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A saúde e os riscos dos pescadores e catadores de caranguejo

ARTIGO ARTICLE
da Baía de Guanabara

The health and risks of fishermen and crab catchers


of Guanabara Bay

Márcia Ferreira Mendes Rosa 1


Ubirajara Aluizio de Oliveira Mattos 2

Abstract The article discusses the health, risks Resumo O artigo discute a saúde, os riscos e o
and the work of fishermen and crab catchers in trabalho dos pescadores e catadores de caranguejo
region of APA Guapimirim in Guanabara Bay. da região da APA de Guapimirim na Baía de Gua-
Fishermen and crab catchers are typical infor- nabara. Eles são típicos trabalhadores informais,
mal workers, they suffer from lack of protection sem proteção e garantias trabalhistas. Estão ex-
and working guarantee. They are exposed to work- postos a vários riscos no seu dia a dia, como aci-
ing risks day by day such as accidents with fishing dentes com embarcações, com os apetrechos de pesca,
boat, fishing equipment, the own fish, drowning, com o próprio pescado, afogamentos, além de esta-
as well as a lot of radiation and climatic varia- rem expostos à grande radiação e variações climá-
tion. There are still the weight and work over- ticas. Há ainda a sobrecarga de peso e trabalho e a
load, as well as the activities done at night that própria atividade noturna que potencializa mais
increase the potential risks. A sample of 100 fish- os riscos. A partir de uma amostra de cem traba-
ermen and crab catchers had told by quantita- lhadores, que relataram por meio de uma pesquisa
tive-qualitative research that it was possible to exploratória e descritiva de abordagem quanti-
draw a profile of these workers. They are workers qualitativa, traçou-se um perfil dos mesmos. São
that have little schooling, 63% of these workers trabalhadores que possuem baixa escolaridade,
have incomplete elementary school and 12% are predominando o primeiro grau incompleto (63%)
illiterate. 44% of these workers reported that they e com 12% do total de analfabetos. Uma parcela
get diseases or health problems. These diseases are desses trabalhadores (44%) relataram possuir do-
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related to the weight overload, the long working enças ou agravos à saúde. Essas doenças estão rela-
Secretaria de Estado de
Educação do Estado do Rio hours and all situation of danger that they have cionadas à sobrecarga de peso, à grande jornada de
de Janeiro, SEE RJ, Ciep 409 on their work activities. As a conclusion the arti- trabalho e todas as situações de periculosidade a
Alaide Figueiredo. Estrada cle identified a lot of difficulties of these workers que estão expostos em suas atividades. Foram iden-
do Coelho, Bairro do
Coelho. 24000-000 São while performing their work and realizes that is tificadas grandes dificuldades desses trabalhadores
Gonçalo RJ. necessary to find measures to could improve their em realizar o seu labor, havendo a necessidade ur-
marciafmendes2003@ life and work conditions. gente de encontrar medidas que possam melhorar
click21.com.br
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Departamento de Key words Fishermen, Crab catcher, Informal suas condições de trabalho e vida.
Engenharia Sanitária e de work, Guanabara Bay Palavras-chave Pescadores, Catadores de caran-
Meio Ambiente, Faculdade
guejo, Trabalho informal, Baía de Guanabara
de Engenharia,
Universidade do Estado do
Rio de Janeiro.
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Rosa MFM, Mattos UAO

Introdução madamente duzentos mil empregos diretos e in-


diretos, gerados através da produção e comerci-
A pesca na Baía de Guanabara alização de insumos básicos. A sazonalidade das
capturas é responsável por um dos fatores que
Diariamente, navegam na Baía de Guanaba- contribuem para a manutenção da atividade em
ra centenas de pescadores e catadores de caran- padrões artesanais. Diferenças específicas e geo-
guejo com seus barcos e apetrechos, retirando gráficas na migração de peixes, em resposta ao
desse ecossistema o seu sustento e de suas famí- regime hidrológico, dão a base para o desenvol-
lias. É um trabalho árduo e silencioso, envolven- vimento das pescarias4.
do trabalhadores informais e formais da região. O uso de todas estas artes de pesca é extre-
A atividade informal desenvolvida por eles mamente variável nas comunidades pesqueiras.
apresenta uma situação de extrema precarieda- Nota-se que as comunidades situadas no interi-
de, deixando-os totalmente desprotegidos. Eles or da baía, caracterizadas por uma pesca artesa-
estão sujeitos a riscos de acidentes e doenças, de- nal bem marcante, são aquelas que utilizam ar-
vido ao grande esforço físico a que se submetem, tes mais diversificadas (Gradim, Itaoca, Mauá,
variações climáticas e contato com agentes pato- Ilha do Governador). As comunidades situadas
lógicos num ambiente sem saneamento. Esta si- na área mais poluída (Ramos e Caju) exibem o
tuação tem se generalizado no país, indicando menor número de artes de pesca utilizadas, ope-
uma transformação do trabalho do homem, radas principalmente fora da baía. Comunida-
principalmente nas grandes metrópoles1. des da margem oriental da baía (Jurujuba e Ilha
A pesca e a cata de caranguejo são algumas da Conceição) são dedicadas a uma pesca co-
das atividades informais desenvolvidas por co- mercial, ainda que em modelo artesanal. As co-
munidades pesqueiras e passadas de geração a munidades de Copacabana e Itaipu são conside-
geração. Na Baía de Guanabara, ainda existem radas da área de abrangência da Baía de Guana-
os coletores de mariscos e as sirizeiras que man- bara, por situarem-se nas duas extremidades de
têm por décadas a tradição familiar. sua zona estuarina; contudo, as artes de pesca
As atividades de pesca podem ser classifica- utilizadas caracterizam uma pesca oceânica e de
das em artesanais e comerciais. Para Diegues2, característica cada vez mais recreativa3.
