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A obra de Humberto Mauro (1897-1983) e as

políticas de preservação do patrimônio


audiovisual no Museu da Imagem e do Som de
Belo Horizonte (MIS-BH)

O cinema, enquanto expressão técnica, artística e cultural humana pode ser


estudado por diferentes ângulos e espectros de compreensão. Justamente por sua
complexidade, não são raros os estudos no campo das ciências humanas que se dedicam
ao estudo da sétima arte. A vasta literatura que se avolumou ao longo destes recém-
completos 125 anos de desenvolvimento1 do cinema é incomensurável, rica e pautada
por uma ampla abordagem que vai desde a técnica, passando por sua dimensão estético-
artística, bem como simbólica, histórica e sociológica.
O esforço deste estudo será o de tangenciar, nas fronteiras dialógicas existentes
entre a História, Gestão, Conservação e Museologia, como o desenvolvimento do
cinema analisado através do espectro da memória, tem como sua consequência mais
imediata, a formação de um vastíssimo patrimônio de alto valor cultural. A partir deste
ponto, se aceitamos a conformação de um patrimônio audiovisual, isto implica que,
tanto do ponto de vista histórico quanto museológico, é necessário pensarmos no
estabelecimento de políticas culturais para sua preservação e divulgação. Assim, este
trabalho interessa-se particularmente por refletir sobre este processo, bem como sobre
elaboração de políticas patrimoniais que visem à preservação da memória audiovisual.
Para efeitos de análise, optamos no presente estudo em abordar as políticas de
preservação de acervo do antigo Centro de Referência Audiovisual – CRAV que, após
passar por reformulação de sua estrutura e redirecionamento de suas funções
institucionais tornou-se o atual Museu da Imagem e do Som de Belo Horizonte (MIS-
BH). Analisaremos de modo particular, o caso do acervo do cineasta mineiro Humberto
Mauro.

1
A data que se admite oficialmente como a data de invenção do cinema é 28 de dezembro de 1895
quando foi realizada no Grand Cafede Paris a primeira exibição de filmes feita pelos inventores do
cinematógrafo, os irmãos Auguste e Louis Lumière.
História e imagens em movimento: o surgimento do cinema e sua chegada ao
Brasil

