Você está na página 1de 31

Machine Translated by Google

novo roteiro
Revista Eletrônica de Geografia e Ciências Sociais
Universidade de Barcelona

ISSN: 1138-97
Vol. XXIII. Nº 620 15
de agosto de 2019

HETEROTOPIA DO PATRIMÔNIO:
CONCEITO PARA ESTUDOS LATINO-AMERICANOS

Dr. Everaldo Batista da Costa Universidade de


Brasília, Brasil
everaldocosta@unb.br

dr. Ilia Alvarado-Sizzo Universidade


Nacional Autônoma do México
ialvarado@igg.unam.mx

Recebido: 27/06/18; Devolvido para correções: 10/11/18; Aceito: 16/01/19

Heterotopia patrimonial: conceito para estudos latino-americanos (Resumo)


Um problema elementar no campo do conhecimento geográfico refere-se ao fornecimento de
métodos (e claro, conceitos) que expliquem os fenômenos atuais localizados espacialmente.
Assim, este artigo tem como objetivo apresentar o conceito de heterotopia patrimonial, que foi
elaborado, aplicado e revisado a partir de experiências de pesquisa latino-americanas.
Metodologicamente, o trabalho estrutura-se: (i) na interpretação dos princípios filosóficos
foucaultianos e geográficos raffestinianos que formulam, respectivamente, os conceitos de
heterotopia e ecogênese territorial; (ii) na compreensão de utopias imaginativas e utopias operativas
de patrimonialização, que produzem, imaginativa e concretamente, a heterotopia patrimonial como
o outro espaço; e (iii) na análise da heterotopia patrimonial da desfiguração com o caso de
Xochimilco, na Cidade do México, e na investigação da heterotopia patrimonial da resistência com
o exemplo de Brasília, no Brasil. Essas verificações permitiram rever o conceito e reforçar a tese
do poder preditivo do imaginário criado e difundido como farol e entidade de preservação.

Palavras-chave: Heteropia patrimonial, ecogênese territorial, imaginário, América Latina.

Heterotopia patrimonial: um conceito para os estudos latino-americanos (Resumo)


Uma questão básica no campo do conhecimento geográfico diz respeito à dotação de métodos
(assim como de conceitos) explicativos dos fenômenos atuais espacialmente localizados. Assim, o
objetivo deste artigo é apresentar o conceito de heterotopia patrimonial, que é elaborado, aplicado
e revisado a partir de experiências de pesquisa latino-americanas. Metodologicamente, a pesquisa
se estrutura: (i) a partir da interpretação dos princípios filosóficos de Foucault e das noções
geográficas de Raffestin, que propuseram, respectivamente, os conceitos de heterotoropia e
Esta pesquisa
contou com o ecogênese territorial; (ii) pela compreensão das utopias imaginativas e das utopias operativas,
apoio financeiro
ambas produzidas pelo processo patrimonial (aqui conceituado como patrimonialização), que
da "Fundação
de Amparo à produz, imaginária e concretamente, a heterotopia patrimonial como o outro espaço; e (iii) na
Pesquisa do Distrito análise da heterotopia patrimonial da desfiguração no caso de Xochimilco na Cidade do México, e
Federal, Brasil" (FAP-
na pesquisa da heterotopia patrimonial da resistência com o exemplo de Brasília, no Brasil. Essas
DF) e do "Programa
de Apoio ao corroborações permitem a revisão do conceito e o reforço da tese da faculdade de antevisão do
Aperfeiçoamento de Pessoal Acadêmico"
imaginário que se cria e difunde como guia e entidade de preservação.
(DGAPA-PASPA
UNAM, México). Palavras-chave: Heterotopia patrimonial, ecogênese territorial, imaginário, América Latina.
Machine Translated by Google
Escrita Nova, vol. XXIII, nº 620, 2019

Os conceitos só existem (ou podem ser formulados) graças à capacidade


humana de intuir e deduzir, de perceber e generalizar as coisas do mundo. A
prática sócio-histórica de produzir coisas, repetida e ressignificativamente, revela
a conectividade entre as intenções cognitivas e as necessidades generalizadas
e difusas. Assim, a interação entre pensamentos e coisas no mundo envolve um
continuum não apenas de conceitos, mas também de fatos, símbolos e lugares,
mutuamente determinantes. Para M. Foucault, em Um Diálogo sobre o Poder, os
conceitos não se restringem à prática teórica; são a própria prática local, regional,
contra o poder.
Um problema elementar no campo do conhecimento geográfico refere-se ao
fornecimento de métodos (e claro, conceitos) que expliquem os fenômenos
espacialmente localizados atuais. Assim, de forma complementar aos conceitos
já formulados na prática geográfico-patrimonial, este artigo tem por objetivo
relacionar duas definições dos franceses Michel Foucault (heterotopia) e Claude
Raffestin (ecogênese territorial) para apresentar o conceito de heterotopia
patrimonial1 , a elaborado, aplicado e revisado a partir de experiências de pesquisa na América
Certamente, o conceito de herança heterotopia se aplica a outras realidades
mundiais. O respeito (i) ao preceito crítico de que o potencial social da ciência foi
reduzido ao poder da disposição técnica (abandonando o locus da ação
esclarecida e do esclarecimento) 2, e (ii) a criticada miséria do empirismo (que
oculta as relações entre os sujeitos , substituindo-as por relações entre objetos)3 ,
leva a inferir que a mudança radical das intervenções espaciais segregadoras e,
portanto, violentas, deve prevalecer no conhecimento concreto da realidade
investigada, de modo que a generalização que abarca um conceito tenha uma
clara atualidade base para formulação, aplicação e revisão. Assim, o
conhecimento geográfico acumulado sobre a realidade urbana e patrimonial latino-
americana legitima esta proposta conceitual, que sugere novas práticas. H. Capel
tem insistido em defender que os geógrafos espanhóis e ibero-americanos
podem e devem contribuir de forma relevante para o diagnóstico dos problemas
atuais e para a formulação de propostas para sua solução, impregnando um
campo teórico e metodológico de aplicação generalizada4.
A proposta de combinar conceitos (heterotopia territorial e ecogênese para
elucidar a heterotopia patrimonial) se justifica pelo caráter relacional e

1 Quando este artigo foi aprovado, um dos revisores recomendou a leitura da obra de C. Carbonell, Heritage
heterotopias, rizomas turísticos e agências socioculturais nas relações entre paisagem e desenvolvimento
territorial, dada a coincidência dos termos que apresentamos. Mas, não há menção ao referido texto ao longo
de nossa discussão, pois conceituamos "heterotopia patrimonial" antes de conhecer esta escrita, cuja proposta
não é antecedente deste artigo e da construção teórica que desenvolvemos, com base nas noções de Foucault
e de Raffestin, é totalmente independente do que a referida obra suscita.

2 Habermas, 2013 [1978].


3 Santos, 1978.
4 Capell, 2010.

2
Machine Translated by Google
HETEROTIPIA DO PATRIMÔNIO: CONCEITO PARA ESTUDOS LATINO-AMERICANOS

espaço de poder e representação presente em Raffestin e Foucault; o primeiro,


geógrafo político, incorporou a perspectiva epistêmica do segundo, filósofo pós-
estruturalista crítico da modernidade. Essa comunhão permite evitar as críticas
segundo as quais as considerações sobre as representações, o imaginário e o
vivido têm dificuldade em escapar do peso do territorial (causado pela ênfase na
extensão e seu tratamento como parcela do espaço)5 .
Metodologicamente, a pesquisa estrutura-se: (i) na interpretação dos princípios
filosóficos foucaultianos e geográficos raffestinianos que formularam,
respectivamente, os conceitos de heterotopia e ecogênese territorial; (ii) na
compreensão de utopias imaginativas e utopias operativas de patrimonialização,
que produzem, imaginativa e concretamente, a heterotopia patrimonial como o
outro espaço; e (iii) na análise da heterotopia patrimonial da desfiguração com o
caso de Xochimilco, no México, e na investigação da heterotopia patrimonial da
resistência com o exemplo de Brasília, no Brasil. Estas verificações permitiram
rever o conceito e reforçar a tese do poder preditivo do imaginário criado e difundido
como motor e entidade de preservação.
A crença de que a ideia transmitida é uma codificação ou um aprisionamento
do conceito por uma linguagem6 não pode limitar o empenho científico e filosófico
de expressar corretamente a nova ideia ou o próprio conceito. Este sintetiza um
pensamento sempre a partir de um conjunto de outras meditações, mas corporifica
uma experiência espacial e uma prática individual (ainda que partilhada) do investigador.