pesca artesanal é aquela em que os pescadores Atualmente, existem cinco colônias de pesca-
autônomos, sozinhos ou em parcerias, partici- dores na Baía de Guanabara, conforme mostra a
pam diretamente da captura, usando instrumen- Tabela 1. Elas estão situadas em locais tradicio-
tos relativamente simples. A remuneração é feita nais de pesca e desembarque de pescadores.
pelo sistema tradicional de divisão da produção Para o IBAMA5, coexistem na baía pelo me-
em “partes”, sendo o produto destinado prepon- nos seis diferentes “sistemas” pesqueiros, inclu-
derantemente ao mercado. Da pesca, retiram a indo a pesca da sardinha boca-torta e savelha,
maior parte de sua renda, ainda que sazonal- com destinação industrial; as diferentes pescari-
mente possam exercer atividades complementa- as artesanais, voltadas para a tainha, corvina,
res. A organização da produção artesanal se faz bagre, espada, parati e outros peixes, envolven-
basicamente por dois sistemas: o de “quinhão” do a maior parte do contingente de barcos e pes-
ou “partes” e o de “aviamento”. cadores e a totalidade dos currais; a pesca do
Segundo Barroso3, um grande número de
artes de pesca é utilizado pelos pescadores na baía,
em razão da existência da diversidade dos ali-
mentos: as redes de cerco, as redes de arrasto de
portas, as redes de espera, as linhas-de-mato, o
currico, o mergulho ou caça submarina, os cur- Tabela 1. Colônias de pesca.
rais, os covos, a arrasto-de-praia, a tarrafa e o
puçá. Algumas dessas artes são utilizadas, às ve- Colônias de pesca Local
zes, por apenas uma comunidade pesqueira. Z-08 Jurujuba, Ponta da Areia, Praia
Cerca de 45% da produção brasileira são de Grande, Ilha da Conceição,
cunho artesanal, representando a atividade pes- Gradim, Itaoca e Itambi
queira em águas costeiras, um papel relevante na Z-09 Magé
produção de alimentos para a população brasi- Z-10 Ilha do Governador
leira. Também apresenta um forte indicador so- Z-11 Ramos
cial, proporcionando a oportunidade de aproxi- Z-12 Caju
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camarão, com sazonalidade bem marcada, entre ta cerca de 2.200, já os estudos de Cantarino e
setembro e janeiro; a coleta do caranguejo nos Souza7 apontam para 5.000, enquanto que o
manguezais; a pesca do siri, com o auxílio de CIDS8 indica um total de 18.000 pescadores, in-
puçás, visando ao processamento pelas “descar- cluindo os registrados e não-registrados, para as
nadeiras” e, finalmente, a coleta de mexilhões, cinco colônias da Baía de Guanabara.
nos costões rochosos da baía oceânica, também Os pescadores sentem dificuldades no escoa-
direcionada ao processamento. Esses sistemas mento dessa produção, pois são péssimas as con-
diferentes vêm reforçar a importância desse ecos- dições de atracação nos locais de embarque e
sistema para todas as comunidades envolvidas. desembarque. Para Jablonski, As condições de atra-
A arte de pesca, com todas as suas sabedorias cação, desembarque e comercialização são muito
e entendimentos sobre o vento, a lua, as nuvens, variáveis em todo o litoral da baía. Acrescenta-se a
é passada de geração a geração. A pesca artesanal isso o fato de que as condições da baía de Guanaba-
é sempre realizada em embarcações pequenas ra, onde a pesca ainda é realizada por um grande
(botes ou canoas) a remo ou à vela ou mesmo número de embarcações a remo, sem refrigeração
motorizadas, sem instrumentos de apoio à na- ou apenas com caixas isotérmicas, para a conser-
vegação, contando tão somente com a experiên- vação do pescado, a questão de insumos tende a ser
cia e o saber adquiridos. Porém, devido ao grau menos importante aumentando assim a dispersão
de poluição na baía e a consequente diminuição dos pontos de desembarque e de comercialização9.
da pesca, esse ciclo está ameaçado de prosseguir. Já a coleta de caranguejos constitui um uni-
Além da poluição, a diminuição da pesca é verso particular no cenário da atividade pesquei-
resultado da pesca predatória, ou seja, da pesca ra na baía, na medida em que se realiza nos man-
realizada em períodos de defeso, ou quando é guezais e não no espelho d água e implica proces-
feita com material impróprio e esforço excessivo sos de comercialização diretos e pulverizados,
da mesma, como elevado número de pescadores quase sempre com a participação dos próprios
ou quantidade de pescado insuficiente no ambi- coletores10. A captura de caranguejos atualmente
ente de pesca. encontra-se mais restrita à região de manguezais
Para Resende6, o desenvolvimento da pesca da APA de Guapimirim, nas localidades de Itao-
na região leste da Baía de Guanabara deu-se tam- ca, Itambi e Magé.
