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LISBOA
2019
RENATO YOUNES QUATRIN
LISBOA
2019
RESUMO
The present research proposes the analysis of the fight against terrorism at the beginning
of the 21st century. Directly, it is suggested that the fight against terrorism would be the
catalyst for interpretive changes to consolidated norms of public international law and a
propellant to the depreciation of international human rights norms. As an introductory
way that seeks to clarify where this debate lies in the international arena, this paper seeks
to examine the role of media and government propaganda in the democratic era, as well
as to give an overview of contemporary history and the definition of terrorism. This will
help to point out the parallel between the discourse of the war on terror and the alleged
interpretative mutation of an exception to the prohibition of the use of force in public
international law: the exercise of the inherent right to self-defense assured to the States.
By looking closely into that relation, it serves to point out another purpose for which this
work is proposed: to determine whether the depreciation of human rights in the name of
the national security of States proves to be advantageous if seen from the point of view
of an individual or even the collective. Moreover, this work seeks to assess to what extent
the adopted antiterrorist measures through the democratic path can violate international
norms that protects human rights and the core values of the public international law
system, especially those that ensure international peace and security. As a result, the
conclusion is that one cannot ignore the influence that the fight against terrorism is posing
to public international law after the attacks of September 11, 2001. Driven by political
discourse, it brought the interpretative shock to the resort to self-defense, which is
understood to have been an exception in the case of the Afghanistan invasion in 2001, but
at the same time, as a result of the inefficiency of public international law, mainly because
of political reasons, in dealing effectively with the problem, has its side effects prolonged.
These influences are also observed in the internal sphere of States, through the adoption
of legislative pieces that increase the power of the State in relation to the individual. It
was evidenced that, by fostering an atmosphere of fear, carried out by political discourse,
a way was provided for the adoption of new legislative pieces of fight against terrorism
by vast parts of the globe. In some cases, the breach of non-derogable obligations imposed
to the States through the compacts of international law of the human person is evident.
Key Words: War on terror. Mediatic and governmental propaganda. Use of Force. Right
to Self-defense. International human rights law.
Siglas e abreviaturas
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 6
2 DA OPINIÃO PÚBLICA E DA PROPAGANDA ............................................. 10
3 DA BREVE HISTÓRIA DO TERRORISMO CONTEMPORÂNEO ............ 19
4 DA DEFINIÇÃO DE TERRORISMO ............................................................... 25
4.1 DO TERRORISMO NA DOUTRINA, A TENTATIVA DE UMA
DEFINIÇÃO DEDUTIVA .............................................................................................. 30
4.2 DO TRATAMENTO DO TERRORISMO POR INSTRUMENTOS DE
DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO A PARTIR DE 1937 ................................... 37
7 CONCLUSÕES................................................................................................... 108
1 INTRODUÇÃO
contemporaneamente conhecidas por fake news – que possam afetar até mesmo uma
mudança drástica na lei, com poderes de comprometer liberdades humanas nas suas mais
diversas áreas.
No capítulo II, passar-se-á ao estudo de como a nova guerra ao terror pós-ataques
de 11 de setembro de 2001, liderada pelos Estados Unidos da América, pode ter
contribuído para uma mutação interpretativa do princípio do uso da força, mais
precisamente em um de seus casos de exceção, isto é, no direito inerente de legítima
defesa garantido pelo artigo 51 da Carta da ONU. A declarada estratégia utilizada para o
que se diz ser a prevenção de novos ataques terroristas seria sustentada através do uso da
força em legítima defesa. Deve-se apontar, assim, se essa forma de legítima defesa seria,
em primeiro lugar, permitida pelas já constituídas regras de direito internacional público.
Se permitida, em quais hipóteses e quais seriam os seus alcances e limites? Se não
permitida, quais seriam as consequências de um desvio da regra para o combate ao
terrorismo? Qual a influência do discurso político no cenário das relações internacionais?
O direito internacional teria chegado a um ponto no qual se julga necessária uma mudança
nos parâmetros interpretativos de aplicabilidade da legítima defesa? A prática seria aceita
como uma exceção específica para o combate ao terrorismo?
Para responder às perguntas, primeiramente procura-se dar clareza histórica ao
rumo percorrido pelo instituto do uso da força nos pelo menos últimos 100 anos,
apontando para os valores que circunscrevem a Carta da ONU e por que esses mesmos
valores estariam possivelmente sendo ignorados em razão de uma guerra ao terror. O
apontamento da influência do combate ao terrorismo no princípio de proibição do uso da
força demonstraria o quanto o combate ao terrorismo possui uma retórica potente, capaz
de balançar até mesmo os valores basilares de direito internacional público. Para isso,
objetiva-se aplicar o que será investigado na Parte I, utilizando-se a análise do discurso
político empregado como propaganda governamental, além de doutrinas jurídicas e
artigos científicos sobre o assunto, como, também, a posição, a reação e o papel da ONU
durante essas situações específicas.
Realizar-se-á uma revisão, também, sobre as políticas externas recentes, adotadas
pelos Estados Unidos da América durante a administração de George W. Bush, mesmo
antes dos ataques de 11 de setembro, buscando averiguar uma ligação entre as políticas
adotadas em momento anterior aos atentados e as políticas adotadas em momento
posterior aos atentados. De forma crítica, objetiva-se examinar se o combate do
9
terrorismo através do uso da força estaria sendo eficaz, da maneira proposta através dos
discursos proferido pela administração estadunidense.
Após, na Parte III, a demonstração de influência do combate ao terrorismo passará
a ser examinada no contexto da depreciação de direitos humanos e nas possíveis violações
que esse combate pode trazer ao contexto normativo que disciplina o direito internacional
da pessoa humana. A grande preocupação, nesse ponto, seria a restrição de direitos
individuais como forma de moeda de troca para a adoção de políticas de segurança
pública que buscam prevenir o terrorismo. Analisa-se se a adoção de novas medidas
antiterroristas, através das vias legislativa ou executiva, nos mais variados Estados, estaria
sendo influenciadas pela sistematização de um ambiente de terror e, por essa razão,
estariam sendo aprovadas pela própria via democrática, resultando na restrição de direitos
prescritos em normas internacionais de proteção da pessoa humana.
Ainda buscará perquirir se a ampliação de poderes do Estado frente ao indivíduo
estaria a ultrapassar um limite considerado como razoável, a desrespeitar direitos
humanos na ordem interna, como seria o caso do direito de ir e vir, do direito ao acesso à
justiça, do direito à vida, da liberdade de não ser torturado, da liberdade da prisão
arbitrária, dentre outros. Em ordem de políticas externa, um combate ao terrorismo
forçado pela via dos conflitos armados conduziria a substituição de regimes jurídicos
aplicáveis, como seria o caso da sobreposição das normas de direito internacional
humanitário em relação às normas internacionais de proteção da pessoa humana. Por
tabela, conduziria, também, aos debates sobre aplicação da jurisdição do Estado em sua
forma extraterritorial e se essa sobreposição entre as normas apontadas seria, de fato,
existente.
10
1
Para um maior aprofundamento sobre os termos, cf. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede.
Tradução de Roneide Venancio Majer. Atual. 6ª ed: Jussara Simões (A Era da Informação: economia,
sociedade e cultura; vol. 1). São Paulo: Paz e Terra, 1999.
2
WERTHEIN, Jorge. A sociedade da informação e seus desafios. Ciência da Informação. Vol. 29, n. 2,
pp. 71-73.
3
Ibidem, p. 73.
4
GUEVARA, Agudo apud Idem.
5
WERTHEIN, Jorge. A sociedade da informação..., op. cit., p. 73 e 74.
11
do meio de comunicação digital atual, o qual integra as mais variadas mídias em uma só
– modalidades escrita, oral e audiovisual em um mesmo sistema6. Este novo sistema de
comunicação induziria o surgimento do que fora denominado por Castells como a
“cultura da virtualidade real”7, e serve para apresentar o alcance midiático em uma era
globalizada.
Castells também defende as sociedades que possuem a informação centralizada
através de uma grande mídia – meio – trariam consigo um poder seletivo da informação,
uma vez que mensagens veiculadas fora de uma denominada grande mídia seriam
consideradas interpessoais e estariam fora do inconsciente coletivo8. Esse contexto
explanado seria dificultado em virtude da evolução da tecnologia durante o final do século
XX, a qual pavimentou o surgimento da mídia digital atual9. Esta última, considerada
mais segmentada e pluralista, características que flexibilizaram as escolhas individuais
das fontes de informação, teria como principal motor a adaptação de seu conteúdo ao
público-alvo e, em decorrência, a mensagem passaria a se tornar o meio10.
A partir dessa última afirmativa, aponta-se a relação da mídia com o objeto de
estudo. Sendo a mídia considerada indispensável e onipresente na sociedade moderna, a
relação desta com o terrorismo seria considerada como uma relação simbiótica, posto que
os atores da prática de atos terroristas dependeriam da mídia para o propósito do terror,
como argui-se que a mídia se utilizaria desses incidentes como “recompensas”11. Diz-se
que o avanço tecnológico das plataformas midiáticas se torna uma ferramenta atrativa
para a transmissão de uma mensagem social ou política em um curto período e no
contexto de uma sociedade vulnerável à rapidez e ao pesado volume de informações12.
Ademais, estudos demonstram que as notícias televisivas que recebem a maior atenção
do público seriam aquelas cujo conteúdo versa sobre situações que despertam medo nos
indivíduos13, elemento este vinculado ao terrorismo, como se verá em momento oportuno.
6
CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: economia, sociedade..., op. cit., p. 414 e 415.
7
Idem.
8
Ibidem, p. 421.
9
Ibidem, p. 422-425.
10
Ibidem, p. 425.
11
BASSIOUNI, M. Cherif. Terrorism, Law Enforcement, and the Mass Media: Perspectives, Problems,
Proposals. The Journal of Criminal Law & Criminology. Vol. 72, nº 1, 1981. p. 14.
12
Ibidem, p. 15.
13
GRABER, Doris A. The Road to Public Surveillance: Breeching Attention Thresholds. In: NEUMAN,
W. Russell et al (Eds.). The Affect Effect: dynamics of emotion in political thinking and behavior.
Chicago: The University of Chicago Press, 2007. p. 266 e 267.
12
14
GRABER, Doris A. The Road to Public Surveillance…, op. cit., p. 267.
15
Idem.
16
Ibidem, p. 269.
13
opinião pública17. Assim, a pós-verdade não seria classificada como uma simples forma
de mentira, mas seria a aceitação da mentira desconsiderando fatos objetivos que estão
acessíveis ao receptor da informação. A escolha, de tal forma, seria realizada de uma
maneira considerada livre18.
Essas afirmativas, apesar de aparentemente apresentadas como novas, foram
verificadas por Platão em sua contraposição aos sofistas19. Para Platão apud Hannah
Arendt, “a arte universal de encantar o espírito com argumentos” não se confundiria com
a verdade, visto que a mencionada arte visava a conquista de opiniões, e que as verdades
seriam instáveis em um mundo no qual a persuasão para a formação de opiniões
decorreria em momento anterior ao aparecimento da verdade20. Poder-se-ia indagar,
entretanto, sobre o aspecto trazido pelas inovações tecnológicas: o alcance facilitado do
conhecimento e, com isso, a facilitação da busca da verdade para o combate da
sobreposição de moralismos em relação à verdade. Segundo Hannah Arendt, a
manipulação dos fatos se torna empecilho aos historiadores, pois essa destruiria a própria
história e “coloca em perigo sempre que os fatos deixem de ser considerados parte
integrante do mundo passado e presente, para serem indevidamente usados a fim de
demonstrar esta ou aquela opinião”21.
Sobre o terrorismo, os problemas das escolhas envolveriam o campo da moral,
considerada intrínseca ao tema por autores que tratam do fenômeno. Conforme Ben Saul,
o termo seria carregado de conotação ideológica e política, pejorativa, implicaria
julgamentos morais, sociais e de valor e, por fim, seria escorregadio e utilizado de maneira
abusiva22. Apesar das mudanças e das contestadas significâncias dadas ao termo
terrorismo durante a história, o vocábulo possuiria um poder semântico que vai além do
seu significado, sendo capaz de “estigmatizar, deslegitimar, e desumanizar aqueles para
17
Considerada a palavra do ano de 2016 pelo dicionário de Oxford e cujo significado seria definido como
um adjetivo que indica circunstâncias nas quais fatos objetivos têm uma menor influência do que apelos e
crenças pessoais para o molde da opinião pública. Apesar do vocábulo ser anterior, o seu emprego com
uma nova implicação surgira em 1992, em artigo publicado por Steve Tesich, no jornal The Nation. Sua
nova implicação seria a de que a verdade se tornou irrelevante. Fonte:
<https://en.oxforddictionaries.com/word-of-the-year/word-of-the-year-2016>.
18
TESICH, Steve apud KREITNER, Richard. Post-Truth and Its Consequences: What a 25-Year-Old Essay
Tells Us About the Current Moment. The Nation, 30 nov. 2016. Disponível em:
<https://www.thenation.com/article/post-truth-and-its-consequences-what-a-25-year-old-essay-tells-us-
about-the-current-moment/>. Acesso em: 07/02/2019.
19
Platão apud ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo:
Companhia das Letras, 2012. p. 34.
20
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo, op. cit., p. 34.
21
Idem.
22
SAUL, Ben. Defining Terrorism in International Law. Oxford: Oxford University Press, 2006. p. 3.
14
23
SAUL, Ben. Defining Terrorism in International Law, op. cit., p. 3.
24
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and The Framework on International Law. Cambridge:
Cambridge University Press, 2005. p. 18.
25
GUILLAUME, Gilbert. Terrorismo e Justiça Internacional. In: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira
(Coord.). O Brasil e os Novos Desafios do Direito Internacional. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 28.
26
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law: The Legality of the Use of Force
Against Afghanistan in 2001. Aldershot: Ashgate Puplishing Ltd, 2009. p. 44.
27
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comissão de Direitos Humanos. Fifty-third session on
Promotion and Protection of Human Rights, by Ms. Kalliopi K. Koufa, Special Rapporteur, Terrorism
and Human Rights, E/CN.4/Sub.2/2001/31, 2001. p. 8 e 10. Disponível em: <https://documents-dds-
ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G01/143/52/PDF/G0114352.pdf?OpenElement>. Acesso em: 20/09/2017.
28
CHOMSKY, Noam. Moral Truisms, Empirical Evidence, and Foreign Policy. Review of International
Studies. Vol. 29, Nº 4, 2003. p. 605.
15
29
BERNAYS, Edward L. The Engineering of Consent. The Annals of the American Academy of
Political and Social Science. Vol. 250, Issue I, 1947. p. 113 e 114.
30
GRABER, Doris A. The Road to Public Surveillance…, op. cit., p. 270.
31
Termo cuja origem se encontra no livro “Opinião Pública”, de Walter Lippmann. Para o acesso ao livro
na íntegra, cf. <https://wwnorton.com/college/history/america-essential-learning/docs/WLippmann-
Public_Opinion-1922.pdf>. Acesso 13/09/2017.
32
Ibidem, p. 98.
33
Idem.
34
Ibidem, p. 98 e 99.
35
BERNAYS, Edward L. Propaganda. New York: Horace Liveright, 1928. p. 9. Cf. CHOMSKY, Noam.
Consent without Consent: Reflections on the Theory and Practice of Democracy. Cleveland State Law
Review. Vol. 44, Issue 4, 1996. p. 424.
36
BERNAYS, Edward L. Manipulating Public Opinion: The Why and the How. American Journal of
Sociology. Vol. 33, Nº 6, 1928. p. 959.
16
37
BERNAYS, Edward L. Manipulating Public Opinion…, op. cit., p. 959.
38
Ibidem, p. 959 e 960.
39
Cf. SAUL, Ben. Defining Terrorism in International Law, cit., p. 3 e 6.
40
CHOMSKY, Noam. Moral Truisms, Empirical Evidence, and Foreign Policy, op. cit., p. 606.
41
BAUM, Matthew A. The Constituent Foundations of the Rally-Round-the-Flag Phenomenon.
International Studies Quarterly. Vol. 46, Nº 2, 2002. p. 264.
42
Ibidem, p. 264.
43
BAUM, Matthew A. The Constituent Foundations…, op. cit., p. 264.
17
evidenciando uma taxa jamais antes registrada pelo Gallup Poll44. Os autores
argumentam, ainda, sobre a peculiaridade do poder de um governo com tamanho nível de
aprovação e sustentam que o Patriot Act – peça legislativa que será melhor averiguada na
Parte III deste trabalho – somente teria sido aprovado por essa razão e por entender que
os cidadãos estariam mais propensos a tolerar medidas autoritárias em meio de eventos
que abalam a segurança nacional, “sobretudo pelo seu bem-estar”45. Para isso, pesquisas
de opinião demonstraram que, à época, 55% dos norte-americanos acreditavam que a
supressão de liberdades individuais seria necessária para o combate ao terrorismo,
enquanto em 1997 essa mesma ideia era representada por 29% dos norte-americanos46.
O porquê seria exemplificado através do conceito do “efeito do cisne negro”. O
termo, criado por Nassim Taleb, demonstra o efeito daquilo que se encontra do lado
externo do campo da expectativa regular47. Para exemplificá-lo, Gary LaFree faz menção
aos ataques de 11 de setembro, uma vez que foram inesperados, causaram grande impacto
na história e foram difíceis de prever com antecedência48. O professor aponta, em
comparação, que o cometimento de um homicídio anômalo, que se encontre fora do
campo das expectativas, como foi o caso dos ataques de 11 de setembro, pode ser
vastamente veiculado pela mídia e receber demasiada atenção, a ponto de ocasionar uma
mudança na lei, mesmo que este tipo de homicídio não seja comumente evidenciado49.
Como caso análogo, menciona-se os ataques a Pearl Harbor – ataque inesperado
que foge da expectativa regular –, mas naquele momento foi registrado um aumento de
12% nos níveis de aprovação do então presidente Franklin Roosevelt50 – ainda assim, um
registro de subida nos níveis de aprovação.
Ao mesmo tempo, utilizando-se de estereótipos, a imagem de um ataque terrorista
pode guiar o telespectador a uma incorreta presunção sobre o que seria terrorismo. Um
44
LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as Democracias Morrem. eBook Kindle. Tradução de
Renato Aguiar. Rio de Janiero: Zahar, 2018. l. 1584-1603.
45
Idem. Conforme demonstrado por pesquisas anteriormente mencionadas, situações de perigo inusitadas
provocariam situações nas quais as promessas de alívio teriam um poder sobre medida um público-alvo
com facilidade.
46
Idem.
47
Sua criação é baseada na crença, pelos povos europeus, de que todos os cisnes existentes fossem brancos.
Tal crença teria perdurado até 1967, quando turistas europeus passaram a viajar à Austrália e evidenciaram
a existência de cisnes negros. Fonte: <http://start.umd.edu/news/discussion-point-black-swans-and-
burstiness-countering-myths-about-terrorism>. Cf. LAFREE, Gary. Nine Myths About Terrorism Part 1,
Understanding Terrorism and the Terrorist Threat. 2018, University of Maryland. Notas de aula.
Disponível em: <https://www.coursera.org/learn/understandingterror>.
48
LAFREE, Gary. Nine Myths About Terrorism Part 1, cit.
49
Idem.
50
BAUM, Matthew A. The Constituent Foundations…, op. cit., p. 263 e 264.
18
primeiro exemplo aponta para uma suposição de que o número de ataques terroristas teria
aumentado de forma drástica após os ataques de 11 de setembro de 2001, quando, em
realidade, se analisados os dados coletados, verificar-se-ia que estes são similares aos
números de ataques registrados durante a década de 7051. Percebe-se, na verdade, um
aumento significativo no início da década de 90, após o colapso da União Soviética52.
Outro exemplo sugere que, como se vive em uma época interconectada, na qual a mídia
está onipresente, ter-se-ia a impressão de que nenhum lugar no globo terrestre estaria
seguro e que ataques terroristas seriam cometidos em todos os lugares, quando, de fato,
os ataques terroristas seriam altamente concentrados em regiões específicas – mais de
50% dos ataques terroristas evidenciados entre 1970 e 2010 se concentram em apenas 5%
de todos os países do mundo. Por último, os mesmos dados demonstram que, dentre 10
ataques, 9 deles são considerados como terrorismo doméstico, levando-se a crer que a
forma de terrorismo internacional escapa um pouco do campo da expectativa regular53.
Admitindo-se que o efeito de cisne negro possa causar uma mudança na lei,
ressalta-se os efeitos negativos que a mídia pode causar ao reproduzir estereótipos e
conceitos levianos e que, até certo ponto, prejudicariam o estudo deste fenômeno
criminal. Exemplos dessas construções seriam encontradas na forma como a mídia seria
propensa a enfatizar alguns eventos sobre outros, como quando as coberturas de ataques
terroristas ocorridos nos Estados Unidos da América ou na Europa recebem mais atenção
do que aqueles que ocorrem no Oriente Médio ou na América do Sul – os mesmos dados
mostram a Colômbia e o Iraque em primeiro e segundo lugar, respectivamente, quando
contabilizados o número de ataques terroristas, enquanto os Estados Unidos da América
figuram no décimo quarto lugar54.
