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O protagonismo do poder público na condominização residencial da cid... https://journals.openedition.

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Confins
Revue franco-brésilienne de géographie / Revista franco-brasilera de geografia

50 | 2021
Número 50
Dossiê

O protagonismo do poder
público na condominização
residencial da cidade de Alfenas-
MG
The protagonism of public power in residential condominization of the city of Alfenas-MG
Le protagonisme du pouvoir public dans la condominisation résidentiel dans la ville d'Alfenas-MG

L����� M��� �� C����� A������ �� E����� ��� S�����


B��������
https://doi.org/10.4000/confins.37914

Résumés
Português English Français
Este trabalho propõe uma discussão sobre o papel dos agentes produtores do espaço urbano no
fenômeno da proliferação de empreendimentos do tipo condomínios residenciais fechados na
cidade de Alfenas, Estado de Minas Gerais, a partir de 2010. O objetivo principal é o de analisar
as relações que possibilitaram a implantação destes empreendimentos, dialogando com os
agentes produtores da referida cidade e as relações de consumo do espaço urbano. Além do
referencial teórico, foram efetuadas entrevistas com representantes do poder público municipal e
de incorporadores imobiliários. As análises indicam uma importante interferência do Estado na
produção desse espaço urbano fragmentado, evidenciando uma estratégia mercantil não
destacada nas abordagens sobre esse tema. Este artigo apresenta-se como um ensaio, no sentido
de relacionar um trabalho realizado previamente à análise política do planejamento urbano, e do
papel do Estado como produtor espacial, que fazem parte do nosso projeto de pesquisa do curso
de Mestrado em Geografia, na Universidade Federal de Alfenas-MG.

This paper proposes a discussion about the role of urban space producing agents in the
phenomenon of the proliferation of closed residential condominiums in the city of Alfenas, State

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of Minas Gerais, starting in 2010. The main objective is to analyze the relationships that made
possible the implementation of these enterprises, dialoguing with the transforming agents of the
city and the consumption relations of urban space. In addition to the theoretical reference,
interviews were carried out with representatives of municipal public authorities and real estate
developers. The analyzes indicate a strong interference of the State in the production of this
fragmented urban space, evidencing a mercantile strategy not highlighted in the approaches on
this theme. This article presents as an essay in the sense of relating a previous work to the
political analysis of urban planning and the role of the State as a space producer, which are part of
our research project of the Master's Degree in Geography at Universidade Federal de Alfenas-MG.

Cet article propose une discussion sur le rôle des agents producteurs de l’espace urbain dans le
phénomène de la prolifération des condominiums résidentiels fermés dans la ville d'Alfenas, État
du Minas Gerais, à partir de 2010. L'objectif principal est d'analyser les relations qui ont permis
l'implantation de ces entreprises, dialoguant avec les agents transformateurs de la ville et les
relations de consommation de l'espace urbain. En plus du cadre théorique, des entretiens ont été
menés avec des représentants du gouvernement municipal et des promoteurs immobiliers. Les
analyses indiquent une forte ingérence de l'Etat dans la production de cet espace urbain
fragmenté, montrant une stratégie commerciale non mise en évidence dans les approches sur ce
thème. Cet article se présente comme un essai afin de relier un travail effectué antérieurement à
l'analyse politique de l'urbanisme et du rôle de l'État en tant que producteur spatial, qui
s'inscrivent dans notre projet de recherche du Master en Géographie à Universidade Federal de
Alfenas-MG.

production de l’espace, pouvoir public, condominium fermé, ségrégation, Alfenas-MG.

Entrées d’index
Index by keywords: space production, public power, gated community, segregation, Alfenas-
MG.
Índice de palavras-chaves: produção do espaço, poder público, condomínio fechado,
segregação, Alfenas-MG.

