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S e ç ão 6

Fis i o l ogi a da
Re sp iração
CAPÍTULO 38

ORGANIZAÇÃO MORFOFUNC IONAL DO


SISTEMA RE S PIRATÓRIO
Walter Araujo Zin • Patricia Rieken Macêdo Rocco • Debora Souza Falle

PRINCIPAIS FUNÇÕES DO SISTEMA ORGANIZAÇÃO MORFOFUNCIONAL DO


RESPIRATÓRIO SISTEMA RESPIRATÓRIO
A função básica do sistema respiratório é suprir o organismo ° sistema respiratório dos mamíferos é compreendido pela
com oxigênio (02) e dele remover o produto gasoso do meta­ zona de transporte gasoso, formada pelas vias aéreas supe­
bolismo celular, isto é, o gás carbônico (C02). Nos seres unice­ riores e árvore traqueobrônquica, encarregadas de acondicionar
lulares, as trocas gasosas ocorrem diretamente entre a célula e e conduzir o ar até a intimidade dos pulmões; pela zona respi­
o meio circunjacente por meio da difusão simples. Já nos orga­ ratória, onde efetivamente se realizam as trocas gasosas; e por
nismos multicelulares a difusão entre o meio externo e o interior uma zona de transição, interposta entre as duas primeiras, onde
da massa celular faz-se lentamente, em decorrência da distância a começam a ocorrer trocas gasosas, porém a níveis não-signifi­
ser percorrida pelos gases. Associando-se a isto, a alta velocidade cativos.
de captação de O2 pelas células resulta em uma inadequação de
oxigenação no interior da massa celular. Há diversas adaptações
na natureza para contornar esse problema. Analisando direta­ Zona de Transporte
mente os mamíferos, observa-se que os pulmões são os órgãos
encarregados de fornecer O2 ao organismo e dele retirar o excesso ° ar inspirado passa pelo nariz ou pela boca indo para a
de CO2 . Para tanto, nos seres humanos a superfície pulmonar orofaringe. Em seu trajeto pelas vias aéreas superiores, o ar é
encarregada das trocas gasosas é de 70 a 1 00 m2 (sendo esta a filtrado, umidificado e aquecido até entrar em equilíbrio com a
maior área de contato do organismo com o meio ambiente). Essa temperatura corporal. Isto decorre de seu contato turbulento com
enorme superfície fica contida no interior do tórax, distribuída a mucosa úmida que reveste as fossas nasais, faringe e laringe.
por 480 milhões de alvéolos pulmonares, variando entre 270 e Além disso, nessa região também são filtradas as partículas de
790 milhões, com base na altura e no volume pulmonar do indi­ maior tamanho em suspensão no ar. As vias aéreas superiores
víduo. Para que as trocas gasosas entre o gás alveolar e o sangue atuam, por conseguinte, acondicionando o ar, protegendo do
se efetuem adequadamente, a circulação pulmonar é muito rica, ressecamento, do desequilíbrio térmico e da agressão por partí­
sendo de apenas 0,5 micrômetro a espessura do tecido a separar culas poluentes de grande tamanho as regiões mais internas do
o gás alveolar do sangue. sistema. A respiração nasal é a mais comum e tem duas impor­
Os pulmões, todavia, não são apenas órgãos respiratórios. Parti­ tantes vantagens sobre a respiração pela boca: filtração e umidi­
cipam do equilíbrio térmico, pois com o aumento da ventilação ficação do ar inspirado. Entretanto, o nariz pode apresentar uma
pulmonar há maior perda de calor e água. Auxiliam também na resistência maior do que a boca, principalmente em situações
manutenção do pH plasmático dentro da faixa fisiológica, regu­ onde há obstrução por pólipo, adenóides ou congestão da mucosa
lando a eliminação de ácido carbônico (sob a forma de CO2). A nasal. Nesse caso, freqüente em crianças e adultos, a respiração
circulação pulmonar desempenha também o papel importantís­ passa a ser feita principalmente pela boca. Outra situação onde
simo de filtrar eventuais êmbolos trazidos pela circulação venosa, a respiração pela boca pode ocorrer j untamente com a nasal é
evitando, assim, que provoquem obstrução da rede vascular arte­ durante o exercício. A árvore traqueobrônquica ou zona de trans­
rial de outros órgãos vitais ao organismo. ° endotélio da circu­ porte aéreo se estende da traquéia até os bronquíolos terminais. A
lação pulmonar contém enzimas que produzem, metabolizam ou traquéia se bifurca as simetricamente, com brônquio fonte direito
modificam substâncias vasoativas. Finalmente, o homem também com menor ângulo com a traquéia em relação ao esquerdo. Logo,
utiliza seu aparelho respiratório para outros fins, tendo funda­ a inalação de corpos estranhos vai preferencialmente para o brôn­
mental destaque a defesa contra agentes agressores e a fonação. quio fonte direito. A partir da traquéia, a árvore traqueobrônquica
608 FISIOLOGIA

se divide progressivamente, em geral por dicotomia, podendo do epitélio bronquiolar. Os bronquíolos respiratórios também se
ocorrer trifurcação a partir da sexta geração de vias aéreas. Os diferenciam por apresentarem, espaçadamente, sacos alveolares
brônquios fonte (direito e esquerdo) são considerados como a e também por se comunicarem diretamente com os alvéolos por
primeira geração, ou subdivisão, da árvore traqueobrônquica. meio de pequenos poros em suas paredes, denominados canais
A segunda geração corresponde aos brônquios lobares, e assim de Lambert.
sucessivamente até os bronquíolos terminais ( 1 6: geração), como A partir do último ramo do bronquíolo respiratório surgem os
mostra o diagrama na Fig. 38. I . ductos alveolares, que, por sua vez, terminam em um conjunto
A remoção d e partículas poluentes, contudo, não s e faz de alvéolos, os sacos alveolares. A zona respiratória, então, é
somente nas vias aéreas superiores. A cada bifurcação do constituída pelos ductos e sacos alveolares e alvéolos. A zona de
sistema de condução há geração de turbulência, com conse­ transição estende-se da 1 7 : à 1 9 : geração (bronquíolos respira­
qüente impactação de partículas. Também com a progressiva tórios), ao passo que a zona respiratória abrange da 20: à 23:
bifurcação do sistema de condução ocorre um aumento da área geração (Fig. 38.2).
de seção transversa total do sistema tubular, com conseqüente A unidade alvéolo-capilar é o principal sítio de trocas gasosas
diminuição da velocidade do ar conduzido. Este fato leva à a nível pulmonar, sendo composta pelo alvéolo, septo alveolar
deposição de partículas em suspensão pela simples falta de e pela rede capilar. Os alvéolos são pequenas dilatações reves­
sustentação aerodinâmica. As partículas removidas do ar por tidas por uma camada de células, a maioria pavimentosas, com
esses processos caem sobre a camada de muco que recobre o um diâmetro de aproximadamente 250 j.Lm. O septo alveolar é
sistema de condução, e com o muco são removidas em direção constituído por vasos sanguíneos e fibras elásticas, colágenas e
à glote pelos batimentos ciliares das células que formam o terminações nervosas. Os septos alveolares possuem desconti­
epitélio dessa região. nuidades denominadas poros de Kohn, que permitem a passagem
de ar, líquido e macrófagos entre os alvéolos. A superfície alve­
olar é constituída por três tipos de células. O pneumócito tipo I
Zonas de Transição e Respiratória ou célula alveolar escamosa é a célula mais freqüente, apresenta
pouca organela citoplasmática, recobre a maior parte da super­
A zona de transição se inicia no nível do bronquíolo respi­ fície alveolar e não consegue se regenerar, isto é, não tem poten­
ratório, caracterizado pelo desaparecimento das células ciliadas cial mitótico. O pneumócito tipo II ou célula alveolar granular é

ORDEM
REGiÕES DAS
SEGMENTAÇÃO DE ZONA
VIAS AÉREAS
GERAÇÃO

BRÕNQUIO FONTE

BRÕNQU10 LOBAR

BRÕNQUIO SEGMENTAR
TRANSPORTES
BRÕNQUIO SUBSEGMENTAR

BRONQuíoLO

BRONQuí oLO TERMINAL

BRONQu íOLOS RESPI RATÓRIOS TRANSiÇÃO

DUCTOS ALVEOLARES
RESPI RATORIA

SACOS ALVEOLARES


Fig. 38.1_ Esquema simplificado das subdivisões do sistema respiratório a partir da traquéia. Desta até os sacos alveolares oconem em média 23
su dlVJsoes, ou gerações. A t�aquéia corresp?nde à �eracã� de número zero. Assim, há uma zona de transporte, que vai da traquéia até os bron­
.
qUl?�OS terrrunals: Os bronqulOlos resplratonos ( 1 7. a 1 9. gerações) correspondem à zona de transição. A partir daí encontra-se a zona respi­
ratona, onde efetIvamente se realIzam as trocas gasosas. (Modificada de Paes de Carvalho, A. e Fonseca-Costa, A. Circulação e Respiração.
EdItora Cultura MédIca, 3." ed., 1 979.)
ORGANIZAÇÃO MORFOFllNCIO AL DO SISTE�1f\ RESPIRATÓRIO 609

C LULA CALICIFORME
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EPIT LIO -

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VIA A REA CENTRAL VIA A REA PERIF R ICA ALV OLO

Fig. 38.2 Representação esquemática da transição entre as vias aéreas centrais e as periféricas. Note que o epitélio que serve como o principal
mecanismo de defesa das vias aéreas superiores se estreita, tomando-se uma membrana permeável em continuidade com uma rica rede vascular.
Gradualmente a cartilagem e, finalmente, o músculo liso das vias aéreas desaparecem, tomando-se o alvéolo uma estrutura com excelente efici­
ência nas trocas gasosas. MB, membrana basal.

esférica e apresenta muitos microvilos em sua superfície. Essa somado ao das vias aéreas superiores, representa o espaço morto
célula contém muitas organelas celulares com grânulos osmofí­ anatômico, que será estudado posteriormente.
licos (corpúsculos lamelares), que armazenam e secretam surfac­ A inervação do sistema respiratório é basicamente autônoma.
tante. O surfactante recobre a superfície alveolar reduzindo a Não existe inervação motora ou sensitiva para dor, quer nas
tensão superficial. O pneumócito tipo II tem a capacidade de vias aéreas, quer no parênquima pulmonar. O local onde existe
se regenerar e se transformar em pneumócito tipo I quando ele inervação sensitiva dolorosa é a pleura. Quatro são os compo­
é lesado. Os macrófagos alveolares constituem uma pequena nentes do sistema nervoso autônomo: sistemas parassimpático,
percentagem de células alveolares. Eles passam livremente da simpático, não-adrenérgico não-colinérgico (NANC) inibitório
circulação para o espaço intersticial e, a seguir, passam pelos e NANC excitatório. A atividade basal parassimpática parece
espaços entre as células epiteliais e se localizam na superfície ser a responsável pelo tônus broncomotor, que é mais impor­
alveolar. Os macrófagos têm função de fagocitar corpos estra­ tante nas vias aéreas mais centrais, sendo praticamente inexis­
nhos, partículas poluentes e bactérias. tente na periferia. As respostas simpáticas são mais difusas e
Partindo da traquéia, o calibre de cada subdivisão da árvore generalizadas. Os nervos adrenérgicos inervam diretamente
respiratória é menor do que o ramo que :!le deu origem. No as glândulas mucosas, vasos sanguíneos e gânglios nervosos
entanto, a área total da seção tranSlI'" ,<.1 diminui da traquéia (2,5 das vias aéreas. O sistema NANe foi assim denominado para
2
cm2) até a quarta geração (brônquios subsegmentares, 2,0 cm ), designar um conjunto de fibras do sistema nervoso autônomo
aumentando daí até a 23: geração (alvéolos). Por outro lado, o em que os neurotransmissores da junção neuroefetora não são a
comprimento de cada subdivisão se torna menor, sendo inicial­ noradrenalina ou a acetilcolina. Trata-se de um conjunto hete­
mente de 12 cm na traquéia e alcançando 2 mm nos bronquíolos rogêneo e numeroso de fibras nervosas, com um grande número
respiratórios (Fig. 3 8 . 3). de neurotransmissores já identificados e de função ainda não
Tendo em vista que não há trocas gasosas importantes entre o completamente estabelecida, e que está presente em todos os
sangue capilar pulmonar e o ar até ser atingida a zona respiratória órgãos estudados até o momento. O sistema NANC inibitório é
(quatro últimas subdivisões), o volume acumulado da traquéia responsável pelo relaxamento dos músculos lisos das vias aéreas,
até a 1 9." geração corresponde a cerca de 1 50 mI. Tal volume, sendo o neurotransmissor responsável por esse efeito o óxido
FISIOLOGIA

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Fig. 38.3 Área de seção transversa da árvore respiratória. Embora o calibre de cada via aérea seja menor do que o ramo que lhe deu origem, a
área total de seção transversa aumenta devido ao maior número de vias aéreas.

nítrico, apesar de durante muito tempo creditarem essa função GRIPPI MA. Pulmonary Pathophysiology. Philadelphia. J.B. Lippin­
ao peptídeo vasoativo intestinal (VIP). O sistema NANe exci­ cott Company, 1 995.
tatório tem como mediadores a neurocinina A, substância P e LEFF AR & SCHUMACKER PT (eds.). Respiratory Physiology. Basics
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CAPÍTULO 39

MOVIMENTOS RESPIRATÓRIOS
Walter Araujo Zin • Patricia Rieken Macêdo Rocco • Debora Souza Faffe

Inspiração
INTRODUÇÃO

O mais importante músculo da inspiração é \} diafragma. J? i­


DIAFRAGMA
A renovação constante do gás alveolar é assegurada pelos
movimentos do tórax . Durante a inspiração a cavidade torácica vide-se em hemidiafragma direito e esquerdo. E um septo mus­
aumenta de volume e os pulmões se expandem para preencher culo-fibrinoso, em forma de cúpula voltada cranialmente, que
o espaço deixado. Com o aumento da capacidade pulmonar e separa a cavidade torácica da abdominal. A cúpula diafragmática
queda da pressão no interior do sistema, o ar ambiente é sugado corresponde ao tendão central e a porção cilíndrica corresponde
para dentro dos pulmões. A inspiração é seguida imediatamente ao músculo inserido na borda interna da costela, também chama­
pela expiração, que provoca diminuição do volume pulmonar e
do de zona de aposição do diafragma (Fig. 39. 1 ). Na realidade, o
expulsão de gás. A expiração normalmente �em uma duração cor­
diafragma é constituído por dois músculos: o costal e o crural,
respondente a 1 ,3 a 1 ,4 vez a da inspiração. A expiração segue-se,
inseridos em um tendão central não-cont:rátil. O diafragma crural
normalmente sem pausa, a inspiração. Esta se faz pela contração
se origina na vértebra lombar e ligamentos arqueados, enquanto
da musculatura inspiratória, enquanto a expiração em condições
o diafragma costal tem origem nas margens superiores das seis
de repouso é passiva, isto é, não há contração da musculatura
últimas costelas e apêndice xifóide. Muitos autores acreditam,
expiratória. No entanto, ao longo da expiração ocorre uma desa­
com base em sua inervação segmentar diferenciada, origem ana-
tivação paulatina da musculatura inspiratória, que contribui para
que a expulsão do gás dos pulmões seja suave. A contração dos
músculos respiratórios depende de impulsos nervosos origina­
dos dos centros respiratórios (localizados no tronco cerebral),
às vezes diretamente de áreas corticais superiores e também da
medula (em resposta a estímulos reflexos originados nos fusos
musculares). O automatismo do centro respiratório mantém o rit­
mo normal da respiração, que pode ser modificado por estímulos
de outros locais do sistema nervoso, bem como por alterações
químicas no sangue e/ou no líquido cefalorraquidiano. Portanto,
os movimentos respiratórios estão, até certo ponto, sob o controle
volitivo, embora normalmente se processem de forma automática,
sem a participação consciente do indivíduo. Durante um certo
tempo, a respiração pode ser intencionalmente acelerada, lenti­
ficada ou mesmo interrompida. Essas modificações, entretanto,
não se manterão por um longo tempo, posto que induzirão um ABDÔMEN
ZONA DE APOSiÇÃO
distúrbio da homeostase, e o centro respiratório comandará res­
postas compensatórias, que suplantarão os estímulos corticais.

MÚSCULOS RESPIRATÓRIOS
Os músculos respiratórios são músculos esqueléticos estriados
que, quando comparados com os músculos esqueléticos da peri­ Fig. 39.1 Representação da anatomia funcional do diafragma. Seção
feria, apresentam as seguintes características: maior resistência frontal da parede torácica na capacidade residual funcional. Note a
à fadiga, fluxo sanguíneo elevado, maior capacidade oxidativa orientação das fibras costais diafragmáticas e sua inserção nas costelas
e densidade capilar. (zona de aposição).
612 FISIOLOGlA

tômica e desenvolvimento embriológico, que as porções costal externo e intercostal interósseo interno. Os músculos intercos­
e crural diafragmáticas, na realidade, são dois músculos separa­ tais são inervados pelos nervos intercostais que emergem do
dos. O diafragma é inervado pelos nervos frênicos direito e es­ primeiro ao décimo-primeiro segmentos torácicos da medula
querdo, originados nos segmentos cervicais 3, 4 e 5 (Fig. 39.2). espinhal (Fig. 39.2).
O suprimento sanguíneo é feito pelas artérias mamária interna, A ação mecânica desses músculos, apesar de extensamente
intercostal, frênica inferior e superior, que produzem uma rede de debatida, persiste controversa. Inicialmente, acreditava-se, com
anastomoses diminuindo o risco de infarto em presença de redu­ base na análise da orientação de suas fibras e de seus pontos de
ção de fluxo sanguíneo. Durante a respiração basal a inspiração inserção, que o intercostal superficial externo era inspiratório, já
depende, principalmente, da contração do diafragma. Estudos que elevava a costela na qual ele estava inserido (inspiratório),
iniciais relatavam que a contração diafragmática não acanetava enquanto o intercostal interno abaixaria a costela (expiratório).
mudança em sua forma, entretanto, atualmente, acredita-se que Estudos eletromiográficos em humanos confirmam a atividade
o diafragma se torna esférico durante sua contração. Quando fásica dos músculos externos durante a inspiração e dos internos
o diafragma se contrai, o conteúdo abdominal é forçado para durante a expiração.
baixo e para a frente, aumentando, por conseguinte, o diâmetro
céfalo-caudal do tórax. Além disso, as margens das costelas são Músculos Paraesternais e Esterno
levantadas para cima e para fora, ocasionando o incremento do Triangular
diâmetro ântero-posterior e látero-Iateral torácico (Fig. 39.3). Os músculos intercostais paraesternais (intercondral) são
A força contrátil produzida pelo diafragma é representada pela músculos primários da inspiração. Estudos eletromiográfi­
pressão diafragmática (Pdi), que é a diferença entre a pressão cos demonstraram que humanos normais sempre ativam seus
abdominal (Pab) e pleural (Ppl). Na respiração de repouso, o músculos paraesternais durante a respiração basal (Fig. 39.4).
nível do diafragma se move cerca de 1 cm. Entretanto, na inspi­ Esses músculos se originam nas margens do esterno e se in­
ração e expiração forçadas, a excursão total pode ser maior que serem na porção superior das costelas. A contração desses
1 0 cm. Quando o diafragma é paralisado, ele se move para cima, músculos auxilia no levantamento do gradil costal superior.
ao invés de descender, durante a inspiração. Tal fenômeno é de­ Quando esses músculos estão paralisados, a inspiração ocor­
nominado movimento paradoxal e decone da queda da pressão re principalmente através da expansão abdominal, já que o
intratorácica. Ademais, o diafragma apresenta importante reserva gradil costal se move paradoxalmente para dentro. Contra­
funcional, sendo que a frenicotomia unilateral acaneta pequena riamente ao que ocorre com o diafragma, o comprimento
redução da capacidade ventilatória. Entretanto, a frenicotornia ótimo dos músculos paraesternais (e escalenos) ocorre mais
bilateral compromete significativamente a ventilação. próx imo da capacidade pul monar total do que da c apaci­
dade residual funcional. Tal fato permite que os músculos
MÚSCULOS INTERCOSTAIS inspiratórios, trabalhando de maneira coordenada, possam
OS músculos intercostais subdividem-se, na sua porção inter­ gerar pressão em presença de uma ampla margem de volumes
condral ou paraesternal (será detalhado a seguir), em intercostal pulmonares.

CÉREBRO -------\-

PONTE -------\_

BULBO -------+_
GÂNGLIO JUGULAR
C1 GÂNGLIO NODOSO
2-+-"'--+-- GÂNGLIO CERVICAL SUP ERIOR
3
4 NERVO VAGO
N E RVO FRÊNICO ----�-I- 5
6
7
8
._--+-T1
2
__ -t- 3
-

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--I- 4
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N ERVOS INTERCOSTAIS ._----1� 7
_t_ 8
-
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--I- 9
__
__--t-1 0
._--1-1 ' CADEIA S IMPÁTICA
12

Fig. 39.2 Inervação do diafragma e dos músculos intercostais.


MOVI�lEi\'TOS RESPIRATÓRIOS 613

estão orientadas perpendicularmente àquelas dos intercostais


paraesternais e paralela aos intercostais externos. Dessa forma,
esses músculos são considerados expiratórios.
Em resumo, os músculos intercostais externos e paraesternais
são inspiratórios, enquanto os intercostais interósseos internos e
o esterno triangular têm função expiratória.

MÚSCULOS ESCALENOS
OS músculos escalenos (anterior, médio e posterior) se ori­
ginam nos processos transversos das cinco vértebras cervicais
inferiores e se inserem na porção superior da primeira e segunda
costelas. Estudos eletromiográficos mostram claramente que es­
ses músculos são sempre ati vos na inspiração basal. A atividade
dos músculos escalenos começa no início da inspiração, junta­
mente com o diafragma e a musculatura paraesternal, e atingem
sua atividade máxima no final da inspiração. A contração do
músculo escaleno eleva o esterno e as duas primeiras costelas,
acarretando expansão para cima e para fora do gradil costal su­
perior (Fig. 39.4).
- - - - - INSPIRAÇÃO

EXP I RAÇÃO MÚSCULOS ACESSÓRIOS


Músculo Esternocleidomastóideo
O músculo esternoc1eidomastóideo vai do processo mastói­
Fig. 39.3 Movimentos respiratórios. A posição de repouso do sistema deo e do osso occipital em direção ao manúbrio do esterno e
respiratório (final da expiração basal) é representada pelas linhas con­
porção medial da clavícula. Ele é o principal músculo acessório
tínuas, ao passo que as linhas tracejadas indicam a situação encontrada
ao final de uma inspiração normal. (Modificada de Selkurt, E.E. Fisio­
da inspiração. É inervado principalmente pelo 1 1 .0 par craniano
logia. Editora Guanabara Koogan, 4: ed., 1 979.) e por alguns nervos da coluna cervical superior, funcionando
mesmo em lesões cervicais altas. Esse músculo é o primário
da inspiração em tetraplégicos com lesão em C I -C2. Uma vez
contraído, o esternoc1eidomastóideo eleva o esterno e expande
Os músculos intercostais paraesternais são cobertos em sua o gradil costal superior. Em pessoas normais, esse músculo é
superfície interna por um fino músculo chamado esterno triangu­ ativo em condições de hiperventilação (exercício) e altos volu­
lar ou transverso torácico. Esse músculo não é usualmente con­ mes pulmonares (recrutado após a inspiração de três quartos da
siderado entre os músculos intercostais, entretanto, suas fibras capacidade vital).

GRADIL COSTAL
Ô

ABD MEN

EMG PARAESTERNAL

...

EMG ESCALENO - -

25
I

Fig. 39.4 Eletromiografia dos músculos intercostal paraesternal e escaleno em indivíduos normais sentados. I con-esponde à fase inspiratória.
Note a desativaç ão lenta e gradual dos músculos inspiratórios durante a expiração.
614 FISIOLOGIA

Outros Músculos Acessórios MÚSCULO PEITORAL MAIOR E TRANSVERSO DO


Quando a demanda ventilatória exceder a capacidade dos TÓRAX
músculos respiratórios primários da inspiração, ou quando hou­ A parte clavicular do músculo peitoral maior se origina na
ver disfunção de algum deles, músculos que usualmente são porção medial da clavícula e no manúbrio do esterno e se di­
utilizados para manter a postura assumem o papel de múscu­ reciona lateral e caudalmente para o úmero. A contração desse
los acessórios. A maioria desses músculos é oriunda do gradil músculo desloca o manúbrio e as costelas superiores para baixo,
costal e tem uma inserção extratorácica. Dentre esses músculos comprimindo o gradil costal superior e aumentando a pressão
podemos citar: o trapézio, o grande dorsal, o peitoral maior e intratorácica. Simultaneamente, o gradil costal inferior e o ab­
o elevador da espinha. Estudos em tetraplégicos com lesão al­ dômen se movem para fora. O músculo transverso do tórax se
ta demonstraram a participação de vários músculos do pescoço localiza abaixo dos músculos paraesternais, origina-se na metade
(platisma, mio-hióide, esterno-hióide) na inspiração, elevando inferior do esterno e se insere nas cartilagens da 3." e 7." coste­
o esterno e expandindo a porção superior do gradil costal. Os las. Durante a expiração, esse músculo puxa as costelas caudal­
músculos abdominais podem funcionar como músculos acessó­ mente, desinsuflando o gradil costal. O músculo transverso do
rios da inspiração durante hiperventilação, exercício e na para­ tórax em repouso é inativo, sendo ativado durante expirações
lisia diafragmática. forçadas, fonação e tosse.

MÚSCULOS DAS VIAS AÉREAS


SUPERIORES BIBLIOGRAFIA
A ventilação efetiva depende da atividade coordenada entre
os músculos primários da inspiração e os músculos das vias aé­ CHERNIACK NS & WIDDICOMBE JG (eds.). Handbook ofPhysiolo­
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Durante a respiração basal, a expiração é comumente passi­ DE TROYER A & KELLY S . Chest wall mechanics i n dogs with acute
va. A contração ativa dos músculos inspiratórios leva à disten­ diaphragm paralysis. J. Appl. Physiol., 53:373-379, 1 982.
são dos tecidos elásticos dos pulmões e da parede torácica, com DE TROYER A, KELLY S , ZIN WA. Mechanical action of the inter­
conseqüente armazenamento de energia potencial nesses tecidos. costal muscles on the ribs. Scienee, 220:87-88, 1 983.
A retração dos tecidos distendidos e a liberação de energia ar­ DE TROYER A, KIRKWOOD PA, WILSON TA. Respiratory action of
mazenada promovem a expiração. Esse processo é lentificado e the intercostal muscles. Physiol. Rev., 8 5 : 7 17-56, 2005.
suavizado pela desativação lenta e gradual dos músculos inspi­ DE TROYER A, SAMPSON M, SIGRIST S. The diaphragm: two mus­
cles. Scienee, 2 1 3 :237-238, 1 98 1 .
ratórios previamente contraídos (Fig. 39.4). Os músculos expi­
D E TROYER A & SAMPSON M . Activation of parasternal intercostal
ratórios contraem-se ativamente durante exercício, altos níveis during breathing efforts in human subjects. J. Appl. Physiol., 52:524-
de ventilação, na obstrução moderada a grave das vias aéreas 529, 1 982.
e na fadiga. EPSTEIN SK. An overview of respiratory muscle function. Clin. Chest
Med., 1 5 : 6 1 9-639, 1 994.
MÚSCULOS ABDOMINAIS FISHMAN AP & FISHER AB (eds.). Handbook of Physiology. The
Respiratory System. Circulation and Nonrespiratory Functions. Be­
OS músculos reto abdominal, oblíquos externo e interno e
thesda. American Physiological Society, 1985.
o transverso abdominal são os músculos expiratórios mais im­ FORSTER II RE, DUBOIS AB, BRISCOE WA, FISHER AB. The Lung.
portantes. Esses músculos são inervados pelos segmentos infe­ Chicago. Year Book Medical Publishers, 3,d ed., 1 986.
riores da medula torácica. A camada s uperficial, formada pelo GRIPPI MA. Pulmonary Pathophysiology. Philadelphia. l.B. Lippin­
músculos oblíquo externo e reto abdominal, origina-se no gradil cott Company, 1 995.
costal lateral e anterior e se insere na pelve, enquanto a camada LEEF AR & SCHUMACKER PT. Respiratory Physiology. Basies
profunda, formada pelos músculos oblíquo interno e transver­ and Applications. Philadelphia, W.B . S aunders Company, I S( ed.,
so abdominal, circunda o abdômen. A contração concomitante 1 993 .
desses músculos acaneta movimentação do gradil costal para LEVITZKY MG. Pulmonary Physiology. New York, McGraw-Hill,
baixo e para dentro, flexão do tronco e compressão do conteú­ Inc., 6'h ed., 2003.
LUMB AB . NUNN'S Applied Respiratory Physiology. Elsevier, 6'h ed.,
do abdominal para cima, deslocando o diafragma para dentro 2005.
do tórax e reduzindo o volume pulmonar. Esses músculos tam­ MACKLEM PT & MEAD J (eds.). Handbook of Physiology. The Res­
bém se contraem fisiologicamente durante a tosse, o vômito e piratory System. Meehanies of Breathing. Bethesda. Arnerican Phy­
a defecação. siological Society, 1 986.
MOVIMENTOS RESPIRATÓRlOS

MARTIN JG & DE TROYER A. The behaviour of the abdominal mus­ ROUSSOS C & MACKLEM PT. The respiratory museles. N. Eng. 1.
eles during inspiratory mechanical loading. Respir. Physiol., 50:63- Med., 307 :786-797, 1 982.
73, 1 982. WEST JB. Respiratory Physiology. The Essentials. Baltimore. Williams
PATTON HD, FUCHS AF, HILLE B, SCHERAM, STEINER R (eds.). and Wilkins, 71h ed., 2005.
Textbook of Physiology. Philadelphia. W.B . Saunders Company, 2 1 " WEST JB (ed.). Best and Taylor's Physiological Basis ofMedical Prac­
ed. 1 989. tice. Baltimore. Williams and Wilkins, 1 21h ed., 1990.
ROCCO PRM & ZIN WA. Mecânica respiratória. ln: Terapia Intensiva ZIN WA & ROCCO PRM. Mecânica respiratória normal. ln: Assistência
Respiratória - Ventilação Artificial. Gonçalves, J.L. (ed.) Curitiba, Ventilatória Mecânica. Auler Junior, I.O.C. & Amaral, R.Y.G. (eds.)
Lovise. pp. 1 -3 l . 1991. Rio de Janeiro. Atheneu, pp. 3-24, 1995.
CAPÍTULO 40

VOLUMES E CAPAC IDADE S


PULMONARE S
Walter Araujo Zin • Patricia Rieken Macêdo Rocco • Debora Souza Falle

Este é mais comumente constituído por uma campânula cilín­


ESPIROMETRIA drica, contendo ar. A parede da campânula fica parcialmente
submersa entre as duas paredes de um recipiente também cilín­
Os movimentos fásicos de entrada e saída de gás dos pulmões drico, entre as quais existe água. Assim, o gás no interior do
constituem a ventilação. Esses movimentos cíclicos de inspiração­ espirógrafo fica, portanto, isolado do ar ambiente.
expiração ocorrem, no repouso, com umafreqüência de 1 2 a 1 8
ciclos por minuto. Denomina-se volume corrente a quantidade de gás
mobilizada a cada ciclo respiratório. O volume de gás ventilado por
minuto é o volume minuto ou ventilação global por minuto. COlTes­
ponde ao produto do volume corrente pela freqüência respiratória.
Diversos fatores modificam a ventilação, seja por alterações
na freqüência, no volume corrente ou no ritmo. As emoções, a CAMPÂNULA_

C-
dor, o sono, o choro, a fonação, a tosse, as necessidades metabó­

\
licas, bem como várias entidades mórbidas, podem modificar o
padrão ventilatório. Naturalmente, essas modificações recebem
denominações especiais:
EUPNÉIA. É a respiração normal, sem qualquer sensação PACIENTE QUIMÓGRAFO
subjetiva de desconforto.
TAQUIPNÉIA. Aumento da freqüência respiratória.
BRADIPNÉIA. Diminuição da freqüência respiratória.
HIPERPNÉIA. Aumento do volume corrente.
HIPOPNÉIA. Diminuição do volume corrente.
HIPERVENTILAÇÃO. Aumento da ventilação global .
Mais acertadamente, aumento da ventilação alveolar além das
necessidades metabólicas.
HIPOVENTILAÇÃO. Diminuição da ventilação global.
Com maior precisão, diminuição da ventilação dos alvéolos Fig. 40.1 Esquema didático de um espirógrafo simples. O indivíduo
estudado é conectado ao espirógrafo através de uma peça bucal e
aquém das necessidades metabólicas.
tem seus orifícios nasais ocluídos por uma pinça apropriada. Sua
APNÉIA. Parada dos movimentos respiratórios ao final de inspiração remove gás do sistema, resultando em um abaixamento
uma expiração basal. da campânula, que está submersa em água para isolamento do ar
APNEUSE. Interrupção dos movimentos respiratórios ao ambiente. Como resultado deste movimento, a pena inscritora se
final da inspiração. move para cima no quimógrafo. Durante a expiração o gás exalado é
DISPNÉ IA. Respiração laboriosa, sensação subj etiva de conduzido através de um recipiente contendo cal sodada (que absorve
dificuldade respiratória. o gás carbônico produzido pelo organismo) e eleva a campânula,
movendo para baixo a pena. Uma vez que o oxigênio vai sendo
removido do sistema pelo indivíduo, faz-se necessária sua repo­
sição, que é medida pelo fluxômetro. A ventoinha auxilia o direcio­
ESPIRÓGRAFO namento do gás no circuito espirográfico, além de contribuir para a
homogenização da mistura gasosa. (Modificada de Paes de Carvalho,
O volume corrente pode ser facilmente medido por meio de A. e Fonseca-Costa, A. Circulação e Respiração. Editora Cultura
um aparelho chamado espirógrafo, esquematizado na Fig. 40. 1 . Médica 3 ." ed. , 1 979.)
VOL W;S E CAPACIDADES PULMONARES 617

o indivíduo a ser estudado é ligado ao aparelho por meio de CAPACIDADE VITAL. É a quantidade de gás mobilizada
uma peça bucal e uma válvula, em conexão com dois tubos flexí­ entre uma inspiração e uma expiração máximas. Veja, na Fig.
veis: um traz o ar do interior do espirógrafo para o paciente e o 40.2, que a capacidade vital é a soma de três volumes primários:
outro retorna o gás expirado em sentido contrário. O gás expirado corrente, de reserva inspiratório e de reserva expiratório.
passa por um recipiente contendo cal sodada, que dele retira o gás CAPACIDADE INSPIRATÓ RIA. É o volume máximo
carbônico. No circuito há geralmente uma ventoinha, que ajuda a inspirado a partir do final de uma expiração espontânea. Corres­
manter o sentido do fluxo no interior do aparelho. Tendo em vista ponde à soma dos volumes corrente e de reserva inspiratório.
que parte do oxigênio inspirado é consumida a cada inspiração, CAPA CIDADE RESIDUAL FUNCIONAL. É a quantidade
a mistura gasosa no interior do espirógrafo ficaria cada vez mais de gás contida nos pulmões no final de uma expiração espon­
pobre em O2, A fim de evitar tal inconveniente, adiciona-se esse tânea. Corresponde à soma dos volumes de reserva expira tório
gás ao circuito, à medida que for sendo consumido. e residual.
CAPACIDADE PULMONAR TOTAL. É a quantidade de
gás contida nos pulmões ao final de uma inspiração máxima e
VOLUMES E CAPACIDADES equivale à adição dos quatro volumes primários.
PULMONARES Fisiologicamente, os volumes e capacidades pulmonares
variam em função de vários fatores, tais como: sexo, idade,
Os volumes pulmonares são convencionalmente divididos superfície corporal, atividade física, postura. Visto que tais
em quatro volumes primários e quatro capacidades. A Fig. 40.2 volumes podem ser alterados por diversas doenças, faz-se neces­
ilustra esses volumes e capacidades. Note que os volumes primá­ sário conhecer se estão normais em um determinado indivíduo.
rios não se sobrepõem, ao passo que as capacidades são formadas Para tanto, são comparados a valores padrões médios obtidos
por dois ou mais volumes primários. em vários indivíduos do mesmo sexo, idade e altura, medidos
Esses volumes e capacidades recebem denominações em repouso.
próprias : A Fig. 40.3 apresenta um traçado real, obtido em um indivíduo
VOLUME CORRENTE. É a quantidade de ar inspirada normal. Observe que podem ser medidos: o volume corrente, a
ou expirada espontaneamente em cada ciclo respiratório. No freqüência respiratória, os volumes de reserva inspiratório e expi­
repouso o volume corrente humano oscila entre 350 e 500 mI. ratório e calculados: a capacidade inspiratória, a capacidade vital
VOLUME DE RESERVA INSPIRATÓRIO. É o volume e o volume minuto. Como os gases estão contidos no pulmão a
máximo que pode ser inspirado voluntariamente a partir do final 37°C e são inspirados e expirados para e do espirógrafo, que se
de uma inspiração espontânea. encontra à temperatura ambiente, faz-se necessária uma correção.
VOLUME DE RESERVA EXPIRA TÓRIO. É o volume Se o ambiente estiver mais frio do que o organismo, os gases se
máximo que pode ser expirado voluntariamente a partir do final contrairão dentro do espirógrafo e o volume será subestimado.
de uma expiração espontânea. Por outro lado, se o meio ambiente se encontrar mais quente do
VOLUME RESIDUAL. É o volume de gás que permanece que o organismo, os gases exalados para o espirógrafo se expan­
no interior dos pulmões após a expiração máxima. Assim, este dirão e, conseqüentemente, resultará uma superestimação do
volume não pode ser medido pelo espirógrafo simples descrito volume. Assim, em Fisiologia Respiratória volumes pulmonares
anteriormente. e fluxos aéreos são padronizados em relação à pressão baromé-