bém devido à instalação de indústrias pesqueiras Essa captura é feita predominantemente com
e indústria naval nessa região, o que possibilitou a utilização de armadilhas (laços) formadas por
a renovação da frota e a instalação de portos em tiras de plástico, colocadas sobre as tocas. O pe-
vários locais. Em 1980, houve o declínio da in- trecho é conhecido como “redinha” nas demais
dústria pesqueira nessa região, agravado pela áreas de ocorrência do Sudeste-Sul, reservando-
crescente poluição da Baía de Guanabara. se a primeira para outra modalidade de captura
A precariedade da legislação trabalhista es- utilizada em algumas regiões e que consiste em
pecífica para o setor pesqueiro, especialmente um laço na forma de forca, preso na extremida-
aquela relacionada aos segmentos feminino e de de um pedaço de madeira. O catador após a
artesanal, estimula a conivência entre o pescador cata amarra os caranguejos em cordas, cerca de
e o armador no desrespeito à legislação, agra- dez a doze, separado por tamanhos. O caran-
vando a ausência da cobertura assistencial e so- guejo é vendido vivo nas ruas e feiras da cidade.
cial aos pescadores. As poucas linhas de crédito
se tornam restritas tanto pela falta de informa- Os riscos da atividade
ção dos mesmos como pelos empecilhos impos- e a saúde do trabalhador
tos pelos bancos, aumentando a dificuldade de
aquisição de novas embarcações e tecnologia do Segundo a Organização Internacional do Tra-
setor6..O pescador, assim, precisa usar de sua cri- balho (OIT), em texto citado por Neto et al.11, a
atividade para “driblar” a falta de recursos. Mui- pesca é reconhecidamente uma das atividades
tos aprendem a fazer suas próprias redes e con- mais perigosas e coloca os pescadores em risco
sertos em seu barco. de morte sete vezes ao de outros setores industri-
Apesar do aumento da poluição e da dimi- ais juntos, sendo os naufrágios, condições ad-
nuição da pesca, o número de pescadores da re- versas do tempo e encontro com animais aquá-
gião tem aumentado ano a ano. As estimativas ticos perigosos as principais causas de acidentes
sobre o número oficial de pescadores da baía são registradas. Com a diminuição dos estoques pes-
bem contraditórias e deixam dúvidas devido à queiros e devido ao estresse provocado pelos
grande variação: estudo feito pelo IBAMA5 apon- baixos rendimentos, muitos pescadores tentam
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compensar a situação indo cada vez mais longe, gestivas, problemas de origem geniturinárias,
permanecendo mais tempo nos locais de pesca e transtornos circulatórios, tabagismo e enfermi-
menosprezando as condições adversas do meio, dades dermatológicas, entre outros.
permitindo, assim, o aumento do risco de ocor- Pereira17 aponta casos de transtornos psiqui-
rência de acidentes, esses muitas das vezes graves átricos como esquizofrenia, uso abusivo do ál-
ou até fatais. cool e fumo em pescadores residentes em Vigia
Segundo Dall´Oca12, em seu trabalho com os (PA). Estudo promovido por Rodrigues et al.18
pescadores de Mato Grosso do Sul, entre as trin- indica que foram detectadas bactérias do gênero
ta queixas mais frequentes relatadas, destacaram- vibrio em feridas nos membros inferiores de pes-
se as dores de origem neuromusculares e articu- cadores do município de Raposa (MA).
lares, traduzidas por dores nos pulsos, braços, Através desses trabalhos, fica evidente que
juntas, ombros, costas, peito, coluna, câimbras essa categoria pode ter vários agravos à saúde
ou dores pelo corpo em geral, podendo estar re- relacionados a seu trabalho e condições de vida
lacionadas ao desconforto físico sentido pelos em diversas regiões do país, o que pode indicar
trabalhadores quando do desenvolvimento de que este quadro também se repete em outras lo-
suas atividades. Outras queixas muito declara- calidades brasileiras, em particular, nas comuni-
das estão relacionadas a problemas de origem dades pesqueiras da Baía de Guanabara. A au-
respiratória, como bronquites, pneumonias, gri- sência de estudos sobre esse tema de extrema re-
pes e resfriados, traduzidos por crises de tosse, levância para a saúde coletiva de populações tra-
falta de ar e obstrução nasal. balhadoras do Rio de Janeiro motivou a realiza-
Nos textos da OIT, citados por Parmeggian- ção de uma pesquisa que teve como objetivo tra-
ni13, já se apontavam várias enfermidades relati- çar um perfil destes trabalhadores, identificar as
vas ao trabalho com a pesca, como bursites, te- suas condições de trabalho e vida e os impactos
nossinovites, doenças do aparelho digestivo, ten- destas condições na sua saúde19.
são nervosa, excesso de consumo de álcool e/ou Este artigo discute a saúde, os riscos e o tra-
fumo, provocando enfermidades respiratórias, si- balho dos pescadores e catadores de caranguejo
nusites, cáries dentárias, dermatites originadas pelo da região da APA de Guapimirim na Baía de Gua-
contato com óleo diesel e perda de audição, pro- nabara, região compreendida pelos municípios
vocada pela exposição a níveis de ruído excessivos. de São Gonçalo, Itaboraí, Magé e Guapimirim.