Da heterotopia foucaultiana à ecogênese territorial raffestiniana A


análise foucaultiana da heterotopia exige a compreensão prévia de que, na
história, a ideia e a prática da extensão ocupam o lugar da localização, na
dimensão absoluta do espaço presente em I Kant e em I. Newton. Atualmente,
o posicionamento substitui a extensão, pois é definido pelas relações de
vizinhança entre pontos ou elementos, quando não se vive um espaço
homogêneo e vazio, mas, fenomenologicamente, carregado de sentidos,
fantasias, primeiras percepções, paixões. , com qualidades particulares7
Nessa lógica, .
para lidar com
a heterotopia, o autor defende a utopia como uma posição sem lugar real, que
mantém uma relação geral de analogia direta ou inversa com o espaço real da
sociedade; é a própria sociedade aperfeiçoada – a utopia assume-se como um
espaço essencialmente irreal.
Assim, a heterotopia foucaultiana, ao contrário da utopia como espelho que é
“o lugar do corpo sem lugar”, são espaços diferentes, o lugar do corpo com lugar;
confronto mítico e real do espaço vivido. Espaços de alteridade, são físicos e
mentais; espaços que funcionam em condições não hegemônicas; às vezes são
espaços temporários e paralelos. “Lugares fora do espaço e

5 Berdoulay & Entrikin, 2012


6 Santos, 1978.
7Foucault, 1984.

3
Machine Translated by Google
Escrita Nova, vol. XXIII, nº 620, 2019

tempo, definido por princípios próprios e uma zona de transição (liminar) dentro dos
muros que os delimitam”8. O autor considera seis princípios definidores das
heterotopias9:

1. Não há cultura no mundo que não seja constituída por heterotopia: elas
aparecem em dois grandes tipos: heterotopia de crise –lugares sagrados,
proibidos de conflito–; heterotopia do desvio: aquela em que são colocados
os indivíduos cujo comportamento se desvia das normas sociais: clínicas
psiquiátricas, asilos, prisões.
2. Cada heterotopia tem uma função precisa e determinada na sociedade: pode
aparecer, evoluir e desaparecer. O cemitério como lugar altamente heterotópico
deixa de ser o lugar sagrado e imortal da cidade, é a "outra cidade" onde cada
família tem seu lar sombrio; onde a festa dos vivos é realizada ao lado dos
mortos, em algumas culturais como no México e no Peru.

3. A heterotopia tem o poder de justapor vários espaços num só lugar, posições


elas próprias incompatíveis. Consequentemente, muitos significados podem
ser derivados da experiência vivida nesses lugares. O jardim é o menor
pedaço de terra do mundo e também a totalidade do mundo.
4. Heterotopias ligadas a cortes de tempo: funcionam quando o sujeito se depara
com uma espécie de ruptura do tempo tradicional. Bibliotecas e museus são
heterotopias do tempo que se acumulam infinitamente. Eles contêm em um
só lugar muitas vezes, formas, gostos; constituem espaços de múltiplos
tempos, mas são eles mesmos fora do tempo e inacessíveis à agressão. Na
contramão das heterotopias do tempo estão as heterotopias crônicas: feiras
temporárias, lugares de socialização intermitente nas periferias urbanas,
ocorrendo em quartéis e lugares definidos. São também vilas de veraneio,
dinamizadas em determinados períodos anuais.
5. As heterotopias pressupõem sempre um sistema de abertura e fechamento
que simultaneamente as isola e as torna penetráveis. Não se entra numa
heterotopia como se fosse um lugar mundano; Espera-se que os visitantes
sigam uma série de rituais quando estiverem lá. A entrada pode ser forçada
(como entrar em uma prisão) ou exigir rituais específicos, como uma sauna
ou (ritual ou heterotopia de purificação).
6. As heterotopias têm uma função em relação ao espaço que as rodeia: criam
uma ilusão mais ilusória do que qualquer espaço real, tão minucioso e perfeito
como aquele. Espaço de ilusão ou lugar de compensação: o caso das
Colónias modernas e a sua organização espacial imposta pela Igreja, em
apoio do Estado. Bordéis e colônias são dois extremos de heterotopias.

8Foucault, 2008.
9 A discussão numerada de 1 a 6 representa o diálogo com M. Foucault, na obra Des espaces
autres, de duas traduções: em português e em espanhol.

4
Machine Translated by Google
HETEROTIPIA DO PATRIMÔNIO: CONCEITO PARA ESTUDOS LATINO-AMERICANOS

Geograficamente e em suma, a heterotopia revela o outro espaço ou o lugar utópico realizado


e distinto na totalidade do espaço. São outros espaços mentais comportamentais destinados a
indivíduos ou grupos sociais; espaço de outro ser localizado ou em cruzamento; de justaposição ou
intermitência temporária; ritual, ilusório, místico.
O exemplo por excelência de heterotopia dado por Foucault é o barco, pela gama de conexões que
promove, por ser um lugar sem lugar, concreto, o maior instrumento de produção econômica e de
imaginários individuais e coletivos.
Na medida em que a heterotopia é o conceito do outro espaço, pode-se dizer que sua
concretização se dá por uma semiotização espacial sui generis, que favorece vinculá-la à noção de
ecogênese territorial de Claude Raffestin. O outro espaço heterotópico pode ser traduzido,
geograficamente, como uma produção intencional-singular de um território, que opera um modo
espacial de existir. As disposições territoriais também estão ligadas a cosmologias, mitos e
símbolos10.
A ecogênese territorial é o processo de transformação e tradução das formas espaciais,
seletiva-intencionalmente, a partir de uma semiosfera [limite abstrato ou concreto; uma membrana
que separa espaço geométrico e território em significado, como uma fronteira; transmuta o externo
em interno através dos instrumentos de ressignificação social]11. Em suma, a ecogênese territorial
é um meio e uma ação que reforça as noções de centralidade e concentração, podendo inclusive
estabelecer territorializações, desterritorializações e reterritorializações através de diferentes
dimensões da existência como: trabalho, região, lazer, ciência. , filosofia, arte , etc

Por isso, a heterotopia –assumida, geograficamente, como semiotização distintiva do espaço


e reveladora de territórios peculiares– não é alheia aos comandos de informação, comunicação e
circulação, como elementos de desordem e poder. É o outro espaço da semiotização, abstrato-
concreto, dos signos, dos símbolos, das relações mediadas, mediadas e imaginativas.

Esta união conceptual permite compreender o papel dos jogos de poder, que constroem a
história e traduzem a redefinição permanente de porções do espaço terrestre, reproduzindo
lugares e controlando, por definição, territórios. Para C.
Raffestin, o espaço transforma-se em território e através da história fazem-se símbolos; há espaços
relíquias que permanecem fora da ecogênese territorial, a serem ocupados em outra época12.

Uma das características fundamentais da heterotopia consiste no fato de que, em relação aos
outros espaços, ela tem uma função, que opera entre dois pólos opostos: o da ilusão e o da
realidade.13 É possível posicionar esses pólos ( dialecti

10 Raffestin, 1986.
11 Raffestin, 1986 e 1993, entende a determinação territorial pela significação prévia do espaço;
Eles não são conceitos equivalentes e também não podem ser separados. A sua concepção difere
daquela que lê o espaço como uma dimensão da sociedade, menos empírica e mais epistemológica
– o espaço geográfico, como se vê em M. Santos, 1978.
12 Raffestin, 1986.
13 Foucault, 2008.

5
Machine Translated by Google
Escrita Nova, vol. XXIII, nº 620, 2019

co-simultâneos) no debate analítico da patrimonialização, para favorecer a proposta conceitual


e a investigação das heterotopias patrimoniais como fatos situados, em nome da utopia da
preservação na América Latina.

Das utopias da patrimonialização à heterotopia patrimonial A patrimonialização é um


processo racional (no que respeita aos fins) e, verdadeiramente, dependente da imaginação
e da representação (no que diz respeito aos meios).14 Assim, falar em património heterotopia
justifica-se pela urgência de apontar rupturas, compreender limites e fronteiras, mitigar danos
e riscos gerados, paradoxalmente, pela patrimonialização criativa de outros espaços cuja
semiotização se dá pela ação, representação e imaginação (desfigurando intencionalmente ).

A heterotopia patrimonial – ao contrário da heterotopia foucaultiana (que objetifica,


materializa, torna real a utopia) – pode subjetivar, abstrair, falsificar a preservação, torná-la o
mais distante sonho utópico, devido à voraz prática espacial. Os mecanismos catalíticos da
patrimonialização global15 criam a rotopia patrimonial heterotópica, mas é o conteúdo da
imaginação que lhe dará o sentido final. Nesse sentido, o desafio investigativo é a inserção
espacial do sujeito no debate e nas ações preservacionistas, ou seja, privilegiar o processo de
subjetivação relacionado à preservação. A essência dos lugares no mundo contemporâneo é
a sua rápida reinvenção e, consequentemente, está no sentido de pertença e identidade dos
sujeitos com esses lugares.