Tendo-se isso em vista, faz-se imperioso, antes da perquirição sobre os possíveis
efeitos que o combate ao terrorismo possa causar, abrir espaço para que se faça uma
elucidação sobre a história contemporânea do terrorismo e o percurso da matéria no
âmbito do direito internacional público. Os dois capítulos seguintes possuem o objetivo,
então, de elucidar e de desmistificar certas banalizações que cercam o fenômeno.
51
LAFREE, Gary. Nine Myths About Terrorism Part 1, op. cit.
52
Idem. Percebe-se que os números de vítimas no norte das américas estão concentrados em 2001, os quais
fogem da expectativa regular, se comparado com os anos anteriores e posteriores aos atentados de 11 de
setembro daquele ano. Fonte: <https://ourworldindata.org/terrorism>. Acesso em: 19/02/2019.
53
LAFREE, Gary. Nine Myths About Terrorism Part 1, op. cit.
54
Idem.
19
55
MARSHALL, Monty G. Global Terrorism: An Overview and Analysis. In: MARSHALL, Monty G.;
GURR, Ted Robert (Eds.). Peace and Conflict 2005: A Global Survey of Armed Conflicts, Self-
Determination Movements, and Democracy. College Park, Maryland: Center for International
Development and Conflict Management (CIDCM), 2005. p. 62. Disponível em:
<http://www.systemicpeace.org/vlibrary/PeaceConflict2005.pdf>. Acesso em: 20/09/2017.
56
Cf. Introduction to the Transaction Edition em LAQUEUR, Walter. A History of Terrorism. New
Brunswick: Transaction Publishers, 2002, VII.
57
MARSHALL, Monty G. Global Terrorism, op. cit., p. 62. PRIMAKOV, Yevgeny M. A World
Challenged: Fighting Terrorism in the Twenty-First Century. Washington: Bookings Institution Press,
2004. p. 2. WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, p. 25. LOPES, João Felipe
Menezes. Terrorismo internacional: financiamento, regime de combate e a soberania brasileira.
Curitiba: Juruá, 2018. p. 17 e 18.
58
GUILLAUME, Gilbert apud LOPES, João Felipe Menezes. Terrorismo internacional:
financiamento..., op. cit., p. 17. Cf. BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional: a guerra
preventiva e a desconstrução do direito internacional. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo
Horizonte, Vol. 90, 2005. p. 208.
59
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 208.
60
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Fifty-third session on Promotion…, op. cit., p. 11.
20
volta-se para descartar a possibilidade das causas naturais, mirando a prática ao Estado
para “designar uma violência política (abusiva)”61. Posteriormente, em 1798, o dicionário
da língua francesa introduzira o conceito de terrorismo como “regime, sistema do terror”
(tradução nossa)62.
Afora as concepções históricas sobre o surgimento e suas mais variadas mudanças
durante os séculos, o ano de 2001 pode ser considerado o marco da volta do fenômeno
social, trazendo consigo a recordação, pela humanidade, do fenômeno social terrorismo63.
Não se objetiva declarar, entretanto, que este fenômeno não seria recorrente em momento
próximo aos atentados mencionados, ou até mesmo antes. Como visto anteriormente,
evidencia-se crescente exponencial dos números de ataques terroristas durante a década
de 90, com o fim da Guerra Fria. Porém, defende-se que os ataques de 11 de setembro
fogem da expectativa regular, foram propagados pela mídia de maneira efusiva e
utilizados como temas de palanque para políticos de forma oportuna para fazer avançar
suas agendas – o que se verá, com maior aprofundamento, nas partes II e III, quando
analisadas as passagens de discurso proferidos. Ademais, os atentados demonstram com
clareza a evolução da forma terrorista, que acompanha a evolução tecnológica64.
Por isso, apesar de ser tratado como fenômeno antigo, argui-se que seria
impossível identificar o terrorismo como sendo uma forma de violência imutável.
Objetiva-se sustentar que há, no decorrer da linha do tempo, significativas mudanças nas
características, métodos e formas de execução daquilo que se seria conhecido por
terrorismo, além do desaparecimento e surgimento de novas organizações terroristas65.
Possível seria, por outro lado, notar similaridades nas personalidades daqueles que
cometem práticas terroristas, como, por exemplo, uma forte crença em valores morais ou
ideológicos66. A mutação dessa forma de violência pode ser evidenciada nas formas
através das quais o terrorismo se perpetuou durante o decurso da história. Ou seja, a
mutação não seria relacionada a um tipo penal ou às definições do que tratar-se-ia por
terrorismo, mas ao seu modus operandi. Justamente por essas afirmativas, busca-se
61
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 209.
62
LAQUEUR, Walter. A History of Terrorism, op. cit., p. 6.
63
LOPES, João Felipe Menezes. Terrorismo internacional: financiamento..., op. cit., p. 15.
64
LOPES, João Felipe Menezes. Terrorismo internacional: financiamento..., op. cit., p. 15.
65
Cf. LAQUEUR, Walter. A History of Terrorism, op. cit., p. 4 e 5.
66
Idem. Cf. PRIMAKOV, Yevgeny M. A World Challenged…, op. cit., p. 2.
21
67
PRIMAKOV, Yevgeny M. A World Challenged…, op. cit., p. 2.
68
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit. p. 25. Em obra de Primakov,
adiciona-se os movimentos nacionalistas aos anarquistas (cf. PRIMAKOV, Yevgeny M. A World
Challenged…, op. cit., p. 2).
69
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit. p. 25.
70
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 25. PRIMAKOV,
Yevgeny M. A World Challenged…, op. cit., p. 2.
71
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit. p. 25.
72
Ibidem, p. 25 e 26.
73
Cf. PRIMAKOV, Yevgeny M. A World Challenged…, op. cit., p. 2 e 3.
74
Idem.
22
75
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 25 e 26.
76
Cf. PRIMAKOV, Yevgeny M. A World Challenged…, op. cit., p. 2 e 3. Cf. SAUL, Ben. Defining
Terrorism in International Law, op. cit., p. 2. Cf. LOPES, João Felipe Menezes. Terrorismo
internacional: financiamento..., op. cit., p. 19.
77
LOPES, João Felipe Menezes. Terrorismo internacional: financiamento..., op. cit., p. 19.
78
O’BRIEN, Peter. The Muslim Question in Europe: Political Controversies and Public Philosophies.
Philadelphia; Rome; Tokyo: Temple University Press, 2016. p. 199.
79
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 28. LOPES, João Felipe
Menezes. Terrorismo internacional: financiamento..., op. cit., p. 20.
80
Conforme os dados coletados, durante a década de 70 até o final da década de 80, os ataques terroristas
eram mais concentrados nos países europeu e sul-americanos, e até mesmo nos Estados Unidos da América.
Fonte: <https://ourworldindata.org/terrorism>. Acesso em: 19/02/2019.
23
como uma ferramenta de grupos religiosos e grupos separatistas que continham como
núcleo suas agendas e ideias extremistas81.
Defende-se, assim, que apesar dos ataques de 11 de setembro de 2001 marcarem
uma data importantíssima para a história do terrorismo, a data não corresponderia ao
início do que se conhece por terrorismo contemporâneo. Por outro lado, os atentados
marcam o início daquilo que se é comumente conhecido como a “Era do Terror” (tradução
nossa)82. A partir desse momento, também se evidencia o início da tomada de diversas
novas medidas de combate ao terrorismo – aqui, conhecido como medidas adotadas no
contexto da nova “Guerra contra o Terror” (tradução nossa) –, que teriam o propósito de
impedir as atividades terroristas e os variados reflexos e implicações que estas ocasionam
na ordem jurídica interna de alguns Estados, como também na esfera jurídica
internacional83.
Contudo, faz-se ressalva de que esta não se trata da primeira vez que o termo “era
do terror” seria empregado. Em 1977, o historiador John Bowyer Bell, fazendo referência
aos ataques terroristas que preocupavam a sociedade internacional à época, sustentou:
It often seems that the world has entered a new and frightful era, a time of
terror, when the fanatical few can disrupt transnational order, hold stability
to ransom, and strike down the innocent with impunity. What is worse, very
little can apparently be done to prevent the new wave of terror84.
81
PRIMAKOV, Yevgeny M. A World Challenged…, op. cit., p. 3.
82
CHOMSKY, Noam. Moral Truisms, Empirical Evidence, and Foreign Policy, op. cit., p. 605.
83
Idem.
84
BELL, John Bowyer. Trends of Terror: The Analysis of Political Violence. World Politics, Vol. 29, Nº
3, 1977, p. 477.
24
século XX, para acompanhar as práticas terroristas que também evoluíram em suas
formas de execução, claramente fazendo o uso das mudanças sociais e tecnológicas que
influenciavam na maneira com a qual os atos terroristas passariam a ser praticados85.
Como exemplo atual, destaca-se o grupo extremista Al-Qaeda como o primeiro a possuir
um alcance global para o cometimento de suas práticas86. Contabilizando-se o período
entre 1999 e 2004, o grupo terrorista cometeu atentados contra mais de dez diferentes
Estados87. Se abarcado o período de 1970 a 2017, o número se trata de um ainda mais
expressivo, conforme os dados apresentados pelo Global Terrorism Database88.
Para acompanhar a evolução das formas de terrorismo, o direito internacional
público passa a se adaptar. Nesse sentido, a Assembleia Geral da ONU sustenta que
ataques terroristas afrontam princípios fundadores presentes na Carta das Nações Unidas,
como o “respeito aos direitos humanos; o Estado de Direito; o direito da guerra para
proteção de civis; a tolerância entre os povos e nações; e a resolução pacífica de
conflitos”, destacando que o terrorismo ganha terreno em lugares onde se evidencia o
“desespero, humilhação, pobreza, opressão política, extremismo, abuso contra os direitos
humanos; em contextos de conflitos regionais e de ocupação estrangeira; e também se
aproveita de Estados que não conseguem manter a lei e a ordem”89. Ainda, menciona-se
que os atos de terrorismo foram caracterizados por resoluções do Conselho de Segurança
da ONU como ameaças à paz e segurança internacionais90 – uma das situações
excepcionais para o uso da força, situações que serão averiguadas na parte II.
85
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Fifty-third session on Promotion…, op. cit., p. 11 e 12.
86
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia Geral das Nações Unidas. Fifty-ninth session
Report of the Secretary-General’s High Level Panel on Threads, Challenges and Change. A more secure
world: Our shared responsibility, A/59/565, 2004. p. 45. Disponível em:
<http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/59/565>. Acesso em: 20/09/2017.
87
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Fifty-ninth session Report…, op. cit., p. 45.
88
Dentre os 29 países que figuram na lista, estão: Arábia Saudita, Espanha, Estados Unidos da América,
França, Iémen, Indonésia, Iraque, Marrocos, Paquistão, Rússia, Tunísia e Turquia. National Consortium for
the Study of Terrorism and Responses to Terrorism (START). (2017). Global Terrorism Database.
Disponível em: <https://bit.ly/2SlRL0w>. Acesso em: 24/02/2019.
89
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Fifty-ninth session Report…, op. cit., p. 45. Evidencia-se,
ainda, que a Assembleia Geral da ONU adotou sua primeira resolução específica sobre o tema em 1972,
demonstrando a preocupação da comunidade internacional conquanto o tratamento da questão
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia Geral das Nações Unidas. Measures to prevent
international terrorism which endangers or takes innocent live or jeopardizes fundamental freedoms
[…], A/RES/3034, 1972. Disponível em: <https://documents-dds-
ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/270/64/IMG/NR027064.pdf>. Acesso em: 26/09/2017).
90
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 37, 153 e 178-179.
25
4 DA DEFINIÇÃO DE TERRORISMO
91
Conforme o escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (ONUDC), em cinco décadas de
trabalho contínuo sobre terrorismo, formalizaram-se dezenove instrumentos universais que buscam inibir
as práticas terroristas. Ademais, conta-se com as relevantes resoluções do Conselho de Segurança da ONU.
Disponível em: <http://www.unodc.org/unodc/en/terrorism/index.html>. Acesso em: 20/09/2017.
92
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 18.
93
Idem.
94
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 37.
95
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 17. Cf.
LEVITT, Geoffrey. Is Terrorism Worth Defining? Ohio Northern University Law Review, Vol. 13, Issue
1, 1986. p. 97.
96
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, Fifty-third session on Promotion..., op. cit., p. 8.
26
97
A Convenção foi assinada por 24 Estados, mas somente foi ratificada pela Índia. A convenção, assim,
nunca entrou em vigor (WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 27,
50 e 51).
98
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, Fifty-third session on Promotion..., op. cit., p. 8.
99
Para o conteúdo da convenção, cf. <https://www.wdl.org/en/item/11579/view/1/7/>. Cf. BRANT,
Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 212.
100
LEVITT, Geoffrey. Is Terrorism Worth Defining?, op. cit., p. 98.
101
Idem.
102
Idem.
103
TANGERINO, Davi de Paiva Costa; D’AVILA, Fabio Roberto; CARVALHO, Salo de. O direito penal
na “luta contra o terrorismo”: Delineamentos teóricos a partir da criminalização dos movimentos sociais –
o caso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Sistema Penal & Violência, Revista
Eletrônica da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Vol.
4, Nº 1, 2012. p. 15.
104
CUNHA, Paulo Ferreira da. Do terrorismo. Reflexões jurídico-políticas. Direitos fundamentais e
Justiça, n. 8, jul./set. 2009. p. 68 e 69.
105
LEVITT, Geoffrey. Is Terrorism Worth Defining?, op. cit., p. 98.
27
disserta que na convenção havia uma nítida limitação da tipificação aos atos cometidos
contra Estados106.
Ademais, partindo-se do pressuposto que a vontade soberana dos Estados figura
como um dos princípios mais importantes e basilares do direito internacional público,
tratar-se-ia de uma questão ainda mais subjetiva, uma vez que os Estados não se vinculam
de maneira automática a um tratado. Seria necessária, ainda, a vontade soberana do
Estado107 em se comprometer com os tratados internacionais que propõem uma definição
de terrorismo, isto é, o ato de assiná-los e ratificá-los.
Com poucas ressalvas a outras tentativas de definição dedutiva – conceito que será
introduzido adiante –, as convenções internacionais procedentes buscaram tratar o
terrorismo de forma indutiva, não aplicando uma formula definida aos atos criminais, mas
realizando um tratamento de maneira separada. Isto é, seriam considerados atos de
terrorismo ainda sem que se tenha presente um rol que especifique os elementos típicos
do fenômeno108. De pronto, esclarece-se que um acordo universal que traga a definição
dedutiva sobre terrorismo ao plano do direito internacional público se faz inexistente. Por
consequência, o escopo da análise resta, sobretudo, delimitado às propostas de definição
realizadas no âmbito acadêmico, seja pela matéria de direito internacional público, pelo
direito penal e pela criminologia, ou pela definição assentada no direito interno de alguns
Estados.
Iniciando-se pelo direito internacional público, observa-se duas formas pelas
quais este buscou tratar o terrorismo: (i) uma tentativa de elaboração de uma definição
“genérica, analítica e completa nela mesma” (tradução nossa)109, ou seja, uma forma de
raciocínio dedutivo, na qual aqueles atos criminais se enquadrariam em uma categoria de
atos terroristas após a verificação dos elementos do crime e; (ii) separadamente e
diretamente, mediante uma forma de raciocínio indutivo, classificar os atos criminais que,
em conjunto, “compõem uma estrutura para definir e suprimir as atividades terroristas”
106
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 212.
107
A igualdade soberana dos Estados traduz-se em um princípio geral de direito internacional público, que,
parafraseando Kelsen, caracteriza todos os Estados como iguais e os fazem livres da obrigação de estarem
legalmente vinculados a tratados aos quais não queiram fazer parte. Del tal modo e de forma geral, pois há
exceções, será necessário o consenso do Estado para que o mesmo esteja vinculado ao documento
internacional (KELSEN, Hans. The Principle of Sovereign Equality of States as a Basis for International
Organization. The Yale Law Journal, Vol. 53, Nº 2, 1944, p. 209 e 210). Cf. MAZZUOLI, Valerio de
Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 5ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2011. p. 1070.
108
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, Fifty-third session on Promotion..., op. cit., p. 8.
109
LEVITT, Geoffrey. Is Terrorism Worth Defining?, op. cit., p. 97.
28
110
LEVITT, Geoffrey. Is Terrorism Worth Defining?, op. cit., p. 97.
111
Ibidem, p. 109.
112
Como, por exemplo, a Convenção referente às Infrações e a certos outros actos cometidos a bordo de
Aeronaves, datada de 1963 e assinada por Portugal e pelos Estados Unidos da América. Disponível em:
<https://treaties.un.org/doc/db/terrorism/conv1-english.pdf>. Acesso em: 21/09/2017. Para acessar outras
convenções específicas sobre atos considerados como atos terroristas, cf. <
http://www.un.org/en/counterterrorism/legal-instruments.shtml>.
113
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, Fifty-third session on Promotion..., op. cit., p. 8. Cf.
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 17 e 18
114
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, Fifty-third session on Promotion..., op. cit., p. 8.
115
BRANIFF, Bill. Defining Terrorism & Key Conceptions for this Course, Understanding Terrorism
and the Terrorist Threat. 2018, University of Maryland. Notas de aula. Disponível em:
<https://www.coursera.org/learn/understandingterror>.
29
116
CHOMSKY, Noam. Mídia, terrorismo e (des)informação. Revista Famecos, n. 22., 2003. p. 118 e 119.
117
CHOMSKY, Noam. Moral Truisms, Empirical Evidence, and Foreign Policy, op. cit., p. 606.
118
Ibidem, p. 610.
119
LAQUEUR, Walter. A History of Terrorism…, op. cit., p. 7.
120
BAXTER, Richard R. A Skeptical Look at the Concept of Terrorism. Akron Law Review, Vol. 7, Issue
3, 1974, p. 380. Cf. WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law, op. cit., p. 38.
121
BUENO, Arús apud LOPES, João Felipe Menezes. Terrorismo internacional: financiamento..., op.
cit., p. 24.
122
Idem.
30
sustentam combater. Objetiva-se tratar o motivo pelo qual essa tarefa deve ser
considerada como importantíssima: o terrorismo internacional enfraqueceria os direitos
humanos fundamentais, prejudicaria as relações entre os Estados e ameaçaria a paz e a
segurança internacionais123. Além disso, sustenta-se que quanto maior a confusão em
torno de um conceito, mais suscetível ele estará para ser utilizado por oportunistas124.
123
SAUL, Ben. Defining Terrorism in International Law, op. cit., p. 7.
124
Ibidem, p. 3.
125
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 38.
126
MARSHALL, Monty G. Global Terrorism, op. cit., p. 62.
127
Idem.
31
forma de violência128, a doutrina o inclui dentro da esfera criminal do direito, sendo assim
um fenômeno social criminal. Em mesmo sentido, João Lopes sustenta que a comparação
do fenômeno com outras manifestações violentas pode servir de auxílio para identificação
do delito129. A busca de definição, assim, passa a ser realizada a partir de uma
diferenciação e isolamento desta forma de violência em relação às demais.
Não obstante, antes de se realizar o mencionado isolamento, a conduta típica
deverá ser observada como uma ilegalidade que constitui crime sob a óptica penal,
suscetível a uma sentença que busca penalizar a conduta.
Comumente a ser o utilizado como fenômeno social por parte da academia para
isolar o terrorismo dos demais fenômenos – e acredita-se que assim o seja em razão dos
interesses políticos que cercam a problemática, os quais invocam as questões morais do
observador e os grupos de libertação armados130 – seria o direito garantido aos indivíduos
em se rebelar contra um regime político instaurado. Segundo Antonio Cassese,
“terroristas” e “rebeldes” dividem características similares, como o uso da violência para
demonstrar sua insatisfação política131. Pondera, todavia, que somente a limitadas
categorias de insurgência, como as guerras de independência (ou de libertação nacional),
o direito internacional humanitário garante o adequado direito à rebelião – dentre os
exemplos, o direito internacional assegura o direito de autodeterminação àqueles que
lutam contra a opressão colonial, contra regimes racistas e a ocupação estrangeira132.
Ainda segundo Antonio Cassese, trata-se legítima a rebelião contra Estados que reprimem
direitos humanos básicos e quando não existam meios democráticos e pacíficos
disponíveis para garantir o respeito aos direitos humanos133. A insatisfação direcionada
ao regime político instaurado, manifestada na forma de rebelião, seria exclusiva ao
próprio regime político mencionado, e não teria como alvo, pelo menos de forma
indiscriminada, a própria sociedade civil134.
Monty Marshal, quando faz referência à população civil, restringe o campo das
possíveis vítimas utilizando um vocábulo mais direto e exclusivo, indicando que somente
128
MARSHALL, Monty G. Global Terrorism, op. cit., p. 62.
129
LOPES, João Felipe Menezes. Terrorismo internacional: financiamento..., op. cit., p. 27.