Se por um lado o cinema deve sua dimensão técnica à invenção do


cinematógrafo dos irmãos Lumière, por outro, o desenvolvimento de uma linguagem
cinematográfica em muito é devedor de figuras como Georges Méliès e David W.
Griffith que consolidaram os primórdios da linguagem e narrativa cinematográficas. A
constituição de técnicas narrativas, recursos e efeitos estilísticos ainda que parcos
fizeram com que o século XX fosse decisivo para a consolidação do cinema como
integrante das chamadas belas artes, recebendo o título de “a sétima arte”.
O desenvolvimento da prática cinematográfica e de suas tecnologias possibilitou
a estruturação não só de uma nova forma de expressão artística, como também de uma
das mais poderosas indústrias conhecidas no capitalismo tardio. A movimentação de
capital, o número de empregos, o desenvolvimento de tecnologias alavancado pela
indústria cinematográfica em diversos países, mas, sobretudo, no mercado norte
americano e indiano o aporte de investimentos e o volume de produção são imensos. O
caso do cinema brasileiro é particularmente interessante e também já foi estudado por
autores como Ismail Xavier, Jean-Claude Bernadet e Paulo Emílio Salles Gomes, por
exemplo. A tese central de Paulo Emílio Salles Gomes de que a condição de
subdesenvolvimento não é uma etapa, um estágio, mas um estado, uma condição, ficou
célebre e faz parte do hall de obras incontornáveis que abordam a questão da indústria
(ou da não formação de uma indústria) cinematográfica no Brasil. Temas que
voltaremos a abordar neste estudo.
Como vínhamos expondo, o rápido desenvolvimento do cinema principalmente
do ponto de vista técnico/tecnológico acompanhado do contexto de expansão veloz
experimentado pelo capitalismo ao longo do século XIX e início do XX fez com que o
cinema se desenvolvesse quase que simultaneamente em diversas partes do mundo. A
primeira exibição paga de filmes de que se tem notícia acontecia no dia 28 de dezembro
de 1895. Fora organizada pelos irmãos Louis e Auguste Lumierè, inventores do
cinematógrafo e ocorreu no Le Grand Cafè, localizado no Boulevard de Capucines, em
Paris. Já no ano seguinte acontecia a primeira exibição cinematográfica no Brasil, mais
especificamente no dia 8 de julho de 1896, no Cinematographo Parisiense, localizado no
n°179 da então Av. Central no Rio de Janeiro 2. Na época um local improvisado, de
2
COSTA, Renato Gama-Rosa. Os cinematógrafos do Rio de Janeiro (1896-1925). In: Revista História,
Ciências, Saúde- Manguinhos, vol.5 no.1 Rio de Janeiro Mar./Jun 1998. pp.153-168.
propriedade de Pascoal Segreto e José Roberto Cunha Salles e que hoje abriga o teatro
Glauber Rocha. Já o primeiro filme feito no país, na verdade tratava-se de uma
panorâmica da baía de Guanabara, com tomadas das fortalezas e navios de guerra; feitas
a bordo do navio francês Brésil pelo italiano Afonso Segreto em 19 de julho de 18983.
Na Europa o cinema surgia como a grande novidade do fim do século XIX, em
1895. Apenas sete meses depois daquela primeira exibição no Le Grand Cafè, os irmãos
Segreto traziam a novidade para o Brasil. Coincidentemente, no ano seguinte, 1897
nascia no interior de Minas Gerais, na cidade de Volta Grande, aquele que viria a ser um
dos maiores expoentes do cinema nacional, o cineasta Humberto Mauro, a quem
Glauber Rocha, por exemplo, considerava o “pai do cinema nacional”. Tendo se
mudado para a cidade mineira de Cataguases ainda criança, Humberto Mauro viria a ser
o grande nome do chamado “ciclo de Cataguases”, importante boom cinematográfico
ocorrido na cidade mineira por volta dos anos 1920. Neste período, juntamente com o
fotógrafo Pedro Comello, Humberto Mauro realiza um filme experimental, o curta-
metragem Valadião, o Cratera em 1925. No mesmo ano Humberto e Pedro com o
suporte financeiro do comerciante português Agenor Cortes de Barros, fundam a
companhia cinematográfica Phebo Sul América, a produtora de filmes de Cataguases na
Zona da Mata Mineira, pela qual foram lançados com relativo sucesso os filmes Na
primavera da vida (1926), Thesouro Perdido (1927), premiado como melhor filme
