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POLÍTICA

EDUCACIONAL

Caroline Costa
Nunes Lima
Política educacional
contemporânea:
debates sobre a reforma
do ensino médio
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Identificar como foi a implementação da reforma do ensino médio.


„„ Analisar as consequências possíveis da reforma do ensino médio.
„„ Localizar a relação do Estado com essa política educacional.

Introdução
Neste capítulo, você vai estudar como se deram os processos de formula-
ção da Medida Provisória enviada para o Congresso, dando origem à Lei da
Reforma do Ensino Médio, identificando quais as possíveis consequências
que esse documento transformador pode acarretar em nosso cenário
educacional. Além disso, analisará as relações entre o Estado e tal política
educacional.

A implementação da reforma do ensino médio


Nossa história recente educacional contou com uma das políticas públicas
voltadas para a reforma do ensino médio da educação básica em âmbito na-
cional. Em 22 de setembro de 2016, o Ministério da Educação encaminhou ao
Congresso Nacional em caráter de Medida Provisória a MP n°. 746 (BRASIL,
2016). Nessa MP, foram apresentadas propostas de alterações da Lei n°. 9.394
de 20 de dezembro de 1996 e também da Lei n°. 11.494 de 20 de junho de
2007 (Lei do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
e de Valorização dos Profissionais da Educação — Fundeb) e funcionou como
2 Política educacional contemporânea: debates sobre a reforma do ensino médio

uma base para a formulação e promulgação da Lei n°. 13.415, publicada no


Diário Oficial da União em 17 de fevereiro de 2017 (BALD; FASSINI, 2017).
É importante esclarecer que essa política educacional surgiu em um período
conturbado com a transição do governo a partir da posse de Michel Temer
como presidente da República “[...] carregado de dúvidas sobre sua legalidade
e legitimidade que o levou a ser chamado de golpe” (FERRETI; SILVA, 2017,
documento on-line). Assim, foram nessas conjunturas políticas que o texto
seguiu para o Congresso Nacional pretendendo “[...] dispor sobre a organização
dos currículos do ensino médio, ampliar progressivamente a jornada escolar
deste nível de ensino e criar a Política de Fomento à Implementação de Escolas
de Ensino Médio em Tempo Integral” (BRASIL, 2016, documento on-line).
Segundo o Ministério da Educação, a proposta da reforma do ensino médio
era considerada em caráter de urgência, pois destravaria as barreiras que
inibem a ascensão econômica nacional, tendo em vista que concebem a edu-
cação (em especial a educação profissional) como fator imprescindível para a
potencialização do capital e ampliação das possibilidades de competitividade
nacional no mercado internacional (MOTTA; FRIGOTTO, 2017).
Assim que a proposta seguiu para o Congresso, houve uma ampla repercus-
são na mídia a partir da explicitação desse documento, que previa a extinção
da obrigatoriedade das seguintes disciplinas: Sociologia, Filosofia, Artes e
Educação Física. Além disso, a proposta também concedeu a possibilidade
do exercício da docência para indivíduos com “notório saber” que demons-
trassem alguma especialidade e experiência técnico-profissional. Quanto à
organização dos conteúdos, a proposta apresentava uma alteração de toda
estrutura curricular, assim como o consentimento de o setor privado, com
recursos públicos, oferecer parte dessa formação básica (FERRETI; SILVA,
2017). Essas alterações correspondem à mudança do artigo 36 da LDB n°.
9.394/1996 (BRASIL, 1996), que passaria a ter a seguinte redação:

Art. 36. O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Co-
mum Curricular e por itinerários formativos específicos, a serem definidos
pelos sistemas de ensino, com ênfase nas seguintes áreas de conhecimento
ou de atuação profissional: I – linguagens; II – matemática; III – ciências da
natureza; IV – ciências humanas; e V – formação técnica e profissional. § 1.º
Os sistemas de ensino poderão compor os seus currículos com base em mais
de uma área prevista nos incisos I a V do caput. § 3.º A organização das áreas
de que trata o caput e das respectivas competências, habilidades e expectativas
de aprendizagem, definidas na Base Nacional Comum Curricular, será feita
de acordo com critérios estabelecidos em cada sistema de ensino (BRASIL,
2016, documento on-line).
Política educacional contemporânea: debates sobre a reforma do ensino médio 3