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REPOUSO EXERCíCIO

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VOLUME D E RESERVA INSPIRATÓRIO
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RESIDUAL RESIDUAL

O O

Fig. 40.2 Traçado espirográfico esquematizado, mostrando os volumes e capacidades pulmonares. O espirógrafo simples não é capaz de medir
o volume residual e, conseqüentemente, as capacidades residual funcional e pulmonar total.
618 FISIOLOGIA

/1 min CV Is litros

M l�JJ.M�1I�HAu WAM�
wmMAmJWmJ lAAMWJJN �
f = 1 81min

'V� "�I/'
I
�C = I� SO mi . I
I
V = 450 )( 18 .
8, 1 litros/mm
=

\
VR E - :2,4 litros

\

â t
I
I
... - \

Fig. 40.3 Traçado espirográfico obtido em um indivíduo normal. O teste se inicia por uma série de ciclos respiratórios basais seguidos por
uma expiração máxima e uma inspiração máxima, que se repetiram quatro vezes. Note que podem ser medidos: o volume corrente (450 mi), a
freqüência respiratória ( 1 8 incursões respiratórias por minuto), os volumes de reserva inspiratório e expiratório (2,4 litros) e calculados: a capa­
cidade inspiratória (2,9 litros), a capacidade vital (5 litros) e o volume minuto (8,1 litros por minuto). (Traçado gentilmente cedido pelo Prof.
Dr. Ayres da Fonseca-Costa.)

trica ao nível do mar, temperatura corporal e saturação completa total, que englobam aquele volume, também não o serão. Todavia,
por vapor d' água (em inglês: body temperature and pressure, há métodos para detenniná-lo, como será abordado adiante.
saturated = BTPS). Por fim, ressalte-se que os dados obtidos
de um determinado indivíduo são comparados a padrões encon­
trados na literatura científica, obtidos da análise de milhares de DETERMINAÇÃO DO VOLUME RESIDUAL
curvas de sujeitos nonnais.
o volume residual e, conseqüentemente, as capacidades resi­
dual funcional e pulmonar total não podem ser medidos direta­
MEDIDA DO CONSUMO DE OXIGÊNIO mente no registro espirográfico convencional. No entanto, há
duas técnicas diferentes para medi-los.
O espirógrafo simples também permite a medida do consumo A primeira se baseia na diluição de gases. O gás mais corri­
de oxigênio (V02 ). A Fig. 40.4 mostra, no traçado inferior, um queiramente empregado é o hélio, visto que é inerte, pouco
registro de inspirações e expirações em repouso. Neste caso, o solúvel no sangue, o organismo não o produz e é de concen­
cilindro de oxigênio mostrado na Fig. 40. 1 repõe no espirógrafo tração desprezível no ar ambiente. O princípio físico da medida
uma quantidade desse gás igual àquela consumida pelo paciente. é muito simples, como apresentado na Fig. 40.5. Coloca-se em
Para tanto, ajusta-se a válvula do cilindro até que o traçado fique um espirógrafo de determinado volume V I uma concentração
horizontal. Já no traçado superior da Fig. 40.4, observa-se que, a conhecida de hélio, C I ' A seguir, conecta-se o paciente ao circuito
partir do tempo O, quando a válvula do cilindro é fechada e não espirográfico ao final de uma expiração espontânea (ao nível
se admite O2 para o circuito, o traçado desloca-se para cima, pois da capacidade residual funcional) . Quando o paciente respira a
a cada ciclo respiratório uma dada quantidade de O fica retida mistura ar-hélio por alguns minutos, este gás se distribui unifor­
2
no pulmão do indivíduo para ser transportada até as células, memente pelos pulmões e o espirógrafo, alcançando a concen­
que utilizarão o gás na respiração celular. Não se pode esquecer tração de equilíbrio, C2. Novamente, a nível da capacidade resi­
que o CO2 eliminado fica retido na cal sodada. Assim, ao fim dual funcional, o indivíduo é desconectado do circuito. Consi­
de 2 minutos o traçado se deslocou 620 mI para cima; então, derando-se que não houve perda ou ganho de hélio, a quantidade
podemos calcular o V02 =620 ml/2 min 3 1 0 mI/mino Esse
= total de moléculas desse gás pennanece a mesma, e tem-se: CI X
valor já foi corrigido, considerando que o consumo de oxigênio VI = C2 X V2 , onde V2 corresponde ao volume dos pulmões na
e a produção de CO2 são padronizados para temperatura padrão capacidade residual funcional somado ao volume do espirógrafo
(O°C), pressão barométrica ao nível do mar (760 mmHg ou 1 0 1 ,3 (V I ) ' Assim, V2 - V I corresponde a essa capacidade pulmonar.
kPa) e gás seco (em inglês: standard temperature and pressure, Sendo o volume de reserva expiratório facilmente medido, e
dry = STPD). de posse do valor da capacidade residual funcional, obtém-se o
Uma vez que o volume residual não pode ser medido pelo volume residual por simples subtração. Conseqüentemente, pode
espirógrafo simples, as capacidades residual funcional e pulmonar ser calculada a capacidade pulmonar total.
VOLUMES E CAPACIDADES PULMONARES 619

VC = 450 mi

Fig. 40.4 Medida do consumo de oxigênio pelo espirógrafo simples. Enquanto no painel inferior complementa-se o volume gasoso do espirô­
metro com quantidade de O2 idêntica àquela retirada pelo metabolismo, no traçado superior esse fornecimento é interrompido a partir do tempo
O. Observa-se, a partir de então, uma ascensão do traçado espirográfico progressiva e constante, representando a remoção do oxigênio da mistura
pelas trocas gasosas. Ao final de 2 minutos 620 rnJ de O2 foram consumidos, resultando em um consumo de oxigênio ('�I02) correspondente a
3 1 0 mUmin. (Traçado gentilmente cedido pelo Prof. Dr. Ayres da Fonseca-Costa.)

É importante observar que este método não é capaz de iden­ dil uição de gases e se baseia na compressão e descompressão do
tificar coleções gasosas no pulmão (bolha enfisematosa, por volume de gás no interior da caixa pletismográfica, onde o indi­
exemplo) que não estejam em contato com a via aérea, pois neste víduo examinado fica trancado, isolado do ar ambiente. A Fig. 40.6
caso o hélio não se dilui nesses volumes. Resulta uma subesti­ apresenta, esquemática e simplificadamente, esse método. Inicial­
mação do volume residual, da capacidade residual funcional e mente, coloca-se o indivíduo com uma pinça nasal sentado no inte­
da capacidade pulmonar total. rior da caixa. A porta é fechada e solicita-se ao paciente que respire
A outra técnica para determinar o volume residual emprega um normalmente o gás do intelior do pletismógrafo através de uma
aparelho chamado pletismógrafo de corpo inteiro. Esse método peça bucal (Fig. 40.6 A). Ao final de uma expiração espontânea
apresenta um grau de dificuldade muito maior em relação à basal, as vias aéreas são ocluídas por uma válvula e o paciente
é instruído a realizar esforços inspiratórios (Fig. 40.6 B ) . Por
conseguinte, o gás contido em seus pulmões sofre descompressão,
aumentando o volume pulmonar e elevando a pressão no interior
do pletismógrafo, visto que o volume gasoso em seu interior é
comprimido pela expansão da parede torácica. Segundo a lei de

(J
Boyle, o produto de pressão por volume é constante (se mantidas
inalteradas as outras variáveis das leis dos gases) e, portanto, se
forem conhecidos a variação de pressão (LlPc) e o volume da caixa
pletismográfica (Vc), a vmiação de volume pulmonar durante a
manobra, LlV, pode ser calculada [Vc X P2 = (VC - Ll V)( PI +
) ... LlPc)]. A seguir, aplica-se a lei de Boyle ao volume gasoso no inte­
rior do pulmão. Neste caso, P I X V P2 (V + Ll V), onde PI e P2
I ,
I \ =

\
I ' representam, respectivamente, as pressões nas vias aéreas antes
,
t
t
e após a manobra e V é a capacidade residual funcional. Conhe­
\, _ - - .J
cendo-se o volume de reserva expiratório, o volume residual pode
ANTES DO EQUILíBRIO
ser computado por simples subtração.
C, X V, = C2 X V2 Por meio da pletismografia todos os volumes gasosos no inte­
rior do pulmão podem ser medidos, inclusive aqueles sem contato
Fig. 40.5 Esquema da medida da capacidade residual funcional pelo com as vias aéreas, pois sofrem compressão e descompressão,
método da diluição do hélio. fenômenos sobre os quais se baseia a medida.
FISIOLOGIA

A B

lSP
nJ
�Pc
P1 P2

+ +

Vc
+
Vc - �V

Fig. 40.6 Esquema da medida da capacidade residual funcional pelo método da pletismografia de corpo inteiro. A, Respiração normal. B, Esforço
inspiratório contra vias aéreas ocluídas. O retângulo representa uma caixa absolutamente rígida isolada hermeticamente do ar ambiente. O indi­
víduo analisado respira ar do interior do pletismógrafo. Os dois círculos com setas representam transdutores de pressão (utilizados para medida
de pressão), PI e P2 sendo as pressões nas vias aéreas e .ó.Pc a variação de pressão no interior do pletismógrafo. Vc é o volume do pletismógrafo,
V o volume pulmonar a ser medido e .ó. V a variação de volume observada durante esforço inspiratório contra vias aéreas ocluídas. (Modificada
de Comroe Jr. , J.H. Fisiologia da Respiração. Editora Guanabara Koogan, 2 . " ed., J 977.)

5 ,0 litros. A partir desses dois parâmetros podemos computar a


MANOBRAS EXPIRATÓRIAS FORÇADAS razão VEF I .y'CVF,
( cujo limite inferior normal é de aproxima­
damente 8.0 %. A Fig. 40.7 B representa um padrão obstrutivo,
Solicita-se ao indivíduo que, após inspirar até a capacidade onde o ar é exalado com maior lentidão, acarretando um VEF),o
pulmonar total (CPT), expire tão rápida e intensamente quanto e a razão VEF) c!CVF reduzidos. Esta, quando inferior a 80%,
possível em um espirógrafo, sendo o volume expirado lido em indica fortemente um padrão obstrutivo. Nota-se que a obstrução
um traçado volume-tempo. Com base nesse traçado é possível das vias aéreas acarreta um achatamento na curva volume-tempo.
computar a capacidade vital forçada (CVF) e o volume expira­ Na Fig. 40.7 C observa-se um padrão restritivo. Nessa situação
tório forçado no primeiro segundo (VEFl.o)' Esquematicamente, a CVF e o VEFl.o encontram-se reduzidos em valores absolutos,
na Fig. 40.7 A observamos um traçado de um indivíduo normal. quando comparados com os padrões de normalidade, mas a razão
O volume expirado no primeiro segundo é de 4,0 litros, enquanto VEF) .c!CVF supera os 80%. A configuração do traçado não difere
o volume total expirado [capacidade vital forçada (CVF)] é de muito do normal.

A B C
NORMAL OBSTRUTIVA RESTRITIVA

(f)
O
a:

:J

VEF1•0 4,0 VEF1,o 1 ,3 VEF1 0 2,8


CVF 5, 0 CVF 3,1 CV F 3,1
% 80 % 42 % 90

Fig. 40.7 Padrões normal (A), obstrutivo (B) e restritivo (C) de uma expiração forçada. Mensuração do volume expiratório forçado no primeiro
segundo (VEF I .o), capacidade vital forçada (CVF) e relação VEF l .clCVF.
VOLU�IES �; CAPACIDADES PUL�IONARES 62 1

\ ---1\�--- - ----- ------ ------- ------ ---- - --


;
I
1 -

\\ \\\ ,
VEf;õ=-3-;8-litro

, \�
CVF 4, litros

N.

t---.--

\ .� I'---

I
"+

i
� I
1 s I

a r----

Fig. 40.8 Três traçados do teste da capacidade vital forçada (CVF) em um indivíduo normal. Inicialmente o indivíduo inspira até atingir a capaci­
dade pulmonar total, mantém esse volume por um certo tempo e expira com força máxima. A CVF corresponde à distância vertical entre o final da
inspiração máxima e o ponto mais baixo da curva. No primeiro segundo após o início da expiração mede-se o volume de gás expirado, que corres­
ponde ao volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1•O)' (Traçado gentilmente cedido pelo Prof. Dr. Ayres da Fonseca-Costa.)

A Fig. 40. 8 apresenta três curvas de capacidade vital forçada Outro parâmetro passível de ser computado com a manobra de
geradas por um indivíduo normal. O indivíduo inspira até atingir expiração forçada é ofluxo expiratório forçado entre 25 e 75%
a capacidade pulmonar total, mantém esse volume por um certo da CVF (FEF25.75%). A Fig. 40.9 mostra o cálculo do FEF25•75% .
tempo (note os platôs subseqüentes ao ténnino das inspirações) e Esse parâmetro é utilizado quando restam dúvidas diagnósticas
é instigado a soprar o mais forte e rápido que puder até serem atin­ após o cálculo da razão VEFujCVF.
gidos 6 segundos de expiração. O volume total da expiração é a Se registrarmos o fluxo aéreo e o volume durante uma manobra
capacidade vital forçada (CVF). Determinando-se no traçado um de expiração forçada, é possível contruirmos as curvas fluxo­
segundo após o início bem marcado da expiração e nele medindo-se volume. Para tal solicita-se ao indivíduo que ele inspire até a
o volume de gás expirado, obtém-se o volume expiratório forçado capacidade pulmonar total e então expire tão rapidamente quanto
no primeiro segundo (VEF10)' Note que as três curvas apresentadas possível até o volume residual. Para completar a alça o indivíduo
praticamente se sobrepõem, apontando para a normalidade. deverá inspirar tão rapidamente quanto possível do volume resi-

�- - - \1--
A NORMAL B O BSTR UTIVO C R ESTR IT IVO

--- - -
-
(/) aI
i ai
O L __ ---
tI: 2
I­ b b
::::i
3

4
FE F25•7S% = ª FE F25.75% = 3,7 Us
b
= 3,5 Us

Fig. 40.9 Cálculo do fluxo expiratório forçado entre 25 e 75% da capacidade vital forçada em traçados esquemáticos de pacientes normal (A),
obstrutivo (B) e restritivo (C) a partir de uma manobra de expira� ão for� ada.
622 FISIOLOGIA

8 8

6 6

FLUXO ,
(Us) 4 4 I
OBSTRUTIVO
,
2 2 ,

6 4 2 O 8 6 4 2 O
VOLUME (L) VOLUME (L)

Fig. 40.10 Curvas fluxo-volume em pacientes normal, obstrutivo e restritivo.

dual até a capacidade pulmonar total. O volume é registrado na MACKLEM PT & MEAD J (eds.). Handbook ofPhysiology. The Respi­
abscissa e o fluxo na ordenada. A Fig. 40. 1 0 mostra os padrões ratory System. Mechanics of Breathing. Bethesda. American Physio­
das curvas fluxo-volume em indivíduos normais, pneumopatas logical Society, 1 986.
MILLER MR, HANKINSON J, BRUSASCO V, BURGOS F, CASA­
obstrutivos e restritivos. Nota-se que nas pneumopatias obstru­
BURl R, COATES A, CRAPO R, ENRIGHT P, VAN DER GRINTEN
tivas a expiração máxima começa e termina em volumes pulmo­ CPM, GUSTAFSSON P, JENSEN R, JOHNSON DC, MACINTYRE
nares anormalmente elevados, sendo os fluxos muito menores N, MCKAY R, NAVAJAS D, PEDERSEN OF, PELLEGRINO R,
do que o normal. Contrariamente, em pacientes com pneumo­ VIEGI G, WANGER J. Standardisation of spirometry. European
patias restritivas o volume mobilizado é menor. O fluxo aéreo Respiratory Journal, 26:3 1 9-338, 2005.
está normal em relação ao volume pulmonar, já que o calibre PAES DE CARVALHO A & FONSECA-COSTA A. Circulação e Respi­
das vias aéreas encontra-se normal. ração. Rio de Janeiro. Editora Cultura Médica, 3 ." ed., 1 979.
PATTON HD, FUCHS AF, HILLE B, SCHERAM, STEINER R. (eds.).
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CRYSTAL RG, WEST JB, WEIBEL ER, BARNES PJ. The Lung. GRINTEN CPM, GUSTAFSSON P, HANKINSON J, JENSEN R,
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1 99 3 . cott Williams & Wilkins, 7th ed. , 2005.
CAPÍTULO 41

MECÂNICA RE S PIRATÓRIA, ,..,

ESPAÇ O MORTO E VENTILAÇAO


ALVEOLAR
Walter Araujo Zin • Patricia Rieken Macêdo Rocco • Debora Souza Falle

o processo cíclico da respiração envolve um certo trabalho cional à força (ou pressão) aplicada até que seu limite elástico
mecânico por parte dos músculos respiratórios. Um indivíduo sej a atingido.
sadio em repouso respira sem realizar um esforço consciente, mas Os tecidos dos pulmões e do tórax são constituídos por fibras
se os músculos forem levados a aumentar o trabalho, ele imedia­ elásticas, cartilagens, células, glândulas, nervos, vasos sanguí­
tamente toma conhecimento de sua respiração. A pressão motriz neos e linfáticos que apresentam propriedades elásticas e obede­
do sistema respiratório, que em condições normais é aquela gera­ cem à lei de Hooke, de modo que quanto mais intensa a pressão
da pela contração muscular durante a inspiração, precisa vencer gerada pelos músculos inspiratórios, maior o volume inspira­
forças elásticas e resistivas para conseguir encher os pulmões. do. Como as molas, os tecidos devem ser distendidos por meio
Em condições basais a inércia do sistema é desprezível. de uma força externa (esforço muscular) durante a inspiração.
O sistema respiratório é formado por dois componentes: o Quando essa força cessa, os tecidos retraem-se para sua posição
pulmão e a parede torácica. Como parede torácica subentendem­ original. Quanto maior a pressão aplicada, maior a variação de
se todas as estruturas que se movem durante o ciclo respiratório, volume durante a inspiração. Essa relação entre volume e pres­
à exceção do pulmão. Como já foi visto, a parede abdominal se são depende apenas de medidas em condições estáticas, isto é,
move para fora durante a inspiração, retornando ao seu ponto de quando não há fluxo de ar na árvore traqueobrônquica, e não da
repouso ao longo da expiração. Portanto, o abdômen faz parte velocidade com que o volume é alcançado. Na Fig. 4 1 . 1 pode
da parede torácica. A decomposição do sistema respiratório em ser vista a relação entre volume pulmonar e pressão elástica do
seus componentes pulmonar e de parede é importante, v isto que sistema respiratório. A inclinação da curva volume-pressão ou
não só têm propriedades mecânicas diferentes, mas também há a relação entre a variação do volume gasoso mobilizado (LlV) e
doenças com capacidade de comprometer um ou outro, resul­ a pressão motriz necessária para mantê-lo insuflado é conhecida
tando em disfunção do sistema respiratório. por complacência do sistema respiratório (Crs). A pressão motriz
Os pulmões são separados da parede torácica pelo espaço é representada pela diferença entre as pressões na abertura das
pleural. De fato, cada pulmão tem acolada a si a pleura visceral, vias aéreas e no ar ambiente. Logo, Crs = Ll VlPel,rs, onde Pel,rs
que ao nível dos hilos pulmonares se reflete, recobrindo o me­ corresponde à pressão elástica do sistema respiratório. Quanto
diastino, o diafragma e a face interna da caixa torácica (pleura maior a Crs, mais distensível será o tecido; quanto menor, mais
parietal). Dentro dessa cavidade virtual há alguns mililitros de rígido ele será. Nota-se que a complacência do sistema respira­
líquido, de modo a permitir que uma pleura deslize sobre a outra tório é constante na faixa de volumes pulmonares compreendi­
durante os movimentos respiratórios. dos entre 25 e 75% da capacidade vital. Abaixo e acima dessa
faixa, a complacência tende a cair progressivamente, indicando
que o sistema respiratório deixa de se comportar como um cor­
PROPRIEDADES ELÁSTICAS DO po quase perfeitamente elástico. Deve ser observado também na
Fig. 4 1 . 1 (linha C) que ao nível da capacidade residual funcio­
SISTEMA RESPIRATÓRIO nal o sistema entra em equilíbrio elástico e sua pressão elástica
é igual a zero.
A elasticidade é uma propriedade da matéria que permite Há várias formas de medir a complacência do sistema res­
ao corpo retornar à sua forma original após ter sido deforma­ piratório:
do por uma força sobre ele aplicada. Um corpo perfeitamente
elástico, como uma mola, obedecerá à lei de Hooke, isto é, a 1 - As medidas da complacência estática (Cst) devem ser realiza­
variação de comprimento (ou volume) é diretamente propor- das na ausência de fluxo, sendo de difícil execução, pois a mus-
624 FISIOLOGIA

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P R ESSÃO E LÁS T I C A
(cmH2O)

Fig. 4 1 . 1 Relações volume versus pressões elásticas do sistema respiratório, pulmão e parede torácica. Linha A : volume mínimo, i. é, volume
de gás que permanece no pulmão quando isolado da parede torácica. Linha B: volume residual. Linha C: capacidade residual funcional. Neste
volume o sistema respiratório está em seu ponto de equilíbrio elástico, ou seja, as forças elásticas do pulmão e da parede torácica são exatamente
iguais, porém têm sentidos opostos. Linha D: a partir deste ponto a parede torácica também tende a se retrair.

culatura dos pacientes deve estar relaxada (indivíduos sedados, o cálculo da elastância do sistema respiratório apresenta vanta­
paralisados ou altamente cooperativos), e devem ser realizadas gens para o uso clínico. As elastâncias do pulmão (EL) e pare­
uma ou mais pausas ao longo do ciclo respiratório. de torácica (Ew) são adicionadas diretamente: Ers EL + Ew,
=

2 - Na prática clínica, por motivos de maior facilidade de reali­ ao passo que se somam os inversos das complacências: l ICrs
zação da medida, aferem-se as complacências dinâmicas (Cdyn). = l/CL + l /Cw .
Neste caso o indivíduo respira espontaneamente e são registra­
dos o volume mobilizado e a pressão utilizada. Para o cálculo da
complacência dinâmica, tomam-se pontos nos traçados de volu­ Propriedades Elásticas do Pulmão
me e pressão nos quais o fluxo aéreo é nulo (finais da inspiração
e expiração) para calcular tl. V e tl.P. A complacência dinâmica A força de retração elástica dos pulmões (Pel,L) tende a tra­
pode variar de um ciclo para outro, por vezes não representando zê-los para seu volume mínimo, ou seja, os pulmões tendem
a complacência real. Em indivíduos hígidos respirando espon­ sempre a se retrair e colabar (Fig. 4 1 . 1 ). Caso os pulmões fos­
taneamente não há diferença apreciável entre as complacências sem retirados do tórax, observar-se-ia que restaria em seu inte­
estática e dinâmica. rior um volume de ar mínimo (Fig. 4 1 . 1 , linha A) . Existem dois
3 - Uma simples medida da complacência do sistema respiratório fatores responsáveis pelo comportamento elástico do pulmão.
tem valor limitado, uma vez que depende do volume pulmonar Um deles é representado pelos componentes elásticos do tecido
total, isto é, pessoas com grandes volumes pulmonares terão pulmonar (fibras elásticas e colágenas, por exemplo). Acredi­
maior complacência para um mesmo volume inspirado do que ta-se que o comportamento elástico do pulmão não depende do
aquelas com pequenos volumes pulmonares, mesmo que ambos simples alongamento das fibras elásticas, mas principalmente de
os pulmões sej am normais e tenham a mesma distensibilidade. seu arranjo geométrico. Todas as estruturas do pulmão (vasos,
Para contornar esse fenômeno, é determinada a complacência bronquíolos, alvéolos, etc.) encontram-se interligadas pela trama
específica (Ceff), ou complacência dividida pelo volume pulmo­ de tecido conj untivo pulmonar, de sorte que, quando há insufla­
nar em que se faz a medida, usualmente a CRF. A complacência ção, todos esses componentes se distendem. Esse fenômeno é
específica é muito utilizada para comparar distensibilidades de ' denominado "interdependência", que contribui para manter todos
pulmões de diferentes tamanhos, como crianças e adultos. os alvéolos abertos, posto que caso alguns se fechassem, seus
vizinhos puxariam suas paredes e tenderiam a reabri-los. Além
Finalmente, cabe aqui ressaltar que, em vez de complacência, das propriedades elásticas dos tecidos pulmonares, os pulmões
é freqüentemente utilizado o termo elastância. Esta corresponde ainda apresentam um importante fator que contribui para suas
ao inverso da complacência (Ers = lICrs), ou seja, é a relação características elásticas: a tensão superficial do líquido que re­
entre a variação de pressão e o volume mobilizado resultante. cobre a zona de trocas, denominado sU/factante.
MECÂNICA RESPIRATÓRIA. ESPAÇO MORTO E VENTILAÇÃO ALVEOLAR 625

Há tensão superficial em uma interface ar-líquido porque as diminui acentuadamente com a aproximação entre as suas molécu­
moléculas do líquido são atraídas com maior força para o interior las, o que acontece provavelmente durante a expiração, quando
do líquido do que para dentro da fase gasosa. O resultado final é os alvéolos se tornam menores. Ademais, a tensão superficial
equivalente a uma tensão na superfície, que tenta diminuir sua cresce com o afastamento de suas moléculas, ou sej a, é grande
área. A Fig. 4 1 .2 demonstra o conceito de tensão superficial. A em alvéolos maiores. Observou-se que o surfactante pulmonar,
unidade da tensão superficial é força aplicada por unidade de agindo sinergicamente com os elementos elásticos dos tecidos,
comprimento. é suficiente para assegurar a estabilidade e prevenir o colapso
Para líquidos puros e soluções verdadeiras a grandeza dessa dos pequenos alvéolos durante a expiração. Assim, concorre para
tensão de superfície é uma constante, que depende da natureza que haja um equilíbrio estável entre alvéolos grandes e peque­
química do líquido e do gás envolvido, bem como da tempera­ nos, podendo coexistir 300 milhões de alvéolos com a mesma
tura. Considerando-se uma esfera oca, a pressão em seu interior pressão interior.
(P) pode ser predeterminada pela lei de Laplace, onde a pres­ Uma outra função do surfactante pulmonar, freqüentemente
são relaciona-se com o raio (R) e com a tensão superficial (T) esquecida, é colaborar para evitar o edema intersticial. Se au­
da seguinte forma: P 4TIR, onde o número 4 representa du­
= mentasse muito a tensão superficial na parede dos alvéolos, eles
as interfaces ar-líquido (interna e externa) . Entretanto, quando tenderiam a se fechar, aumentando a tração sobre o interstício,
somente uma superfície encontra-se envolvida, como em u m onde se encontram os vasos. Este fato facilitaria a filtração pe­
alvéolo esférico revestido de líquido n a sua face interna, o nu­ la diminuição da pressão intersticial e conseqüente aumento do
merador tem o número 2 em lugar de 4. Considerando-se dois diâmetro dos vasos. Dessa forma, estaria aumentada a passagem
alvéolos de diferentes tamanhos conectados através de uma via de líquido do interior dos vasos para o interstício.
aérea comum, e com tensão superficial semelhante em ambos, O surfactante pulmonar é secretado por células epiteliais al­
pode-se depreender, com base na lei de Laplace, que a pressão veolares especializadas chamadas de pneumócitos granulares
nos alvéolos menores seria maior do que a dos alvéolos maiores ou tipo II. Tais células se localizam nos alvéolos, armazenam
(Fig. 4 1 .3). Conseqüentemente, os alvéolos menores se esva­ surfactante em corpos lamelares osmofílicos e secretam seu con­
ziariam nos maiores, acarretando alvéolos colapsados e outros teúdo na luz alveolar através de um processo de exocitose, es­
hiperinsuflados. Contudo, tal fato não ocorre nos pulmões nor­ timulada por mecanismos f3-adrenérgicos. Os fosfolipídeos são
mais, pois a tensão superficial do surfactante alveolar é consi­ os principais componentes do surfactante, sendo os principais
deravelmente menor do que a da solução salina que recobre as constituintes a dipalmitoilfosfatidi1colina (40%), a fosfatidi1co­
mucosas pulmonares. A tensão superficial do surfactante alveolar lina monoenóica (25%) e o fosfatidilglicerol ( 1 0%). A função

Ad ição de detergente:
Atração mútua quebra a tensão superficial
em todas as direções Tensão superficial
e interrompe a atração polar
entre as moléculas de água

* • Moléculas de
detergentes

Fig. 41.2 Efeito do detergente na tensão superficial. Círculos vazios, moléculas de água. Losangos, moléculas de detergentes. Em um recipiente
como o tubo teste A, as forças intermoleculares que atuam sobre uma molécula de líquido (água) em A serão iguais em todas as direções; forças
moleculares atraem para baixo, para a esquerda, para a direita e para cima. Entretanto, a molécula de água em B, situada na superfície do líquido
em contato com o ar, não sofre atração de forças iguais em todas as direções. Será atraída por moléculas de água que se encontram justo abaixo
dela e lateralmente, havendo, no entanto, relativamente poucas moléculas de gás acima dela, de modo a exercer força de atração. Por conseguin­
te, maior número de moléculas atraem-na para baixo do que para cima, e, como resultado desse desequilíbrio entre forças intermoleculares, a
superfície diminui até atingir a menor área possível. A força resultante na superfície recebe o nome de tensão superficial. Em C adiciona-se um
detergente, que apresenta uma terminação polar e outra não-polar. A terminação polar é atraída pelas moléculas de água, e a não-polar i ntelTom­
pe a atração polar de outras moléculas de água, reduzindo a tensão superficial. (Modificada de Leef, A.R. & Schumacker, PT. Respiratory Phy­
siology. Basics and Applications, 1993 .)
626 FISIOLOGIA

acrescentam outras, recentemente sintetizadas. Isso significa que,


uma vez formado, o surfactante deve ser levado ao sítio onde vai
atuar, devendo ser a taxa de formação e transporte normalmente
igual à de perda pela superfície.
O papel do surfactante pode ser mais bem apreciado por meio
de uma experiência simples. Inicialmente, retiram-se os pulmões
de um animal de experimentação devidamente anestesiado. A
seguir, volumes conhecidos de ar são injetados através da tra­
quéia e medem-se as respectivas pressões nas vias aéreas. Após
ser atingida a insuflação máxima, passam a ser retirados volumes
conhecidos, continuando-se a medir a pressão nas vias aéreas.
Dessa maneira é construída a curva número 2 da Fig. 4 1 .5 . Obser­
ve que os ramos inspiratório e expiratório não são coincidentes,
configurando a histerese pulmonar. A seguir os pulmões são
preenchidos com solução salina fisiológica (NaCl a 0,9%) aque­
cida a 37°C e repetem-se as medidas descritas acima. Neste caso
Fig. 41.3 Representação esquemática de dois alvéolos de diferentes ta­ a histerese é praticamente desprezível. Ademais, uma pressão
manhos com uma via aérea comum. Se a tensão superficial for a mesma menor basta para insuflar totalmente os pulmões (Fig. 4 1 .5, cur­
em ambos, o alvéolo menor terá maior pressão interna e tenderá a se va 1 ) . Note que, quando os pulmões são insuflados com líquido,
esvaziar no alvéolo maior. A tensão superficial (T) do alvéolo tende a desaparece a tensão superficial, pois acaba a interface ar-líquido.
reduzir sua área e gera uma pressão (P).
Algumas conclusões podem ser tiradas desses resultados: (a) a
complacência do pulmão sem tensão superficial é maior do que
a daquele preenchido com ar; eb) a histerese pulmonar deve-se,
biológica, bem como a atividade de superfície do surfactante, em quase sua totalidade, à tensão superficial da interface ar-lí­
é atribuída aos fosfolipídeos, especialmente à fosfatidilcolina quido; (c) a pressão necessária para vencer a tensão dos tecidos
(Fig. 4 1 .4). em qualquer volume pulmonar corresponde à distância entre a
O surfactante está em constante estado de renovação. Al­ ordenada e a curva I ; e (d) em qualquer volume pulmonar há
gumas moléculas deixam a superfície da película, enquanto se um gasto energético adicional para vencer a tensão superficial
(distância entre as curvas 1 e 2). A fim de ressaltar o papel do
surfactante pulmonar, a curva 3 da Fig. 4 1 .5 representa uma con-
COMPOSIÇÃO DO S URFACTANTE PULMONAR
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Fig. 41.5 Relação volume versus pressão .


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. ma. Quan e míni mo até a insuflação
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a TS encontra-se elevada, para a mesm do
a pressão de insufl ação o volu­
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. Por outro lado, quando não há
tensao �uperficlal pelo enchimento do pulmão com líqui
a pressao necessána para insuflar o pulm do (curva 1 )
ão toma-se menor e pratica�
mente desaparece a hIsterese.
MECÂNICA RESPIRATÓRIA, ESPAÇO MORTO E VENTILAÇÂO ALVEOLAR 627

dição na qual o pulmão é preenchido com ar, porém não contém de surfactante se reduz (estágio 2), diminuindo a tensão super­
surfactante. Pelo que foi antes discutido, pode ser observado que ficial e, conseqüentemente, a pressão para um mesmo volume
o volume pulmonar máximo é, nesse caso, bem menor do que pulmonar. Ao término da expiração as moléculas do surfactante
o obtido em situação normal, posto que um enorme número de tornam-se mais comprimidas, saindo da superfície e formando
alvéolos se encontra colabado. uma camada bimolecular. As moléculas de superfície provavel­
Estudando o ramo inspiratório da curva volume-pressão, no­ mente continuam viáveis, reduzindo a tensão superficial, mas as
ta-se que, após a pressão de abertura ser alcançada, o pulmão outras moléculas formam um filme de surfactante que não tem
insufla-se rapidamente, mas não de forma homogênea. Essa ex­ utilidade (estágio 3). No início da inspiração a água ou os íons
pansão inomogênea é caracterizada por áreas pulmonares que hidratados, ou ambos, se movem para a superfície mais rapida­
estão pouco insufladas, especialmente nas bases (em um indi­ mente do que as moléculas de surfactante, diluindo a superfície
víduo em posição ereta), ao passo que os ápices encontram-se e aumentando a tensão superficial (estágio 4). À medida que a
mais cheios. Finalmente, a expansão máxima é alcançada e to­ superfície do alvéolo retorna à sua área original (estágio 5), a
dos os alvéolos insuflados. As diferentes pressões de abertura concentração do surfactante na superfície e a tensão superficial
decorrem da presença de alvéolos de vários tamanhos e, pos­ são restauradas.
sivelmente, de diferenças na tensão superficial das respectivas A outra hipótese baseia-se na morfologia alveolar. Utilizan­
unidades alveolares. A elevação da pressão durante a insuflação do-se um microscópio eletrônico observa-se que o alvéolo não
decorre do aumento progressivo dos pequenos espaços aéreos. é uma estrutura esférica, porém apresenta várias pregas (Fig.
Cumpre ressaltar a importância das forças elásticas teci duais 4 l .7). Essas pregas tornam-se mais numerosas e profundas ao
em presença de altos volumes pulmonares, prevenindo a hiper­ término da expiração. Não se sabe exatamente qual é a pressão
distensão alveolar. necessária para desfazer essas pregas, mas acredita-se que, du­
O ramo expiratório da curva volume-pressão pulmonar é des­ rante a inspiração, a pressão necessária para desfazer as pregas
locado para a esquerda em relação ao ramo inspiratório, isto é, da parede alveolar é maior do que durante a expiração, quando
para uma dada pressão o volume pulmonar é maior na expira­ as pregas facilmente se refazem por acolamento, contribuindo
ção do que durante a inspiração. Essa separação, como já rela­ para a histerese pulmonar.
tado anteriormente, é denominada histerese pulmonar, e para A perda de surfactante leva à redução da complacência pul­
explicá-Ia comentaremos duas hipóteses: a) a da disposição das monar, áreas de atelectasia e alvéolos cheios de transudato. Este
moléculas de surfactante durante a insuflação e desinsuflação é o quadro patológico da Síndrome do Desconforto Respira­
pulmonar e b) a morfologia do alvéolo. Na Fig. 4 l .6 observa-se tório do Recém-nato, que é particularmente passível de surgir
que no estágio 1 as moléculas estão dispostas umas ao lado das em crianças prematuras, cujo sistema de produção do surfac­
outras. Com o início da expiração a distância entre as moléculas tante não se encontra ainda bem desenvolvido ou funcionante.