daquele ano, além de Brasa Dormida que fora distribuído a partir de 1929 em breve
circuito comercial, e Sangue Mineiro (1929), último filme produzido pela Phebo, e que
contou com a parceria e interferência técnico-estilístico de Adhemar Gonzaga durante a
concepção do enredo e nas filmagens, realizadas partes em Cataguases, algumas cenas
em Belo Horizonte e outras no Rio de Janeiro, objetivando atrair atenção do então
governador de Minas Gerais para futuros patrocínios e incentivos ao cinema brasileiro.
A virada da década de 1920 vai ser especialmente importante na carreira de
Humberto Mauro, com seus filmes tendo obtido considerável sucesso e ganhado
expressividade principalmente no círculo de críticos e especialistas de cinema que ainda
remanescentes estavam ganhando força no cenário cinematográfico nacional. O
realizador muda-se para o Rio de Janeiro em 1930, onde, em dezembro de 1929
Adhemar Gonzaga havia fundado a Cinédia, um dos principais estúdios de produção
cinematográfica do Brasil. Pela Cinédia Humberto Mauro filmou clássicos do cinema
nacional como Lábios sem beijos (1930), Ganga Bruta (1933) e A Voz do Carnaval
3
ALTAFINI, Thiago. Cinema documentário brasileiro: evolução histórica da linguagem. São Paulo,
(mimeo), 1999. 24p.
(1933). Após deixar o estúdio fundado pelo amigo Adhemar Gonzaga, Humberto Mauro
retomou a parceria com a atriz Carmen Santos com a qual já havia trabalhado no filme
Sangue Mineiro. Juntos eles realizaram os filmes Favela dos Meus Amores (1935) e
Cidade Mulher (1936), entre alguns curtas-metragens, produzidos pelo estúdio Brasil
Vita Filmes fundado pela atriz. Em 1936, Humberto é convidado pelo antropólogo
Edgar Roquette-Pinto para trabalhar no INCE (Instituto Nacional de Cinema
Educativo), órgão financiado pelo governo de Getúlio Vargas com intensa produção
durante o Estado Novo. No INCE, Humberto Mauro dirigiu cerca de 350 curtas-
metragens, todos voltados para a formação educacional através do cinema. As temáticas
destes filmes variavam da astronomia à medicina, abordando também história,
geografia, biologia, literatura, música e teatro.
A despeito desta rica produção, a fase de atuação de Humberto Mauro pelo
INCE é geralmente deixada em segundo plano pela maior parte dos historiadores do
cinema e de grande parte dos estudos acerca da produção cinematográfica nacional, por
ser considerada uma obra inferior, desprovida de pretensão artística. Pesa sobre esta fase
da filmografia do cineasta mineiro a carga de estar atrelada aos interesses ideológicos
do Estado Novo de Getúlio Vargas na construção de uma identidade nacional brasileira.
Contudo, é preciso ressaltar que o instituto mantinha certa autonomia com o governo
getulista e que o caráter pessoal ‘’independente’’ no qual estavam atreladas as obras do
cineasta, apesar de sua ligação indireta com o Estado por meio do INCE e a nítida
interferência de Roquette-Pinto, Mauro mantinha sua ideologia cinematográfica no qual
a representação do brasileiro bucólico era um referencial nos seus filmes.
No período em que esteve ligado ao INCE como funcionário público, Mauro realizou
paralelamente aos curta-documentários, alguns longas-metragens, como o filme O
Descobrimento do Brasil pelo Instituto de Cacau da Bahia em 1936, vinculado ao INCE
e com apoio direto de Roquette-Pinto e Afonso d’Taunay. Em 1940 ele realiza Argila,
obra que retrata a questão da cerâmica marajoara a partir de um contexto romantizado.
Humberto Mauro mesmo tendo seu trabalho atrelado a uma instituição
ideologicamente alinhada ao Estado, conseguiu manter suas raízes cinematográfica. É
preciso lembrarmos que os sujeitos históricos não são totalmente reféns das estruturas
ideológicas capazes de criar e A presença do caráter mauriano pode ser observado
através da análise do seu último longa-metragem, O Canto da Saudade de 1952, filme
todo rodado em Volta Grande cidade na qual nasceu o cineasta, apresentando aspectos
bucólicos regionais muito presente nas primeiras produções da Phebo Sul América nos
anos 1920.