130
Ver página 14.
131
CASSESE, Antonio. The Human Dimension of International Law: Selected Papers of Antonio
Cassese. Oxford: Oxford University Press, 2008. p. 432.
132
Ibidem, p. 432 e 433.
133
CASSESE, Antonio. The Human Dimension of International Law…, op. cit., p. 433.
134
Fonte: <https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf>. Acesso em:
22/02/2019. CASSESE, Antonio. The Human Dimension of International Law…, op. cit., p. 433.
32
a população civil não combatente seria passível de ataques terroristas, ou seja, crê-se que
o autor objetiva separar dois fenômenos classificados como distintos: o terrorismo e o
direito de rebelião135.
O direito de rebelião seria proposto, ainda pela própria Declaração Universal dos
Direitos Humanos, ao direcionar-se à responsabilidade dos Estados em respeitar os
direitos humanos para que “o homem não seja compelido, em supremo recurso, à revolta
contra a tirania e opressão”136. Essa distinção entre os que se utilizam da rebelião e dos
que se utilizam do terrorismo encontra abrigo, também, no direito humanitário, mais
precisamente no 1º Protocolo de Genebra, datado de 1977, em seu artigo 51137, quando
define que os ataques e ameaças à população civil detêm o objetivo de espalhar o terror e
seriam estritamente proibidos. De tal maneira, um grupo de libertação nacional não seria
legitimado ao seu direito de rebelião caso utilize de táticas que espalham o terror.
Necessário, assim, estabelecer com clareza a diferença entre esses dois fenômenos
distintos trazida pelo direito internacional138.
Segundo João Lopes,
135
MARSHALL, Monty G. Global Terrorism, cit., p. 62. Walter Laqueur assinala que até mesmo a guerra
civil segue um conjunto de regras, quando as características do terrorismo são o “anonimato e violação de
regras estabelecidas” (LAQUEUR, Walter. A History of Terrorism…, op. cit., p. 1).
136
CASSESE, Antonio. The Human Dimension of International Law…, op. cit., p. 433 e 434. LOPES,
João Felipe Menezes. Terrorismo internacional: financiamento..., op. cit., p 27.
137
Para o conteúdo da convenção, cf. <https://ihl-databases.icrc.org/ihl/INTRO/470>.
138
O debate em torno dos movimentos de libertação ainda é considerado nebuloso e passível de diversas
interpretações em razão de entendimento variados expostos pelas delegações de diversos Estados. Cf.
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 21-23.
139
LOPES, João Felipe Menezes. Terrorismo internacional: financiamento..., op. cit., p. 28.
33
que demonstram grau de insatisfação com políticas governamentais e aqueles atos que
possuem como motivação mostrar para o mundo a sua insatisfação e, ao mesmo tempo,
ocasionam na ameaça direta à vida de integrantes da sociedade civil não combatente140.
Os movimentos sociais que demonstram sua insatisfação em formas de protestos, que às
vezes escapam os limites da pacificidade, em sua análise como simples movimentos
sociais, e não terroristas, não devem ser confundidos com o terrorismo141.
Outras distinções breves são realizadas entre o terrorismo e outros fenômenos
distintos, a saber: (i) o crime organizado; (ii) a guerrilha; (iii) e a guerra. Com exceção
desta última, as distinções jazeriam nos seus respectivos objetivos. Brevemente, ao crime
organizado se teria como objetivo o cometimento de um ou mais delitos, por grupo
estruturado por três ou mais pessoas, para a obtenção de benefícios financeiros ou outro
benefício material142. À guerrilha, atribuir-se-ia o objetivo de controle de determinados
espaços geográficos143. Por fim, a guerra seria tratada de maneira distinta, com
apontamentos à relação ao modus operandi dessas atividades. Sustenta-se que a guerra,
ao contrário do terrorismo, teria regras convencionais de procedimento, com seu alvo
exposto explicitamente, ao contrário do terrorismo, que não possuiria regulação e teria
como fator a sua natureza imprevisível144.
Isolada, a conduta ou ato seria considerada como uma forma específica de
atividade política ou uma forma de violência política145 e que possui como alvo o
assassinato de figuras políticas ou a população civil146, de forma indiscriminada. A
140
BRANIFF, Bill. Defining Terrorism..., op. cit.
141
Como exemplo, apresenta-se o caso brasileiro de uma tentativa de equiparação dos movimentos sociais
ao terrorismo. Em 2019, a Câmara dos Deputados, quando da aprovação de projeto lei 10.431/2018, sobre
a incorporação das resoluções do Conselho de Segurança da ONU que versam sobre as sanções de
indivíduos financiadores de atividades terroristas ao ordenamento interno, detinha em seu texto original a
criminalização de movimentos sociais, constituindo uma afronta a direitos fundamentais já consolidados
pela Constituição Federal de 1988. A aprovação da peça legislativa na Câmara dos Deputados, mas ainda
pendente de sua aprovação no Senado Federal, foi realizada somente após a mudança do conteúdo que
visava a criminalização dos movimentos sociais. A mera proposta, no entanto, deve ser observada como
cautela para que não se cometam abusos em virtude de uma alegada ameaça terrorista. Fonte:
<https://bit.ly/2TfUTzg>. Acesso em: 22/02/2019.
142
BARTOLOMÉ, Mariano César. Las Fuerzas Armadas sudamericanas y las perspectivas de cooperación
em la lucha contra el terrorismo y el crime organizado. Estudios Internacionales, Vol. 43, n. 164, 2009.
p. 10. Cf. United Nations Convention Against Transitional Organized Crime and the Protocols Thereto,
disponível em: <https://bit.ly/1vHv97q>. Acesso em: 22/02/2019.
143
LOPES, João Felipe Menezes. Terrorismo internacional: financiamento..., op. cit., p. 29.
144
Idem.
145
PRIMAKOV, Yevgeny M. A World Challenged…, op. cit., p. 2 e 3. Cf. MARSHALL, Monty G.
Global Terrorism, op. cit., p. 62.
146
Idem. Como se verá quando analisadas as convenções internacionais que tratam da matéria, o patrimônio
público pode, também, ser considerado no rol dos possíveis alvos, não sendo observado por alguns como
uma forma de violência exercida exclusivamente contra outras pessoas.
34
147
SAUL, Ben. Defining Terrorism in International Law, op. cit., p. 38.
148
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 32.
149
Idem.
150
BRANIFF, Bill. Defining Terrorism..., op. cit.
151
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 39.
152
CASSESE, Antonio. The Human Dimension of International Law…, op. cit., p. 434 e 435.
153
Artigo I, (1), cf. <http://www.un.org/documents/ga/res/49/a49r060.htm>.
35
grande margem de interpretação sobre quem poderia ser considerado como um legítimo
ator de práticas terroristas. Ao mesmo tempo, a afirmativa tornou evidente o conflito
presente em outras convenções de direito internacional que já excluíam as atividades
militares do escopo de aplicação dessas convenções, quando estas atividades fossem
decorrentes dos deveres oficiais das instituições militares154.
Aponta-se e salienta-se, contudo, que uma das características assentadas como
essenciais no modus operandi dos atos terroristas seria a assimetria de poder ou a relação
de autoridade entre o autor e a vítima – faz-se necessária, assim, a imposição de uma
violência desmedida sobre o alvo155. Quando, exercendo uma posição hierárquica que
garanta poder, imagina-se que um agente estatal pode tomar vantagem de seu posto para
o cometimento de atos que objetivem um fim político, através de uma estratégia de
difusão do medo e terror entre a população civil não combatente. A convenção de Genebra
e seus protocolos adicionais também proíbem o Estado e suas atividades militares de
utilizarem a ameaça ou o efetivo uso da força para intimidar a população civil através da
disseminação do terror, da mesma maneira que condenam os movimentos libertários156.
Bill Braniff aponta que, pelo fato do terrorismo se tratar de um tipo de tática, ele pode ser
utilizado por diferentes organizações e entidades, dentre elas os Estados e uma
organização criminal157.
Na arena internacional158, pode-se apontar como evidentes alguns eventos
históricos que demonstram a possibilidade de um Estado em praticar o financiamento de
grupos terroristas para alcançar determinados objetivos políticos, como o caso do
financiamento realizado pelos Estados Unidos, China e Arábia Saudita ao grupo afegão
Mujahidin para o combate contra a União Soviética durante a Guerra Afegã-soviética,
ocorrida durante a década de 80159. Em período posterior, a organização que lutava contra
os Soviéticos e seria financiada por esses países se transforma na fagulha que
desencadearia a origem de organizações como a Al-Qaeda, o Talibã e o Movimento
154
WALTER, Christian. Terrorism. Max Planck Encyclopedia of Public International Law [MPEPIL].
2001. p. 4.
155
MARSHALL, Monty G. Global Terrorism, op. cit., p. 62.
156
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, Fifty-third session on Promotion..., op. cit., p. 14.
157
BRANIFF, Bill. Defining Terrorism..., op. cit.
158
Na arena interna, um dos exemplos notórios foi a da utilização do terror como violência intencional e
sistemática para a repressão e controle social exercidos pelo Estado Francês durante a revolução francesa
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, Fifty-third session on Promotion..., op. cit., p. 11).
159
BRANIFF, Bill. Defining Terrorism..., op. cit.
36
160
BRANIFF, Bill. Defining Terrorism..., op. cit.
161
National Consortium for the Study of Terrorism and Responses to Terrorism (START). (2017). Global
Terrorism Database. Disponível em: <http://www.start.umd.edu/gtd/about/>. Acesso em: 05/10/2017.
162
BRANIFF, Bill. Defining Terrorism..., op. cit.
163
Ver página 19 e 20.
37
assimetria de poder ou a relação de autoridade entre o autor e a vítima. Por fim, o ato deve
causar a proliferação de um certo medo ou terror em escala nacional, regional ou global.
Porém, como já mencionado exaustivamente, as várias tentativas da comunidade
internacional de Estados, através do amparo normativo do direito internacional público,
em chegar a um consenso sobre uma definição dedutiva sobre a temática restaram
frustradas e a solução encontrada fora a utilização de uma definição indutiva164.
“[…]. (1) Qualquer ato intencional que cause a morte ou grave lesão corporal
ou perda de liberdade contra: (a) Chefes de Estado, pessoas exercendo
prerrogativas de chefe de Estado, seus herdeiros ou seus designados
sucessores; (b) As esposas ou maridos das pessoas mencionadas acima; (c)
Pessoas instituídas de função pública ou que ocupem funções públicas quando
o ato se dirige a estes em sua capacidade pública. (2) Destruição intencional
ou dano causado a propriedade pública ou destinadas para o uso público que
pertença ou se submeta a outro Estado-membro desta convenção. (3) O ato
164
Cf. LEVITT, Geoffrey. Is Terrorism Worth Defining?, op. cit., p. 97 e 109.
165
Datada de 1937, a convenção foi resultado de uma série de conferências realizadas no período pós-
Primeira Guerra Mundial, entre 1920 e 1935, conhecidas pelas Conferência Internacional de Unificação do
Direito Penal. Cf. LEVITT, Geoffrey. Is Terrorism Worth Defining?, op. cit, p. 97 e 98.
166
Ver página 26 e 27.
38
167
Fonte: <https://www.wdl.org/en/item/11579/view/1/7/>.
168
Cf. WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 27.
169
Ver nota 96.
170
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 19. Para
mais informações sobre as conveções e projetos, Cf: Resolutions adopted on the reports of the Sixth
Committee, 1972, <https://documents-dds-
ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/270/64/IMG/NR027064.pdf?OpenElement>; Declaration on
Measures to Eliminate International Terrorism, 1994,
<http://www.un.org/documents/ga/res/49/a49r060.htm>; Measures to Eliminate International Terrorism,
1996, <http://legal.un.org/docs/?symbol=A/RES/51/210>; International Convention for the Suppression of
the Financing of Terrorism, 1999, <https://treaties.un.org/doc/db/Terrorism/english-18-11.pdf>.
171
Cf. LEVITT, Geoffrey. Is Terrorism Worth Defining?, op. cit, p. 99 e 100. Cf. DUFFY, Helen. T The
‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 19. Cf. HIGGINS, Rosalyn. The
general international law of terrorism. In: HIGGINS, Rosalyn; FLORY, Maurice (Eds.). Terrorism and
International Law. London: Routledge, 1997. p. 15 e 16.
39
dos Estados Unidos da América, ao propor ao Sexto Comitê da Assembleia Geral, o Draft
Convention for the Prevention and Punishment of Certain Acts of International
Terrorism. Menciona-se que o texto do projeto gerou controvérsias pelos seguintes
motivos: (a) a palavra terrorismo sequer aparecia no texto do projeto, sendo substituída
por “ofensas de significância internacional”; (b) excluía as forças militares do estado
como um possível agente da prática do terrorismo, o que fora considerado como uma
afronta para os Estados que lutavam contra o colonialismo e contra a dominação
estrangeira – a permissão do uso da violência seria interpretada de maneira distinta pela
ideologia ocidental e pelos Estados em desenvolvimento, sobretudo em relação a questão
dos movimentos de libertação172. Argumenta-se que, após o impasse apresentado, o
comitê ficara impossibilitado de confeccionar uma definição dedutiva sobre o fenômeno,
o qual passa a ser tratado, novamente, em sua forma indutiva ao elaborar convenções
sobre os atos de terrorismo, sem que o próprio termo terrorismo seja abarcado173. Como
exemplo, entre as décadas de 60 e 80, tomaram forma algumas convenções nesse sentido.
Dentre elas, convenções sobre atos praticados ao bordo de aeronaves174, sobre a tomada
ilícita de aeronaves175, sobre crimes cometidos contra pessoas internacionalmente
protegidas176, sobre a tomada de reféns177, dentre outras178.
Em meados da década de 90, outro comitê fora estabelecido pela Assembleia
Geral da ONU – o Ad Hoc Committee on International Terrorism. Seu propósito circulava
em torno da produção de diversos instrumentos internacionais para o combate ao
172
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 55.
173
Idem. Cf. HIGGINS, Rosalyn. The general international law of terrorism, op. cit., p. 15.
174
Convention on offences and certain other acts committed on board aircraft, 1936. Para o conteúdo da
convenção, cf. <https://treaties.un.org/doc/db/terrorism/conv1-english.pdf>.
175
Considerado pacificamente pela academia, considera que a convenção trata como ato terrorista a
atividade ilícita realizada por pessoa a bordo de aeronave, objetivando, pela força ou ameaça dela, tomar
controle da referida aeronave. Nota-se, todavia, que a convenção não menciona a palavra terrorismo em
seu texto. Convention for the Suppression of Unlawful Seizure of Aircraft, 1970. Para o conteúdo da
convenção, cf. <https://treaties.un.org/doc/db/Terrorism/Conv2-english.pdf>.
176
Dentre outras previsões, considera como ato terrorista a atividade ilícita que objetiva o assassinato,
sequestro, ou ataque realizado contra agentes do alto escalão do Estado. Convention on the prevention and
punishment of crimes against internationally protected persons, including diplomatic agents. Para o
conteúdo da convenção, cf. <https://treaties.un.org/doc/db/Terrorism/english-18-7.pdf>.
177
Dentre outras previsões, considera como ato terrorista a atividade ilícita que objetiva prender, deter ou
ameaçar matar, ferir ou continuar a deter outra pessoa com a finalidade de obrigar um agente terceiro a
realizar determinado ato ilícito com a condição de libertação de refém. Nota-se, em seu preâmbulo, reforço
sobre o comprometimento da cooperação entre os Estados para o combate do terrorismo internacional. Para
o conteúdo da convenção, cf. <https://treaties.un.org/doc/db/terrorism/english-18-5.pdf>.
178
Cf. WALTER, Christian. Terrorism..., op. cit., p. 3. Cf. DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the
Framework of International Law, op. cit., p. 24. Cf. SOARES, Denise de Souza; DOLINGER, Jacob.
Direito Internacional Penal – tradados e convenções. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 657-733.
40
179
WALTER, Christian. Terrorism..., op. cit., p. 3.
180
Cf. DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 20.
181
Idem.
182
Para o conteúdo da convenção, cf. <https://treaties.un.org/doc/db/Terrorism/english-18-11.pdf>.
183
Conforme anexo I em Idem.
184
Fonte: <https://bit.ly/2VgisVY>.
41
previstos serão considerados como atos terroristas. Deduz-se, além disso, que a
convenção passa a formular mais um ato terrorista – que seria o simples financiamento,
uma forma de cumplicidade e incentivo aos atos terroristas –, mas será considerado como
tal somente quando direcionado ao cometimento de algum dos atos previstos no artigo 2.
No entanto, ressalvas importantes são manifestas. Christian Walter aponta que a
convenção de 1999 trata a definição de maneira abstrata185 e considera como terrorista
aqueles atos que produzem “violência física direcionada contra pessoas”, ignorando uma
certa tendência anterior que buscava, também, considerar os patrimônios públicos186. Faz
ressalva, contudo, que este parece ser um incidente particular e isolado, visto que todos
os outros estudos posteriores sobre o tema continuam a considerar o dano ao
patrimônio187. Myra Williamson, de forma cautelosa, aduz que o disposto na alínea (b)
contém o que poderia ser interpretado como uma definição de um ato terrorista – não
garantindo, assim, que esta seja realmente uma interpretação de uma definição dedutiva
–, incluindo a possibilidade dos atos serem cometidos por agentes não estatais e
enfatizando importância à vontade do agente em causar a morte ou danos corporais, ou
seja, não sendo o dano ao patrimônio suficiente188.
Além de marcar a retomada da tentativa de definição dedutiva, a convenção
também representa a última a tentar formalizá-la189, ou seja, já passados 18 anos da
adoção do texto pela Assembleia Geral da ONU, outra tentativa não fora realizada. Pode-
se atribuir o problema para a turbulência e oscilação causadas no cenário internacional
pelos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, os quais enrijeceram as tensões
políticas nesse âmbito.
Evidenciado o fracasso de uma forma dedutiva, passa-se à análise especifica das
formas indutivas de tratamento do fenômeno. Seriam, assim, os atos já prescritos em
instrumentos internacionais. Conforme Helen Duffy,
185
WALTER, Christian. Terrorism..., op. cit., p. 3.
186
Idem.
187
Idem.
188
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 58.
189
Ibidem, p. 63-65.
42
190
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 23 e 24.
191
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law, op. cit., p. 51.
192
Para o conteúdo da convenção, cf. <https://treaties.un.org/doc/db/Terrorism/Conv1-english.pdf>.
193
Para o conteúdo da convenção, cf. <https://treaties.un.org/doc/db/Terrorism/Conv2-english.pdf>.
194
Para o conteúdo da convenção, cf. <https://treaties.un.org/doc/db/Terrorism/Conv3-english.pdf>.
195
Cf. WALTER, Christian. Terrorism..., op. cit., p. 5 e 6. Posteriormente, outras 4 convenções vieram a
tratar atos cometidos dentro de aeronaves e aeroportos. Para o conteúdo dessas convenções, cf.
<http://www.un.org/en/counterterrorism/legal-instruments.shtml>.
196
Para o conteúdo da convenção, cf. <https://treaties.un.org/doc/db/Terrorism/english-18-7.pdf>.
197
Para o conteúdo da convenção, cf. <https://treaties.un.org/doc/db/Terrorism/english-18-5.pdf>.
198
Para o conteúdo da convenção, cf. <https://treaties.un.org/doc/db/Terrorism/Conv10-english.pdf>.
199
Para o conteúdo da convenção, cf. <https://treaties.un.org/doc/db/Terrorism/english-18-15.pdf>.
43
200
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 43.
201
Cf. LEVITT, Geoffrey. Is Terrorism Worth Defining?, op. cit, p. 102.
202
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 44.
203
TRAHAN, Jennifer. Terrorism Conventions: Existing Gaps and Different Approaches. New England
Journal of International and Comparative Law, Vol. 8, Issue 2, 2002, p. 220-223.
44
Como uma resposta contra prática terrorista como evidenciada no início do século
XXI nos mais diversos Estados204, o combate ao terrorismo se torna uma pauta importante
e até mesmo necessária. Os efeitos colaterais de um combate ao terrorismo desenfreado,
como já sugerido na primeira parte da presente dissertação, podem ter a força para causar
abalos sistemáticos que prejudicariam a relação entre os Estados. Em última instância,
podem criar verdadeiras situações de guerra, como foi o caso do Afeganistão e do Iraque,
logo no início do século. Por se tratar de um assunto demasiadamente político e deveras
controverso, o assunto passa a ser objeto explícito de agendas governamentais, que
encontram uma oportunidade para preencher a lacuna deixada pelo impasse, para garantir
os seus interesses.
Em razão da impossibilidade de um acordo mediante organizações internacionais,
aliado a uma área confusa e nebulosa que seria o fenômeno terrorismo, os Estados passam
a “preencher um vazio com métodos de sua escolha”, utilizando-se de procedimentos
dúbios que vêm a contradizer o direito internacional público205. Em relação à opinião
pública, diz-se que seria difícil encontrar um argumento que apoie a inércia de um Estado
em agir unilateralmente frente a um ataque terrorista, principalmente quando o direito
internacional e suas instituições não seriam capazes de fornecer uma solução efetiva206.