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Fig. 41.6 Relação volume versus pressão elástica do pulmão isolado. As curvas foram obtidas a partir do volume mínimo até a insuflação máxima.
A curva 2 ocorre quando os pulmões com tensão superficial (TS) normal são insuflados com ar e a seguir desinsuflados. Lateralmente, nota-se
uma representação esquemática do fluxo de surfactante durante a inspiração e a expiração. A concentação máxima de surfactante na superfície
é obtida no estágio 2. No término da expiração o fluxo de moléculas deixa a superfície (estágio 3). No início da inspiração há um rápido movi­
mento das moléculas para a superfície e incremento da tensão superficial (estágio 4). O surfactante se move de volta à superfície mais lentamente
(estágio 5), retomando à tensão superficial original (estágio 1). As setas pequenas indicam a direção do fluxo do surfactante.
FISIOLOGli\

Propriedades Elásticas da Parede


Torácica
Assim como o pulmão, a parede torácica também exibe pro­
priedades elásticas próprias. A pa�ede torácica inclui, além do
tórax, o diafragma, a parede abdommal e o m:d� astJI1o. Do ponto
de vista elástico observa-se que a parede toraclca tende sempre
à expansão, exceto em volumes pulmonares superi o!'es a cerca
de 75% da capacidade vital, quando tende a, retraçao, co�o o
.
pulmão (Fig. 4 1 . 1 , linha D). Para o : álculo da ��mplacen�la
da parede torácica, utiliza-se a pressao transtoraClca, ou seja,
a diferença entre a pressão intrapleural e a pressão ao redor do

placência pulmonar, que se torna menor em a�tos volumes pu�­


tórax, em geral a pressão barométrica. Em contraponto a, com­

" ,.
monares, em volumes baixos é a complacência da parede tora-
cica que diminui. .
A determinação da complacência da parede toraclCa e Impor-
tante, pois pode ser alterada por diversas afecções, por exemplo,
.
cifoescoliose acentuada, anquilose vertebral, obesidade, mamas
extremamente volumosas, distúrbios abdominais acompanhados
de elevação do diafragma, para exemplificar.

ratório pode ser alterada, quer por se� componente �u !monar


.
Assim, depreende-se que a complacência do sistema respI­
:
quer pela modificação da complacêncIa da parede toraClca. Dai
Fig. 41.7 Fotomicrografia eletrônica da superfície alveolar recober­ resulta a importância de estudá-las individualmente.
ta com surfactante. Na ponta das setas note o pregueamento alveolar.
(Modificada de Weibel, E.R., 1 979.)
Propriedades do Espaço Pleural

pleurais, observa-se que ao nível da capacidade residual func� o­


Voltando a olhar para as forças atuando sobre os dois folhetos
A hipóxia, ou hipoxemia, pode acarretar redução da produção
de surfactante ou aumento de sua destruição, contribuindo para nal o pulmão tende a se retrair, ao passo que a parede torácica
o desenvolvimento da Síndrome do Desconforto Respirató­ tende a se expandir. As duas pleuras não se separam porque a
rio Agudo. cavidade pleural é fechada e existe em seu interior uma pelícu­
Vistos os dois componentes individuais da elasticidade pul­ la líquida que as une, da mesma forma que uma gota de água
monar, é preciso estudar as propriedades do pulmão como entre duas lâminas de vidro permite que deslizem uma sobre a
um todo. Como antes dito, a complacência pulmonar é obtida outra, porém impede que se separem facilmente. A medida da
dividindo-se a variação de volume do pulmão pela pressão pressão intrapleural no ponto de equilíbrio elástico do sistema
transpulmonar, que é definida como a diferença entre a pres­ respiratório mostra um valor em torno de 4 cmH20 abaixo da
são na abertura das vias aéreas (Pao) e a pressão intrapleural pressão atmosférica. Essa pressão "negativa" (de acordo com
(ou intra-esofagiana, Pes). Enquanto o pulmão apresentar um a convenção de referir todas as pressões à pressão atmosférica
comportamento semelhante ao de uma mola, sua complacên­ local) representa a tendência para a expansão do espaço pleural
cia é constante. Todavia, em volumes pulmonares muito ele­ criada pelas forças opostas de retração pulmonar e expansão da
vados (acima de 7 5 % da capacidade vital) algumas regiões parede. Assim, caso uma das superfícies pleurais (ou as duas)
do pulmão já atingiram seu ponto máximo de distensão elás­ se rompa, pondo em comunicação o espaço pleural com o meio
tica perfeita e, conseqüentemente, será necessária maior va­ ambiente (tanto via superfície corporal quanto através da árvore
riação de pressão para fazer variar o volume, isto é, o pulmão traqueobrônquica), o ar será aspirado para dentro daquele pela
torna-se menos complacente, como pode ser visto na porção pressão subatmosférica e os pulmões separar-se-ão da parede
mais horizontalizada da curva (Fig. 4 1 . 1 ) . A complacência do torácica, ambos seguindo suas tendências elásticas. A essa con­
pulmão é de cerca de 200 ml/cmH20. Obviamente, todos os dição denomina-se pneumotórax.
cuidados descritos para a medida da Crs são aplicados na de­ Durante a i nspiração, a contração muscular expande o gradil
terminação da CL. costal e a pleura parietal traciona a visceral . Conseqüentemente,
A complacência pulmonar aumenta com a idade e no enfi­ a pressão intrapleural torna-se mais negativa. Naturalmente, ao
sema. Em ambas as condições, a alteração do tecido elástico longo da expiração ela retorna a seu valor de repouso. Embora
pulmonar é a responsável pela elevação da complacência. Para a pressão intrapleural normalmente seja negativa, há condições
gerar um mesmo volume, o paciente com fibrose necessita de em que ela pode assumir valores positivos: na hiperventilação
maior pressão do que o indivíduo normal e o paciente enfise­ do exercício físico, quando a expiração passa a ser ativa, e du­
matoso. Conseqüentemente, o doente com fibrose apresenta rante atos expulsivos, como a tosse, a defecação, o espirro. Nes­
uma complacência menor do que o enfisematoso e o normal . ses casos a força muscular é direcionada para diminuir o volu­
O aumento da pressão venosa pulmonar, o pneumotórax, o me pulmonar, e, por conseguinte, a pleura parietal é empurrada
edema alveolar e a atelectasia também levam à redução da de encontro à visceral. Por fim, a pressão inu'apleural pode ser
complacência. positiva durante a insuflação artificial dos pulmões, porq uanto
MECÂNICA RESPiRATÓRIA. ESPAço MORTO E VENTlLAÇ;\O ALVEOLAR 629

neste caso o ar é i mpulsionado sob pressão para o interior do 'cica, sendo, conseqüentemente, dependentes apenas do volume
sistema respiratório, empurrando o folheto pleural visceral de gasoso e da complacência de cada componente do sistema. Os
encontro ao parietal. gradientes de pressão gerados pelas forças elásticas são indepen­
A pressão intrapleural não deve ser confundida com a pressão dentes da existência ou não de fluxo aéreo.
alveolar. Durante a inspiração espontânea a pressão alveolar é Durante a movimentação do sistema respiratório, quando
subatmosférica, ao passo que se torna supra-atmosférica na expi­ ocone fluxo de gás, um elemento adicional ao elástico precisa
ração. Tanto ao final da inspiração, como da expiração, quando o ser vencido pela pressão motriz: a resistência ou pressão resis­
fluxo aéreo é nulo, a pressão alveolar iguala-se à pressão atmos­ tiva. A resistência do sistema respiratório (Rrs) pode ser cal­
férica. Em condições de ventilação basal a pressão alveolar cicla culada dividindo-se Pres,rs por fluxo aéreo. Pres,rs é a pressão
entre + 2 e -2 cmH20. É o gradiente entre o meio ambiente e a resistiva do sistema respiratório, ou seja, a pressão oferecida
pressão alveolar que move o ar para dentro e para fora do siste­ por seus componentes resistivos. A resistência das vias aéreas e
ma respiratório. A pressão alveolar é gerada da seguinte manei­ a resistência à movimentação dos tecidos pulmonares e parede
ra: com a contração muscular inspiratória o sistema começa a torácica contribuem para a Rrs. Semelhantemente à compla­
aumentar de volume. Todavia, há uma resistência a ser vencida cência, e pelas mesmas razões, também a resistência do sistema
(discutida adiante) para que o gás chegue até os alvéolos. Con­ respiratório pode ser subdividida em seus componentes pulmo­
seqüentemente, a dilatação dos espaços aéreos sempre precede nar e de parede.
o aporte gasoso até o final da inspiração, rarefazendo o volume
gasoso alveolar e provocando a queda de sua pressão. Durante
a expiração o processo se inverte. Resistência Pulmonar
A resistência pulmonar pode ser desmembrada em dois sub­
Pressão Esofagiana componentes: a resistência das vias aéreas e a resistência teci­
dual.
A maneira mais conveniente para estimar a pressão intrapleu­
ral é instruir o paciente a engolir um cateter até que sua extre­ RESISTÊNCIA DAS VIAS AÉREAS
midade atinja a porção inferior do esôfago torácico. O cateter A resistência das vias aéreas depende do fluxo de ar no in­
possui um balonete (comprimento: 1 0 cm, circunferência: 3,2 terior dos pulmões. Posto que o ar é um fluido, os conceitos de
cm) de látex fino, preso à extremidade distal de um tubo de po­ mecânica dos fluidos podem ser diretamente aplicados à resis­
lietileno (PE 240) com cerca de um metro de comprimento, ou tência das vias aéreas. Destarte, esta pode ser definida como a
através de um tubo de polietileno fino preenchido com solução razão entre o gradiente de pressão necessário para levar o ar do
salina ou água. A última técnica é, geralmente, empregada em ambiente até os alvéolos e o fluxo aéreo.
recém-natos. O volume de ar introduzido no balão deve ser de Se o ar flui através de um tubo, existe diferença de pressão
0,2-0,5 mI para que as alterações da pressão intratorácica sejam entre as suas duas extremidades. A diferença de pressão depen­
adequadamente avaliadas. Volumes muito maiores podem oca­ de do valor do fluxo e de suas características aerodinâmicas. A
sionar contração esofagiana. baixos fluxos aéreos, as moléculas de ar fluem paralelamente às
A variação de pressão medida no balão é um índice aceitá­ paredes do tubo durante todo o trajeto, embora com diferentes
vel da variação de pressão intrapleural porque o esôfago locali­ velocidades. Esse fluxo é denominado fluxo laminar. À medida
za-se no tórax, entre os pulmões e a parede torácica, é um tubo que o ar entra no tubo, as moléculas próximas à parede aderem
de paredes delgadas, com baixa tonicidade, e apresenta pouca à mesma e, conseqüentemente, não se movem. A velocidade de
resistência à transmissão das variações da pressão intratorácica fluxo aumenta com o incremento da distância da parede em di­
(exceto durante a deglutição e a ocorrência de ondas peristálti­ reção ao centro da luz do tubo. Em virtude da viscosidade ( J..L), a
cas, que são facilmente identificáveis). velocidade das camadas subseqüentes torna-se lenta e cada vez
Com o objetivo de reduzir os erros de medida, é fundamen­ menor à medida que se aproxima da parede. A velocidade máxi­
tal conhecer os seguintes dados: 1 ) a relação volume-pressão do ma é alcançada no centro do tubo. Na região central, a velocidade
balonete para que durante as medidas de pressões esofagianas é aproximadamente uniforme, as forças viscosas são desprezí­
o mesmo seja preenchido com volume gasoso adequado e, 2) veis, e a pequena força inerciaI é equihbrada pelo gradiente de
complacência e volume de ar do sistema transdutor de pressão­ pressão. A camada limite é a região adjacente à parede do tubo
tubo-balonete. que se estende até a região de fluxo principal (centro do tubo).
Para posicionar conetamente o balonete no interior do esô­ Essa camada aumenta em espessura à medida que se percone o
fago, utiliza-se o "teste da oclusão". Tal teste consiste, basica­ tubo desde a entrada até atingir seu centro. Conseqüentemente,
mente, na comparação entre as pressões traqueal e esofagiana quando o fluxo laminar estiver totalmente estabelecido, a es­
durante esforço inspiratório de encontro às vias aéreas ocluídas pessura da camada limite é igual, ou aproximadamente igual,
ao término da expiração basal. Essas pressões não devem diferir ao raio do tubo (Fig. 4 1 .8).
entre si em mais de 5 % . Quando o fluxo é laminar, uma vez que as dimensões do
tubo permanecem inalteradas, o gradiente de pressão propul­
sora (�P) para produzir determinado fluxo (V ' ) é diretamente
proporcional à viscosidade do fluido. Logo, P = Kj V ' , on­
PROPRIEDADES RESISTIVAS DO

de K, é uma constante que inclui a influência da viscosidade.


SISTEMA RESPIRATÓRIO Modificando-se o comprimento e o raio dos tubos, verificou-se
que a pressão necessária para produzir um certo fluxo depende
As pressões passivas descritas anteriormente foram determi­ diretamente do comprimento do tubo e é inversamente propor­
nadas pelas propriedades elásticas dos pulmões e da parede torá- cional à quarta potência do raio. Dessa forma o raio terá gran-
630 FISIOL OGIA

P ERFIL DE FLUXO PARABÓLICO


ENTRADA DO TUBO CAMADA LIMITE

E��
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i--_M-
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I

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I ...
COMPRIMENTO DE ENTRADA (Le)

Fig. 41.8 Representação esquemática de um tubo com fluxo laminar. Evidencia-se o crescimento da camada limite até atingir o centro do tubo.
Observa-se o perfil de velocidade parabólico. O comprimento de entrada (Le) é a distância entre o ponto de entrada do tubo e o local onde se
estabelece o perfil de velocidade parabólico. (Modificada de Pedley et aI., 1986.)

de importância na determinação da resistência ao fluxo. Se o Para que se possa, de maneira aproximada, diferenciar se um
comprimento for aumentado em quatro vezes, a pressão deverá fluxo tem comportamento laminar ou turbilhonar, utiliza-se o
ser quadruplicada para manter constante o fluxo. No entanto, número de Reynolds, Re, dado por:
se o raio do tubo for reduzido à metade, ela deverá ser aumen­ 4r ' d
tada 1 6 vezes para que o fluxo não varie. Hagen em 1 83 9 e, Re ==
V ·

independentemente, Poiseuille em 1 840 sistematizaram esses


---

'TT ' TJ
dados sob a forma da equação que conhecemos como lei de
onde:
Hagen-Poiseuille (ou mais comumente como lei de Poiseuil­ d é a densidade do gás, v representa a velocidade, r corresponde
le) para fluxo laminar:
ao raio e TJ é a viscosidade do gás.
O número de Reynolds depende da geometria do tubo e das
propriedades físicas do gás e do fluxo aéreo. Quanto maior Re
mais intensas são as forças inerciais e maior será a distância ao
onde V' é o fluxo aéreo, L é o comprimento do tubo, r é seu raio longo do tubo necessária para se estabelecer o fluxo de Poiseuille.
e TJ a viscosidade do fluido. Na maior parte das vezes o fluxo mostra-se laminar quando Re
Como a resistência ao fluxo (R) é a pressão dividida pelo estiver entre O e 2.000; crítico entre 2 .000 e 4.000; transicional
fluxo, temos: no intervalo de 4.000 e 1 0.000 e turbulento quando Re superar
1 0.000 (Fig. 4 1 .9).
A árvore brônquica compõe-se de um sistema de tubos com­
plicado, com seus diversos ramos, variações de calibre, e su­
Outra característica do fluxo laminar é que o gás no centro perfície das paredes irregulares. Em um sistema que se ramifica
do tubo move-se duas vezes mais rápido do que a velocidade rapidamente, como o pulmão, o fluxo laminar ocorre somente
média. Esta variação de velocidade através do diâmetro do tubo nas pequenas vias aéreas, onde Re é muito pequeno. Na maior
é conhecida como "perfil de velocidade", sendo parabólico no parte da árvore brônquica o fluxo tem característica transicional,
fluxo laminar (Figs. 4 1 . 8 e 4 1 .9). podendo ocorrer turbulência na traquéia, especialmente durante
Quando o fluxo aumenta, as linhas de fluxo não mais fluem o exercício, quando as velocidades de fluxo são grandes. Nesta
concentricamente, mas se desintegram e comportam-se de ma­ situação deve-se utilizar a equação de Rohrer, onde a pressão é
neira desorganizada. Esse comportamento aleatório das linhas determinada pelo fluxo e pelo seu quadrado: P KJ . V' + K2 .
V'2. A constante K J está relacionada com o fluxo laminar e in­
=

de fluxo caracteriza a fluxo turbilhonar (Fig. 4 1 .9). A pressão


necessária para manter esse fluxo apresenta-se consideravelmen­ fluenciada pela viscosidade, enquanto K2 se associa com o fluxo
te maior do que quando o fluxo é laminar. O fluxo laminar não turbilhonar e é influenciada pela densidade do gás.
apresenta flutuações aleatórias de velocidade, sendo o fluxo de
Poiseuille um tipo de fluxo laminar. O fluxo laminar pode ser Fatores que Influenciam a Resistência das Vias
encontrado em tubos curvos e ramificados, enquanto o fluxo de Aéreas
Poiseuille é um fluxo laminar que ocorre em tubos longos e re­ GEOMETRIA DA ÁRVORE TRAQUEOBRÔNQUlCA. A
tos. Logo, erra-se ao usar o termo fluxo laminar como sinônimo resistência das vias aéreas depende da geometria da árvore tra­
de fluxo de Poiseuille. queobrônquica. O comprimento das vias aéreas varia considera­
No fl uxo turbilhonar, a pressão motriz do sistema é propor­ velmente de pessoa a pessoa, dependendo da idade e da super­
cional ao quadrado do fluxo e, também, à densidade do gás, in­ fície corporal. Em uma mesma pessoa, as vias aéreas também
dependendo da viscosidade (ÂP = K2 . V ' ). têm seu comprimento alterado, na dependência da fase do ciclo
2
MECÂNICA RESPIRATÓRIA, ESPAÇO MORTO E VENTILAÇÃO ALVEOLAR 63 1

A. LAMI NAR
)
)
)
)
)
)
)
)
)

�P a K,

B. TURBI LHONAR

Fig. 41.9 Padrões de fluxo aéreo em tubos retos. A fluxo


-

laminar. B fluxo turbilhonar. C fluxo transicional com


- -

formação de redemoinhos nas bifurcações. I1P, diferença de


pressão; K" coeficiente relacionado com a resistência; K2, co­
eficiente relacionado à turbulência.

respiratório: aumenta na inspiração com o incremento do vo­ senta um dos fatores que determinam o raio das vias aéreas. Em
lume pulmonar e encurta durante a expiração. Todavia, a área outras palavras, como a resistência é inversamente proporcional
de seção transversa dos diversos segmentos das vias aéreas é o à quarta potência do raio, pequenas alterações deste acarretam
principal determinante da resistência. Assim que as vias aéreas grandes modificações na resistência. O segundo fator está rela­
penetram em direção à periferia dos pulmões, elas se tornam cionado com a tração das pequenas vias aéreas, que ocorre em
mais numerosas e estreitas. Com base na equação de Poiseuille, presença de grandes volumes pulmonares (interdependência)
onde a resistência é inversamente proporcional ao raio à quarta (Fig. 4 1 . 1 1 ) .
potência, seria natural pensar que a maior parte da resistência COMPLACÊNCIA DAS VIAS AÉREAS. As propriedades de
estivesse nas vias aéreas mais estreitas. Entretanto, demons­ retração elástica do pulmão afetam o calibre dos bronquíolos e
trou-se que o local de maior resistência situa-se ao nível dos brônquios através de dois mecanismos: o primeiro, por promo­
brônquios segmentares e subsegmentares, e que os bronquíolos ver tração direta das pequenas vias aéreas intrapulmonares (Fig.
mais finos contribuem relativamente pouco para a resistência 4 1 . 1 1 ) , e o segundo, por ser um dos dois determinantes da pres­
total. A resistência de todas as vias aéreas situadas distalmente são intrapleural, que origina a pressão ao redor dos brônquios
à 12: ger ação (que tenham diâmetro menor que 2 mm) repre­ extrapulmonares, distendendo-os. A estrutura de suporte de cada
senta somente 10% do total, em decorrência do grande número segmento da via aérea também influencia a complacência.
de vias em paralelo (Fig. 4 1 . 1 0) . Assim, a pequena resistência DENSIDADE E VISCOSIDADE. A densidade e a viscosi­
oferecida pelas vias aéreas periféricas deve ser considerada com dade do gás inspirado afetam a resistência oferecida ao fluxo.
cuidado na detecção precoce de doença das vias aéreas: elas A resistência aumenta durante um mergulho profundo, porque a
constituem a "zona de silêncio", e é provável a instalação de maior pressão intrapulmonar eleva a densidade do gás. Por ou­
doenças graves das pequenas vias aéreas antes que as determi­ tro lado, esta é reduzida quando se inspira mistura de gases com
nações da resistência possam dar sinais de anormalidade. Inte­ baixa densidade (hélio-02). O fato de alterações na densidade,
ressante ressaltar que o volume de gás contido nas vias aéreas em vez de na viscosidade, terem tal influência sobre a resistência
nas quais ocorre a maior parte da resistência é inferior a 3 % do demonstra que o fluxo aéreo não é puramente laminar, sobre­
volume de gás torácico. tudo nas vias aéreas de médio calibre, onde se situa o principal
VOLUME PULMONAR. A resistência das vias aéreas cai com local de resistência.
o aumento do volume pulmonar devido a dois fatores, ambos MUSCULATURA LISA DOS BRÔNQUIOS. A contração da
relacionados com a distensibilidade das vias aéreas periféricas. musculatura lisa dos brônquios estreita as vias aéreas e aumenta
O gradiente de pressão transmural através de suas paredes repre- a resistência. Isto pode ocorrer via reflexa, através do estímulo
632 FISIOLOGIA

LIMITAÇÃO DO FLUXO EXPlRATÓRIO

• Curvas Pressão-fluxo Isovolumétricas


0,08 Há muito é relatada a existência de um limite máximo do fluxo


• expiratório, e, uma vez que esse limite seja alcançado, um incre­
• mento do esforço muscular não mais acarreta aumento do fluxo
� • aéreo, Essa é a chamada limitação de fluxo expiratório descnta
<::: 0,06 cur­
por Fry et al. numa série de experimentos onde an,alisavam

as chamadas curvas pressão-fluxo isovolum�tricas,



I vas, relacionando pressão e fluxo em um deterrmnado volume
E
� pulmonar:

A melhor forma de explicar essas curvas pressao-f1uxo e enten­
Ctl
'õ 0,04
c:
•Q)
Ui
• dendo como elas são construídas, Inicialmente, fluxo, volume
'iii
Q) BRÔNQUIOS BRONQuíOLOS e pressão esofagiana são medidas simultaneamente em um in­


TERMINAIS
a: SEGMENTARES •
divíduo sentado em um pletismógrafo, realizando manobras de
capacidade vital forçada. O indivíduo é instruído a realizar dife­
0,02

• rentes esforços expiratórios, os quais são evidenciados no traça­

• • • •• do de pressão esofagiana (pressão intrapleural). A partir desses
O 5 10 15 20 dados é possível relacionar graficamente fluxo aéreo em função
Geração das Vias Aéreas da pressão i ntrapleural para cada volume pulmonar (Fig. 4 1 . 1 2).
No indivíduo normal, em presença de volume pulmonar elevado
(superior a 80% da capacidade vital forçada), o fluxo aéreo au­
menta com o incremento da pressão, sem que seja atingido um
Fig. 41.10 Resistência das vias aéreas, Note que os brônquios de tama­ claro limite ao fluxo. Entretanto, quando o volume pulmonar for
nho intermediário contribuem com a maior parte da resistência, sendo
menor, o fluxo inicialmente aumenta com a elevação da pressão,
o papel dos menores bastante restrito,
até atingir um valor máximo, e não mais se eleva, mesmo que
ocorram aumentos consideráveis da pressão à custa da contra­
ção mais vigorosa dos músculos expiratórios. Resumidamente,
a limitação do fluxo expiratório, isto é, o surgimento do platô,
de receptores, na traquéia e grandes brônquios, por agentes irri­ só ocorre quando em presença de volumes pulmonares menores
tantes como o fumo. O tônus do músculo liso está sob controle do que 80% da capacidade vital.
do sistema nervoso autônomo. A estimulação simpática, assim Na parte direita da Fig. 4 1 . 1 2 nota-se, na curva fluxo-volu­
como os agentes farmacológicos simpaticomiméticos (isopro­ me, que o pico de fluxo é alcançado precocemente (logo após o
terenol, adrenalina, noradrenalina), causam broncodilatação, início da expiração). Posteriormente, o fluxo aéreo diminui com
reduzindo a resistência. Contrariamente, a atividade parassim­ a redução do volume pulmonar. Durante os primeiros 20% do
pática, à semelhança da aceti1colina, causa broncoconstrição. volume expirado, o fluxo máximo depende do esforço gerado
O sistema nervoso não-adrenérgico não-colinérgico (NANe) pelo paciente. Significa que, durante os primeiros 20% do volu­
inibitório é responsável pelo relaxamento dos músculos lisos me total expirado, quanto maior o esforço do indivíduo, maior é
das vias ãéreas, e o sistema NANC excitatório acarreta bron­ o fluxo alcançado (esforço-dependente). Uma vez eliminados os
coconstrição. A resistência das vias aéreas pode também ser primeiros 20% da capacidade vital, o fluxo durante o restante da
elevada por outros fatores que diminuam a luz da árvore tra­ capacidade vital independe do esforço, mas depende da retração
queobrônquica, tais como edema das mucosas e secreções abun­ elástica pulmonar, assim como das dimensões das vias aéreas
dantes, dentre outros. (esforço-independente) .

Compress ão Dinâmica das Vias Aéreas


A limitação do fluxo expiratório pode ser analisada através do
conceito de compressão dinâmica das vias aéreas. Sendo estrutu­
ras elásticas, as vias aéreas respondem com alterações de forma e
calibre às variações da pressão que agem através das suas pare­
des, a pressão transmural (Ptm). Considerando-se as vias aéreas
intratorácicas , quando a pressão na luz das vias aéreas (Pva) for
tração nas vias aéreas menor do que a pressão que age externamente (pressão pleural,
pela retração elástica
do septo alveolar
Ppl), a Ptm = Pva - Pp] terá um valor negativo e as vias aéreas
, sofrerão compressão com redução da luz. Num processo dinâ­
mico como a expiração forçada, a compressão das vias aéreas é
o evento fundamental da limitação do fluxo expiratório. A Fig.
4 1 . 1 3 auxilia o entendimento de como a compressão dinâmica
das vias aéreas limita o fluxo expiratório. No modelo, a caixa
retangular é o análogo da caixa torácica, cuja pressão interna é a
pressão pleural (Ppl). O círculo incompleto representa o pulmão
Fig. 4 1 . 1 1 Representação esquemática da interdependência alveolar dotado de retração elástica e se comunica com o meio externo
que auxilia na prevenção de colapso. (Modificada de Levitzky, M.O.
através de um sistema tubular (vias aéreas), que oferece resistên­
Pulmonary Physiology, 2002.)
cia ao fluxo aéreo e pode sofrer deformações . Em uma expiração
MECANICA RESPIRATÓRIA, ESPAÇO MORTO E VENTILAÇÃO ALVEOLAR 633

CURVAS PRESSÃO-FLUXO CURVAS VOLUME-FLUXO


ISO VOLUMÉTRICAS

-!!1 �
-I -!!1
� 6 2-
O
11: O
'o 11:
'o
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çs 4 «
a:
O-
x õ:
UJ x
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X
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LL ::J
-I
LL
O ���--�--�
-20O 20 40 60 1 00 75 50 25
P RESSÃO PLEURAL (cmHp) CAPACIDADE VITAL (%) Fig. 41.12 Curvas pressão-fluxo isovolumétricas (diagrama es­
querdo). Curvas volume-fluxo (diagrama direito). Vm;ix = flu­
xo expiratório máximo. CV, capacidade vital.

passiva, considere para um determinado volume pulmonar uma redução da pressão interna ao longo do tubo se acentua, de modo
pressão de retração elástica do pulmão (Pel) de + 1 0 cmH2 0 e que num determinado ponto a pressão das vias aéreas se iguala
uma pressão na cavidade pleural (Ppl) de - 8 cmH20 (Fig. 4 l . 13). à Ppl, ambas com um valor de + 25 cmH2 0: este é o ponto de
As vias aéreas estarão distendidas, pois a Ptm terá um valor po­ igual pressão. A vazante dele, a via aérea fica comprimida, pois
sitivo. Durante uma expiração forçada, qualquer aumento da Ppl a sua pressão interna é menor do que a externa (valor negativo
influencia igualmente a Palv, pois Palv = Ppl + Pel. Considere, de Ptm). Nessa situação, o segmento comprimido do tubo passa
a seguir, uma situação onde o volume pulmonar é o mesmo (Pel a limitar o fluxo, sendo que qualquer aumento adicional da Ppl,
+ 10 cmH20), porém o esforço expiratório mais intenso eleva embora se traduzindo por aumento da Palv, aumenta a compres­
a Ppl a + 25 cmH20: com isto a Palv aumenta para + 3 5 cmH20, são dinâmica do segmento do tubo próximo do ponto de igual
=

e o fluxo expiratório também sofre incremento. Neste exemplo, pressão (aumenta a resistência do segmento comprimido), não
o fluxo aéreo é maior do que na situação anterior. Nota-se que a incrementando o fluxo aéreo. Cumpre ressaltar que o ponto de

EXPIRAÇÃO PASSIVA EXPIRAÇÃO FORÇADA

O O

+0,25 +3

+5
-8 -8 +25
+0,5 +1 0

+15
-8 -8 +25 Contração dos
músculos
+20 i ntercostai s e
músculos
� + 25 +- acessórios da
-8 -8 +25 +25 expiração
Fig. 41.13 Representação esquemática da compressão dinâ­
+1
mica das vias aéreas e o conceito de ponto de igual pressão.
À esquerda, expiração passiva. Pressão intrapleural (Ppl) é
-

8 cmH20, pressão de retração elástica (Pel) é + 1 0 cmH,O e


pressão alveolar (Palv) é 2 cmH20. À direita a expirição
=

é forçada, considerando-se um mesmo volume pulmonar. A


Ppl 25 cmH20, Pel 1 0 cmH20. A soma dessas pressões
= =

é a pressão alveolar (Palv) =35 cmH20, que corresponde


à pressão motriz dissipada como fluxo aéreo ao longo da
via aérea em direção à boca, onde a pressão é zero. Dessa
D iafragma relaxado é empurrado forma, deve existir uma pressão ao longo da via aérea on­
para cima devido à conlração da de a pressão interna e externa é a mesma: ponto de igual
musculatura abdominal pressão. (Modiflcada de Levitzky , M.G. Pulmonary Phy­
siology, 2002.)
634 FISIOLOGIA

igual pressão se move das grandes para as pequenas vias aéreas, TRABALHO ELÁSTICO. O trabalho elástico é aquele neces­
já que, aumentando o esforço muscular, a pressão intrapleural sário para vencer as forças de retração elástica da parede torácica,
se eleva, mas como o volume pulmonar cai, a pressão de retra­ parênquima pulmonar e tensão superficial dos alvéolos. Ele não
ção elástica diminui. Conseqüentemente, ocorrerá a compres­ é dissipado sob a forma de calor, sendo todo armazenado como

J Pel,rs . dV, onde Pel,rs é a pressão elástica do


são dinâmica e as vias aéreas periféricas sofrerão colapso mais energia potencial. O trabalho elástico (Wel) pode ser definido
precocemente. Resumindo, em uma expiração forçada, quando como: Wel
é alcançado o limite de fluxo, a queda de pressão ao longo das sistema respiratório e V é o volume. Também pode ser calcu­
=

vias aéreas desde os alvéolos até o ponto de igual pressão é igual lado construindo-se uma curva volume-pressão estática. À me­
à pressão alveolar menos a pressão pleural, sendo esta diferença dida que o pulmão é insuflado, a curva V-P forma a hipotenusa
correspondente à pressão gerada pela retração elástica do pulmão de um triângulo, cuja área representa o trabalho elástico (Fig.
(Pel), tendo valor constante para cada volume pulmonar. Como 4 1 . 1 4). Se construirmos a curva volume-pressão de um paciente
o fluxo máximo é constante em cada volume (limite de fluxo), cuja complacência está diminuída, esta apresentar-se-á deslocada
pode-se escrever: [(Palv - Ppl)N' = PeIN' = constante = Res], para a direita, indicando pulmão endurecido (Fig. 4 1 . 1 5). Para
onde Res é a resistência do segmento das vias aéreas a montante um mesmo volume corrente, a área do triângulo está aumenta­
do ponto de igual pressão. da. Isso indica que maior trabalho elástico está sendo realizado
contra o componente elástico e maior energia potencial é arma­
RESISTÊNCIA TECIDUAL zenada para a expiração.

ser definido como Wres J Pres . dV. Wres pode ser calculado
A resistência teci dual é determinada pelas perdas energéticas TRABALHO RESISTIVO. O trabalho resistivo (Wres) pode
geradas pela viscosidade (i. é, atrito) pertinente à movimenta­
a partir da curva volume-pressão dinâmica (Fig. 4 1 . 1 4). Note
=

ção do pulmão. Em outras palavras, as moléculas constituintes


do tecido pulmonar atritam-se entre si quando dos movimentos na Fig. 4 1 . 1 5 o comportamento da curva volume-pressão de um
respiratórios, gastando energia ao longo do processo. A resis­ paciente com aumento do trabalho resistivo (obstrutivo).
tência tecidual depende da velocidade do deslocamento e ocorre
tanto durante a inspiração como na expiração. Quanto maior for Viscoelasticidade
a intensidade da força motriz dissipada para vencer a resistência Os primeiros experimentos com viscoelasticidade foram re­
ao atrito dos tecidos durante a expiração, menor a força elásti­ alizados por Wilhelm Weber, observando que fios de seda obe­
ca disponível para vencer a resistência das vias aéreas. Quando deciam à lei da proporcionalidade entre a força aplicada e o
a força disponível para o fluxo aéreo diminui, a expiração tor­ alongamento resultante (lei de Hooke), mas apenas por um curto
na-se mais lenta. Em indivíduos normais, a resistência tecidual período após a aplicação da força. Se essa mesma força continu­
corresponde a 20% da resistência pulmonar, sendo o restante a asse aplicada por um período mais prolongado, o alongamento iria
resistência das vias aéreas. Na sarcoidose pulmonar, fibrose pul­ aumentar continuamente. Foram feitos, então, experimentos de
monar e carcinomatose difusa, a resistência tecidual apresenta-se aplicação de tensão em um grande número de tecidos animais e
freqüentemente aumentada. Deve-se sempre estar atento ao fato evidenciou-se que esse alongamento dependente do tempo estava
de que a energia dissipada na deformação viscosa do pulmão é presente em todos os tecidos estudados, em intensidade variável.
totalmente diferente daquela utilizada para sobrepujar a retração Contrastando com materiais perfeitamente elásticos, elementos
elástica. A primeira depende de movimento (isto é, fluxo), ao viscoelásticos, quando subitamente deformados e posteriormente
passo que a última varia com o grau de enchimento pulmonar (ou
seja, volume). A viscosa dissipa-se como calor, enquanto a elás­
tica acumula-se sob a forma de energia potencial, que permanece
disponível para ser utilizada durante a expiração passiva.

Resistência da Parede Torácica


A resistência ao movimento das moléculas constituintes dos
tecidos da parede torácica também dissipa energia. Embora nem
sempre lembrada, a resistência da parede torácica pode chegar
a ser responsável por 30% da resistência total do sistema respi­ B
ratório. Semelhantemente à resistência pulmonar, a da parede é /
maior em baixos fluxos, caindo com a elevação destes.

///j
/J
1
Trabalho Respiratório
O trabalho pode ser definido como força X distância ou pres­
/
/ 2

a cada instante é igual ao trabalho (W f P . dV).


/
são X volume. O produto cumulativo de pressão e volume gasoso /

0
/
/
Como a expiração é usualmente passiva, durante a respiração
=

basal os músculos inspiratórios realizam o trabalho respiratório.