Texte intégral

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1 O número de condomínios residenciais fechados cresceu significativamente nos
últimos anos do século XX e início do século XXI, transformando não só a paisagem
urbana, como também a dinâmica social da cidade. A expansão deste produto
imobiliário gerou discussões e estudos que abordam suas causas, consequências e
origens. Neste trabalho, o estudo sobre a expansão destes empreendimentos na cidade
de Alfenas, Estado de Minas Gerais, remete a uma reflexão sobre qual o espaço urbano
está sendo produzido e qual o papel dos agentes transformadores neste processo.
2 Alfenas possui um espaço urbano que remete ao seu passado de urbanização, que
concentrou, no centro, o poder econômico e político, o comércio e as residências da
classe mais abastada, deixando para a periferia as classes de rendas mais baixas. Esse
modelo de urbanização, comum no Brasil, foi se modificando com a saturação do centro

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da cidade e a criação de bairros elitizados fora do núcleo central, longe dos


inconvenientes advindos do crescimento do fluxo do comércio e dos serviços.
3 Ainda conforme Alfenas (2006), um dos principais problemas da cidade é o grande
número de lotes vagos. Há uma preocupação com a baixa densidade de ocupação, pois
esta traz altos custos para a manutenção da infraestrutura e serviços urbanos. São
reflexo da especulação imobiliária que prioriza o ganho individual, enquanto os custos
de manutenção da estrutura urbana são, na verdade, coletivos. E mesmo com a
evidência do alto custo para a manutenção urbana, novos loteamentos foram aprovados,
como os do tipo “condomínios fechados”.
4 Esta não é uma realidade somente da cidade de Alfenas, pois a condominização
acontece em todo o mundo, como produto do processo de reprodução de capital da
globalização. O solo urbano passa a ser visto cada vez mais como mercadoria, sendo
alvo de empreendedores que utilizam de especulação e da promessa por segurança
como ferramentas para a valorização de áreas periféricas da cidade, para acumulação de
capital cada vez maior e da astúcia do poder público em dividir responsabilidades.
5 Este trabalho tem, como objetivo principal, analisar o papel dos agentes nas
modificações espaciais da cidade de Alfenas, decorrentes do crescente processo de
difusão dos empreendimentos do tipo condomínios fechados residenciais, observando a
fragmentação, as novas formas de consumo do espaço urbano e como o Estado
interferiu neste processo, como agente produtor/transformador do espaço.
6 Para o desenvolvimento do trabalho, buscamos compreender quem são os agentes
produtores do espaço urbano e como atuam na cidade de Alfenas, além de compreender
os fatores que induzem a reprodução de empreendimentos do tipo condomínios
fechados, pela perspectiva do processo de globalização.
7 Alfenas localiza-se na Região Geográfica Intermediária de Varginha, onde compõe a
Região Geográfica Imediata de Alfenas, polarizando 13 municípios (IBGE, 2017). A
cidade destaca-se como polo de comércio e serviços para as cidades vizinhas, assim
como é referência nos setores de saúde e de ensino, o que a consolidou como um polo
microrregional no sul de Minas Gerais, conforme exposto no mapa da Figura 1.

Figura 1 - Mapa de localização da microrregião de Alfenas MG

8 A população estimada para o município em 2020 é de 80.494 habitantes (IBGE,


2020a). O crescimento da população total e da urbana, conforme destacado na Figura 2,
aponta para transformações qualitativas importantes na rede urbana e em seu espaço

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intraurbano, com uma maior diversificação das atividades e dinamismo, consolidando-


se como uma cidade de polarização regional, todavia com o aumento das disparidades
regionais e urbanas.

Figura 2 – Evolução da população urbana, rural e total do município de Alfenas


Fonte: IBGE, 2020b.

9 Atualmente identificamos a presença de seis condomínios fechados na cidade, sendo


o Jardim da Colina o mais antigo, implantado nos anos 1990 (
Evanio2021-02-18T08:57:00Alfenas, 2006). Os demais empreendimentos deste tipo
sugiram nos últimos cinco anos, alguns ainda estão em fase de implantação, os quais
indicam a formação de um eixo de expansão e de um setor de valorização notadamente
na região do bairro Aeroporto, onde já havia a ocupação com residências de alto padrão.