Assim, a apresentação dessa Medida Provisória que propõe a alteração da


LDB n°. 9394/96 a partir dos elementos apresentados anteriormente passou a
ser analisada pelo Congresso Nacional ao longo de quatro meses. Audiências
públicas voltadas para a análise desse documento foram realizadas e carac-
terizadas pelas disputadas de diferentes setores influentes que defendiam
seus interesses. Questões envolvendo a seleção dos conteúdos, os objetivos,
as formas que o ensino médio deve conter, as relações a serem estabelecidas
com as tendências econômicas, mercadológicas, as avaliações em larga escala,
critérios para o índice de desempenho foram uns dos temas discutidos nessas
audiências.

Conheça alguns posicionamentos críticos de setores influentes, tais como movimentos


sociais, entidades acadêmicas e representantes de organizações educacionais que
participaram da análise da Medida Provisória da Reforma do Ensino Médio, de acordo
com Ferreti e Silva (2017).
Daniel Cara, Campanha Nacional pelo Direito à Educação:

Então, a questão dos itinerários, sinceramente, da maneira como está


posta na medida provisória, foi redigida por pessoas que não entendem
de Pacto Federativo e não compreendem a dificuldade enorme que
existe no Brasil para acordar processos de colaboração entre Estados e
Municípios (referindo-se ao fato de que no Brasil existem próximo a três
mil municípios com uma única escola pública de Ensino Médio, o que
inviabilizaria a escolha por parte dos estudantes) (FERRETI; SILVA, 2017,
documento on-line).

Adilson Cesar de Araújo, Fórum de Dirigentes de Ensino dos Institutos Federais:

A nossa experiência de Ensino Médio integrado tem revelado alguns


aspectos positivos: primeiro, que ela tenta articular, num mesmo espaço
escolar, a formação geral com a formação profissional, sem sonegar o
direito à cultura, sem sonegar a arte, sem sonegar a sociologia, sem
sonegar a formação ampla (FERRETI; SILVA, 2017, documento on-line).

Iria Brzezinski, Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação


– ANFOPE:
4 Política educacional contemporânea: debates sobre a reforma do ensino médio

A fragmentação do ensino médio em itinerários formativos específicos


fere o direito ao conhecimento para a ampla maioria dos estudantes
que se encontram no ensino médio público (FERRETI; SILVA, 2017, do-
cumento on-line).

Marta Vanelli, Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE:

Não é possível, não é possível pensar em como melhorar o ensino médio


só pensando na mudança curricular. [...] Nós precisamos pensar aqui em
como nós vamos melhorar a infraestrutura das escolas [...] em como
nós vamos valorizar os profissionais da educação. O que está colocado
para nós nessa medida provisória é desresponsabilizar o Estado. [...]
Aqui, a flexibilização é no sentido da privatização (FERRETI; SILVA, 2017,
documento on-line).

Monica Ribeiro da Silva, Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio:

Quando eu reduzo a formação básica comum à metade do currículo,


eu estou destruindo a ideia de ensino médio como educação básica
(FERRETI; SILVA, 2017, documento on-line).

Após o período de discussões da Medida Provisória, foi sancionada, a


partir dos pontos acordados das audiências públicas, a Lei n°. 13.415, em 16
de fevereiro de 2017, da Reforma do Ensino Médio. Esse documento alterou
artigos da Lei n°. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 e da Lei n°. 11.494, de
junho de 2007, que é a Lei do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb),
assim como implementou a Política de Fomento à Implementação de Escola
de Ensino Médio em Tempo Integral (FAJARDO, 2017). Veja no Quadro 1
quais foram as principais alterações da Lei n°. 13.415 da nossa mais recente
LDB 9394/96.
Como você pôde observar, a Lei n°. 13.415/17 (BRASIL, 2017a) alterou
diferentes aspectos envolvendo não somente a organização curricular como
também as relações entre o nível médio e as relações desses estudantes com
as escolhas para o ensino superior, ensino técnico, formação docente e língua
estrangeira. Todas essas mudanças ainda não foram implementadas e, por
serem recentes, nós nos voltamos para estudos que atentam a perspectivas
de quais possíveis consequências essa reforma poderá trazer para o nosso
cenário educacional.
Política educacional contemporânea: debates sobre a reforma do ensino médio 5

Quadro 1. O que muda na LDB

Pontos Antes Depois

Carga A LDB prevê que, nos três anos A Lei n°. 13.415/17 do
horária de ensino médio, os alunos governo federal amplia
tenham no mínimo 800 horas, “progressivamente” a carga
e que cada ano tenha pelo horária para 1.400 horas, sem
menos 200 dias letivos. especificar um número mínimo
de dias letivos por ano nem
um prazo para a ampliação.

