Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
DOLORES DO EVANGELHO
Caminhos de Santidade da Guerreira da Paz
Santos - 2018
1ª reimpressão
Créditos
I. Amaral, Rubens Azevedo do. II. Silva, Nélia Cursino da. 1. Dolores do
evangelho: caminhos de santidade da guerreira da paz.
Prefácio
Q
ue alegria maior pode existir para uma comunidade do que
testemunhar quem lhe dá todos os dias um pouco de sua
vida?
Essa é a realidade de Irmã Maria Dolores Muñiz Junquera, Irmã
Dolores ou simplesmente Irmãzita, desde sua opção de vida no traba-
lho com as comunidades excluídas de Vila Jóquei Clube, Vila Zilda e
Vila Ponte Nova na Baixada Paulista.
É difícil imaginar tanta vitalidade e força naquele corpo frágil e
franzino. Apaixonada pelo projeto de Cristo, realiza-o a cada passo que
dá, na caminhada segura pelas ruelas suspensas de tábuas precárias, que
levam às casas sobre o mangue do Quarentenário, área continental de
São Vicente.
Quanto mais necessitada a pessoa, maior paixão desperta em Irmã
Dolores. A idéia inspirada de Nélia, que colheu os testemunhos de
quem teve o privilégio de conviver com Irmã Dolores, e o trabalho
exaustivo de Rubinho, organizando-os e associando-os às passagens bí-
blicas, deram a essa obra muito mais que uma narrativa de vida, trans-
formando-a numa peça de verdadeira evangelização dos dias atuais.
Sintam a força transformadora que Dolores gerou em cada testemu-
nho. Percebam a enorme capacidade de inspirar o amor, a conciliação,
a boa convivência e de promover a urgência solidária, no atendimento
imediato aos que necessitam de sua presença.
Observem a doçura e a paz que vêm de suas palavras e o imenso
carinho pelas crianças, seus pequeninos prediletos. E, acima de tudo,
comprovem que estar ao lado de Irmã Dolores é ter a certeza de poder
desfrutar na terra as delícias do convívio dos anjos do céu.
Luiz E. S. Cavalieri
13
Introdução
C
erto dia, ao término de nosso atendimento ambulatorial no
Quarentenário, Nélia me perguntou se eu não gostaria de
escrever um livro sobre a Irmã Dolores.
Referia ela que tinha tido essa idéia há tempos e que já estava de
posse de alguns testemunhos escritos por pessoas que conheciam o tra-
balho de Ir. Dolores os quais gostaria de reunir em um documento para
publicar.
Minha resposta foi absolutamente automática: “Quero sim.” Não
pensei sequer um momento para responder e aceitar.
Não se tratava de um simples convite para escrever um livro, até
porque, conforme a Nélia já tinha referido, muito já havia sido feito no
recolhimento dos testemunhos; tratava-se de uma bênção de Deus, e
como poderia eu recusar uma bênção divina?
A Nélia nem poderia imaginar que, para mim, ela estava se com-
portando como uma enviada de Deus, um anjo a me convidar a muito
mais do que escrever sobre a Irmã Dolores, estava me convidando a
me manter em oração enquanto perdurasse nosso desafio de organizar
e escrever o livro, porque assim seria e foi, quando nos dispusemos a
discorrer sobre a vida de uma “Santa”.
Escrever sobre a Irmã Dolores é caminhar sobre os ensinamentos
evangélicos.
Senti-me abençoado. Nunca perderia essa oportunidade.
A Nélia, num maravilhoso trabalho de fôlego, recolheu um bom
número de testemunhos de pessoas que conviveram e conheceram o
trabalho desenvolvido pela Ir. Dolores, amigos e amigas, além de arti-
gos, fotos e fatos publicados na mídia, e os guardou.
15
16
Rubens Amaral
17
Currículo de Vida
I
rmã Maria Dolores Muñiz Junquera é espanhola, nascida em Gi-
jón (Astúrias), um importante porto e um dos maiores do litoral
cantábrico. A cidade possui uma extensa praia. Em volta de típicos
bairros de pescadores, destaca-se a Colegiata do século XV e o Palácio
de Revillagigedo do século XVIII. Nasceu em 26/02/1926 no seio de
uma família numerosa, onde recebeu aos seis anos de idade o chamado
de sua vida religiosa. Quando ainda tinha cinco anos, sua professo-
ra perguntou-lhe o que queria ser quando crescesse. Ela respondeu:
“VOU SER FREIRA”. A professora retrucou duvidando: “Quero ver
se você vai dizer a mesma coisa quando tiver 20 anos”. Estudou em sua
cidade natal, Gijón, em Oviedo e na Faculdade de Medicina, em Ma-
dri. Fez votos religiosos também em Madri, onde trabalhou com jovens
operárias. Foi mestra de noviças em Ciudad Real. Trabalhou em vários
locais da Europa (França e Inglaterra); em Reims como encarregada do
atendimento e orientação a operários imigrantes portugueses e espa-
nhóis. Foi superiora em Londres, onde também desenvolveu atividades
semelhantes, pois, ao final da guerra, os países do Sul da Europa foram
os grandes provedores de mão-de-obra para os países devastados pelo
conflito. Era uma época de grandes migrações e difícil era intermediar
os contratos que não se faziam, explorando a mão-de-obra barata dos
paisses mais pobres da Europa. Após vivenciar essa experiência, Irmã
Maria Dolores transferiu-se para o Brasil em 1967, como religiosa da
Congregação Maria Imaculada. Pediu licença a Roma para trabalhar na
dependência direta do Sr. Bispo Diocesano com a finalidade de dedi-
car-se integralmente ao trabalho nas periferias.
Em Santos, ela participou da Congregação Maria Imaculada onde
era conhecida como Madre Covadonga, nome que ela adotou em ho-
menagem a Nossa Senhora de Covadonga, padroeira de sua terra.
19
20
21
22
23
Cronologia
25
26
Perfil:
Nome: Maria Dolores Muñiz Junquera
Data Nascimento: 26/02/1926
Signo: Peixes
Profissão: Professora e religiosa
Religião: Católica
Família: Lembrança
Qualidade: Amor pelos pobres
Defeito: Explosiva
Ídolo: Jesus Cristo
Livro: Bíblia Sagrada
Música: Clássica
Time do coração: Sport Club Corínthians Paulista
Um sonho:
Ver um dia a nossa sociedade como o reino de Deus. Frater-
na, igualitária, onde não haja essa exclusão que existe na so-
ciedade. Não haja marginalizados e o povo tenha realmente
comida, casa, saúde e educação.
Um pesadelo:
Tenho angústia de ver como vive o povo, em palafitas, nas
ruas.
Mensagem:
Que amemos uns aos outros, porque realmente todos somos
filhos de Deus e portanto, irmãos, sem distinção de raça e
condição social.
