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Engenharia da delinqüência

Olavo de Carvalho

Os movimentos que vivem da incitação à revolta popular sempre usaram das crianças e
adolescentes como instrumentos para a dissolução dos costumes, a quebra dos elos de lealdade e
confiança, a disseminação do caos e, no fim, a perseguição e assassinato dos indesejáveis.
Desde as “cruzadas das crianças” na Idade Média até a Juventude Hitlerista, a “Revolução
Cultural” de Mao Tsé-tung e as rebeliões estudantis dos anos 60, o testemunho da história é
constante e uniforme. A diferença principal que, nesse ponto, se observa entre as épocas, é que
desde o início do século XX a exploração da rebeldia infanto-juvenil veio deixando de ser um
improviso casual para tornar-se uma técnica racional, uma engenharia da “transformação social”,
hoje consolidada em atividade profissional subsidiada por grupos políticos e por grandes
organismos internacionais.
O empreendimento abrange desde a dissolução dos sentimentos morais e sua substituição pelo
Ersatz publicitário mais oportuno até a organização dos grupos juvenis para a ação direta, passando
por vários estágios intermediários como a doutrinação nas escolas, a incitação sutil ou ostensiva ao
vício e à delinqüência, o cultivo sistemático do ódio a bodes expiatórios, a transfiguração da
ignorância juvenil numa fonte mágica de autoridade moral e, last not least, as modificações legais e
institucionais necessárias para bloquear qualquer reação possível.
Nas almas dos jovens submetidos a essa coordenação de influências, os efeitos variam: o
simples desprezo à família e à moral, a exigência arrogante de espaço irrestrito para o atendimento
dos próprios caprichos, a queda na devassidão e no vício, a participação na violência política
organizada ou o ingresso na delinqüência explícita são apenas diferentes formas de expressão
adotadas por distintas individualidades de acordo com suas inclinações pessoais e as circunstâncias
fortuitas. Todas essas modalidades, com seu impacto convergente, são no entanto igualmente
necessárias à “transformação social” desejada. Por isso é que os líderes e incitadores políticos da
rebelião são também, inseparavelmente, apóstolos do imoralismo, advogados da liberação das
drogas e, sobretudo, protetores da delinqüência, empenhados em criar toda sorte de obstáculos
legais e culturais à repressão da criminalidade. A pluralidade dos meios reflete a unidade dos fins.
É inevitável que o sistema de educação pública, uma vez sob o domínio dessa gente, se torne
instrumento prioritário de destruição da sociedade e passe a atuar em perfeita sintonia com os
demais fatores geradores do caos. Quando esses grupos combatem qualquer proposta repressiva e
em troca oferecem a “educação” como remédio supremo para a delinqüência, eles omitem o fato
amplamente comprovado de que, por toda parte, a ampliação do sistema educacional não diminuiu
em nada a criminalidade entre os jovens, mas antes a inflou até os limites do insuportável, fazendo
das escolas mesmas os focos preferenciais da violência, do tráfico de drogas, etc. Nos EUA, a culpa
das escolas na expansão da criminalidade se tornou tão evidente, que suscitou a eclosão do
movimento de homeschooling, por iniciativa de pais que se recusavam a submeter seus filhos ao
adestramento estatal para o ódio político, o imoralismo prepotente e a maldade. Ano após ano,
testes e pesquisas confirmam que as crianças educadas em casa aprendem mais e têm melhor padrão
de conduta do que suas coetâneas entregues aos cuidados dos “agentes de transformação social”. Os
apóstolos da “cura pela educação” não querem as crianças mais longe do crime, apenas mais ao
alcance de um planejamento estratégico perverso e incalculavelmente malicioso, para o qual tanto
faz transformá-las em delinqüentes avulsos ou em disciplinados militantes. Entre a delinqüência e a
militância há aliás vários graus de transição e mescla, entre os quais o mais notável é o emprego de
meninos de escola como veículos para campanhas de difamação e intimidação nas quais seus guias
e mentores não desejem sujar pessoalmente seus veneráveis dedos. Nas tropas de acusadores mirins
que se sentem escoradas em pretextos de alta moralidade para o extravasamento vaidoso de ódios
postiços realiza-se, então, a síntese perfeita dos dois itens da máxima de Lênin: “Fomentar a
corrupção e denunciá-la.”
Quando o efeito conjugado de tantos ataques à sociedade se avoluma até criar um estado de
comoção geral consciente, os condutores do processo, prevalecendo-se do fato de que são também
os dominadores monopolísticos dos canais de informação e debate, lançam a culpa de tudo na
própria “sociedade injusta” e oferecem, para os males que eles mesmos criaram, a panacéia de
transformações sociais ainda mais profundas, reivindicando o indispensável acréscimo de poder
sem o qual -- lamentam informar -- não será possível realizá-las. A máquina da destruição alimenta-
se de seus próprios dejetos, crescendo até o ponto em que, vitoriosa a nova ordem, a criminalidade
avulsa já não seja necessária e a violência infanto-juvenil possa ser absorvida na máquina estatal
revolucionária sob a forma de uma “Guarda Vermelha” ou de uma “Organização da Juventude
Cubana”.
Por isso, quando parentes de vítimas da criminalidade infanto-juvenil solicitam a atenção de um
político, na esperança de que intervenha contra um estado de coisas intolerável, é da maior
prudência perguntar antes se o referido não deve sua carreira, precisamente, ao fomento desse
estado de coisas. O direito de voto aos 16 anos e a concomitante inimputabilidade penal, por
exemplo, não são peças avulsas, que se possam separar à vontade: são engrenagens solidárias de
uma complexa e trabalhosa engenharia do caos. Quem se empenhou em construir essa obra magna
não há de querer desmontá-la só porque a isso o convocam, entre lágrimas, umas quantas famílias
sofredoras politicamente irrelevantes. Quanto às vítimas inocentes, ele pode dizer em favor delas as
duas ou três palavrinhas de praxe, diante das câmeras, mas no fundo seu coração repousa tranqüilo,
confiante na máxima de Bertolt Brecht, súmula da moral revolucionária: “Quanto mais inocentes
eram, tanto mais mereciam morrer.”

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