No sistema respiratório há três tipos de trabalho: resistivo, elás­ A -
PRESSAO
tico e inerciaI. O primeiro sempre dissipa energia sob a forma
de calor, enquanto os outros dois armazenam o trabalho sob a
forma de energia potencial nos tecidos elásticos do pulmão e Fig. 41.14 Curva volume-pressão em pacientes anestesiados. A área
parede torácica. Em condições de repouso considera-se a inércia da região 1 corresponde ao trabalho elástico e a da região 2, ao traba­
como desprezível. lho resistivo.
MECÂNICA RESPIRATÓRIA, ESPAÇO MORTO E VENTILAÇÃO ALVEOLAR 635

IlV IlV

IlP IlP IlP


A NORMAL B RESTRITIVO c OBSTRUTIVO

Fig. 4 1 . 1 5 Curva volume-pressão. Observa-se o trabalho resistivo (Wres) aumentado no paciente obstrutivo e o elástico elevado no restritivo.

excesso de gás carbônico (C02 ), arterializando-o. Nos tecidos

s-
periféricos OCOlTem processos inversos: o sangue capilar recebe

r
STRESS RELAXA TlON CREEP
CO2 proveniente dos tecidos e a eles cede parte do O2 que trans­
porta. As trocas gasosas entre alvéolos e sangue ou entre sangue
e tecidos resultam de gradientes de pressões parc iais .

r
DEFORMAÇÃO DEFORMAÇÃO Pressão Parcial de um Gás

s--
A pressão parcial de um gás em uma mistura gasosa COlTes­
ponde à pressão que ele exerceria se estivesse sozinho. Assim,
conhecendo-se a concentração de um determinado gás em uma
mistura gasosa é possível calcular sua pressão parcial:
FORÇA FORÇA
PX = FX X PT
onde: PX é a pressão parcial do gás X na mistura, FX correspon­
Fig. 4 1 . 16 Elementos viscoelásticos quando deformados apresentam de à concentração do gás X na mistura (expressa como fração
redução da tensão "stress relaxation". Sob tensão constante, o corpo
-
decimal) e PT representa a pressão de todos os gases na mistu­
tende a se deformar com o decorrer do tempo "creep".
-
ra. Por exemplo:
P02 0,2093 X PB = 1 59, 1 mmHg
submetidos a uma deformação constante, apresentam redução na
=

onde a pressão parcial do oxigênio é igual ao produto de sua fra­


tensão, chamada de relaxamento de tensão ("stress relaxation"),
ção decimal no ar ambiente multiplicada pela pressão barométri­
ou simplesmente relaxamento, quando o corpo é estirado. Por
ca (PB = 760 mmHg ao nível do mar sob a linha do equador).
outro lado, sob uma tensão constante, o corpo tende a se defor­
mar continuamente com o decolTer do tempo, fenômeno cha­ Quando um gás entra em contato com um líquido, OCOlTem
mado de "creep" (Fig. 4 1 . 1 6) . A presença da viscoelasticidade trocas entre as fases líquida e gasosa. A água tende a evapo­
em um tecido dificulta a realização de medidas de mecânica em rar, até que se estabeleça um equilíbrio entre ambas as fases. °
uma situação de equilíbrio. Um exemplo clássico de "stress re­ gás, então, está saturado com vapor d' água. A pressão do vapor
laxation" nos pulmões seria insuflá-los e posteriormente ocluir d' água (PH20) não é influenciada pela presença de outros gases,
as vias aéreas. Seria mantido o volume pulmonar e a pressão no dependendo apenas da temperatura. (Quanto maior a tempera­
sistema diminuiria em função do tempo de oclusão. tura, maior a energia cinética das moléculas de água e maior a
Do ponto de vista morfo-funcional, a viscoelasticidade OCOlTe tendência de as moléculas da superfície líquida se vaporizarem.)
a nível de tecido pulmonar e de parede torácica, e permite o in­ A 37°C, a PH2 0 corresponde a 47 mmHg. Como o gás conti­
tercâmbio de energia (pressão) entre o componente elástico e o do nas vias aéreas intrapulmonares e alvéolos está aquecido à
resistivo. Por exemplo, durante uma pausa inspiratória, a energia temperatura corporal (37°C) e encontra-se saturado com vapor
potencial (pressão) acumulada nos componentes elásticos pode d' água e a uma pressão média durante um ciclo respiratório igual
ser dissipada sob a forma de calor nos componentes resistivos. à pressão barométrica, temos:
PX = FX X (PB - 47)
ESPAÇO MORTO E VENTILAÇÃO No caso do oxigênio, ao final da inspiração:
ALVEOLAR P02 = 0,2093 X (760 - 47) = 1 49,2 mmHg
A função mais conhecida e importante da ventilação pulmo­ Cumpre, por fim, lembrar que a pressão parcial de um gás
nar é a de fornecer oxigênio ao sangue venoso e dele remover o em um líquido reflete a pressão gerada pela quantidade de gás
636 FISIOLOGIA

dissolvida naquele líquido e não contempla formas do gás com­ seja, corresponde a 705 mmHg. Essa pressão subatmosférica
binadas quimicamente a outros compostos. faz-se útil na remoção de gases de locais impróprios para eles
(exemplo: remover CO2 da cavidade abdominal após cirurgia
laparoscópica, o qual pode estar sob pressão atmosférica ou
Pressão Parcial dos Gases no supra-atmosférica).
Organismo
Considerando a composição do ar atmosférico seco (FO, =
0,0004 e FN2 0,790 1 ) e as trocas gasosas, po­
Espaço Morto Anatômico
0,2093, FC02 = =

dem ser calculados (e medidos) os valores das pressões parciais ° volume de gás contido nas vias aéreas de condução (do
dos gases no organismo de um ser humano normal. A saber: nariz aos bronquíolos terminais) corresponde ao espaço morto
Na Tabela 4 1 . 1 verifica-se que a umidificação do oxigênio anatómico, porquanto, como já foi visto, não há trocas gaso­
nas vias aéreas extrapulmonares faz com que a P02 na traquéia sas nesse segmento das vias aéreas. Em cada inspiração (Fig.
seja menor do que no ambiente seco. A P02 alveolar (PA02) 4 1 . 1 7), cerca de 2/3 do volume corrente alcançam os alvéolos
média de todos os alvéolos, bem como entre a inspiração e a e o 1 /3 final fica retido no espaço morto, ou seja, a compo­
expiração, corresponde a 1 00 mmHg e depende do aporte deste sição do gás aí contido é muito semelhante à do ar ambiente.
gás pela ventilação e sua remoção pela perfusão dos alvéolos. Cumpre ressaltar, também, que o primeiro gás a atingir os al­
A queda de cerca de 5 mmHg entre a PA02 média e a pres­ véolos na inspiração corresponde àquele deixado no espaço
são parcial de oxigênio arterial (Pa02) deve-se a três fatores: morto pela expiração precedente. Em outras palavras, ao final
( 1 ) contaminação do sangue do ventrículo esquerdo pelo san­ da expiração a composição do gás no espaço morto é similar
gue venoso das veias mínimas do coração; (2) shunt entre as à do gás alveolar.
circulações brónquicas (pressão sistêmica) e pulmonar (baixa Normalmente, o volume do espaço morto aproxima-se de
pressão); e (3) efeito shunt, quando sangue venoso atraves­ 1 50 mI, podendo chegar a cerca de 220 mI ao final da inspiração
sa capilares pulmonares de alvéolos não ventilados. Deve ser profunda e a 1 1 0 mi ao término da expiração forçada. Multipli­
aqui lembrado que as trocas gasosas somente ocorrem a nível cando-se o volume do espaço morto pela freqüência, obtém-se
capilar, onde a barreira entre o sangue e as células dos tecidos a ventilação do espaço morto (VEM ) '
é muito delgada. A queda da Pa02 para a pressão venosa mis­ Tradicionalmente, realiza-se a medida do espaço morto ana­
ta reflete a quantidade de oxigênio cedida pelo sangue arterial tómico por meio do método de Fowler. Esta técnica requer a
para os tecidos. análise contínua da concentração de um gás inalado e exalado e
A pressão parcial de CO2 no meio ambiente e na traquéia é a determinação simultânea do fluxo aéreo (na abertura das vias
muito baixa (0,3 mmHg). Já no nível alveolar médio, a PAC02 aéreas) e, conseqüentemente, do volume de gás mobilizado. A
se equipara à pressão parcial arterial de CO2 (PaC02), que dei­ Fig. 4 1 . 1 8 mostra esquematicamente a realização do teste, utili­
xa a região alveolar. A diferença enu'e a PaC02 e a pressão par­ zando-se nitrogênio. ° indivíduo inicialmente inspira oxigênio
cial do CO2 no sangue venoso misto representa o adicional de puro, e a medida do percentual de nitrogênio no gás inspirado
pressão parcial determinado pelo CO2 transportado dos tecidos cai a zero. Durante a expiração subseqüente nota-se que, ini­

A -r:abela 4 1 . 1 também mostra que a PH20 é nula no gás seco,


periféricos para o sangue capilar. cialmente, o percentual de nitrogênio continua nulo e, a seguir,
ascende de forma sigmóide até atingir um plató. ° percentual
mas atmge 47 mmHg logo após a mistura gasosa haver penetrado de nitrogênio não atinge 80% neste ponto, pois o O2 inspirado
nas vias aéreas intratorácicas, sendo esse valor encontrado nos diluiu os gases no interior do pulmão.
demais compartimentos estudados. Durante a expiração, como mostrado na Fig. 4 1 . 1 7, a pri­
A PN2 na realidade representa o balanço para manter a pres­ meira porção de gás a ser eliminada dos pulmões representa o
são barométrica (760 mmHg), enquanto há contato com o ar gás do espaço morto e, a seguir, sai o gás alveolar. Todavia, na
ambiente. No sangue arterial e no venoso misto, a PN2 é cons­ realidade, não existe uma separação estanque entre essas duas

a�?iente). Daí, resulta que a soma de todas as pressões par­


tante e igual à alveolar (último sítio de contato com o meio composições gasosas, mas, sim, difusão de moléculas gasosas
do espaço morto para os alvéolos e destes para aquele, gerando
mÓI?e da concentração de N2 expirado mostrado na Fig. 4 1 . 1 8.
CIaIS no sangue venoso mostra-se inferior à barométrica, ou uma região de progress i va transição. Di sto resulta o perfil sig­

ASSIm, o espaço morto anatómico corresponde ao ponto mé­


dio dessa variação de concentração de N2, de espaço morto a
Tabela 41.1 Pressões parciais e totais dos gases alveolar. Na curva de concentração de nitrogênio determina-se
respiratórios (em mmHg) o ponto onde a área A é igual à área B e mede-se o volume ex­
pirado até :st� ponto, o que corresponde ao volume do espaço
Ar Ar Sangue morto anatomICO.
Inspirado TJ;aqueal Gás Sangue Venoso �om o �S? progressivamente maior da capnometria ou capno­
(Seco) (Umido) Alveolar Arterial Misto grafia, a utIlIzação do CO2 como gás traçador vem substituindo
a do N2 nesta medida.
P02 1 59 , 1 1 49,2 1 00 95 39
peo2 0,3 0,3 40 40 46
PHp O 47 47 47 47
PN2 600,6 563,5 573 573 573
Espaço Morto Fisiológico
PTOTAL 760,0 760 760 755 705
° espaç? morto fisiológico é, na realidade, a soma do espaço
Obs.: N, com pequenas quantidades de gases raros. morto anatomlco com outros volumes g asosos pulmonares que
MECÂNICA RESPIRATÓRIA, ESPAÇO MORTO E VENTILAÇÂO ALVEOLAR 637

D 1 50 m I de ar ambiente

�. .
1 50 mi de ar alveolar

..
:
. '' ..
'.
::
'
. '.' .

ESPAÇO MORTO
Ã

REGI O DE
- TROCAS
GASOSAS
Ã
à Ã
INSPIRAÇ O FIM DA FIM DA
INSPI RAÇ O EXPI RAÇ O

Fig. 41.17 Ventilação alveolar e espaço morto anatômico. A zona respiratória é representada pelo balão e o espaço morto anatômico, pelo tubo. A
cada ciclo respiratório o indivíduo inspira cerca de 450 mI. Na realidade, os primeiros 150 mI a atingirem a zona respiratória provêm do espaço
morto anatômico, ou seja, têm a composição aproximada do gás alveolar. Os demais 300 mI apresentam a composição do ar ambiente umedecido.
Ao final da inspiração já houve a mistura completa, com transformação da mistura inicial em gás alveolar. Enquanto isso, 1 50 mI de ar ambiente
umedecido permanecem no espaço morto. Assim, durante a expiração subseqüente os primeiros 1 50 mI de gás eliminados têm essa composição,
ao passo que os demais 300 mI representam gás alveolar. Ao final da expiração 1 5 0 mi desse tipo de gás preenchem o espaço morto.

Fluxõmetro

Volume
I nspirado

% N2 1 Ar Oxigênio-!
80 -;-.-.... ci

Medidor e Nitrogênio
60 N
2
Alveolar

40

20

o
..... Inspiração -+ ___ Expiração __

Fig. 4 1 . 1 8 Medida do espaço morto anatômico por meio do método de Fowler. O painel superior mostra um traçado esquemático do fluxo
aéreo inspirado e expirado durante o teste. Para facilidade de compreensão, foi desenhado um fluxo constante, embora na prática este perfil não
seria encontrado. No painel inferior a concentração de nitrogênio foi medida em um único ciclo respiratório após a inspiração de oxigênio a
1 00%. (Modificada de Forster II, R.E., Dubois, A.B., Briscoe, w.A. and Fisher, A.B. The Lung. Chicago. Year Book Medical Publishers, 3rd
ed. , 1 986.)
FISIOLOGIA

não participam da troca de gases. Por exemplo: uma certa região Colocando-se VA em evidência, obtém-se a equação de Bohr:
do pulmão é ventilada, mas não perfundida: o gás que chegou a
esses alvéolos não pode participar das trocas e é, funcionalmen­ V
. VE FEC0
= --...
-

2
.:..: ---=-
te, "morto". Conclui-se, então, que o espaço morto fisiológico é FAC02
A

sempre maior do que o anatômico.


Na prática, considera-se a PAC02 como idêntica à do sangue ar­
° espaço morto fisiológico pode ser medido por meio da
terial sistêmico (FaC02), uma vez que ocorre equilIbrio de pressões
equação de Bohr. Considerando-se que todo o COz expirado
parciais entre o gás alveolar e o sangue capilar pulmonar. Assim,
provém exclusivamente dos alvéolos, pois se considera des­
ao se medir a PAC02 , calcula-se a FAC02 da seguinte forma:
prezível a concentração deste gás 1)0 ar inspirado, calcula-se
a ventilação alveolar por minuto (VA ). Para tanto medem-se: FAC02 = PACO/(PB - PH20)
o volume minuto expirado (VE ), as frações decimais de COz Calculada a ventilação alveolar pela equação de Bohr, e sa­
alveolar (FACOz) e no gás expirado (FECOz), e parte-se do bendo-se a ventilação global ou volume-minuto, chega-se à ven­
princípio que: tilação do espaço morto fisiológico (VEM ) :

/
VOLU M E FREQÜÊNCIA
VENTI LAÇÃO
CORRENTE RESPIRATÓRIA

� /
X

B x 32 = 8.000 mllmin
t" . .....................

Mnn n n n n n nnnn n n n
VEM 4.800 ml/min

! JLU_VJIIV_V_VJLILVIU_VJLIL\I
=

SOO mi

V. 3.200 mllmin
���� =
�A I� 30 segundos ----...1

GX
t
16 = 8.000 ml/min

. . .. .
VEM = 2.400 mVmin

!
SOO mi

Fig. 41.19 Efeitos do volume con'ente e da freqüência


B respiratória sobre a ventilação alveolar. Nos três casos (A,
B e C) a ventilação global ou volume-minuto (volume
corrente X freqüência respiratória) corresponde a 8 litros/
minuto. Considera-se fixo e igual a 150 mI o volume do
espaço morto (VEM)' Em A o volume corrente (VC) corres­
ponde a 250 mI e a freqüência (f) é de 32 ciclos/minuto
t
(cpm). Assim, a ventilação do espaço morto (VEM) corres­
ponde ao produto VEM X f 4.800 ml/min, ao passo que
=

. . . . . . . . . . . . . . . . . a ventilação alveolar (VA) é de (VC - VEM) ?< f 3.200


=

ml/min. EmV B , VC 500 mI, f 16 cpm; VEM = 2.400


= =

L_
SOOml ml/minVe A = 5.600 ml/min. VEm C, VC 1.000 mi, f
= =

8 cpm, EM = 1.200 mllmin e A = 6.800 ml/min. Consi­


derando-se que em B está representada a condição normal,
VEM = VEM Xf (VEM 1 50 mi)
se o padrão respiratório fosse o de A haveria uma hipo­
=
ventilação alveolar, ao passo que C corresponderia a uma
VA = (VC - VEM) x f hiperventilação alveolar. (Modificada de Forster II, R.E.,
Dubois, A.B., Briscoe, W.A. and Fisher, A.B. The Lung.
Year Book Medical Publishers, Inc., 3rd ed., 1986.)
MECÂNICA RESPIRATÓRIA, ESPAÇO MORTO E VENTILAÇÃO ALVEOLAR 639

Ventilação Alveolar HAMID Q, SHANNON J & MARTIN 1. Physiologic Basis of Respi­


ratory Disease. Hamilton. BC Dekker, Tnc., 2005.
o volume gasoso alveolar pode ser considerado como um HILDEBRANDT J. Pressure-volume data of cat lung interpreted by
a plastoelastic, linear viscoelastíc model. J. Appl Physiol . , 28:365-
compartimento situado entre o ar ambiente e o sangue capilar
.

372, 1 970.
pulmonar. O O2 está sendo continuamente removido e o CO2 HYATT RE. Forced expiration ln: Handbook of Physiology. The Res­
continuamente acrescentado ao gás alveolar pelo sangue da cir­ piratory System. Mechanics ofBreathing. Farhi, L.E. & Tenney, S.M.
culação pulmonar. Assim, o aporte de oxigênio e a remoção de (eds) Bethesda. American Physiological Society, pp. 295-3 14. 1 986.
gás carbônico são assegurados pela ventilação alveolar. INGRAM JR RH & PEDLEY TJ . Pressure-flow relationships in the
Denomina-se ventilação alveolar à porção da ventilação glo­ lungs. ln: Handbook of Physiology. The Respiratory System. Mecha­
bal que, a cada minuto, alcança a zona respiratória. Na Fig. 4 1 . 1 9 nics ofBreathing. Macklem, P.T. & Mead, J. (eds) Bethesda. Amerícan
pode ser vista a importância do adequamento do volume cor­ Physiological Society, pp. 277-293. 1 986.
rente (VC) e da freqüêJ?cia respiratória (f) na determinação das LEEF AR & SCHUMACHER PT. Respiratory Physiology. Basics and
Applications. Philadelphia, W.B. Saunders Company, 1 st ed., 1 993.
ventilações alveolar (VA ) e do espaço morto (VEM )' Nos três
exemplos mostrados a ventilação global corresponde a 8 L/min
LEVITZKY MG. Pulmonary Physiology (Lange Physiology). New
York. McGraw-Hill Medical, 6th ed., 2002.
e o volume do espaço morto (VEM) é de 1 50 mI. No painel B es­ LUMB A. Nunn 's Applied Respiratory Physiology. Oxford, Elsevier
tá representada a condição normal. Observe que o volume cor­ Butterworth-Heinemann, 6th ed., 2005.
rente equivale a SOO mI e a freqüência, a 1 6 ciclos por minuto. MACKLEM PT & MEAD J (eds.). Handbook of Physiology. The Res­
A ventilação do espaço morto corresponde a 1 6 cpm x 1 50 mi, piratory System. Mechanics of Breathing. Bethesda. American Phy­
ou seja, 2,4 L/min, e a ventilação alveolar é igual a (SOO mI siological Society, 1 986.
1 50 mI) X 1 6 cpm, isto é, 5,6 L/min. Já no painel A existe uma
-

MANÇO Jc. A curva fluxo-volume. ln: Atualizações em Fisiologia


hipoventilação alveolar, pois o volume corrente é de 250 mi e - Respiração. Tavares, P. (ed.) Rio de Janeiro. Cultura Médica, pp.
a freqüência de 32 ciclos por minuto, levando a uma ventilação 1 - 1 9, 1 99 1 .
alveolar de somente 3,2 L/min [ (250 m I 1 50 mI) X 3 2
MEAD J . Mechanical properties of (he lungs. Physiol. Rev., 4 1 :28 1 -
= -
330, 1 96 1 .
cpm] . E m contrapartida, no painel C vê-se uma situação de hi­ MILIC-EMILI 1 . Ventilation. ln: Regional Differences in the Lllng. West,
perventilação alveolar, com a ventilação alveolar equivalendo a 1.B. (ed.) New York, Academic Press lnc., pp. 1 67- 1 99, 1 977.
6,8 L/min (volume corrente = 1 .000 mi; freqüência 8 cpm).
= MlLIC-EMlLI J, LUCANGELO U, PESENTI A & ZIN WA. Basics
Em conclusão, nos três casos a ventilação global corresponde ofRespiratory Mechanics and Artificial Ventilation. Milão. Springer­
a 8 L/min, mas somente no exemplo B é adequada a ventilação Verlag, 1 999.
alveolar. Devido a um desequilíbrio entre volume corrente e PATTON HD, FUCHS AF, HILLE B , SCHER AM, STEINER R (eds.).
Textbook of Physiology. Philadelphia. W.B . Saunders Company, 2 1 st
freqüência respiratória, pode-se chegar a uma hipoventilação
ed. , 1 989.
(painel A) ou hiperventilação alveolar (painel C). Este exemplo PEDLEY TJ & DRAZEN IM. Aerodynamic theory. ln: Handbook ofPhy­
tem aplicação direta no uso de respiradores artificiais. siology. Respiratory System. Mechanics ofBreathing. Mack1em, P.T. & Me­
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CAPÍTULO 42

DISTRIBUIÇÃO DA VENT ILAÇÃO ,


DA PERFUSÃO E DA RELAÇÃO
VENTILAÇÃO- PERFUSÃO
Walter Araujo Zin • Patricia Rieken Macêdo Rocco • Debora Souza Faffc

Até agora, o pulmão tem sido discutido como um órgão


perfeitamente homogêneo. No entanto, tanto a ventilação como 1 00 r-
a perfusão e, conseqüentemente, a relação ventilação-perfusão •
não são uniformes ao longo do pulmão. w
o 80 �
w a:
<í •
o z

DISTRIBUIÇÃO DA 0
-
0
� 60 � •
z -l
VENTILAÇÃO ::>
Ô CL
::>
.<í w 40 �
<> �
Estudos realizados com seres humanos na posição ereta <í ::>
::::! -l Á
demonstraram que a ventilação varia da base para o ápice f- O
z >
20 �
pulmonar. Os indivíduos permaneciam sentados e inalavam um w
> BASE Õ HILO Ã PICE
bolus de xenônio radioativo. A radiação, detectada bilateralmente O I I I
por fileiras de colimadores colocados às costas dos voluntários,
REGi ES DO PULM O
era proporcional à quantidade de gás que atingia uma dada região.
A fim de evitar erros experimentais, a contagem era dividida
pelo volume pulmonar da região. A Fig. 42. 1 mostra o resul­
tado obtido. Note que a ventilação é maior na base pulmonar e Fig. 42. 1 Relação entre ventilação e diferentes regiões ao longo do
decresce em direção ao ápice. pulmão em um indivíduo em posição ereta. Observe que a ventilação
A razão fundamental para tal distribuição é a desigual­ diminui da base para o ápice pulmonar. (Modificada de Milic-Emili, J.
dade dos valores de pressão intrapleural ao longo do pulmão .
et a!. Regional distribution of inspired gas in the lung. J. Appl. Physiol.,
2 1 :749-759, 1 966.)
Isto se deve provavelmente à ação da gravidade. Como
mostrado na Fig. 42.2, no ápice pulmonar a pressão intra­
pleural é mais negativa ( - 1 0 cmH 20 , por exemplo) do que
na base ( - 2 , 5 c m H2 0) porque o pulmão repousa sobre a basais . Note o aparente paradoxo: embora a base pulmonar
sua base, ao passo que pende do ápice, quando o indivíduo sej a relativamente menos expandida do que o ápice, ela é
está sentado ou de pé. Conseqüentemente, a pressão na base mais bem ventilada.
é maior (menos negativa do que no ápice). Por conseguinte, No caso do indivíduo na posição ereta (de pé ou sentado) a
os alvéolos desta região são menores do que os do ápice na base é denominada região dependente do pulmão. Caso ele esti­
situação de repouso. Com a contração muscular inspiratória, vesse de cabeça para baixo, pelas mesmas razões descritas acima,
a pressão intrapleural cai cerca de - 3,5 c mH20 em todo o o ápice passaria a ser a região dependente e ventilaria melhor. O
espaço pleural (Fig. 4 2 . 2 ) . Todavia, o s alvéolos do ápice mesmo se aplica aos decúbitos laterais, dorsal e ventral. Nestes
se enchem menos do que os da base, pois partiram de um casos, a diferença de ventilação entre as regiões dependente
volume inicial maior e, portanto, já estavam mais rígidos, e não-dependente seria menor, por causa da menor diferença
i sto é, sua complacência era menor do que a dos alvéolos vertical entre elas.
DISTRlB IÇÃO DA VENTILAÇÃO, DA PERPUSÃO I, DA RELAÇAO VENTIJ.AÇÃO-PERJi'USÃO 641

- 1 0 cmHp • ••
1 50 •






LU •
0 a: •
o z
::J LU <I: 1 00 •
O

g :?:
1 00 <1: 0 •
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I I t;.V LU O

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BASE ÁPICE
<I: O
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I I
O
I
+10 -10 - 30 O
- 20 5 10 15 20 25

PRESSÃO I NTRAPLEURAL (cmHp) DISTÂNCIA AO LONGO DO PULMÃO (cm)

Fig. 42.2 Esquema demonstrando as diferenças regionais de ventilação Fig. 42.3 Relação entre perfusão e diferentes regiões ao longo do pulmão.
ao longo do pulmão. Em um indivíduo de pé ou sentado, o pulmão Observe que a perfusão diminui da base para o ápice pulmonar. (Modi­
assenta sobre a pleura diafragmática devido ao seu peso, ao passo que ficada de West, J.B. Respiratory Physiology. Lippincott Williams and
pende da pleura apical. Portanto, a pressão intrapleural é menos subat­ Wilkins, 7th ed., 2005.)
mosférica na base (-2,5 cmHp) do que no ápice (-10 cmHp; conse­
qüentemente, os alvéolos do ápice se encontram mais insuflados do que
os da base ao final da expiração e em uma região menos íngreme da
curva volume pressão do pulmão. Assumindo-se que a contração voluntários, solução salina fisiológica, na qual foi borbulhado
vs.

muscular inspiratória gere -3,5 cmHp (áP) em toda a superfície xenônio radioativo. Ao atingir o pulmão, o xenônio passa para
pleural, a variação de volume (áV) será maior na base, pois a compla­ os alvéolos, em decorrência de sua baixa solubilidade. A quan­
cência de seus alvéolos (região íngreme da curva volume X pressão)
supera a dos alvéolos apicais. tificação da radiação é efetuada bilateralmente por duas fileiras
verticais de colimadores colocados às costas dos indivíduos (da
mesma forma como foram usados nos experimentos para estudar
a ventilação) durante uma parada respiratória voluntária. Natural­
DISTRIBUIÇÃO DA PERFUSÃO mente, a grandeza da radiação é proporcional à perfusão daquela
região. A Fig. 42.3 mostra o resultado desse experimento, reali­
No pulmão há dois tipos de circulação: a pulmonar e a brôn­ zado em indivíduos em posição ereta. Como pode ser visto, a
quica (sistêmica). A primeira tem por função principal a arteria­ perfusão decai quase l inearmente da base para o ápice.
lização do sangue por meio de trocas gasosas ao nível alvéolo­ A inomogeneidade da perfusão pulmonar pode ser explicada
capilar, ao passo que a segunda nutre as estruturas pulmonares, pelas diferenças de pressão hidrostática no interior dos vasos
com exceção dos ductos alveolares e alvéolos (banhados pela sanguíneos. Primeiramente, considere que o sistema arterial
circulação pulmonar), não participando da hematose. Normal­ pulmonar seja uma coluna contínua de sangue, sendo a distância
mente, o fluxo é grande na circulação pulmonar (igual ao débito entre o ápice e a base igual a 30 cm, ou seja, a diferença de pressão
cardíaco), com resistência e níveis pressóricos baixos, enquanto hidrostática será de 30 cmH20, ou 23 mmHg (l ,36 cmH20 1
na circulação brônquica a pressão é sistêmica, com resistência mmHg). Esta é uma diferença de pressão grande para um sistema
=

elevada e perfusão reduzida. de baixa pressão, como o pulmonar, e a Fig. 42.4 mostra seus
Os vasos pulmonares normais têm paredes delgadas e grande efeitos sobre a perfusão regional do pulmão.
complacência. Estando circundados pelo parênquima pulmonar, Pode haver uma região no ápice do pulmão (zona 1, Fig. 42.4)
sofrem grande influência das variações da pressão alveolar resul­ onde a pressão arterial pulmonar não consiga vencer a coluna
tantes dos movimentos respiratórios. As pressões sistólica, dias­ hidrostática e seja inferior à pressão alveolar (próxima à atmos­
tólica e média na artéria pulmonar equivalem, respectivamente, a férica, como antes discutido). Neste caso os capilares são espre­
25, 1 0 e i S mmHg, e a pressão média no átrio esquerdo equivale midos e não há perfusão. A zona 1 não existe em um indivíduo
a 1 0 mmHg. Pelo exposto até aqui, depreende-se que a circu­ normal, posto que a pressão arterial pulmonar é suficiente para
lação pulmonar pode sofrer importantes influências de pressões lançar sangue até aquela altura, mas pode ocorrer em situações
hidrostáticas e, conseqüentemente, não ser uniforme em todo patológicas, como a hemorragia grave, ou quando a pressão alveolar
o pulmão. é alta, como na ventilação artificial sob pressão positiva.
A desigualdade da perfusão pulmonar foi, de fato, compro­ Um pouco mais abaixo no pulmão (zona 2 , Fig. 42.4) a pressão
vada experimentalmente. Para tanto, injetou-se, na veia de arterial pulmonar já é francamente maior do que a pressão alveolar.
FISIOLOGIA

ZONA 1

PA > P, > P,

p.
�AALVEOLAR

P,
\
ARTER I A L
/
VENOSA

ARTÉRIA VEIAS
PULMONAR --..;;l1Oo' PULMONARES

ZONA 3
P' > P' > PA

Fig. 42.4 Modelo para explicar as diferenças regionais de perfusão ao longo do pulmão. Na zona 1 a pressão alveolar (PA) seria superior à pressão
arterial pulmonar (Pa), e os capilares estariam colapsados. Na zona 2 a pressão arterial pulmonar suplantaria a pressão alveolar, mas esta ainda
seria superior à pressão venosa pulmonar (PJ, resultando uma certa dificuldade ao fluxo sanguíneo. Na zona 3 tanto a pressão arterial quanto a
pressão venosa pulmonares seriam maiores do que a pressão alveolar, e a perfusão não seria dificultada. (Modificada de West, I.B. Respiratory
Physiology. Lippincott Williams and Wilkins, 7th ed., 2005.)

A pressão venosa pulmonar ainda é, entretanto, incapaz de suplantar igual à unidade no ponto onde as retas se cruzam; e superior a I
a pressão alveolar, ou seja, a porção venosa dos capilares pulmo­ deste ponto para cima, como mostrado pela curva da Fig. 42.5.
nares encontra-se praticamente fechada. O fluxo sanguíneo faz-se, Em resumo, a base é mais ventilada e perfundida do que o ápice,
portanto, pela diferença de pressão entre a artéria e o alvéolo. Tendo mas a relação ventilação-perfusão é maior no ápice (Fig. 42.6).
em vista que a pressão arterial vai aumentando em direção à base
pulmonar e a pressão alveolar é a mesma em todo o pulmão, a dife­
rença de pressão responsável pelo fluxo aumenta progressivamente.
Além disso, há crescente recrutamento de capilares (isto é, capilares
previamente fechados se abrem) ao longo desta zona.
Na zona 3 (Fig. 42.4) a pressão venosa também já excede a pressão
0, 1 5

alveolar, e a perfusão é determinada pela diferença de pressão entre


3 Jl
m
0 -.::­ r
a artéria e a veia. O aumento do fluxo sanguíneo ao longo desta zona .« '"
(f) c .f)
é aparentemente causado pela distensão dos capilares.
:J O »,
LL E O
ffi �
As diferenças regionais de perfusão também são, obviamente,
0, 1 0


2 ;ii.
influenciadas pela postura. No indivíduo em decúbito dorsal,
Q. Q)
:J E �
0 .2
por exemplo, a coluna hidrostática de sangue é representada o §?
pela distância que vai da coluna dorsal ao esterno. Sendo essa
.« Q) »,
Ü' 'O
O
pequena, diminuirá a desigualdade de perfusão.
::í � 0,05
'a
f= .S m
z E Jl
w :::J ."
> � C
(f)
DISTRIBUIÇÃO DA RElAÇÃO BASE
»,
O

VENTILAÇÃO.PERFUSÃO 5 4 3 2
N Ú M E RO DA COSTELA

Como já discutido, tanto a ventilação quanto a perfusão são


grandes na base do pulmão e decrescem em direção ao ápice. A
F g. 42.5 mostra, contudo, que a perfusão varia mais do que a
Fig. 42.5 Distribuições da ventilação, da perfusão e da relação ventilação­
i perfusão ao longo 90 pulmão. Note que tanto a ventilação alveolar (VA )
ventilação, sendo esse fato representado pela maior inclinação como a perfusão (Q) decrescem da base para o ápice pulmonar. Ademais,
da linha reta relacionada à perfusão. A razão entre ventilação e
perfusão, ou relação ventilação-perfusão, será, então, inferior à
a variação da perfusão é maior do que a 9a ventilação. Conseqüente­
mente, a relação ventilação-perfusão (VAI Q) apresenta um valor inferior
unidade enquanto a perfusão permanecer maior do que a venti­ à unidade na base e superior a um no ápice. (Modificada de West, lB.
lação, ou seja, da base até aproximadamente o nível da 3." costela; Ventilation/Bloodflow and Gas Exchange. Blackwell, 5th ed., 1 990.)
DISTRIBUiÇÃO DA VENTILAÇÃO. DA PERFUSÃO E DA RI':LAÇÃO VENTlLAÇi'iO-PI':RFUSÃO

VENTILAÇÃO PER FUSÃO


Pressão intrapleural Menor pressão
mais negativa intravascular
Maior gradiente de Menor recrutamento
pressão transmural e distensão
Alvéolos g randes e Maior resistência
menos complacentes Menor fluxo
Menor ventilação sanguíneo

Pressão intrapleural Maior pressão


menos negativa intravascular
Menor gradiente de Maior recrutamento
pressão transmural e distensão
Alvéolos pequenos e Menor resistência
mais complacentes Maior fluxo
Maior ventilação sanguíneo

Fig. 42.6Resumo das diferenças regionais da ventilação (à esquerda) e da perfusão (à direita) em um indivíduo normal em decúbito dorsal.
(Modificada de Levitzky, M.G. Pulmonary Physiology (Lange Physiology). New York: McGraw-Hill Medical, 6th ed., 2002.)

Imagine que a quantidade de O2 no alvéolo resulta de um equi­


líbrio entre o quanto é trazido pelo processo da ventilação e a gran­ EFEITOS DA ALTERAÇÃO DA RELAÇÃO
deza removida pelo sangue capilar pulmonar. Conseqüentemente, VENTILAÇÃO.PERFUSÃO EM UMA
no ápice, onde a relação ventilação-perfusão é superior à unidade
(ventilação maior do que perfusão), a taxa de oxigênio alveolar é UNIDADE ALVEOLAR
superior à da base, onde a perfusão supera a ventilação. Como será
explicado adiante, quando for apresentado o transporte de oxigênio A relação ventilação-perfusão em uma determinada unidade
pelo sangue, os distúrbios da relação ventilação-perfusão podem aI veolar pode apresentar valores que variam desde zero até
trazer transtornos sérios ao funcionamento fisiológico do pulmão. infinito, isto é, desde uma obstrução nas vias aéreas até uma

O2 1 50 torr
= O2 1 50 torr
=

CO2 O torr= CO2 O torr


=

B. A. C.

O2 40 torr O2 40 torr O2 1 00 torr

�.(
':-=====:-:==------:-=-=�.::-/
:-:---::-:=-::-:
: ::-=
=

: =---�)�
= =

l' CO 45 torr
= CO2 45 torr \o
= __
__ 0�2 40 torr�
C--' =

SANGUE VE NOSO MISTO • I NSPIRADO


O � DECRESCENTE NORMAL CRESCENTE � 00

Fig. 42.7 Efeito das alterações ventilação-perfusão na P02 e PC02 de uma unidade alveolar. Descrição da figura no texto. (Modificada de West,
J.B. VentilationlBloodflow and Gas Exchange. Oxford: B lackwell, 1990.)
644 FISIOLOGIA

obstrução no fluxo sanguíneo (Fig. 42.7). Em uma unidade alve­ pünto C). Em resumo., quando a ventilação. üu perfusãü de uma
olar normal a relação ventilação-perfusão é em tomo de I e a unidade alveülar é alterada, sua cümpüsiçãü gasosa se aprüxima
pressão. parcial de O2 e CO2 é de 1 00 mmHg e 40 mmHg, respec­ daquela do. sangue venoso misto. üu, inversamente, daquela do.
tivamente (pünto A). Este resultado decürre do. equilíbrio. entre as ar inspirado..
pressões parciais desses gases no ar inspirado. e no. sangue venoso. Os püssíveis valüres assumidüs pelas pres�õe� parciais de
misto.. ° ar inspirado tem uma P02 de 1 50 mmHg e uma PC02 üxigênio e dióxido de carbono. em diferentes VA/Q püdem ser
de zero.. ° sangue venüsü misto. que entra na unidade alveülar mais bem observadüs no. diagrama 02 -C02 (Fig. 42.8). Neste
tem uma P02 de 40 mmHg e uma PC02 de 45 mmHg. A P02 gráfico. a P02 é cülocada no. eixo. das abscissas e a PC02 no. eixo.
alveülar de 1 00 mmHg é determinada por um equilíbrio entre a das ürdenadas. No. pünto normal temos a cümposição do gás
adição de O2 pela ventilação e sua remüçãü pelo fluxo. sanguíneo. normal (P02 1 00 mmHg e PC02 = 40 mmHg). ° pünto 00
A PC02 alveülar nürmal é aj ustada de müdü semelhante. Imagi­ representa a cümpüsiçãü do. ar inspirado. (P02 = 1 50 mmHg e
=

nemüs uma situação ünde a ventilação. sej a progressivamente PC02 O mmHg) e o. ponto. 0, a do. sangue venüsü misto. (P02
übstruída e o. fluxo. sanguíneo está i ntacto. (püntü B). Observa­ 40 mmHg e PC02 45 mmHg). A linha que une ° a 00 , passando
= =

se que o. O2 cairá e que o CO2 subirá. Quando. a ventilação. für pür normal, müstra as alterações na composição do gás alveolar
=

abolida pür cümpleto (relação. ventilaçãü-perfusãü igual a zero.) , e no. sangue venoso. misto. que püdem ücürrer quando. a relação.
a P02 e a PC02 do. gás alveülar e do sangue do. capilar terminal VA/Q está abaixo üu acima do nürmal. Interessante notar que esta
passam a ser as mesmas do. sangue venüsü. Contrariamente, cüm linha indica todas as cümpüsições possíveis do. gás alveülar em
o aumento. da relação ventilação perfusão, a P02 sobe e a PC02 pulmões supridüs cüm gás de cümposição 00 e sangue venoso

cüm a interrupção. do. fluxo. sanguíneo. (relação. VA/Q infinita,


diminui, eventualmente atingindo a cümpüsiçãü do. gás inspirado. misto. de cümpüsiçãü 0, no. nível do. mar.