27
Cursos Concluídos
29
• Certificado SENAC
Centro de Formação Profissional.
Curso Relações Interpessoais no Trabalho.
Santos, 14 de fevereiro de 1977.
• Certificate of Appreciation
Programa “Mulheres Ajudando Mulheres” 1979.
30
Títulos Recebidos
A Mesa e a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia
Legislativa de São Paulo conferem o
4O PRÊMIO SANTO DIAS DE DIREITOS HUMANOS
31
CIDADÃ-VICENTINA
Concedido pela Comissão Municipal de São Vicente - C.M.S.V
02/06/2000
DIA INTERNACIONAL
DA MULHER
08/03/2004
32
Frei Guilherme,
Maria Ines e
Luiz Cavalieri
33
Capítulo 1
Dolores da Esperança
Dolores da Esperança
I
rmã Maria Dolores Muñiz Junquera. Por que não chamá-la de Irmã
Maria Dolores da Esperança? Há mais ou menos três anos venho
guardando todo tipo de matéria que sai em jornais e depoimentos
de amigos e pessoas que trabalharam e trabalham com ela, sempre com
o pensamento em que alguém pudesse escrever um livro.
Sei que ainda teria que pesquisar muito, porque ainda há muita
coisa a ser dita sobre essa mulher que no decorrer dos anos se tornou
tão pequenina em estatura e uma grande mulher como ser humano.
Amada por muitos e até odiada por outros, lutadora sempre do lado
dos mais fracos e oprimidos, que não se deixa intimidar, e está sempre
na luta em busca de algo novo que possa ser feito em benefício dos mais
pobres.
Aqueles que a não conhecem, vão ter a oportunidade de conhecê-la
e saber um pouco de sua história. E para aqueles que já a conhecem,
fica aqui registrada a caminhada dessa mulher, exemplo de FORÇA,
CORAGEM, ESPERANÇA e FÉ.
A Irmã Esperança
37
J. M. Gusmão Pinto
Amigo.
Novembro/2002.
Um Sol de Esperança
39
40
41
Capítulo 2
Dolores da Fortaleza
43
Dolores da Fortaleza
D
olores, irmã Dolores: assim a conheci em 1980 quando co-
meçamos juntos a aprender teologia no bairro do Ipiranga,
em São Paulo.
Os estudantes da Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assun-
ção sabiam que esta mulher vinha da Espanha. E sabiam que trabalhava
com o povo da Baixada Santista. Isto era um pouco do seu itinerário
vital, mas dentro dela havia toda uma história de vida já dedicada aos
pobres e à Igreja de Cristo.
Nós éramos principiantes na arte de pensar a fé, acompanhados
por esta mulher religiosa, que tinha compromissos sérios assumidos há
muitos anos na Europa.
Dolores é um nome que suscita preocupação, pois quem o carrega
vive compartilhando dores de outros e de outras. O peso é grande.
Como criança para amenizar, quiçá o peso, chamam-na de Lolina.
Para contrabalançar, é preciso um sorriso largo. Esta é a nossa Dolo-
res. Carrega dores, mas não se olvida de sorrir e de cantar as alegrias
do viver.
45
46
47
48
49
50
52
Capítulo 3
Dolores do Povo
Dolores Cidadã Brasileira
Dolores Cidadã do Mundo
53
Dolores do Povo
Dolores Cidadã Brasileira
Dolores Cidadã do Mundo
A
Irmã Dolores chegou ao bairro de Vila Zilda no ano de 1978,
trazida pelo Padre José Maria, vinda da comunidade do Jóquei
Clube, em São Vicente.
Sua primeira missão foi visitar as famílias, indo de casa em casa,
convidando as pessoas para participarem da formação da comunidade.
No terreno onde hoje existe a Igreja, havia um barraco simples que
estava à venda, o qual se tornou a casa da Irmã Dolores.
Os primeiros trabalhos começaram com reuniões nas casas do bair-
ro rezando o terço, Círculos Bíblicos (reunião com estudo da Bíblia) e
preparação de catequistas.
No início a catequese foi dada no colégio do bairro, por não ha-
ver local apropriado. No mesmo terreno em que a irmã morava, foi
construído um galpão em regime de mutirão, no qual foi realizada a
primeira celebração na época de Natal. Mais tarde, esse galpão se tor-
nou a primeira capela Jesus Nazareno N. Sra. Aparecida onde todos os
trabalhadores se concentravam. A partir daí, com muito esforço, união
e dedicação, foi construído um salão comunitário ao lado da capela.
As condições do bairro eram precárias e devido ao fato de ocorrer
um surto de esquistossomose, a comunidade se uniu ainda mais na
luta por melhores condições de vida, como saneamento básico, água
encanada em todas as casas, luz, pavimentação das ruas e legalização
dos terrenos.
A evangelização crescia e outras comunidades se foram formando
nos bairros vizinhos como Santa Clara, Morro do Engenho, Vila Edna,
Cachoeira e Morrinhos.
55
56
Brasileira de coração
Por volta de 1967, aporta, aqui no Brasil, uma jovem senhora, vin-
da da Europa, Espanha, onde nasceu, mais precisamente.
Vinha trazendo seus sonhos e suas inquietações dentro de um cora-
ção tão grande, que nem mesmo ela imaginava caber tanta gente.
Veio para romper barreiras em uma sociedade desigual. Veio prote-
ger o mais fraco, veio ensinar-lhe a ser um forte e a enfrentar essa guerra
da injustiça social, que a muitos aqui da terra era coisa natural.
57
58
59
60
Dolores Referência
E
la é assim inquieta, de olhar vivo como quem procura a raiz
do mal, da fome e da tristeza. Sempre à procura da dor alheia.
É o sofrimento que se aproxima dela. A riqueza de Deus na sua
alma e a pobreza que a invade e que a torna compassiva, misericordiosa,
Irmã dos empobrecidos.
Sempre vivendo atrás da vida a ser repartida. Por amor, a Cristo
presente nela e nos outros. Esta asturiana é assim: desconcertante, frá-
gil, forte.
Quase nada e quase tudo, é assim desde que a conheci na residência
Maria Imaculada em Santos. Deus quis que sempre caminhássemos
unidos não importando a distância; claro que a distância o espírito vai
cavando.
Loli “Machaconamente” pisando no Terreno dos Pobres.
Eu, nadando, sem muita esperança, no mar dos que mais possuem,
sempre solidário com ela.
Porque é impossível não ter a Irmã Dolores como referência no traba-
lho pela causa do reino.O resto é só Santidade que escandaliza os acomo-
dados e ensina os que ainda acalentam sonhar por um mundo melhor.
63
64
Dolores da Verdade
E
nquanto houver pessoas como tu, Irmã Dolores, haverá mais do
que esperança, certeza de que um novo mundo é possível.