Os estudos realizados junto à categoria revelam os
mais variados tipos de adoecimento, com influên-
cia negativa em sua vida econômica e social. Metodologia
Na região de Magé (RJ), Chaves et al.14 rea-
lizaram avaliações em processos de trabalho e A pesquisa foi realizada em comunidades pes-
vida dos pescadores, tendo mostrado casos de queiras da região da APA de Guapimirim no pe-
agravo à saúde, inclusive mortes, com doenças ríodo de 2004/2005.
de veiculação hídrica e de vetores, e transtornos Inicialmente, foi feito um levantamento bi-
mentais. Para os autores, as ocorrências aciden- bliográfico sobre o tema proposto, através de
tárias se devem basicamente às questões econô- artigos, livros, teses, sites, etc. A seguir, foi reali-
micas e de total desamparo a que essa categoria zada uma pesquisa de campo, de caráter quanti-
se encontra. qualitativo, com uma amostra aleatória de cem
Torres15 relata as especificidades do envelhe- trabalhadores (oitenta pescadores e vinte cata-
cimento em comunidades pesqueiras de Abade dores de caranguejos) das comunidades de São
(PA), localizadas no estuário amazônico, onde a Gonçalo, Itaboraí, Magé e Guapimirim, utilizan-
atividade se dá em ambiente hostil para a saúde. do questionários semiabertos nas entrevistas.
Ele detectou casos de afogamentos, distúrbios do Além disso, foram realizadas visitas aos locais
sono e outros problemas, como insegurança e para observação e investigação dos processos de
uso de drogas. trabalho, dos fatores de riscos de acidentes e doen-
Em estudo promovido por Schinder et al.16, ças, condições de moradia e contatos com os lí-
destinado a avaliar o perfil de saúde de 101 pes- deres locais das associações de pesca e de mora-
cadores de Mar del Plata, houve correlação sig- dores da região estudada.
nificativa entre a exposição dos trabalhadores aos Os cem trabalhadores (pescadores e catado-
fatores de riscos no ambiente de trabalho, como res de caranguejo) foram entrevistados no pró-
umidade, vento, radiação solar, ruído, calor, frio prio local de trabalho, ou seja, nas praias, próxi-
e sintomas reumáticos, bronquites, úlceras di- mo aos mangues e canais da região e nos locais de
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venda do pescado. Esses trabalhadores foram con- Tabela 2. A ocupação x a idade do trabalhador.
vidados a participar dessa pesquisa, que tinha
como objetivo conhecer mais a atividade pesquei- Idade Pescador % Catador % Total
ra e as dificuldades por eles encontradas. Todos os 18-25 7 8,8% 3 15,0% 10%
participantes alfabetizados assinaram o termo de 26-30 6 7,5% 3 15,0% 9,0%
consentimento livre e esclarecido, no qual eram 31-35 9 11,3% 5 25,0% 14%
apresentadas as condições de participação volun- 36-40 15 18,8% 2 10,0% 17%
tária da pesquisa e do anonimato, sendo que os 41-45 14 17,5% 2 10,0% 16%
analfabetos foram esclarecidos verbalmente de todo 46-50 4 5,0% 3 15,0% 7,0%
o processo, optando ou não pela participação. 51-55 14 17,5% 1 5,0% 15,0%
Os dados foram sistematizados no aplicati- 56-59 4 5.0% 0 0% 4,0%
60 + 5 6,3% 1 5,0% 6,0%
vo Epi Info versão 6.04, constituindo um banco
< 18 2 2,5% 0 0% 2%
de dados da amostra, o que permitiu elaborar
Total 80 20 100%
diversas tabelas com cruzamentos das informa-
ções e fazer a análise das mesmas. Os questioná- Fonte: Rosa19.
rios do tipo semiaberto permitiram uma maior
participação desses trabalhadores, através do
relato de suas experiências e dos problemas que
ocorrem no dia a dia, colocando de maneira mais
efetiva as suas condições de saúde, trabalho e
vida, e aspectos particulares da atividade. As aná- Para os menores de dezoito anos, a situação
lises das informações foram realizadas utilizan- não é diferente; eles já entram na pesca por que
do-se os dados estatísticos mostrados nas tabe- não conseguem ser inseridos no mercado de tra-
las, juntamente com os depoimentos feitos pelos balho formal e por que há também uma enorme
trabalhadores, possibilitando a identificação de tradição em passar os conhecimentos sobre a
aspectos relevantes sobre as suas condições de pesca para os filhos3,6; assim, há sempre uma
trabalho e vida geradoras de riscos e agravos à renovação, os que param e os que iniciam na
saúde, bem como um maior entendimento da vida da pesca3,6,20.
atividade pesqueira artesanal desenvolvida na Outro fato observado é que, na amostra, não
Baía de Guanabara. houve catadores com menos de dezoito anos;
contudo, esse fato não significa que não exista
catador nessa faixa etária - é bem inferior a pre-
Resultados e discussão sença de menores no mangue e maior na venda
das cordinhas de caranguejo nas feiras e ruas da
As informações obtidas através dos questionári- cidade.
os aplicados e depoimentos possibilitaram tra- A escolaridade dos pescadores e catadores de
çar o perfil dessa amostra de trabalhadores, bem caranguejo é baixa, ou seja, a maioria possui até
como conhecer as suas condições de saúde, tra- o primeiro grau incompleto (63%) e 12% são
balho e vida. analfabetos. Os analfabetos estão distribuídos
O grupo pesquisado era constituído de 99 nas faixas etárias, inclusive entre os mais jovens.
homens (79 pescadores e vinte catadores) e ape- Esse percentual ainda pode ser mais alto, visto
nas uma mulher (pescadora). A predominância que muitos dos que assinam seu nome não sa-
masculina deve-se às características das ativida- bem ler. Para eles, uma melhoria de vida está re-
des, que requerem um grande esforço físico na lacionada a uma melhor educação, ou seja, um
sua realização, cabendo às mulheres a participa- futuro melhor.