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West, J.B. Ventilation/Bloodfiow and Gas Exchange. Oxford: Blackwell, WEST JB (ed.). Sest and Taylor's Physiological Sasis ofMedical Prac­
1990.) tice. Baltimore. Williams and Wilkins, 12th ed., 1990.
CAPÍTULO 43

TRANSPORTE DE GASE S
N O ORGANISMO
Walter Araujo Zin • Patricia Rieken Macêdo Rocco • Debora Souza Falle

As trocas de gases no organismo ocorrem por meio do fluxo de A pressão parcial de um gás X no ar seco pode ser calculada
gases, do fluxo de soluções de gases e da difusão de gases através pelo simples produto de sua fração decimal pela pressão baro­
dos tecidos. Para tornar mais fáci l o aprendizado da impOltância métrica local (Px = Fx X PB). Por exemplo, a pressão parcial
da difusão, é necessário antes rever algumas propriedades físicas do oxigênio ao nível do mar no ar seco é igual a: P02 = 760 X
dos gases e das soluções de gases no sangue. 0,2093 1 59, 1 mmHg. A pressão barométrica é, portanto, um
fator fundamental no cálculo da pressão parcial de um determi­
=

nado gás. Embora a composição do ar não varie até uma altitude


PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS de 60 km, a pressão barométrica vai caindo à medida que se
atingem altitudes mais elevadas. Por exemplo, a 1 .000 m (Tere­
DOS GASES sópolis) é de 674 mmHg; a 4.000 m (La Paz) corresponde a 462
mmHg; e a 9.000 m (Monte Everest) equivale a 23 1 mmHg.
A composição de uma mistura gasosa pode s e r descrita Assim, a pressão parcial dos gases atmosféricos cai com a alti­
pela percentagem de cada constituinte. Assim, o ar ambiente tude, o ar fica mais "rarefeito".
seco é composto por: O2 , 20,93 % ; CO2 , 0,04%; e N 2, 79,03 %. ° conceito de pressão parcial também se aplica a gases
Junto com o nitrogênio estão incluídas diminutas quantidades dissolvidos no líquido, mas a pressão parcial do gás não é
de gases raros (Ar, Ne, Kr, Xe, etc.). É notável a uniformidade calculada simplesmente pelo produto da pressão hidrostática
da composição percentual do ar até a altitude de 60 km. Uma pela quantidade de gás dissolvido por unidade de volume. Ao
outra forma de expressar a composição de uma mistura gasosa invés disso, a pressão parcial de um gás em um líquido é igual
é através dafração decimal, F, onde percentagem do gás X = à pressão parcial na fase gasosa acima do líquido, em condi­
1 00 X Fx . Por exemplo, no ar atmosférico seco a Fi02 é igual ções de equilíbrio.
a 0,2093. A quantidade de gás dissolvido em u m líquido, a uma dada
A pressão que u m gás exerce em u m recipiente resulta do temperatura, é igual ao produto da pressão parcial desse gás
choque de suas moléculas de encontro às paredes do recipiente. no líquido por um coeficiente de solubilidade, peculiar a cada
Assim, quanto mais moléculas de gás, maior o número de combinação gás-líquido (lei de Henry).
choques na unidade de tempo e maior a pressão. Se ao invés Um dos gases presentes acima de qualquer solução é o vapor
de um só gás existir uma mistura gasosa, cada componente da do próprio solvente. A pressão de vapor do solvente é determi­
mesma exercerá uma pressão proporcional ao seu número de nada por suas propriedades moleculares e pela temperatura, mas
moléculas, ou à sua percentagem, na mistura. A essa pressão que não pela pressão barométrica local. Em condições de equilíbrio,
um componente X da mistura exerceria caso estivesse sozinho a pressão parcial do solvente na fase gasosa acima de um líquido
denomina-se pressão parcial, Px. A lei de Dalton afirma que a é igual à pressão de vapor do solvente. Assim, a pressão do vapor
pressão total de uma mistura gasosa corresponde à soma de todas d ' água (PH20) a 37°C, no ar totalmente úmido, isto é, saturado
as pressões parciais dos gases componentes. Assim, vej amos: de vapor, equivale a 47 mmHg.
a pressão atmosférica ou barométrica, PB, ao nível do mar, no
equador, é de 760 mmHg. A pressão barométrica nada mais é do
que a pressão exercida pela coluna de ar acima de um determi­
nado ponto da Terra. Como já foi visto que o ar seco é composto DIFUSÃO
fundamentalmente de 02 ' CO2 e N2, e aplicando a lei de Dalton,
pode ser dito que a pressão barométrica corresponde à soma das A difusão através dos tecidos é um processo passivo regido
pressões parciais de oxigênio, gás carbônico e nitrogênio (PB = pela lei de Fick (Fig. 43. 1 ) . Esta afirma que a velocidade de
P02 + PC02 + PN2)· transferência de um g ás através de um tecido é p rop orcional à
646 FISIOLOGIA

Calcula-se em 0,75 s o tempo de permanência de uma hemácia


em cantato com a barreira alvéolo-capilar durante o repouso. Na
Tabela 43. 1 pode ser visto que o gradiente de pressão parcial
para o O2 (P02 alveolar - P02 venosa mista) aproxima-se de
60 mmHg. Já o gradiente para a difusão do CO2 (PC02 venosa
Vgás ex A · D · (Pt - P,) mista - PC02 alveolar) é de apenas 6 mmHg. Esses gradientes
E são suficientes para equilibrar as pressões parciais tanto do O2
como do CO2 entre o alvéolo e o sangue capilar pulmonar em
apenas 0,25 s, ou seja, em 1 /3 do tempo de passagem de uma
dada hemácia. Interessante notar que pareceria improvável que
a eliminação de CO2 pudesse ser afetada por dificuldades de
difusão, já que a difusão do CO2 é 20 vezes maior que a do O2 ;
entretanto, o gradiente pressórico é de somente 6 mmHg (Figs.
43.2 e 43.3).
Durante o exercício físico o débito cardíaco se eleva. O tempo
de passagem de uma hemácia pelo capilar pulmonar pode ser
..,..,1
reduzido até cerca de 0,25 s. Por conseguinte, o tempo dispo­
ESPESSURA

nível para a realização das trocas gasosas cai, mas em indivíduos


normais, respirando ar ambiente, não é detectada queda da P02
Fig. 43. 1 Difusão através de um tecido. A quantidade de gás difun­
artelial. Por outro lado, caso a barreira alvéolo-capilar esteja alte­
rada, de modo a interferir com a transferência de 02 > lentificando
dido na unidade de tempo CVgás) é diretamente proporcional à área
sua difusão, o indivíduo pode não apresentar distúrbio durante o
disponível para a troca (A), ao coeficiente de difusão do gás naquele
tecido (D) e ao gradiente de pressão parcial (P, - P2) entre as duas repouso, porém este pode ser detectado quando do esforço físico.
faces do tecido, ao passo que é inversamente proporcional à espessura
do tecido (E). Por sua vez, o coeficiente de difusão é diretamente Naturalmente, com a progressão da doença, o paciente poderá
proporcional à solubilidade (Sol) do gás no tecido e inversamente apresentar queda da P02 arterial mesmo sem realizar qualquer
proporcional à raiz quadrada de seu peso molecular (P.M.) . Apesar movimento (Tabela 43. 1 ) .
de ser mais pesado do que o oxigênio, o gás carbónico difunde-se
com maior facilidade nos tecidos do organismo, posto que neles tem
maior solubilidade. Fatores que Metam a Difusão
dos Gases
A difusão dos gases pode ser modificada quando há altera­
área de tecido e ao gradiente de pressão parcial do gás entre os ções na área de superfície alveolar, nas propriedades físicas da
dois lados e é inversamente proporcional à espessura do tecido. membrana ou na oferta dos gases. Nesse contexto, a capacidade
Como já foi visto anteriormente, a área de troca pulmonar
equivale a 75- 1 00 m2 e a espessura do tecido que separa o ar
alveolar do sangue capilar corresponde a 0,5 micrômetro. Por

1
conseguinte, estas dimensões são extremamente favoráveis à
difusão de gases. Além desses fatores, a velocidade de transfe­
rência é diretamente proporcional a uma constante de difusão
que depende das propriedades dos tecidos e do gás. A constante
de difusão é proporcional à solubilidade de determinado gás em
um dado meio e inversamente proporcional à raiz quadrada do
peso molecular do gás. Tomando como exemplos o O2 e o CO2 ,
observa-se que o CO2 se difunde cerca de 20 vezes mais rapida­
mente do que o O2 pelos tecidos, porque, embora seu peso mole­
cular seja um pouco maior, o CO2 tem uma enorme solubilidade
)o

nos tecidos orgânicos. � 1 00 -------,PC02


Os gases, para se transferirem do alvéolo para o sangue, e C>
80
vice-versa, precisam atravessar a denominada barreira alvéolo­
J:
E
capilar. Esta é então formada pelos seguintes componentes: .s 60

líquido que banha os alvéolos, epitélio alveolar, membrana basal ó" (A-a) �02 = O
Cl. 4 0 PV02
do epitélio, estroma alveolar, membrana basal do endotélio e
endotélio capilar. Visto que o oxigênio ainda precisa chegar à
20
0 ,75
molécula de hemoglobina no interior da hemácia, poderiam ser
o 0 ,25 0,5
Seg undo
acrescentados à barreira alvéolo-capilar o plasma, a membrana
celular da hemácia e seu estroma. Logo, modificações na forma
da hemácia podem acarretar aumento ou redução na difusão Fig. 43.2 Difusão de oxigênio através da membrana alvéolo-capilar.
do gás. Recentemente, constatou-se que aumento da concen­
Py02 =Pressão venosa mista de oxigênio. PC02 Pressão capilar de
=

tração de colesterol no plasma eleva a quantidade de colesterol na


oxigênio. PAOZ = Pressão alveolar de oxigênio. (A-a) d02 gradiente
=

membrana da hemácia, tornando-a espessa e menos deformável


alvéolo-arterial de oxigênio. Inicialmente a pressão venosa mista de
oxigênio é igual a 40 mmHg e, após 0,25 s, a pressão alveolar se iguala
e reduzindo a capacidade de difusão do oxigênio. à pressão capilar de oxigênio, sendo igual a 100 mmHg.
TRANSPORTE DE GASES NO ORGANISMO 647

r
sentar-se reduzida em situações como enfisema pulmonar, onde
há redução significativa no número de alvéolos por destruição do
septo alveolar. Conseqüentemente, menor será a capacidade de
difusão. Qualquer situação patológica onde haj a espessamento
da barreira alvéolo-capilar reduz a difusão de gases. Pacientes
idosos, mulheres e indivíduos tabagistas também apresentam
menor capacidade de difusão.

TRANSPORTE DE GASES NO SANGUE


46

1
N rn 44
OI Oxigênio
42
� ° oxigênio é transportado no sangue sob duas formas : dissol­
40
vido no plasma e no fluido intracelular eritrocitário e combinado
38 +-------.--.--� quimicamente de forma reversível com a hemoglobina.
° 0,25 0,5 0,75
Segundo
OXIGÊNIO DISSOLVIDO
Quando o oxigênio se difunde dos alvéolos para o sangue,
Fig. 43.3 Difusão de gás carbônico através da membrana alvéolo-capilar. quase todo ele vai penetrar nas hemácias, onde se combina
PVC02 Pressão venosa mista de gás carbônico. PeC0 Pressão
capilar de gás carbônico. PAC02 Pressão alveolar de gás2 carbônico. à hemoglobina. Somente uma pequena porção permanece
= =

=
no plasma e no fluido intracelular eritrocitário e é transpor­
Inicialmente, a pressão venosa mista de oxigênio é igual a 45 mmHg. tada para os tecidos em solução simples. Este é o denomi­
Em 0,75 s, a pressão alveolar é igual à pressão capilar de gás carbônico, nado oxigênio dissolvido, também dito oxigênio em solução
sendo igual a 40 mmHg.
física. Esta forma de transporte obedece à lei de Henry, antes
descrita. Desse modo, a quantidade de oxigênio dissolvido é
diretamente proporcional à sua pressão parcial no sangue. Para
de difusão aumenta com a elevação do volume pulmonar, sendo cada mmHg de P02, há 0,003 mI de 0/100 mI de sangue (fre­
máxima na capacidade pulmonar total . Entretanto, somente os qüentemente expresso como 0,003 vol%). Assim, no sangue
alvéolos que são adequadamente ventilados e perfundidos contri­ arterial normal (considerando-se a P02 igual a 1 00 mmHg) há
buirão para a troca gasosa. A postura também influencia a difusão somente 0,3 vol% de oxigênio dissolvido (Fig. 43.4). Quando
dos gases, sendo que indivíduos em decúbito dorsal têm maior um indivíduo hígido respira O 2 puro ao nível do mar, a P02
capacidade de difusão do que aqueles em posição sentada. Tal eleva-se para um máximo teórico de 673 mmHg, a P02 arterial
fato provavelmente decorre do aumento do fluxo sanguíneo e de excede 600 mmHg e seu O2 dissolvido se aproxima de 2 vol% .
uma distribuição mais uniforme da perfusão pulmonar quando Por outro lado, as câmaras hiperbáricas aumentam a pressão total
em decúbito dorsal. A área total da superfície alveolar pode apre- para valores muitas vezes acima da pressão atmosférica. Por

Tabela 43.1 Valores do gradiente alvéolo-arterial de P02 em diferentes condições


Tempo que a Hemácia Leva
Condições para Passar pelo Capilar (s) Gradiente de P02 (mmHg)

Repouso
0102 270 mUmin)
=

Ar ambiente (PA02 1 00 mmHg)= 0,75 0,000.000.01


Baixa concentração de oxigênio no ar ambiente (PA02 = 47 mmHg) 0,636 0,2
Exercício Moderado
0102 1 .500 mUmin)
=

Baixa concentração de oxigênio no ar (PAOZ = 47 mmHg) 0,476 4,0


Exercício Intenso
(VOz 3 .000 mUmin)
=

Ar ambiente (PA02 1 20 mmHg)= 0,496 <0,001


Baixa concentração de oxigênio no ar (PAOZ = 59 mmHg) 0,304 16

PAo, = pressão alveolar de oxigênio; VO, = consumo de oxigênio.


648 FISIOLOGIA

A doença recebeu esse nome porque a hemácia adquire a forma


0, TOTAL - I- de foice quando a hemoglobina se desoxigena e, anormalmente,
se cristaliza.
22
� 1 00 �
Além das quatro cadeias polipeptídicas, a hemoglobina apre­
- --

o --

senta um grupamento heme l igado a cada uma das quatro cadeias.


,...:"'"
ON � � 18 �8
Esse grupamento heme é um complexo formado por uma proto­
:2 80 02 LIGADO ;e z
° � -;
porfirina e um íon ferro no estado ferroso. A esse íon ferroso
ü com Hb m
c-
se associa o O2 quando de seu transporte, formando a oxiemo­
«
z 14 iS
gIobina (Hb02). Também nesse ponto se liga o monóxido de

O 60 O
carbono, formando a carboxiemoglobina (HbCO). A afinidade
...J m
<.'J �O
da hemoglobina pelo CO é cerca de 200 a 300 vezes maior do
O 10
:2: o

que pelo 02 ' resultando daí que a intoxicação pelo CO (fumaça


LU O
I
40 (f)
de cigarro, gases eliminados pelos motores a explosão, gás para
« »
o z
6
uso domiciliar e outras fontes menos i mportantes) é extrema­
GJ
O c
,« m
mente grave, pois o CO ocupa o heme, impedindo a l igação do
<> 20
«
02 ' Também o estado do íon ferro tem grande importância para
a:
� 0, DISSOLVIDO _ _
2
o transporte de oxigênio. Caso o ferro se encontre oxidado, isto
� +
-- - - - - - - - - - - -
(JJ

o 20 40 60 80 1 00 600 é, no estado férrico, forma-se a metemoglobina, que se combina


PO, (mmHg) a numerosos ânions, mas não com o 02 ' A metemoglobinemia
é produzida na intoxicação pelo nitrito e nas reações tóxicas a
medicamentos oxidantes. Também há uma forma congênita de
Fig. 43.4 Curva de dissociação da hemoglobina (linha contínua) para metemoglobinemia, resultante de uma deficiência da enzima
um pH de 7,4, PC02 de 40 mmHg e temperatura de 37°C. ° conteúdo metemoglobina redutase, que reduz o ferro férrico a ferroso.
de oxigênio leva em consideração que a taxa de hemoglobina (Hb) Cada molécula de hemoglobina, portanto, é capaz de trans­
con-esponde a 1 5 g%. A linha reta tracejada con'esponde ao oxigênio portar no máximo quatro moléculas de 0 2 ' A quantidade de
hemoglobina no sangue é expressa em g%. Em um indivíduo
em dissolução física no sangue. Também está representado por uma
hígido a taxa de hemoglobina é de aproximadamente 1 5 g% ( 1 5
linha tracejada o oxigênio total do sangue (ligado à hemoglobina +
g de hemoglobina e m 1 00 m l de sangue). Sabe-se, também, que
dissolvido conteúdo).
=

um grama de hemoglobina tem a capacidade de fixar 1 ,39 mI


de 02 ' Assim, determinando-se a taxa de hemoglobina de u m
conseguinte, durante a oxigenação hiperbárica a concentração
indivíduo e multiplicando-se esse valor por 1 ,39, tem-se sua
de O2 dissolvido aumenta proporcionalmente de acordo com a lei capacidade de oxigênio (abreviadamente: capacidade), ou seja,
de Henry e passa, assim, a representar uma fração significativa
se a hemoglobina estiver completamente saturada por oxigênio,
da quantidade total de O2 transportado no sangue. Um indivíduo
o sangue será capaz de transportar Hb (g%) X 1 ,39 vol % de 02 '
que respirasse oxigênio puro sob pressão de 3 atmosferas teria
A quantidade de O2 realmente associada à hemoglobina depende
uma P02 alveolar de cerca de 2.000 mmHg, e seu sangue arterial
do valor do O2 dissolvido, visto que a oxigenação é um processo
conteria cerca de 6 vol% de O2 dissolvido. ° oxigênio em altas
reversível dependente da P02 a que está exposta a hemoglobina.
concentrações é, todavia, extremamente tóxico, podendo levar
A relação (Hb02 X 1 00)/Rb total é chamada percentagem de
à morte. Conseqüentemente, a administração de O2 deve sempre
saturação da hemoglobina (abreviadamente: saturação, S02)'
ser feita sob supervisão médica criteriosa.
É uma forma prática de expressar o nível de oxigenação de uma
amostra sanguínea, independentemente da taxa de hemoglobina.
OXIGÉNIO COMBINADO COM A HEMOGLOBINA A quantidade total de O2 transportada pelo sangue é denominada
A quantidade de O2 dissolvida não é, entretanto, suficiente conteúdo de oxigênio (abreviadamente: conteúdo) e corresponde
para manter funcionante o organismo de um indivíduo normal. à soma da quantidade dissolvida com a ligada à hemoglobina.
No repouso, mais de 95 % do oxigênio fornecido aos tecidos são Diferentemente do O2 dissolvido, a quantidade de oxigênio
transportados em associação com a hemoglobina, sendo que este combinada com a hemoglobina não está linearmente relacionada
valor ultrapassa 99% durante o exercício físico. com a P02' mas é descrita como uma curva sigmóide (em forma
Cerca de u m terço da composição da hemácia corresponde à de S). Colocando-se, em u m gráfico, no eixo das ordenadas a
hemoglobina. A porção polipeptídica da molécula da hemoglo­ saturação (ou o conteúdo de 02) e no eixo das abscissas a P02'
bina normal do adulto (HbA) é composta por quatro cadeias de observa-se o aspecto peculiar da curva de equilíbrio entre Hb
aminoácidos: duas cadeias alfa (cada uma composta por 1 4 1 resí­ e 02 ' também chamada curva de dissociação da hemoglobina
duos de aminoácidos) e duas cadeias beta (cada uma formada por (Fig. 43 .4) .
1 46 resíduos de aminoácidos). A seqüência desses aminoácidos A curva de dissociação da hemoglobina é consideravelmente
é extremamente importante para determinar as propriedades da íngreme no seu trecho inicial até cerca de 40 ou 50 mmHg de
hemoglobina. Assim, a hemoglobina fetal (HbF) é formada por P02, enquanto a porção final gradualmente se horizontaliza. Na
duas cadeias alfa e duas cadeias gama e apresenta uma afinidade parte ascendente as variações de S02 são quase proporcionais às
muito maior pelo oxigênio, em relação à HbA. Um outro exemplo de P02 , ao passo que na parte alta da curva grandes modificações
pode ser dado pelas hemoglobinas anormais. Atualmente já são de P02 correspondem a pequenas variações de S02 '
conhecidas mais de 30 hemoglobinas anormais, que chegam a A morfologia da curva de dissociação da hemoglobina apre­
diferir da HbA por apenas um único aminoácido na cadeia alfa senta grande interesse fisiológico. Como a saturação normal do
ou beta. A mais conhecida é a HbS, presente nos pacientes porta­ sangue arterial sistêmico é de 97%, uma diminuição da P02
dores de anemia falciforme, um distúrbio de origem genética. arterial de 1 00 para 70 mmHg se acompanha de dessaturação
TRANS PORTI;: Dr: G/\SES \lO ORGANIS�IO 649

Sangue
venoso Sangue
misto arterializado
Conteúdo de 02 : 1 4,6 1 6,0 1 9,5 20,0 1 7,9 (vol%)

Fig. 43.5 Esquema representativo do conteúdo de oxigêlllo do sangue de regiões pulmonares com relações ventilação-perfusão fYA/Q) iguais a
e 1 0. As unidades pulmonares com alta V,.,Io. (perfusão comprometida) pouco contribuem para elevar o conteúdo de oxigênio do sangue,
0, I , 1
quando comparadas com aquelas nas quais a VjQ é igual a 1 . Em contrapartida, as regiões com baixa VA/ Q (ventilação comprometida) deprimem
o conteúdo de oxigênio do sangue. Assim, as regiões com alta V) Q não são capazes de compensar os efeitos daquelas com baixa VA/ Q . A razão
fundamental para esse comportamento é a forma da curva de dissociação da hemoglobina. (Modificada de West, lB. Ventilation/Bloodflow and
Gas Exchange, Oxford: Blackwell, 5th ed. 1 990.)

apenas discreta. Por outro lado, é desprezível o aumento de interior da hemácia, a curva de equilíbrio entre o O2 e a hemo­
saturação resultante da hiperventilação em ar atmosférico, uma globina é deslocada para a direita (Fig. 43.6 D).
vez que em condições basais já é quase de 1 00% a S02' Agora A afinidade natural da hemoglobina pura pelo O2 é tão elevada
pode ser entendido por que uma região com relação ventilação­ que este gás teria uma passagem mais dificultada para os tecidos
perfusão acima do normal não é capaz de compensar o distúrbio sem os fatores que reforçam a liberação do 02' CO2, H+, tempe­
causado por uma zona de relação ventilação-perfusão anormal­ ratura e ânions polifosfatos, como o 2,3-DPG. Eles favorecem
mente baixa (Fig. 43 .5): enquanto esta provoca uma saturação a liberação de oxigênio estabilizando a configuração desoxi da
deficitária e conseqüente queda do conteúdo de 02 ' aquela não molécula da hemoglobina e, assim, reduzindo sua afinidade pelo
é capaz de gerar saturação acima do normal e elevar sobrema­ 02' ° C02 forma grupamentos carbamina, o H+ reforça as pontes
neira o conteúdo de 02' de sal dentro da molécula da hemoglobina e o 2,3-DPG reúne
as subunidades das cadeias beta da desoxiemoglobina, modifi­
FATORES QUE MODIFICAM O EQUILÍBRIO DO cando a forma da molécula de Hb, o que dificulta a ligação do
OXIGÊNIO COM A HEMOGLOBINA oxigênio ao complexo heme.
Há quatro fatores bem conhecidos que alteram a interação do
O2 com a hemoglobina: a PC02, o pH, a temperatura e o nível Hipóxia
de 2,3-difosfoglicerato. Por hipóxia entende-se a condição na qual os tecidos não
Na Fig. 43.6 C pode ser observado que o aumento da PC02 recebem ou não podem utilizar O2 em quantidade suficiente para
desloca para a direita a curva de dissociação da hemoglobina, suas necessidades metabólicas normais. Assim, um tecido hipó­
reduzindo a afinidade da hemoglobina pelo 02' Da mesma for­ xico tem sua função alterada e pode chegar à morte.
ma, a elevação da concentração dos íons hidrogênio, ou seja, a São quatro os tipos de hipóxia: hipóxia hipóxica, hipóxia
queda do pH sanguíneo, também desloca para a direita a curva anêmica, hipóxia de estase e hipóxia histotóxica. Na Fig. 43.7
(Fig. 43 .6 B). Essa alteração na posição da curva decorre da mo­ há cinco curvas de dissociação da hemoglobina: uma normal e
dificação na forma da molécula de Hb, o que dificulta a ligação as restantes correspondendo a cada um dos tipos de hipóxia.
do oxigênio ao complexo heme. A esses dois fenômenos deno­ Na Fig. 43 .7 o sangue arterial normal tem saturação de 97%,
mina-se efeito Bohr. À medida que o pH cai e a curva se desvia P02 de 95 mmHg e conteúdo de 02 de 1 9,5 vol%. Em condições
p ara a direita, a saturação da Hb para uma dada P02 decai. Con­ de repouso, os tecidos extraem cerca de 5 vol% de 02 ' ficando
trariamente, o aumento do pH desvia a curva para a esquerda, e o sangue venoso com conteúdo de O2 igual a I S vol% , S02 de
a saturação de Hb para uma dada P02 aumenta, indicando uma 70% e P02 de 40 mmHg. Assim sendo, em condições normais,
maior afinidade da Hb pelo oxigênio. Variações na temperatura o gradiente arteriovenoso de P02 corresponde a 55 mmHg.
também afetam a curva de dissociação de Hb. Enquanto a queda Na hipóxia hipóxica a capacidade de oxigênio do sangue está
da temperatura redunda em desvio da curva para a esquerda, a normal, mas a P02, a S02 e o conteúdo de O2 encontram-se dimi­
temperatura elevada desvia a curva para a direita (Fig. 43.6 A). nuídos. No exemplo mostrado na Fig. 43 .7, tem-se: S02 70%
° 2,3-difosfoglicerato (2,3-DPG) é u m produto intermediário e P02 40 mmHg, havendo ainda 15 vol% de O2 à disposição
=

formado durante a glicólise anaeróbia, via energética da hemá­ dos tecidos. Obviamente, este sangue ao chegar aos capilares
=

cia. Hipoxemia e anemia aumentam a concentração intracelular sistêmicos não apresenta um gradiente de P02 suficiente para
de 2,3-DPG. Quando a concentração de 2,3-DPG aumenta no impulsionar o O2 em quantidades adequadas até as mitocôn-
650 FISIOLOGIA

A B
1 00

80

60

40



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20
EFEITO DO pH
2
O
O
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C§ C O
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1 « 1 00
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a: 80
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PCO - 2
ti:
(f)
2 40
80 mmHg Fig. 43.6 Fatores que modificam
60 a curva de dissociação da hemo­
globina. No eixo das ordenadas -
40
saturação da hemoglobina com O2
(%); no eixo das abscissas P02
-

EFE ITO DO (mmHg). A, Temperatura. B, pH. C,


20 CO2 PC02. D, 2,3-difosfoglicerato (2,3-
DPG). Também está mostrada em D
a curva de dissociação da hemoglo­
O 20 40 60 80 1 00 O 20 40 60 80 1 00 bina fetal, em comparação com a do
P02 (mmHg)
adulto (HbA). Pso, pressão parcial
necessária para saturar em 50% a
hemoglobina.

drias, onde ele participa da gênese de energia para a célula. A conseqüente maior extração de O2 por mi de sangue, que leva
hipóxia hipóxica pode ser causada por: (a) P02 baixa no gás finalmente a uma menor oferta de 02 ' Como exemplos de causas
inspirado, como ocorre quando é inalada mistura gasosa pobre de hipóxia de estase podem ser citadas as cardiopatias, que levam
em 02' ou quando a pressão barométrica está diminuída; (b) hipo­ ao baixo débito cardíaco e distúrbios vasculares.
ventilação alveolar global, por depressão do centro respiratório, Na hipóxia histotóxica estão normais a capacidade de oxigê­
como OCOlTe em algumas doenças ou na intoxicação por alguns nio, a S02 , a P02 e o conteúdo de O2 do sangue arterial. Como
agentes farmacológicos; (c) doenças pulmonares com compro­ neste caso os tecidos encontram-se comprometidos, não sendo
metimento da difusão de gases através da balTeira alvéolo-capilar capazes de metabolizar o 02' há diminuição da diferença arterio­
ou distúrbio da relação ventilação-perfusão, e (d) contaminação venosa de 02 ' e o sangue venoso mostra valores elevados para
do sangue arterial com sangue venoso, como em algumas cardio­ S02, P02 e conteúdo de O2 (Fig. 43.7). A hipóxia histotóxica
patias congênitas ou fístula arteriovenosa pulmonar. surge tipicamente no envenenamento pelo cianeto.
Na hipóxia anêmica há diminuição da capacidade de oxigênio
do sangue. Como mostrado na Fig. 43 .7, embora a S02 e a P02 Cianose
arteriais estejam normais, o conteúdo de O2 encontra-se dimi­ Entende-se por cianose a coloração azulada da pele e mucosas,
nuído. Não havendo aumento da perfusão tecidual periférica, gerada pelo aumento da quantidade de hemoglobina reduzida
será maior a diferença arteriovenosa de P02 , caindo a oferta para (desoxigenada), que tem uma cor muito escura, nos capilares
os tecidos. A hipóxia anêmica é provocada pela diminuição da periféricos. A cianose depende apenas da quantidade absoluta
hemoglobina disponível para o transporte de oxigênio. Assim, de hemoglobina reduzida e não da percentagem desta em relação
tanto a anemia (onde há diminuição real da taxa de hemoglo­ à hemoglobina total do sangue. Assim sendo, quando a taxa de
bina no sangue) quanto o impedimento da ligação do O2 com a hemoglobina reduzida u ltrapassa 5 g%, há cianose.
hemoglobina (envenenamento pelo CO, metemoglobinemia etc.)
podem levar à hipóxia anêmica.
Na hipóxia de estase tanto a S02 como a P02 e o conteúdo Dióxido de Carbono
de O 2 arteriais encontram-se dentro da normalidade, porém a
perfusão sanguínea dos tecidos está comprometida. Em outras Uma vez que o organismo humano produz em média 200 mi
palavras, a hipóxia de estase resulta simplesmente da perma­ de CO2 por minuto, este gás precisa ser eliminado das células
nência mais longa das hemácias nos capilares sistêmicos, com produtoras para o exterior do organismo. A captação de CO2
TRANSPORTE D I:: GASES NO ORGAN I SMO 651

NORMAL HIPÓXICA ESTASE


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po, (mmHg) po, (mmHg) PO, (mmHg)

HISTüTÓXICA
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Fig. 43.7 Curva de dissociação da hemoglobina em
O K--L_����U O condição fisiológica e nos quatro diferentes tipos de
20 40 60 80 100 20 40 60 80 100 hipóxia. A, sangue arterial; V, sangue venoso. (Modi­
PO, (mmHg) PO, (mmHg) ficada de Lippold, O.c.L. e Winton, FR. Fisiologia
Humana. Editora Cultura Médica, 1st ed., 1 970.)

produzido pelas células e seu transporte até o pulmão, onde é hemácia existe uma enzima catalisadora, a anidrase carbô­
liberado para o gás alveolar e daí para o meio ambiente, é feito nica, que acelera a conversão de CO2 e H2 0 em H2C03 (e
pelo sangue. Naturalmente, a PC02 é maior nas células ativas vice-versa). Recentemente, o mecanismo de ação da anidrase
do que no sangue a fluir pelos capilares. Por conseguinte, ele carbônica foi elucidado. A anidrase carbônica existe sob a
difunde-se dessas células para o plasma. forma de sete i soenzimas, sendo somente duas envolvidas
O dióxido de carbono é transportado no sangue como: ( 1 ) no transporte de CO2 : a anidrase carbônica II, que se localiza
CO2 dissolvido, (2) íons bicarbonato (HC03 -) , (3) carbamino­ na hemácia, e a IV, que está presente nos capilares pulmo­
hemoglobina e outros compostos carbamínicos e (4) quantidades nares. Não há atividade da anidrase carbônica no plasma. A
diminutas de ácido carbônico (HZC03) e íons carbonato (CO/-). anidrase carbônica é uma enzima de baixo peso molecular que
Quando se analisa o sangue para determinar seu teor total de CO2 , contém zinco. Inicialmente, há hidrólise da água e formação
estão incluídas todas essas formas moleculares. de espécies reativas de Zn-OH-, enquanto o resíduo de histi­
A Fig. 43.8 apresenta, esquematicamente, todas as formas de dina próximo à reação atua removendo o íon H + , transfe­
transporte do COz. Observa-se que uma pequena parte do CO2 rindo-o para as moléculas tampões adjacentes. O CO2, então,
proveniente das células dissolve-se no plasma. O coeficiente se combina com as espécies reativas de Zn-OH-, sendo que
de solubilidade para o CO2 no sangue a 37°C corresponde a o bicarbonato formado rapidamente se dissocia do átomo do
0,063 vol% por mmHg de PC02 • Ainda no plasma, uma pequena zinco.
quantidade de COz reage lentamente com a água para formar
ácido carbônico. Este ácido dissocia-se prontamente nos íons Os fenômenos precedentes produzem um acúmulo de HC03 -
HC03 - e H + , que fica neutralizado pelos sistemas tampões do no interior da hemácia. Parte do Íon bicarbonato se difunde para
plasma. No plasma, o CO2 reage também com as terminações o plasma, mantendo o equilíbrio das concentrações na hemácia
amina livres (-NH2) das proteínas plasmáticas, formando os e no plasma. Caso houvesse concomitante difusão de cátions
compostos carbamínicos. Essa rápida reação química não exige para o plasma, manter-se-ia a neutralidade elétrica no interior
catalisadores: da hemácia. Todavia, a membrana eritrocitária não é l ivremente
permeável aos cátions. Assim, a neutralidade de cargas é conse­
guida à custa da passagem de ânions cloreto do plasma para o
interior da hemácia (Fig. 43.8). A esse fenômeno denomina-se
Entretanto, como pode ser visto na Fig. 43 .8, a maior parte
desvio de cloretos (ou efeito Hamburger). S imultaneamente,
do CO2 que se difunde a partir das células para o sangue penetra
moléculas de água dirigem-se para dentro da hemácia, a fim de
nas hemácias, onde ocorrem três fenômenos:
restabelecer o equilíbrio osmótico, resultando daí que as hemá­

Parte permanece dissolvida no interior da hemácia. cias do sangue venoso apresentam um volume maior do que as
• Parte combina-se com a hemoglobina para formar a carba­ do sangue arterial.
mino-hemoglobina (HbC02). O íon H+ resultante é tampo­ Portanto, observa-se o papel fundamental da hemácia no
nado pela própria hemoglobina. transporte de CO2 no sangue. Embora o plasma transporte uma

A maior parte do CO2 combina-se com a água, formando ácido grande quantidade de ânions bicarbonato, estes são produzidos
carbônico, que se dissocia em H+ e HC03 - . Ao contrário da no interior da hemácia, graças à presença da enzima anidrase
re cr o química s milar q e
aã i dá no plasma, no interior da
u se carbônica.
652 FISIOLOGIA

CAPILAR SISTÊMICO
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CO2 + H20 ';:: H2C03 = HCO; + H+
Anidrase
carbônica
...
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CO, + HbO, - N = Hb- N + O, + H '
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Fig. 43.8 Representação esquemática de todas as formas de transporte de gás carbónico no sangue.