Nos lugares, as lógicas sociais se amalgamam: integração, conflito e subjetivação,


respectivamente, pertencimento, isolamento do grupo e imaginações-reações sobre dados de
mercado 16. É importante compreender a percepção e a intencionalidade do sujeito em relação
aos lugares , sua própria identidade, para então definir uma heterotopia patrimonial.

As utopias de patrimonialização vinculadas ao discurso podem ser tratadas como


imaginativas. Estes requerem análise do discurso para que não sejam

14 O imaginário é dotado de representações, formas de traduzir a realidade material ou algum


conceito em imagem mental; na formação do imaginário ela se localiza em nossa percepção
transformada em representação, por meio da imaginação, afirma Hiernaux, 2007. A imaginação
que toma a realidade, anula limites, unifica, promove sínteses, vínculos, figurações, metamorfoses;
ela percebe o poder humano de agregação, mostra uma forma peculiar de superar limites e cria
seu próprio acesso ao todo, conforme Lapoujade, 2011.
15 Costa, 2014, defende a tese do vigor da tendência em que os lugares patrimoniais são
universalizados e desintegrados, uma vez que os mecanismos de universalização são os mesmos
que os dividem, simultaneamente. Gera-se uma fragmentação articulada do território e um
imaginário distorcido sobre os significados desses mesmos lugares, quando convergem ações
público-privadas para as áreas escolhidas para intervenção. Esse processo paradoxal é definido
pelo autor como patrimonialização global, poder vertical de transformação de lugares particulares;
uma generalidade que recria singularidades e se move, dialeticamente, por elas.
16 Berdolay & Entrikin, 2012.

6
Machine Translated by Google
HETEROTIPIA DO PATRIMÔNIO: CONCEITO PARA ESTUDOS LATINO-AMERICANOS

avaliados apenas pelos aspectos internos (consciente-cognitivos) do sujeito.


Os discursos geram relações de poder e, portanto, desencadeiam a interação sujeito-
espaço. “A descrição espacializante dos fatos discursivos conduz à análise dos efeitos de
poder a que estão ligados”17. As utopias de patrimonialização vinculadas a práticas
concretas podem ser entendidas como operativas. As utopias operativas possuem um
sistema sêmico utilizado para gerar limites espaciais ou fronteiras diferenciadas. Segundo
C. Raffestin, o limite cristalizado torna-se então ideológico, pois justifica, territorialmente,
as relações de poder18.

As utopias imaginativas e as utopias operativas de patrimonialização são


indissociáveis, geradoras mútuas da heterotopia patrimonial, que é o lugar, por excelência,
da imaginação-realização, da subjetivação-objetivação dos sujeitos em busca e no outro
espaço - apenas imaginariamente distantes e isolados da vida cotidiana e do espaço
vivido. A heterotopia patrimonial analisa e quer realizar o sonho ou a utopia da preservação
ideal, do lazer criativo, do patrimônio democratizado, da imposição do controle sobre a
transitoriedade e instantaneidade da vida moderna. A imaginação é o que dá matéria e
continuidade à heterotopia patrimonial, pois faz parte da intuição e da representação do
mundo, da experiência criativa. Segundo María Noel Lapujade:

A imaginação vívida vislumbra uma trama complexa e direta de relações possíveis


com e na realidade, porque se regozija na intimidade de uma relação poética com o
que aparece. O escopo da relação poética esquadrinha o real mais profundamente,
pois na comoção de uma relação vivida atinge registros imperceptíveis ao rigor da
razão pura. Assim, a partir da intimidade vivida, o homem é capaz de envolver em
suas redes, tecidas com os fios da imaginação, tudo o que lhe aparece e lhe é dado:
exterioridade e interioridade, universalidade e particularidade.19

A heterotopia patrimonial não obedece à dicotomia centro/periferia acentuada pela


patrimonialização global, promotora de singularidades centrais, uma vez que
simultaneamente separa, torna acessível e acede, através da sua utopia embrionária. A
semiotização e a natureza das representações ligadas à essência da imaginação sobre o
outro espaço é o que define o nexo de preservação. Olivier Marcel, preocupado com a
apropriação de um elemento patrimonial para o processo de aprendizagem social e
reinterpretação territorial na África, investiga a criação de um museu por uma comunidade
segregada no Quênia. Conclui que o museu visto da/na periferia é um lugar de
reconhecimento, de investimento ideológico, de invenção de tradições, de imaginação
comunitária, de captação de riquezas, receptáculo de normas e potencial de recursos e
ação.20

17 Foucault, 1979, p. 159 (Tradução própria).


18 Raffestin, 1993.
19 Lapoujade, 2011, p. 195.
20 de março de 2011.

7
Machine Translated by Google
Escrita Nova, vol. XXIII, nº 620, 2019

Este caso denota que, se por um lado, a heterotopia patrimonial é concebida


como o lugar por excelência da imaginação-realização, da subjetivação-objetificação
dos sujeitos em busca do e por outro espaço, na prática, só pode ser interpretada
em função dos usos e apropriações, a partir da compreensão das representações
e da imaginação que lhe deram origem. A análise pode referir-se, sobretudo, a dois
tipos de heterotopias patrimoniais: a resistência e a desfiguração.
As heterotopias patrimoniais de resistência delineiam uma semiotização do
espaço geradora de redes concretas e simbólicas, materiais e imaginárias dotadas
de elementos estruturados e estruturantes do vivido e do cotidiano popular. São
operadas por uma outra patrimonialização global – menos crítica, mais democrática,
criadora da territorialidade como fonte de identidade. Eles são definidos por ações
coerentes de uma sociedade como a semiosfera a que se refere, para favorecer
outros espaços que se distinguem, principalmente, por seu valor de uso e uma
impressionante realidade local. 21 As heterotopias patrimoniais da desfiguração
são tributárias de uma semiotização espacial comandada, vertical e virtualmente,
de fora. Portanto, a concretude do território é informativa e as representações
imagéticas produzidas rápida, material e simbolicamente desfiguram o projeto
original de preservação. Concebe-se o que C. Raffestin define como territorialidades
estabelecidas pela informação.
A tese aqui defendida é a de que as utopias de patrimonialização [imaginativas
e operacionais] são as que geram as heterotopias patrimoniais [de resistência e
desfiguração], com destaque para a representação e a imaginação como entidades
geradoras de algum tipo de intervenção espacial e, como resultado, do modelo de
preservação. Para MN Lapoujade, a imaginação mostrou sua peculiaridade…

(...) derramando-se em todas as fendas das atividades humanas (...) participa –


de forma protagonista – das mais diversas formas de ação humana. E participa
com uma constante: é uma função dialética de negação e identificação; de
rejeição e vínculo, de separação e vínculo, de isolamento e reconciliação. A
imaginação atua transfigurando e transgredindo (...) A imaginação possibilita ao
homem transgredir o real, transgredir a si mesmo, transgredir sua individualidade,
transgredir o passado e o presente.22

Podemos dizer que a ecogênese territorial ou a semiotização do espaço –


associada à patrimonialização– funciona como um filtro da matéria e das ideias
que definem a heterotopia patrimonial. Isso favorece cada heterotopia patrimonial
adquirindo e possibilitando um determinado grau de usos, apropriações,
pertencimentos, enfim, identidade, no sentido material e simbólico, dentro de um
grupo [tende a resistir] ou para a humanidade [tende a desfigurar]. O processo de
identificação e pertencimento se dá pela espacialidade (extensão espacial em

21 Parafraseado de Rafesttin, 1986, e Di Meo, 1998.


22 Lapoujade, 2011, p. 230.

8
Machine Translated by Google
HETEROTIPIA DO PATRIMÔNIO: CONCEITO PARA ESTUDOS LATINO-AMERICANOS

socialmente interagido por meio de objetos técnicos) e por sua apropriação (legal,
emocional, simbólica), em duas direções: é o espaço que me pertence e o espaço a que
pertenço; o processo de identificação passa pela interiorização dessa relação de
pertencimento, permite a cristalização de representações (individuais e coletivas) e
símbolos de referência, bem como a perpetuação e reprodução das relações sociais23.