O terreno deixado por essas lacunas, em outras palavras, pode ser ocupado pelos
interesses nacionais das mais diferentes nações, através da construção de uma opinião
204
Nesse início de século XXI, atos considerados terroristas foram evidenciados nos mais variados países,
como no Reino Unido, França, Espanha, Turquia, Rússia, Índia, Uganda, Somália, Estados Unidos da
América, dentre outros. Fonte: <http://www.dw.com/pt-br/cronologia-do-terrorismo-ap%C3%B3s-o-11-
de-setembro/a-38093309>.
205
DAUDET, Yves. International action against State terrorism. In: HIGGINS, Rosalyn; FLORY, Maurice
(Eds.). Terrorism and International Law. London: Routledge, 1997. p. 202.
206
Idem.
45
pública em âmbito interno. Essa construção pode ter influência suficiente a ponto de se
garantir suporte a ações unilaterais que envolvam os caminhos da força.
Isso posto, o regresso a um debate sobre a permissão do uso da força, mais
especificamente sobre uma de suas exceções, o exercício da legítima defesa, não seria por
acaso. Como exemplo dessas medidas adotadas pela estratégia de combate ao terrorismo,
destaca-se a mais nova guerra contra o terror lançada pelos Estados Unidos da América,
a qual, primeiramente, possuiu como alvo a organização não estatal responsável pelos
ataques de 11 de setembro, a Al-Qaeda, e, por consequência, o regime do Talibã que
dominava o Afeganistão207. Seguindo a mesma agenda de política externa, também
culmina na invasão do Iraque, em 2003208. Esses pontos serão aprofundados em momento
oportuno, após o esclarecimento das questões históricas e jurídicas que envolvem a força.
Apesar de se reconhecer que os ataques de 11 de setembro escapam de um
contexto habitual, e, assim, seriam considerados eventos propícios para aproveitar a
fragilidade do momento, faz-se uma ressalva inegável a estes ataques, os quais, do ponto
de vista histórico e humanitário, não devem deixar de ser lembrados como tragédias
graves e que devem ser combatidas. Contudo, crê-se que a ocorrência desse alarmante
evento não deslegitimaria quaisquer críticas que possam ser realizadas em relação à
condução e ao tratamento de um problema inegável que é o terrorismo. Essa condução,
em tese, deveria respeitar o direito internacional público contemporâneo, este que,
também, deveria evoluir em observância aos seus princípios basilares209.
Para a análise presente, faz-se cogente que se especifique a relação entre esses
princípios e a proibição do uso da força. Assim, em primeiro momento, evidencia-se que
o direito internacional, ao tratar de conflitos armados, estabelece as regras de jus ad
207
Segundo a Carta datada de 7 de outubro de 2001 do Representante Permanente dos Estados Unidos da
América para as Nações Unidas adereçado ao Presidente do Conselho de Segurança, o uso da força
mediante a legítima defesa seria possível em virtude de um comodismo demonstrado pelo governo do
Talibã. Esse comodismo, sustenta, permitia que partes do Afeganistão fossem utilizadas como base de
operação da Al-Qaeda (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Conselho de Segurança. Carta
datada de 7 de outubro de 2001 do Representante Permanente dos Estados Unidos da América para
as Nações Unidas adereçado ao Presidente do Conselho de Segurança, S/2001/946, 2001. Disponível
em: <https://undocs.org/s/2001/946>. Acesso em: 26/01/2018).
208
VIZENTINI, Paulo Fagundes. A guerra contra o Iraque, o “império” norte-americano e a crise sistêmica.
Indicadores Econômicos FEE – Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser, vol.
31, n. 1, 2003. p. 10. Cf. Presidente George W. Bush, em 1 de junho de 2002, em sua pronúncia em West
Point. Disponível em: <https://georgewbush-whitehouse.archives.gov/news/releases/2002/06/20020601-
3.html>. Acesso em: 26/01/2018.
209
Dentre esses princípios, estão a proibição do uso da força, a resolução pacífica de controvérsias e o
respeito à dignidade da pessoa humana (MACHADO, Jónatas. Direito Internacional: do paradigma
clássico ao pós-11 de setembro. 3ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2006. p. 645).
46
O um soberano promove (sic) a guerra injusta é culpado: Quem toma das armas
sem causa legítima não tem, assim, nenhum direito; todas as hostilidades que
ele comete são injustas. Ele responde por todos os danos, por todos os horrores
da guerra: o sangue derramado, a desolação das famílias, a pilhagem, os atos
de violência, a devastação, os incêndios, tudo são obras suas e seus crimes. Ele
é culpado em relação ao inimigo que ataca, oprime e massacra sem motivo; ele
é culpado em relação ao seu povo, que domina com injustiça, que expõe ao
perigo sem necessidade, sem razão; [...]212.
210
Trata-se de um conjunto de critérios que devem ser estabelecidos em momento anterior ao engajamento
a um possível conflito armado, para que este seja considerado como “justo”. A concepção do direito de se
recorrer à guerra tem suas origens em um tempo remoto, não se tratando de uma preocupação nova, e que
passou pela análise de grandes estudiosos. Dentre eles, Platão, Aristóteles, Cícero e Santo Agostinho (Cf.
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 146. Cf.
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 71).
211
MACHADO, Jónatas. Direito Internacional..., op. cit., p. 643.
212
VATTEL, Emer de. O direito das gentes. Tradução de Vicente Marotta Rangel. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, 2004. p. 523.
213
MESQUITA, Maria José Rangel de. Justiça Internacional: Lições – Parte I – Introdução. Lisboa:
AAFDL, 2010. p. 80 e 81.
214
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Da Declaração Universal dos Direitos Humanos: gênese,
conteúdo normativo e alcance. In: Os Direitos Humanos Desafiando o Século XXI. Brasília: Ordem dos
Advogados do Brasil, 2009. p. 23.
215
Idem. Cf. PIOVESAN, Flávia. A constituição brasileira de 1988 e os tratados internacionais de proteção
dos direitos humanos. In: MARCÍLIO, Maria Luiza; PUSSOLI, Lafaiete (Coords.). Cultura dos Direitos
Humanos. São Paulo: LTr, 1998. pp. 87-90.
47
216
Para o conteúdo do pronunciamento do então presidente George W. Bush Jr. na íntegra, cf.
<https://georgewbush-whitehouse.archives.gov/news/releases/2001/09/20010911-16.html>. Acesso em:
02/01/2018.
217
CASSESE, Antonio. Terrorism is Also Disrupting Some Crucial Legal Categories of International Law.
European Journal of International Law. Vol. 12, n. 5, 2001. p. 993.
218
BAPTISTA, Eduardo Correia. A Nova Tipologia dos Conflitos Internacionais: O Uso da Força Contra
Grupos Armados e os Conflitos no Afeganistão e no Iraque. Revista de Direito da Universidade de
Lisboa. Vol.: XLIV-Nº 1 e 2. Coimbra: Coimbra Editora, 2003. p. 538.
219
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Consequências Jurídicas da Construção do Muro em
Território Palestino Ocupado. Opinião Consultiva, para. 139, 2004. Disponível em: <https://www.icj-
cij.org/files/case-related/131/131-20040709-ADV-01-00-EN.pdf>. Acesso em: 26/01/2018.
220
CASSESE, Antonio. Terrorism is Also Disrupting Some Crucial Legal..., op. cit., p. 993.
48
Admittedly, the use of the term ‘war’ has a huge psychological impact on
public opinion. It is intended to emphasize both that the attack is so serious
that it can be equated in its evil effects with a state aggression, and also that
the necessary response exacts reliance on all resources and energies, as if in
a state of war221.
221
CASSESE, Antonio. Terrorism is Also Disrupting Some Crucial Legal..., op. cit., p. 993.
222
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira; LAGE, Délber Andrade. Eficácia e coerção: uma análise sobre o
sistema de garantia do cumprimento das normas jurídicas internacionais. In: BRANT, Leonardo Nemer
Caldeira; LAGE, Délber Andrade; CREMASCO, Suzana Santi (Coords.). Direito Internacional
Contemporâneo. Curitiba: Juruá, 2011. p. 483.
49
223
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Caderno de Direito
Constitucional. Módulo V. Escola da Magistratura do Tribunal Regional da 4ª Região. Porto Alegre-RS:
EMAGIS, 2006. pp. 6-7. Cf. BARROSO, Luís Roberto. “Aqui, lá e em todo lugar”: a dignidade humana
no direito contemporâneo e no discurso transnacional. In: VON BOGDANDY, Armir; PIOVESAN, Flávia;
ANTONIAZZI, Mariela Morales. Direitos humanos, democracia e integração jurídica: uma emergência
de um novo direito público. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. pp. 416-425.
224
ARMSTRONG, David; FARELL, Theo; LAMBERT, Hélène. International Law and International
Relations. 2ª ed. New York: Cambridge University Press, 2012. p. 125.
225
Princípios de direito internacional pautados na boa-fé dos Estados, como seria o caso do pacta sunt
servanda, demonstram um afastamento do recurso ao uso da força para questões de solução de disputas
entre os Estados (BYNKERSHOEK apud CRAWFORD, James. State Responsibility: The General Part.
Cambridge: Cambridge University Press, 2014. p. 15. FITZMAURICE, Malgosia. The Practical Working
of the Law of Treaties. In: EVANS, Malcolm D. International Law. New York: Oxford University Press,
2003. p. 183. BINDER, Christina. The Pacta Sunt Servanda Rule in the Vienna Convention on the Law of
Treaties: A Pillar and its Safeguards. In: BUFFARD, Isabelle; CRAWFORD, James; PELLET, Alain;
WITTICH, Stephan. International Law between Universalism and Fragmentation. Leiden/Boston:
Martinus Nijhoff Publishers, 2008. p. 317).
50
também, como um recurso eficiente226. Não somente, sustenta-se que, até o final do século
XIX, a guerra seria considerada como recurso legítimo ligado à soberania estatal227.
Conforme Brant, “as relações dos Estados eram, na sua origem, fundadas em relações de
força”228 e, de tal modo, o percurso histórico do instituto do uso da força conduz o exame
a percepções antagônicas em relação ao seu emprego, uma vez que já teria sido
reconhecido como o modo mais eficaz para se fazer cumprir obrigações internacionais,
como hoje há uma forte rejeição sobre o seu uso.
Na história, o caminho percorrido para sua proibição expressa começa a ser
visível, mas ainda de forma tímida, somente a partir da segunda metade do século XIX e
início do século XX229, haja vista que, antes da Primeira Guerra Mundial, uma
regulamentação quanto sua proibição seria praticamente inexistente230. Seguindo este
raciocínio, até então não haveria interesse dos Estados em limitar um meio tão eficaz para
garantir cumprimento de suas obrigações internacionais.
Assim, durante o lapso temporal mencionado, uma doutrina humanitária que
buscava “controlar os efeitos nocivos das hostilidades”231 teria sido posta em evidência
mediante a proposição da Convenção de Genebra de 1864, da Declaração de São
Petersburgo de 1868 e da Declaração de Bruxelas de 1874232. A mencionada doutrina
recebe ainda maior relevância em razão da adoção, já em 1907, da Convenção relativa à
Limitação do Emprego da Força para a Recuperação de Dívidas Contratuais233. Esta
última relaciona-se com as importantíssimas Conferências de Paz de Haia, realizadas em
1899 e 1907, as quais representam o início de um movimento mais desinibido sobre a
limitação do uso da força. Isso porque, além da adoção da mencionada convenção, as
conferências deram origem às convenções sobre a resolução pacífica de controvérsias234.
226
EYFFINGER, Arthur. A Highly Critical Moment: Role and Record of the 1907 Hague Peace
Conference. In: Netherlands International Law Review, Vol. 54, Issue 2, 2015, pp. 199 e 200.
227
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira; LAGE, Délber Andrade. Eficácia e coerção..., op. cit., p. 483.
ARON, Raymond. Paz e guerra entre as nações. Tradução de Sérgio Bath. 1ª ed. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais; São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2002. p. 854.
228
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 200.
229
Ibidem, p. 200 e 201.
230
DÖRR, Oliver. Prohibition of Use of Force. Max Planck Encyclopedia of Public International Law
[MPEPIL]. 2015. p. 2. Cf. BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 201.
231
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 201.
232
Idem.
233
DÖRR, Oliver. Prohibition of Use of Force, cit., p. 3.
234
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. The International Court of Justice: Handbook. 2013. p.
10 e 11. Disponível em: <https://www.icj-cij.org/files/publications/handbook-of-the-court-en.pdf>. Acesso
em: 03/01/2018.
51
O incentivo para o início de uma caminhada em sentido à restrição do uso da força parte,
assim, dessas conferências, as quais encorajaram os Estados235 a fazer o uso de meios
alternativos de resolução de suas disputas, os quais foram formalizados nessas
conferências236 – os bons ofícios, a mediação ou inquérito, a já conhecida via diplomática
e o tribunal arbitral237. Com o aumento de um conjunto de opções para a resolução de
conflitos internacionais, torna-se mais interessante aos Estados a tentativa de resolver
suas diferenças de uma maneira a não se recorrer ao uso da força, desde que esse meio se
mostre tão eficiente quanto o recurso ao uso da força.
Em 1919, influenciada pelas mencionadas conferências de paz, a SDN, em seu
pacto constitutivo, já contemplava uma tentativa de impor mecanismos de solução
pacífica para a resolução de controvérsias contraídas pelos Estados, de maneira a
desencorajar a utilização da ameaça ou uso da força, mas não a proibia de forma
expressa238. Pelo contrário, o Pacto, em seu artigo 12239, é inequívoco ao recomendar aos
Estados signatários que estes esgotassem as vias dos meios de solução pacífica de
controvérsias para que, somente depois e como último recurso, recorressem à ameaça ou
ao uso da força. De tal forma, ainda restaria assegurado aos Estados, mesmo após a
Primeira Guerra Mundial, o direito de recorrer às armas, ou à guerra, para fazer cumprir
as obrigações internacionais240, sendo meramente recomendado que os Estados não o
fizessem de pronto.
Segundo Brant e Lage, as medidas impostas pela SDN detêm importância
significativa, uma vez que, ao contrário das Conferências de Paz de Haia, o pacto da SDN
propôs soluções coletivas, em prol da segurança dos Estados signatários, como assegurou
que a Sociedade pudesse ser utilizada como foro para o discussão e verificação desses
235
Ainda com um número restrito de países, as conferências buscaram discutir temas como a paz e o
desarmamento (Idem).
236
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 74 e 75.
237
Não se menciona a via própria judicial pois foi somente através da Sociedade das Nações, em 1921, que
a Corte Permanente de Justiça Internacional, uma corte de caráter universal, foi criada. Anteriormente,
verifica-se a criação da Corte Centro-americana de Justiça, em 1907, mas essa detinha um caráter regional
(Cf. AMERASINGHE, Chittharanjan F. Jurisdiction of International Tribunals. The Hague: Kluwer
Law International, 2003. p. 26. Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Os Tribunais
Internacionais Contemporâneos. Brasília: FUNAG, 2013. pp. 9-11).
238
PEREIRA, Antonio Celso Alves. A Reforma das Nações Unidas e o Sistema Internacional
Contemporâneo. In: MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz de (Org.). Desafios do Direito Internacional
Contemporâneo: Jornadas de Direito Internacional Público no Itamaraty. Brasília: Fundação Alexandre
de Gusmão, 2007. p. 41.
239
Para o conteúdo do Pacto, cf. <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-
Internacionais-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-1919-a-1945/pacto-da-sociedade-das-nacoes-
1919.html>.
240
PEREIRA, Antonio Celso Alves. A Reforma das Nações Unidas..., op. cit., p. 41.
52
problemas241. Isso não seria suficiente, contudo, para isentar a SDN das possíveis críticas,
uma vez que a utilização da força ainda encontraria um amparo legal242, também em um
aspecto individual do uso da força.
Mais tarde, convenções multilaterais trouxeram dispositivos que previam a
“interdição total da guerra” (tradução nossa)243, mas estas não possuíam um alcance
global. O Pacto de Paris, também conhecido como Pacto Kellogg-Briand, de 1928, por
exemplo, vinculava os Estados signatários à obrigação de não fazer o uso da guerra para
resolver suas disputas ou conflitos244. Outro exemplo seria o Tratado Antibélico de Não
Agressão e Conciliação, de 1933, também conhecido como pacto Saavedra-Lamas,
realizado por inúmeros países Latino-americanos, e que possuía o mesmo objetivo de
proibir o recurso à guerra. Com a importante adesão dos Estados Unidos da América,
todos os Estados-partes restavam obrigados a uma proibição da guerra245. As duas
convenções, ao mesmo tempo, traziam consigo a exceção para o exercício do uso da força
nos casos de legítima defesa246.
Diz-se que, anteriormente à 1919, o direito internacional público não faria
qualquer restrição ao emprego do uso da força, inexistindo grandes preocupações ou até
uma demanda para existência de uma norma específica que regulasse um direito de
legítima defesa, depositando esta tarefa ao direito costumeiro e à jurisprudência247. Nota-
se, ainda, que os instrumentos mencionados faziam alusão ao recurso à guerra, não sendo
empregado o vocábulo “ameaça ou uso da força”, como se vislumbra nos tempos atuais.
Sendo assim, as outras formas de emprego da força ainda restavam legítimas, desde que
não houvesse uma declaração de guerra e que esta fosse realizada a outro Estado
signatário248. Disso, sustenta-se que, com a evolução do direito internacional
contemporâneo, escolhe-se o vocábulo “ameaça ou uso da força” em razão de outras
atividades militares estatais que podem pôr em risco os princípios e valores dessa nova
241
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira; LAGE, Délber Andrade. Eficácia e coerção..., op. cit., p. 484 e 485.
242
Idem.
243
CASSESE, Antonio. Commentaire à l’article 51. In: COT, Jean-Pierre; PALLET, Alain (Eds.). La
Charte des Nations Unies: commentaire article par article. Vol I, 3rd Edition. Paris: Economica, 2005. p.
1330.
244
CASSESE, Antonio. Commentaire à l’article 51…, op. cit., p. 1330.
245
DÖRR, Oliver. Prohibition of Use of Force, op. cit., p. 3.
246
Idem.
247
CASSESE, Antonio. Commentaire à l’article 51…, op. cit., p. 1330.
248
ARON, Raymond. Paz e guerra entre as nações, op. cit., p. 855.
53
comunidade. Dentre os atos, tem-se: (i) a própria ameaça do uso da força; (ii) as
represálias; e (iii) os atos de agressão249.
A partir dessa escalada de novos posicionamentos em direção a um uso cada vez
mais restrito da força, é que se passa a proibir, de forma expressa, a amaça ou o uso da
força no cenário das relações internacionais. As razões para tanto se encontram em
evidência no preambulo da Carta da ONU, que delineia seus objetivos de “praticar a
tolerância e viver em paz” e “unir nossas forças para manter a paz e a segurança
internacionais” em volto ao “flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço de nossa
vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade”250. Especificamente, a proibição do
uso da força recebe disposição expressa e se encontra redigida no artigo 2(4), o qual
dispõe que “Todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça
ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer
Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas”251.
Ainda, reforça-se o que se fora afirmado em momento anterior sobre o sistema de justiça
internacional, através do artigo 2(3) da Carta, o qual disciplina que “Todos os membros
deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não
sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais”252, e adiciona-se os
mecanismos das sanções aos Estados que manifestarem, através das suas ações, ameaças
a segurança e paz internacionais253.
Demonstra-se, assim, a direção para qual o direito internacional contemporâneo
escolheu caminhar após o fracasso da SDN. Buscou-se consolidar princípios entendidos
como essenciais para a manutenção da paz, muito em decorrência de exemplos históricos,
como o de duas grandes guerras mundiais, e, com isso, tem-se a proibição expressa da
ameaça ou uso da força254. Em sua forma universal, trata-se de uma proibição
relativamente nova, que possui menos de um século de implementação no cenário das
relações internacionais e no direito internacional público.
Apesar de recente, a magnitude dada ao instituto não consegue ser facilmente
ignorada. Atualmente, a proibição da ameaça ou o uso da força seria considerada um
249
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 81 e 82.
250
Fonte: <https://nacoesunidas.org/carta/>.
251
Fonte: <https://nacoesunidas.org/carta/cap1/>.
252
Idem.
253
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira; LAGE, Délber Andrade. Eficácia e coerção..., op. cit., p. 486 e 487.
254
ARMSTRONG, David; FARELL, Theo; LAMBERT, Hélène. International Law…, op. cit., p. 125.
54
255
No julgamento do caso Atividade Militares e Paramilitares na e contra a Nicarágua, a Corte Internacional
de Justiça trouxe exemplos de convenções que possuem obrigações negativas, proibindo a utilização do
recurso à ameaça ou uso da força aos Estados-Partes em suas relações, também confirmando a existência
de opino juris que torna a matéria inserida no contexto do direito costumeiro internacional (CORTE
INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Caso Concernente às Atividades Militares e Paramilitares na e
contra a Nicarágua (Nicarágua v. Estados Unidos da América. Méritos, p. 89-91, paras. 188-190, 1986.