ção mais intensa na venda do caranguejo, limpe- Muitos pescadores gostariam que seus filhos
za e preparação das redes e apetrechos e da reti- tivessem uma outra vida, apesar da forte tradi-
rada da carne de siri (sirizeiras). ção que há em passar os conhecimentos de pai
Outro dado importante é a idade desse tra- para filho: Prefiro que meus filhos estudem e que
balhador, apresentada na Tabela 2. saiam fora da pesca. (Sr. F, pescador, 38 anos)
Observa-se que a maioria dos pescadores A falta de uma profissão e de estudo são de-
(70,1%) se encontra na faixa superior aos 36 anos terminantes para a fixação desse homem nesse
de idade. Dos catadores são mais jovens, 65% ambiente, além das instalações de indústrias pes-
têm até quarenta anos, se concentrando mais na queiras e navais na região6. Além do seu sustento,
faixa entre 31 e 35 anos (25%). a maioria desses trabalhadores (64%) garantem
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a sobrevivência de seus familiares com a remune-


ração do seu trabalho, acarretando uma carga
maior de responsabilidade desses trabalhadores
em relação à manutenção de suas famílias.
As condições de vida são difíceis para esses
trabalhadores que atuam na informalidade e que
convivem com a instabilidade da pesca e da pre-
cariedade das relações de trabalho. Uma das prin-
cipais queixas dos pescadores é a diminuição cres-
cente da pesca. Segundo Vergara21, a pesca pre-
datória é apontada como um dos principais fa-
tores que contribuem para tal redução. Para a
Feema22, a atividade pesqueira foi sendo reduzi-
da devido ao assoreamento. As causas deste pro-
cesso podem ser atribuídas aos aterros, à trans- Figura 1. Moradias dos pescadores (Porto Novo,
São Gonçalo).
formação de rios em canais e à destruição dos
manguezais e ao lançamento de resíduos. Para
Barroso3, os recursos pesqueiros da baía foram
diminuindo de maneira muito intensiva, o que
pode ser atribuído à baixa qualidade das águas e
ao excessivo esforço de pesca. A moradia próxima do ambiente de trabalho
Com o acidente na Baía de Guanabara em elimina a necessidade de transporte para a maio-
2000, provocado pelo derramamento de óleo, ria (69%). Porém, para uma parcela dos catado-
muitos pescadores relataram que a situação dos res de caranguejo (12%), chegar ao local ideal
que sobrevivem da pesca piorou: Cada dia a vida para a coleta necessita de barcos, navegando pelo
está pior. Depois do acidente, as coisas pioraram rio Caceribu. A questão de estar próximo ao mar
muito por aqui. (Sr. AFS, 55 anos). Esta situação é muito importante, devido ao alto custo do
foi relatada pelo O Globo23: “Os estragos causa- transporte, que onera em muito o valor do pes-
dos pelo vazamento de óleo de 1,3 milhão de li- cado, e também pela facilidade em manusear to-
tros de óleo na Baía de Guanabara”, em 18 de dos os apetrechos de pesca e de manter o barco
janeiro de 2000, que afetou manguezais, praias, perto de casa.
aves e peixes, até hoje não foram compensados”. As condições de trabalho podem ser diag-
Para Amador24, é preciso compreender o fun- nosticadas por uma carga de trabalho expressi-
cionamento, a importância e a produtividade dos va. Os pescadores e catadores ficam muito tem-
ecossistemas que existiram e ainda remanescem po no mar e ainda preparam os apetrechos para
em seu interior e em suas margens, avaliar o grau a pesca, fazendo acertos e manutenção da rede e
de degradação ambiental atualmente apresenta- de outros materiais. A duração da jornada diária
do, os riscos de extinção, se essa degradação não para 57% varia de oito a doze horas no mar ou
for detida, assim como os projetos de recupera- mangue, sendo longa e cansativa, e outros 34%
ção e a repercussão destes na melhoria efetiva des- têm uma jornada de doze a dezesseis horas.
se ecossistema e na qualidade de suas águas. A atividade de pesca noturna é ainda mais
Os pescadores, em sua maioria (58%), mo- desgastante e perigosa, pois o pescador retorna
ram em casa própria, em geral, próxima à praia, do mar de madrugada e ainda participa da ven-
ou mesmo, em alguns casos, em áreas na pró- da do seu pescado, nos leilões na praia, em geral
pria praia. Muitos são posseiros e outros vivem para atravessadores (29%) e comerciantes locais
em terrenos da Marinha. As casas são bem sim- (21%).