A heterotopia patrimonial da resistência é também definida pelo elevado grau de


pertença [envolvimento dos locais e singularidade autêntica], ao contrário da heterotopia
patrimonial da desfiguração [lançada ao mundo por uma controversa narrativa de
universalidade]. E. Costa, ao propor utopismos patrimoniais para a América Latina,
relacionou a universalidade [ideal] e a singularidade [concreta] quanto à patrimonialização,

A noção de universalidade e a determinação em realizá-la conduzirão à


universalização como um processo que exacerba as diferenças socioterritoriais.
A utopia da universalização [ideal] tem como determinação dialética recíproca o
utopismo singularista [concreto] que, na dimensão patrimonial, requer territórios
abertos para o estabelecimento de roteiros narrados de paisagens e práticas dos
habitantes, em prol de novos projetos coletivos locais (...) Ao criticar a utopia da
universalidade [como ideal] ao governar o patrimônio como síntese da totalidade
social e na busca de alternativas à preservação, por meio de uma utopia do
singular [concreto], que a utopia patrimonial singularista para A América Latina é apresentada.24

A proposta conceitual de heterotopia patrimonial é aplicada, especialmente e não


exclusivamente, à América Latina, para reconhecimento e defesa de seu próprio patrimônio,
por vezes desprezado, imaginária, simbólica e topologicamente. Segundo o filósofo
colombiano Armando Silva Téllez, existe uma simbologia que mostra a forte relação entre
Norte/Sul, África/Europa, Estados Unidos/América Latina. Porém, nessas simbologias
expressas em imagens e pelo imaginário, o Norte aparece como sede universal da cultura
tradicional, relegando o Sul à categoria de subcultura, como um desrespeito ao Norte
Oficial. Além disso, o Norte cultural (Europa) é identificado com um critério de verdade
científica, de neutralidade e moralidade desinteressada, de altruísmo em relação ao Sul,
no qual recai, inevitavelmente, o rótulo de folclore, de típico, de subcultura25 .

A seguir, são apresentados dois casos latino-americanos cuja pesquisa empírica


contribuiu para a aplicação e revisão do conceito de heterotopia patrimonial.
As especificidades das representações, apropriações e usos – somadas ao potencial de
generalização de cada um dos casos [Xochimilco, no México, e Brasília, no Brasil (mapa
01)] – serão analisadas através das variáveis espaciais que constituem, para a revisão
desse conceito.

23Belhedi, 2006.
24 Costa, 2016, p. 3-10 (Tradução própria).
25 Silva Tellez, 1992.

9
Machine Translated by Google
Escrita Nova, vol. XXIII, nº 620, 2019

Mapa 01: Localização de Xochimilco e Brasília.


Coordenadores: E. Costa e I. Alvarado-Sizzo. Produzido por: JM Casado

Heterotopia patrimonial da desfiguração na América Latina.


Caso de Xochimilco, México
Já foi dito que a heterotopia patrimonial (conceituada como o lugar da
imaginação-realização, da subjetivação-objetivação dos sujeitos em busca e
no outro espaço) metodologicamente, é interpretada à luz dos usos e
apropriações do território, após a compreensão das representações e
imaginação (ecogénese) que lhe deram origem. Assim, a interpretação
patrimonial heterotópica de Xochimilco, no México, ocorre por meio (i) de sua
gênese histórica, (ii) da narrativa institucional de patrimonialização e (iii) do
significado dos usos e apropriações do território revelados na análise de campo26.
Na zona sul da Cidade do México, encontra-se o lago Xochimilco, a última
brecha do sistema de seis lagos que existia anteriormente na bacia do Vale do
México27. No centro do Lago Texcoco, no meio de uma ilhota, estava a cidade
pré-hispânica que foi sede do Império Mexica, que controlava grande parte do
território mexicano em tempos pré-colombianos28. 29 Tenochtitlán floresceu entre
26 As investigações de campo foram realizadas: em Xochimilco, entre os meses de janeiro e abril de 2017,
bem como entre janeiro e fevereiro de 2018; em Brasília, de julho a setembro de 2017 e de março a junho
de 2018 (mapa 01). Em ambos os casos, os procedimentos adotados consistiram em: observação empírica,
registro fotográfico, entrevistas semiestruturadas e entrevistas narrativas com turistas e moradores para a
interpretação total dos casos.
27 Armillas, 1971, e Cenecorta, 2000, mencionam que os lagos eram Texcoco, localizado no centro do
território, San Cristóbal, Xaltocan e Zumpango, bem como Xochimilco e Chalco ao sul do vale.

28 Castellano Oaks, 2007.


29 Tenochtitlán foi uma metrópole nascida de uma utopia: a terra prometida aos mexicas que

10
Machine Translated by Google
HETEROTIPIA DO PATRIMÔNIO: CONCEITO PARA ESTUDOS LATINO-AMERICANOS

os séculos XII e XVI. Em grande medida, a expansão da última grande civilização


mesoamericana está relacionada com o uso das chinampas, elemento que lhes
permitiu conquistar o lago e criar uma paisagem agrícola produtiva30; São
pequenas ilhas artificiais, utilizadas para agricultura, que são construídas por
camadas alternadas de juncos e sedimentos
extraídos do fundo do lago31. 32 Os chinampas favoreceram a colonização do
território; Além disso, permitiam ganhar terreno com plataformas (de diferentes
tamanhos) sobre as quais era possível viver e cultivar33, constituindo uma rede
de ilhas e canais onde se desenrolava a vida quotidiana dos mexicas, que
utilizavam o lago como meios de deslocamento em canoas. Essa paisagem foi o
que os conquistadores espanhóis encontraram ao chegar a Tenochtitlán em 1519, cidade que co
Essa data marcou o início do fim da cultura chinampera, já que o governo do vice-
rei hispânico, ao fundar a capital da Nova Espanha –em cima da destruída capital
mexica– começou a secar o lago em que se baseava.34 A transformação do
território nos séculos seguintes chegou ao ponto de reduzir a área de chinampas
para 22 km2. 35 Este
conhecimento da génese histórica está na base da utopia (imaginativa e/ou
operacional) da patrimonialização. A intencionalidade e o modo de perpetuação do
saber e fazer histórico é o que define e determina a heterotopia patrimonial como
esta ou aquela imaginação-realização, como esta ou aquela objetivação-
subjetivação dos sujeitos produtores e/ou apropriadores do outro espaço. Em
suma, o modo de perpetuação do fato espacial e seu significado original (história
genuína) obedece ao imaginário e às práticas dele derivadas, para promover o
novo a partir de imagens sistematizadas do passado e conferir conteúdos
específicos à preservação. Assim, “a imaginação é uma atividade temporal
fundamentalmente orientada para o futuro”36.

eles fizeram uma peregrinação do norte do país em busca do sinal indicado por seu deus Huichilopoztli – uma
águia empoleirada em um cacto devorando uma cobra. Depois de uma longa jornada, encontraram o lugar
prometido no atual Vale do México, em um cenário geográfico peculiar: uma ilhota no meio do grande lago
Texcoco.
30 Armillas, 1971; González Pozo, 2016.
31 Rojas, 1983.
32 As lavouras em chinampas, em princípio, não dependem de irrigação, pois obtêm água por absorção. A
combinação de uma camada orgânica (do fundo do lago), o abastecimento perene de água e o fornecimento
de fertilizantes conseguiu criar um agroecossistema manejado de alto rendimento, onde foram produzidos
alimentos básicos para a subsistência dos habitantes da bacia . : milho, feijão chili, tomate, abóbora e chia,
além de várias flores que eram usadas como oferendas aos deuses, segundo Rojas, 1983 e Alcántara, 2014.

33 Embora não existam dados exatos, estima-se que a área total ocupada pela chinampería poderia estar
entre 120 km2, segundo os cálculos mais conservadores, até 400 km2, segundo Narchi e Canabal, 2015.

34 Ezcurra, 2003.
35 González Pozo, 2016.
36 Lapoujade, 2011, p. 241.

onze
Machine Translated by Google
Escrita Nova, vol. XXIII, nº 620, 2019

A relíquia dos chinampas faz parte da expansão urbana da Cidade do México,


dentro de um perímetro denominado "Zona do Patrimônio Mundial Natural e
Cultural em Xochimilco, Tláhuac e Milpa Alta"; é o único remanescente do uso da
terra pré-colombiana na bacia do Vale do México. A emergente sociedade urbana
de migração rural-urbana e industrialização, a partir da década de 1930, eliminou
gradativamente canais e barcos (utilizados como um importante meio de transporte
ligando a cidade na época). Atualmente, fatores derivados do desenvolvimento
urbano metropolitano37 têm levado o ecossistema lacustre e, portanto, a
tradicional cultura chinampera a uma grave crise (figura 01). Canais, barcos e
chinampas são a tríade promotora de mobilidade e subsistência na história de
Tenochtitlán que se sobrepõe à Cidade do México, até a chegada da modernização
técnica industrial e a consequente explosão urbana.