CURVA DE DISSOCIAÇÃO DO DIÓXIDO DE competitivo, porquanto esses gases se ligam em sítios diferentes
CARBONO na molécula da hemoglobina.
A curva de dissociação do COz total no sangue, mostrada A Fig. 43 . 1 0 mostra duas curvas de dissociação do dióxido
na Fig. 43.9, pode ser decomposta em várias curvas separadas, de carbono. A superior i lustra a situação em que o sangue apre­
que representam as três principais formas de transporte desse senta uma saturação de O2 igual a zero, ao passo que a inferior
gás no sangue. cOlTesponde ao sangue oxigenado. Nota-se que em qualquer valor
A quantidade de CO2 dissolvido é uma função linear da PC02 , de PC02 , o conteúdo total de COz é maior quando o sangue se
como já discutido. Uma pequena quantidade desse gás encontra­ encontra reduzido. A pequena alça partindo do ponto A, passando
se sob forma de H2C03 . pelo V e retornando à origem, demonstra o processo envolvido
A quantidade transportada sob a forma de compostos carba­ quando o sangue deixa os pulmões (ponto A) e após passar pelos
mÍnicos (combinado com a hemoglobina e proteínas plasmáticas) capilares sistêrnicos (ponto V).
não apresenta uma relação linear com a PCOz. No caso da carba­
mino-hemoglobina, tem grande importância o teor de saturação CONTEÚDOS TOTAIS DE OXIGÊNIO E DIÓXIDO
da hemoglobina com o oxigênio, como será visto mais adiante. DE CARBONO DO SANGUE
Resumidamente, quanto mais dessaturada a hemoglobina, maior Na Fig. 43 . 1 1 encontram-se p lotados os conteúdos totais de
sua capacidade de ligar-se com o COz' O2 e COz contra suas respectivas pressões parciais no sangue.
O restante da CO2 é transportado sob a forma de bicarbonato. Nota-se que mesmo o sangue arterial contém quantidades
Como pode ser visto na Fig. 43.9, esta é a mais importante forma maiores de COz do que de O2 , Assim, a afirmativa de que o
de transporte desse gás no sangue. sangue arterial é rico em O2 e pobre em CO2 não é correta. O
sangue arterial é mais rico em O2 do que o venoso, da mesma
EFEITO DO TEOR DE OXIGÊNIO DO SANGUE forma que o sangue venoso carreia mais CO2 do que o arte­
SOBRE O TRANSPORTE DE DIÓXIDO DE rial.
CARBONO Da observação das duas curvas, uma conclusão muito
Como visto anteriormente, quanto maior a PC02 , menor a importante do ponto de vista fisiopatológico pode ser obtida.
afinidade da hemoglobina pelo oxigênio (efeito Bohr). Enquanto a curva de dissociação do O2 apresenta-se apenas
Reciprocamente, a dessaturação do sangue arterial no nível levemente inclinada em altos valores de POz, a do CO2 mantém
dos capilares sistêmicos facilita a captação de CO2 • Este é o efeito a sua curvatura inicial. Em outras palavras, o aumento da P02
Haldane. Cumpre lembrar aqui que não se trata de mecanismo além dos valores fisiológicos pouco acrescenta ao conteúdo
TRANSPORTE DE GASES NO ORGANIS�IO 653

TOTAL (sangue oxigenado)

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o 20 40 60 80

PGO, (mmHg)
10 20 30 40 50 60 70 80 90 1 00

po, ou PGO, (mmHg)

Fig. 43.9 Curva de dissociação do dióxido de carbono e suas três prin­


cipais formas de transporte no sangue. Note que a maior parte do CO, Fig. 43.1 1 Comparação entre os conteúdos de oxigênio e de dióxido
no sangue é transportada sob a forma de bicarbonato. de carbono no sangue.

com alta relação ventilação-perfusão é capaz de eliminar o


excesso de CO2 retido em uma zona de baixa relação venti­
lação-perfusão.
Encerrando a descrição do transporte de gases no sangue,
cumpre salientar que todos os processos descritos são rever­
síveis, uma vez que dependem tão-somente de gradientes de
pressões parciais. Assim, por exemplo, o CO2 passa das células
'i1
"O
(onde a PC02 corresponde a cerca de 50 mmHg) para o sangue.
z..
N
Ao chegar aos pulmões, o sangue venoso (PC02 46 mmHg)
O
U
descarrega parte de seu CO2 para o ar alveolar, onde a PC02
W
=

o
média corresponde a 40 mmHg.
O 40
o
':J
w
I-
Z
O
u
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Textbook ofPhysiology. Philadelphia. W.B. Saunders Company, 21 st
lação-perfusão, uma zona pulmonar hiperventilada não é capaz
ed., 1989.
de compensar uma h i poventilada em termos de oxigenação
WEST JB. Respiratory Physiology. The Essentials. Baltimore. Williams
and WiJkins, 7th ed., 2005.
do sangue. Já no caso do CO2, visto que sua curva de disso­ WEST JB. Ventilation/Bloodflow anel Gas Exchange. Oxford. Blackwell
ciação mantém uma curvatura constante, uma região do pulmão Scientific Publications, 5th ed., 1990.
CAPÍTULO 44
-

C ONTROLE DA VENTILAÇAO
Walter Araujo Zin • Patricia Rieken Macêdo Rocco • Debora Souza Falle

Ao longo das vanas atividades cotidianas, a ventilação Os q ui m i orreceptores carotideos en vi a m informações ao


p ulmonar necessita sofrer ajustes constantes para manter centro respiratório por meio de potenciais de ação que trafegam
adequada a oxigenação dos tecidos e deles retirar o CO2 produ­ bilateralmente ao longo dos nervos glossofaríngeos (IX par
zido. De uma forma ampla, pode ser dito que o centro respira­ craniano), ao passo que os aórticos mandam suas mensagens
tório, localizado no tronco cerebral, gera o ritmo respiratório, que aferentes através dos nervos vagos (X par craniano).
é modificado por uma série de reflexos originados em receptores Os quimiorreceptores periféricos são sensíveis às variações de
diversos, tanto a nível perifético como central. Além disso, outros P02, PC02 e pH no sangue arterial. São compostos por dois tipos
centros controladores podem atuar sobre o ritmo respiratório celulares: a célula tipo I e tipo II. A célula tipo I apresenta grande
fundamental, alterando-o. De qualquer forma, o produto final é quantidade de mitocôndrias e retículo sarcoplasmático, além de
a contração ordenada dos músculos envolvidos com a ventilação, vesículas que apresentam grande variedade de neurotransmis­
ou seja, os efetores. Neste capítulo serão abordados inicialmente sares (dopamina, aceti1colina, norepinefrina e neuropeptídeos,
os receptores e, a seguir, os controladores relacionados com a dentre outros). Próximo a essas células há um grande número de
respiração. Os músculos respiratórios já foram discutidos no capilares, garantindo um fluxo sanguíneo adequado aos quimior­
Capítulo 39 - Movimentos respiratórios. receptores. As células de sustentação (tipo II) envolvem tanto
as células tipo I como os capilares (Fig. 44. 1 ) . Logo, as células
tipo I seriam os verdadeiros quimiorreceptores e informariam ao
RECEPTORES Sistema Nervoso Central as eventuais mudanças nas pressões
parciais dos gases e do pH.
Vários são os receptores envolvidos com o controle da venti­ Os quimiorreceptores centrais estão localizados bilateral­
lação. Com características bastante diversas, podem responder mente na face ventral do bulbo e são banhados pelo l íquido
a estímulos químicos, mecânicos e outros. Vej amos os mais cefalorraquidiano. A localização específica dos quimiorrecep­
importantes. tores centrais continua sendo intensamente estudada. Acredita­
se que existam duas zonas quimiossensíveis organizadas, indi­
cadas na Fig. 44.2. Uma zona é localizada rostralmente (R) e a
Quimiorreceptores outra, caudalmente (C). Uma área intermediária (I) entre essas
duas zonas também participa do controle químico central, mas
Os quimiorreceptores são aqueles receptores envolvidos com sua exata função persiste controversa. Embora a região ventral
a percepção dos teores de O 2 e CO2, e H+. S ão subdivididos do bulbo tenha sido inicialmente considerada a única área de
quanto à localização anatômica em periféricos e centrais. quimiorrecepção central, estudos recentes indicam que neurônios
Os quimiorreceptores periféricos, por sua vez, são subdivi­ em outros sítios cerebrais, como locus ceruleus, núcleo fastigial,
didos anatomicamente em carotídeos e aórticos, embora fisiologi­ núcleo do trato solitário, rafe medular e núcleo retrotrapezóide,
camente desempenhem a mesma função. Os quimiorreceptores também atuar'iam como quimiorreceptores funcionais. Esses
periféricos são formações altamente vascularizadas (têm o maior dados indicam que a quimiorrecepção central possa estar orga­
fluxo sanguíneo por grama de tecido em todo o organismo), nizada de forma hieráquica, tornando-se progressivamente mais
localizadas j usto no exterior de grandes artétias. Os carotídeos complexa durante a evolução a fim de possibilitar um sistema
situam-se bilateralmente na bifurcação da artéria carótida comum de controle mais sofisticado. Dessa forma, uma nova visão da
em seus ramos interno e externo, ao passo que os aórticos estão quimiorrecepção central emergiu como um sistema largamente
localizados ao redor das porções iniciais da aorta (no Capítulo distribuído. No entanto, ainda é desconhecida a exata relação
36 - Regulação da Pressão Arterial, está descrita a morfologia entre essas diferentes áreas, e a complexidade do sistema sugere
dessas estruturas). Há evidências da existência de quimiorre­ que muito ainda tem de ser aprendido.
ceptores em outros locais do organismo, porém precisam ser A sensibilidade dos quimiorreceptores centrais ainda é um
comprovadas definitivamente. p onto em estudo, Certamente não são sensíveis às variações
CONTROLE DA VENTILAÇAo 655

Axônio para o nervo do


seio carotídeo

Fig. 44.1 Representação esquemática da estrutura dos corpos carotídeos. Os corpos carotídeos são pequenos, altamente vascularizados e compostos
por diferentes tipos de células. As células tipo (glomus) são metabolicamente ativas e apresentam grande número de vesículas sinápticas contendo
1
neurotransmissores. ° aumento do PC02, a queda do pH ou o decaimento do P02 no sangue arterial acalTeta liberação de neurotransmissores das
células do glomus que atuarão nos terminais nervosos. A atividade gerada nesses terminais nervosos é transmitida ao centro controlador respira­
tório através do nervo do seio carotídeo. As células tipo II envolvem essa estrutura.

Fig. 44.2 Visão ventral do bulbo representando esquematicamente as áreas


quimiossensíveis centrais [rostral (R) e caudal (C)]. Uma área intermediária (I)
também apresenta função de quimiorreceptor central. (Modificada de Hlastala
& Berger, Physiology of Respiration, Oxford University Press, 1996.)
656 FISIOLOGIA

de concentração de 0Z . Respondem, entretanto, às alterações desses receptores ascenderiam ao centro respiratório por meio
nos níveis liquóricos tanto de CO2 como de pR. Tanto o pR das menores fibras vagais do tipo A .
intra- como o extracelular podem estimular os quimiorreceptores
centrais através de diferentes proteínas. A presença de neurô­
nios quimiossensíveis na proximidade de grandes vasos sugere Receptores " J"
que esses quimiorreceptores possam responder também a varia­
ções de pR vascular cerebral ou a rapidas alterações de COZo Os Ainda em discussão, acredita-se que esses receptores se
quimirreceptores periféricos são menos sensíveis ao C02 do que encontrem no tecido intersticial entre os capilares pulmonares e
os centrais, embora a resposta dos primeiros seja mais rápida. ° os alvéolos, daí decorrendo a denominação "J", de j ustacapilar.
ponto em discussão é se a sensibilidade dos quimiorreceptores Acredita-se que sej am estimulados pela congestão capilar, hiper­
centrais ao pR decorre diretamente das concentrações de R + tensão capilar e edema de parede alveolar. Os receptores "]"
ou indiretamente v i a reação d a água c o m o COz, produzindo seriam responsáveis pela taquipnéia durante a congestão ou o
finalmente o R+ pela dissociação do RZC03 • Esta parece ser edema pulmonar. Seus impulsos aferentes chegariam ao centro
a hipótese mais plausível, visto que tanto o R+ como o RCO) respiratório por meio de fibras vagais do tipo C.
não atravessam a barreira hematoliquórica, ao passo que o COz
o faz prontamente.
Da ação dos quimiorreceptores sabe-se que: ( 1 ) quando cai Fibras C
a P0 2 arterial há aumento da ventilação em resposta à hipóxia.
A hipóxia acarreta liberação de neurotransmissores capazes As fibras C são fibras aferentes não-mielinizadas, sensitivas,
de modificar os padrões ventilatórios; (2) A hipóxia acarreta finas e de condução lenta que estão amplamente distribuídas ao
queda nos níveis de ATP intracelular com conseqüente despo­ longo do epitélio das vias aéreas, vasos, gânglios e musculatura
larização e liberação de neurotransmissores capazes de modi­ brônquica. Essas fibras contêm neuropeptídeos sensoriais tais
ficar os padrões ventilatórios; (2) a elevação dos teores de COz como substância P e neurocinina A .
do organismo estimula a ventilação, sendo verdadeira a recí­
proca; e (3) a queda do pR eleva a ventilação, ao passo que a
elevação deste a inibe. Outros Receptores
RECEPTORES DO NARIZ E VIAS AÉREAS
Receptores de Estiramento Pulmonar SUPERIORES
(Receptores de Adaptação Lenta) No nariz, faringe e laringe há receptores que respondem à
estimulação mecânica e química. Podem ser encarados como
Os receptores de adaptação lenta são terminais nervosos mieli­ extensão dos receptores de irritação antes descritos. Dentre as
nizados localizados na musculatura lisa das vias aéreas, desde respostas reflexas à sua estimulação podem ser citados: tosse,
a traquéia até os bronquíolos. Esses receptores informam ao espirro e broncoconstrição, além de espasmo da laringe.
centro respiratório o grau de insuflação pulmonar. À medida
que os pulmões se enchem, aumentam os disparos desses recep­ RECEPTORES ARTICULARES
tores, que chegam ao centro respiratório bilateralmente por meio Acredita-se que impulsos aferentes oriundos da movimen­
dos nervos vagos. Este reflexo, também chamado de reflexo tação articular estimulem a ventilação durante o exercício, espe­
de insuflação de Breuer-Hering, ajudaria na determinação do cialmente em seus estágios iniciais. Logo, durante um exercício,
término da i nspiração. Embora sua presença sej a indiscutível mesmo antes que o metabolismo anaeróbico acarrete a liberação
em diversas espécies de mamíferos, no homem respirando em de ácido lático e queda do pR, e esses desencadeiem uma resposta
repouso parece ter participação restrita no controle do volume advinda dos quimiorreceptores, a movimentação articular esti­
corrente. Em animais de experimentação, a vagotomia bilateral mula a ventilação.
produz um dramático aumento do volume corrente acompanhado
de queda da freqüência respiratória. SISTEMA GAMA
OS músculos respiratórios, como diversos outros músculos
esqueléticos, possuem fusos musculares (em particular os
Receptores de Irritação músculos intercostais; o diafragma é pobre em fusos) que
(Receptores de Adaptação Rápida) percebem o estiramento muscular. Esta informação é utilizada
para controlar reflexamente a força de contração. Esses recep­
Os receptores de adaptação rápida são terminais nervosos tores podem estar envolvidos na sensação de dispnéia, que
mielinizados que diferem dos receptores de adaptação lenta por ocorre em presença de esforços musculares excessivamente pode­
se adaptarem mais rapidamente ao estímulo. Os mecanorrecep­ rosos para movimentar u m sistema respiratório mecanicamente
tores subepiteliais se localizam na traquéia, nos brônquios e nos comprometido.
bronquíolos. Os processos celulares dos receptores se estendem
entre as células epiteliais até atingir a camada ciliar. Aparen­ PRESSORRECEPTORES ARTERIAIS
temente destinam-se à detecção de pequenas deformações da Sabe-se que o aumento da pressão arterial pode provocar
superfície das vias aéreas. São estimulados por partículas inertes hipoventil ação e a hipotensão geralmente estimula a venti­
e corpos estranhos, bem como por gases e vapores irritantes, além l ação. Embora essas respostas reflexas se originem nos pres­
da histamina. Quando estimulados, produzem tosse ou taquipnéia sorreceptores arteriai s, suas v ias centrais ainda são desco­
e broncoconstri�ão reflexa. Os imp ulsos aferentes provenientes nhecidas.
CONTROLIl DA VENTII.i\çAo 657

NOCICEPTORES anárquico. Isto indica que os centros superiores ao bulbo não


A dor provocada subitamente em qualquer local do organismo são necessários para a manutenção da ventilação automática.
freqüentemente acarreta apnéia seguida de hiperventilação. O Ademais, a transecção entre o bulbo e a medula abole os movi­
aumento da temperatura corporal resulta em hiperventilação, mentos respiratórios. (2) A maioria dos neurónios que apre­
talvez envolvendo mecanismo homeostásico de manutenção da sentam periodicidade respiratória está localizada no bulbo.
temperatura interna, ao passo que a exposição súbita ao frio Na Fig. 44.3 estão esquematizados os grupos respiratórios
redunda em apnéia. bulbares e suas relações com outras estruturas nervosas. Como
i lustrado, há bilateralmente dois conj untos de neurônios respi­
ratórios, os denominados grupo respiratório dorsal (GRD) e
CONTROLADORES grupo respiratório ventral (GRV).
O GRD é composto por um grupo de células ativas durante
Para que seja mantida a homeostase do organismo, o ato a inspiração (neurônios inspiratórios). Esses neurónios inspira­
da respiração requer o movimento coordenado da musculatura tórios podem ser divididos em dois subtipos: neurónios Ia e I[3.
esquelética. Para tal propósito, o sistema nervoso central (SNC) Enquanto as células do tipo Ia são inibidas durante a insuflação
precisa integrar a atividade de neurônios individuais ou popula­ pulmonar, as do tipo 1[3 são estimuladas por ela. Logo, as células
ções de neurônios e produzir os movimentos respiratórios apro­ 1[3 inibiriam a atividade da Ia, sendo esse grupamento respon­
priados. Assim: (a) o SNC precisa produzir um ritmo que gere sável pelo reflexo de Breuer-H ering. O GRD está localizado no
periodicamente a expansão e a retração do sistema respiratório; núcleo do trato solitário (NTS). Há uma rede interna de sinapses
(b) este ritmo precisa ser traduzido em um padrão de descarga interconectando quatro subnúcleos do trato solitário (ventral,
precisamente coordenado para as várias populações de motoneu­ ventrolateral, intersticial e intermediário) envolvidos com a respi­
rónios a inervar os músculos respiratórios; (c) o SNC precisa ração. Esses neurónios recebem conexões aferentes do IX e do
adaptar e ajustar este padrão de modo que seja mantida uma X pares de nervos cranianos, que trazem ao centro respiratório
adequada ventilação alveolar e, conseqüentemente, a homeostase informações oriundas dos pulmões, faringe, laringe e quimior­
do transporte de gases pelo sangue e do estado ácido-base; e (d) receptores periféricos. Há também projeções da medula direta­
mente para o NTS. Fibras oriundas do complexo de Botzinger
o SNC precisa integrar os movimentos respiratórios com outras
(ver adiante) terminam especificamente no subnúcleo ventrola­
atividades corporais, tais como a fala, as mudanças posturais, a
teral do NTS.
locomoção, a mastigação e a deglutição. Naturalmente, a adap­
tação, o ajuste e a i ntegração dos movimentos respiratórios se As conexões eferentes dos neurônios respiratórios no GRD
também estão parcialmente esclarecidas. Axônios de células nos
baseiam em informações obtidas dos diversos receptores antes
descritos e são realizados em vários níveis do SNC. subnúcleos ventral e ventrolateral do NTS projetam-se principal­
mente contralateralmente para motoneurônios espinhais, em parti­
cular para os nervos frênicos. Neurónios do GRD se projetam
para o GRV, de modo a modificar as eferências deste para os
Centro Respiratório motoneurónios medulares relacionados com os músculos inter­
costais, abdominais e acessórios da respiração. Axônios do subnú­
A natureza periódica do cicIo respiratório é controlada por
cleo ventrolateral também se ramificam dentro de outros subnú­
neurónios localizados no tronco cerebral a nível de ponte e bulbo.
cleos (intersticial e intermediário). Além disso, eferências do
Esse conj unto de neurónios foi chamado de centro resp iratório.
NTS se projetam para a região do núcleo parabraquial medial
Apesar dos avanços relacionados com o estudo da atividade
(NPBM) na ponte, para o núcleo motor dorsal do vago, para o
elétrica do encéfalo (por meio de microeletródios localizados
núcleo do nervo hipoglosso, para o núcleo intercalado e para o
precisamente em pontos selecionados e de técnicas histológicas
núcleo grácil.
recentemente aperfeiçoadas), ainda não existe um consenso
A segunda região b ulbar com grande concentração de neurô­
acerca de uma hipótese única para explicar o funcionamento do
nios envolvidos com a respiração é o GRV, que está associado
centro respiratório. A presente descrição da gênese da respiração
com os núcleos retroambigual (NRA) , ambíguo (NA) e para­
é inserida nesse contexto. A qualquer instante pode tornar-se
ambigua! (NPA). No GRV encontram-se neurónios envolvidos
obsoleta.
tanto com a inspiração quanto com a expiração. O NRA recebe
Por muitos anos perdurou a noção de que o centro respira­
aferentes bilaterais do NTS, sendo mais i mportantes as proje­
tório era constituído por subcentros bulbares (inspiratório e expi­
ções ipsilaterais. O NPBM envia bilateralmente projeções para
ratório) e pelos subcentros pontinos. Deste conceito evoluiu-se os NRA, NA e NPA. Além disso, o NRA e o NPA apresentam
para os denominados grupos respiratórios, pois foi verificado interconexões. As projeções eferentes dos neurónios do GRV
que há diversos núcleos neuronais relativamente agrupados dirigem-se para a ponte (NPBM), para o NTS e para a medula
envolvidos com a respiração. Atualmente, busca-se o gerador contralateral.
do ritmo respiratório, aparentemente não pertencente aos grupos Embora tanto o GRD quanto o GRV venham tornando-se cada
respiratórios originalmente descritos. Fica obviamente claro que vez mais bem conhecidos, ainda não foi apresentada nenhuma
as interconexões entre essas diversas áreas do SNC estão longe evidência de que qualquer dessas regiões gere o ritmo respira­
de serem elucidadas. tório fundamental. Na realidade, os modelos mais modernos do
controle da ventilação apontam o complexo GRD-GRV como
GRUPOS RESPIRATÓRIOS BULBARES um integrador de diversas aferências relacionadas com a geração
O bulbo parece ser o responsável pela respiração espontânea do padrão ventilatório, sendo a ritmogênese respiratória propria­
por duas razões: ( 1 ) após a transecção cerebral entre a ponte e mente dita efetuada em outro sítio. Dentre os candidatos podem
o bulbo continua a existir uma certa ritmicidade da respiração, ser citados os núcleos paragigantocelular, retrotrapezóide e
embora o p adrão ventilatório se mostre alterado e até mesmo retrofacial, localizados próximo à superfície ventral do bulbo,
658 FISIOLOGIA

D Neurônios Inspiratórios
� Neurônios Expiratórios

Colículo I nferior

�--r-;;;""'----\t"--_Núcleo Parabraquial Medial


Núcleo Kólliker-Fuse
Ponte

Grupo Respiratório Dorsal


Núcleo do Trato Solitário (NTS)

Grupo Respiratório Ventral


Complexo de Bótzinger

Núcleo Ambíguo (NA)


Núcleo Paraambigual (NPA)

Núcleo Retroambigual (NRA)

Medula

Fig. 44.3 Representação esquemática dos grupos respiratórios dorsal (GRD) e ventral (GRV) com suas projeções para a medula. No GRD, em
íntima interligação com o núcleo do trato solitário (NTS), originam-se os impulsos nervosos para os motoneurônios frênicos contralaterais. A
porção rostral do GRV consiste em motoneurônios cranianos que inervam os músculos acessórios da respiração ipsilaterais. Da porção caudal do
GRV originam-se os impulsos nervosos para os músculos intercostais inspiratórios e expiratórios e, provavelmente, para os motoneurônios expi­
ratórios abdominais. Esses neurônios respiratórios do GRV se projetam contralateralmente, embora alguns neurônios inspiratórios se projetem
ipsilateralmente. NA, núcleo ambíguo; NRA, núcleo retroambigual; NPA, núcleo paraambigual.

fazendo parte da estrutura denominada complexo de Botzinger. núcleo facial até a medula espinhal, chamada complexo pré­
O complexo de B ótzinger contém neurônios inspiratórios e Bótzinger, tem sido considerada o cerne da ritmogênese respi­
expiratórios, aqueles enviando seus axônios para o NA, isto é, ratória. No entanto, estudos recentes questionam o papel exclu­
para o GRV, enquanto estes emitem seus axônios em direção sivo do complexo pré-Bótzinger e adicionam redes neuronais
do GRD (NTS) . Uma região relativamente pequena próxima vizinhas, incluindo neurônios com atividade pré-inspiratória,
à terminação rostral da coluna ventrolateral que se estende do alguns com propriedades tipo marca-passo, ao modelo de ritmo-
CONTROLE DA VENTILAÇAO 659

gênese, sugerindo um mecanismo baseado em redes acopladas.


Em resumo, inúmeros dados continuam a apontar o complexo
llNSPIRAÇÃol EXPIRAÇÃO IINSPIRAÇÃol EXPIRAÇÃO
pré-Botzinger como um elemento essencial ao sistema gerador do

I 11111111 11111111111 I 111111


A. INSPIRATÓRIO E. INSPIRATÓRIO·EXPIRATÓRIO

ritmo respiratório. No entanto, ainda resta determinar se esse é o


principal local da gênese do ritmo respiratório, um de múltiplos
sítios ou apenas uma parte de um complexo maior. Obviamente,
muitos estudos ainda serão realizados até que se consiga(m)

11111111111111111 IIII.L
IIIII LI.. ....L.
I I..LL.
..IIIILlJJ.LlJ
IIIIIII
.L. WL
IIII_
L.L.
B. EXPIRATÓRIO (HOLO) F. EXPIRATÓRIO·INSPIRATÓRIO

apontar a(s) estrutura(s) realmente responsável(is) pela geração


do ritmo respiratório básico. _
G . CONTiNUO

1111111111 I 1 11111111 1 1 I I I I 1 1111


C. EXPIRATÓRIO (PROTO)
(FREOÜÊNCIA MÁXIMA NA EXPIRAÇÃO)

GRUPO RESPIRATÓRIO PONTINO


Assim como no bulbo, também foram identificados neurônios
na ponte relacionados com a atividade respiratória, formando o D. EXPIRATÓRIO (TELE) H. CONTiNUO

_ I .... I...IIII 11111111111 1 1 1 1 1 1 1 11111111111


IIIIIIWIWLII
grupo respiratório pontino. Os neurônios respiratórios pontinos
(FREQÜÊNCIA MÁXIMA NA INSPIRAÇÃO)

apresentam atividade tanto inspiratória quanto expiratória e acre­


dita-se que têm como função a modulação do padrão básico
---L...

gerado no bulbo, suavizando a transição entre as fases do ciclo


respiratório. Todavia, a ponte não é essencial para a gênese da Fig. 44.4Principais padrões de descarga de neurônios do centro respira­
respiração. tório. (Modificada de Jacquez, J.A. Respiratory Physiology, Hemis­
Se for realizada uma transecção cirúrgica logo acima dos
phere, 1st ed., 1979.)
pedúndulos cerebelares, surge um padrão respiratório típico, a
respiração apnêustica. Esta consiste em inspirações prolongadas,
intelTompidas por expirações curtas. Aparentemente, os poten­ CENTROS SUPERIORES
ciais de ação gerados nessa região do tronco cerebral produzem
um efeito excitatório sobre os neurônios inspiratórios bulbares. O controle voluntário ou comportamental da ventilação reside
Em contraste marcante com os demais sítios relacionados com a no córtex cerebral e outras regiões, embora os sítios ati vos exatos
respiração, nessa região até agora não foram encontrados grupa­ não estejam totalmente identificados. Interessantemente, as vias
mentos neuronais precisamente delimitados. Os neurônios, cuja que conduzem os impulsos do córtex para os motoneurônios
estimulação tende a produzir a resposta apnêustica, estão espa­ que inervam os músculos respiratórios são distintas daqueles
lhados por toda a porção caudal da ponte. Foi observado, no tratos relacionados com a respiração automática (ver Medula,
entanto, que a intensidade e a duração da inspiração apnêustica adiante).
diminui à medida que as transecções do tronco cerebral são reali­ A importância do controle voluntário ou comportamental da
zadas em níveis progressivamente mais caudais da ponte. ventilação não deve ser subestimada, visto que, tradicionalmente,
Na porção superior da ponte foram identificados os núcleos grande ênfase é dada ao automatismo respiratório. Por exemplo,
parabraquial medial e Kolliker-Fuse e porções do brachium um indivíduo sadio pode aumentar, ou até mesmo intelTomper,
conjunctivum. O registro de potenciais de ação na porção dorso­ sua ventilação por um determinado período de tempo. Similar­
lateral da ponte revela uma concentração de unidades com ativi­ mente, o padrão ventilatório é alterado voluntariamente durante
dade relacionada a várias fases do ciclo respiratório. Muitas a fonação e o canto. Os estímulos nervosos oriundos de diversos
destas unidades apresentam um padrão de descarga tônico modu­ sítios superiores do sistema nervoso central relacionados com
lado pela respiração. Isto é típico deste local, posto que no bulbo a emoção (choro, riso, soluços), a postura, o sistema nervoso
são encontrados neurônios que se relacionam predominante­ autônomo (tremor, regulação térmica, vômito), os sentidos espe­
mente ou com a inspiração ou com a expiração. Os neurônios ciais (olfato) ou até mesmo com a mastigação e a deglutição
da porção alta da ponte podem enviar axônios caudalmente, que também podem sobrepujar totalmente o controle automático, que
trafegam na região ventrolateral da ponte. Além disso, já foram responde principalmente aos estímulos químicos e à insuflação
encontrados neurônios do NPBM que se projetam diretamente pulmonar. Por exemplo, durante a fonação a sensibilidade ao
para a medula, embora não se tenha ainda comprovação de que CO2 cai substancialmente.
estejam relacionados com a respiração. Em contrapartida, já se Outro estímulo à ventilação é o estado de vigília, que, por
tem certeza de que o GRD envia aferências inspiratórias monos­ sua vez, é reflexo da excitação pelo sistema ativador reticular.
sinápticas para o núcleo de Kolliker-Fuse. Acredita-se que a Esses neurônios localizam-se na substância reticular ascen­
função dos núcleos da ponte superior seria a de promover um dente, que se estende na porção medial do tronco cerebral, da
ajuste fino do ciclo respiratório por meio do estabeledmento de medula cervical superior até o diencéfalo. Assim, por exemplo,
l imiares para vários estímulos capazes de terminar a inspiração o indivíduo portador de uma determinada afecção neurológica
ou prolongar a expiração. (hipoventilação alveolar primária) não pode adormecer, pois
Finalizando, o centro respiratório ainda é em grande parte diminui o trânsito de impulsos pela substância reticular ascen­
desconhecido. As interconexões de seus diversos componentes dente e a respiração cessa.
não estão completamente esclarecidas, bem como a rede de
neurônios excitatórios e inibitórios atuando em seus variados
níveis. Esse grande grau de complexidade pode ser estimado MEDULA
pelos diferentes padrões de descarga de neurônios encontrados
no tronco cerebral relacionados com a respiração, como exem­ Os axônios que emergem do GRD, GRV, córtex e outros
p lificado na Fig . 44.4. sítios supramedulares descendem pela substância branca da
660 FISIOLOGIA

� �A � � � " 1-

• ADRENÉRGICO � � A r ��� RECEPTOR a � CONSTRITA

• NÃO-ADRENÉRGICO NANC inibitório


NÃO-COLlNÉRGICO � VIP/PHM� RECEPTOR VIP � DILATA
� NO r� ��. )�� )��� DILATA
NANC excitatório
� S P/NKA� RECEPTOR NK � CONSTRITA

Fig. 44.5 Representação esquemática do controle neural do músculo liso. NA, noradrenalina; A, adrenalina; NANe, não-adrenérgico não-coli­
nérgico; VIP, peptídeo vasoativo intestinal; NO, óxido nítrico; SP, substância P; PHM, peptídeo histidina-metionina; NKA, neurocinina A.

medula até formarem sinapses com os motoneurônios que fluido através do epitélio alveolar, a permeabilidade e o fluxo
inervam os músculos respirat6rios. Há evidências de que os sanguíneo da circulação brônquica e a l iberação de mediadores
tratos descendentes que se originam no córtex e controlam a partir dos mast6citos e outras células inflamat6rias. A iner­
a ventilação voluntária são independentes daqueles oriundos vação e o controle autonômico das vias aéreas são extrema­
do tronco cerebral e envolvidos na respiração involuntária. mente complexos. Além dos clássicos nervos adrenérgicos e
Também foi demonstrado que as vias descendentes para colinérgicos, existem mecanismos neurais, que não são adre­
reflexos não-rítmicos envolvendo músculos respirat6rios, tais nérgicos nem colinérgicos (sistema não-adrenérgico não-coli­
como a tosse e o soluço, são diferentes daquelas relacionadas nérgico, NANC) (Fig. 44.5), que participam do controle neural
com a ventilação rítmica. do músculo liso da via aérea.
Os impulsos nervosos descendentes são integrados com
informações reflexas locais ao nível da medula, da qual emergem
motoneurônios segmentares que inervam os músculos respira­ BIBLIOGRAFIA
tórios. Há também diferenças entre os vários grupamentos
musculares respirat6rios quanto aos mecanismos de ativação CHERNIACK NS & WIDDICOMBE JG (eds.). Handbook ofPhysio­
de agonistas e antagonistas. Assim, a ativídade dos motoneu­ logy. The Respiratory System. Contrai f B reathing. Bethesda.
rônios alfa inspiratórios é inibida durante a expiração, e vice­
o

American Physiological Society, 1986.


versa, a nível dos músculos intercostais. Diferentemente dos COMROE Jr JR. Fisiologia da Respiração. Rio de Janeiro. Guanabara
músculos extensores e flexores dos membros, essa ação não Koogan, 2.' ed., 1977.
se passa através de um mecanismo reflexo medular, mas sim CRYSTAL RG, WEST JB, WEIBEL ER, BARNES PJ. The Lung.
por meio de influências nervosas respirat6rias centrais descen­ S i ntifi Foundations. Philadelphia, New York. Lippincott-Raven
c e c

dentes. Já a ação do diafragma é muito mais complexa, e parece Publishers. 1997.


existir uma distribuição incomum de nervos aferentes segmen­
FORSTER II RE, DUBOIS AB, BRISCOE WA, FISHER AB. Lung. The

tares de músculos antagonistas do diafragma com possibilidade


Chicago. Year Book Medical Publishers, 3rd ed., 1986.
de influenciar a descarga dos nervos frênicos.
HLASTALA MP & BERGERAJ. Phy i l gy s o o New York.
ofResp iration.
Oxford University Press, 1st ed., 1996.
LEVITZKY MG (ed.). Pulmonary Physiology. New York. McGraw­
Hill, Inc., 4th ed., 2002.
CONTROLE NEURAL DO MÚSCULO PATION HD, FUCHS AF, HILLE B, SCHER AM, STEINER R (eds.).
LISO DA VIA AÉREA Textbook of Physiology. Philadelphia. W.B. Saunders Company, 21st
ed., 1989.
O sistema nervoso autônomo tem um importante papel na
VON EULER C & LAGERCRANTZ H (eds.). Neurobiology of the
regulação e/ou modulação do calibre das vias aéreas, sej a em
control of breathing. New York. Raven Press, 1987.
indivíduos normais ou com doença pulmonar. Além de regular
WEST JB (ed.). Prac­
Best and Taylor's Physiological Basis ofMedical

o tônus muscular liso, os nervos autônomos podem influenciar:


tice. Baltimore. Williams and Wilkins, 12th ed. , 1990.
WEST JB. Respiratory Physiology. The Essentials. Baltimore. Lippin­
a secreção de muco pelas glândulas submucosas, o transporte de catt Williams and Wilkins, 7th ed., 2005.
CAPÍTULO 45

RE GULAÇÃO RE SPIRATÓRIA D O
EQUILÍBRI O ÁC IDO-BASE
Walter Araujo Zin • Patricia Rieken Macêdo Rocco • Debora Souza Falle