Procedimentos metodológicos
10 Este trabalho propõe-se a analisar a produção e a estruturação do espaço urbano sob
a ótica das interações entre seus agentes transformadores, sendo esta uma premissa
para a compreensão da dinâmica urbana. Analisando as contradições existentes entre a
reprodução de empreendimentos do tipo condomínios fechados na cidade de Alfenas e
sua relação com a tomada de decisão do planejamento urbano, buscou-se compreender,
portanto, a dialética do produzir espaços que são urbanos, mas que não
necessariamente pertencem à cidade.
11 Para isso, iniciou-se uma revisão bibliográfica específica sobre os conceitos e temas
que pautam os processos de produção do espaço urbano e os agentes responsáveis por
tais transformações. Além disso, buscamos entender quais são as motivações e
consequências deste produto imobiliário, à luz de autores que abordaram este tema em
estudos anteriores.
12 Na primeira parte da pesquisa foram realizadas entrevistas semi estruturadas com
agentes que, conforme Corrêa (1989), são responsáveis pela formação do espaço
urbano. Em reunião com o prefeito da cidade de Alfenas, Luiz Antônio da Silva,
Luizinho, obtivemos informações importantes sobre a ótica do poder público acerca
destes empreendimentos, quais as contrapartidas exigidas aos loteadores e qual a
intenção do poder público municipal com as aprovações destes projetos. Esta entrevista
se fez necessária, pois foi no mandato dele que os condomínios mais recentes foram
aprovados e tendo em vista que ele era o atual prefeito durante a realização da presente
pesquisa.
13 Utilizamo-nos, também, de pesquisas na Secretaria Municipal de Desenvolvimento
Estratégico, órgão do poder executivo municipal que fomenta a captação de recursos
públicos para operações/obras de desenvolvimento urbano e regional. Foram
entrevistados outros representantes do poder público municipal, especialmente
servidores da Secretaria de Planejamento e Orçamento da Prefeitura Municipal de
Alfenas.
14 Os mapas foram elaborados com a base de dados do IBGE, juntamente com a planta
cadastral da cidade de Alfenas, fornecida pela Prefeitura Municipal, através da
Secretaria de Planejamento e Orçamento.
15 No tópico a seguir, procedemos à discussão sobre a dinâmica dos principais agentes
sociais envolvidos na produção do espaço urbano e suas estratégias.

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A produção social do espaço urbano


16 Para entender a dinâmica do processo de condominização, analisamos os processos
de produção da própria cidade, como ela se materializa e quais são os atores produtores
desse espaço.
17 Maricato (2013) define as transformações da cidade capitalista, argumentando:

Desde o período da revolução industrial, quando os efeitos de aglomeração nas


cidades ofereceram condições indispensáveis para o processo de acumulação de
base fabril até as chamadas “cidades globais”, que concentram poder
internacional, o espaço urbano e, mais recentemente, metropolitano e regional,
constitui força produtiva fundamental, além de participar do processo de
dominação hegemônica (Maricato, 2013, p. 139).

18 O capital busca sempre moldar o espaço urbano, a fim de tirar dele o maior lucro
possível. Trabalhando com a cidade como mercadoria e entendendo que cada “pedaço”
da cidade se constitui um monopólio, pois sua localização é irreproduzível, com os
agentes transformadores do espaço urbano tendo na renda imobiliária, o motor central
de acumulação de capital, através de seu valor de troca.
19 A definição de espaço urbano descrito por Corrêa (1989), afirma que a segmentação
espacial é uma característica da cidade, com as suas partes unidas através dos fluxos,
formando uma unidade articulada e complexa.
20 Afirma que, no capitalismo, a fragmentação encontrou terreno fértil para sua
reprodução, gerando um “complexo e mutável mosaico social”, sendo reorganizado a
cada novo processo de expansão urbana, de incorporação de novas áreas e de
mobilização social.
21 Logo, de acordo com o autor referido, o espaço urbano é formado pelas relações
sociais estabelecidas, através do tempo, neste contexto espacial segmentado, pelos
seguintes agentes sociais:
22 a) Os proprietários dos meios de produção: pela natureza de suas atividades, são
grandes consumidores de espaço. Demandam terrenos de boa localização (para
escoamento da produção e para acesso dos funcionários), amplos e com baixo custo.
Todavia, essa demanda é mais complexa nas cidades. A especulação imobiliária
aumenta o preço das terras urbanas, o que gera um impacto direto no custo da
produção e no salário dos trabalhadores.
23 b) Os proprietários de terras: buscam a maior renda fundiária possível de suas
propriedades, interessando-lhes diretamente o valor de troca do solo, não o de uso.
Utilizam-se de especulação imobiliária para garantir um alto retorno do investimento e
procuram empreendimentos rentáveis para implantar em suas propriedades, como é o
caso dos condomínios fechados. Podem contar com o “auxílio” do poder público, no
sentido de garantir infraestrutura que agregam mais valor às suas propriedades. A
ocupação de áreas periféricas das cidades depende de sua estratégia, para definir quais
tipos de empreendimentos se instalarão e qual classe social a ocupará. Os proprietários
de terras bem localizadas, que são dotadas de amenidades físicas (vegetação, mar, lagos,
etc), utilizam-se de campanhas publicitárias que exaltam suas qualidades e,
consequentemente, elevam o preço dos terrenos.
24 c) Os promotores imobiliários: são agentes que realizam operações de incorporação,
financiamento, estudo técnico, construção, comercialização, transformando o capital-
mercadoria em capital-dinheiro, acrescido de lucro. A principal estratégia desses
agentes é agregar a imóveis um valor de uso que antes não tinham (inovações,
diferenciais), para poderem cobrar um preço superior ao inicial.
25 d) O Estado: articulador da organização espacial da cidade, tem o poder decisório no