A constituição de um acervo audiovisual

O acervo museológico é composto por documentos atribuídos de valores, sendo


constituído por diversas coleções de objetos bidimensionais e/ou tridimensionais, com
ampla tipologia, entre tais como arqueológico, etnográfico, histórico, artístico,
imagético, entre outros. É a partir do acervo, segundo Fernanda de Camargo-Moro que
“constitui-se na primeira responsabilidade de um museu, pois é através de sua aquisição,
interpretação e dinamização que ele se comunica, desenvolvendo sua proposta
cultural4’’.
Conceitualmente falando, o princípio ordenador de um museu é sua coleção.
Segundo o dicionário Conceitos-chave em Museologia (ICOM, 2013) o conceito de
coleção refere-se

De modo geral, (...) um conjunto de objetos materiais ou imateriais (obras,


artefatos, mentefatos, espécimes, documentos arquivísticos, testemunhos, etc.)
que um indivíduo, ou um estabelecimento, se responsabilizou por reunir,
classificar, selecionar e conservar em um contexto seguro e que, com
frequência, é comunicada a um público mais ou menos vasto, seja esta uma
coleção pública ou privada. Para se constituir uma verdadeira coleção, é
necessário que esses agrupamentos de objetos formem um conjunto
(relativamente) coerente e significativo5.

Ainda segundo o dicionário de Conceitos-chave em Museologia é importante


não confundir o conceito de coleção com o de fundo, este último marcadamente
característico da ciência e instituições arquivísticas e cuja acepção liga-se mais
diretamente

(...) na terminologia arquivística, um conjunto de documentos de todas as


naturezas “reunidos automaticamente, criados e/ou acumulados, e utilizados por

4
CARMAGO-MORO, Fernanda. Museu: Aquisição-Documentação. Rio de Janeiro: livraria Eça Editora, 1986.
p.17.
5
DESVALLÉES, André & MAIRESSE, Fançois. (Orgs.) Conceitos-chave em museologia. Trad. Bruno
Brulon e Marilia Xavier Cury. São Paulo: Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Museus:
Pinacoteca do Estado de São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 2013.p.32.
uma pessoa física ou por uma família em exercício de suas atividades ou de
suas funções.” (Bureau CanadiendesArchivistes,1990). No caso de um fundo,
contrariamente a uma coleção, não há seleção e raramente há a intenção de se
constituir um conjunto coerente6.