ples ou apenas barracos improvisados, onde Essa forma de remuneração (diária) é a mais
guardam seus apetrechos da pesca, os isopores e utilizada (81%), que consiste em vender o pesca-
materiais necessários do dia a dia. Já os catado- do logo assim que se chega na praia, no comér-
res de caranguejo moram também próximo ao cio e feiras da região. A procura nesses locais de
mangue, em áreas mal saneadas e insalubres, desembarque de pescado é grande. Ainda antes
como ocorre com os pescadores (Figura 1). Al- de amanhecer, muitas pessoas de várias regiões e
guns mantêm casa ou barracos próximos a rios atravessadores (29%) já se encontram nesses lo-
da região, sofrendo perdas em épocas de cheias e cais para pegar o seu peixe fresco, participando
enchentes. de leilões (21%), por um preço bem mais barato.
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Quando eles não conseguem vender todo o pes- saúde é o bem mais precioso, pois nada pode ser
cado, alguns se encaminham para as ruas (8%) e feito se o corpo ou a mente adoece; sinais de sobre-
feiras da região (6%). carga de trabalho são expressos e identificados
A renda é variável para 78,8% dos pescadores nas reclamações de dores e problemas da coluna.
e 100% dos catadores, ou seja, depende do que Os pescadores e catadores de caranguejo se ex-
eles conseguem do mar ou mangue, sendo que põem a grandes variações de temperatura, como
67% dos trabalhadores recebem até dois salários excesso de radiação solar e frio intenso, desempe-
mínimos com a pesca. nhando uma jornada de trabalho excessiva.
A informalidade e o desemprego são situa- A atividade pesqueira pode ser considerada
ções comuns para os pescadores e catadores de potencialmente perigosa segundo o Código Na-
caranguejo, com o predomínio de uma situação cional de Atividades Econômicas (CNAE, 2000/
de extrema precariedade e falta de proteção1. 2002) por expor os trabalhadores a possíveis ris-
O desemprego está bem presente entre esses cos de acidentes com embarcações, afogamen-
trabalhadores; 62% dos entrevistados já estive- tos, acidentes com os apetrechos de pesca, esfor-
ram desempregados. Para 38%, a pesca e a cata ços físicos acima dos limites do corpo, proble-
de caranguejos são o seu emprego, o seu ganha- mas de postura inadequada, mudanças climáti-
pão permanente, a única saída para a sua sobre- cas, trabalho noturno, ruído, acidentes com o
vivência. O desemprego está distribuído por to- pescado, contato com agentes patológicos em
das as faixas etárias, mas é entre 36 e 45 anos que ambiente mal saneado e outros.
se torna mais expressivo (33%). Muitos nem con- Há também a questão da baixa autoestima
sideram a pesca como um emprego: Desempre- que leva muitos trabalhadores a terem proble-
gado, somos todos. (Sr. GA, catador, 29 anos) mas com o álcool e o fumo13,15,17. Muitos recor-
Os pescadores e catadores de caranguejo gos- rem à bebida para conseguir aliviar os sintomas
tariam de ter um trabalho formal, com carteira da depressão e as dificuldades inerentes do ofi-
assinada (21%), podendo receber todos os direi- cio. A bebida é muito utilizada para “esquentar” e
tos trabalhistas assegurados (25%) e que lhes “passar o tempo”.O equilíbrio emocional é im-
proporcionasse um salário fixo (16%). Já estive- portante para o trabalhador que passa a noite
ram no setor formal 68,8% dos pescadores, en- no mar, muitas vezes sozinho. É dele que parte a
quanto que 40% dos catadores já passaram por observação do cardume e das ações e atitudes
este setor, desempenhando atividades principal- para se ter êxito em sua pescaria.
mente no setor terciário (51%). A complementa- Os riscos desses trabalhadores são narrados e
ção de renda com atividade paralela é necessária absorvidos com uma certa “aceitação”, ou seja, o
para esses trabalhadores em épocas em que o pes- trabalhador tem a real dimensão dos perigos que
cado está mais escasso ou na época do defeso. passa, porém sabe que precisa desse trabalho e in-
Cinquenta por cento não desempenham ativida- corpora essa rotina no seu dia a dia: Você sai para
de paralela contra outros 50% que têm outra ati- pescar e não sabe se volta. (Sr. AFS, pescador)
vidade eventual ou fixa. Conciliar uma atividade As falas desses trabalhadores mostram um
fixa é mais difícil para o pescador, que precisa pouco dessa situação de extrema periculosidade e
estar disponível em boa parte do dia e da noite. de precariedade. Eles contam com a “sorte” para
A maioria (66%) não possui registro de auto- conseguir se manter, driblar a falta de recursos dis-
nomia. Pagar a autonomia para muitos é algo poníveis, enfrentar a falta de segurança no mar ou
difícil, pois eles têm dificuldade de juntar qual- no mangue e as condições de risco, além do ambi-
quer montante. Basicamente, o dinheiro arrecada- ente degradado. O defeso é um dos poucos direi-
do é usado nas suas necessidades básicas diárias. tos que lhes asseguram uma certa “proteção” no
Quando adoecem, os pescadores e catadores período mais crítico: Se sofrer algum acidente, não
de caranguejo recorrem ao serviço público para vou receber nada. (Sr. CG, catador)
atendimento médico (84%). Muitos reclamam O ambiente do mangue se torna mais perigo-
do péssimo atendimento dos hospitais e postos so, sendo necessário muita atenção e experiência:
de saúde da região, da falta de médicos e serviços No mangue, tem muita ponta de pau, há lugares
especializados. onde se você não passar rápido, fica agarrado. (Sr.