Os valores culturais e ambientais que Xochimilco incorpora, juntamente com


a grande vulnerabilidade do território do lago, o tornaram objeto de múltiplos
instrumentos de preservação por instâncias nacionais e organizações
internacionais, desde o início do século XX. Entre esses reconhecimentos, o mais
notório é o da Unesco, que em 1987 inscreveu Xochimilco na Lista do Patrimônio
Mundial junto com o Centro Histórico da Cidade do México.38 Os dois sítios,
apesar da distância que os separa e das diferenças fundamentais entre suas
paisagens, são considerados um bem único, o que constitui uma “esplêndida
combinação de património natural e cultural que somam sete séculos de vida”39.
Enquanto o centro histórico guarda testemunhos de construções dos tempos pré-
hispânico, colonial e contemporâneo, Xochimilco, "situado a 28 quilômetros ao sul
do centro do México, com suas redes de canais e ilhas artificiais, é um exemplo
excepcional do trabalho dos pré-hispânicos para construir um habitat em um
ambiente hostil ao homem. As chinampas, ilhotas artificiais ancoradas no fundo
pantanoso, são alguns dos exemplos de técnicas produtivas tradicionais ainda em uso”40.
A patrimonialização de Xochimilco enfatiza o valor cultural e produtivo da
paisagem chinampero, bem como os valores ecológicos do local e a vulnerabilidade
do complexo frente à pressão do crescimento urbano. No discurso do órgão
supremo de preservação, pondera-se o valor de Xochimilco como a última
lembrança da paisagem lacustre da "Veneza do Novo Mundo"

37 Fatores como o crescimento populacional, o desmatamento da área montanhosa ao redor do lago, a


implementação de sistemas agrícolas que requerem irrigação e agroquímicos, a mudança do uso do solo de
agrícola para urbano, a construção de infraestrutura viária no entorno, etc. Para mais informações ver:
González Pozo, 2016; Narchi e Canabal, 2015.
38 Em 2004, Xochimilco foi incluído como um sítio Ramsar, uma iniciativa global para proteger áreas úmidas.
Em 2018, a agricultura chinampas recebeu o reconhecimento como Sistema de Importância do Patrimônio
Mundial da Agricultura (Sipam) pela FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação).

39 Icomos, 1986.
40 Unesco, s/f [Centro Histórico do México e Xochimilco], https://whc.unesco.org/es/list/412.

12
Machine Translated by Google
HETEROTIPIA DO PATRIMÔNIO: CONCEITO PARA ESTUDOS LATINO-AMERICANOS

Foi destruído pelos espanhóis41. Nesta perspetiva algo romântica, já se começa a


destacar a paisagem local associada ao lago: canais, ilhéus, chinampas e barcos
– objetos geográficos simbólicos de um passado idílico. A própria cidade é um
objeto simbólico feito de seleções mentais de coisas no mundo42.

Fig.01 – Indígenas em trajinera, residências, pecuária nos chinampas e mobilidade lacustre em Xochimilco

[Fotografias do período 1880 – 1930]. Fonte: Mediateca do INAH43.

Essa ênfase discursiva institucional (na produção agrícola chinampera e na


paisagem lacustre pré-colombiana de Xochimilco) é o que catalisa a ecogênese
territorial (ou semiotização do espaço), traduzindo e destacando o bem ao longo de sua vida.

41 Icomos, 1986.
42 Silva Tellez, 1992.
43 Sentido horário: http://
www.mediateca.inah.gob.mx/islandora_74/islandora/object/fotografia%3A328176; http://
www.mediateca.inah.gob.mx/islandora_74/islandora/object/fotografia%3A400563 ; https://www.
mediateca.inah.gob.mx/islandora_74/islandra/object/fotografia%3A128087; http://www.mediateca. inah.gob.mx/
islandora_74/islandora/object/fotografia%3A2234.

13
Machine Translated by Google
Escrita Nova, vol. XXIII, nº 620, 2019

história. Este processo encerra em si a utopia preservacionista (imaginativa/


operativa) da patrimonialização deste sítio privilegiado como o outro espaço
simbolizado por excelência pela heterotopia foucaultiana: o barco. Isso
corresponde à proposta de C. Raffestin em que as disposições territoriais
também estão ligadas a cosmologias, mitos e símbolos.
Na prática, a narrativa institucional de patrimonialização tem uma realidade
muito diferente nos canais de Xochimilco, cuja paisagem colorida é definida pela
água, ahuejotes –a mítica árvore-espelho44–, plantas ornamentais e barcos
pitorescos adornados com flores45 (trajineras) tornou- se um imagem
representativa do México. Cada trajinera é um mundo: uma família da capital
fazendo aniversário; um grupo de jovens cantando e dançando a bordo do barco;
uma família afro-americana que está conhecendo o México; grupos de amigos
mexicanos, outros estrangeiros, que convivem no raro cenário oferecido pelos
canais entre as chinampas; uma família judia compartilhando comida kosher; um
grupo de mulheres uniformizadas comemorando uma despedida de solteira; uma
família de japoneses que parece atônita e sem entender o caos que se gera
naqueles canais em uma tarde de domingo: trânsito fluvial, trajineras batendo,
música, bebida, comida, gritos de barco em barco.
As atividades de campo revelam (através da paisagem produzida, dos usos
e apropriações do território) o percurso da dimensão produtiva agrícola tradicional
dos chinampas (de significados e permanências, figura 01), até a ênfase lacustre
em um mundo regido pela técnica e finanças (significativo e fluido, figura 02).
Estas cenas descrevem os usos lúdicos, recreativos e turísticos do território
patrimonial. O turismo tornou-se uma importante opção econômica para os
moradores locais, dado o declínio das atividades do setor primário (agricultura,
pecuária e pesca de chinampas), o setor de serviços representa uma opção de
geração de renda, devido à significativa chegada de visitantes.46 a diversidade
de práticas que se geram em torno do afluxo começa muito antes de o visitante
embarcar em uma trajinera e a maioria delas são trabalhos informais47. As
44 O ahuejote (Salix bonplandiana) é uma espécie de salgueiro que habita a zona lacustre de Xochimilco.
Caracteriza-se por ser estilizado e alto, e tornou-se uma marca da paisagem de Xochimilco, mas sua
função não é apenas ornamental, pois suas raízes ajudam a delimitar as chinampas e fortalecer suas
margens, e seus galhos protegem as plantações dos ventos, segundo a Meza Aguilar, 2008.

45 Atualmente, não são utilizadas flores naturais na decoração das trajineras por representarem um alto
custo; em vez disso, recorrem à pintura da frente dos barcos simulando flores.
46 Segundo dados de 2015, a delegação de Xochimilco reporta uma chegada anual de 1,2 milhões de
visitantes (a maioria à zona dos cais e canais). Desse valor, 433 mil correspondem a caminhantes. As
restantes são dormidas, mas maioritariamente em casa de familiares ou amigos (580 mil), Sectur-Cd.
Max., 2016.
47 A lógica da precariedade do trabalho no turismo nos países em desenvolvimento é evidente na
dinâmica de Xochimilco; os moradores locais improvisam para participar dos benefícios econômicos da
atividade. De acordo com a análise de campo, os empregos dos moradores são majoritariamente
informais (flaneleros -lavadores-, seguranças, vendedores ambulantes, remadores de

14
Machine Translated by Google
HETEROTIPIA DO PATRIMÔNIO: CONCEITO PARA ESTUDOS LATINO-AMERICANOS

As necessidades existenciais primárias dos habitantes de Xochimilco (quarto,


alimentação, trabalho, etc.) intensificam a direção da utopia operacional da
patrimonialização para uma heterotopia patrimonial da desfiguração.
Paradoxalmente, o imaginário turístico que constrói/desconstrói o outro espaço
(por semiotização) tem possibilitado o futuro da vida da população local. Antes
do turismo ou da patrimonialização, é o descaso do Estado em construir uma
cidadania plena nos lugares (oferta de trabalho, saúde, moradia, educação,
infraestrutura, etc.) o que aniquila a utopia de preservação que gera outro
espaço como heterotopia de resistência.

Fig. 02 - Trajineras com mariachis, ambulantes e turistas.


Coleção dos autores. Janeiro de 2018.

Por seu caráter produtivo rural e sua paisagem contrastante com a da


metrópole, Xochimilco é, desde o final do século XIX, um espaço de lazer para
moradores e visitantes da capital do país. Além da atração natural, as
representações pictóricas, fotográficas e cinematográficas –particularmente, o
filme María Candelaria lançado em 1934– contribuíram para a construção de
um imaginário turístico sublimado sobre Xochimilco e seus canais; o cinema
induz à produção, percepção e metamorfose da heterotopia patrimonial. Um lugar ideal, “ima
trajinera, músicos viajantes), e no caso dos empregos formais, os salários são muito baixos, como
é o caso dos empregados das mercearias e dos remadores das trajineras. Existe uma categoria
intermédia que são os inscritos nas autoridades - motoristas de pedicab, guias de visitantes, donos
de trajineras, canoeiros, grupos de mariachis - mas que não têm qualquer tipo de benefício social.
Sobre a exploração massiva dos trabalhadores do turismo (assalariados, subcontratados, entre
outros), das suas condições de trabalho e de vida, ver Martoni, 2012.