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planejamento e zoneamento da cidade, tornando-o, assim, peça fundamental na


produção do espaço urbano. O Estado pode, através de regulamentação de uso do solo,
de cessão de infraestrutura e de outros instrumentos de política urbana, favorecer ou
não uma área. Por isso, o contato entre o Estado e os demais agentes produtores do
espaço urbano é tão importante.
26 e) Os grupos sociais excluídos: formados por aqueles que não têm condições
financeiras para comprar ou alugar um imóvel e que dependem de ajuda governamental
para se instalarem ou mesmo ocupando cortiços e favelas. Além destes, os conjuntos
habitacionais populares e a autoconstrução em loteamentos periféricos são os produtos
destes grupos na modelagem do espaço urbano.
27 Os argumentos apresentados por Harvey (2006), sobre a acumulação via espoliação,
correspondem ao processo que vem ocorrendo nas cidades brasileiras, onde
desencadeia uma reestruturação urbana com graves impactos sociais, ambientais e
espaciais.
28 Segundo o referido autor, a exploração do espaço urbano é uma nova e mais agressiva
forma de acumulação do capital, uma forma aprimorada da acumulação primitiva do
capital. A ideia de espaço público como essência da cidade, um território onde são
estabelecidas as relações sociais e identitárias, reafirmando a liberdade individual da
sociedade, dilui-se na voracidade das regulações dadas à produção do espaço urbano.
29 Ao apresentar a sua concepção sobre a produção social do espaço, Henri Lefebvre
(2013) resgata da teoria de Marx o enfoque do homem como sujeito da sua história.
Neste sentido, o autor questiona a sociedade moderna a partir do espaço e defende que
a disposição do espaço urbano traduz as relações conflitantes entre o capital e o
trabalho, condicionando não somente no sentido material, mas nas relações de poder
projetadas territorialmente e nas práticas socioespaciais inscritas no espaço.
30 Deste modo, o espaço representa um componente dialeticamente definido dentro de
uma economia política, que, em última instância, explica a sobrevivência do capitalismo
atual. Logo, o espaço envolve as contradições da realidade, à medida que é um produto
social. O espaço torna-se uma mercadoria que se abstrai enquanto mundo ao mesmo
tempo, que traduz as diferenças e as particularidades contextuais do próprio mundo.
31 Portanto, compreender o processo de transformação da cidade passa por mais do que
o puro exercício de análise espacial local, ou deve-se entender que a transformação
experimentada nas cidades vem de uma mudança de escala global, exigindo-se um
esforço para alcançarmos a simultaneidade do espaço. A globalização não é só
econômica, ela alterou as relações sociais, políticas e culturais, o que conduz à produção
de novas espacialidades. Dentre estas, os condomínios fechados residenciais que,
inseridos na lógica capitalista atual, modificam as formas de consumo do espaço urbano
e favorecem a acumulação de capital, também surgem como solução para os problemas
sociais gerados por essa realidade global, produzindo espaços com uso restrito e
modificando as relações sociais e espaciais existentes.