Disponível em: <https://www.icj-cij.org/files/case-related/70/070-19860627-JUD-01-00-EN.pdf>. Acesso
em: 03/01/2018).
256
DÖRR, Oliver. Prohibition of Use of Force, op. cit., p. 1. Cf. ARMSTRONG, David; FARELL, Theo;
LAMBERT, Hélène. International Law…, op. cit., p. 125. Cf. DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’
and the Framework of International Law, op. cit., p. 147. Cf. CORTE INTERNACIONAL DE
JUSTIÇA. Caso Concernente às Atividades Militares..., op. cit., p. 90 e 91, para. 190. Cf.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comissão de Direito Internacional. Yearbook of The
International Law Commission, A/CN.4/SER.A, Vol. II, 1996. p. 247. Disponível em:
<http://legal.un.org/ilc/publications/yearbooks/english/ilc_1966_v2.pdf>. Acesso em: 03/01/2018.
257
Cf. MIRANDA, Jorge. Direito Internacional Público – I. Ver. 2. Lisboa: Pedro Ferreira, 1995. p. 143-
144.
258
Para o conteúdo da convenção, cf.: <http://www.gddc.pt/siii/docs/rar67-2003.pdf>.
259
BAPTISTA, Eduardo Correia. Ius Cogens em Direito Internacional. Lisboa: Lex, 1997. p. 21 e 282.
260
Cf. DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 147.
Cf. BROWNLIE, Ian. Principles of Public International Law. 6ª ed. New York: Oxford University Press,
2003. p. 488.
261
CASSESE, Antonio. International Law. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2005. p. 188.
55
262
MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Internacional Público. 3ª ed., rev. e actualizada. S. João do
Estoril: Principia, publicações universitárias e científicas, 2006. p. 269.
263
Idem.
264
Idem.
265
MACHADO, Jónatas. Direito Internacional..., op. cit., p. 653.
266
Idem.
267
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 206.
268
CASSESE, Antonio. Commentaire à l’article 51…, op. cit., p. 1330.
269
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 206.
270
CASSESE, Antonio. Commentaire à l’article 51…, op. cit., p. 1330.
56
considerada como legítima defesa, nesses termos, a ação estatal violenta que busca pôr
fim a uma situação considerada perigosa para os seus interesses internos271. Consolida-se
que o exercício do direito de legítima defesa estaria condicionado a uma ilicitude prévia,
exercida pelo Estado agressor, que legitima o Estado agredido a exercer a força como
forma de defesa. Não haveria, assim, abertura para o chamamento da legítima defesa
baseada em exercícios de futurologias que supõem uma ameaça à segurança interna de
um Estado.
A Carta da ONU, através de seu preambulo – “que a força armada não será usada
a não ser no interesse comum” – e Capítulo VII, busca regulamentar as exceções para o
uso da força. Elenca-se, em seu artigo 51, que “nada na presente carta prejudicará o
inerente direito de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque
armado contra um membro das Nações Unidas [...]”, e, no artigo 42, o resguardo ao direito
pela Organização, mediante autorização do Conselho de Segurança, de recorrer ao uso da
força para “manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais”272. De tal modo, o
jus ad bellum273 passaria a ser guiado por esse conjunto de disposições presentes no
Capítulo VII da Carta da ONU.
Todavia, com a proibição expressa do uso da força pela Carta da ONU, a legítima
defesa passa a ter um status de instituto jurídico, uma vez que seu uso se trata de
excludente de ilicitude atrelada a uma conduta proibitiva – ameaça ou uso da força. A
conduta praticada, se condizente com a norma que prevê a exceção, impede que o
praticante sofra as sanções decorrentes da quebra da norma proibitiva, como, também,
seus reflexos274.
Jorge Miranda faz crítica, contudo, ao arrazoar que, no plano dos princípios e não
no dos fatos, ao Conselho de Segurança pertenceria o monopólio do uso da força em
legítima defesa, pois a avaliação dos critérios que ditam a sua possibilidade ou
impossibilidade passaria exclusivamente por ele275. Em mesma linha, Eduardo Correia
Baptista articula que a competência para deliberar sobre as exceções ao uso da força cabe
271
Idem.
272
Para o conteúdo dos artigos mencionados, cf. https://nacoesunidas.org/carta/cap7/.
273
Ver nota 210.
274
DIAS, Caio Gracco Pinheiro. CONTRA A DOUTRINA ‘BUSH’: PREEMPÇÃO, PREVENÇÃO E
DIREITO. 2007. p. 138 e 139. Tese (Doutorado) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo.
Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2135/tde-30072007-155126/pt-br.php/>.
Acesso em: 12/01/2018.
275
MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Internacional Público, op. cit., p. 269.
57
276
BAPTISTA, Eduardo Correia. O Poder Público Bélico em Direito Internacional: O Uso da Força
pelas Nações Unidas em Especial. Coimbra: Almedina, 2003. p. 597 e ss. Cf. GOUVEIA, Jorge Bacelar.
O uso da força no Direito Internacional Público. Revista Brasileira de Estudos Políticos. n. 107, 2013. p.
165.
277
BAPTISTA, Eduardo Correia. O Poder Público Bélico..., op. cit., p. 617.
278
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira; LAGE, Délber Andrade. Eficácia e coerção..., op. cit., p. 487.
279
Para o conteúdo do artigo 51, cf. <https://nacoesunidas.org/carta/cap7/>.
280
MARTINS, Ana Maria Guerra. Algumas implicações do 11 de Setembro de 2001 na ordem jurídica
internacional. Revista de Direito da Universidade de Lisboa. Vol.: XLIV-Nº 1 e 2. Coimbra: Coimbra
Editora, 2003. p. 599.
281
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira; LAGE, Délber Andrade. Eficácia e coerção..., op. cit., p. 487 e 488.
CASSESE, Antonio. Terrorism is Also Disrupting Some Crucial Legal..., op. cit., p. 995. “L’article 51
permet l’emploi de la force seulement en réaction à une « agression armée », et à condition que soient
observées les normes de procédure qui prescrivent que le Conseil de sécurité soit immédiatement informé
de l’action armée en légitime défense” (CASSESE, Antonio. Commentaire à l’article 51…, op. cit., p.
1332).
58
282
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Fifty-ninth session Report…, op. cit., p. 57.
283
Ibidem, p. 57 e 58. Cf. PEREIRA, Antonio Celso Alves. A Reforma das Nações Unidas..., op. cit., p.
74.
284
SHAW, Malcolm N. International Law. 6ª ed. Cambridge: Cambridge University Press. 2008. p. 4.
MACHADO, Jónatas. Direito Internacional..., op. cit., p. 650-653.
285
Idem.
286
A Organização das Nações Unidas também não possui forma de recrutamento direto de indivíduos para
que se forme um aparato de defesa, isto é, a ONU ainda depende diretamente da força fornecida pelos
Estados membros (BAPTISTA, Eduardo Correia. O Poder Público Bélico..., op. cit., p. 733 e 734).
287
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 109.
59
288
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 109 e 176.
289
Idem.
290
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Caso Concernente às Atividades Militares..., op. cit., p.
91, para. 191. Entendimento posteriormente reafirmado em julgamento de 2003, no caso Irã v Estados
Unidos (CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Caso Concernente às Plataformas Petrolíferas (Irã
v. Estados Unidos da América). Méritos, p. 30, 31, 34 e 35, paras. 51 e 64, 2003. Disponível em:
<https://www.icj-cij.org/files/case-related/90/090-20031106-JUD-01-00-EN.pdf>. Acesso em:
03/01/2018). Cf. GARWOOD-GOWERS, Andrew. Self-defense Against Terrorism in the Post-9/11 World.
QUT Law Review. [S.I.], Vol. 4, Nº 2, 2004. p. 4.
291
O’CONNELL, Mary Ellen. American Exceptionalism and the International Law of Self-Defense.
Denver Journal of International Law and Policy. Vol. 31, 2002-2003. p. 45 e 46. WILLIAMSON, Myra.
Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 109
292
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Caso Concernente às Plataformas, op. cit., p. 39, para.
40.
293
. O’CONNELL, Mary Ellen. American Exceptionalism…, op. cit., p. 46.
294
BEARD, Jack M. America’s New War On Terror: The case for self-defense under international law.
Harvad Journal of Law & Public Policy. Vol. 25, 2001-2002. p. 585.
60
295
A noção de controle efetivo será abordada posteriormente, em páginas 66 e ss.
296
CRAWFORD, James. State Responsibility…, op. cit., p. 290-292.
297
Ver página 46.
61
298
STAHN, Carsten. Terrorist Acts as “Armed Attack”: The Right to Self-Defense, Article 51 (½) of the
UN Charter, and International Terrorism. Fletcher Forum of World Affairs. Vol. 27, 2002. p. 37.
299
CASSESE, Antonio. Terrorism is Also Disrupting Some Crucial Legal..., op. cit., p. 995.
62
300
CASSESE, Antonio. Terrorism is Also Disrupting Some Crucial Legal..., op. cit., p. 995.
301
Idem.
302
Ibidem, p. 997 e 998. CASSESE, Antonio. Commentaire à l’article 51…, op. cit., p. 1332.
303
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução 1368 do Conselho de Segurança de 12 de
Setembro de 2001, S/RES/1368. Disponível em:
<https://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/RES/1368%20%282001%29>. Acesso em:
09/01/2018.
304
BAPTISTA, Eduardo Correia. A Nova Tipologia dos Conflitos Internacionais..., op. cit., p. 551.
63
ameaça à paz305. A crítica resta no fundamento de que, no período curto de alguns dias, a
prática teria sido formulada em sentido a se admitir que um ataque terrorista realizado por
uma organização criminosa se equiparasse a uma agressão armada promovida por um
Estado306.
O que, antes, seria tratado no âmbito das atividades criminais, sujeitas ao devido
processo legal, de forma a trazer os responsáveis à justiça, seja perante uma corte
internacional ou doméstica, começa a ser tratado como um ataque armado que ensejaria
a utilização das exceções para o uso da força e traz consigo todos os riscos iminentes de
um conflito armado internacional, sendo o principal deles, o de causar a morte ou lesão
de pessoas não combatentes e inocentes307. O sistema de proteção criado para facilitar a
cooperação internacional e a escolha pelo caminho de uma definição indutiva para o
terrorismo se demonstram, salvo melhor juízo, malogrados, uma vez que alguns Estados
não cooperariam da forma esperada, não seriam suficientemente responsáveis ou capazes
de administrar o seu próprio território e/ou os Estados agredidos por organizações
terroristas desrespeitariam o conjunto de normas estabelecidas de forma unilateral,
utilizando-se de contornos para se fazer valer do uso da força.
Segundo Brant, o aprofundamento da prática terrorista, a níveis internacionais,
provocou “um sentimento de que o sistema internacional se tornou ineficaz em face desta
sombria realidade na qual a violência passou a ter autor desconhecido e alvos difusos”308.
Seguindo esta linha crítica, a Resolução 1373, adotada pelo Conselho de
Segurança no dia 28 de setembro de 2001309, a qual também estabelece diversas diretrizes
para o combate ao terrorismo, declarou o terrorismo internacional como uma ameaça à
paz e segurança internacionais – porém, não o define310 –, como reafirmou, em seu
preâmbulo, o direito de legítima defesa individual ou coletiva como reconhecido pela
Carta da ONU e “como reiterada na resolução 1368” (tradução nossa)311. A resolução,
para alguns, corresponde com certa vontade do Conselho de Segurança em garantir e
305
CASSESE, Antonio. Terrorism is Also Disrupting Some Crucial Legal..., op. cit., p. 996 e 997.
306
Idem.
307
TRAVALIO, Greg; ALTENBURG, John. Terrorism, State Responsibility, and the Use of Military
Force. Chicago Journal of International Law. Vol. 4, Nº 1, 2003. p. 99. Cf. GARWOOD-GOWERS,
Andrew. Self-defense Against Terrorism…, op. cit., p. 1.
308
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 207.
309
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução 1373 do Conselho de Segurança de 28 de
Setembro de 2001, S/RES/1373. Disponível em: <https://undocs.org/S/RES/1373(2001)>. Acesso em:
09/01/2018.
310
ROSAND, Eric. Security Council Resolution 1373, the Counter-terrorism Committee, and the Fight
against Terrorism. The American Journal of International Law. Vol. 97, Nº 2, 2003. p. 333.
311
BEARD, Jack M. America’s New War On Terror..., op. cit., p. 565.
64
afirmar, dessa vez, as ações em resposta aos ataques de 11 de setembro, colaborando para
que a utilização das forças militares pelos Estados Unidos da América passasse pelo crivo
da legalidade em seu espectro de legítima defesa312. Isso seria significantemente
importante em razão do impacto causado na interpretação do direto à legítima defesa, pois
demonstra uma demora do Conselho de Segurança em deliberar sobre a legalidade do
exercício do direito e causa certa dúvida no que se refere a um requisito intrínseco: o da
resposta instantânea a um ataque armado. As afirmações elencadas anteriormente, sobre
a evidência manifesta do que seria um ataque armado e sobre a obviedade de quem seria
o agressor responsável pelo ataque armado, se tornam, também, confusas.
Além disso, ambas as resoluções não fazem menção ao governo do Afeganistão
ou ao Talibã, sendo esta a principal base argumentativa para relacionar o uso da legítima
defesa a um Estado de fato. Não mencionam a organização terrorista Al-Qaeda, sequer.
De tal forma, mesmo as resoluções do Conselho seriam insuficientemente objetivas ao
indicar o alvo para o exercício da legítima defesa313. No contexto de agentes não estatais,
como as organizações terroristas, necessário se faz, para o chamamento da legítima
defesa, que o ataque tenha magnitude suficiente para equiparar-se a um ataque armado e
este deverá ser atribuído a outro Estado mediante a atribuição de responsabilidade314. A
resposta ainda deverá responder àquelas regras anteriormente elencadas, respeitando-se
as características de proporcionalidade e necessidade315. Ressalta-se, novamente, que se
faz imperiosa a atribuição da ação do grupo armado a um Estado para que o Estado vítima
possa exercer o seu inerente direito à legítima defesa, uma vez que a exceção, para ser
exercida e como já visto, envolveria o desrespeito da norma que proíbe o uso da força por
um Estado que está vinculado à proibição316. A exceção, afirma-se, não poderia ser
exercida contra indivíduos ou contra grupos armados317. Para elucidar tais assertivas,
Eduardo Correia Baptista aduz que, um verdadeiro conflito internacional seria aquele
realizado entre “entidades plenamente vinculadas pela proibição do uso da força”318. Isso
não significaria a inexistência de qualquer forma de reação. Restaria ao Estado agredido,
312
Ibidem, p. 566.
313
PHILIPP, Christiane E. Taliban. Max Planck Encyclopedia of Public International Law [MPEPIL].
2007. p. 4.
314
GARWOOD-GOWERS, Andrew. Self-defense Against Terrorism…, op. cit., p. 5 e 6.
315
Idem.
316
DABONÉ, Zakaria. International Law: armed groups in a state-centric system. International Review
of the Red Cross. Vol. 93, n. 882, 2011. p. 402 e 403.
317
Idem.
318
BAPTISTA, Eduardo Correia. A Nova Tipologia dos Conflitos Internacionais..., op. cit., p. 538.
65
319
Ibidem, p. 539-542.
320
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 231.
321
Ibidem, p. 231-233.
322
Idem.
323
CASSESE, Antonio. Terrorism is Also Disrupting Some Crucial Legal..., op. cit., p. 996 e 997.
66
324
GARWOOD-GOWERS, Andrew. Self-defense Against Terrorism…, op. cit., p. 5 e 6.
325
WOLFRUM, Rüdiger. The Attack of September 11, 2001, the Wars Against the Taliban and Iraq: Is
There a Need to Reconsider International Law on the Recourse to Force and the Rules in Armed Conflict?
In: BOGDANDY, Armin von; WOLFRUM, Rüdiger (Eds.). Max Planck Yearbook of United Nations
Law. Volume 7. Leiden: Brill. p. 36.
326
WOLFRUM, Rüdiger. The Attack of September 11, 2001…, op. cit., p. 36 e 37.
327
Ibidem, p. 36-38.
328
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 49-51.
329
Idem.
67
330
Idem.
331
Idem.
332
CASSESE, Antonio. The International Community’s “Legal” Response to Terrorism. The
International and Comparative Law Quarterly. Vol. 38, n. 3, 1989. p. 596.
333
Idem.
334
GARWOOD-GOWERS, Andrew. Self-defense Against Terrorism…, op. cit., p. 5 e 6.
68
tratar-se-ia “ataque armado”335. Isso conduziria o instituto para uma ainda maior
subjetividade, ocasionando nos possíveis problemas que essa expansão possa causar336.
A resolução 1373 se mostra ainda mais confusa ao declarar o terrorismo como
ameaça à paz e segurança internacionais, sem que haja um acordo sobre uma definição
do fenômeno criminal, em plano internacional. A tese levantada, sobre as aberturas
susceptíveis à interpretação ao bel prazer das agendas políticas de Estados restariam, de
tal modo, evidenciadas. Como já apontado em outros momentos, o notório impasse
político sobre um fenômeno carregado de julgamentos de valor e de interesses dos mais
diversos Estados seria prejudicial, uma vez que o direito internacional deveria combater
um fenômeno que não possui uma tipificação dedutiva, sobrando espaço para que os
Estados se utilizem dessas lacunas para tentar contornar os preceitos da Carta337. A
diminuição de requisitos após requisitos, aduz-se, transformaria o artigo 51 da Carta em
abrigo para as ações desses Estados, para que estes justifiquem seus objetivos militares,
e não para um real exercício de legítima defesa, em seu estado excepcional de
necessidade, como disciplinado pelo direito costumeiro338.
Retornando ao exame específico do conflito que marca o início da nova guerra ao
terror, observa-se que esta tem início somente no dia 7 de outubro de 2001, quase um mês
após os ataques terroristas. À época, a invasão do Afeganistão foi justificada a partir da
premissa de que o Talibã, grupo que administrava o território afegão, estaria abrigando e
financiando a organização terrorista Al-Qaeda. Invocou-se, assim, o direito inerente de
legítima defesa individual e coletiva, em face dos ataques armados realizados pelo Estado
do Afeganistão, para prevenir e deter quaisquer futuros ataques aos Estados Unidos da
América339. O exercício do direito começa a ser praticado via a atribuição de
responsabilidade ao Estado do Afeganistão e a resposta aos ataques foi evidentemente
tardia, saindo do escopo de uma noção clássica de legítima defesa. A proporcionalidade
da resposta, agregada ao tempo que dura o conflito – a guerra ainda está em curso e
representa, até hoje, a mais duradoura guerra em toda a história dos Estados Unidos da
América – não diferentemente, também foge do escopo de uma noção clássica. Ainda,
335
STAHN, Carsten. Terrorist Acts as “Armed Attack”…, op. cit., p. 37.
336
Idem.
337
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 207 e 234.
338
STAHN, Carsten. Terrorist Acts as “Armed Attack”…, op. cit., p. 37.
339
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Carta datada de 7..., op. cit.
69
340
PHILIPP, Christiane E. Taliban, op. cit., p. 3.
341
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 233.
342
Como exemplo, Estados garantiam acesso ao seu espaço aéreo e/ou forneciam apoio logístico para as
operações necessárias (Cf. DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International
Law, op. cit., p. 187 e 188).
343
BEARD, Jack M. America’s New War On Terror..., op. cit., p. 568 e 569.
344
Idem.
345
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução 1378 do Conselho de Segurança de 14 de
Novembro de 2001, S/RES/1378. Disponível em: <http://unscr.com/en/resolutions/doc/1378>. Acesso em:
09/01/2018.
346
Nota-se a preocupante demorada do Conselho em deliberar.
347
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução 1378, op. cit., p. 1. Cf. PHILIPP, Christiane E.
Taliban, op. cit., p. 4.
348
GARWOOD-GOWERS, Andrew. Self-defense Against Terrorism…, op. cit., p. 13.
70
349
STAHN, Carsten. Terrorist Acts as “Armed Attack”…, op. cit., p. 37. Cf. DUFFY, Helen. The ‘War
on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 189. Cf. BAPTISTA, Eduardo Correia.
A Nova Tipologia dos Conflitos Internacionais..., op. cit., p. 557-559.
350
Cf. WOLFRUM, Rüdiger. The Attack of September 11, 2001…, op. cit., p. 37. Cf. TRAVALIO, Greg;
ALTENBURG, John. Terrorism, State Responsibility…, op. cit., p. 105, 116 e 117.
351
BAPTISTA, Eduardo Correia. A Nova Tipologia dos Conflitos Internacionais..., op. cit., p. 557-559.