quinze
Machine Translated by Google
Escrita Nova, vol. XXIII, nº 620, 2019

vida intocada e paradisíaca no sul rural em oposição à cidade. As recorrentes


visitas de figuras da política, cultura e arte, bem como a divulgação das suas
fotografias na imprensa, moldaram a imagem externa do local”48.
No entanto, o caso dos canais do centro49 de Xochimilco mostra um conteúdo
de imaginações (promovidas por instituições de preservação) e práticas
(impulsionadas pelas necessidades dos moradores e pela lógica produtiva do
mercado) que fazem da preservação uma utopia concretizada na heterotopia
patrimonial da desfiguração. A apropriação turística do território é excessiva para a
capacidade de carga do frágil ecossistema dos canais. Além disso, a referida
apropriação é limitada às atividades recreativas realizadas a bordo das trajineras:
consumo de alimentos e bebidas, escuta de música gravada ou ao vivo, contratação
de um dos grupos de mariachis que tocam a bordo de seus próprios barcos ou a
bordo da trajinera turística , para dançar, cantar e brincar com os passageiros. O
território tradicional torna-se um espaço festivo pós-moderno que joga com a
imagem local e o capital simbólico correspondente e dependente dos desejos estrangeiros.
Passar o dia em Xochimilco é para os visitantes uma válvula de escape para
a paisagem pavimentada e urbanizada; Navegar pelos canais é sair do caos de
uma das maiores cidades do mundo, para entrar em outro nível de caos, onde
centenas de trajineras tentam se deslocar pelos canais estreitos, criando um
ambiente dominado por ruídos, colisões entre barcos, tráfego fluvial
congestionamento. De certa forma, a dinâmica dos canais do lago reproduz a
dinâmica e a intensidade da megalópole.
Existe uma grande variedade de comidas e bebidas tradicionais, assim como
artesanato e souvenirs, que constituem verdadeiros mercados à entrada dos cais.
Batatas, milho cozido, gelados, água fresca, refrigerantes, frituras, cerveja e outros
produtos são vendidos na estrada e a bordo das trajineras antes de iniciar a viagem.
As opções que o visitante tem para entrar nos canais são duas: embarcar em um
barco coletivo que faz um percurso entre dois píeres, por cerca de uma hora, ou
contratar uma trajinera particular por um tempo de uma a quatro horas dependendo
do trajeto que for feito .querem realizar.50 Uma vez dentro dos canais, os
vendedores chegam aos clientes deslocando-se em pequenas canoas onde
transportam a sua mercadoria, que inclui novamente comida, bebida, prataria e
artesanato (a um preço mais elevado do que em terra). Ao longo do passeio, os
barcos param em diferentes chinampas para que os passageiros comprem comida
ou usem o banheiro ou visitem uma estufa (figura 03) ou um dos locais de exposição
da flora e fauna locais (onde também podem fazer compras).
48 Caraballo, 1996, pág. 124.
49 Fala-se do centro histórico ou centro de Xochimilco, pois é nos arredores dessa área que se localizam
a maioria dos cais turísticos (mapa 01). Esse ponto é um pequeno corte do perímetro que inclui a Zona do
Patrimônio Mundial de Xochimilco, Tláhuac e Milpa Alta, mas é onde a grande maioria dos visitantes vai
para passear pelos canais.
50 O custo do barco coletivo é de 20 pesos mexicanos por pessoa, e o barco privado oscila entre 600 e
1.200 pesos por barco, dependendo do tempo contratado.

16
Machine Translated by Google
HETEROTIPIA DO PATRIMÔNIO: CONCEITO PARA ESTUDOS LATINO-AMERICANOS

Fig. 03 – Turistas em chinampa com estufa e comércio de flora local.


Coleção dos autores. fevereiro de 2017.

É inquestionável que Xochimilco constitui um importante ponto turístico para o lazer recreativo
dos habitantes da capital e a sobrevivência atual dos moradores.
O principal problema é que o uso e apropriação turística deste território revelam uma racionalidade
que falsifica a utopia da preservação, ao desvirtuar o imaginário ativado na origem da
patrimonialização: não há interpretação ou referências para o visitante conhecer a história/valores
o local (nos passeios mais longos visita-se o Museu Axolotl51 onde se explica um pouco do
ecossistema); A abordagem do sistema produtivo dos chinampas é feita a partir do consumo das
plantas ornamentais e não da sua importância na construção da cidade atual e no sistema
agroalimentar tradicional, uso cada vez mais perdido. Embora existam opções alternativas ao
passeio de trajineras, como uma visita ao Parque Ecológico, ao Museu Dolores Olmedo ou aos
monumentos do Centro Histórico da cidade, a maioria dos visitantes tem como objetivo caminhar
pelos canais. De fato, nas últimas duas décadas, o local conhecido como “Ilha das Bonecas”52,
um

51 O axolote ou axolote (Ambystoma mexicanum) é um anfíbio endêmico do sistema lacustre do


Vale do México. Possui um importante simbolismo para os habitantes originários que lhe atribuem
propriedades curativas e, além disso, faz parte da gastronomia local. Atualmente é uma espécie em
extinção.
52 O local em causa é um ilhéu, num dos canais, afastado dos cais turísticos. O atrativo deste local
é que ele é repleto de bonecos e bichos de pelúcia, pendurados nas árvores e amarrados em estacas
ao redor e no chão da ilha, o que confere ao local um aspecto macabro que os cariocas se
encarregam de reforçar com o criação de lendas sobre o site que contam aos visitantes
visitantes.

17
Machine Translated by Google
Escrita Nova, vol. XXIII, nº 620, 2019

componente contemporâneo, que não está relacionado com os valores históricos


originais da área do lago, mas que se tornou popular e é promovido como parte
das atrações de Xochimilco.
A lógica de apropriação do território por moradores e visitantes decorre do
imaginário e de práticas alheias aos ideais originários de preservação do lugar,
o que é gerador de riscos e ameaças à integridade e autenticidade do patrimônio.
Compreender os imaginários requer falar de formações discursivas e sociais
muito profundas a partir das manifestações culturais e da produção de imagens
como parte de qualquer estratégia política e de internalização de normas53; ou
o imaginário entendido como força criadora e condutora de processos54.

Xochimilco revela operações espaciais, visuais e cognitivas, reguladas pela


censura, que condicionam a percepção e instauram uma heterotopia patrimonial
de desfiguração. Pelos canais e barcos envoltos numa ilusão mais ilusória que
qualquer espaço real, os visitantes perdem a oportunidade de transcender o
lugar comum e autêntico do passado, aquele imaginário da infância, que estava
no rio, no mar, na água, no barco, a incerteza ou insegurança gerada pelo
desconhecido da vida, que põe em risco e explica a sua própria existência. As
experiências passadas (suas e alheias) sobre a água, sobre o tempo, sobre o
movimento, fatores que condicionam a permanência de Xochimilco e do sujeito,
não se relacionam. Porém, percebem que estão em outro espaço, em outra
velocidade, em outro ritmo, com outras cores; eles continuam na caótica
metrópole, ávidos por algo mais, diferente. A semiotização comandada pelas
representações imagéticas e práticas situadas desfigura, em Xochimilco, rápida,
material e simbolicamente, (i) as memórias do sonho que fixa a heterotopia
patrimonial (pré-hispânico, colonial e moderno cotidiano na água, os chinampas
e os barcos), bem como (ii) o projeto originalmente utópico de preservação.
Assim como o turista de Xochimilco se move movido pela busca do lugar
cristalizado no presente, perdendo de vista o significado histórico e memorial
que o torna único, o visitante de Brasília é atraído pelo imaginário primordial da
utopia da construção de um cidade nova, no centro geográfico e no apogeu da
era moderna do Brasil, como revela a análise a seguir.

Heterotopia patrimonial da resistência na América Latina. Caso de


Brasília, Brasil
Já foi mencionado anteriormente que a ecogênese territorial ou a semiotização
raffestiniana do espaço funciona como um filtro de matéria, ideias e símbolos
definidores da heterotopia patrimonial seletivamente localizada; institui a
transição do espaço geométrico para o território constituído. Assim, Brasília
como outro espaço (modelo da utopia imaginativa e da utopia operativa de uma patrimonializ
53 Silva Tellez, 1992.
54 Hiernaux, 2007.

18
Machine Translated by Google
HETEROTIPIA DO PATRIMÔNIO: CONCEITO PARA ESTUDOS LATINO-AMERICANOS

exalta a modernidade brasileira) é interpretada como a heterotopia patrimonial por


excelência: outra cidade imaginada, concreta e preservada.
Brasília, a nova capital do Brasil, construída sob o mandato do presidente
Juscelino Kubitscheck entre 1956-1960 – sob a égide do slogan “50 anos de
desenvolvimento em 5 anos de governo” – tem sua essência na mítica tríade
modernidade-modernização- modernismo catalisado dentro do nacional
desenvolvimentismo assumido naquele período. Essa tríade qualifica a cidade
nova como o ápice da era moderna nacional por ser aquela que induziu o mais
amplo controle político e monetário do território (através de seu equipamento
infraestrutural). Segundo C. Raffestin, circulação e comunicação são as duas
facetas da mobilidade; Por serem complementares, estão presentes em todas as
estratégias que os atores desencadeiam para dominar superfícies e pontos por meio da gestão

Fig. 04 – Intersecção dos atuais eixos Rodoviário e Monumental em pleno bioma Cerrado brasileiro.
Início da construção da estrada.
Fonte: Arquivo Público do DF (Brasil), 1956.