Assim como para os arquivos os fundos são os centros gravitacionais a partir dos
quais se orienta todo o trabalho no tratamento, organização e divulgação da informação
neles contida. Já para a os museus, este centro é ocupado pelas coleções que constituem
os acervos museológicos, cuja centralidade justifica seu todo o trabalho que deve ser
executado por estas instituições no sentido de empreender a aquisição, preservação,
organização, valorização, divulgação de suas coleções. Além disso, é também função
dos museus através delas incentivar a pesquisa e geração de conteúdos, uma vez que as
perspectivas que embasam contemporaneamente a museologia, entendem que os
museus são também espaços de pesquisa, inovação e produção de conhecimento. O
acervo no caso de um museu, muito semelhante aos centros de memória, podem ser
adquiridas através de compra, doação ou permuta. A compra de acervos, principalmente
por museus de caráter públicos é mais rara. A aquisição nestes casos é geralmente feita
por doação, depósitos permanentes, empréstimo, legado ou permuta.
Em relação à aquisição de acervos, um dos problemas enfrentados por
instituições que são espaços de guarda, é a falta ou a não estruturação de uma política e
procedimentos para aquisição de acervos. A ausência de tais normatizações ocasiona no
mau funcionamento das instituições museológicas. Segundo Camargo-Moro:

Para um museu funcionar bem, atendendo sua proposta como instituição, é


necessário que a aquisição de seu acervo seja bem sistematizada, ou seja, que a
mecânica de aquisição seja democrática e abrangente, mas dentro da proposta
de museu.

Até o momento falamos dos processos de constituição de acervos e coleções,


entretanto não oferecemos uma definição mais clara do que seja de fato um acervo ou
documento audiovisual. O entendimento acerva desta tipologia documental pressupõe a
observância daqueles aspectos que o diferenciam dos demais tipos de suporte. Alguns
destes aspectos estão ligados à própria produção deste tipo de documento, suas
possibilidades de difusão e compreensão que, diferente de outras tipologias

6
. Conceitos-chave em museologia. p.32.
documentais, necessitam de aparatos técnicos e tecnológicos para seu devido
funcionamento. Assim, o que seria por definição um documento audiovisual? Marco
Dreer Buarque, analista de documentação e informação do CPDOC da Fundação
Getúlio Vargas nos oferece esta sucinta, mas precisa definição,

Os documentos audiovisuais se caracterizam por conter sons e/ou imagens em


movimento dispostos em um suporte (fita cassete, fita Beta, CD, DVD etc.). Ao
contrário de um documento escrito ou fotográfico, os suportes, para serem
gravados, transmitidos e compreendidos, necessitam de um dispositivo
tecnológico7.

No caso específico do Museu da Imagem e do Som de Belo Horizonte (MIS-


BH), a política de acervo institucional devido a transição de Centro de Referência para
Museu, ainda está em processo de definição em relação às normatizações que competem
ao MIS–BH e a constituição das coleções que integram o acervo da instituição. Até
2016 o acervo do museu era composto por coleções diversificadas, entre produções
cinematográficas e vídeos, sendo 41.388 películas em diversas bitolas
(8mm,16mm,35mm), a coleção videográfica com 5621 itens, nos formatos analógicos
(VHS, SVHS, U-matic, HI-8, Betacam, Mini-DV, DVD) e digitais. Fonográfico
contendo entre disco de vinil, fita cassete e CD, 661 exemplares 8. Além disso são
preservados e difundidos uma grande parte do acervo composto por materiais
iconográficos, 1700 itens no total, bibliográficos incluindo livros, catálogos e periódicos
somando 1038 itens, fotográfico totalizando 29.098 registros. O MIS-BH possui entre o
seu acervo objetos tridimensionais (256 bens), projetores, filmadoras, coladeiras,
enroladeiras, etc. Uma pequena parcela desses objetos encontra- se em exposição nas
salas da instituição.
Entre as coleções que integram o acervo do MIS-BH, encontra-se obras de
importantes diretores mineiros, no qual a obra de Humberto Mauro integra a instituição
com 4 produções. Duas produções longa-metragem, Ganga Bruta de 1933, e O
Descobrimento do Brasil de 1936. Filmes distintos e importantes para a história
cinematográfica nacional, sendo o primeiro realizado ainda na fase do diretor na
Cinédia, última produção antes da ruptura de Mauro e Gonzaga. Quando já integrante