Os condomínios residenciais fechados


32 Os espaços residenciais protegidos por muros e providos de segurança particular
tiveram como precursores os Gated Communities, ainda no final do século XIX, nos
Estados Unidos. Porém, foi a partir de 1970, que se percebeu um grande crescimento
destes empreendimentos no mundo, segundo Barajas (2003 apud Sposito, 2013, p. 62).
Os condomínios horizontais fechados surgiram no Brasil a partir de São Paulo, com o
Alphaville, lançado em 1974. O Alphaville, atualmente, é considerado o maior
condomínio fechado do Brasil, segundo o modelo das edge cities norte-americanas, ou

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seja, reunindo residências, serviços e empregos, como numa mini-cidade.


33 Segundo Caldeira (2011), os condomínios fechados começaram a ser construídos nos
anos 1970, durante o boom do mercado imobiliário e do financiamento estatal. A autora
denomina de “enclaves fortificados”, onde: “Diferentes classes sociais vivem mais
próximas umas das outras em algumas áreas, mas são mantidas separadas por barreiras
físicas e sistemas de identificação e controle” (Caldeira, 2011, p. 254-255).
34 Janoska e Glasze (2003, p. 13-14) abordam a condominização como resultado do
processo de globalização e elencam consequências políticas, econômicas e culturais que
favorece esse mercado. A primeira está relacionada à precariedade da infraestrutura
urbana oferecida pelo Estado, o que levaria a uma parcela da sociedade com renda mais
elevada a investir em sua própria infraestrutura, não necessitando assim do poder
público.
35 A segunda, diz respeito ao poder que o mercado imobiliário alcançou, devido à falta
de regulamentação específica e dirigindo o “mercado do solo” urbano, de acordo com
seus interesses comerciais.
36 A terceira consequência seria a transformação observada no âmbito político mundial,
com a mudança do modo de governo que, depois da derrubada dos governos
comunistas na Europa nos anos 1980, passou a ser difundida a ideia de “estado
mínimo”. Para tanto, observou-se uma descentralização do governo nas decisões
econômicas e sociais, favorecendo a iniciativa privada. Essa falta de regulação
governamental fez com que o desenvolvimento da urbanização das cidades não fosse
controlado de modo efetivo pelo poder público mas pelos empreendedores privados.
37 A quarta é relativa a um aumento da percepção subjetiva da insegurança, onde cada
vez um número maior de pessoas busca a segurança que os muros e portões
proporcionam. E a reprodução do modelo de vida voltado ao consumo é a quinta
consequência da globalização, que favoreceu a condominização, principalmente em
países subdesenvolvidos, onde viver em um condomínio deste tipo é símbolo de status e
inclusão no mundo moderno.
38 Por último, os autores descrevem a difusão do sucesso desses produtos imobiliários
como razão para que outros empreendedores busquem obter o mesmo êxito, tornando
os condôminos fechados num modelo mundialmente difundido como sendo muito
vantajoso.
39 No próximo tópico, discutimos as particularidades desse processo em relação à cidade
de Alfenas, destacando a ação do poder público municipal.

A condominização na cidade de Alfenas


40 A partir dos anos 2000, de acordo com a Leitura Técnica do Plano Diretor (Alfenas,
2006), a cidade apresentou uma retração do mercado imobiliário. Mesmo assim
recebeu investimentos com a construção de novos loteamentos. Em entrevista com o ex-
prefeito de Alfenas, Luiz Antonio da Silva (Luizinho), que administrou a cidade no
período de 2009 a 2012, temos sua perspectiva, enquanto gestor desse processo:

Devemos ter consciência que a grande maioria dos loteamentos da cidade são
abertos, temos uns 12 loteamentos abertos e só uns três novos fechados. Então, o
empobrecimento da cidade e sua incapacidade de financiamento é que leva a abrir
novos loteamentos. Ao contrário do que se pensa, não é a cidade que cresceu, ela
empobreceu, seus moradores perderam a capacidade de comprar à vista, a
incapacidade financeira de quem quer construir (Luizinho, 2016).

