto, esse caminho traçado, mesmo que sem saída, salvo melhor tento,
proporcionou uma abertura aos Estados para que estes se encarregassem da tarefa de
definir, em conformidade com o seu bel prazer, o fenômeno criminal. Em meio a uma era
globalizada e aos discursos proferidos que exaltam uma capacidade cada vez mais global
do alcance terrorista, seria mais prudente que a tarefa de definição dedutiva fosse
delegada às organizações internacionais, sejam estas de alcance regional ou global. Assim
foi sendo feito com outras matérias que acabavam por alcançar níveis transfronteiriços,
110

impossibilitando que os Estados regulassem a matéria de maneira solitária. Como


exemplos, o direito internacional econômico, o direito internacional ambiental, o combate
a crimes internacionais, dentre outros.
Mediante o estudo da história do terrorismo, observou-se que: (i) “eras de terror”
e “guerras contra o terror” são mais comuns do que como são apresentadas pelo discurso
político e até mesmo pela mídia; (ii) que esses atos terroristas, em suas diferentes linhas
temporais, são praticados por diferentes grupos de diferentes regiões do globo terrestre,
de diferentes culturas, de diferentes religiões e de diferentes ideologias; (iii) que, apesar
de não se encontrar uma definição universal para o que se trata o terrorismo, este pode
ser observado como um meio violento, através do qual se busca a instauração sistêmica
de medo para intimidar indivíduos, e possui, como objetivo-fim promover uma agenda
política baseada em fortes crenças religiosas, ideológicas ou políticas.
Constatou-se que o combate ao terrorismo pode criar situações capazes de gerar
grande insegurança jurídica, influenciando o direito internacional público. No decorrer
do trabalho, especificou-se uma de suas influências, relacionada à interpretação de uma
das exceções para o uso da força, o exercício da legítima defesa. Ainda, o problema seria
decorrente de uma série de decisões tomadas em relação ao caso da invasão do
Afeganistão, após os atentados de 11 de setembro de 2001. A falta de conteúdo probatório
que sustentasse a ligação feita entre o Talibã e a Al-Qaeda, para que se demonstrasse o
controle efetivo, tese consolidada por tribunais internacionais, por exemplo, leva a crer
que a configuração do conflito como um conflito armado internacional teria sido forçado.
Outras evidências apontam haver diferenças de interpretação para o uso da legítima
defesa no caso em específico. Dentre as evidências, a resposta demorada em legítima
defesa e os ignorados quesitos de proporção e necessidade, tendo-se em vista que o
conflito dura até os tempos atuais. As resoluções adotadas pelo Conselho de Segurança
após os atentados, de mesma forma, ocasionaram em uma maior subjetividade e em uma
maior abertura para a interpretação sobre o exercício da legítima defesa.
Com a invasão do Iraque, tem-se a confirmação de que as situações de medo
abrem certas janelas para que governos oportunos se aproveitem da situação para fazer
avançar sua agenda de política externa. Mesmo com a falta de apoio da comunidade
internacional e sem a autorização do Conselho de Segurança, os Estados Unidos e sua
coalizão, já bastante diminuída, buscaram, através da retórica, agregar apoio popular pela
via democrática e agir unilateralmente em exercício da chamada legítima defesa
111

preventiva. Disso, a padronização do discurso se tornou evidente, visto que se utilizou do