7
BUARQUE, Marco Dreer. Estratégias de preservação de longo prazo em acervos sonoros e audiovisuais. In: Encontro
Nacional de História Oral, Outubro de 2008; São Leopoldo, RS. Anais... Rio de Janeiro: Associação Brasileira
de História Oral; São Leopoldo, RS : UNISINOS, 2008. 9f. p.1.
8
Informações concedidas gentilmente pelo Museu de Imagem e do Som – Belo Horizonte.
do INCE, ele realiza fora do instituto o filme com intuito, mas que não se tornou épico,
O Descobrimento do Brasil. Apesar de não ser oficialmente uma produção do INCE, o
filme desde a sua concepção possui marcos que remetem ao órgão público.
Considerando desde os traços e influências de Edgar Roquette-Pinto (1884-1954) e
Afonso d'Escragnolle Taunay (1876-1956), orientadores e consultores do filme. Além
do que, o filme integra e faz jus ao momento idealizador do que viria ser a base do
Estado Novo, ao conceber uma obra que induz a um ato heroico forjado e distanciado
das noções históricas dos fatos.
As outras produções que constituem o acervo do MIS – BH, são os curtas A
Velha a Fiar e Belo Horizonte, sendo este último uma atribuição a Humberto Mauro,
mostrando a cidade de Belo Horizonte na década de 1950. As quatro obras de Humberto
Mauro que constituem o acervo do MIS - BH, com toda ressalva, são copias autorizadas
em rolos e formatos VHS, os originais encontram-se preservados em outros centros de
memória, Cinemateca Brasileira e MAM Rio.

De centro de referência a museu: o antigo CRAV-MG e o atual Museu da Imagem


e do Som (MIS-BH)

O Centro de Referência Audiovisual (CRAV) foi criado com a intenção de logo


vim a se tornar Museu da Imagem e do Som, em detrimento de problemas burocráticos
para conseguir aprovação de lei, o órgão só se tornaria museu mais de vinte anos depois
da sua idealização em 1989 por Berenice Menegalea então Secretária Municipal de
Cultura de Belo Horizonte. A criação do CRAV tem seu marco concreto em 1992 a
partir do desenvolvimento do ‘’Projeto de Implantação do Centro de Referências
Audiovisuais da Região Metropolitana de Belo Horizonte’’, inicialmente provisório,
sendo a base para concretizar o desenvolvimento mais robusto, ou seja, a transição de
Centro de Referência para instituição museológica, no caso a implantação de um Museu
da Imagem e do Som. Como estrutura transitória para uma futura criação de um museu
na cidade de Belo Horizonte, o CRAV objetivava “constituir e difundir um acervo
significativo sobre a memória da diversidade cultural do município, em suportes
tecnológicos audiovisuais.9’’
9
FREITAS, Marcelo Braga de. O passado tinha um futuro: a trajetória do Centro de Referência Audiovisual de Belo
Horizonte, 1992-2014/Marcelo Braga de Freitas. Belo Horizonte, 2015. 130f.:il. (Dissertação Mestrado) –
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais. 2015.
p.31.
Durante anos o Centro de Referência manteve suas atividades de preservação e
difusão do acervo audiovisual da Região Metropolitana, mas sem perder o desejo e o
sonho que desde a idealização do projeto na transição dos anos 1980/1990 permeiam as
várias gestões desde então. No ano de 2014, devido uma grande demanda por parte da
comunidade de Santa Tereza, “trouxe à tona outras prioridades, que proporcionaram
efetivar, estrategicamente, a transição do CRAV para o Museu da Imagem e do Som de
Belo Horizonte, conforme previsto na lei nº 5.553 de 1989, hoje já regulamentado pelo
decreto nº 15.775, de 18 de novembro de 2014, ao incorporar à sua estrutura a
edificação do Cine Santa Tereza, um antigo cinema de rua localizado na Praça Duque
de Caxias, patrimônio histórico tombado da cidade.10”