Através da eliminação do gás carbônico, o pulmão tem um Rearranjando-se a equação:


importante papel na regulação do pH do organismo. Para tanto,
[HCO-3 ]
basta ser ressaltado que o pulmão elimina mais de 1 0.000 mEq -log [H+] - log K + log
[C0 2 ]
=

de ácido carbônico por dia, ao passo que o rim contribui com


menos de 1 00 mEq de ácidos fixos. Conseqüentemente, o orga­
Posto que pH corresponde a - log [H+ ] :
nismo pode lançar mão de alterações da ventilação alveolar para
fazer variar a eliminação de CO2, participando assim, ativamente, [HCO} ]
da manutenção do equilíbrio ácido-base. pH pK + log
[C0 2 ]
=

Dos sistemas tampões existentes no organismo (apresentados


no Capítulo 12 Regulação do pR do Meio Interno), o mais Como já discutimos, o CO2 obedece à lei de Henry e, portanto,
interessante para o fisiologista da respiração é o sistema ácido a concentração do CO2 (em mmollL) pode ser substituída por:
-

carbônico-bicarbonato. ° dióxido de carbono combina-se com PC02 X 0,03 (note que a solubilidade do CO2 aqui está expressa
a água, formando ácido carbônico, que por sua vez se dissocia em mmol/L e, no capítulo de transporte de gases, em mililitros
em íons bicarbonato e íons hidrogênio: de CG2 por 1 00 mI de plasma). Assim:

cO2 + H20 � H2C03 � H+ + HC03 - [HCO-3 ]


pH pK + log
0,03 X PC0 2
=

° pH resultante da dissolução do CO2 no sangue, com a conse­


qüente dissolução do ácido carbônico, é dado pela equação de Tomando-se em conta que o pK desse sistema tampão a uma
Henderson-Hasselbalch, que é encontrada como mostrado a se­ temperatura de 37°C equivale a 6, 1 , e que normalmente a PC02
guir. Com base na equação arterial corresponde a 40 mmHg e a [HC03 -] a 24 mM/L, subs­
tituindo esses valores na equação acima teremos:
H2C03 � H+ + HC03 -
a lei de ação das massas define a constante de dissociação do 24
pH 6, 1 + log
ácido carbônico, K ' , como: 0, 03 X 40
= ---

pH = 6, 1 + log 20
pH = 6, 1 + 1 ,3
Uma vez que a concentração de ácido carbônico é propor­ pH 7,4
cional à concentração de dióxido de carbono dissolvido, K' pode
=

ser mudada para K e o ácido carbônico substituído pelo dióxido Deve ser ressaltado que, enquanto a relação entre a concen­
de carbono. Assim, tração de bicarbonato e PC02 x 0,03 permanecer igual a 20, o
pH será de 7,4. Primordialmente, a concentração de bicarbonato
[H+ ] X [HCO} ] é determinada pelo rim, ao passo que a pressão parcial de dióxido
K de carbono é regulada pelo pulmão.
[C0 2 )
=

As inter-relações entre [HC03 -], pH e PC02 podem ser repre­


Logaritmando-se a equação sentadas em gráficos, basicamente sob a forma de diagramas.
Neste ponto será apenas mencionada a existência do diagrama
[HCG } ] de Siggaard-Andersen, pois este tem uma representação gráfica
log K log [H+ ] + log
[C0 2 ] um pouco mais complexa. Todavia, será expl orado o diagrama
=
662 FISIOLOGIA

de Davenport (outros detalhes no Capítulo 1 2 - Regulação do Na acidose respiratória há uma elevação da PC02, que reduz
pH do Meio Interno). a relação [HC03 -]/(0,03 x PC02), fazendo assim cair o pH. Este
distúrbio pode ser representado pelo movimento do ponto A
(valores normais) para o ponto B na Fig. 45.2. Sempre que a
DIAGRAMA DE DAVENPORT PC02 se eleva, há um aumento concomitante do bicarbonato,
por causa da dissociação do ácido carbônico produzido. Este
A Fig. 45 . 1 apresenta o diagrama de Davenport. ° pH está fato se reflete na inclinação ascendente da curva de tampona­
representado na abscissa, a concentração plasmática de bicarbo­ mento do sangue total. Apesar disso, como dito acima, a relação
nato na ordenada, e, para cada valor de pressão parcial de CO2, bicarbonato/C02 diminui. A retenção de CO2, ou hipercapnia,
há uma linha curva denominada isóbara, ou seja, no diagrama de pode resultar de hipoventilação alveolar ou de desigualdades
Davenport há uma família de isóbaras de PC02 • Note que, para da relação ventilação-perfusão. Caso persista a acidose respira­
cada valor de [HC03 -] e de pH, há um único valor de PC02 • As tória, o rim entra em ação, retendo bicarbonato. Como resultado,
linhas retas oblíquas, tracej ada e contínua, representam as linhas a relação bicarbonato/C02 tende a retornar a seu valor normal.
de tamponamento do plasma e do sangue total (contendo 1 5 g% Este evento corresponde ao movimento de B para D ao longo da
de hemoglobina), respectivamente. isóbara de 60 mmHg de PC02 na Fig. 45.2. Note que, embora
° diagrama de Davenport apresenta grande utilidade para o es­ o pH tenda à normalidade, tanto o bicarbonato quanto a PC02
tudo do equilíbrio ácido-base, posto que permite a distinção clara continuam alterados.
dos distúrbios ditos metabólicos e respiratórios (previamente estu­ Na alcalose respiratória há diminuição da PC02 , o que eleva
dados no capítulo referente aos desvios do equilíbrio ácido-base). a relação bicarbonato/C02 , resultando um aumento do pH. Esta
Como os próprios nomes sugerem, o metabolismo é o responsável situação é representada pelo movimento do ponto A para o ponto
por aqueles, fazendo variar o valor do bicarbonato, ao passo que C na Fig. 45. 2 . A diminuição da PC02 pode ser causada por hi­
os distúrbios respiratórios originam-se de funcionamento patoló­ perventilação alveolar, como ocorre em grandes altitudes ou
gico do pulmão, alterando a pressão parcial do CO2 . em alguns estados psíquicos relacionados com ansiedade. Caso
persista o distúrbio, há a compensação renal por meio do aumento
da eliminação de bicarbonato, e o pH tende a retornar à norma­
lidade (trajeto C para F, na Fig. 45.2).
DIAGRAMA DE DAVENPORT Na acidose metabólica há aumento da produção de ácidos pelo
organismo, fazendo cair a relação bicarbonato/C02 e o pH. Essa
alteração corresponde, na Fig. 45 .2, ao movimento do ponto A
para o ponto G. Como exemplos, podem ser citados o acúmulo de
cetoácidos do diabetes mellitus descompensado ou de ácido lático

40
40 pco2
�..
-..
::2: (mmHg)
.s 60
Cl..
T 30
OM
Ü
6
::;
30
20 :E
É-
a.

I

CM
(J
iE.
20

6,9 7,0 7,1 7,2 7,3 7,4 7,5 7,6

pH 7,7
" ---..
. pH
Fig. 45. 1 Diagrama de Davenport. O diagrama é uma representação ACIDOSE ALCALOSE
gráfica da equação de Henderson-Hasselbalch. Para cada valor de PC02
há uma isóbara. A linha oblíqua contínua representa a linha de tampo­
namento do sangue com 15 g% de hemoglobina, ao passo que a linha Fig. 45.2 Principais distúrbios do equilíbrio ácido-base representados
oblíqua tracejada representa a linha de tamponamento do plasma. no diagrama de Davenport. [HC031P (mM / L), concentração plasmá­
[HCOi]P (mM / L), concentração plasmática de bicarbonato. (Modi­ tica de bicarbonato. O segmento de reta que passa pelos pontos B A C
ficada de Paes de Carvalho, A. e Fonseca-Costa, A. Circulação e Respi­ corresponde à linha de tamponamento do sangue arterial. O ponto A
ração. Editora Cultura Médica, 3."ed., 1979.) representa a situarão normal (ver o texto para maiore explicarões).
s
REGULAÇÃO RESPIRATÓRlt\ DO EOUlLÍBRJO ÁCIDO-BASE 663

secundário à hipóxia teci dual. Neste distúrbio a compensação é pR = 6, 1 + log


[HCO-3 ]
feita por meio do pulmão, que, pela hiperventilação reflexa, passa PaC0 2
a eliminar maior quantidade de CO2 , fazendo retomar aos valo­
res normais a relação bicarbonato/C02 • Na Fig. 45.2 o ponto se Assim, imagine u m paciente em choque hipovolêmico, com
move de G tendendo para F, representando a acidose metabólica os seguintes valores da gasometria arterial: pR = 7 ,25 ; PaC02
compensada. Note que dizer-se que a acidose metabólica é com­ = 25 mmHg e RC03 - 1 0,7 mEq/L. Substituindo na fórmula,
=

pensada por uma alcalose respiratória representa um eno. teremos :


A elevação do RC03 - com conseqüente aumento da relação [ 1 0, 7]
bicarbonato/C02 e do pR caracteriza a alcalose metabólica. Como pR = 6, 1 + log ---=
---'
---"-
-
0,03 X 25
exemplos, podem ser citadas a excessiva ingestão de álcalis e a
perda de suco gástrico (por aspiração ou vômito). Na Fig. 45.2 pR 7 ,254
esta situação é representada pelo movimento de A para E. A
=

compensação respiratória é realizada pela redução da ventilação Como o resultado do cálculo é muito próximo daquele obser­
alveolar, que tende a elevar a PC02 • ° ponto E move-se na vado na gasometria arterial, conclui-se que este é confiável e o
direção do ponto D. Uma vez mais, já que é grande a confusão, aparelho está bem calibrado.
não é correta a afirmação de que a alcalose metabólica é compen­
sada por uma acidose respiratória. 2. Verificação de qual é o distúrbio ácido-base primário:
Naturalmente, com freqüência ocorrem distúrbios mistos, ou
seja, metabólicos e respiratórios concomitantemente. Por exemplo, Para essa análise é fundamental saber os valores da normali­
uma pessoa portadora de enfisema pulmonar pode subitamente dade do pR (7,35-7,45), PaC02 (35-45 mmRg) e RC03 - (22-26
apresentar um quadro de diabetes mellitus descompensado. mEq/L) . ° PaC02 reflete o componente respiratório e o RC03 -,
o componente metabólico. Quando o pR se encontra abaixo de
7,35, diz-se que existe acidose; quando acima de 7 ,45, diz-se
ANÁLISE DO DISTÚRBIO DO que há alcalose. Quando observamos uma PaC02 abaixo de 35
EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE mmHg, dizemos que o desvio respiratório se encontra no lado
alcalótico; se acima de 45 mmHg, no lado acidótico. Adicio­
Para diagnosticar o distúrbio do equilíbrio ácido-base no nalmente, quando observamos que o RC03 - está abaixo de 22
sangue arterial é necessário efetuar três etapas, verificando: mEq/L, dizemos que o desvio metabólico se encontra no lado
1) a validade da gasometria arterial, por meio da fórmula de acidótico; se acima de 26 mEq/L, no lado alcalótico. Para se
Renderson-Rasselbalch, 2) qual o distúrbio primário e 3) se existe determinar o distúrbio primário, é necessário observar qual o
distúrbio secundário. componente (respiratório ou metabólico) se encontra do mesmo
lado do desequilíblio ácido-base do pR (Fig. 45.3).
1. Verificação da validade da gasometria arterial utilizando a Voltando ao exemplo anterior (pR 7 25 ; PaC0 25 mmHg;
2
= , =

fórmula de Henderson-Hasselbalch: HC03 - = 1 0,7 mEq/L), o pH abaixo de 7,35 revela acidose; a


PaC02 abaixo de 35 mmHg indica que há um desvio respiratório
Essa primeira etapa deverá ser realizada para assegurar a para o lado alcalótico; enquanto o RC03 - abaixo de 22 mEq/L
fidedignidade dos dados. Utiliza-se a fórmula enunciada a mostra que ocone um desvio metabólico para o lado acidótico.
seguir, colocando-se o valor da PaC02 e do RC03 -. Em seguida Logo, o componente metabólico (o HC03 -) está no mesmo lado
compara-se o valor obtido pela fórmula com aquele encontrado do distúrbio do pR, indicando que o diagnóstico do distúrbio
na gasometria arterial. primário dessa gasometria é acidose metabólica. E se ambos os

pH

7, 35 - 7, 45
o( )
acidose normal alcalose

PaC02
Compon nte r o

o( )
ac

o( )

Fig. 45.3 Análise do distúrbio primário do equilíbrio ácido-base.


664 FISIOLOGIA

componentes (respiratório e metabólico) apresentarem desvios de 40 mmHg), o pH estaria muito mais baixo, em aproximada­
para o mesmo lado da alteração do pR? Nesse caso, teremos um mente 7, 1 0.
distúrbio misto, isto é, originado por um processo metabólico e Esse mesmo paciente, com choque hipovolêmico, foi entu­

7,35; PaC02 = 20
respiratório (acido se ou alcalose). bado e colocado em ventilação mecânica. A nova gasometria
arterial revelou os seguintes valores: pH =

3. Verificação da existência de distúrbio secundário: mmHg; RC03 - 1 0,7 mEq/L. A análise passo a passo revela:
=

Todos os distúrbios ácido-base induzem a respostas compen­ 1 ) o pH esperado pela fórmula de Henderson-Hasselbalch é 7,35 .
satórias do organismo. Por exemplo, um paciente com acidose Logo a gasometria está correta;
metabólica (HC03- baixo) apresenta diminuição da PaC02 de­ 2) ° pH é normal, mas a PaC02 encontra-se no lado alcalótico
vido a hiperventilação. Já um paciente com acidose respiratória e o HC03 - no lado acidótico. Portanto, poderemos utilizar a
(PaC02 elevada) também apresentará elevação do HC03 -. Ou fórmula da acidose metabólica ou da alcalose respiratória.
seja, em distúrbios ácido-base simples, as mudanças do HC03- Como temos a i nformação de que o paciente apresentava
e da PaC02 são diminuições ou elevações. Essas respostas são anteriormente acidose metabólica, utilizaremos essa fór­
conhecidas e podem ser previstas através de fórmulas simples mula.
(Quadro 45 . 1 ). 3) Aplicando-se a fórmula compensatória da acidose metabólica
Quando essas respostas apropriadas estão presentes, dizemos (Quadro 45 . 1 ) :
que o distúrbio ácido-base é simples. ° objetivo dessas respostas
LlPaC02 = 1 - 1 ,4 X � HC03-
compensatórias é a manutenção da homeostase do meio inter­
no. Entretanto, essa resposta compensatória normal do organis­ LlPaC02 = 1 - 1 ,4 X (40 - 1 0,7) = 1 3 ,3 a 1 8,6
mo jamais leva o valor do pH à normalidade. Ao encontrarmos
o pH normal em uma gasometria com valores de PaC02 e/ou Logo, a PaC02 esperada será de (40 - 1 3 , 3 a 1 8,6) = 2 1 ,4 a
HC03 - alterados, necessariamente o paciente apresentará dis­ 26,7 mmHg
túrbio misto. Como a PaC02 está abaixo do esperado, o diagnóstico é de

mmHg; HC03 - 1 0,7 mEq/L), já verificamos que a gasometria


Voltando ao mesmo exemplo anterior (pH 7,25; PaC02 = 25 =
acidose metabólica associada à alcalose respiratória. Se a PaC02
=
estivesse acima de 26,7 mmHg, o diagnóstico seria de acidose
está correta, e o distúrbio ácido-base primário é acidose metabó­ mista e o pR selia mui to mais baixo.
lica. ° passo seguinte é, utilizando-se da fórmula compensatória Vejamos outro exemplo. Um paciente, portador de Doença
da acidose metabólica (Quadro 45 . 1 ), calcular qual seria o valor Pulmonar Obstrutiva Crônica em franca insuficiência respira­
esperado para a PaC02• Assim, usamos a seguinte fórmula: tória, apresenta os seguintes valores da gasometria arterial: pH
LlPaC02 = 1 - 1 ,4 X LlHC03- = 7,3 1 , PaC02 = 67,5 mmHg e HC03 - 33 mEq/L. Utilizando
=

as três etapas descritas até aqui temos:


LlPaC02 = 1 - 1 ,4 x (24 - 1 0,7) = 1 3,3 a 1 8,6
1 ) o pH esperado pela fórmula de Henderson-Hasselbalch é 7,3 1 .
Logo, a PaC02 esperada será de [40 - ( 1 3,3 a 1 8 ,6)] = 2 1 ,4 a Portanto a gasometria está coneta;
26,7 mmHg. 2) o distúrbio primário é acidose respiratória (PaC02 na mesma
direção do pH) ;
Uma vez que a PaC02 é de 25 mmHg, o diagnóstico dessa
3) aplicando a fórmula compensatória d a acidose respiratória
gasometria arterial é de uma acido se metabólica primária.
Observe que à primeira vista faríamos o diagnóstico de aci­
crônica (o paciente é portador de doença crônica, Quadro
45 . 1 ), temos:
dose metabólica associada a alcalose respiratória, pois a PaC02
encontra-se abaixo de 35 mmRg. Entretanto, utilizando a fórmula LlHC03 - = 0,25 - 0,55 X �PaC02
para predizer a resposta compensatória normal do organismo,
�HC03- = 0,25 - 0,55 X (67,5 - 40) = 6,8 - 1 5 , 1
verificamos que não existe qualquer distúrbio respiratório asso­
ciado. Logo, a redução da PaC02 é somente compensatória. Se Logo, o HC03- esperado será de (24 + 6,8 a 1 5 , 1 ) = 30,8 a
tal resposta não existisse (suponha um valor normal de PaC02 39, 1 mEq/L.

Quadro 45.1 Respostas compensatórias do equilíbrio ácido-base do organismo e fórmulas de compensação

Distúrbio Ácido-base Fórmula da Compensação*

-
Acidose metabólica - a diminuição do RC03 - acaneta queda da PaC02

-
LlPaCOz = 1 - 1 ,4 X LlRC03 -
Alcalose metabólica a elevação do RC03 - acan·eta aumento da PaC02

-
LlPaC02 =0,4- 0,9 x LlRC03-
Acidose respiratória aguda o aumento da PaCOz acaneta elevação do RC03-

- =
LlHC03- = 0, 1 -0,2 x LlPaC0
2
Acidose respiratória crônica o aumento da PaC02 acarreta maior aumento do RC03-

-
LlRC03 - = 0,25 - 0,55 x LlPaCO,
-
Alcalose respiratória aguda a diminuição da PaC02 acarreta queda do RC03- LlRCOJ- 0,2- 0,25 x LlPaC02

-
Alcalose respiratória crônica a diminuição da PaCOz acaneta maior diminuição do RC03- �RC03- = 0,4 - 0,5 x LlPaCOz

PaC02 = pressão parcial do gás carbônico no sangue arterial; HCO) = concentração de bicarbonato no sangue arterial. * As mudanças para mais ou para menos partem do valor normal
de PaCO, (40 mmHg) e de HCO, - (24 mEq/L), segundo Fali PJ (A stepwise approach to acid-base disorders-practical patient eva/uaeion for mewbo/ic acidosis and odler conditions. Post·
grad Med 2000; 107: 249-26) e Schliehtig R, Grogono AW e Severinghaus JW (Respiration in anesthesia pathophysiology and elinieal update - eUlTent status of aeid base quantitation
111 physlOlogy and medleme. Anesl Clin No/"Ih AII1 1998; 1 6: 2 1 1-233).
RECULAÇÃO RESPIRATÓRIA DO EQUILíBRIO ÁCIDO-BASE 665

Como o HCO) - está dentro do esperado, há uma acidose DAVENPORT H. The ABC ofAcid Base Chemistry. Chicago. Univer­
respiratória crônica simples, não ocorrendo alcalose metabólica sity of Chicago Press, 5th ed., 1969.
associada, como poderíamos supor numa análise rápida. FISHMAN AP & FISHER AB (eds.). Handbook of Physiology. The
Respiratory System. Circulation and Nonrespiratory Functions.
Bethesda. American Physiological Society, 1985.
BIBLIOGRAFIA
FORSTER II RE, DUBOIS AB, BRISCOEWA, FISHERAB. The Lung.
Chicago. Year Book Medical Publishers, 3rd ed., 1986.
PATTON HD, FUCHS AF, HILLE B, SCHERAM, STEINER R (eds.).
CHERNIACK NS & WIDDICOMBE JG (eds.). Handbook ofPhysio­ Textbook ofPhysiology. Philadelphia. W.B. Saunders Company, 2 1 st
logy. The Respiratory System. Control of Breathing. Bethesda. ed., 1989.
American Physiological Society, 1986. WEST JB. Respiratory Physiology. The Essentials. Baltimore. Williams
COMROE JraJH. Fisiologia da Respiração. Rio de Janeiro. Guanabara and Wilkins, 7th ed., 2005.
Koogan, 2. ed., 1977.
CAPÍTULO 46

MECANI SMO S D E DEFE SA


DAS VIAS AÉREAS
Walter Araujo Zin • Patricia Rielwn Macêdo Rocco • Debora Souza Falle

o sistema respiratório está sujeito continuamente à exposição •


remove partículas estranhas, como a sílica (que pode causar
a diversos agentes tóxicos do ar, incluindo gases, particulados fibrose pulmonar), fibras de asbesto (que podem provocar o
e microrganismos, sendo os mecanismos de defesa pulmonar mesotelioma pleural) ou poeiras inertes (que podem causar
mobilizados através do condicionamento, filtração e limpeza broncoconstrição e secreção excessiva de muco) e
do ar inspirado. •
remove bactérias em suspensão no ar e também outras bacté­
rias, vírus e alguns gases ou vapores irritantes ou tóxicos
(incluindo carcinogênicos) que estejam adsorvidos a partí­
CONDICIONAMENTO DO AR culas maiores. A menos que seja sobrecarregado, o meca­
nismo de filtração mantêm os alvéolos praticamente esté­
As vias aéreas superiores são fundamentais para o condicio­ reis.
���ento do ar inspirado. Independentemente de sua composição o atrito da corrente aérea com a parede do sistema respi­
InICIal, quando o ar alcança os alvéolos, já está aquecido, umidi­
ratório predispõe à retenção de material na camada mucosa
ficado e quase desprovido de partículas.
onde fica impactado. A anatomia das vias respiratórias favo­
A boca e a faringe realizam essas funções de condicionamento
rece a deposição devido às ramificações sucessivas observadas
do ar quase tão bem quanto o nariz e a faringe. A traquéia e os brôn­
desde a nasofaringe até as bifurcações bronquiolares. As vias
quios, entretanto, não o fazem, já que sua perfusão é bem pequena
aéreas mais largas propiciam uma corrente aérea do tipo turbi­
quando comparada com a alta perfusão dos tecidos da boca, nariz
lhonar e, portanto, maior atrito e maior deposição de material,
e faringe. Um paciente que ventile através de um tubo traqueal ou
enquanto as de menor calibre comportam um fluxo laminar
de uma cânula de traqueostomia poderá ter problemas de condicio­
namento do ar quando as condições ambientais forem extremas (se com menor resistência local. Não só a maior superfície das
vias aéreas superiores, mas também a presenças de pêlos nasais
� ar for muito quente ou frio, e muito seco) ou durante a hiperven­
e a anatomia própria da faringe, língua e laringe contribuem
tllação. Nessas situações, o médico deverá fornecer ar umidificado
(ou O2 urnidificado) para impedir que o tecido fique ressecado e que para a elevação da resistência a este nível. Estes elementos
o epitélio respiratório, os cílios e as glândulas se danifiquem. funcionam como filtro na manutenção da integridade das vias

� a �gua são transferidos da mucosa das vias aéreas para o ar


Durante a inspiração em climas frios ou temperados, o calor aéreas inferiores. O modo de respirar também influi, sendo que
o tipo respiratório mais rápido e superficial favorece a retenção
InspIrado (o calor por convecção turbulenta e a água por evapo­ de partículas nas vias aéreas mais altas, enquanto as respira­
ções lentas e profundas propiciam a deposição alveolar. Assim
sendo, as partículas que possuem diâmetro superior a 10 J-lm
ração), esfriando a mucosa. Durante a expiração, parte do calor

olar. Assim, as vias respiratórias condicionam o ar i�spirado


e do vapor d' água retorna à mucosa, proveniente do aás alve­
� ão quase completamente retiradas do ar ao passar pelo nariz,
Juntamente com algumas partículas menores, mesmo algumas
submicroscópicas (diâmetro menor que 1 J-lm). As que não
para proteger o pulmão e depoi s conservam o calor e a água do
corpo, reabsorvendo parte deles durante a expiração.
são removidas pelo nariz podem chocar-se com as paredes da
nasofaringe e da laringe. As de tamanho entre 2 e 1 0 J-lm geral­
mente se depositam nas paredes da traquéia, brônquios e bron­
MECANISMOS DE FILTRAÇÃO quíolos. Alcançam os ductos alveolares e os alvéolos as partí­
E LIMPEZA culas com diâmetro entre 0,3 e 2,0 J-lm, além de todos os gases
e vapores. As menores de 0,3 J-lm são capazes de atuar como
o mecanismo de filtração das vias aérea superiores é impor­ vapores, permanecendo como aerossóis no gás expirado. A Fig.
tante por várias razões: 46. 1 mostra, de forma esquemática, o local de dep osi ç ão das
MECANISMOS DE DEFESA DAS VIAS AÉREAS 667

1 00

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20 BRÔNOU ICA

ALVEOLAR

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DIÂMETRO DA PARTíCULA (11m)

Fig. 46.1 Partículas inaladas tendem a se depositar em diferentes locais das vias aéreas, dependendo do seu tamanho. Partículas de diâmetro
maior que 5 J.Lm tendem a se depositar na nasofaringe, orofaringe, ou vias aéreas de maior diâmetro. Pequenas partículas se depositam nas vias
aéreas mais distais ou no alvéolo.

partículas de acordo com seu diâmetro. Posteriormente, essas serosas) como no epitélio das vias aéreas (células mucosas,
partículas que se depositaram nas paredes do nariz, faringe, serosas e de Clara) têm, através do seu produto de secreção, a
traquéia, brônquios ou bronquíolos são parcialmente removidas função de servir de veículo para a absorção e transporte de subs­
pelos jatos explosivos de ar provocados pelo espirro e pela tosse tâncias e lise de microrganismos. O fluido que reveste as vias
e, em grande parte, removidas pelo sistema mucociliar e pela aéreas é constituído por: substâncias antioxidantes, tampões,
atividade fagocitária dos macrófagos. imunoglobulinas e enzimas capazes de interagir com micror­
ganismos, como a lisozima, lactofenina e peroxidases diversas.
Quando o indivíduo está desidratado, o muco se torna menos
Sistema Mucociliar fluido, aumentando sua viscosidade, situação que dificulta o bom
funcionamento ciliar.
o muco é formado a partir das glândulas submucosas, das
células caliciformes e das células de Clara. As células calici­ PRINCÍPIOS DE TRANSPORTE MUCOCILIAR
formes, mais freqüentes na traquéia e nas vias aéreas de maior O epitélio ciliado, com células secretoras de permeio, reveste
diâmetro, apresentam-se dispostas na mucosa brônquica numa a traquéia até os bronquíolos. No entanto, a composição celular
ordem de 1 para 5 células ciliadas, não sendo necessário impulsos e o fenótipo de células individuais variam conforme o nível do
nervosos para a descarga de seu conteúdo. Elas o fazem mesmo trato respiratório analisado. Assim, o número de células secre­
quando a inervação das vias aéreas é seccionada e quando outras toras diminui em direção aos segmentos mais periféricos do
células glandulares, sensíveis aos impulsos parassimpáticos, trato respiratório, enquanto o número de cílios por célula ciliada
são bloqueadas por doses elevadas de atropina. Um estímulo aumenta em direção às porções mais proximais. Este epitélio é
adequado para descanegá-Ias é a initação local, mecânica ou revestido em sua totalidade por um fluido; este é constituído pelo
química. As glândulas túbulo-acinosas comunicam-se com a produto de secreção das células serosas, mucosas e de Clara,
luz brônquica através de um canal que se abre entre as células pela transudação de líquido dos alvéolos e vias aéreas e por
ciliadas, sendo reguladas por impulsos vagais e sua secreção mecanismos ativos de transporte iônico e de líquido através do
diminuída pela ação da atropina. As vias bronquiolares repre­ epitélio. O meio fluido que reveste o epitélio é impermeável à
sentam as zonas de preferência das células de Clara, que se água; em condições fisiológicas, pode medir, nos segmentos mais
salientam das células ciliadas circunvizinhas pela aparência proximais da árvore respiratória, entre 2,0 e 5,0 micrômetros.
convexa de seu topo rodeado de muco. Esse meio fluido é o produto da secreção das células secretoras
De forma geral, as células secretoras localizadas tanto nas presentes no epitélio, com a contribuição de elementos da linfa
glândulas da submucosa dos brônquios (células mucosas e e do plasma.
668 FISIOLOGIA

Observações microscópicas, feitas em preparações de vias


aéreas submetidas a congelamento rápido, têm demonstrado
que o fluido brônquico é composto por duas fases: camada gel,
formada provavelmente pelo produto de secreção das células
Camada '
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-
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mucosas do epitélio e glândulas da submucosa; e camada sol,
produzida presuntivamente pela secreção das células serosas,
células de Clara, e pela transudação de líquido dos alvéolos e
vias aéreas.
A camada sol é contínua desde a traquéia até os bronquíolos,
ao contrário da camada gel, fragmentada em diversos pontos pela
ação do batimento ciliar. O controle da secreção da camada sol
��ldail)jjl
é de importância fundamental para o correto funcionamento do
transporte ciliar, de forma a manter os cílios em contato ideal
com a camada gel . Fig. 46.2 Representação esquemática do batimento ciliar nas vias aéreas.
A regulação da quantidade de fluido da camada sol depende Durante o batimento efetivo, isto é, na direção do fluxo mucociliar, o
das células epiteliais, que possuem a capacidade tanto de secretar cílio se eleva e toca na fase mais viscosa do filme que reveste as vias
como de absorver líquido, utilizando a energia celular para movi­ aéreas. No batimento de recuperação, também denominado de retró­
mentações iônicas contra gradiente eletroquímico. As células
grado, o cílio volta pela fase sol, que apresenta menor impedância. As
epiteliais são polarizadas anatômica e funcionalmente. Possuem
setas representam os diferentes perfis de fluxo de muco, dados pela
uma membrana apical que se mantém em contato com a luz e
atenuação da transmissão da energia ciliar que ocorre em direção às
porções mais superficiais do filme fluido que reveste as vias aéreas.
uma membrana basolateral que mantém contato com o espaço
intersticial e vasos sanguíneos. As células são alinhadas, lado
a lado, e são separadas por um espaço intercelular. Próximo
ao ápice o espaço intercelular é estreitado por tight junctions. . . . . . .... . .
Esta junção restringe a difusão e determina uma difusão sele­ . .
.
tiva do espaço intercelular. O transporte de solutos através de
epitélios causa uma alteração na concentração iônica transepi­ .
�.
telial e, portanto, uma diferença na pressão osmótica através do Jf'
epitélio. Uma vez criado um gradiente osmótico, a água se movi­ .
mentará da solução com menor concentração para a de maior
.'
concentração de solutos. A movimentação osmótica de água se
dá aparentemente pelo espaço intercelular. Portanto, o estado
funcional dos canais iônicos específicos para o sódio (responsá­
veis pela absorção de água da face luminal para o interstício) e
o cloro (responsáveis pela secreção de água para a face luminal)
desempenha papel fundamental para um perfeito acoplamento Fig. 46.3Visão lateral do batimento ciliar em suas fases de batimento
efetivo(para a direita) e de recuperação (para a esquerda).
entre o muco e o cílio. Pacientes com fibrose cística apresentam
infecções pulmonares de repetição, devido a uma deficiência
no canal de cloro, com conseqüente alteração na hidratação do
muco e falência no acoplamento mucociliar (para mais detalhes, b) Fase de Batimento de Recuperação : O cílio se dobra em
consultar o Capítulo 9, no item: CFrR, um canal para Cl -). direção à superfície celular, retornando à posição inicial do
Processos inflamatórios evoluem em geral com secreção fluida ciclo, com uma velocidade cerca de duas vezes menor do que
abundante, já que aCalTetam desestabilização das junções inter­ o batimento efetivo.
celulares e conseqüente aumento da permeabilidade, interferindo
Alterações na distribuição ou no volume dessas duas fases
com a regulação do volume da camada sol.
O controle da secreção de muco por parte das células mucosas acaITetam prejuízos no transporte ciliar. Um aumento no volume
continua sendo extremamente estudado. Acredita-se que estí­ da camada sol propicia um deslocamento entre o cílio e o muco
da camada gel, com conseqüente retal'do do transporte ciliar.
mulos colinérgicos, alfa e beta-adrenérgicos, histamina, pros­
taglandinas, AMP, GMP, taquicininas e íons cálcio participem Uma diminuição da camada sol, ou aumento da camada gel,
dos processos de secreção das células mucosas do trato respi­ faz com que o batimento de recuperação ocolTa em um meio
ratório. de maior viscosidade, reduzindo, conseqüentemente, o trans­
porte ciliar.
INTERAÇÃO MUCOCILIAR
A propulsão do fluido brônquico pelos cílios é conseguida, EFEITOS DA TOSSE NO TRANSPORTE
já que o batimento ciliar é assimétrico. O ciclo completo do MUCOCILIAR
batimento ciliar pode ser decomposto em duas fases (Figs. 46.2 É importante lembrar que o clearance do muco pode ser feito
e 46.3): através da tosse, mecanismo este que é pouco relevante em indi­
víduos normais, mas fundamental em presença de acúmulo de
a) Fase de Batimento Efetivo: Nesta fase o cílio alcança a sua secreção na árvore traqueobrônquica. Como já previamente
extensão máxima, penetra a sua extremidade na camada gel e descrito, em indivíduos normais, as vias aéreas são recobertas por
executa um movimento em arco em um plano perpendicular uma fina camada de muco que depende do transporte mucociliar
à superfície da célula ciliada. para ser removida e não se desloca com o fluxo aéreo, mesmo
MECANIS�JOS DE DEmSA DAS VIAS AÉREAS 669