71
Carster Sthan, em mesmo curso, aponta que a teoria de controle efetivo teria sido
derrubada para o caso do Talibã e que, caso não tivesse sido derrubada, não seria admitida
o uso da força em razão da falta de conteúdo probatório que comprovasse a assistência
do Talibã nos ataques realizados em território estadunidense353. A isso, continua o autor,
implicar-se-ia uma facilitada relação dos atos terroristas aos atores estatais354. Arguiu-se
que ao meio de pesadas acusações realizadas contra o Talibã, nenhum dos Estados que
visavam a intervenção militar no Afeganistão teria comprovado que o Talibã poderia ter
poder e autoridade sobre a Al-Qaeda a ponto de estabelecer um controle efetivo355. Com
efeito, não havendo comprovação necessária de que o Talibã teria participado ativamente
dos ataques ou dos planejamentos, esta vertente entende injusta a responsabilização.
Por outra óptica, chega-se a afirmar que a ligação entre a Al-Qaeda e o Talibã
seria evidente e, inclusive, seria reconhecida pela Resolução 1333, adotada pelo Conselho
de Segurança da ONU em 19 de dezembro de 2000356. O Conselho de Segurança vinha
advertindo o Talibã pela sua resistência em entregar Osama bin Laden às autoridades
competentes, solicitando aos Estados-membros da ONU que congelassem os fundos e
recursos financeiros relacionados ao Talibã. Advertiu-o, também, pelo uso do território
afegão para o treinamento de terroristas, classificando a prática como uma ameaça à paz
e segurança internacionais357.
Essas duas perspectivas antagônicas demonstram o impasse que paira em questões
relativas ao terrorismo. Porém, uma demonstra uma maior passionalidade e pressa, ao
ponto de admitir contornos nas regras de legítima defesa, sustentando que o combate ao
352
BAPTISTA, Eduardo Correia. A Nova Tipologia dos Conflitos Internacionais..., op. cit., p. 557-559.
353
STAHN, Carsten. Terrorist Acts as “Armed Attack”…, op. cit., p. 37.
354
Idem.
355
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 189.
356
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução 1333 do Conselho de Segurança de 19 de
Dezembro de 2000, S/RES/1333. p. 1. Disponível em: <http://unscr.com/en/resolutions/doc/1333>. Acesso
em: 11/01/2018. Cf. BEARD, Jack M. America’s New War On Terror..., op. cit., p. 578.
357
BEARD, Jack M. America’s New War On Terror..., op. cit., p. 582 e 583. ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS. Resolução 1267 do Conselho de Segurança de 15 de Outubro de 1999. Disponível
em: <http://unscr.com/en/resolutions/doc/1267>. Acesso em: 11/01/2018. ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS. Resolução 1333, op. cit., p. 1 e 2.
72
terrorismo em sua forma atual deveria se dar pela flexibilização do exercício da teoria de
controle efetivo, como também aceita, desse mesmo modo, a flexibilização de outros
requisitos clássicos para o exercício das exceções do uso da força. O instituto de legítima
defesa aparenta ter sido modificado a tal ponto que suas regras básicas foram
reinterpretadas e colocadas na formalidade através das Resoluções 1368, 1373 e 1378.
Proporcionam, salvo melhor juízo, uma maior lacuna em um campo de um fenômeno
social que já vinha sendo cada vez mais carregado por antagonismos e pela incapacidade
da sociedade internacional em tratar da nova forma terrorista de forma inteligente. Nota-
se que as resoluções não buscam uma nova maneira de combater um fenômeno constatado
durante todo o século XX, com seu apogeu na década de 90, mas buscam flexibilizar e
ampliar a abrangência do combate em mesmo sentido em que já se vinha sendo feito: o
caminho priorizado continua sendo aquele através de uma abordagem de definição
indutiva e da flexibilização das normas, cada vez mais carregada de lacunas.
Resta imperioso, nesse sentido, apontar que, anteriormente aos ataques de 11 de
setembro, o uso unilateral da força como combate ao terrorismo seria evidenciado com
facilidade358. Como exemplo, em retaliação aos ataques suicidas às embaixadas
estadunidenses na Tanzânia e Quênia em 1998359, os Estados Unidos da América
lançaram 79 mísseis para destruir campos de treinamento no território do Afeganistão e
uma indústria farmacêutica do Sudão360. Para tanto, o Estado estadunidense justificou-se
sob a premissa de um exercício de legítima defesa “para prevenir que ataques contra alvos
americanos não continuassem”361. Percebe-se que, todavia, quando o uso unilateral da
força é praticado por algum Estado, o reflexo da comunidade internacional de Estados
envolve certo criticismo. Seria o exemplo da série de bombardeios realizados contra a
Líbia, em resposta a um ataque terrorista em Berlin, em 1986362. A justificativa para tanto
foi baseada em um suposto envolvimento do Estado líbio no atentado – chega-se a
sustentar que os ataques teriam sido ordenados pela Líbia363. Outros casos demonstram
358
GARWOOD-GOWERS, Andrew. Self-defense Against Terrorism…, op. cit., p. 8.
359
Os ataques, reivindicados pela Al-Qaeda, teriam resultado na morte de mais de duzentas pessoas, dentre
elas, doze estadunidenses (BEARD, Jack M. America’s New War On Terror..., op. cit., p. 562. BRANT,
Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 229).
360
Sustenta-se que a planta farmacêutica foi identificada com uma fábrica de armas químicas e estaria
relacionada a Osama bin Laden (Idem).
361
Idem.
362
Nesse caso específico, os ataques contra o Estado foram motivados em resposta a um ataque terrorista a
uma discoteca berlinense que seria muito frequentada por estadunidenses. Como resultado, deixou 2
mortos, dentre eles, um estadunidense e uma turca, e 230 feridos (BEARD, Jack M. America’s New War
On Terror..., op. cit., p. 561).
363
BEARD, Jack M. America’s New War On Terror..., op. cit., p. 561.
73
opiniões divididas, como foi o caso do ataque armado realizado contra o Iraque, em 1993,
e dos já mencionados ataques contra o Afeganistão e o Sudão em 1998364.
Verificado, de qualquer feita, que a evocação de um suposto direito à legítima
defesa para o combate ao terrorismo não se trata de prática posterior aos ataques de 11 de
setembro e foi utilizado para justificar o uso unilateral da força contra Estados que
abrigariam organizações terroristas em seu território. A aceitação da prática, no entanto,
não seria muito receptiva. A construção de uma teoria cada vez mais subjetiva seria de
interesse desses Estados para que suas ações fossem juridicamente lícitas365.
O meio empregado para o combate ao terrorismo aparentou, de qualquer forma,
estar distanciado de uma via de cooperação internacional. Um predomínio de opiniões
favoráveis à utilização do uso da força estadunidense e seus aliados, pela comunidade
internacional, aparenta ser um caso extraordinário presente somente no caso da invasão
do Afeganistão em 2001, visto que, para o conflito estabelecido contra o Iraque em 2003,
a comunidade internacional de Estados não compactuou com as razões que motivavam a
invasão, resultando na falta de legitimidade para o exercício dos atos366.
Em relação aos critérios para o exercício da legítima defesa, vê-se que muitos
deles foram extrapolados e a tese de controle efetivo foi diminuída. A importância
particular do caso seria representada por essas mudanças de interpretação sobre a relação
entre o Estado e as organizações não estatais terroristas, ignorando-se uma tradição
estabelecida pela jurisprudência internacional. O combate ao terrorismo, no início do
século XXI, dessa forma, passa a admitir, pelo menos nesse caso da guerra do
Afeganistão, que o exercício do direito à legítima defesa seja reinterpretado.
Salienta-se que a problemática jaz justamente na capacidade que uma justificativa
simplória teria em estimular novos conflitos bélicos. Sabe-se que organizações terroristas
se espalham pelo mundo de forma a ser quase impossível identificar todos os Estados nos
quais organizações terroristas se encontram367. Questiona-se, assim, se os mais diversos
Estados, nos quais evidencia-se grupos ramificados da Al-Qaeda, poderiam ser alvos de
um ataque em nome de um direito de legítima defesa368. Ainda, não sendo a única
364
Ibidem, p. 562-564. Cf. GARWOOD-GOWERS, Andrew. Self-defense Against Terrorism…, op. cit.,
p. 8 e 9.
365
TAMS, Christian J. The Use of Force against Terrorists. European Journal of International Law. Vol.
20, n. 2, 2009. p. 367.
366
COCKBURN, Patrick. The Age of Jihad: Islamic State and the Great War for the Middle East. 1ª ed.
eBook Kindle. London and New York: Verso, 2016. l. 822.
367
CASSESE, Antonio. Terrorism is Also Disrupting Some Crucial Legal..., op. cit., p. 997.
368
Idem.
74
organização terrorista existente, e de modo que não se aponta, através das resoluções, a
quem poderia ser exercido a legítima defesa, imagina-se que o problema tomaria uma
proporção ainda mais perigosa.
A dada atribuição de responsabilidade ao Estado, que seguia parâmetros
relativamente altos, devendo-se comprovar o efetivo controle do Estado sobre uma
organização criminosa, passa a ser tratada com demasiada simplicidade. Agora, tudo
indica que “qualquer nível de suporte” seria suficiente para responsabilizar um Estado
pelas ações de organizações terroristas369. Isto é, uma mudança no requisito de atribuição
de responsabilidade a ataques realizados por organizações terroristas ao Estado, que
demonstre qualquer nível de suporte, seja até mesmo pela simples tolerância em seu
território, passa a ser considerada370.
Soma-se isso ao discurso adotado logo após os atentados, pela administração
estadunidense, representada à época pelo então presidente George W. Bush:
“Our response involves far more than instant retaliation and isolated
strikes. Americans should not expect one battle, but a lengthy campaign, unlike
any other we have ever seen. It may include dramatic strikes, visible on TV,
and covert operations, secret even in success. We will starve terrorists of
funding, turn them one against another, drive them from place to place, until
there is no refuge or no rest. And we will pursue nations that provide aid or
safe haven to terrorism. Every nation, in every region, now has a decision to
make. Either you are with us, or you are with the terrorists. (Applause.) From
this day forward, any nation that continues to harbor or support terrorism will
be regarded by the United States as a hostile regime”371
369
GARWOOD-GOWERS, Andrew. Self-defense Against Terrorism…, op. cit., p. 12.
370
Idem.
371
Presidente George W. Bush, em 10 de setembro de 2001. Fonte: <https://georgewbush-
whitehouse.archives.gov/news/releases/2001/09/20010920-8.html> Acesso em: 01/06/2018.
372
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução 2625 da Assembleia Geral de 24 de Outubro
de 1970, A/RES/25/2625. Disponível em: <http://www.un-documents.net/a25r2625.htm>. Acesso em:
09/01/2018. Cf. BEARD, Jack M. America’s New War On Terror..., op. cit., p. 579 e 580.
75
373
COCKBURN, Patrick. The Age of Jihad…, op. cit., l. 83.
374
Ibidem, l. 83-94 e 104-109.
375
No anacrônico da língua inglesa, ISIS.
376
COCKBURN, Patrick. The Age of Jihad…, op. cit., l. 83-94.
377
CRONIN, Audrey Kurth. ISIS Is Not a Terrorist Group: Why Counterterrorism Won’t Stop the Latest
Jihadist Thread. Foreign Affairs. Vol. 94, n. 2, 2015. p. 89.
378
Ibidem, p. 91.
379
COCKBURN, Patrick. The Age of Jihad…, op. cit., l. 94.
380
Ibidem, l. 94-99.
76
381
Idem.
382
VIZENTINI, Paulo Fagundes. A guerra contra o Iraque..., op. cit., p. 9. PEREIRA, Antonio Celso Alves.
A Reforma das Nações Unidas..., op. cit., p. 26.
383
MORAES, Roberto Camps. A segunda Guerra do Golfo e as relações econômicas internacionais.
Indicadores Econômicos FEE – Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser, vol.
31, n. 1, 2003. p. 50.
384
FAY, Claudia Musa. A questão do petróleo e suas implicações na Guerra do Iraque. Indicadores
Econômicos FEE – Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser, vol. 31, n. 1, 2003.
p. 67 e 68.
385
FRANCK, Thomas M. What Happens Now? The United Nations after Iraq. The American Journal of
International Law. Vol. 97, nº 3, 2003. p. 610. VIZENTINI, Paulo Fagundes. A guerra contra o Iraque...,
op. cit., p. 9.
77
386
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 117.
387
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 235. Sobre as sanções
econômicas e seus reflexos no povo iraquiano, cf. COCKBURN, Patrick. The Age of Jihad…, op. cit., l.
628-808.
388
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 117 e 118.
389
Idem.
78
390
DIAS, Caio Gracco Pinheiro. CONTRA A DOUTRINA ‘BUSH’..., op. cit., p. 145-147.
391
Ibidem, p. 146.
392
LEVY, Jack S. Declining Power and the Preventive Motivation for War. World Politics. Vol. 40, nº 1,
1987. p. 82 e 87-88.
393
LEVY, Jack S. Declining Power and the Preventive…, op. cit., p. 89.
394
DIAS, Caio Gracco Pinheiro. CONTRA A DOUTRINA ‘BUSH’..., op. cit., p. 147.
395
MACHADO, Jónatas. Direito Internacional..., op. cit., p. 654.
396
DIAS, Caio Gracco Pinheiro. CONTRA A DOUTRINA ‘BUSH’..., op. cit., p. 147.
79
397
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução 487 do Conselho de Segurança de 19 de Junho
de 1981, S/RES/487. Disponível em: <https://undocs.org/S/RES/487(1981)>. Acesso em: 09/04/2019.
398
LEVY, Jack S. Declining Power and the Preventive…, op. cit., p. 90.
399
MACHADO, Jónatas. Direito Internacional..., op. cit., p. 655.
400
Idem.
401
LEVY, Jack S. Declining Power and the Preventive…, op. cit., p. 90. DIAS, Caio Gracco Pinheiro.
CONTRA A DOUTRINA ‘BUSH’..., op. cit., p. 152.
402
MURPHY, Sean D. The Doctrine of Preemptive Self-Defense. Villanova Law Review. Vol. 55, Issue
3, 2005. p. 711 e 712.
403
MURPHY, Sean D. The Doctrine of Preemptive Self-Defense, op. cit., p. 712.
80
404
LEVY, Jack S. Declining Power and the Preventive…, op. cit., p. 91. MURPHY, Sean D. The Doctrine
of Preemptive Self-Defense, op. cit., p. 712.
405
BAPTISTA, Eduardo Correia. A Nova Tipologia dos Conflitos Internacionais..., op. cit., p. 572.
406
PALMA, Maria Fernanda. Tribunal Penal Internacional – Evoluções previsíveis ante os problemas da
guerra de agressão, da “legítima defesa preventiva” e do terrorismo. Revista de Direito da Universidade
de Lisboa. Vol.: XLIV-Nº 1 e 2. Coimbra: Coimbra Editora, 2003. p. 633.
407
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 118-120.
408
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 120. A isso, soma-se a
aceitação, pela comunidade internacional, cada vez com maior frequência, de ações unilaterais pelo
caminho da força, por Estados contra outros Estados que, alegadamente, admitiam organizações terroristas
em seu território (BAPTISTA, Eduardo Correia. A Nova Tipologia dos Conflitos Internacionais..., op. cit.,
p. 545-550).
409
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 120 e 121.
410
MACHADO, Jónatas. Direito Internacional..., op. cit., p. 656.
81
em legítima defesa preemptiva acaba por receber atenção legítima, em meio a essas
possibilidades, uma vez que, se comparadas as duas formas abordadas, esta seria mais
prudente.
O debate sobre sua utilização também não se trata de um novo. Segundo John
Quigley, vários autores, dentre eles, Ian Brownlie e Hans Kelsen, já debatiam a permissão
do uso da força, no escopo do artigo 51 da Carta da ONU, em razão do início da
mobilização de um Estado para a realização de um ataque armado, ou em razão da
tamanha evidência de que um ataque armado seria iminente411. O que se proporia, deste
modo, não seria que o Estado devesse aguardar os danos físicos ao seu território para
poder agir em legítima defesa. Disso, surge a indagação sobre o porquê ter-se-ia insistido
na denominação “preemptiva” para o exercício da legítima defesa para essas ocasiões –
não seria, de mesmo modo, o exercício do direito inerente à legítima defesa em estrito
cumprimento do artigo 51 da Carta?
Todavia, aponta-se para a confusão dos próprios Estados em saber diferenciar as
duas formas. Como exemplo, a primeira tentativa do uso preventivo após o 11 de
setembro baseou-se, como se verá, na posse de armas de destruição em massa pelo Iraque.
Não obstante, a alegação se configura como uma simples alegação até os tempos atuais,
havendo nítida carência de conteúdo probatório sobre a posse de armas de destruição em
massa pelo Estado iraquiano412, governado, à época, por Saddam Hussein. Como já
sustentando anteriormente, a ideia de que o Estado pudesse representar uma ameaça seria
uma de difícil acepção, visto que o Estado iraquiano ainda sofreria com o fim da I Guerra
do Golfo e com a imposição de sanções pela ONU, as quais perduraram até o ano de 2003.
De fato, o banimento de um controle externo, o qual se realizaria pelos inspetores da
ONU, para a averiguação de cumprimento da Resolução 687, de 1991, que determinou o
fim da I Guerra do Golfo e previa o desarmamento do Iraque, reconhecida como violada
através da Resolução 1441, de 2002, contribui para invasão413. Saddam Hussein, ao
mesmo tempo que pressionava a ONU pelo fim das sanções econômicas, passava sua
imagem como o líder que enfrentava Israel e os Estados Unidos da América, através de
um nítido suporte à causa Palestina414.
411
QUIGLEY, John. The United Nations Action against Iraq: A Precedent for Israel’s Arab Territories.
Duke Journal of Comparative & International Law. Vol. 2, n. 2, 1992. p. 206.
412
Cf. BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 235.
413
Ibidem, p. 235 e 236.
414
MORAES, Roberto Camps. A segunda Guerra do Golfo..., op. cit., p. 49 e 50.
82
Porém, como bem aponta Brant, isso não seria capaz de legitimar outro Estado a
recorrer à força de maneira unilateral, desrespeitando o poder central do Conselho de
Segurança da ONU, alegando o descumprimento de obrigações internacionais415. E
assim, apesar das críticas apontadas, essa primeira ação concreta não contribuiria
positivamente para um eventual caminho a ser construído pela prática internacional. Ao
contrário, prejudicaria os novos caminhos para combater a já difícil tarefa imposta pela
tática terrorista, como apresentada nesse início do século XXI.
Particularmente ao caso estadunidense pós-11 de setembro, a escolha das palavras
“prevenir” e “deter”416, empregadas ao discurso realizado pelo governo Bush, atrai certa
curiosidade e pode ser interpretada como uma estratégia oportuna para fazer avançar o
instituto de legítima defesa em seu propósito preventivo, aproveitando-se de um momento
de maior aceitabilidade de uma forma preemptiva. Entretanto, para utilização da forma
preemptiva, se pressupõe a nítida vontade, através da observância de armamentos postos
e/ou movimentação militar do outro Estado, para ser considerado como tal.
Voltando-se um pouco à tese de controle efetivo, no caso iraquiano se configurou
uma ligação sem rodeios daquele Estado com o terrorismo – lembra-se que, como parte
da guerra contra o terror, a invasão teve, dentre o seu bojo, uma razão antiterrorismo –,
mas não apresentou conteúdos probatórios que venham a elucidar a ligação da produção
de armas de destruição em massa com as organizações terroristas. Sugere-se que a
abordagem do governo estadunidense seria, assim, a de retirar o elemento de iminência
do conceito da forma de legítima defesa preemptiva417. De qualquer forma, isso faria com
que as formas antecipatórias se confundissem, visto que a iminência está intimamente
ligada ao tempo para a realização de um ataque armado. Outra visão aponta para o
contrário, pois, em decorrência do avanço da forma terrorista e as armas de destruição em
massa, os Estados estariam correndo riscos iminentes a todo tempo, mas é simplesmente
derrubada pelo simples fato de que, parafraseando Thomas Franck, “poucos Estados se
consideram diretamente ameaçados pelo terrorismo em qualquer das suas manifestações
atuais” (tradução nossa)418.
Ainda, nos discursos que serão vistos mais adiante, nota-se, quando da sustentação
por um direito de legítima defesa, o uso do vocábulo “defesa preemptiva”, e não “defesa
415
Idem.
416
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Carta datada de 7..., op. cit.
417
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 121.
418
FRANCK, Thomas M. What Happens Now?..., op., cit., p. 618.
83
preventiva”. A condução dessa nova política de segurança, diz Noam Chomsky, coincidiu
com uma forte onda propagandista por uma guerra que estabelecera a doutrina preventiva
de legítima defesa como a nova prática internacional419. Diz-se que a adoção de uma
política externa que se distancia dos princípios basilares de direito internacional público
não causa tanta estranheza, uma vez que as promessas do governo, à época, giravam em
volta da adoção de medidas peculiares420. A retirada do Estado do Tratado Antimísseis
Balísticos, firmado com a então União Soviética, a rejeição do Protocolo de Kyoto, do
Estatuto de Roma e a declaração de que um dos passos do governo seria o distanciamento
em relação à ONU421 reforçariam tal afirmação. Após os atentados de 11 de setembro,
essas medidas acabam por ser intensificadas, focando-se no combate ao terrorismo e na
legítima defesa preventiva422 – “we may find that our self-defence requires further actions
with respect to other organizations and other States”423.