Perdoa-me o uso da segunda pessoa. É que quero falar-te como
se faz às pessoas a quem queremos muito. Conheço-te por não mais
do que cinco anos, mas parece que convivo contigo desde o começo
do mundo. Sabes por quê? Porque pertences a uma categoria de seres
humanos em que se sabe, bate o olho e se lhes vê a alma por inteiro. O
único desejo pessoal que se percebe em ti é o de te sentires prazerosa
com o sonho da felicidade de todos. Impossível não confiar completa-
mente em ti.
Durante campanha que o levou a prefeito, Davi Capistrano, tam-
bém especial, deu-me um livro -“Nenhum homem é estrangeiro”- em
que o autor, Joseph North, lembra que Tolstoi dizia que o “objetivo da
vida é a união da espécie humana”. Não apenas concordas com isso, mas
acreditas. Porque crer é agir. E como ages! A justiça social embala teus
sonhos à noite, te acorda cedinho, te dá as mãos para levantares e fica
o dia todo de braço dado contigo. Não há descanso nem feriado para o
amor de vocês. Vejo o paradoxo de teu corpo pequeno vestindo perfeita-
mente tua alma gigante. O que a torna imensa, executando desde tarefas
as mais imperceptíveis até ações políticas da maior dimensão, pois tens
convicção de que só estas podem transformar a realidade dura em que
vive a maioria de nosso povo. Tens clareza de que o Brasil e o mundo
dispõem de potencial para propiciar, sustentadamente, boa qualidade
de vida para todos e que a imensa pobreza existente é devida exclusi-
vamente à desigualdade social, causada por uma elite, tão pequena em
67
68
Irmã Dolores
L
ouvo e agradeço a Deus pela presença dessa edificante criatura,
nesta Diocese de Santos.
Integrada na Congregação das Religiosas de Maria Imaculada,
iniciou as primeiras experiências, dedicando-se às pessoas mais pobres e
carentes na periferia de São Vicente, com o apoio do Padre Júlio Lopes
Llarena.
Dos contatos periódicos havidos com essa população, Irmã Dolo-
res, percebendo que era necessária uma presença mais diuturna junto
aos seus pobres, com a devida licença de suas Superioras e a permissão
do Bispo Diocesano, Maria Dolores foi morar muito pobremente em
um pequeno quarto, partindo, assim, para uma nova etapa em sua vida
apostólica.
Muitas obras de evangelização e de promoção humana aí estão,
testemunhando o grande zelo que a impulsiona em sua incansável exis-
tência. – Deus a Guarde!
71
72
Dolores da Luta
L
utadora do Povo, com uma admirável Fé em Deus, testemunho
vivo dos valores de Cristo e de uma Igreja Libertadora.
Lutadora do Povo, que enxerga Deus em cada pessoa, cuida
de cada pessoa, da forma que Deus desejaria, considerando verdadeira-
mente que Deus não tem outras mãos senão as pessoas e que devemos
usá-las para construção de um mundo melhor.
Lutadora do Povo, que vai traçando seu caminho ao caminhar, lu-
tando a cada passo em favor da Justiça, Igualdade e Fraternidade.
Lutadora do Povo, que faz Política, cuidando dos outros sem medo,
buscando o Bem Comum, lutando pela transformação da Sociedade e
assumindo as causas que produzem Vida para o Povo.
Lutadora do Povo, incansável, que não desanima, compromisso
com o pobre e indignação contra qualquer exclusão de nossa sociedade,
tão injusta e sem ética.
Lutadora do Povo, construtora da Paz, que clama e protesta contra
qualquer tipo de injustiça, em favor da Vida em abundância.
Lutadora do Povo, mulher simples, coerente, que sempre entregou
e sempre entregará sua Vida a serviço do Povo, buscando conquistar a
sua Utopia de construir o Reino de Deus aqui.
75
76
C
onheci Imã Maria Dolores em 1979 num Cursilho de
Cristandade. Sua figura me impressionou desde o primeiro
momento que começou a falar. Dela emana um magnetismo
que nos atrai fortemente mas não só pelo conteúdo do que fala, mas
pela enorme força de seu testemunho de vida cristã, que logo se percebe
vivo e coerente, revestido de uma profunda espiritualidade, apesar da
crueza da realidade social que nos coloca para refletir e meditar.
Desde esse cursilho, nunca me distanciei dela, procurando engajar-
me nas lutas por ela travadas que me proporcionaram um amadureci-
mento da fé e da consciência política.
Considero-a hoje, muito mais que uma amiga, uma irmã mais ve-
lha, em que procuro me espelhar e beber de sua sabedoria e fortaleza.
Dou Graças a Deus todos os dias de poder contá-la como a amiga que
sempre está pronta a nos ouvir e auxiliar nas diferentes necessidades
que tenhamos.
Sua vida é exemplo do Evangelho vivido no dia-a-dia. Tive a feli-
cidade de acompanhar seu trabalho de formação da comunidade, hoje
bairro da Vila Zilda, em Guarujá. Com a liderança e garra de seu traba-
lho, aquela comunidade conquistou a posse da terra, Igreja, luz, escola
e posto de saúde. Em todas as lutas políticas, sempre colocava a parte
religiosa. Não partíamos para nenhuma concentração, passeata, ou au-
diência com o prefeito ou vereadores, sem antes passarmos pela capela,
oferecendo nosso serviço à causa do Reino. Formou várias comunida-
des que até hoje estão firmes e prosseguem os seus trabalhos.
É uma incansável batalhadora das CEB’s dentro da Igreja.
É muito difícil falar de Maria Dolores, porque ela reúne mil qua-
lidades dentro da sua enorme simplicidade. Teóloga formada, com
79
80
Luz da manhã
H
á 16 anos conheço a querida Irmã Maria Dolores. Falar dela e
viver com ela tem sido uma experiência maravilhosa. Através
do seu testemunho de vida e doação aos mais necessitados,
nossa fé se fortalece; e com isso nos ensina que todos temos uma missão
e não devemos desanimar.
Obrigado Irmã Maria Dolores, por sua perseverança de anunciar
Jesus ontem, hoje e sempre. A senhora é um exemplo do Deus vivo no
meio de nós.
Esta passagem bíblica retrata a vida e seu testemunho:
“Assim brilhe a vossa luz diante dos homens para que eles vejam as
vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está no céu”. (Mateus
5.16)
Que Nossa Senhora da Esperança esteja ao seu lado, cobrindo-a
com seu manto sagrado.
“Deus a abençoe”.