Cinema nasce como cópia: aspectos de preservação audiovisual

No clássico texto A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica 11 o


filósofo e ensaísta alemão Walter Benjamin destaca a revolução provocada pela
fotografia e, posteriormente pelo cinema no campo das artes, devido ao fato de serem
estas terem seu estatuto de existência à noção e possibilidade de reprodução técnica em
larga escala. Para o caso específico do cinema tal característica é potencializada pelo
fato de que, enquanto inovação técnica, a chamada “sétima arte” surge como produto de
um contexto capitalista marcado pela complexificação das forças (re)produtivas das
mercadorias e pelo surgimento do que posteriormente Theodor Adorno e Max
Horkheimer denominariam como cultura de massas ou indústria cultural12.
Os artefatos produzidos no contexto da cultura de massas, como o próprio nome
os sugere, são replicados numa escala numérica que permita à indústria atender ao
maior número de pessoas possível, por esta razão, o cinema – entenda-se a produção
cinematográfica – só tem possibilidade de funcionar dentro do registro da cultura de
massas e da distribuição em larga escala de seu produto final, isto é, os filmes.
Todavia, a despeito da larga produção de filmes no mundo inteiro, a
conscientização em relação à necessidade de preservação destes tipos de acervo é
relativamente recente. A conformação de um pensamento sistematizado acerca de
políticas de preservação de acervos audiovisuais no mundo, remonta à inciativa da
10
, O passado tinha um futuro: a trajetória do Centro de Referência Audiovisual de Belo Horizonte. p.76
11
BENJAMIN, Walter.
12
ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Dialektik der Aufklärung und neue Mythen. (Trad.
Guido Antônio de Almeida). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
UNESCO que, em 1980 aprovou em sua 21ª Conferência Geral13 a A Recomendação
sobre a Salvaguarda e Conservação das Imagens em Movimento, documento elaborado
pela FIAF (Federação Internacional dos Arquivos Filmográficos). No ano de 1992 a
UNESCO cria o Programa Memória do Mundo (MOW) e, apesar de não ser
especificamente voltado para o patrimônio audiovisual, o MOW contempla estes
acervos14.
No Brasil, as primeiras preocupações com o estabelecimento de políticas
públicas de nível federal para a preservação do patrimônio audiovisual surgem nos anos
de 1970, quando o Instituto Nacional de Cinema cria, através da resolução 34/1970 a
Cinemateca Brasileira. A resolução foi complementada em 1986 com a resolução de
nº38/1986 que obriga a deposição de uma cópia dos filmes realizados no Brasil nos
acervos da Cinemateca Brasileira em observância à recomendação da UNESCO. Há que
se destacar que antes de tais dispositivos legais, todas as outras inciativas e esforços no
sentido da preservação dos acervos eram bastante pontuais. A partir de 2003 o governo
federal, através do Ministério da Cultura passa a investir mais fortemente na Secretaria
de Audiovisual (SAv) criada pela lei nº 8.490/92. O aporte de recursos e a estruturação
do órgão auxiliaram a consolidação de políticas voltadas para o setor. O setor
experimentaria um aumento considerável no aporte de recursos, tanto através das leis de
incentivo, isenção fiscal, bem como investimentos diretos no setor. Um exemplo a ser
mencionado é o caso da Secretaria para o Desenvolvimento Audiovisual cujos recursos
passaram de R$737 mil em 2002 para R$3,2 milhões em 200515.
Ao falarmos de preservação da memória e do patrimônio audiovisual há que se
considerar que em termos gerais, a história deste patrimônio e deste tipo de acervos no
mundo é marcada por grandes e inestimáveis perdas. Só na Cinemateca Brasileira – a
maior da América Latina – já ocorreram cinco grandes incêndios: 1957, 1969, 1982,
2016 e o mais recente em julho de 202116, e em fevereiro de 2020 alagamento danificou
acervo em um de seus galpões. Assim, questões relativas à segurança das instituições,
instalação de brigadas e dispositivos anti- incêndio, vistorias, perícias e manutenção
13
Realizada em Belgrado na Sérvia entre os dias 23 de setembro a 28 de outubro de 1980.
14
BEZERRA, Laura. A UNESCO e a preservação do patrimônio audiovisual. In: Anais do V ENECULT
- Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. Faculdade de Comunicação/UFBA, Salvador-
Bahia. 2009.
15
SOUZA, Carlos Roberto de. A Cinemateca Brasileira e a preservação de filmes no Brasil. São Paulo:
2009 (Tese de doutorado). – Departamento de Cinema, Televisão e Rádio/Escola de Comunicações e
Artes/USP.310fl. p. 296.
16
De acordo com informações do Jornal Nacional, no prédio atingido pelo incêndio, ficavam gravados 1
milhão de documentos da antiga Embrafilme, como roteiros, artigos em papel, cópias de filmes e
documentos antigos. Matéria Portal G1: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/07/29/incendio-
atinge-galpao-da-cinemateca-brasileira-na-vila-leopoldina-zona-oeste-de-sp.ghtml
constante das instalações elétricas das instituições, preservação de cópias através
reformatação de suportes, manuseio e recipientes adequados para acondicionamento dos
rolos e a aclimatação adequada dos ambientes de armazenamento, estão entre algumas
das principais inciativas a serem implementadas quando se fala de preservação de
acervos audiovisuais.
Naquilo que diz respeito à efetividade das políticas públicas voltadas para a
conservação e preservação de acervos audiovisuais, a constatação primeira e mais óbvia
é do claro distanciamento entre a realidade legal e realidade de fato. As leis existem,
mas a aplicação de seus dispositivos requer vontade política, empenho e, principalmente
investimentos. E no que tange especificamente à questão dos investimentos, o que se
assiste infelizmente no Brasil, via de regra, é a insuficiência no aporte recursos para
campo da cultura. A pouco fizemos referência aos quatro incêndios que destruíram boa
parte do acervo audiovisual da maior instituição de preservação deste tipo de acervo no
país, um deles inclusive ocorrido neste ano. Neste sentido, a análise de outras realidades
lamentavelmente não apresenta um cenário mais animador, muito pelo contrário, as
dificuldades tendem a ser ainda maiores. No sentido de reverter este quadro uma
importante inciativa a ser destacada foi a criação da Associação Brasileira de
Preservação Audiovisual (ABPA) por estudantes e profissionais da área durante a
realização da 3ª Mostra de Cinema de Ouro Preto-MG (CINEOP), realizada em 2008, e
‘’ a continuidade das discussões e encaminhamento de ações em encontros e reuniões
futuras, sendo a CINEOP, o fórum anual do setor de preservação.17 ‘’
Durante a 11ª edição da CineOP - Mostra de Cinema de Ouro Preto, em 2016,
foi aprovado em Assembleia Geral da ABPA o Plano Nacional de Preservação
Audiovisual (PNPA), ‘’documento que se estabelece como diretriz para as políticas
públicas voltadas ao campo da preservação audiovisual.’’
O PNPA está dividido em 4 partes:
(A) Introdução
(B) Diagnóstico
(C) Objetivos e ações
(D) Metas