Dos cem pescadores entrevistados, 44% relata- A, catador)
ram problemas e agravos à saúde e uma rotina Apesar de toda situação de risco, é muito bai-
sofrida e silenciosa. As condições adversas da ativi- xo o uso de algum tipo de EPI entre eles.
dade do mar e mangue são colocadas de forma O uso de EPI é maior entre os pescadores
unânime como os maiores riscos enfrentados. A (46,3% contra 20% entre os catadores). O cata-
1550
Rosa MFM, Mattos UAO

dor, além dos riscos de acidentes no rio, ainda decorrentes da situação social, não encontram
enfrenta inúmeros riscos no mangue, com a ve- amparo quando adoecem ou se acidentam. A
getação, com os insetos, com cobras e objetos realidade cruel desses trabalhadores é retratada
pontudos na lama do mangue. O catador de ca- nas falas:: Se você parar quando tiver doente ou
ranguejo faz uso de óleo queimado para se pro- acidentado, vai morrer de fome. (Sr. J.)
teger dos insetos do mangue e não usa outros As principais queixas desses trabalhadores
equipamentos de proteção como luvas e botas. são em relação ao desgaste físico; para 31,3% dos
O uso de EPI é maior na faixa entre 36 e quarenta pescadores, o desgaste físico é uma preocupação
anos de idade (17%) e 41 e 45 anos (16%). Nesse a mais. A quantidade de vezes que eles lançam e
caso, denota-se a importância da experiência do puxam a rede pode causar, além do cansaço físi-
mar para a prevenção de lesões. Mas ainda esse co, males e doenças dos ossos e coluna12. Para
uso é extremamente baixo, em relação aos riscos 60% dos catadores de caranguejo, o trabalho no
inerentes da função. Os riscos no interior da so- mangue é extremamente cansativo. A caminho
ciedade são desiguais25,26, atingindo as popula- para o mangue, eles necessitam remar muito e
ções mais desfavorecidas, como as comunidades depois enfrentar, além da lama, os insetos e a
pesqueiras do entorno da Baía de Guanabara25,26. própria vegetação local. Quanto à queixa de ata-
O uso contínuo de óleo queimado como for- que de animais, ela é mais evidente para o cata-
ma de prevenção ao ataque de mosquitos e ou- dor de caranguejo (30%), que encontra todas
tros insetos pode levar esse trabalhador a ter pro- essas adversidades, contra 5% dos pescadores.
blemas sérios na pele e até intoxicação13, pois Para 55% dos pescadores, há queixas com
parte dessas substâncias são absorvidas pela pele. relação à embarcação, que vai desde problemas
O uso de equipamento de proteção, como mecânicos a acidentes com outras embarcações.
capas, luvas, botas, colete salva-vida, lanterna, O pescador sem muitos recursos se arrisca no
filtro-solar, entre outros, é considerado caro por mar com barcos e botes sem nenhuma seguran-
ça e, muitas vezes, passa por várias dificuldades,
esses trabalhadores: É difícil usar equipamento
sendo auxiliado por outros pescadores: As em-
de proteção. (Sr. J. da S.)
barcações não oferecem segurança e os recursos são
O trabalho dos pescadores, por ser extrema-
poucos para melhorar. (Sr. JB, pescador)
mente desgastante, pela exposição excessiva à
O trabalho diário e a sobrecarga são recla-
radiação e variações de temperatura, uso de be-
mações de 88,8% dos pescadores; para o catador
bida e fumo e jornada noturna, possibilita o en-
de caranguejo, que expõe a imensa dificuldade
velhecimento precoce15, sendo sentido pelo pró-
em permanecer durante horas no mangue, en-
prio pescador: A desvantagem de ser pescador é
frentando diversas situações de risco, esse per-
ficar velho rápido. (Sr. R. da S., 37 anos)
centual é mais alto (95%).
Cinquenta e dois por centos dos pescadores e
catadores de caranguejo não se afastaram do tra-
balho quando estiveram doentes ou acidenta- Os principais agravos à saúde
dos, pois a maioria precisa trabalhar mesmo as- dos pescadores e catadores de caranguejo
sim, devido a sua condição informal. Durante as
entrevistas, foi observado que alguns trabalha- A Tabela 3 mostra os principais agravos à
dores estavam doentes ou tinham sofrido aci- saúde relatados por esses trabalhadores.
dentes recentes, porém relataram que não podi- É possível observar que as maiores reclama-
am deixar de trabalhar. Treze por cento já se afas- ções são com relação aos problemas articulatóri-
taram por acidente e 35%, por doença. Os aci- os e neuromusculares, o que evidencia a prática de
dentes mais comuns são com a embarcação, com um trabalho desgastante, aos problemas postu-
o próprio material de pesca e com o ferrão do rais e ao excesso de esforço físico, refletidos em
bagre. No mangue, os acidentes mais comuns dores nas costas, coluna, braços e pernas. Os pro-
são cortes com a própria foice, usada para cor- blemas respiratórios, traduzidos por pneumonias
tar a vegetação, corte com cacos de vidro e latas e e tuberculoses, estão relacionados à grande expo-
picadas de animais. Porém, 55% dos pescadores sição às variações climáticas e agentes patológicos
e catadores expressam o perigo do mau tempo, e também à deficiência alimentar. Esse trabalha-
dos ventos fortes e temporais no mar. dor mal alimentado e que faz uso abusivo de álco-
A discriminação social e as desigualdades que ol aumenta as chances de adoecer. As doenças ou
dela decorrem têm influência determinante no agravos à saúde indicados na Tabela 3 são citados
estado de saúde das populações afetadas27. Essas por outros autores12-18 como as principais quei-
pessoas, além de ter vários agravos a sua saúde xas dos pescadores em diversas regiões.