83
A força do testemunho
Vocês são o sal da terra. Ora, se o sal perder o gosto, com que pode-
remos salgá-lo? Não serve para mais nada; serve só para ser jogado fora e
ser pisado pelos homens. Vocês são a luz do mundo. Não pode ficar es-
condida uma cidade construída sobre o monte. Ninguém acende uma
lâmpada para colocá-la debaixo de uma vasilha, e sim para colocá-la no
candeeiro, onde ela brilha para todos os que estão em casa.
84
Dolores do Bem
É
com muita satisfação que faço uso desta escrita para falar de
alguém especial como Irmã Dolores, uma pessoa voltada para
o bem. É fácil falar bem de alguém tão especial, é gratificante
para mim a oportunidade que me foi dada por um amigo de poder falar
de Irmã Dolores, por ter acompanhado de perto algumas de suas ações,
em especial a ajuda que prestou às pessoas carentes da área do Acarau,
de São Vicente, levando sua palavra amiga, sua fé e sua ajuda.
Eu me sinto abençoada pelo fato de tê-la conhecido e poder contar
com sua amizade.
Que Deus permita que mais pessoas como Irmã Dolores venham
surgir na vida de pessoas necessitadas.
Elivanete Rosa
Auxiliar de Odontologia do PS-Humaitá
87
88
C
onheci Irmã Dolores, em 1993 quando, pelas funções do
cargo que acabara de assumir, como Diretor do Pronto
Socorro Humaitá, tive acesso aos verdadeiros problemas que
iria enfrentar a partir daquele instante.
Aprendi com Irmã Dolores que, diferente do que imaginava, até
aquele momento, estes “Problemas De Saúde”, na sua grande maioria,
são decorrentes de uma situação social, extremamente desamparada,
carente de pessoas que assim como a Irmã Dolores, preocupem-se mais
com a população e suas dificuldades diárias, que compreendem que
“Os Doentes” necessitam de algo mais profundo que simplesmente ad-
ministrar drogas, ligá-los a aparelhos ou acomodá-los em leitos para
que o nosso ego de Doutores seja satisfeito com o que deveria ser consi-
derado apenas uma simples obrigação, para o qual somos pagos.
Trabalhei inúmeras vezes em ações da Pastoral da Igreja na compa-
nhia da Irmã Dolores, e tenho isto como melhor escola que poderia fre-
qüentar pois, a proximidade com a Irmã Dolores e privilégio de parti-
cipar de seus projetos é um contínuo aprendizado; aonde os professores
são extremamente raros, e quando conseguimos realizar algo, por me-
nor que possa parecer são de extrema importância para a comunidade.
91
92
D
esde 1987 a Área Continental de São Vicente recebeu a
“Graça de Deus” de poder contar com a presença e o trabalho
da Irmã Dolores.
Iniciou sua caminhada entre nós em Humaitá, indo depois para
Samaritá e finalmente para o Quarentenário, ano de 1991. Todos os
nossos bairros foram e continuam sendo beneficiados no âmbito so-
cial, comunitário e pastoral pela sua fé, coragem e dedicação aos mais
pobres.
Naquele corpo pequeno reside um coração cheio de amor, que su-
pera todas as dificuldades: “porque servir a Deus na pessoa dos mais
sofridos está acima de tudo”.
Muitas vezes é incompreendida pelos que a rodeiam, mas nunca
desanima, porque tem Cristo como Caminho, Verdade e Vida.
Sonha diariamente com o sonho de Deus:
“Um mundo fraterno e justo para todos”.
E age reunindo pessoas das mais diferentes classes, pensamentos,
partidos e religiões com um mesmo objetivo: dar vida digna a cada um
dos irmãos excluídos”.
É uma mestra incomparável:
Sempre aprendemos muito com suas palavras e seu testemunho de
amor e solidariedade.
É profetiza do nosso tempo:
Anunciando o Reino de Deus, denunciando e lutando contra as
injustiças.
Alguns de seus pensamentos:
“Em cada palafita de Mangue deveria haver uma lâmpada de Sacrá-
rio, pois lá se encontra o verdadeiro Cristo sofredor”.
95
96
Dolores da Fé
E
screver sobre a Irmã Maria Dolores é uma alegria e uma emoção.
É falar de uma pessoa muito especial, muito querida, de alguém
que está no nosso coração. Com sua aparência frágil, pequena,
cabelos brancos e olhos muito azuis, ninguém, à primeira vista, pode
imaginar a sua extraordinária resistência física, a sua palavra forte e
seu poder de determinação. Merecedora do “Prêmio Santo Dias”, da
Assembléia Legislativa de São Paulo, por onde passa, deixa a sua marca
e seu exemplo, é admirada por todos que a conhecem e sabem de seu
extraordinário trabalho; mulher forte e determinada, com sua “garra” e
coragem tem conseguido melhorias incríveis para as comunidades.
Dotada de extrema sensibilidade, acompanha-nos a todos, tanto
nos momentos de alegria como nos de sofrimento. Conosco ri e chora;
é amiga de sempre.
Nós a conhecemos há mais de trinta anos, logo depois que ela
chegou ao Brasil; trabalhávamos no Movimento de Cursilho de Cris-
tandade e ela era a superiora na ordem religiosa “Maria Imaculada”.
Quando íamos preparar o salão para os encerramentos dos Cursilhos,
lá estava ela carregando cadeiras, ajudando-nos em tudo o que podia.
Apaixonada pela causa dos “sem voz e sem vez”, desligou-se de sua
congregação, para viver integralmente junto a essas comunidades, para
viver totalmente dedicada aos mais carentes e excluídos. Foi, então, que
a nossa convivência se tornou muito próxima, criando sólidos laços de
amizade. Maria Dolores foi morar em São Vicente, onde criou a JIP
– Jóckey Instituição Promocional – entidade que preparou centenas de
jovens legionárias. Morava em uma simples palafita, como muitos dos
habitantes do bairro. Participava da reunião da Escola de Dirigentes do
Movimento de Cursilhos de Cristandade e dos três dias de Cursilho,
e a todos impressionava pelo testemunho, pela autenticidade e coerên-
cia de vida. Aos domingos, íamos, muitas vezes, ajudá-la, levando-a de
99
100
101
F
alar da Irmã Maria Dolores Muñiz Junquera, ou simplesmente
Irmã Dolores, como carinhosamente a chamamos, é, ao mesmo
tempo, muito fácil e extremamente difícil.
Esta ambigüidade pode ser explicada. É fácil falar de quem, pela
força de sua fé, é capaz de dedicar toda sua vida ao serviço dos irmãos,
sem qualquer tipo de discriminação.
É falar de quem consegue tornar o amor pelo mundo e pelas pesso-
as algo tão palpável e visível, que se converte em forças transformadoras
da realidade, por mais que esta realidade possa parecer impossível de
ser transformada.
Todavia, falar de irmã Dolores é, também, extremamente difícil,
pois seu testemunho de vida compromete todos os que possivelmente
não teriam qualquer dificuldade em louvar seu trabalho, mas não se
sentiriam tão confortáveis se tivessem que imitá-la para merecer sua
amizade.