A noção de sociedade moderna se originou em meados do século XX,


surgindo de perto das narrativas do desenvolvimento capitalista em democracia,
da emergente mobilização social global do pós-guerra e da abertura cultural
universalista.56 Assim, as bases do fato modernidade, no Brasil, se constituem na
marcha acelerada da sociedade para recriar sua realidade, que continua após o
advento da República (1889) através: da economia agrária e industrial que
redefiniu o espaço nacional, da construção política da Democracia por vezes
interrompida, a própria cultura ligada às expressões europeias, as exigências
associadas à relação produção-consumo-trabalho estimulando a simbiose campo-
cidade devido à migração. A construção da cidade de Brasília materializa e dá
sentido a esses fundamentos do Brasil moderno, na histórica tentativa de retorno
ao país contemporâneo de seu tempo (figura 04). “Um novo capital, feito à medida,
55 Raffestin, 1993.
56 Dupas, 2012.

19
Machine Translated by Google
Escrita Nova, vol. XXIII, nº 620, 2019

lançado a golpes arrojados, nas proporções do século XXI, povoado pela mesma
humanidade que se pretendia esquecer ou exorcizar”57. Brasília singulariza a
almejada modernidade nacional, diante de uma pluralidade popular e espacial dos
brasileiros; Mantém, no sentido heterotópico foucaultiano, uma função distintiva e
primordial em relação à totalidade do espaço que a envolve.
A modernização, como processo social contraditório de natureza técnica e
tecnológica, desenvolve-se de forma desigual e conservadora no território brasileiro,
determinando geografias regionais díspares ainda evidentes entre Centro-Sul, Norte
e Nordeste. Isso denota progresso como intensificação expressiva da modernização
territorial, ideologia e práticas que definem o conteúdo político das técnicas modernas
e da industrialização, por vezes desconectadas das necessidades preliminares da
vida cotidiana ou da justiça social.58 Brasília é um sinal incontestável da modernização
brasileira ; meta-síntese do Plano de Metas proposto e cumprido da J.
Kubstschek59, a fim de alcançar “novas fronteiras, reivindicando a preparação do
Brasil para o grande 'salto desenvolvimentista', que o separaria da estagnação dos
quatrocentos anos de seu passado”60. Brasília marca a inserção do país no cenário
internacional, que conseguiu com êxito graças a dois elementos articulados: i) forjada
a partir de um imaginário nacional por meio de uma ininterrupta oração
desenvolvimentista; ii) execução concreta de todas as obras de infra-estruturas de
que o país necessitava, minimamente, para o desenvolvimento económico. A atual
capital do Brasil, urbs moderna por excelência, implantada em coordenadas
geográficas propícias a uma certa centralidade induzida, assegura essencialmente a
dinâmica da indústria de base e seus impactos em todo o território nacional no
contexto da substituição de importações, atraindo capital estrangeiro e consolidando
um mercado interno bruto e, além disso, espalhando o estilo de vida urbano para o
interior esparsamente povoado do continente.61 Brasília define um poder que, antes
de se espalhar e antes de se esgotar, cristaliza-se na forma de um outro espaço, de
uma heterotopia profunda e indelevelmente estabelecida62 .
Em vez de favorecer o desmonte do antigo arquipélago de economias regionais
ligadas ao exterior [desmantelado pela divisão regional do trabalho que ganha um
fórum nacional da indústria metalúrgica e automobilística paulista promovida pela
economia indireta gerada pela nova capital]63 –marca da modernidade e da
modernização realizada–, Brasília tornou-se um ícone urbano mundial do modernismo
na década de 1960. O mito do progresso

57 Ianni, 2004, p. 31 (Tradução própria).


58 Costa e Steinke, 2014; Dupa, 2012.
59 Costa e Steinke, 2014, avaliam o Plano de Metas e detalham a distribuição de seus investimentos
em: energia (43%), transporte (29,6%), indústria de base (20,4%), alimentação (3,2%) e educação (3,4%). ).
60 Kubitscheck, 2002, p. 447 (Tradução própria).
61 Costa e Steinke, 2014.
62 Raffestin, 1993, refere que estes espaços de poder, se privilegiados, representam pontos de encontro,
nós com descontinuidades e difusões.
63 Oliveira, 1977.

vinte
Machine Translated by Google
HETEROTIPIA DO PATRIMÔNIO: CONCEITO PARA ESTUDOS LATINO-AMERICANOS

ligadas à modernização do território para o desenvolvimento da indústria e agro-


pecuária nacionais, bem como à redefinição espacial que configura o quotidiano
urbano localizado, são duas escalas de pensamento e intervenção do Estado-
mercado (através do planeamento) que favorecem a leitura geográfica do
modernismo encarnado por Brasília. Assim, a mudança do paradigma espacial
brasileiro deve ocorrer por meio do encorajador projeto de cidade modelo de um
novo país.
O plano urbanístico de Lúcio Costa –vencedor do Concurso Nacional para o
Plano Piloto da Nova Capital do Brasil– coroado com o projeto arquitetônico de
Oscar Niemeyer, consagra os ideais dos Congressos Internacionais de Arquitetura
Moderna (CIAM) e da Carta de Atenas e retoma as propostas que Le Corbusier
levantou para a Ville Radieuse (desenho utópico para uma cidade que nunca se
realizou) guiada por cinco princípios: o plano, o sistema de circulação, o zoneamento,
as unidades de vizinhança e a tipologia residencial das edificações sobre palafitas
.64 O espaço modelo da Capital da República foi pensado como local de residência,
trabalho, circulação e recreação de diversos segmentos hierárquicos da
tecnoburocracia e classes associadas prestadoras de serviços, formando assim
imagens e imaginários utópicos de um sociedade-modelo.65
Lúcio Costa projetou uma cidade singular, mas complexa em sua concepção
(figura 05). O plano indicava, no núcleo urbano, os locais de trabalho, habitação,
comércio, lazer e circulação. Essas atividades e seus respectivos espaços estariam
distribuídos em quatro escalas: i) monumental: o corpo central do tecido urbano
idealizado; ii) residencial: residências e bens de primeira necessidade ao longo das
Asas Norte e Sul, em superquadras; iii) gregária: na junção das escalas monumental
e residencial, concentrando os principais comércio, serviços e entretenimento da
cidade; iv) bucólico: produção e manutenção de áreas verdes para a concepção
urbana de uma cidade-parque.66
Em suma, Brasília carrega, de um lado, o espírito do desenvolvimento: um
Estado forte e atuante a serviço da burguesia empresarial ou industrial, dependendo
do capital monopolista para orientar, dinamizar e controlar a economia e a
sociedade.67 Por outro Por outro lado, a nova capital foi gestada e nasceu como
corpo utópico singular de um Brasil desejado: “Brasília, capital aérea e rodoviária; parque da cidad
Sonho do patriarca do século IV”68. Cidade do desenvolvimentismo e membro
corpóreo de um país almejado em outra forma social e de urbanização, Brasília
reúne, à moda raffestiniana, um território como espaço informado pela semiosfera
[espaço semiótico abstrato-concreto, de signos, símbolos, relações de poder ]69.
64 Holston, 1993; Tavares, 2014.
65 Costa & Peluso, 2016.
66 Costa & Peluso, 2016.
67 Para o debate sobre o desenvolvimentismo brasileiro, ver: Oliveira, 1977; Ianni, 2004; Vidal, 2009;
Costa e Steinke, 2014.
68 Lúcio Costa, 1991 (Tradução própria).
69 Raffestin, 1986.

vinte e um
Machine Translated by Google
Escrita Nova, vol. XXIII, nº 620, 2019

Fig. 05 – Construção de Brasília [1956-1960]. (i) Esplanada dos Ministérios; (ii) Congresso Nacional; (iii)
Eixo Rodoviário e Plataforma Rodoviária; (iv) Universidade de Brasília/UnB.
Fonte: Arquivo Público do DF, Brasil.