Desde a sua criação a ABPA reafirma ‘’a CineOP - Mostra de Cinema de Ouro
Preto como o principal fórum para a troca de experiências, proposição de políticas e
17
Carta de Ouro Preto 2008 - 3º Encontro Nacional de Arquivos de Imagens em Movimento. Acesso
17/09/2022:https://abpreservacaoaudiovisual.org/wp-content/uploads/2022/08/Carta-de-Ouro-Preto-
2008.pdf
formulação de ações relativas ao campo da preservação audiovisual. 18’’ Anualmente,
acontece o Encontro Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais Brasileiros durante
a CineOP, resultando nas Cartas de Ouro Preto.

Museu da Imagem e do Som de Belo Horizonte (MIS-BH): 2016 – 2022

A realidade do Museu da Imagem e do Som de Belo Horizonte (MIS-BH) não é


muito diferente daquela enfrentada por outros tantos museus Brasil afora. A falta de
investimentos, equipe reduzida, falta de materiais para conservação e tratamento do
acervo, limitações do espaço estão entre algumas das dificuldades enfrentadas pela
instituição e apontadas como “pontos fracos” na análise SWOT (Strengths, Weaknesses,
Opportunities and Threats) do museu19. Dentre as ocorrências categorizadas como
ameaças no plano museológico figuram as chuvas em virtude da possibilidade de
goteiras (recentemente a casa sede que abriga o museu passou por reformas); segurança
e a presença de películas em nitrato (produto altamente inflamável) que compõem parte
do acervo20. Dentre os aspectos apontados como “pontos fortes” na análise SWOT
podemos verificar a dimensão e importância do acervo constituindo o maior acervo
audiovisual de Minas Gerais; a presença de equipe profissional qualificada e do ponto
de vista da segurança e preservação do acervo a instalação de gerador de energia e
reserva técnica climatizada com ar condicionado 24hs.
O plano museológico da instituição prevê algumas ações e políticas internas
visando sanar alguns destes problemas. Uma das soluções apontadas para solucionar a
questão dos investimentos é o estabelecimento de convênios e parcerias; aquisição de
novos equipamentos como scanners e projetores; estabelecimento da coleta seletiva e
políticas de acervo para destinação correta dos materiais descartados do museu. O
estabelecimento de uma política de acervo com o desenvolvimento de um Plano de
Classificação de documentos e a elaboração de uma Tabela de Temporalidade e
Destinação de Documentos permitiria à instituição, por exemplo, planejar o descarte
(após avaliação prévia) dos materiais que oferecessem risco ao restante do acervo.
Exemplificam estes casos as películas “avinagradas”, isto é, em processo de
deterioração devido à acidificação que poderiam contaminar com gases tóxicos as partes
18
Carta de Ouro Preto 2021 - 16º Encontro Nacional de Arquivos de Imagens em Movimento. Acesso
17/09/2022:https://abpreservacaoaudiovisual.org/wp-content/uploads/2022/08/Carta-de-Ouro-Preto-
2021.pdf
19
PBH/Diretoria de Políticas Museológicas. Plano Museológico do Museu da Imagem e do Som de Belo Horizonte
(MIS-BH). p.12.
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. Plano Museológico do Museu da Imagem e do Som de Belo Horizonte (MIS BH). p.12.
saudáveis do acervo, embora o MIS-BH disponha de uma sala adequada com exaustor
para eliminação destes gases. Outro problema a ser solucionado através da política de
acervo e que impacta na preservação seria a eliminação – após a reformatação de
suporte, conservação por migração e/ou criação repositórios digitais – das películas em
nitrato que por serem altamente inflamáveis, aumentam o risco de incêndios.
Quando se fala em preservação de acervos audiovisuais, a questão da migração
ou reformatação de suporte é extremamente importante pois representa juntamente com
a conservação preventiva o segundo mais importante pilar a sustentar uma boa política
de preservação. A geração de cópias digitais permite a preservação dos acervos
originais e além disso não geram perdas no momento da migração se comparadas às
modalidades de analógicas de reformatação de suporte. Além disso, a digitalização
amplia as possibilidades de divulgação por parte das instituições. Pois tão importante
quanto preservar é difundir e dar acesso.

Fade out: considerações finais

Desejamos expor que as temáticas abordadas neste trabalho, resultam de uma


pesquisa ainda incipiente. Neste sentido, a escolha do MIS como foco inicial da
pesquisa se deu a partir do desejo de compreender a instituição e suas ações e
contribuições para a preservação do patrimônio audiovisual.
Além disso, abordamos o processo de transição do antigo Centro de Referência
Audiovisual de Minas Gerais – CRAV-MG para o atual Museu da Imagem e do Som de
Belo Horizonte – MIS-BH. A inciativa, marca uma preocupação inicial por parte do
poder público em preservar parte do acervo audiovisual do estado e o reconhecimento
de seu valor enquanto patrimônio cultural de Minas Gerais, o que em si configura-se
com um sinal positivo. Todavia, alguns processos ainda atravancam algumas atividades
da instituição, o que dificulta sobranceira a realização do trabalho.
Adentrar a reserva técnica da instituição e tomar contato com seus processos de
gerenciamento, guarda, preservação e conservação do maior patrimônio audiovisual de
Minas Gerais foi de extrema relevância para a compreensão de aspectos importantes
sobre a questão da preservação de acervos audiovisuais. Enquanto fenômeno
relativamente recente, a mudança de perspectiva em relação à importância da
preservação de acervos audiovisuais tanto para a promoção da cultura quanto para o
desenvolvimento pesquisas acadêmico-científicas, torna ainda mais urgente o debate
sobre a questão e o fortalecimento e apoio às instituições e profissionais responsáveis
por este trabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALTAFINI, Thiago. Cinema documentário brasileiro: evolução histórica da


linguagem. São Paulo, (mimeo). 24p. 1999.

CARMAGO-MORO, Fernanda,1933. Museu: Aquisição-Documentação/Fernanda de


Camargo-Moro (prefácio de PauletteOlcina) – Rio de Janeiro: livraria Eça Editora,
1986.

COSTA, Renato Gama-Rosa. Os cinematógrafos do Rio de Janeiro (1896-1925). In:


Revista História, Ciências, Saúde-Manguinhos, Vol.5 n.1 Rio de
Janeiro Mar./June 1998.

DESVALLÉES, André & MAIRESSE, Fançois. (Orgs.) Conceitos-chave em


museologia. Trad. Bruno Brulon e Marilia Xavier Cury. São Paulo: Comitê Brasileiro
do Conselho Internacional de Museus: Pinacoteca do Estado de São Paulo : Secretaria
de Estado da Cultura, 2013. 100p.

FREITAS, Marcelo Braga de. O passado tinha um futuro: a trajetória do Centro de


Referência Audiovisual de Belo Horizonte, 1992-2014 / Marcelo Braga de Freitas. Belo
Horizonte, 2015.

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