Disciplinas O ensino de Artes e de A partir de agora, a decisão de


obrigatórias Educação Física era obrigatório incluir Artes, Educação Física,
na educação básica incluindo Filosofia e Sociologia nas aulas
o ensino médio. Desde do ensino médio dependerá do
2008, aulas de Filosofia e que será estipulado pela Base
Sociologia também eram Nacional Comum Curricular.
obrigatórias nos três anos.

Ensino A lei já previa a possibilidade A formação técnica e profissional


técnico de as escolas integrarem passa a ter peso semelhante às
o ensino técnico e quatro áreas do conhecimento.
profissionalizante ao ensino A mudança também inclui a
médio em diversos modelos. possibilidade de “experiência
prática de trabalho no setor
produtivo” ao aluno.

Língua As escolas eram obrigadas O inglês passa a ser a língua


estrangeira a oferecer, a partir do 6º estrangeira obrigatória em
ano, aula de pelo menos todas as escolas. As escolas
uma língua estrangeira, podem oferecer uma
mas tinham a liberdade segunda língua, que deve ser,
de escolher qual língua. preferencialmente, o espanhol.

Professores A lei exigia que os professores Fica permitido que as


fossem trabalhadores de redes de ensino e escolas
educação com diploma contratem “profissionais de
técnico ou superior “em notório saber” para dar aulas
área pedagógica ou afim”. “afins a sua formação”.

Vestibulares As universidades são livres para A lei determina que o conteúdo


definir que conteúdos exigem dos vestibulares seja apenas “as
das provas para selecionar competências, as habilidades e
os calouros, levando em as expectativas de aprendizagem
consideração o impacto da das áreas de conhecimento
exigência no ensino médio. definidas na BNCC”.

Fonte: Adaptado de Rodrigues (2016, apud BALD; FASSINI, 2017, p. 10).


6 Política educacional contemporânea: debates sobre a reforma do ensino médio

Consequências possíveis da reforma


A etapa do ensino médio é a última que o estudante cursa na educação básica
e também tem formulada a Base Nacional Comum Curricular gerando uma
expectativa e diferentes pontos de vista no que tange às possíveis consequências
de sua implementação.
Quanto à sua organização, vemos pelo documento base as explicitações
sobre como essa etapa de ensino se insere no contexto da educação básica.
Assim como nas etapas da educação infantil e do ensino fundamental, também
conta com as competências gerais funcionando, assim, de modo integrado
em continuidade ao que se pretende desenvolver em todos os períodos edu-
cacionais básicos. Nessa etapa, também se encontram dispostos itinerários
formativos para serem ofertados por diferentes sistemas, redes particulares,
públicas e instituições escolares. Veja na Figura 1 o esquema encontrado do
documento oficial.

COMPETÊNCIAS GERAIS
DA EDUCAÇÃO BÁSICA

Competências Competências Competências Competências


específicas de específicas de específicas de específicas de
ENSINO MÉDIO

Linguagens Matemática Ciências Ciências


e suas e suas da Natureza Humanas
BNCC

Tecnologias Tecnologias e suas e Sociais


Tecnologias Aplicadas
Habilidades Habilidades Habilidades Habilidades
de área de área de área de área
Habilidade
de Língua
Portuguesa
Itinerários

Formação
técnica e
profissional

Figura 1. Competências gerais da educação básica.


Fonte: Brasil (2018, p. 468).