combate ao terrorismo e as armas de destruição em massa como retórica. No entanto, crê-
se que de nada adianta as críticas sem que se haja sanções às ações unilaterais de
potenciais que buscam, através do uso da força, exercer sua hegemonia. Como se foi
arguido na Parte II deste trabalho, critica-se a posição da comunidade internacional em
meio a uma crise de legitimidade, visto que o direito internacional foi extrapolado, sem
que os Estados Unidos da América sofressem quaisquer punições em razão de suas
condutas. A isso, agrega-se os efeitos colaterais ocorridos em virtude da invasão do
Iraque, que perduram até hoje e ocasionam no surgimento de novas organizações
terroristas que buscam dominar regiões do Iraque e da Síria.
Do aprofundamento do instituto da legítima defesa, descobriu-se duas formas
antecipatórias de exercício do direito: a forma preventiva e a forma preemptiva. A forma
preventiva não é bem recepcionada pela comunidade internacional de Estados, e nem
mesmo pela parte majoritária da academia e pela jurisprudência da CIJ. Por outro lado, a
forma de legítima defesa preemptiva passa a se confundir com o que já está disposto no
artigo 51 da Carta da ONU, visto que o Estado, em face de um ataque armado iminente,
não estaria obrigado a esperar quaisquer danos ao seu território para que possa exercer o
direito à legítima defesa. Aponta-se que as duas formas antecipatórias são muito distintas.
Uma delas exige um exercício de futurologias e foi utilizada como razão para a invasão
do Iraque, tratando-se da forma preventiva. A preemptiva, ao contrário, seria uma
resposta à iminência de um ataque, ou seja, somente seria utilizada em razão de certeza
indubitável de que o Estado sofre uma ameaça de ataque armado iminente.
Passando-se para o direito internacional da pessoa humana, a pesquisa constatou
que a moeda de troca entre o combate ao terrorismo e as liberdades individuais seria
demasiadamente injusta, visto que as medidas de combate ao terrorismo, se comparadas
as com as atuações terroristas, propiciam uma maior restrição de liberdades individuais
do que os próprios atos terroristas. Analisou-se, para tal conclusão, atos executivos e
legislativos que depreciam direito humanos em nome da segurança pública. Após os
atentados de 11 de setembro, notou-se uma crescente prática de novas legislações em
diversas regiões do mundo, tendo-se como resultado o que se chamou de exportação do
Patriot Act, concluindo-se por uma certa sistematização de combate ao terror em escala
global. Ao mesmo tempo, ocorre uma restrição de liberdades humanas em escala global.
Foi o caso dos amplos poderes garantidos às agências de inteligência para a detenção de
112

suspeitos terroristas nos Estados Unidos da América e Reino Unido. O direito à


privacidade e do devido acesso à justiça – envolvendo-se, aqui, o direito ao acesso às vias
recursais – aparenta ser bastante afetado pela prática. Não obstante, as medidas também
podem servir como combustível para intolerâncias e como arma para silenciar opositores
políticos.
No contexto da adoção de medidas externas, observou-se uma recorrente tentativa
de fuga da aplicação das normas de direito internacional da pessoa humana e das normas
de direito internacional humanitário, como se viu pela criação do termo “combatentes
ilegais”, pela administração estadunidense. No entanto, a tentativa de fuga aparenta ser
resolvida com facilidade, através da noção já pacificada sobre a aplicabilidade
extraterritorial da jurisdição do Estado que exerce controle sobre um território ou sobre
indivíduos, devendo-se aplicar as normas de direito internacional da pessoa humana e as
normas de direito internacional humanitário. A extradição extrajudicial de indivíduos,
que, após, são submetidos à tortura para a obtenção de informações para o combate ao
terrorismo, de mesma forma, se demonstrou completamente ineficaz sob o ponto de vista
da neurociência.
Isso posto, as medidas de combate ao terrorismo adotadas, na forma do uso da força
unilateral, além de desrespeitaram um conjunto de regras de direito internacional público
e influenciarem a insegurança jurídica, seriam ineficazes para aquilo que se busca
combater: o terrorismo. A depreciação de direitos humanos, através de um uso incansável
da força em uma autodeclarada guerra contra o terror, salvo melhor juízo, se comprova
como inútil para o combate ao terrorismo. A autodeclarada guerra ao terror parece
declarar, de outro modo, o seu próprio fracasso, uma vez que, além de não resolver o
problema para o qual se dedica a solucionar, ocasiona maior depreciação de direitos que
os próprios atentados terroristas, influenciou uma maior confusão em princípios de direito
internacional público, como, também, ocasionou reflexos negativos na harmonia da
sociedade internacional, colocando-se em risco a paz e a segurança internacionais.
113

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