41 Atualmente, os condomínios fechados da cidade de Alfenas estão em fase de


ocupação, com exceção do Jardim da Colina e o Residencial Floresta, que tiveram

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ocupação há mais tempo; encontram-se distribuídos na cidade conforme destacado no


mapa da figura 3, a seguir,

Fonte: IBGE, Base Minas Gerais, 2016. Elaboração: André L. Bellini.

42 O Jardim da Colina foi construído como loteamento aberto na década de 1970, e


passou a funcionar como condomínio fechado a partir dos anos 1990. Já o Residencial
Floresta despertou maior interesse nesta pesquisa, por ter se apresentado como uma
alteração significativa numa estrutura urbana pré-existente e muito diversa da proposta
do empreendimento, encontrando-se ao lado de uma ZEIS (Zona de Especial Interesse
Social). Na realidade, todos os empreendimentos do Grupo Sequóia (Floresta e Cidade
Jardim) contam com a mesma particularidade: a proximidade com bairros populares,
conforme exposto nas fotografias das Figuras 4 e 5.

Figura 4 – Condomínio Residencial Floresta

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Fonte: Evânio S. Branquinho, outubro de 2020.

Figura 5 – Loteamento Residencial Cidade Jardim

Fonte: Evânio S. Branquinho, outubro de 2020.

43 De acordo com a Lei Municipal nº 4.311/2011, os bairros adjacentes aos condomínios


do referido grupo são todos pertencentes a uma grande ZEIS I, que são definidas,
conforme a própria legislação, como “regiões ocupadas pela população, nas quais existe
interesse público em promover programas habitacionais de urbanização e regularização
fundiária, urbanística e jurídica, visando à promoção da melhoria na qualidade de vida
de seus habitantes e à sua integração à malha urbana”, conforme destacado no mapa da
figura 6, a seguir:

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Elaboração: Lilian M. C. Azevedo, setembro de 2016.

44 Conforme apurado, a decisão de tornar esses “loteamentos” em condomínios


fechados partiu da gestão municipal à época da aprovação dos projetos de engenharia.
Os condomínios fechados apresentam um diferencial na estrutura urbana: os
empreendedores os entregam com infraestrutura completa e sua manutenção é de
responsabilidade do condomínio, não do município. O objetivo do gestor à época (o
prefeito Luizinho) era de que isso seria uma contrapartida favorável à sua implantação,
acreditando que com a responsabilidade pela manutenção intramuros as despesas
seriam menores ao erário.

O outro que abriu é o Floresta, que quando foi feito foi uma exigência nossa, do
governo, que fosse fechado, para que a cidade diminuísse os custos de
manutenção. Não foi porque eles queriam, eles preferem fazer aberto, acham que
vende mais sendo aberto do que fechado (Luizinho, 2016).

45 Ainda segundo o gestor municipal, o loteamento tem “um pé no privado e outro no


público” o que exige do poder público a construção ou ampliação de equipamentos
públicos de educação, saúde e segurança para atendimento da demanda gerada por
novos bairros, além do custo de coleta de lixo e limpeza das novas ruas e pela
manutenção do piso da cidade (asfalto em operações tapa-buraco, por exemplo).
46 Conforme levantado junto à Secretaria de Planejamento, para a análise e aprovação

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dos loteamentos fechados, não foram considerados os impactos que esse tipo de
empreendimento causaria no modo de vida da população adjacente. Não foi exigido, por
exemplo, Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), para que pudessem ser mapeadas as
áreas de influência desses empreendimentos, bem como as consequências desses no
tecido urbano existente, mesmo sendo este um instrumento prescrito no Plano Diretor
Municipal para tal.
47 Verificamos que os condomínios fechados se tornaram uma “válvula de escape” do
governo municipal para os problemas urbanos, e no caso de Alfenas, principalmente
para a questão da violência e dos altos custos de manutenção do espaço urbano. E, neste
sentido, a fala do prefeito sobre outro loteamento, o Cidade Jardim (parte é aberta e
outra é condomínio fechado), corrobora nosso pensamento:

O Cidade Jardim é um teste, não sabemos se aquilo vai dar certo. Quando pediram
para lotear o Floresta, existiam vários lotes ali irregulares e semi urbanizados, não
tinha esgoto nem água, eram complicados. As exigências que fizemos para liberar
o loteamento foi que a rua fosse asfaltada até lá em cima – coisa que seria
obrigação da prefeitura, mas não tínhamos dinheiro –, resolvessem os lotes
encrencados e fizessem um parquinho ali na frente para atender aos moradores
dos Santos Reis. Isso tudo foi contra partida para a liberação do empreendimento
(Luizinho, 2016).

48 O poder público municipal estaria, portanto, como agente produtor do espaço,


mercantilizando o espaço urbano e terceirizando sua função de manutenção e expansão
da infraestrutura urbana à iniciativa privada, agindo como administrador dos interesses
público versus privados sob a ótica financista do processo, transformando o espaço
urbano em operações financeiras, cuja conformação do espaço não tem planejamento
urbano prévio e subjugando o Estado a expectador da ação privada.
49 Retomando Corrêa (1989), o poder público age como articulador da organização
espacial da cidade, uma vez que detém o poder decisório no planejamento urbano. No
caso em análise, estabelecendo uma espécie de “parceria” privada, ele interfere
diretamente na produção do espaço, não como planejador estrategista que deveria ser,
mas como concessor velado.
50 Diferente das operações que são manifestadamente concessões, como as Parcerias
Públicas Privadas, a ação de exigir, para aprovação de um loteamento, que este seja do
tipo “loteamento fechado”, cria parcelas da cidade que não estão inseridas na lógica da
própria cidade. São cidade por estarem dentro do tecido urbano, estão sob o governo do
mesmo poder público, e não são por terem sua dinâmica própria, serem auto gestores
do seu espaço interno.
51 Os condomínios fechados apresentam suas próprias “leis”, com código de obras
específico, com cobranças de taxas para manutenção de infraestrutura e com dinâmicas
sociais estabelecidas por seus próprios moradores. São cidades, do ponto de vista da
independência e, em grandes centros, são cidades até mesmo do ponto de vista das
funcionalidades (detém tudo que o morador “precisa” para viver – escolas, hospitais,
comércio, etc).
52 O Estado cria, com esse movimento, a cidade que está dentro e fora da cidade
simultaneamente. E fica para o Estado a administração dos conflitos gerados pela
ausência do planejamento dessas ações, as questões socioespaciais geradas fora dos
muros dos condomínios e dos problemas de mobilidade urbana decorrentes da
ocupação desses condomínios (aumento do fluxo de veículos em determinados locais
com aumento de desgaste do piso asfáltico, necessidade de alterações em trânsito,
aumento do fluxo de águas pluviais pela impermeabilização do solo, mudança na
dinâmica de violência urbana, etc).
53 É importante tecer algumas considerações no que tange à incontestável valorização

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econômica dos imóveis após a construção dos empreendimentos fechados. A presença


de um condomínio fechado em determinada área da periferia valoriza seu entorno, por
trazer consigo a implantação de infraestruturas, que refletem positivamente nos preços
dos imóveis e terrenos de entorno, além de conferir à região uma suposta condição de
área privilegiada e que pode oferecer melhor qualidade de vida. Essas novas
características passam a ser exploradas pelos agentes imobiliários.
54 Mas a perversidade deste processo consiste em, após receber melhorias e
experimentarem o aumento do preço das propriedades, os moradores se sentem
tentados pela demanda do mercado e pela possibilidade de realização de renda na venda
de seu imóvel. Esses moradores migram para regiões ainda mais periféricas, onde
geralmente sofrem da carência de infraestrutura e de serviços públicos básicos
novamente, tornando-se um ciclo vicioso que, efetivamente, só beneficia os
proprietários fundiários especuladores.
55 Os condomínios fechados expressam, nas periferias, as diferenças das classes sociais,
através de uma “proximidade distante” entre ricos e pobres. Sua própria existência nas
periferias fragmenta social e espacialmente ainda mais a cidade e intensifica a
segregação espacial aí presente.