Com base no esquema do BNCC etapa ensino médio apresentado, é possível


observar que existe uma organização por áreas de conhecimentos: Linguagens
e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e
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suas Tecnologias, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. A divisão por áreas


já era indicada em documentos normativos tais como o DCN em 1998, tendo
como objetivo tornar o currículo integrado para uma maior compreensão e
transformação da realidade complexa. Essa forma de organização, de acordo
com o Parecer CNE/CP n°. 11/2009 (BRASIL, 2009), não exclui necessaria-
mente as disciplinas, com suas especificidades e saberes próprios historica-
mente construídos, mas, sim, oportuniza o fortalecimento das articulações e
contextualizações entre elas, favorecendo a apropriação dos estudantes frente
à realidade em que estão inseridos.
Agora que vimos algumas especificidades de como a Base se apresenta
para a etapa do Ensino Médio, veremos como todas essas mudanças estão
sendo analisadas por diferentes especialistas e pesquisadores e como surgem
diversas reflexões e discussões sobre as consequências da implementação dessa
nova base curricular. O primeiro ponto a ser considerado é que todas essas
propostas surgem em um momento de profundos conflitos políticos, disputas
de interesses que já demonstram a dificuldade encontrada pelo governo de
implementar a nova base.
Em meados de 2018, houve um acirramento da crise quando o presidente
da Comissão Bicameral do Conselho Nacional de Educação, órgão responsá-
vel por encaminhar o documento para consolidação das alterações do texto
da BNCC etapa ensino médio pediu demissão. César Callegari renunciou
ao cargo que passou a ser assumido por Eduardo Deschamps, presidente do
CNE. De acordo com uma entrevista à Revista Carta Capital, César Callegari
(2018, apud BASILIO, 2018, documento on-line), ao ser perguntado por que
considerava que a BNCC etapa ensino médio não era suficiente para avançar
com a educação no Brasil, justificou:

Em primeiro lugar, temos que ter uma forte valorização do professor. É condi-
ção fundamental termos um Magistério bem formado, com carreira atraente e
boa remuneração. Em nenhum lugar do mundo se faz educação de qualidade
sem professores com condições para desenvolverem seu trabalho. Há ainda
um outro conjunto de condições relacionadas à infraestrutura das escolas,
que devem ter salas de aulas menos lotadas, equipamentos como laboratórios,
internet banda larga, ou seja, uma série de elementos que muitas unidades
infelizmente não têm. Precisamos investir mais e melhor em educação no
Brasil. Além de estarmos muitos anos atrás dos investimentos necessários
em educação, lamentavelmente, a meta do Plano Nacional de Educação que
prevê investimento da ordem de 10% do PIB ao longo da trajetória de dez
anos está sendo meticulosamente enterrada pelo atual governo, já que a lei
do teto de gastos é um fator de limitação de investimentos no âmbito federal
para a educação do País.
8 Política educacional contemporânea: debates sobre a reforma do ensino médio

Em continuidade à entrevista, Callegari (2018, apud BASILIO, 2018) ainda


se posiciona em defesa da revogação da lei que institui a reforma do ensino
médio, questionando a legitimidade dela tendo em vista que uma proposta
dessas deve ser muito discutida pela sociedade civil. Além disso, aponta
como alternativa uma ampla e emergencial arena de debates nacionais para
que essa construção seja ancorada aos compromissos de diferentes setores
do país, incluindo docentes e estudantes que são os que mais serão afetados
com todas essas mudanças.
Outros especialistas em educação também demarcaram críticas à reforma.
Gabriel Grabowski, filósofo e doutor em Educação, formulou um texto deno-
minado Quem conhece a reforma do ensino médio, a reprova, publicado em
2017 na Revista Extraclasse, no qual afirma que:

Esta reforma do ensino médio é um equívoco político, considerando que a


sociedade não participou e nem a legitimou; é um equívoco metodológico,
tendo em vista que até o Ministério Público Federal (MPF) a considerou incons-
titucional; e, também, trata-se de um equívoco pedagógico-epistemológico,
pois mutila e fragmenta a formação humana, científica e técnica que os jovens
têm direito na educação básica (GRABOWSKI, 2017, documento on-line).