1551

Ciência & Saúde Coletiva, 15(Supl. 1):1543-1552, 2010


Tabela 3. Queixas e agravos à saúde.
São trabalhadores que podem ter agravos a
sua saúde devido ao esforço excessivo, aos pro-
Doença freq blemas posturais e aos movimentos repetitivos,
ocasionando doenças neuromusculares, proble-
Coluna e dores nas costas/hérnia de disco/joelho 18
Pneumonia e tuberculose 9 mas no sistema respiratório, traduzidos por si-
Hipertensão/coração 7 nusite, pneumonia e tuberculose, entre outras
Gastrite, úlcera, problemas no estômago 5 doenças já destacadas. Essas situações foram
Problemas na perna/varizes 4 descritas de forma quase unânime pelos pesca-
Sequelas com acidente de barco 4 dores, que percebem os riscos, porém precisam
Dores de cabeça, cansaço e sono 3 arriscar a vida diariamente no mar ou mangue.
Visão 2 A pesca na Baía de Guanabara resiste apesar
Íngua e hérnia 2 da intensa degradação e esses trabalhadores pre-
Doenças infectocontagiosas (hepatite, leptospirose) 2 cisam de um esforço maior para compensar a
Estresse e alcoolismo 2
diminuição do pescado e do caranguejo no man-
Cálculo renal 1
gue. Para isso, além de uma longa jornada de
Alergia 1
Câncer 1 trabalho para conseguir o máximo de aprovei-
Diabete 1 tamento no mar ou no mangue, eles recorrem a
Total 44 outras atividades para buscar a sobrevivência.
Fonte: Rosa19.
São atividades informais, como “bicos”, que com-
plementam a renda desses trabalhadores da pes-
ca. A realidade dura do dia a dia muitas das vezes
não é recompensada, pois nem sempre se conse-
gue pescar algo ou o suficiente para pagar o óleo
Conclusão e o gelo utilizados. São trabalhadores que não
têm um horário definido para pescar. Eles so-
A pesca e a cata de caranguejos são atividades frem com a precariedade do trabalho informal,
desenvolvidas por comunidades no entorno da sem garantias e sem direitos. Para 25% da amos-
Baía de Guanabara e a sua importância econô- tra, o sonho é ter carteira assinada e, dessa for-
mica e social vai muito além das pessoas envolvi- ma, ter mais segurança, comprar a prazo, poder
das diretamente. Essa economia gera e movimen- se afastar quando estiver doente ou acidentado.
ta outras atividades na região. A pesca fixou mi- Os pescadores mais velhos sabem como é di-
lhares de pessoas no entorno da Baía de Guana- fícil sair da pesca, ainda mais que dificilmente tam-
bara, que têm nesse ecossistema a única alterna- bém poderão ser inseridos no mercado formal,
tiva de sobrevivência. devido à baixa escolaridade e a própria idade.
Foi possível constatar, através dessa pesqui- A informalidade numa dessas comunidades
sa, as dificuldades desses trabalhadores e os ris- é o trabalho mais evidente e praticado. É a forma
cos a que se submetem na realização de suas ati- com que as pessoas lidam com a vida e a sobre-
vidades diárias. Os resultados apresentados e os vivência. Não é uma forma menos nobre que o
relatos dos pescadores e catadores de caranguejo formal, porém, conclusivamente, é mais penoso,
indicam a precariedade que estes trabalhadores mais sacrificante e, de certa forma, mais injusta.
sofrem na sua labuta diária. Os agravos à saúde A informalidade da prática, além de retirar os
são decorrentes dos vários fatores de risco e agen- direitos do cidadão, também leva esse trabalha-
tes patológicos a que estão expostos. É também dor a se expor a muitos riscos e ter agravos que
possível afirmar que os riscos a que se subme- se refletem na sua saúde.
tem são potencializados pelas condições de vida
e trabalho e a falta de proteção social. São situa-
ções graves, nas quais os riscos de acidentes com
embarcações, afogamentos, acidentes com o pró-
prio pescado, as variações climáticas, a exposi-
ção à radiação solar, os ruídos dos motores dos
barcos, o excesso de peso, são potencializados Colaboradores
pela grande jornada de trabalho, pelo pouco uso
de EPI, a instabilidade da função, a falta de legis- MFR Rosa trabalhou na pesquisa, metodologia
lação específica para este setor e a própria degra- e redação e UAO Mattos trabalhou na concep-
dação da Baía de Guanabara. ção, redação final e revisão.
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Rosa MFM, Mattos UAO

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