com tosse voluntária. Em situações patológicas caracterizadas As vias aéreas distais e os alvéolos não possuem os meca­
por hipersecreção brônquica, as interações do fluxo aéreo com nismos de defesa pulmonar j á discutidos, como o clearance
o muco se tornam acentuadas, representando uma importante mucociliar. Assim, a depuração de pequenas partículas e
forma de transporte do muco. microrganismos que lograram escapar dos mecanismos de
defesa e atingiram estas partes distais do trato respiratório é
PADRÕES DE RESPOSTA DO APARELHO feita, principalmente, pelo sistema fagocitário representado
MUCOCILIAR ÀS AGRESSÕES pelo macrófago alveolar e pelo polimorfonuclear neutrófilo.
Processos irritativos da árvore respiratória, como infecções Este último não é residente dos alvéolos, mas pode ser rapida­
repetidas, inalação de gases irritantes ou fumo, podem modificar mente recrutado a partir da circulação, em caso de agressão.
o perfil celular do epitélio e glândulas, alterando a composição do Já os macrófagos alveolares residem permanentemente nos
muco. As células caliciformes e de secreção mucosa aumentam alvéolos normais, constituindo as mais importantes células do
em número, incluindo a transformação de células de Clara e ponto de vista numérico, presentes no compartimento bron­
serosas em caliciformes. As células serosas e ciliadas diminuem coalveolar. Seu número pode aumentar substancialmente em
em número. A quantidade de muco aumenta, ao mesmo tempo face às agressões. Estes macrófagos podem sintetizar várias
que a camada sol diminui. O muco se torna mais viscoso, e substâncias bioativas, além de apresentarem grande número de
as células submetidas a este ambiente sofrem também altera­ receptores em sua membrana, o que lhes permite interagir forte­
ções qualitativas. A secreção passa a ser de mucopolissacarí­ mente com outros tipos celulares e outras moléculas, dando-lhes
deos ácidos e sulfatados, modificando as propriedades físico­ a capacidade de desempenhar um papel central na regulação
químicas do muco. O resultado final é retenção de muco no da resposta imune e inflamatória.
trato respiratório, dificultando a eliminação de microrganismos Apesar de todos os macrófagos presentes no organismo parti­
inalados e facilitando as infecções. Além das alterações do muco, lharem de um precursor comum (o monócito circulante) e apre­
há agentes que interferem primariamente na função das células sentarem funções parecidas, cada tipo possui características dife­
ciliadas, lesando-as. Fumo, infecções viróticas e bacterianas, rentes. Por exemplo, os macrófagos peritoneais funcionam a uma
baixas temperaturas, hipóxia, hiperóxia, gases irritantes e alguns P02 de 1 0 torr, enquanto os macrófagos alveolares são os únicos
tipos de partículas são exemplos destas condições. Estes estí­ a viverem em condições aeróbicas com uma Po? de 1 00 torr.
mulos lesivos, se mantidos por longo tempo, podem causar perda Presurnivelmente, alvéolos hipoventilados, com uma Po?muito-
de componentes estruturais ciliares, diminuição do comprimento baixa, funcionarão com deficiência do número de macrófagos.
ou perda numérica de cílios e redução da freqüência dos bati­ Além da função fagocitária, os macrófagos alveolares parti­
mentos. No seu grau máximo, o epitélio passa a ser revestido cipam do desenvolvimento da resposta imune através de intera­
por outro, mais resistente, escamoso e estratificado, semelhante ções com linfócitos e da detecção e destruição de células neoplá­
à pele ou ao esôfago, em várias áreas das vias aéreas. Assim, sicas presentes no pulmão.
existem várias situações que podem dificultar sobremaneira o A fagocitose dos agentes infecciosos se dá pelo envolvimento
funcionamento dos cílios: aumento das secreções (bronquite destes, e sua morte, pela liberação de radicais de oxigênio (como
crônica), modificações nas propriedades físicas do muco (infec­ o peróxido de hidrogênio) ou derivados halogênicos (como o
ções, desidratação), alterações estruturais das vias aéreas (bron­ ácido hipoclorídrico). Após ingestão de um grande número de
quiectasias), inalantes irritativos (fumo, CO, SOz, NOz, ozônio) e partículas, os macrófagos podem permanecer no espaço alveolar
certas substâncias químicas (álcool, sedativos). ° hábito crânico ou deixar o pulmão por diversas vias. Assim, alguns migram
de fumar induz não só ao entorpecimento da atividade ciliar, mas pelas vias aéreas a fim de serem transportados até a faringe pelo
também à agressão dos macrófagos alveolares; de modo que, no movimento mucociliar, enquanto outros deixam o pulmão pelo
grande fumante, os processos alérgicos ou infecciosos das vias sistema linfático ou, então, morrem permanecendo no espaço
aéreas demoram muito mais para serem revertidos do que no não­ alveolar, sendo retirados por outros macrófagos.
fumante. Nesta situação, o excesso de secreção ajuda também a De forma geral, quanto maior o tempo de permanência no
diminuir a velocidade do clearance mucociliar, e, se a infecção pulmão do material inalado, maior a probabilidade de lesão
estiver presente, o edema inflamatório repercute negativamente pulmonar. Os macrófagos alveolares, ao promoverem a rápida
na mucosa brônquica, tornando-a um terreno com insuficiência degradação das partículas, evitam que as mesmas escapem do
de elementos de defesa, tais como IgA, IgG, complemento e espaço intersticial, onde a limpeza é mais lenta e, portanto, os
outros, além de dificultar a distribuição local da medicação. riscos de lesão tecidual são maiores.
Existem, no entanto, situações nas quais os macrófagos
contnbuem para a lesão teci dual. A fagocitose de partícu las
Sistema Fagocitário tóxicas ou radioativas por estas células promove a concentração
deste material em pequenas regiões do pulmão, resultando em
° clearance alveolar processa-se através do macrófago alve­ lesão tecidual local. Este tipo de material pode causar lesão
olar pulmonar, elemento de defesa extremamente diferenciado e ou morte do macrófago através de toxicidade química ou por
que funciona como vigoroso protetor da intimidade respiratória, digestão lenta pela célula. É o caso, por exemplo, do pó de
uma vez que bloqueia as agressões dirigidas ao meio alveolar. sílica ou das fibras de asbesto, que são cristais minerais que
Sendo assim, contribui para que as trocas gasosas se processem não podem ser dissolvidos após fagocitose. A morte do macró­
a contento ao permitir, juntamente com o surfactante, a manu­ fago causa liberação de fatores quimiotáticos que promovem
tenção dos pneumócitos do tipo I. ° líquido alveolar se continua migração de fibroblastos para a região e estimulam sua síntese
com a camada mucosa bronquiolar de modo que esta parece de colágeno. Além disso, novos macrófagos migram para esta
exercer um efeito de tração sobre aquele fluido, deslocando­ região ingerindo as células mortas, sendo então destruídos pelos
o no sentido central, e, desta forma, contribui também para o res �os celulares e material tóxico. A morte destes, por sua vez,
clearance alveolar, que pode variar de 24 horas a 1 00 dias. estimula a migração de mais fibroblastos e a síntese de mais
670 FISIOLOGIA

colágeno. Este processo desenvolve um ciclo vicioso e leva ao


acúmulo de excesso de colágeno no pulmão, podendo desen­ BIBLIOGRAFIA
volver a fibrose intersticial pulmonar, uma doença associada
com redução da complacência pulmonar, prej uízo da troca
COMROE Jr JH. Fisiologia da Respiração. Rio de Janeiro. Guanabara
gasosa e aumento do trabalho respiratório.
Koogan, 2: ed., 1977.
Um número aumentado de macrófagos alveolares e leucó­
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citos polimorfonucleares (neutrófilos) são encontrados no Injury to Repair. Chrétien, J. & Dusser, D., Marcel Dekker, 1996.
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o macrófago encontra uma partícula estranha no pulmão, é W.B. Saunders Company, 1989.
transformado em sua forma ativada, resultando num aumento KING M. The role of mucus viscoelasticity in cough c1earance. Biorheo­
do metabolismo celular e da taxa de fagocitose. M acró­ logy, 24:589-597, 1987.
fagos e neutrófilos ativados liberam pequena quantidade de
LEEF AR & SCHUMACKER PT. Respiratory Physiology: Basics and
Applications. Philadelphia, W.B. Saunders, 1st ed. 1993.
enzimas (elastases) durante a fagocitose, que são capazes de NADEL JA, WIDDICOMBE JH & PEATFIELD AC. Regulations of
degradar proteínas estruturais extracelulares, como a elas­ airway secretion, ion transport, and water movement. ln: Handbook of
tina. No pulmão de indivíduos hígidos existem enzimas (anti­ Physiology, Fishman, A.P. & Fisher, A.B. Bethesda. American Physio­
proteases) capazes de inativar essas proteases, limitando a logical Society, 1985.
destruição tecidual. No entanto, o balanço entre a inativação SATIR P & SLEIGH MA. The physiology of cilia and mucociliary
dessa enzima e a liberação pode estar afetado em indivíduos interactions. Ann. Rev. Physiol. , 52: 1 37-155, 1990.
que inalam grande quantidade de partículas, estabelecendo um SLENGH MA, BLAKE JR, LIRON N. The propulsion of mucus by
cilia.Am. Rev. Respir. Dis., 137:726-741 , 1 988.
estado de inflamação crônica que pode resultar na destruição
do septo alveolar e, com isso, levar ao enfisema pulmonar.
TAVARES, P. Atualização em Fisiologia-Respiração. Rio de Janeiro,
Alguns indivíduos possuem deficiência congênita de Ci l -anti­
Cultura Médica, 1991.
WEIBEL, E.R. Lung Cell Biology. ln: Handbook of Physiology,
tripsina e são incapazes de sintetizar antiprotease, estando Fishrnan, A.P. & Fisher, A.B., Bethesda. American Physiological
predispostos a desenvolver enfisema. Society, Bethesda, 1985.
CAPÍTULO 47

FISIOLOG IA RESPIRAT ÓRIA EM


AMBIENTES E SPEC IAIS
Walter Araujo Zin • Patricia Rieken Macêdo Rocco • Debora Souza Falle

A principal função dos pulmões é proporcionar trocas


EXERCíCIO I RECUPERAÇÃO
adequadas de oxigênio e gás carbônico entre o ar e o sangue. I
As trocas gasosas devem ser realizadas qualquer que seja o nível
do metabolismo.
Neste capitulo analisaremos várias condições adversas e z
ambientes especiais que alteram a função pulmonar. �
...i
O
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EXERCÍCIO
A resposta ao exercício depende da coordenação entre os
sistemas respiratório e cardiovascular. Durante o exercício físico
tanto o consumo de oxigênio como a produção de CO2 aumentam, Fig. 47.1 Representação esquemática da ventilação durante o exercício.
em função do incremento da atividade e demanda pelos músculos Note um aumento súbito da ventilação no início do exercício (1) e uma
esqueléticos. Para suprir essa necessidade de oxigênio e remover redução igualmente súbita ao término deste (2).
o excesso de gás carbônico ocorrem três alterações fisiológicas:
a) aumento da ventilação alveolar, b) elevação do débito cardíaco
e c) redistribuição do débito cardíaco para suprir os músculos
esqueléticos em exercício. forma, variações nas tensões dos gases sanguíneos não parecem
O indivíduo ventilando em condições basais utiliza uma ser, a princípio, o fator determinante do aumento do volume
pequena porção de sua capacidade ventilatória para suprir sua minuto. Duas observações, entretanto, devem ser mencionadas:
demanda metabólica. Entretanto, durante o exercício, pequenas (a) durante o exercício, a curva de resposta POiventilação
anormalidades na oxigenação pulmonar e/ou ou nas propriedades torna-se mais acentuada, observando-se resposta ventilatória a
mecânicas respiratórias são fatores limitantes para o exercício. pequenas flutuações da P02 arterial normal ; (b) nessas circuns­
A causa ou as causas do aumento da ventilação associado ao tâncias, ocorre, ainda, um aumento na oscilação respiratória da
exercício muscular persistem controversas. Entretanto, há um PC02 arterial, o que sabidamente estimula o corpo carotídeo.
consenso em duas observações básicas. Inicialmente, mantendo­ Apesar dessas observações, a ação da tensão dos gases arte­
se um exercício de intensidade moderada, a ventilação aumenta riais sobre os quimiorreceptores não é o fator determinante do
diretamente com o aumento da taxa metabólica. A segunda é que aumento da ventilação durante o exercício leve a moderado.
no início do exercício há um súbito aumento na ventilação, come­ Outros estímulos vêm sendo considerados como determinantes
çando no intervalo de 1 segundo até atingir um platô. Quando o do aumento da ventilação no exercício. A movimentação passiva
exercício cessa, essa seqüência ocorre ao contrário, isto é, uma dos membros estimula a ventilação tanto em animais aneste­
diminuicão igualmente súbita ao término do exercício, gradual­ siados como em homens despertos. Este é um reflexo determi­
mente retornando aos níveis de repouso (Fig. 47. 1 ). nado por receptores articulares ou musculares, sendo provavel­
Durante exercícios intensos (anaeróbios), ocorre liberação mente o responsável pelo incremento abrupto da ventilação que
de ácido lático pela glicólise anaeróbica, com redução do pH e ocorre nos primeiros segundos. Acredita-se, também, que osci­
conseqüente estímulo à hiperventilação, que pode resultar em lações na P02 e na PC02 arterial poderiam estimular os quimior­
queda da PC02 arterial. Ao contrário, durante exercício aeróbico receptores periféricos, apesar de seus níveis médios se manterem
em indivíduos normais (até cerca de 3 L/min de consumo de inalterados. Outra teoria parte do pressuposto de que a PC02
02)' os valores de PC02, POz e pH se mantêm constantes. Dessa arterial é mantida constante através do estímulo dos quimior-
672 FISIOLOGIA

receptores centrais, aumentando a ventilação. Outros fatores duração (cerca de 30 min), devido à queda da PC02 arterial e
podem estar relacionados ao aumento da ventilação durante o ao declínio hipóxico da ventilação. A pobre resposta ventila­
exercício, como elevação da temperatura corporal e impulsos tória causa hipoxemia arterial, resultando em vários sintomas
corticais. Mecanismos centrais também têm sido propostos, espe­ observados nas primeiras horas e dias em área de altitude. °
cialmente no início do exercício, fase na qual há um comando sinal mais precoce de hipóxia é a redução da visão noturna, que
central para iniciar um aumento da atividade respiratória em pode ser detectada em altitudes relativamente baixas ( 1 .200 m).
antecipação ao exercício. Experimentos em animais sugerem que A complicação mais grave da exposição à altitude é a redução
esse comando central emana de regiões do hipotálamo. Estudos da capacidade mental, culminando com perda de consciência,
recentes em humanos, utilizando técnica de imagem (PET tridi­ que geralmente ocorre em altitudes acima de 6.000 m. A hipóxia
mensional), identificaram regiões do córtex que também podem também acarreta vasoconstrição pulmonar, com conseqüente
participar do disparo do comando central para a hiperpnéia do aumento da pressão arterial pulmonar, bem corno incremento
exercício. Existe, ainda, evidência em humanos de que a fase I no trabalho do ventrículo direito. Durante os primeiros dias em
da resposta ventilatória possa ser em parte uma resposta "apren­ altitude, ofeedback negativo desfavorável é revertido pela acli­
dida" ao início do exercício. No entanto, nenhuma das teorias matização.
anteriormente relatadas é capaz de explicar completamente os A aclimatização é o processo pelo qual há aumento da tole­
mecanismos que determinam a adaptação da ventilação durante rância e desempenho do indivíduo em um período de dias a
o exercício. semanas. A ventilação aumenta gradativamente, reduzindo a
° Quadro 47 . 1 representa um resumo esquematizado das PC02 e aumentando a P02 arterial. A maioria dos indivíduos
respostas do sistema respiratório ao exercício moderado e se encontra completamente aclimatizada em urna semana. A
intenso. normalização do pH do líquor, por transporte de bicarbonato,
foi sugerida inicialmente como mecanismo da aclimatização.
Outros estudos demonstraram envolvimento de estimulação
GRANDES ALTITUDES dos quimiorreceptores centrais, por acidose lática intracelular
e intersticial secundárias à hipóxia, e aumento da influência
A POz decai gradativamente com o aumento da altitude. No dos quimiorreceptores periféricos durante hipóxia prolongada,
topo do Monte Evereste a P02 inspirada é de 42 rnrnHg, enquanto contribuindo, assim, para a híperventílação progressiva obser­
ao nível do mar esta corresponde a cerca de 1 49 mmHg. Em vada na aclimatização.
Teresópolis, a 1 .000 m de altitude, a pressão atmosférica é de Um importante aspecto da aclimatização a grandes altitudes é
674 rnrnHg e a P02 é de cerca de 1 30 mmHg. a policitemia (aumento da concentração de eritrócitos no sangue) .
A hipóxia de grandes altitudes é um fenómeno fisiológico que Na policitemia há um aumento na concentração de hemoglobina
ocorre em indivíduos não aclimatizados a esta condição, isto é, e conseqüentemente na capacidade de transporte de oxigênio.
quando expostos a baixas P02 • A queda da POz no ar inspirado Logo, embora a P02 e a Sa02 estejam reduzidas, o conteúdo de
gera uma queda na pressão parcial arterial de oxigênio (Pa02 ). O2 se mantém normal. ° estímulo que acarreta incremento na
A redução da P02 acarreta hiperventilação por estímulo hipó­ produção de eritrócitos é a hipóxia, que libera eritropoietina
xico aos quimiorreceptores periféricos. No entanto, na exposição renal.
aguda à altitude, a resposta ventilatória à hipóxia é de curta Outra característica da aclimatização é o desvio da curva de
dissociação de 02 para a direita, com maior liberação de 02' Tal
fato decorre do aumento na concentração de 2-3 difosfoglicerato
em função da hipóxia.
Vale ressaltar que a adaptação à altitute se refere a altera­
ções fisiológicas e genéticas que ocorrem em período de anos
Quadro 47.1 Respostas do sistema respiratório aos e gerações em habitantes de áreas de grande altitude. Existem
exercícios moderado e intenso
diferenças qualitativas e quantitativas entre aclimatização e
Exercício Exercício adaptação. Pessoas que habitam por longo tempo em locais
Variável Moderado Intenso de grande altitude apresentam redução de resposta à hipóxia,
relacionada com a magnitude da altitude e o tempo de resi­
Mecânica Respiratória dência no local. Esses indivíduos também apresentam: (a)
Trabalho elástico l' l' l' maior capacidade de difusão pulmonar, secundária a adapta­
Trabalho resistivo l' l' l' ções anatómicas dos pulmões, com aumento do número de alvé­
Ventilação Alveolar olos e capilares, (b) hipertensão pulmonar crónica e hipertrofia
Volume corrente i i i i ventricular direita (por vasoconstrição pulmonar hipóxica),
Freqüência respiratória l' l' l'
Espaço morto anatómico (c) policitemia e (d) aumento da vascularização do coração e
l' l'
Espaço morto alveolar 1 1 1 músculos estriados.
Fluxo Sanguíneo Pulmonar A síndrome aguda de grandes altitudes (SAGA), também
Perfusão do lobo superior l' l' l' chamada de doença aguda das montanhas, acomete indivíduos
Resistência vascular pulmonar l' l' l' que ascendem rapidamente a altitudes acima de 2.500 m. A
Relação VentiJação-Perfusão i i SAGA ocorre nas primeiras 8 a 24 horas em grande altitude,
Difusão Através da Barreira l' l' l' depende da velocidade de ascensão e, principalmente, da susce­
Alvéolo-capilar
tibilidade de cada pessoa. A exposição abrupta a altitudes de
cerca de 3 .000 m provoca SAGA em cerca de 30% das pessoas.
PaOz H H OU l' ou 1
PaCOz H 1
pH H 1 Dores de cabeça constituem o principal sintoma da SAGA,
podendo ainda ocorrer náuseas, vómitos, hiporexia, oligúria,
FISIOLOGIA RESPIRATÚRIA E�I A�IBIENTES ESPECIAIS 673

Quadro 47.2 Respostas fisiológicas nas grandes altitudes : imediatas, de adaptação precoce (72 h) e de adaptação tardia
(2 a 6 semanas)
Adaptação tardia
Imediata Adaptação precoce (72 h) (2 a 6 sem)
Variável

Ventilação Espontânea
Volume minuto i i i
Freqiiência respiratária Variável Variável Variável
Pa02 t t t
PaC02 t t t
pH i i OU H i OU H
Avaliação da Função Pulmonar
Capacidade vital H H H
Fluxo máximo expiratário i i i
Capacidade residual funcional H H H
Resposta ventilatária ao COz inalado H i i
Resposta ventilatária à hipáxia H H H
Resistência vascular pulmonar i i i
Transporte do Oxigênio
Hemoglobina H i i
Eritropoetina i H H
P-50 t i i
2-3 DPG H i i
Sistema Nervoso Central
Cefaléia, náuseas e vômÍfos i H H
pH do líquor i H H
Bicarbonato liquárico H t t

edema periorbital , petéquias, hemorragias na retina e insónia, musculares, diminuição da força muscular e aumento da perda
além de ataxia e redução da cognição, sintomas relacionados de íons como cálcio e fosfato.
com distúrbios no SNC devido a edema cerebral. Após 3 a 7 No interior das naves espaciais, nos compartimentos ocupados
dias, extinguem-se os sintomas na grande maioria das pessoas. A pelos astronautas, as misturas gasosas são controladas assim
SAGA pode ser prevenida programando-se viagens para grandes como a pressão no interior das cabines. Desta forma, embora não
altitudes em etapas, evitando, assim, variações bruscas de pressão haja um campo gravitacional, há um microambiente compatível
atmosférica. com o processo fisiológico da respiração.
As respostas fisiológicas às grandes altitudes podem ser:
imediatas, de adaptação precoce (72 h) e de adaptação tardia (2
a 6 semanas) (Quadro 47.2). MERGULHO
A pressão atmosférica aumenta cerca de 1 atm a cada 1 0
TOXICIDADE DO O 2 metros d e profundidade. A pressão por s i s ó é inócua enquanto
estiver sendo contrabalançada. Entretanto, se as cavidades com
° oxigênio respirado em altas concentrações pode ser tóxico gás (pulmões, ouvidos e seios da face) deixarem de se comu­
e lesivo. Pacientes tratados por longos períodos (48 h) com nicar com o meio externo, a diferença de pressão pode causar
oxigênio puro apresentam edema intersticial pulmonar por alte­ compressão durante a descida ou hiperinsuflação durante a
rações nas células endoteliais dos capilares pulmonares. Altas subida. Exemplificando: durante a subida é importante o mergu­
frações inspiradas de oxigênio também podem provocar lesão lhador expirar todo o ar para prevenir a hiperinsuflação e possível
dos pneumócitos II, responsáveis pela produção de surfac­ barotrauma. A densidade do gás aumenta com a profundidade,
tante pulmonar. Provavelmente, estas lesões são resultantes da elevando o trabalho respiratório e retendo CO2. Para se adaptar,
formação de radicais livres. Interessante ressaltar que, a longo o mergulhador pratica mergulho autónomo, com o equipamento
prazo, também pode ocorrer lesão dos pneumócitos I. SCUBA (selfcontained underwater breathing apparatus), sendo
este sujeito a pressão de 6 atm. É necessário também realizar
paradas para descompressão, evitando embolia gasosa. Em
VÔOS ESPACIAIS condições de altas pressões (durante o mergulho) o nitrogênio
(gás inerte, pouco solúvel, encontrado em altas pressões parciais
Os efeitos da gravidade zero sobre as condições fisiológicas no ar ambiente) passa a entrar em solução com os tecidos corpo­
da respiração não são muito importantes, desde que as pessoas rais, principalmente o tecido adiposo, que tem alto coeficiente
sejam mantidas com um suprimento adequado de gás para de solubilidade para este gás. Ademais, o nitrogênio se difunde
respirar. Estudos demonstraram que astronautas (submetidos lentamente devido à sua baixa solubilidade. Conseqüentemente,
a condições de pressão zero) apresentam pequena redução da o equilíbrio entre o nitrogênio e o ambiente leva horas. Durante
volemia, do hematócrito e do débito cardíaco, atrofia das fibras a subida, o nitrogênio é lentamente removido dos tecidos. Se a
674 FISIOLOGIA

descompressão é feita de modo rápido, ocorre redução da solubi­ a pressão na orofaringe. ° aumento da pressão na nasofaringe
lidade, os gases podem voltar à forma gasosa e, assim, provocar é o mecanismo mais utilizado em mergulho, tanto livre quanto
a formação de bolhas capazes de gerar êmbolos, além de dores autÔnomo. A presença de obstrução do meato acústico interno,
muito intensas, principalmente articulares, por formação de sej a por secreção ou tumoração por processo inflamatório da
bolhas intra-articulares. Os tecidos adiposo e sanguíneo, sistema faringe, impede que o mergulhador equilibre as pressões, acar­
nervoso central e músculo cardíaco também são os locais atin­ retando dor de forte i ntensidade, que o impede de prosseguir a
gidos. Em casos graves, podem ocorrer distúrbios neurológicos, descida. Porém, se acaso ele insistir ou tentar "compensar", pode
tais como surdez, prejuízo da visão e até paralisia por embolia ocorrer lesão da membrana timpânica.
gasosa (obstrução do fluxo sanguíneo por bolhas). ° mesmo mecanismo de expansão dos gases em cavidades
Normalmente, ocorre a formação de pequenas bolhas de gás, sem comunicação com o meio externo pode ocorrer em vários
que logo são absorvidas e eliminadas, desde que se sigam correta­ outros compartimentos do organismo, propiciando a ocorrência
mente os critérios padronizados para as paradas descompressivas. de barotraumas compressivos.
Logo, o objetivo da descompressão não é impedir a formação No mergulho em profundidade, a pessoa desce utilizando
de bolhas, mas sim evitar que estas sejam grandes o suficiente um lastro de 15 kg em uma das mãos, auxiliando-a na descida.
a ponto de poder causar embolia gasosa. Cada mergulho requer Nessa situação, não há risco de barotrauma descompressivo
planejamento inicial, prevendo-se o tempo de permanência e (barotrauma expansivo) durante a subida, que é auxiliada por um
o nível de profundidade, para se avaliar o tempo gasto com as balão contendo gás. No entanto, há risco de barotrauma durante
sucessivas paradas descompressivas. a descida (barotrauma de retração), pois, ao atingir uma grande
° tratamento do paciente com síndrome de descompressão profundidade ( 1 25 m), a pressão externa à qual a pessoa está
é a recompressão. Para tal, a vítima deve ser removida cuida­ sujeita supera 1 3 atm, e o volume de ar contido nos pulmões
dosamente para um local onde haja uma câmara hiperbárica, torna-se 1 / 1 3 do volume inspirado. A drástica redução no volume
dentro da qual deverá ser mantida sob alta pressão. Dessa forma pulmonar, que pode ser inferior ao volume residual normal, favo­
o volume das bolhas se reduzirá, forçando-as a entrar de novo rece a instalação de barotraumas e atelectasias alveolares.
em solução, aliviando grande parte dos sintomas. A seguir, deve­ 2) ° nitrogênio pode causar narcose, pois embora seja conside­
se promover a descompressão lenta, eliminando-se o gás que se rado um gás inerte, a uma profundidade de 50 m algumas pessoas
encontra dissolvido nos tecidos e evitando-se que outras bolhas já apresentam um estado de redução de consciência semelhante
se formem. à embriaguez, provocada, possivelmente, pela difusão do nitro­
Concentrações elevadas de oxigênio são contra-indicadas, gênio em tecido adiposo e SNC. Pode-se evitar a narcose por
pois o oxigênio sob altas pressões gera toxicidade, levando a nitrogênio substituindo-o por outros gases que apresentem menor
processos convulsivos e lesões no SNC, possivelmente por solubilidade, como hélio e hidrogênio.
i nibição de diversas enzimas, como as desidrogenases que 3) ° "apagamento", descrito durante o mergulho livre,
contêm grupamentos sulfidrila. Ademais, a inalação de oxigênio consiste na perda da consciência do indivíduo debaixo d'água.
puro pode, como já relatado anteriormente, causar destruição Antes do mergulho, o indivíduo hiperventila voluntariamente,
dos pneumócitos II, alterações no surfactante pulmonar, edema o que acarreta redução da PaC02, principal fator estimulante
intersticial pulmonar, atelectasia, hemorragia alveolar, infla­ da respiração. Isso permite ao mergulhador permanecer mais
mação brônquica e alveolar, deposição de fibrina, espessamento tempo submerso, até que a PaC02 se eleve e haja estímulo para
e hialinização das membranas alveolares, além de edema cere­ respiração, ou que a P02 se torne tão baixa que estimule a respi­
bral. A uma profundidade de 40 m (4 atm) uma pessoa respi­ ração. Ao iniciar a subida, a pessoa estará exposta a pressão
rando oxigênio puro entra em processo convulsivo em cerca atmosférica progressivamente menor, fazendo com que a P02
de 30 minutos, antecedido por náuseas, zumbido e espasmos se torne ainda mais baixa, o que acarreta perda da consciência
faciais. e, conseqüentemente, morte, se não for resgatada a tempo por
Uma forma de evitar os riscos da embolia é utilizar, para outro mergulhador.
mergulhos profundos, misturas gasosas contendo hélio e oxigênio.
° hélio tem as seguintes vantagens: (a) por apresentar metade da
solubilidade do nitrogênio, dissolve-se menos nos tecidos, (b) o AFOGAMENTO
He apresenta 1 /7 do peso molecular do nitrogênio, o que facilita a
difusão, e (c) sua menor densidade reduz o trabalho respiratório.
Afogamento é um processo que envolve a morte ou asfixia
Todavia, o hélio apresenta algumas desvantagens, como maior
pela inalação de água, que interfere com o surfactante, promo­
condutividade térmica, o que acelera a perda de calor, tornando
vendo a atelectasia. No caso de a água ser do mar, pode haver,
a termorregulação um problema adicional.
ainda, a passagem de fluido do sangue para os espaços alveo­
Outros problemas ocorrem durante o mergulho:
lares dos pulmões, devido às forças osmóticas. Algumas pessoas
1) As lesões da membrana timpânica decorrem da compressão não morrem afogadas por inalação de água, mas sim por grave
do gás no interior da trompa de Eustáquio. Complementarmente,
asfixia devido à oclusão reflexa das vias aéreas pela muscula­
pessoas apresentam mal-estar, devido à diferença de pressão
tura laríngea.
entre o ouvido médio e a cavidade oral. Nesses casos torna-se
necessário igualar as pressões. Normalmente, a tração do meato
acústico interno realizada pela prega salpingofaríngea durante
o processo de deglutição é suficiente para permitir que as pres­ INTOXICAÇÃO POR MONÓXIDO
sões entrem em equilíbrio. Alguns artifícios podem ser utili­ DE CARBONO
zados para promover a abertura do meato acústico interno, como
mascar goma ou tentar expirar pelo nariz, contra uma obstrução A utilização de altas P02 é um método terapêutico indi­
mecânica das vias aéreas superiores, aumentando desta forma cado, principalmente, em casos de intoxicação por monóxido
fISIOLOGIA RESPIRATÓRI A E�\1 Al\ IBIENTES ESPECIAIS 675

de carbono (CO), o qual reage com a hemoglobina formando um


composto 1 00 vezes mais estável que a oxiemoglobina: a carbo­ GASES TÓXICOS
xiemoglobina. Com a elevação da Pi02 para 3 atm, a solubili­
dade do oxigênio permite que se obtenham cerca de 6 ml/l 00 mI, Ozônio
mantendo-se, desta forma, a oxigenação dos tecidos, mesmo na
ausência de hemoglobina ativa. Devemos lembrar que 6 ml/ l OO Desde sua descoberta, o ozônio é conhecido como um gás tóxico,
mI é um valor ainda baixo e que o repouso é essencial à manu­ mesmo quando em concentrações infeIiores a I ppm (uma parte por
tenção da relação oferta/demanda. milhão). Dentre seus efeitos adversos podemos citar a redução da
ventilação pulmonar e da capacidade de difusão (edema intersticial).
Em concentrações de I a 50 ppm durante períodos prolongados
VENTILAÇÃO LÍQUIDA (meses), causa atrofia das paredes alveolares e, em concentrações
acima de 9 ppm, pode provocar graves pneumonias.
Os peixes, em sua maioria, são capazes de captar oxigênio
que se encontra diluído na água, util izando as brânquias.
As brânquias são u m órgão extremamente vascularizado e Cianeto
ramificado (o que promove aumento da área), apresentando
° principal efeito tóxico do cianeto está relacionado à
membranas muito delgadas através das quais ocorre a hema­
tose. Em 1 962, com base na observação desse mecani smo,
sua capacidade de inibição da cadeia respiratória mitocon­
drial (enzima citocromo oxidase). Este tipo de intoxicação
foram feitos experimentos demonstrando que, ao imergir
camundongos em solução fisiológica com exposição a uma não altera o transporte de oxigênio ou sua disponibilidade aos
alta pressão parcial de oxigênio (8 atm), eles sobreviviam, mas tecidos, mas seu metabolismo celular. Usualmente, o tratamento
não satisfatoriamente. Entretanto, com o uso de fluorcarbono consiste em se utilizar nitlito de sódio (NaN02) ou tiossulfato
tratado com oxigênio 1 00% a 1 atm, os animais sobreviviam por
de sódio (Na2S203) . ° nitrito de sódio reage com a hemoglobina
convertendo-a a metemoglobina, a qual efetivamente se liga ao
grandes períodos. Os animais colocados nestes meios deveriam
cianeto formando a ciano-metemoglobina, um composto estável,
respirá-los e retirar destes fluidos o oxigênio necessário para a
anulando o efeito do cianeto sobre a citocromo oxidase. ° tios­
respiração, além de eliminar para eles o dióxido de carbono. °
sulfato de sódio serve como substrato para a enzima rodanase,
fluorcarbono, apresentando uma solubilidade para oxigênio e
que detoxica o cianeto convertendo-o a tiocianeto.
gás carbônico maior que a salina, facilitava o alcance de pres­
Os tratamentos normobárico e hiperbárico com oxigênio têm
sões compatíveis com a respiração. Porém, como os líquidos
sido considerados como de algum valor, em intoxicações por
apresentam uma viscosidade maior que os gases normalmente
cianeto.
respirados, o trabalho exigido nestas condições experimentais
é maior. Comumente, ocorre uma acidose respiratória nestes
casos, devido ao acúmulo de gás carbônico (previsível pela
equação de Henderson-HasselbaIch).
MATERIAL PARTICULADO
A inalação de partículas orgânicas ou inorgânicas é capaz de
provocar reação inflamatória, desencadeando, inclusive, reações
POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA de hipersensibilidade imediata (tipo I ou alérgicas). A fagoci­
tose por macrófagos de partículas inaladas pode acarretar pneu­
Há mais de 200 anos que a poluição atmosférica vem se moconioses com espessamento da membrana alvéolo-capilar e
tornando um problema na maioria das cidades desenvolvidas. O fibrose alveolar.
grande número de veículos automotores e a concentração indus­ ° uso de máscaras é recomendado para pessoas que trabalham
trial próximo às cidades vem provocando em diversos locais em locais ricos em microprutículas em suspensão. As doenças
um fenômeno conhecido como inversão térmica, que promove provocadas pela inalação de material particulado normalmente
a retenção dos poluentes próximo ao solo. A poluição acarreta estão associadas à atividade profissional e recebem denominações
complicações respiratórias em idosos e crianças, desencadeia diferentes, em função do material causador da afecção. Exempli­
crises de asma brônquica, provoca pneumonias e rinites alér­ ficando, trabalhadores de minas de carvão desenvolvem antracose
gicas. pela inalação de micropartículas de carbono, e pessoas que lidam
A composição da poluição atmosférica é muito variável e se com vidro ou inalam sílica podem desenvolver silicoses.
altera de região para região, em função das fontes de poluição
encontradas. Os principais poluentes encontrados são o dióxido
de enxofre (S02) e o dióxido de nitrogênio (N02) (responsáveis, FUMO
também, pela chuva ácida), além do ozônio (03) e do monóxido
de carbono (CO). ° óxido nítrico (NO), em presença de radiação A fumaça dos cigruTos é constituída por uma complexa
ultravioleta e oxigênio, pode formar dióxido de nitrogênio, mistura, que acarreta reação inflamatória no trato respiratório,
podendo, ainda, originar radicais livres. Os óxidos de enxofre podendo, inclusive, causar reações alérgicas em pessoas suscetí­
podem formar ácido sulfúrico ao reagirem com a água, dando veis. Fumar regularmente produz alterações na função pulmonar,
origem à chuva ácida, ou, quando em contato com o líquido tendo como principal resultante clínica a bronquite crônica ou
lacrimal, irritar a conjuntiva. o enfisema pulmonar. Como a fumaça apresenta uma grande
Poluentes atmosféricos podem causar neoplasia pul monar, quantidade de substâncias carcinogênicas, como polônio 2 1 0
doenças pulmonares obstrutivas crônicas, além de acentuada radioativo, o uso prolongado do fumo aumenta a incidência de
lesão no trato respiratório por oxidantes. neoplasias pulmonares, já que estimula a metaplasia do revesti-
676 FISIOLOGIA

mento epitelial das vias aéreas superiores, alterando-o de cilín­ redução progressiva da complacência da parede torácica, do
drico simples ciliado para pavimentoso estratificado (metaplasia recolhimento elástico do pulmão e da força dos músculos respi­
escamosa). ratórios.
O envelhecimento provoca redução da complacência da
parede torácica e do sistema respiratório, bem como do recolhi­
RESPIRAÇÃO PERINATAL mento elástico do pulmão, resultando em aprisionamento de ar
(aumento do volume residual), aumento da capacidade residual
A respiração é o processo que envolve a oxigenação do sangue funcional e maior trabalho respiratório . A redução da compla­
e a remoção do gás carbônico. Portanto, não poderíamos deixar cência de parede torácica envolve tanto a complacência do arca­
de falar na circulação perinatal. O sangue, que chega ao feto antes bouço ósseo quanto do compartimento diafragma-abdômen.
do nascimento através da veia umbilical, apresenta uma P02 de Alterações na forma do tórax - secundárias a comprometi­
aproximadamente 30 mmHg, atinge os pulmões com 1 9 e retorna mento ósseo, como calcificação de cartilagens costais e junções
à placenta com cerca de 1 5 -20 mmHg. Devido à proximidade condroesternai.s, doença óssea degenerativa, fraturas vertebrais,
entre os vasos maternos e os fetais e à alta afinidade da hemoglo­ osteoporose - modificam a mecânica da parede torácica.
bina fetal pelo oxigênio, é possível a oxigenação do sangue fetal A função dos músculos respiratórios também é afetada pelo
(hematose) . Os pulmões, neste período, estão atuando apenas envelhecimento, em conseqüência de alterações geométricas
como uma área de consumo de oxigênio e de atividade celular. do arcabouço ósseo, estado nutricional, função cardíaca, ou por
Porém, só com o nascimento e a elevação da pressão do átrio redução da massa e função dos músculos periféricos associada
esquerdo é que eles se tornarão funcionais e deixará de haver com a idade.
mistura entre o sangue arterial e o venoso. A troca gasosa permanece bem preservada, apesar da redução
O ap,!relho cardiovascular no recém-nascido apresenta-se mais da superfície de área alveolar e maior heterogeneidade da relação
desenvolvido em relação à circulação venosa, por onde previa­ ventilação-perfusão. A reduzida sensibilidade dos centros respi­
mente chegava o sangue rico em oxigênio. Portanto, o coração ratórios à hipóxia e hipercapnia pode resultar em resposta venti­
direito constitui a porção mais desenvolvida. Com o fechamento latória diminuída em caso de doença aguda, como falência
da comunicação interatrial,foramen ovale, ocorre maior demanda cardíaca, infecção ou obstrução de vias aéreas.
do trabalho a ser realizado pelas câmaras esquerdas do coração,
levando, então, à hipertrofia dessas cavidades, predominante­
mente do ventrículo esquerdo. O fechamento do ductus arte­ BIBLIOGRAFIA
riosus, que comunicava a artéria pulmonar com a aorta, ocorre
logo em seguida ao nascimento e é mediado pela liberação de COMROE Jr JH. Fisiologia da Respiração. Rio de Janeiro. Guanabara
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