Ainda sobre as armas de destruição em massa, à época da invasão do Iraque, alega-
se que o governo Bush exercia pressão sobre a presidência da Organização para a
Proibição de Armas Químicas (OPAQ), representada pelo diplomata José Maurício
Bustani, recém reeleito para o exercício de um segundo mandato. Bustani foi afatastado
da chefia da OPAQ, como o próprio relata, sob argumentos de “má gestão” e “perda de
confiança”424. Sob o comando de Bustani, a organização fora responsável por 1100
inspeções em mais de 50 Estados, efetivando o fechamento de 2/3 das intalações que
produziam armas químicas no mundo425. Resumidamente, sustenta-se que a tentativa do
diplomata em tratar a aproximação do Iraque e da Líbia, no sentido da desão à
Organização, teria sido repudiada pelo governo estadunidense426. A aproximação, cabe
interpretação, seria uma maneira a garantir novas inspeções, as quais, como reflexo,
minariam a base argumentativa para a invasão do Iraque427. Por essas razões, passa-se a
419
CHOMSKY, Noam. Moral Truisms, Empirical Evidence, and Foreign Policy, op. cit., p. 607.
420
Mesmo antes dos ataques de 11 de setembro, o governo já seria conhecido pela proposição de medidas
reconhecidas como ultraconservadoras (PEREIRA, Antonio Celso Alves. A Reforma das Nações Unidas...,
op. cit., p. 26). Ainda, realiza-se comparação entre os governos Clinton e Bush, visto que o segundo teria
uma abordagem diferenciada, direcionada a um endurecimento “das relações com outros países, recusando
submeter-se aos acordos multilaterais e, ao mesmo tempo, aumentando a militarização” (FAY, Claudia
Musa. A questão do petróleo..., op. cit., p. 60).
421
PEREIRA, Antonio Celso Alves. A Reforma das Nações Unidas..., op. cit., p. 26.
422
PEREIRA, Antonio Celso Alves. A Reforma das Nações Unidas..., op. cit., p. 27.
423
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Carta datada de 7..., op. cit.
424
BUSTANI, José Mauricio. O Brasil e a OPAQ: diplomacia e defesa do sistema multilateral sob ataque.
Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Vol. 16, n. 46, 2002. p. 76.
425
Ian Williams apud Ibidem, p. 78 e 79.
426
Ibidem, p. 79.
427
Fonte: <https://theintercept.com/2018/03/28/trump-jose-bustani-john-bolton-iraque/>.
84
garantir atenção aos discursos proferidos pelos Estados Unidos e Reino Unido e o possível
impacto que estes possam ter no instituto de legítima defesa, utilizando-se do que se foi
visto na parte I deste trabalho.
Destarte, os dois Estados emitiram declarações que justificavam o uso da força,
ainda para o caso afegão, baseando-se na prevenção de ameaças futuras428. A confusão
trazida pelo discurso seria nítida. Isso porque se é comum encontrar menções à defesa
“preemptiva” quando, na realidade, a estratégia de defesa do Estado, quando dissecada,
seria, de fato, preventiva. Como exemplo, averígua-se o discurso proferido pelo então
presidente George W. Bush, em 2002:
For much of the last century, America’s defense relied on the Cold War
doctrines of deterrence and containment. In some cases, those strategies still
apply. But the new threats also require new thinking. Deterrence – the promise
of massive retaliation against nations – means nothing against shadowy
terrorist networks with no notion or citizens to defend. Containment is not
possible when unbalanced dictators with weapons of mass destruction can
deliver those weapons on missiles or secretly provide them to terrorist allies.
We cannot defend America and our friends by hoping for the best. We cannot
put our faith in the world of tyrants, who solemnly sign non-proliferation
treaties, and then systematically break them. If we wait for threats to fully
materialize, we will have waited too long. Homeland defense and missile
defense are part of stronger security, and they’re essential priorities for
America. Yet the war on terror will not be won on the defensive. We must take
the battle to the enemy, disrupt his plans, and confront the worst threats before
they emerge. (Applause.) In the world we have entered, the only path to safety
is the path of action. And this nation will act (Applause.) Our security will
require the best intelligence, to reveal threats hidden in caves and growing in
laboratories. Our security will require modernizing domestic agencies such as
the FBI, so they’re prepared to act, and act quickly, against danger. Our
security will require transforming the military that you will lead – a military
that must be ready to strike at a moment’s notice in any dark corner of the
world. And our security will require all Americans to be forward-looking and
resolute, to be ready for preemptive action when necessary to defend our
liberty and to defend our lives429.
One obvious problem with the above statements is that they assume that the
right of self-defence permits force to be used in anticipation of future attacks,
even though there is no apparent knowledge of when those attacks are likely
to occur, where they are going to be launched from or what form they are likely
to take. The US and the UK thereby indicated their intentions to use force in
self-defence to prevent non-imminent future attacks from unspecified sources.
It is submitted that this is a departure from the accepted, restrictive,
interpretation of Article 51, which literally states that force is permitted if an
armed attack occurs. The US and the UK ostensibly tried to extend the
428
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 219.
429
Presidente George W. Bush, em 1 de junho de 2002, op. cit.
85
Em sua visão, não há dúvidas sobre a interpretação do artigo 51, o qual excluiria
o recurso do uso da força para quaisquer ameaças não iminentes. A iminência, conforme
debate doutrinário já escrutinado, seria uma caraterística presente na forma preemptiva e,
quando presente, poder-se-ia tomar as precauções necessárias, como a de se preparar para
impedir o ataque quando o mesmo fosse mobilizado431.
Os discursos, no entanto, obtiveram o respaldo através da via democrática, através
da chancela para o uso da força no Iraque, pelo congresso estadunidense, em 16 de
outubro de 2002. De tal modo, as instituições democráticas estariam em sintonia com o
discurso proferido: o Iraque teria a “capacidade e vontade” (tradução nossa) para usar
armas de destruição em massa, sendo possível que o regime poderia fazer o uso destas
em “um ataque surpresa contra os Estados Unidos ou suas forças armadas” (tradução
nossa), justificando-se, a partir desse momento, o uso da força para defender a integridade
de sua população e de seu território432. As pesquisas de opinião confirmariam que as
instituições democráticas estariam em concordância com os anseios populares,
demonstrando-se que, em 2003, 72% da população apoiava a decisão de invadir o
Iraque433. Entretanto, evidencia-se quedas para as proporções de 55%, 46%, e 36%, em
2004, 2005 e 2006, respectivamente434. Tamanha queda, constata-se, acompanha a
crescente dúvida sobre a real existência das mencionadas armas de destruição em massa,
tese central proposta pelo governo para a invasão435.
Um molde preventivo de legítima defesa, em âmbito interno estadunidense,
recebera o apoio em decorrência de uma fomentada ameaça, através dos discursos sobre
430
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, op. cit., p. 219 e 220.
431
Ibidem, p. 220.
432
Fonte: <https://www.congress.gov/107/plaws/publ243/PLAW-107publ243.pdf>. Cf. MURPHY, Sean
D. The Doctrine of Preemptive Self-Defense, op. cit., p. 701 e 702.
433
SANTOS, Maria Helena de Castro; TEIXEIRA, Ulysses Tavares. The essential role of democracy in
the Bush Doctrine: the invasion of Iraq and Afghanistan. Revista Brasileira de Política Internacional.
Vol. 56, n. 2, 2013. p. 137.
434
SANTOS, Maria Helena de Castro; TEIXEIRA, Ulysses Tavares. The essential…, op., cit., p.137.
435
Ibidem, p. 137 e 138.
86
armas de destruição em massa, que causara medo na população. O caso representa, crê-
se, outro exemplo do efeito de “reagrupamento em torno da bandeira”436, mas aplicado
diretamente a uma política pública singular – no caso, a garantia da defesa interna
mediante a invasão do Iraque –, e não a níveis de aprovação do governo. A verificação
do efeito se daria através das porcentagens coletadas em momento posterior, em
consonância com a realização, por parte do povo, da inexistência de armas de destruição
em massa e com a já diminuída atmosfera de medo que, possivelmente, teria sido criada
para a aprovação de tais medidas pela via democrática437. As reações, mesmo que passem
por essa via democrática, seriam facilmente influenciadas por uma ambiência de medo
instaurada pelo terrorismo e possivelmente fomentadas por agendas políticas oportunas.
Como exemplo, chega-se a afirmar que, hoje, a intolerância religiosa tem sido
considerada como um dos principais motivos da ocorrência de conflitos armados, sendo
deliberadamente fomentada438.
Além da tese principal, George W. Bush utilizou-se da tese de que o Estado
iraquiano estaria fornecendo abrigo para organizações terroristas, tese também
apresentada para o caso afegão, em 2001. Classificou, de tal maneira, o Estado iraquiano
como “the central front in the war on terror” e que “the war on terror in Afghanistan and
Iraq will require a sustained commitment of time and resources, similar to our
commitment to rebuilding Germany and Japan after World War II”439. Novamente,
através do discurso, compara-se a situação com as situações de guerra, já tendo sido
arguido que o vocábulo possui um significativo impacto na opinião pública, capaz de
gerar efeitos psicológicos desmedidos à população.
Resta cristalina, em razão da ausência da característica de caráter iminente, que a
política externa estadunidense buscava fazer avançar e assegurar seus interesses440 através
do instituto da legítima defesa, em sua forma preventiva – “if we wait for threats to fully
materialize, we will have waited too long”441.
436
Ver páginas 16 e 17.
437
Para uma análise interessante sobre “a construção do inimigo por George W. Bush”, Cf. LEITE, Lucas
Amaral Batista. George W. Bush e a construção do inimigo na guerra ao terror. Revista de Iniciação
Científica em Relações Internacionais. Vol. 8, n. 16, 2009. p. 41-54.
438
MACHADO, Jónatas. Direito Internacional..., op. cit., p. 646.
439
Presidente George W. Bush, em 9 de Setembro de 2003, em sua pronúncia à Nação. Disponível em:
<https://georgewbush-whitehouse.archives.gov/news/releases/2003/09/20030909.html>. Acesso em:
26/01/2018.
440
Ver páginas 75 e 76.
441
Presidente George W. Bush, em 1 de junho de 2002, op. cit.,
87
Por isso, a rigor, não faz sentido falar em legítima defesa preemptiva ou em
legítima defesa preventiva como sendo duas espécies de legítima defesa; essa
terminologia, inclusive, tem prestado um desserviço à discussão: ao enfatizar
apenas e tão-somente a referência ao requisito de que a defesa se dirija contra
uma agressão, as expressões ‘legítima defesa preemptiva’ e ‘legítima defesa
preventiva’ deixam em segundo plano o outro requisito da legalidade da ação
defensiva: a necessidade concreta dos meios empregados; o uso de tais
expressões tende a fazer esquecer que a licitude da violência praticada com
fins preventivos ou preemptivos também depende da comprovação da
necessidade de seu emprego, atribuindo a tais fatos uma presunção quase
inafastável de legalidade, decorrente da enorme carga emocional ínsita no
conceito de legítima defesa, em razão da sua natureza de condição de
legitimidade de um ordenamento jurídico446.
442
DUFFY, Helen. The ‘War on Terror’ and the Framework of International Law, op. cit., p. 49-198.
443
O’CONNELL, Mary Ellen. American Exceptionalism…, op. cit., p. 43.
444
WILLIAMSON, Myra. Terrorism, War and International Law…, cit., p. 219 e 220.
445
MURPHY, Sean D. The Doctrine of Preemptive Self-Defense, op. cit., p. 702 e 703.
446
DIAS, Caio Gracco Pinheiro. CONTRA A DOUTRINA ‘BUSH’..., op. cit., p. 157.
88
O grande alcance dos efeitos ocasionados pelo terrorismo neste início de século,
pode-se dizer, se trata de um consenso. Afirma-se que os atos terroristas causam impactos
diretos em diversas liberdades humanas protegidas por convenções internacionais448.
Seria o caso do direito à vida, do direito à saúde, do direito à não-discriminação, do direito
a se ver livre da tortura, penas e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, da
detenção arbitrária, dentre outros449. Suscintamente, aduz-se que não exista um sequer
direito humano que não sofra impacto em razão da atividade terrorista450. O Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos vai além e afirma que o
447
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional..., op. cit., p. 236.
448
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Fifty-third session on Promotion…, op. cit., p. 28.
449
Idem.
450
Idem.
89
terrorismo atacaria os valores estabelecidos pela Carta das Nações Unidas, o respeito
pelos direitos humanos, o Estado de Direito, as regras que regulam os conflitos armados
e a proteção de civis, a tolerância entre os povos e nações e a resolução pacífica de
conflitos, desestabilizando governos e a sociedade civil, ameaçando o desenvolvimento
social e econômico451.
Dada a relevante relação entre a depreciação de direitos humanos, os atos
terroristas e conflitos armados, buscar-se-á apontar, através da análise do outro lado do
espectro, quais os efeitos que a reação – combate ao terrorismo – vêm proporcionando
em âmbito de proteção internacional dos direitos humanos. Sabendo-se que os atos
terroristas afetam as liberdades humanas, ainda mais difícil seria buscar um paralelo que
justifique criticar um combate que, via de regra, combateria um fenômeno criminal
prejudicial para essas mesmas liberdades. Ainda, sendo os pactos de direitos humanos
direcionados aos seus Estados signatários, como se verá, caberia a este, na forma de
combate ao terrorismo, adotar medidas que assegurem os direitos humanos para que seus
cidadãos não se sejam alvo de ações terroristas. No entanto, como já se foi visto, certa
prudência deveria ser respeitada, uma vez que o combate ao terrorismo pode vir a
desrespeitar os mesmos valores propostos pela Carta da ONU, desestabilizar governos e
um determinado povo, como, também, causar reações discriminatórias devido a um
tratamento exclusivo de certo povo ou de certa religião como intrinsecamente terrorista.
Evidenciada a forçosa tentativa de posicionar o combate contra organizações
terroristas no plano dos conflitos armados internacionais, intensifica-se o tratamento do
problema pela mesma via de uso da força, ou, como sustenta-se, por um “paradigma de
conflitos armados” (tradução nossa)452, através de uma possível aceitação da legítima
defesa preemptiva, ou da atitude passiva da comunidade internacional ao uso de uma
legítima defesa preventiva. Como reflexo maior, tem-se que o direito humanitário
ocuparia o espaço que antes seria ocupado pelas normas internacionais de proteção dos
direitos humanos453. Um tratamento pela via de cooperação internacional, obstado pela
atuação unilateral e por um desprezo pueril ao multilateralismo de alguns Estados, como
já arrazoado anteriormente, estaria cada vez mais distante.
451
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos
Humanos. Human Rights, Terrorism and Counter-terrorism. p. 7. Disponível em:
<http://www.ohchr.org/Documents/Publications/Factsheet32EN.pdf>. Acesso em: 26/02/2018.
452
FITZPATRICK, Joan. Speaking Law to Power: The War Against Terrorism and Human Rights.
European Journal of International Law. Vol. 14, n. 2, 2003. p. 246.
453
Idem.
90
454
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Fifty-third session on Promotion…, op. cit., p. 28.
455
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Fifty-third session on Promotion…, op. cit., p. 13.
456
PIOVESAN, Flávia. A constituição brasileira de 1988..., op. cit., p. 87-94.
91
Either State or non-State may intentionally fan the fear of terrorist acts against
a population. Fear out of proportion to actual risk can generate, for example,
attitudes of generalized fear of a particular race or religion. Clearly, in a
number of countries orchestrated denouncing of certain groups has already
resulted in generalized racism and religious intolerance. Undue fear leads to
weakened resistance to overly harsh anti-terrorism measures. The desire of a
State to have such measures may lie behind fear campaigns. Some States may
consider that the resulting racism and religious intolerance is useful to its
political agenda and therefore worth the price. However, from a human rights
perspective such cynicism is offensive and has had a serious negative effect on
human rights wherever these policies occur. In any case, there may be a
serious risk of curtailment of basic civil liberties457.
457
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Fifty-third session on Promotion…, op. cit., p. 31.
458
HOFFMAN, Paul. Human Rights and Terrorism. Human Rights Quarterly. Vol. 26, nº 4, 2004. p. 933
e 934.
459
Idem.
460
Ibidem, p. 934.
92
diminuí-las. Os mecanismos de direitos humanos, que teriam sido criados para proteger
os indivíduos contra o abuso de poder do Estado, diz-se, não impediriam um governo de
aplicar uma resposta efetiva para se lidar com a ameaça terrorista461.
461
MICHAELSEN, Christopher. Permanent Legal Emergencies and the Derogation Clause in International
Human Rights Treaties: A Contradiction? In: MASFERRER, Aniceto (Ed.). Post 9/11 and the State of
Permanent Legal Emergency: Security and Human Rights in Countering Terrorism. New York: Springer,
2012. p. 288.
462
Anunciada como uma continuação do programa de segurança de Barack Obama, que baniu a entrada de
refugiados iraquianos durante 6 meses, mais nova ordem foi expandida de maneira notória (BARROW,
Jennifer Lee. Trump’s Travel Ban: Lawful but Ill-Advised. Harvard Journal of Law & Public Policy.
Vol. 41, 2018. p. 691 e 692).
463
BARROW, Jennifer Lee. Trump’s Travel Ban…, op. cit., p. 692.
464
A Ordem foi derrubada pelo judiciário americano, o que não impediu que o então presidente formulasse
uma nova ordem executiva, diminuindo alguns pontos apresentados pela ordem original (Ibidem, p. 693 e
694).
93
ou origem social. Não somente, afronta também o artigo 26, referente ao tratamento
igualitário de todas as pessoas perante a lei465.
No tocante à generalidade do que dispõe o Pacto, como à época de sua formulação
já se tinha como notória a relação de hipossuficiência entre o indivíduo e o Estado, em
razão do Estado ser considerado o principal violador de direitos humanos à época466, este
foi formulado de modo a estabelecer obrigações majoritariamente negativas aos seus
signatários, a modo que estes se abstenham de agir de determinada forma, para resguardar
certas liberdades humanas. Isso significaria dizer que o Estado deve respeitar liberdades
humanas na forma de inação, em alguns casos467, como são os exemplos do direito de
livre circulação, proibição da tortura e da não discriminação468. Como exemplo de uma
obrigação mista – negativa e positiva –, tem-se o direito à vida, garantido pelo Pacto e
que atribui aos Estados a tarefa de assegurar que seus cidadãos não tenham esse direito
ameaçado, dentre as possibilidades, por atos terroristas, instigando ação estatal para
preveni-los469. O direito à vida como disciplinado pelo pacto seria constituído por uma
mistura de obrigações positivas e negativas, visto que, pelo lado da inação, determina que
ninguém deverá ser privado arbitrariamente de sua vida, demandando uma inação do
Estado. Não obstante, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos
aponta, por fim, que a obrigação positiva de assegurar a vida, através do fornecimento de
segurança aos seus cidadãos, deve obedecer a promoção dos direitos humanos, no estrito
dever que o Estado signatário possui em cumprir as obrigações às quais se submeteu
diante do direito internacional470. Particularmente relevante à temática, o Comissariado
faz menção ao direito internacional da pessoa humana, o direito internacional humanitário
e o direito internacional dos refugiados471.
465
BRASIL. Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos. Promulgação. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm>. Acesso em: 10/01/2018.
466
SANTOS, Boaventura de Souza. Uma Concepção Multilateral de Direitos Humanos. Lua Nova:
Revista Cultural e Política. n. 39, 1997. p. 106.
467
O Pacto também requer ação positiva dos Estados-signatários para garantir certos direitos humanos,
como é o caso do artigo 14º, que determina a obrigação dos Estados em assegurar aos indivíduos o “[...]
direito a que sua causa seja ouvida equitativa e publicamente por um tribunal competente, independente e
imparcial”. Essa medida depende da criação de tribunais independentes e do acesso à justiça para todos e,
assim, para que se concretize, impõe uma obrigação positiva que incita a ação do Estado.
468
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Direitos Humanos na Administração da Justiça:
manual de direitos humanos para juízes, magistrados do ministério público e advogados. Tradução
de Raquel Tavares. Vol. 1. Genebra, 2003. p. 23.
469
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Human Rights, Terrorism..., op. cit., p. 8 e 9.
470
Idem.
471
Ibidem, p. 9.
94
472
BRASIL. Decreto nº 591, de 6 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Promulgação. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm>. Acesso em: 10/01/2018.
473
São exemplos, dentro outros, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher, a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes.
474
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia Geral das Nações Unidas. Sixty-fourth session
Report of the Special Rapporteur on the promotion and protection of human rights and fundamental
freedoms while countering terrorism. Promotion and protection of human rights: human rights situations
and reports of special rapporteurs and representatives, A/64/211, 2009. p. 8. Disponível em:
<http://www2.ohchr.org/english/issues/terrorism/rapporteur/docs/A-64-211.pdf>. Acesso em: 01/03/2018.