Outras considerações tecidas por Grabowski (2017) apontam que a reforma


não apresenta circunstâncias novas além da mudança no currículo, que apre-
senta como disciplinas obrigatórias somente três disciplinas: Matemática,
Português e Inglês, tornando mais pobre e fragilizado os conhecimentos
previstos para essa etapa de ensino.
Em consonância com os especialistas anteriormente mencionados, en-
contramos a fala de Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional
pelo Direito à Educação, o qual, em participação a uma entrevista à Truffi
(2017), que compôs a Revista Carta Capital publicada em fevereiro de 2017,
destaca que a reforma:

[...] faz com que os estudantes sejam divididos entre aqueles que vão ter
acesso a um ensino propedêutico e aqueles que vão ter acesso a um ensino
técnico de baixa qualidade. Temer teve a coragem ou a pachorra de assumir
isso quando enfatiza que na época dele a educação se dividia entre clássico e
científico, que eram dois caminhos que geravam uma educação incompleta
(TRUFFI, 2017, documento on-line).
Política educacional contemporânea: debates sobre a reforma do ensino médio 9

Em resposta às críticas, o Ministério da Educação defende que considerou


a participação da sociedade concebendo o documento, inclusive como não
sendo obra de um governo, por meio das seguintes argumentações identifi-
cadas no portal:

A Base não é obra de um governo. Sua elaboração teve início em 2014 e


contou com intensa participação da sociedade. E exemplifica: A primeira
versão da Base, apresentada em 2015, recebeu 12 milhões de contribuições,
em consulta pública, e deu origem à segunda versão, em maio de 2016. A
partir daí, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e a
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), com apoio
do MEC, promoveram seminários em todas as 27 unidades da federação,
entre junho e agosto de 2016. Os seminários mobilizaram 9 mil professores,
gestores e acadêmicos. A versão final, submetida hoje ao CNE, valeu-se de
toda essa discussão e passou pelo crivo de especialistas (BRASIL, 2017b,
documento on-line).

Desse modo, você pode identificar que o momento é delicado e complexo,


envolvendo uma série de movimentações contrárias de críticos que apontam
como consequências um empobrecimento curricular, a desconsideração de
atores que serão prioritariamente afetados por essas transformações: estudantes
e docentes.
Formular uma base de abrangência nacional já é por si só uma construção
repleta de desafios em um país de dimensões continentais demarcado por
lutas de classes e profundas desigualdades de oportunidades. É fundamental
em todo esse período considerarmos não apenas que passamos por intensas
transformações políticas, como também a presença de diferentes setores de
influências, assim como a mobilização de frentes que lutam por uma educação
democrática. Isso resulta nas previsões de que essa Reforma poderá acarretar
um impacto negativo para o avanço da educação e a manutenção dos direitos
assegurados pela Constituição.

A relação do Estado com a política educacional


A reforma do ensino médio é uma política educacional que promove uma
articulação entre o governo federal, distrito e estados de todo país, após uma
trajetória marcada por diferentes visões e transformações políticas, sociais
e econômicas. Ao longo de nossa história, observou-se que, desde o período
colonial, o enquadramento do ensino médio apresenta dificuldades, tendo
10 Política educacional contemporânea: debates sobre a reforma do ensino médio

em vista a complexidade por poder se apresentar com diferentes finalidades,


seja para “[...] preparar para a continuação dos estudos ou para o mercado de
trabalho” (KUENZER, 1997, p. 9).
Embora a Lei n°. 13.415 da Reforma do Ensino Médio, promulgada em 16
de fevereiro de 2017, abarque todo o país, cabe a cada estado a definição mais
extensa estrutural e organizacional curricular em consonância com documentos
normativos tais como a LDB n°. 9394/96 e o Plano Nacional de Educação.
De acordo com essa reforma, é de suma importância a oferta de uma estru-
tura curricular flexível e atrativa, para que as taxas de abandono e reprovação
não sejam resultados da baixa qualidade do ensino médio (BRASIL, c2018,
apud BALD; FASSINI, 2017). Em resposta a algumas críticas que deixam as
relações entre o Estado e a reforma em situações delicadas, afetadas também
com o cenário político transicional conturbado, o Governo tenta afirmar que
essa política pública, apesar de originada de Medida Provisória, vem sendo
discutida desde 1998, como aponta a trajetória a seguir:

1998: Grande debate e aprovação das diretrizes do EM de acordo com a nova


legislação da LDB de 1996;
2002: Seminário Nacional sobre reforma do ensino médio;
2007: FUNDEB com a promessa de garantir a universalização do EM;
2007: MEC lança o Plano de Ações Articuladas;
2009: Novo ENEM;
2010: Ensino Médio Inovador;
2010: CONSED cria o Grupo de Trabalho da Reforma do Ensino Médio;
2012: Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio aprovadas
pelo CNE;
2013: Projeto de Lei (PL6840/2013);
2014: Plano Nacional da Educação (PNE). Meta 3.1: “Institucionalizar pro-
grama nacional de renovação do ensino médio, a fim de incentivar práticas
pedagógicas com abordagens interdisciplinares estruturadas pela relação entre
teoria e prática, por meio de currículos escolares que organizem, de manei-
ra flexível e diversificada, conteúdos obrigatórios e eletivos articulados...”
(BRASIL, c2018, apud BALD; FASSINI, 2017, p. 14).

Outro ponto a ser enfatizado é que, ao pensar na implementação da reforma,


vemos a situação precária das redes estaduais tanto na infraestrutura quanto
em outros aspectos referentes a questões administrativas e pedagógicas, não
ofertando, assim, as condições essenciais para a implementação dessas pro-
postas. De acordo com Ferreti (2018, p. 36):
Política educacional contemporânea: debates sobre a reforma do ensino médio 11

[...] as proposições da Lei 3.415 terão dificuldade para materializar-se sob a


forma de escola de tempo integral, posto que essa exige a disponibilização
de mais recursos do que os atuais, o que significará um problema para os
estados uma vez que a esses, a não ser nos dez anos iniciais da implementação
da lei, caberá o ônus do aumento dos custos que necessariamente ocorrerá,
ainda que, como já se sabe, nem todas as escolas das redes públicas estaduais
venham a se tornar de tempo integral. Além disso, a liberação de professo-
res das redes estaduais para atuar nas escolas de tempo integral implicará
a necessária arregimentação de outros docentes para ocupar seus lugares
nas unidades nas quais vinham atuando. Tal aumento de custos se referirá,
quanto às escolas de tempo integral, no mínimo, ao salário de professores e à
criação de condições infraestruturais favoráveis etc. Isso pode ser interpretado
como contradição entre a PEC e a Lei. Todavia, não necessariamente, dado
que esta última, tendo em vista os interesses do capital, os atenderá, mas
não estenderá, da mesma forma, o acesso a todos os filhos de trabalhadores
à educação de tempo integral, aprofundando as desigualdades já existentes,
ainda que as redes dos diferentes estados se tornem obrigadas a oferecer o
modelo curricular adiantado pela Lei.

Observamos, pelas reflexões apresentadas, que o Estado está inserido


em uma sociedade capitalista e é palco de longos períodos de crise em sua
história. Diferentes classes batalham pelos seus direitos em diferentes âmbitos
da vida social, e todas essas circunstâncias afetam diretamente a educação
nas diversas esferas governamentais.
Assim, é fundamental que se discutam as relações entre o Estado e as polí-
ticas educacionais em processo de finalização de formulação e implementação,
situando o papel de cada ator envolvido nesses processos, suas atribuições
e responsabilidades. É consenso que não existem posicionamentos neutros
quando falamos de seleção e produção de conhecimento, que se relacionam
com um imbricamento de culturas que se articulam com as consciências
sociais, políticas e históricas (FERRETI, 2018).
Desse modo, concluímos que não há condições de conceber que os pro-
blemas da formação do educando refletidos pelas instituições escolares serão
solucionados a partir de propostas de transformações viabilizadas pelas po-
líticas educacionais por meio de mudanças nas organizações curriculares e
metodológicas, tendo em vista os reflexos dos problemas sociais que afetam
diretamente todos os atores envolvidos nesse processo. É necessário, assim,
compreender a educação a partir de suas contradições, complexidades e fra-
gilidades para que a defesa de uma educação democrática, participativa e
inclusiva não se restrinja a um documento, e, sim, manifeste-se nas práticas
educacionais em todas as instâncias.
12 Política educacional contemporânea: debates sobre a reforma do ensino médio

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educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Ma-
nutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais
da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei
n°. 5.452, de 1o de maio de 1943, e o Decreto-Lei n°. 236, de 28 de fevereiro de 1967;
revoga a Lei n°. 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à
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