Entretanto, o amor verdadeiro deve ser, julgo eu, como o amor da
Irmã Dolores pelos seus irmãos, que é absolutamente gratuito. Não
exige trocas. Não obriga à reciprocidade nas ações. O mesmo carinho e
dedicação que a aproximam dos excluídos, no meio dos quais eu sem-
pre a encontrei, durante os mais de trinta anos que nos conhecemos,
ela os oferece àqueles que, embora não possam pelas carências dos que
sofrem a exclusão dos mais elementares direitos humanos, a procuram
em busca de uma palavra de consolo e fortalecimento.
105
106
107
Dolores Operária
M
aria Dolores Muñiz Junquera. Este é o nome de uma ex-
traordinária mulher. Todos os adjetivos que possamos dar
a ela com certeza, ainda não chegam a descrever tudo o
que representa esta linda criatura e tudo o que neste lugar que era tão
esquecido de tudo e de todos.
Iremos por parte. Quando aqui chegou, não lembro exato o ano
e mês, porém lembro-me do trabalho iniciado pela Irmã Dolores. Na
Paróquia Aparecida, juntamente com o querido Pe. Julio Lopez Larena,
começou a formar as comunidades, sendo a primeira delas São José
Operário, no bairro Jóquei Clube trazendo-nos ensino religioso, alfa-
betização de adultos, cursos profissionalizantes (cursos principalmente
para as mulheres, para gerar renda às famílias) além da catequese de
crianças e adultos, formação de equipes de casais, etc.
Todas essas atividades funcionavam na então Capela, que se tornou
pequenina diante da dimensão do trabalho realizado pela Irmã, tendo
que, pouco tempo depois, expandir-se principalmente os cursos ofere-
cidos.
As crianças de 4 a 6 anos passaram a freqüentar a pré-escola, que até
então não existia no bairro, começando pelas crianças de 6 anos. Mais
tarde, conseguiu trazer professores para a 1a e 2a séries, para crianças
maiores até dez anos que não estavam ainda alfabetizadas e que não
haviam ido à escola. A JIP (Jóquei Instituição Promocional) surgiu da
parceria da Irmã com as pessoas voluntárias.
Nessa época, junto ao prefeito o Cel. Machado e mais tarde o pre-
feito Jonas Rodrigues, conseguiu abrir um posto médico, o saudoso
“postinho” que funcionava dentro da capela, com tratamento odon-
tológico e clínica geral. Mesmo assim, ela achava que era pouco, cons-
truiu-se então o “prédio” da JIP Nossa Guerra Missionária, chegou a
transcender o papel evangelizador, procurando politizar as pessoas. Foi
111
112
“Guardai-me, ó Deus,
porque é em vós que procuro refúgio.
Digo a Deus: ‘Sois meu Senhor,
Fora de vós não há felicidade para mim’.
Quão admirável tornou Deus o meu afeto
para com os santos que estão na terra.”
Salmo 15
Dolores do Amor
N
ão tenho bem certeza de quando a vi pela primeira vez. Acho
que foi numa reunião sobre planejamento familiar, em que
muito se falou sobre o Método Billings, nome dado ao casal
de obstetras que o idealizou. Chamou-me atenção aquela figura tão pe-
quena e frágil que brincava de uma forma séria com o médico dizendo
que seus ensinamentos sobre o método, em sua comunidade, haviam
gerado um grande número de “Billinzinhos”.
Mal podíamos imaginar que pouco tempo depois iríamos ter um
convívio tão próximo e maravilhosamente enriquecedor para nós.
Foi no Quarentenário, Vila Ponte Nova, área continental de São
Vicente, que tivemos real idéia da sua capacidade de amar ao próximo,
na sua verdadeira dimensão, isto é, como ser santo e pecador, mas aci-
ma de tudo nosso irmão, filho muito amado de Deus. Nunca vi tanta
dedicação ao próximo. Observar Irmã Dolores ao lado de seu povo sofrido,
excluído, faminto e necessitado, é ter certeza da forma perfeita de se viver o
Evangelho de Jesus Cristo em toda sua plenitude.
Na minha cabeça, o projeto que ela liderava para transformar aque-
la área de invasão num bairro era absolutamente impossível. Assentar
cinco mil famílias numa área linda, mas inóspita e poluída, trazia-me
enorme dúvidas. Ao que Irmã Dolores respondia: “Menino, esse povo
de Deus está exausto de sua longa peregrinação. Esta pode não ser a
terra prometida mas é a terra”.
Lançamento da pedra fundamental do Grupo Escolar Raul Rocha
do Amaral, marcado por muita agitação e ameaças por parte dos que
se opunham ao projeto, levou-nos a sugerir a Irmã Dolores que pedisse
respaldo policial. E mais uma vez mostrou toda sua sabedoria, mobi-
lizando grande número de crianças do bairro que, em passeata, empu-
nhando cartazes, saudavam a criação daquela escola que seria construída
para eles, desarmando de forma pacífica e amorosa qualquer pretensão
115
116
117
Dolores Santa
I
rmã Maria Dolores. O que falar de uma santa? Bastaria isso,
Dolores é uma santa.
Mas, em benefício das pessoas que não tiveram ou têm o privi-
légio de com ela conviver, lanço algumas palavras, mais de recordação e
emoção do que vindas de minha razão.
Recordo-me de ter uns vinte e poucos anos e vir com ela para a Vila
Jockey em São Vicente, nas tardes de domingo. Reuníamo-nos com
alguns moradores, gente humilde de comunidade periférica. Conversá-
vamos, cantávamos, aprendíamos muito mais que ensinávamos.
Recordo-me de ter a irmãzinha ido para o Guarujá, Vila Zilda, lá
fazendo o bem, o bairro melhorado, várias benfeitorias conseguidas,
buscou outro rincão, mais pobre. Voltou a São Vicente, agora na área
continental.
Recordo-me da primeira missa em um terreno de areia, no meio da
favela. Um cruzeiro de madeira despontava do areal, marcando o lugar
que havia sido destinado para a construção da Igreja. Frei Guilherme
celebrava, no máximo vinte pessoas assistiam à celebração, o sol estava
ainda quente em nossas cabeças, embora fossem 17 horas. Irmã Dolo-
res já chamava cada pessoa pelo nome. Iniciava a sementeira. Vi as pa-
redes sendo erguidas. Vi o telhado ser doado pela Unisantos. Vi alguns
ajudando nos blocos e no piso. Vi a consagração a Nossa Senhora da
Esperança. Já havia mais de duas centenas de fiéis, então.
