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A advertência do papa à CNBB

“O Estado de S. Paulo”, Editorial da edição de 25 de outubro de 2002

Em recente mensagem distribuída à delegação do regional Nordeste 5, da Conferência Nacional


dos Bispos do Brasil (CNBB), o papa João Paulo II fez uma clara condenação à politização da
Igreja, advertindo os bispos de que "não é possível pensar nos desafios da Igreja no Brasil
limitando-se a algumas questões, importantes, mas circunstanciais, relativas à política local, à
concentração da terra, à questão do meio ambiente e assim por diante". No texto, distribuído após a
celebração da missa com os bispos do Maranhão, o papa salientou que, "mesmo levando-se em
conta os delicados problemas sociais existentes, não se deve reduzir a ação pastoral à dimensão
temporal e terrena".
Embora a admoestação papal tenha sido dirigida explicitamente aos bispos brasileiros, o
arcebispo de São Luís, d. Paulo Eduardo Andrade Ponte, que participou da audiência com João
Paulo II, procurou minimizar a força da advertência. Para ele, a advertência não foi dirigida
especificamente à CNBB - promotora de "plebiscitos" contra o FMI, o pagamento da dívida
externa, a participação do Brasil na Alca e outras "pastorais" -, mas a todos os cristãos. Numa
releitura político-libertadora das palavras de João Paulo II, o arcebispo interpretou-as como uma
advertência aos poderosos. "Essa mensagem lembra que Jesus Cristo veio ao mundo para salvar os
pecadores, não apenas os pobres e os excluídos, mas também aqueles que os exploram, pois sua
misericórdia se estende aos ricos e aos orgulhosos" (leia-se aos capitalistas), concluiu o purpurado.
Na verdade, a preocupação do pontífice com a politização da Igreja no Brasil, sobretudo com os
desvios das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), não é recente. Na exortação Evangelli
Nuntiandi, de 1975, Paulo VI já manifestava sérias reservas a certo tipo de comunidade de base.
"Com um espírito de crítica acerba em relação à Igreja, que elas estigmatizam muito facilmente
como 'institucional' e à qual elas se contrapõem como comunidades carismáticas, libertas das
estruturas e inspiradas somente no Evangelho (...) elas contestam radicalmente a Igreja." E
sublinhava o pontífice: "Sua inspiração principal bem depressa se torna ideológica e é raro que elas
não sejam muito em breve a presa de uma opção política, de uma corrente e, depois, de um sistema,
ou talvez mesmo de um partido, com todos os riscos que isso acarreta de se tornarem instrumentos
dos mesmos." Os receios do papa não eram infundados. Basta pensar nos indisfarçáveis laços que
unem inúmeras CEBs às propostas do Partido dos Trabalhadores.
João Paulo II, na mesma linha dos seus predecessores, não tem deixado de enfatizar os aspectos
éticos e morais que devem fundamentar as decisões que afetam a humanidade. O papa, contudo,
sublinha que a Igreja está acima de toda a ideologia, regime, partido, cultura ou civilização. Teme,
com razão, os que, num exercício de neoclericalismo, pretendem mobilizar corporativamente os
católicos em plataformas políticas, que acabariam transformando a Igreja numa agremiação
semelhante às outras, alinhada aos partidos. Segundo o pontífice, os cristãos leigos, como cidadãos
do mundo, com liberdade e responsabilidade pessoais, podem e devem assumir os seus
compromissos temporais. Não se trata, portanto, de relegar a religião às sacristias, desprovida de
qualquer projeção social.
O que surpreende no comportamento de inúmeros eclesiásticos não é a legítima preocupação
com a miséria e as iniqüidades sociais que sempre esteve presente nos documentos pontifícios e no
Magistério da Igreja. O que chama a atenção é a ausência de quaisquer referenciais religiosos.
Esvaziados do sentido religioso da sua missão, transformam-se em militantes da evangelização
ideológica. Apoiados na análise marxista da realidade, difundem a sua concepção da fé não como
adesão às verdades religiosas, mas como ato político-revolucionário.
João Paulo II, não obstante a resistência de certos bispos, não abandona o seu ofício de pastor
universal. "Reivindicar para a Igreja um modelo participativo de caráter político, em que as
decisões são votadas na base, limitado aos pobres e excluídos da sociedade, mas abstraído da
presença de todos os segmentos do Povo de Deus, desvirtuaria o sentido original redentor
preconizado por Cristo", frisou o papa aos bispos brasileiros. Mais claro é impossível. Resta ao
episcopado ficar com a palavra perene de Pedro ou com as bandeiras efêmeras dos partidos que
querem "mudar tudo isso que está aí".

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