475
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Sixty-fourth session Report…, op. cit., p. 8 e 9.
476
Idem.
477
Fonte: <https://www.economist.com/graphic-detail/2017/09/11/the-curious-case-of-donald-trumps-
travel-ban>.
95
478
Fonte: <https://www.independent.co.uk/news/world/americas/us-politics/travel-ban-trump-what-is-it-
muslim-countries-list-restrictions-latest-a8093821.html>.
479
WHITAKER, Beth Elise. Exporting the Patriot Act? Democracy and the ‘war on terror’ in the Third
World. Third World Quarterly. Vol. 28, nº 5, 2007. p. 1018.
480
WHITAKER, Beth Elise. Exporting the Patriot Act? Democracy, op. cit., p. 1019. Cf. PIAZZA, James
A.; WALSH, James Igoe. Transnational Terror and Human Rights. International Studies Quarterly. Vol.
53, nº 1, 2009. p. 125.
481
PIAZZA, James A.; WALSH, James Igoe. Transnational Terror..., op. cit. p. 125.
482
Idem.
483
JOYNER, Christopher C. The United Nations and Terrorism: Rethinking Legal Tensions Between
National Security, Human Rights, and Civil Liberties. International Studies Perspectives. Vol. 5, Issue
3, 2004. p. 244.
96
nacional484. Disso surge a preocupação de que a aplicação da lei possa ser seletiva e possa
criar oportunidades que buscam culpar indivíduos criminalmente por associação de suas
bases éticas, religiosas, de identidade nacional e até meramente por suas opiniões e
ideologias. Há, assim, uma inversão de valores tradicionais de devido processo legal e do
princípio da presunção de inocência, argumentando-se até mesmo sobre uma possível
inversão da máxima “inocente até que se prove o contrário” para “culpado até que se
prove inocente”485.
Utilizando como exemplo, a “Anti-terrorist Crime and Security Bill”, legislação
que entrou em vigor no Reino Unido em 2001, busca fornecer amplos poderes à aplicação
da ordem ao ponto de permitir a detenção de suspeitos sem garantir os seus direitos
recursais, violando, salvo melhor juízo, a liberdade humana em se ver livre da prisão
arbitrária486. O termo “suspeito de terrorista internacional”, como utilizado na peça
legislativa, seria subjetivo ao ponto de se permitir uma insegura associação de origens
étnicas, religiosas, nacionais ou de ideologia política com a culpabilidade de um suspeito,
visto que a própria legislação não especifica o significado do termo487. Isto é, a
arbitrariedade para deter suspeitos se torna demasiadamente forte e desvantajosa ao ponto
de vista do indivíduo, que pode vir a sofrer com as injustiças de um julgamento de valor
baseado em preconceitos discriminatórios. Consubstanciando-se isso à prejudicada
garantia do direito ao acesso digno e mínimo aos instrumentos jurídicos recursais, as
medidas afetam o acesso do indivíduo à justiça até mesmo para que este se prove
inocente488. Em paralelo, os poderes que as instituições possuem frente ao indivíduo se
demonstram cada vez mais abrangentes, indo na contramão da ratio das convenções
internacionais de proteção da pessoa humana frente aos abusos estatais.
Nota-se que, além de ampliar poderes relacionados à segurança, a peça legislativa
mencionada fora aprovada ainda no ano de 2001, após os ataques de 11 de setembro, em
um Estado que não foi diretamente afetado pelos atentados. A esse despeito, a Comissão
Internacional de Juristas já apresentou forte crítica:
Many States have fallen into a trap set by terrorists. Ignoring lessons from the
past, they have allowed themselves to be rushed into hasty responses,
introducing an array of measures which undermine cherished values as well
484
Idem.
485
Idem.
486
JOYNER, Christopher C. The United Nations and Terrorism…, op. cit., p. 244 e 245.
487
Idem.
488
Ibidem, p. 245.
97
489
INTERNATIONAL COMISSION OF JURISTS. Assessing Damage, Urging Action: Report of the
Eminent Jurists Panel on Terrorism, Counter-terrorism and Human Rights. Geneva, 2009. p. 159.
Cf. MICHAELSEN, Christopher. Permanent Legal Emergencies…, op. cit., p. 287.
490
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Sixty-fourth session Report…, op. cit., p. 9.
491
AMNISTIA INTERNACIONAL. Trapped by Violence: Women in Iraq. MDE 14/005/2009, p. 3.
Disponível em: <https://www.amnesty.org/download/Documents/48000/mde140052009en.pdf>. Acesso
em: 01/03/2018. Cf. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Sixty-fourth session Report…, op. cit.,
p. 9 e 10.
492
KASSIMERIS apud PIAZZA, James A.; WALSH, James Igoe. Transnational Terror..., op. cit. p. 127.
493
PIAZZA, James A.; WALSH, James Igoe. Transnational Terror..., op. cit., p. 127.
98
494
Cf. JOYNER, Christopher C. The United Nations and Terrorism…, op. cit., p. 244, nota de rodapé nº 3.
495
PIAZZA, James A.; WALSH, James Igoe. Transnational Terror..., op. cit. p. 127.
496
WHITAKER, Beth Elise. Exporting the Patriot Act? Democracy, op. cit., p. 1021.
497
Idem.
498
JOYNER, Christopher C. The United Nations and Terrorism…, op. cit., p. 245.
499
Idem. Essa diferenciação entre os atos terroristas que possuem em seu cerne o objetivo de mostrar sua
insatisfação ao mundo, através da ameaça direta à vida da sociedade civil não combatente, e protestos que
demonstram grau de insatisfação com políticas governamentais, que por vezes escapam os níveis da
pacificidade, já foram demonstrados em momento anterior. Ver página 31-34. Aponta-se, em nota 141,
caso brasileiro recente.
99
500
JOYNER, Christopher C. The United Nations and Terrorism…, op. cit., p. 245.
501
Além de outras informações divulgadas, o programa de vigilância foi diretamente relacionado à
polêmica de grampos de telefones de líderes mundiais como Dilma Rousseff e Angela Merkel, então
presidente do Brasil e chanceler da Alemanha, respectivamente. Conjuntamente, os referidos governos
afetados submeteram um projeto de resolução antiespionagem à Assembleia Geral da ONU em 2013. Fonte:
<http://www.bbc.com/news/world-europe-24781417>.
502
BERGEN, Peter; STERMAN, David; SCHNEIDER, Emily; CAHAL, Bailey. Do NSA’s Bulk
Surveillance Programs Stop Terrorists? New York: New America Foundation, 2004. p. 5 e 6.
100
503
A situação síria seria um pouco mais complexa, vista a formação de um conflito armado não
internacional e de um conflito armado internacional. Em relação ao primeiro caso, garante-se a
característica de conflito armado interno, ou não internacional, em virtude de conflito estabelecido pelo
Estado sírio e grupos não estatais, dentre eles, o Exército Livre da Síria e o EIIL, que ocupam partes do
território sírio, realizam treinamentos e recrutamentos de caráter militar, dentre outras peculiaridades que
formam, nesse sentido, um conflito armado interno, que será regido por normas de direito internacional
humanitário. Em razão de ataque armado unilateral realizado contra base aérea síria, em abril de 2017, pelos
Estados Unidos da América, classifica-se o caso como um conflito armado internacional, apesar do ataque
estar limitado ao seu alcance e ao tempo (WALLACE, David; MCCARTHY, Amy; REEVES, Shane.
Trying to Make Sense of the Senseless: Classifying the Syrian war under the law of armed conflict.
Michigan State International Law Review. Vol. 25, Issue 3, 2017. p. 585-588, 591 e 592).
504
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Fifty-third session on Promotion…, op. cit., p. 14.
505
Concomitantemente com o direito internacional da pessoa humana e o direito internacional humanitário,
Cançado Trindade ainda inclui o direito dos refugiados, o que chama de “as três vertentes da proteção
internacional da pessoa humana” (CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito
Internacional dos Direitos Humanos. Vol. 1. 2ª ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003. p.
340-342).
506
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional..., op. cit., p. 348.
507
Como exemplos, a proibição do uso da força e a limitação da soberania estatal para a proteção da pessoa
humana (Cf. MESQUITA, Maria José Rangel de. Justiça Internacional..., op. cit., p. 80 e 81).
508
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Human Rights, Terrorism..., op. cit., p. 12 e 13.
101
Não por menos, a Resolução 1456 da ONU, adotada pelo Conselho de Segurança
em janeiro de 2003, buscou reafirmar que os Estados devem adotar medidas para o
combate ao terrorismo em estrito cumprimento de suas próprias obrigações contraídas
através de convenções e tratados internacionais. Mais especificamente, aponta que essas
medidas devem prestar atenção especial ao direito internacional da pessoa humana, ao
direito internacional humanitário e ao direito dos refugiados509. Garante-se que a
aplicabilidade das normas de proteção da pessoa humana seguiria o princípio da
complementariedade510, sendo reafirmada pela Resolução 1894, adotada pelo Conselho
de Segurança em 2009, e, assim, as normas sobre refugiados, direitos humanos e direito
humanitário seriam complementares umas às outras511. De tal modo, esclarece-se que,
apesar de possuírem as suas próprias fontes, as normas que versam sobre direito humanos,
direito humanitário e direito dos refugiados possuem finalidade comum, a de proteção da
pessoa humana contra abusos, e se complementariam512.
A problemática se intensifica quando se depreende que as normas de direito
humanitário e de direitos humanos dirigem-se a tratamentos de conjeturas distintas. As
normas internacionais de direitos humanos, como já visto, direcionam-se, em sua
generalidade, à atuação estatal em plano interno dos Estados e protegeriam os indivíduos
em todos os tempos513. As normas que disciplinam os conflitos armados, dado a sua
natureza e características excepcionais, tendem a admitir uma maior constrição de direitos
humanos514 e são aplicadas somente durante os conflitos armados. Apesar de considerada
a humanização do direito humanitário como uma evolução bem-vinda, não poder-se-ia
desconsiderar que as diferenças entre as normas de proteção da pessoa humana são
evidentes. O direito internacional humanitário regula situações, como descreve-se, de luta
pela vida ou morte, admitindo-se a morte de combatentes, tolerando-se a morte de civis
509
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução 1456 do Conselho de Segurança de 10 de
Janeiro de 2003, S/RES/1456. p. 3. Disponível em: <https://www.undocs.org/S/RES/1456%20(2003)>.
Acesso em: 02/03/2018.
510
CHETAIL, Vincent. Armed Conflict and Forced Migration: A Systematic Approach To International
Humanitarian Law, Refugee Law, And International Human Rights Law. In: CLAPHAM, Andrew;
GAETA, Paola (Eds.) The Oxford Handbook of International Law in Armed Conflict. Oxford: Oxford
University Press, 2014. p. 702 e 703.
511
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução 1894 do Conselho de Segurança de 11 de
Novembro de 2009, S/RES/1894. Disponível em:
<https://www.un.org/ruleoflaw/files/Security%20Council%20Resolution%201894.pdf>. Acesso em:
16/04/2019.
512
CHETAIL, Vincent. Armed Conflict and Forced Migration…, op. cit., p. 701.
513
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Human Rights, Terrorism..., op. cit., p. 12 e 13.
514
MERON, Theodor. The Humanization of Humanitarian Law. The American Journal of International
Law. Vol. 94, n. 2, 2000, p. 240 e 241.
102
515
DANCHIN, Peter G. Human Rights, Humanitarian Law and the “War on Terrorism” in Afghanistan. In:
DIJKZEUL, Dennis (Ed.). Between Force and Mercy: Military Action and Humanitarian Law Aid. Berlin:
Berliner Wissenschaftsverlag, 2004. p. 121 e 122.
516
KRETZMER, David. Targeted Killing of Suspected Terrorists: Extra-Judicial Executions or Legitimate
Means of Defence? European Journal of International Law. Vol. 16, n. 2, 2005, p. 174.
517
Idem.
518
KRETZMER, David. Targeted Killing of Suspected…, op. cit., p. 179.
103
Como já levantado nesta parte do trabalho, a impunidade com que se tratam as violações
de direitos humanos são recorrentes em ambientes cercados por uma sistemática de
combate ao terrorismo.
Como crítica, surge indagação sobre a capacidade dos Estados, em razão da sua
carência de jurisdição no território “inimigo”, em trazer os alegados terroristas à justiça,
como também se afirma que o PIDCP não especificaria os casos nos quais o uso letal da
força violaria o direito à vida519. A primeira parte do argumento baseia-se no fato de que
o PIDCP determina obrigações que os Estados signatários devem assumir dentro de sua
própria jurisdição. Contudo, a problemática trazida teria sido esclarecida pelo Comitê de
Direitos Humanos, o qual entendeu que qualquer indivíduo que seja afetado pela ação de
algum Estado signatário da convenção estaria sujeito à jurisdição deste520. Uma resposta
negativa sobre os casos nos quais o Estado invadido não seja signatário do PIDCP,
continua David Kretzmer, também iria em desencontro com uma conceptualização de
universalidade dos direitos humanos, atacando o núcleo das convenções internacionais de
direitos humanos e de normas costumeiras521. Sobre o alcance da limitação do direito à
vida e sobre a vigência das normas internacionais de direitos humanos durante conflitos
armados, a CIJ, em diversos casos, possui linha argumentativa em sentido de que caberia
à lei especial, ou seja, ao direito internacional humanitário, determinar o que seria uma
“privação arbitrária da vida” (tradução nossa), apesar de aguir, também, que o direito a
não ser arbitrariamente privado de sua vida, como disposto pelo PIDCP, se aplica mesmo
na vigência dos conflitos armados, como todos os outros dispositivos considerados
inderrogáveis pelo artigo 4 do mesmo pacto522.
Outras liberdades individuais acabam por sofrer limitações severas. As prisões
arbitrárias e a prática da tortura – o último prescrito na forma do artigo 7 do PIDCP, vide
a garantia ao indivíduo em se ver livre da tortura, e reconhecido como inderrogável pelo
artigo 4 do mesmo instrumento – passam a ser consideradas como necessárias para o
combate ao terrorismo, como se denota dos discursos realizados para a guerra ao terror.
Ao caso concreto, os Estados Unidos da América adotaram medidas que visavam
aumentar os poderes de interrogação e a sua capacidade de extradição arbitrária523. A
519
Ibidem, p. 179 e 180.
520
KRETZMER, David. Targeted Killing of Suspected…, op. cit., p. 179 e 180.
521
Ibidem, p. 184.
522
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Human Rights, Terrorism..., op. cit., p. 13.
523
PIAZZA, James A.; WALSH, James Igoe. Transnational Terror..., op. cit., p. 127.
104
We also have to work, though, sort of the dark side, if you will. We've got to
spend time in the shadows in the intelligence world. A lot of what needs to be
done here will have to be done quietly, without any discussion, using sources
and methods that are available to our intelligence agencies, if we're going to
be successful. That's the world these folks operate in, and so it's going to be
vital for us to use any means at our disposal, basically, to achieve our
objective524.
524
Fonte: <https://georgewbush-whitehouse.archives.gov/vicepresident/news-
speeches/speeches/vp20010916.html>.
525
WALTER, Christian. Terrorism..., op. cit., p. 19.
526
Idem.
527
Idem.
528
FOLEY, Brian J. Guantanamo and Beyond: Dangers of Rigging the Rules. Journal of Criminal Law
and Criminology. Vol. 97, Issue 4, 2007. p. 1022.
529
WALTER, Christian. Terrorism..., op. cit., p. 19.
105
A tentativa de fuga, não somente das normas internacionais, mas até mesmo das
normas nacionais norte-americanas, leva a crer que a política externa de combate ao terror
adotada pelos Estados Unidos da América buscava realizar atos que não seriam
permitidos por esses regimes jurídicos. A isso, relaciona-se o memorando organizado
pelo Departamento de Justiça estadunidense, o qual aduz que autoridade exercida pelo
Comandante das Forças Armadas em tempos de guerra, posição corporificada na figura
do Presidente da República, mediante o artigo II, seção 2, da Constituição Federal dos
Estados Unidos530, gozaria de poderes que sobreporiam a lei531.
Como justificativa aos atos carregados, as extradições de “combatentes ilegais”
para a prisão de Guantánamo detinham a finalidade de coletar informações consideradas
como essenciais para o combate ao terrorismo. Em mesma ceara que busca apontar para
uma propositada fuga dos Estados Unidos da América do alcance das normas internas e
externas, analisa-se, segundo Brian Foley, o propósito da prisão de Guantánamo, para
onde seriam levados os suspeitos de participação em atividades terroristas:
530
Fonte: <https://www.senate.gov/civics/constitution_item/constitution.htm#a2>.
531
PACHECO, Cristina Carvalho. Os “combatentes inimigos” e a Guerra ao Terror: A relação entre
Suprema Corte e Política Externa nos EUA durante o Governo Bush II (2001-2008). Carta Internacional.
Associação Brasileira de Relações Internacionais. Vol. 10, n. 3, 2015, p. 80.
532
FOLEY, Brian J. Guantanamo and Beyond: Dangers of Rigging the Rules, op. cit., p. 1043 e 1044.
533
MURRAY, Daragh. Practitioners’ Guide to Human Rights Law in Armed Conflict. Oxford: Oxford
University Press, 2016. p. 56.
106
está detido por um Estado-parte, os direitos relevantes ao caso seriam os direitos a não
ser torturado e o direito à vida, devendo-se respeitá-los534. Não seria relevante ao caso e,
por consequência, de escusável não cumprimento, por exemplo, o direito à educação535.
Em casos específicos envolvendo tortura, a Convenção contra a Tortura e Outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes ainda sugeriria que os Estados
signatários estariam obrigados a combater a tortura cometida por seus nacionais,
incluindo os agentes de Estado, sugerindo uma aplicação extraterritorial da convenção536.
Os órgãos regionais que tratam da matéria de direitos humanos, como o Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) e a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH), também emanaram seus respectivos entendimentos sobre o alcance
extraterritorial de normas de direitos humanos. O tribunal europeu já reconheceu que
existiriam exceções nas quais o princípio da territorialidade, previsto no artigo 1 da
Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), se estenderia a territórios nos quais
um Estado signatário exerce funções de controle e administração. O Tribunal defendeu
que em casos nos quais um agente estatal exerce o uso da força fora de seu território,
como nos casos nos quais indivíduos são detidos sob a custódia de agentes de um Estado
signatário, aplicar-se-ia a jurisdição prevista no artigo 1 e, em decorrência, o Estado
estaria obrigado a assegurar os direitos e liberdades previstos na seção I da CEDH, visto
que estaria formalizado o exercício de controle do Estado sobre o indivíduo537. Ademais,
segundo o TEDH, a aplicação extraterritorial da CEDH também se estenderia nos casos
de conflitos armados, dando a entender, assim, que a CEDH aplicar-se-ia durante a
vigência de conflitos armados538. A CIDH, em sentido amplo, arrazoou que os direitos
individuais seriam inerentes aos indivíduos em virtude da sua simples característica
humana, restando aos Estados assegurar o respeito os direitos garantidos no sistema
americano a qualquer pessoa sob sua jurisdição. O controle sobre pessoas e territórios,
534
Ibidem, p. 56 e 57.
535
Ibidem, p. 57.
536
MURRAY, Daragh. Practitioners’ Guide to Human…, op. cit., p. 58.
537
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS HUMANOS. Case of Al-Skeini and Others v. The United
Kingdom. Application n. 55721/07. Julgamento de 7 de julho de 2011, paras. 133-137. Disponível em:
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105606%22]}>. Acesso em: 20/03/2019. MURRAY, Daragh. Practitioners’ Guide to Human…, op. cit.,
p. 59.
538
MURRAY, Daragh. Practitioners’ Guide to Human…, op. cit., p. 59 e 60.
107
539
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Coard et al. v. United States. Case
n. 10.951. Report n. 109/99, 29 de Setembro de 1999, paras. 36 e 37. Disponível em:
<http://www.cidh.oas.org/annualrep/99eng/Merits/UnitedStates10.951.htm>. Acesso em: 20/03/2019.
MURRAY, Daragh. Practitioners’ Guide to Human…, op. cit., p. 61.
540
A administração bush sustentou que o Talibã e a Al-Qaeda “funcionavam em conjunto” (tradução nossa)
(BLOCHER, Joseph. Combatant Status Review Tribunals: Flawed Answers to the Wrong Question. The
Yale Journal. Vol. 116, n. 3, 2006. p. 672).
541
Fonte: <https://www.icrc.org/pt/publication/convencoes-de-genebra-de-12-de-agosto-de-1949>.
542
BLOCHER, Joseph. Combatant Status Review Tribunals..., op. cit., p. 672.
543
Ibidem, p. 672 e 673.
544
FOLEY, Brian J. Guantanamo and Beyond: Dangers of Rigging the Rules, op. cit., p. 1045.
108
7 CONCLUSÕES
545
O’MARA, Shane. Why Torture Doesn’t Work: the neuroscience of interrogation. Cambridge: Harvard
University Press, 2015. p. 107.
546
Ibidem, capítulo 4.
109
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