Com a Igreja, veio o dinheiro para a creche, logo construída. A
seguir, um sonho realizado, um posto de saúde equipado e que a pre-
feitura passou a gerir. Mais um pouco, a casa da Irmã, que sonhava em
morar ao lado de seu povo. Um pouco mais, e uma escola construí-
da integralmente com dinheiro dos paroquianos do Embaré. Sugeri o
121
nome que ela levou, Raul Rocha do Amaral, grande companheiro das
lutas naquele rincão esquecido.
A escola profissionalizante, levando conhecimento para o meio da fa-
vela. Em um não tão distante dia lo de maio, entre as paredes com menos
de um metro de altura, falei aos trabalhadores. Que atrevimento aquele.
Sonhos. Sonhos realizados, um a um, pela perseverança dessa magní-
fica mulher. Sonhos de um povo mais feliz, com um mínimo de dignida-
de, com um mínimo de possibilidade de ter educação, trabalho e saúde,
se não fosse pelas realizações que Dolores fez, mais do que qualquer
executivo Municipal ou Estadual, pelo povo do Quarentenário, da Vila
Ponte Nova.
Mas a obra mais importante não foi a erguida com cimento e tijolos.
Não é aquela bonita de se ver, porque caiada de pouco. A mais
importante é aquela que é erguida com sorrisos, com lágrimas, com
orações, com carinho e com proteção, com o doar-se diuturnamente. É
a obra espiritual, é o que de bom foi feito com as almas, sem descurar
do corpo e de suas necessidades mínimas. Para quem consegue enxer-
gar, é monumental! São milhões de pessoas que se tornam melhores
pelo só fato de Irmã Dolores existir. São milhares de pessoas que volta-
ram a encontrar seu caminho, que voltaram a erguer suas cabeças, que
não deixaram seus lares, que se sentiram amparadas, que não passaram
fome, que se agasalharam, que foram visitadas quando doentes...São
algumas que puderam ser úteis dentro de suas áreas de atuação, e que se
gratificaram por apenas poder colaborar, ainda que de forma íntima.
Dar um passeio no Quarentenário, na Vila Ponte Nova, no Jardim
Rio Negro, em companhia de Dolores, é encontrar um pouco dessa
obra espiritual.
É um privilégio, na medida em que se vê Deus plantar suas semen-
tes de amor, por meio de sua santa. E, como dito no início, bastaria
dizer isso: Dolores é uma santa.
E feliz o povo pelo qual ela intercede, quer perante Deus, quer
perante os homens.
Carlos Fonseca Monnerat
Juiz de Direito e amigo.
Outubro/2002.
122
O Cântico de Maria
Então Maria disse: “Minha alma proclama a grandeza do Senhor,
meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, porque olhou para
a humilhação de sua serva.
Doravante todas as gerações me felicitarão, porque o Todo-podero-
so realizou grandes obras em meu favor:
Seu nome é santo, e sua misericórdia chega aos que o temem, de
geração em geração.
Ele realiza proezas com seus braços: dispersa os soberbos de cora-
ção, derruba do trono os poderosos.
E eleva os humildes; aos famintos enche de bens, e despede os ricos
de mãos vazias.
Socorre Israel, seu servo, lembrando-se de sua misericórdia, -con-
forme prometera aos nossos pais- em favor de Abraão, e de sua descen-
dência, para sempre.”
Maria ficou três meses com Isabel; e depois voltou para casa.
123
Dolores Videira
M
adre Tereza de Calcutá costumava promover reuniões, com
o objetivo de arrancar fundos para suas obras. Tais encon-
tros foram atraindo cada vez maior número de pessoas, que
fascinadas pelo carisma da religiosa, passaram a fazer verdadeira pere-
grinação ao local. Um dia, ao ver a pequena multidão que a guardava,
Madre Tereza afirmou: “Se vocês vêm aqui procurando espiritualidade
ou alguma coisa parecida, perdem seu tempo. Estou aqui apenas para
pedir dinheiro para os meus pobres. Os verdadeiros mestres espirituais
não estão aqui. Neste exato momento, eles estão lá fora, cuidando de
seus filhos, dirigindo ônibus, trabalhando nas ruas”.
Sempre que me recordo dessa história, não posso deixar de associá-
la à figura de Irmã Dolores, talvez porque, como ninguém, ela me tenha
feito entender o real e profundo significado do que vem a ser o respeito
ao espírito do ser humano. Sob a aparente imagem da fragilidade física,
fui, ao longo de nossa prolongada convivência, descobrindo uma mu-
lher cuja coragem e dedicação aos menos favorecidos despertavam em
todos que dela se aproximavam um tipo de força que só pode emanar
de alguém que, consciente da missão a que está predestinada, coloca
seus idéias sempre acima de quaisquer interesses ou obstáculos.
Falar sobre a obra de Irmã Dolores exigiria, de todos que a conhe-
cem profundamente, incontáveis adjetivos e advérbios que, por mais
numerosos e preciosos que fossem, nunca seriam capazes de oferecer
uma pálida imagem do retrato de cores fortes e poderosas que caracteri-
zam a vida dessa mulher, dedicada à defesa da dignidade e da cidadania
do ser humano.
127
128
Dolores Profeta
C
heguei a Santos no início de 1981. Conheci várias pessoas en-
gajadas em pastorais diversas. Entre estas pessoas conheci uma
especial e extraordinária que presidia as “Comunidades Ecle-
siais de Base”: Irmã Dolores. Comunidades são grupos heterogêneos
e primários compostos de famílias que se unem e vivem em relações
normais, afetivas e interpessoais, com o objetivo específico que para nós
cristãos é o eclesial. Chamam-se de base porque não são constituídas
de cima pelas autoridades, mas nascem dentro da realidade concreta
do povo. Sabendo disto, a Irmã me procurou se haveria a possibilidade
da gente trabalhar com ela na Vila Zilda (Guarujá) nas comunidades.
Aceitei de bom grado pois veio ao encontro daquilo que eu almejava.
Quando a Irmã foi transferida da Vila Zilda para Humaitá (São Vicen-
te), continuamos a trabalhar juntos, formando sempre novas comuni-
dades que nem sempre eram fáceis de se construir.
A Irmã, contudo, perseverante, conseguia estabelecê-las. Como o
bairro do Humaitá se tornou Paróquia, ela se estabeleceu em Samaritá
(São Vicente) com as mesmas intenções de sempre. De Samaritá passa-
mos para Ponte Nova e Quarentenário. Hoje ainda estamos lá. A Irmã
em todos esses lugares mencionados sempre fez sua moradia no meio
do povo, vivendo com eles e como eles, o que eu não consegui. Deste
modo, ela foi encontrando soluções para a moradia; conquistando ter-
renos, material de construção e os mutirões; para a falta de atendimen-
to médico, a construção do Posto de Saúde- Casa de Parto e a farmácia;
para a falta de Educação, construiu a Escola Raul Rocha do Amaral, Es-
cola Profissionalizante e a Biblioteca; para as crianças, as creches onde
ficam orientadas pelas pedagogas e psicólogas, dando liberdade às mães
trabalharem sem preocupação com seus filhos menores.