Considerações finais
56 Os condomínios fechados modificam a dinâmica socioespacial e a forma tradicional
de experimentar a cidade e, desta forma, vêm reforçando ainda mais as disparidades
existentes entre as classes sociais no espaço urbano. As relações alteradas vão além da
circulação no tecido urbano, passam por uma nova forma de morar, de perceber o lugar
onde se mora e de se apropriar (ou não) dele.
57 A configuração urbana e o mercado imobiliário existentes no Brasil são complexos,
com o lote urbanizado sendo um produto do mercado com grande taxa de lucro. O
poder público do município de Alfenas demonstrou, nesta pesquisa, certa incapacidade
de administrar as responsabilidades quanto à instalação e manutenção de
infraestrutura, tendo em vista a velocidade que têm se dado a expansão urbana. Diante
disso, os empreendedores privados encontraram uma forma de aliar seus interesses
financeiros com certa comodidade do poder público, ao se eximir das responsabilidades
infraestruturais.
58 Um fato importante referente à produção do espaço urbano em Alfenas é o papel dos
incorporadores que atuam na cidade. Grupos grandes, de outras cidades e até de outros
estados, dominam as iniciativas dos condomínios mais recentes. Esses agentes têm
proporcionado uma expansão acelerada da malha urbana, tendo em vista que subsidiam
a construção de loteamentos os quais, provavelmente, não aconteceriam neste
momento.
59 Além disso, incorporaram à cidade o “estilo de vida” de condomínios fechados
acessíveis a uma parcela da população que não tinha essa possibilidade, e que passou a
poder habitar ou investir neste tipo de empreendimento. Até mesmo o padrão de lotes é
mais popularizado, se considerarmos as dimensões que são comercializadas (a partir de
300 m2), as dimensões dos terrenos do Jardim da Colina, por exemplo.
60 Evidentemente, a análise aqui apresentada, representa um esforço de discussão de
uma problemática extremamente complexa, e portanto não se admite a pretensão de
esgotá-la. Nesse sentido, registra-se aqui que a perseverança nos estudos sobre a
produção do espaço urbano, seus desafios e agentes, são norteadores do futuro
desenvolvimento de nossa pesquisa, visando contribuir com as discussões acerca do
tema.

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O protagonismo do poder público na condominização residencial da cid... https://journals.openedition.org/confins/37914

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Table des illustrations

Titre Figura 1 - Mapa de localização da microrregião de Alfenas MG


URL http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/37914/img-1.jpg
Fichier image/jpeg, 145k

Crédits Fonte: IBGE, Base Minas Gerais, 2016. Elaboração: André L. Bellini.
URL http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/37914/img-2.jpg
Fichier image/jpeg, 365k
Titre Figura 4 – Condomínio Residencial Floresta
Crédits Fonte: Evânio S. Branquinho, outubro de 2020.
URL http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/37914/img-3.jpg
Fichier image/jpeg, 145k
Titre Figura 5 – Loteamento Residencial Cidade Jardim
Crédits Fonte: Evânio S. Branquinho, outubro de 2020.
URL http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/37914/img-4.jpg
Fichier image/jpeg, 130k

Crédits Elaboração: Lilian M. C. Azevedo, setembro de 2016.


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Pour citer cet article

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Référence électronique
Lilian Mara de Castro Azevedo et Evânio dos Santos Braquinho, « O protagonismo do poder
público na condominização residencial da cidade de Alfenas-MG », Confins [En ligne], 50 | 2021,
mis en ligne le 21 juin 2021, consulté le 22 octobre 2022. URL : http://journals.openedition.org
/confins/37914 ; DOI : https://doi.org/10.4000/confins.37914

Auteurs
Lilian Mara de Castro Azevedo
Mestranda em Geografia – Universidade Federal de Alfenas-MG, lilian.arqgeo@gmail.com

Evânio dos Santos Braquinho


Professor deo PPGEO – Universidade Federal de Alfenas-MG, evanio.branquinho@unifal-
mg.edu.br

Droits d’auteur

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Conditions 4.0 International - CC BY-NC-SA 4.0

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