Para o povo no setor religioso, construiu capelas onde o povo tem
a Celebração da Palavra de Deus e a Eucaristia, além de acompanhar as
131
132
133
Dolores Empreendedora
C
onhecemos Irmã Dolores já faz algum tempo. Fomos apresenta-
dos a ela por amigos nossos. Foi no Quarentenário, esse bairro
que tem inúmeras necessidades, onde fomos trabalhar aos sába-
dos, revezando com outros casais e montamos um bazar da pechincha.
O nosso bazar foi um sucesso. Era muito gratificante poder oferecer
roupas, objetos e tudo mais que nos era oferecido por muitos colabo-
radores. Os moradores do local faziam fila para aguardar a abertura do
nosso bazar.
Irmã Dolores sempre estava presente incentivando-nos com seu jei-
to alegre e muito querida pela comunidade. Nossa meta era construir
uma sala de aula. Conseguimos, hoje esta sala transformou-se em uma
escola de educação infantil em parceria com a prefeitura. É muito inte-
ressante, pois, se você pergunta a uma criança como se chama a escola,
eles respondem “Escola da Madre”. Achamos que essa foi mais uma
conquista incansável da Irmã Dolores.
Depois de algum tempo, voltei a trabalhar com ela num projeto
“Brincar e Aprender”. São crianças de 4 a 7 anos que vão, depois do
período escolar fazer diversas atividades com pessoas que estão ali, para
orientá-las. É um trabalho muito interessante, pois, na medida em que
eu posso ajudá-las, fico satisfeita por estar colaborando. A proposta é
que as crianças depois da escola não fiquem na rua.
Irmã Dolores é uma mulher empreendedora,dinâmica e valente.
Seus projetos sempre caminham ao lado dos mais necessitados. Tudo o
que ela propõe ser executado, mesmo que dê muito trabalho, ela con-
segue realizar. Temos muito prazer e alegria de fazer parte do universo
da Irmã Dolores.
Luiz Carlos Delbue e Maristela Lopes Delbue
Novembro/2004.
137
138
Dolores Professora
N
a verdade nós nem sempre lembramos, mas toda a nossa his-
tória sempre é guiada por Deus. Porém, mesmo quando não
percebendo essa presença, ele vem ao nosso encontro através
das pessoas. Em minha vida percebi essa presença de divindade em ju-
nho de 1995, quando, por motivo do meu casamento com Claudiana,
hoje minha esposa, conheci e falei pela primeira vez com Ir. Maria Do-
lores. Até essa fase de minha vida, eu não era uma pessoa observadora
a ponto de perceber que existem pessoas cuja vida só tem sentido se
estiverem transmitindo algo de bom para alguém, especialmente para
as pessoas mais necessitadas.
Passaram alguns meses e no dia 09 de dezembro de 1995, Clau-
diana e eu nos casamos na Igreja Nossa Senhora da Esperança. Algum
tempo depois, fiquei desempregado. Desejando conversar com a Irmã
Dolores, me vendo na situação em que me encontrava, tive a oportuni-
dade dessa conversa com ela. E num domingo, após a missa, perguntei
se poderia levar para a Igreja os classificados do jornal que usava na
tentativa de conseguir um novo emprego e partilhar com outras pessoas
que se encontravam na mesma situação. Ela não só aceitou, como tam-
bém nos convidou a participar da comunidade, foi o convite mais belo que
alguém poderia receber e aceitamos.
No início da nossa participação na comunidade, já percebíamos
que esta comunidade era diferente. Sempre rezávamos o terço, fazíamos
novenas e procissões, mas uma diferença que ficava bem claro: Fé e
Vida estavam juntas.
141
142
Dolores Líder
N
a estrada da vida de nossa família, um acontecimento de sig-
nificativa importância mudou o rumo de nossa caminhada,
fazendo-nos crescer apostólica e espiritualmente.
Aconteceu no início de 1970, logo após o término da minha parti-
cipação em um Cursilho de Cristandade.
Coloquei-me na Diocese, à disposição para o serviço social-religio-
so. Tive a honrosa oportunidade e a imensa alegria de ser convidada
a colaborar na realização de um projeto de Irmã Dolores. A religiosa,
mulher vinda da Espanha, jovem, repleta do ideal de servir ao próximo,
visando à promoção humana, sutilmente penetrava nos locais mais ca-
rentes da periferia de São Vicente e na área continental, evangelizando
através da palavra, da ação, perseverança e dinamismo.
Dona de uma liderança, ao mesmo tempo segura e terna, própria
dos grandes líderes empreendedores, Irmã Dolores fazia-se figura de
destaque naquelas comunidades pobres, necessitadas principalmente
de uma voz que com elas clamasse junto às autoridades pelos benefícios
a que tinham direito como cidadãos.
Residindo em um casebre de madeira, próximo às palafitas após solici-
tar para isso licença episcopal e arriscando-se, assim como os demais mora-
dores do local, a toda espécie de contaminação e insegurança social, Irmã
Dolores dava cumprimento aos seus projetos de promoção humana.
Iniciamos o trabalho agindo ao redor de uma pequenina capela co-
nhecida como Capela de São José Operário, atraindo as moradoras para
cursos de bordado, tricô e alfabetização aproveitando a oportunidade
para evangelizar as adolescentes de 14 a 16 anos, preparadas através de
um curso “Legionárias”, para exercerem funções no comércio de São
Vicente em agosto 1977. Atualmente temos a 58a turma na JIP.
145
146
147
Capítulo 23
Dolores Mãe de Misericórdia
149
Coração de Mãe
E
la é uma “mãezona” para milhares de pessoas que vivem em
situação de extrema pobreza na Área Continental de São Vi-
cente.
Mas não é daquelas que só sabem passar a mão na cabeça dos filhos.
Irmã Maria Dolores Junquera tenta dar o peixe, mas, principalmente,
ensina a pescar.
Vocação, amor ao semelhante, obrigação de ajudar o próximo são
muitos os sentimentos que movem esta mulher, diminuta em tamanho,
perto de completar oito décadas de vida, com uma lucidez, capacidade
de raciocínio e consciência de cidadania impressionantes, e que não
pára de sonhar.
Após anos atuando na Vila Ponte Nova, bairro paupérrimo da pe-
riferia de São Vicente, ela sente que sua missão ali já está se encerran-
do e é hora de tomar novo rumo, ir em busca de comunidades ainda
mais excluídas: “Venho pensando, aqui já conta uma infra-estrutura
que bairros mais antigos não possuem. A população aprendeu a se or-
ganizar e acho que pode caminhar com as próprias pernas. Talvez para
o segundo semestre eu vá para outro bairro, em São Vicente mesmo,
mais necessitado”, confidencia.
As melhorias experimentadas pela população da Vila Ponte Nova
nos últimos anos são resultados da presença de Irmã Dolores, no lugar
onde, por sinal tem residência. Partiu dela a iniciativa de construir,
com a ajuda da Igreja Católica, o Posto de Saúde (a Prefeitura depois
151
Vocação
152
Escola Profissionalizante
153
Dificuldade de trabalho
154
155
Capítulo 24
Fotos, Fatos e Realizações
157
159
Mama
Lolina
161
Procissão na ca
pe la da Vila Zilda
1a Comunhão
1o de maio de 1985
Início do
Centro Comunitário
164
a
Sala de Costur
Inauguração da do C ônsul
a presença
Industrial, com tth ie re , da
dré Lu
da Holanda, An
ra da V IP, Maria Helena
Direto aria
G ui lherme, Irmã M
Lambert, Frei
idados.
Dolores e conv
165
Início da Comunid
ade do Humaitá
lara
cisco e Santa C
Capela São Fran
Retiro da CEB’s
Amigos da Comunidade
Comemorando
seu aniversário
Loli, Ir. Dolores, Mausé
Troncoso, Pedro e Carmen
Lydia.
167
Posto de Saúde
Igreja e E.M.E.I.
“N. Sra da
Esperança”
Centro Comunitário
“N. Sra da Esperança”
Turma de Crismandos
Ir. Dolores,
Pe. Javier e
Carolina na
Espanha
Visita a
Espanha
173
Entrevista
175
176
P
arece estarmos voltando aos tempos dos grandes castelos rode-
ados e defendidos por muralhas, torres e fossos...por gigantes-
cos soldados revestidos por brilhantes armaduras, com espadas
e lanças.
Hoje, nossos irmãos classe A vivem em grandes mansões, em luxu-
osos conjuntos habitacionais, defendidos por muros, grades, portões,
sofisticados sistemas de alarme, vigias, porteiros e zeladores...
De quem se defendem? Onde está o perigo? Quem são os grandes
inimigos?... Acaso reunidos em grandes fortalezas preparados para o
ataque?
Não!!!
O inimigo está nas ruas, sem teto, sem um pedaço de chão, res-
guardado embaixo de uma marquise, deitado nas calçadas de nossas
ruas ou escondido em um porão, em uma favela, em alguma palafita
do mangue.
Quais são suas armas de combate?
A miséria, a fome, o desemprego, as crianças desnutridas, morren-
do antes do tempo, a infância prostituída, o álcool e a droga...
Qual seu alimento?
Os lixões da cidade, ou os lixos menores dos clubes e grandes mo-
radias, o que cai das mesas ou é jogado fora, resto das comilanças, dos
banquetes suntuosos dos ricos.
177
Seu distintivo?
A falta de dignidade arrancada, deixada em pedaços em cada neces-
sidade premente, em cada direito desrespeitado, em cada porta fechada,
em cada empurrão para a margem da sociedade.
A violência que tanto tememos e procuramos com tanto afinco nos
defender, a morte matada, o seqüestro, o assalto...
Se cultiva e cresce em cada noite passada ao relento, em cada es-
tômago vazio dia após dia, no choro da criança pela fome e pelo frio,
na saúde maltratada, no ancião sem amparo, na falta de trabalho e na
humilhação...
Numa palavra “A violência é gerada pela falta de dignidade, pela
exclusão social”.
Se queremos de nossa parte mudar esta sociedade injusta e cruel, se
queremos paz em nossos lares, em nossas cidades, se queremos fraterni-
dade entre todos os seres humanos, de mãos dadas abracemos a bandeira
da Campanha da Fraternidade: “Dignidade humana e paz, novo milê-
nio sem exclusões”.
A Paz é o fruto da justiça: ou vivemos juntos como irmãos, ou pe-
receremos juntos como loucos.
178
Letras de músicas
Tu mensageira da paz
Tornas os homens iguais
E nos fazes reviver.
Tu nos mostraste o caminho
Tiraste os espinhos e nos fizeste entender
Refrão:
Tu vens conosco e nos ensinas a amar e
ajudar o nosso irmão que suplica um pedaço de pão.
179
Refrão:
É lutadora, brava., forte e aguerrida!
Se for preciso morre pra que haja vida
É um modelo para muitos seguir
E aprender que viver é servir.
Quanta alegria tê-la aqui entre nós
Porque de Deus é também porta-voz
Que a mãe de Cristo, que é nossa mãe, também
Ilumine e proteja os seus passos, Amém!
O seu passado jámais morrerá é uma glória
O seu presente ficará para a história
Por onde anda deixa a marca do bem
Como lembranças no coração de alguém.
Parabéns, Parabéns o pai quis
Vê-la feliz no bem que faz
Parabéns,
Parabéns para você, que Deus lhe dê amor e paz!!!
180
Capítulo Final
Dolores da Sabedoria
181
Dolores da Sabedoria
I
rmã Dolores, com certeza, poderia ser chamada de Arquiteta do
Povo, pois sua maior obra é a construção do homem. Todas suas
obras edificam o ser humano, constroem justiça, dignificam a exis-
tência da população mais pobre.
Irmã Dolores tem uma paixão e um amor incontidos pelas pessoas.
Ama profundamente o ser humano.
Alimenta-se de seu convívio.
Vive pela sua força.
Irmã Dolores conseguiu, já aqui na terra, saborear as delícias do céu.
Tem uma enorme capacidade de amar porque conhece a verdade. A
verdade verdadeira, aquela da justiça divina, da retidão, da sabedoria.
Não se contamina para sucumbir; se contagia para crescer, para
mudar, para renovar, num contínuo caminhar pela paz junto do seu
amado povo pobre.
Uma Dolores Sábia.
Uma Dolores que manifesta Deus, que expressa Deus, que, bem-
aventurada no amor, demonstra qualidades e virtudes maravilhosas.
Construtora da paz, do bem, da justiça e do amor.
A vida da Irmã Dolores é um salmo de louvor a Deus, cantada e
praticada nas letras do Evangelho.
Querido Deus, muito obrigado pela existência da Irmã Dolores
entre nós. Um exemplo, um modelo de caminho para o Senhor.
Uma Dolores que, guerreira da paz, caminha para a santidade.
Rubens Amaral
183
Esta frase de São Francisco de Assis falando aos seus seguidores me lembra
muito a Irmã Dolores: “Pregai o Evangelho em todas as ocasiões, mas só
usem palavras quando for necessário”.
Trata-se da Liderança Servidora que Cristo já falava há mais de 2000 anos,
Liderança pela autoridade e pelos valores.
Rubens Amaral