Brasília é a heterotopia patrimonial por excelência –uma concepção única no


mundo–, o outro espaço sonhado, imaginado e materializado, com funcionamento
preciso e determinado na sociedade. Em 1823, José Bonifácio (Pai da
Independência) já sugeria a transferência da capital do Rio de Janeiro para Goiás,
com o nome de Brasília. A ideia da nova capital foi reforçada pela visão do santo
italiano Dom Bosco, que relatou que em 1883, em sonho, cruzou os Andes de
trem rumo ao Rio de Janeiro e viu, entre os paralelos 15 e 20 graus , a formação
de um grande lago em um território de vasta riqueza mineral. “A interpretação
oficial sustenta que a topografia dessa visão corresponde justamente ao sítio de
Brasília, construída entre os graus quinze e dezesseis de latitude (...) o lago que
se formou seria o lago artificial da cidade, o Paranoá”70. O ideal colonial, imperial,
republicano e moderno de interiorização e complexidade do território, em 1891 e
de acordo com o artigo 3º da Constituição brasileira do mesmo ano, levou à
delimitação - realizada pela conhecida expedição do Dr.
Luis Cruls – de uma área de 14 mil km², no Planalto Central, que definia o local
onde seria inaugurada a nova Capital Federal quase setenta anos depois. A utopia
da cidade nova avança na primeira metade do século XX e aparece no discurso do

70 Holston, 1993, pág. 24 (Tradução própria).

22
Machine Translated by Google
HETEROTIPIA DO PATRIMÔNIO: CONCEITO PARA ESTUDOS LATINO-AMERICANOS

Presidente Getúlio Vargas (1930-1945), para quem “o verdadeiro sentido do Brasil


era a Marcha para o Oeste”, sentido geográfico que ganha conteúdo pelo potencial
mineralógico e produtivo do território, que serviria ao intento de desenvolvimento
nascente; uma ideologia mobilizadora que fazia da dominação e da conquista
econômica do interior um desafio nacionalista. O antigo ideal de interiorização do
capital – retomado e executado por Juscelino Kubitscheck – coincidiu com o
movimento geopolítico expansionista getulista, que articulou segurança nacional e
modernização das estruturas econômicas, sociais e
administrativas.71 Brasília sui generis heterotopia patrimonial é,
simultaneamente , ou de uma só vez, a negação e a afirmação, a nostalgia do
velho e a utopia de um novo Brasil; simbiose dos principais dilemas nacionais:
Estado forte e sociedade civil fraca; economia primário-exportadora e
industrialização substitutiva de importações; nacionalismo e globalização; público
e privado; carisma secularizado rural e poder secularizado urbano; democracia
participativa e oligarquias patriarcais; Cidade e campo; pioneiros e bandeirantes72.
A cidade surge da tríade mítica modernidade-modernização-modernismo,
corporificando a utopia e os paradoxos do desenvolvimentismo; Brasília fundaria
uma nova economia espacial e, substancialmente, uma nova sociedade nacional
através do ideal urbano, que queria negar as diferenças de origem, classe social,
raça, emprego e habitação, que definiam as cidades latino-americanas da época.
Como outro espaço heterotópico, Brasília pode ser traduzida, geograficamente,
como intencionalmente construída para o domínio escalar dos territórios, que opera um modo es
Por esse motivo, em dezembro de 1987, o conjunto urbano de Brasília foi
incluído na Lista do Patrimônio Mundial da Unesco, como exemplar original
moderno e modernista da arquitetura e urbanismo representativo do século XX:

Construída ex nihilo no centro do país entre 1956 e 1960, Brasília é um marco de


grande importância na história do urbanismo. A proposta de seus idealizadores, o
urbanista Lúcio Costa e o arquiteto Oscar Niemeyer, era que tudo refletisse um
conceito harmonioso de cidade, desde a disposição dos bairros administrativos e
residenciais -muitas vezes comparados à silhueta de um pássaro- até a construção
de simetria. Edifícios públicos surpreendem com sua aparência arrojada e inovadora.73

Ao contrário de outros sítios com reconhecimento de patrimônio cultural,


adquirido ao longo do tempo pelo peso da história e da memória em determinados
elementos, Brasília desde sua origem foi objeto de preservação. Em 1960, antes
de ser concluída e inaugurada, a Lei Orgânica do Distrito Federal indicava que
qualquer alteração a ser feita no Plano Piloto deveria passar pela aprovação

71 Vidal, 2009; Costa & Steinke, 2014.


72 Nome dado aos exploradores, especialmente paulistas do período colonial brasileiro, responsáveis
pelo aprisionamento de indígenas, captura de escravos, busca de ouro e prata e reconhecimento do
território.
73 Unesco, s/f [Brasília], https://whc.unesco.org/es/list/445

23
Machine Translated by Google
Escrita Nova, vol. XXIII, nº 620, 2019

do Senado Federal. Ou seja, o Estado brasileiro já previa a salvaguarda do todo desde sua
gênese. Brasília nasceu com a marca patrimonio74, como o outro espaço; seus criadores
souberam criar um lugar novo, marcado pela diferença, pela inovação, pelo planejamento, pela
ordem mitológica do progresso e da técnica; outra cidade para outro tempo, para excomungar
o país passado. Enquanto outros locais ganharam reconhecimento patrimonial por preservar
valores históricos e testemunhos do passado (ex. Xochimilco), Brasília é por propor um modelo
de cidade harmoniosa e ideal com olhos no futuro. Concretiza a utopia moderna necessária
para um Brasil em acelerado processo de desenvolvimento e para um mundo que se
recuperava dos estragos das grandes guerras; Esta cidade é uma referência do "moderno"
numa conotação temporal em todo o mundo.

É justamente a alteridade e o sentido utópico de Brasília que justificam o discurso patrimonial


e a necessidade de proteger o futuro da cidade do futuro.
Embora Brasília tenha atualmente os mesmos problemas de outras metrópoles latino-
americanas75, o Plano Piloto mantém em grande parte os princípios de planejamento urbano
com os quais foi concebido. No imaginário coletivo, Brasília resiste como uma cidade utópica.
Quem vai a Brasília pela primeira vez percebe que está se aproximando de um lugar diferente,
de outro espaço. Do avião, o viajante avista outro avião: o avião piloto (ver mapa 01). Esse
desenho já distingue Brasília de outras cidades: não é o quadriculado das cidades
renascentistas ou da Nova Espanha, nem a placa quebrada das cidades medievais ou dos
garimpos ibero-americanos, nem é radiocêntrica ou linear. Esse plano único no mundo já deixa
o espectador sem referências (figura 06).

Fig. 06 – Esplanada dos Ministérios, Congresso Nacional, Catedral e Museu Nacional.


Fonte: Arquivo dos autores. junho de 2018.

74 O conjunto urbano de Brasília é protegido legalmente em três instâncias: Governo Federal/Iphan


(1992); Governo do Distrito Federal (1987); Unesco - Lista do Patrimônio Mundial (1987), com base nos
critérios: (i) obra-prima do gênio criativo humano e (iv) exemplar excepcional de tipo de construção,
conjunto arquitetônico e paisagístico que ilustram um período significativo da história da humanidade.

75 Santos, 1964; Holanda, 2002; Paviani, 2010; Costa & Peluso, 2016, são referências para a
compreensão dos problemas metropolitanos relacionados a Brasília. Milton Santos, em 1964, já reconhecia
o desenho urbano dialético que se dava no paradoxo da vontade criadora e do subdesenvolvimento do
campo materializado na cidade.

24
Machine Translated by Google
HETEROTIPIA DO PATRIMÔNIO: CONCEITO PARA ESTUDOS LATINO-AMERICANOS

Já em terra, percorrendo o Plano Piloto, as superquadras lembram os


grandes quarteirões desenvolvidos no urbanismo soviético, mas Brasília é
diferente. A escala bucólica, aquela forte presença da natureza na cidade,
reforçada pela perspectiva do horizonte ininterrupto proporcionado pelas
palafitas, diferencia completamente a capital brasileira da paisagem criada sob
a ideologia comunista (figura 07).

Fig. 07 – Edifício sobre palafitas na Superquadra Modelo de Brasília (308) [escalas residenciais e bucólicas].
Fonte: Arquivo dos autores. junho de 2018.

Ao mesmo tempo em que a cidade é apreciada como única, o espectador


percebe que é uma cidade que se repete: na dimensão da escala residencial,
uma superquadra é igual a outra e a outra e as mais afastadas; O referencial
espacial da memória individual ou coletiva nessas espacialidades não é
facilmente estabelecido. As estradas também são idênticas, assim como as
rotundas e as ligações com estradas secundárias. Os marcos espaciais76,
indicadores que orientam a navegação nas cidades, são difusos. As vias de
comunicação, caracterizadas pela ausência de cruzamentos e pela fluidez da
mobilidade, têm um modelo eficaz de trânsito mas as esquinas desaparecem,
o que gera a sensação de uma cidade fria77, onde as pessoas não são visíveis
no trânsito dos cruzamentos: em primeiro lugar, porque não há travessias e,
em segundo lugar, porque o tráfego de pedestres é quase totalmente restrito
ao interior das superquadras (que são escassas nas calçadas). Chega um
momento em que o viajante ou transeunte se sente perdido, desorientado, não
pelo desconhecido da paisagem mas pela sua redundância. M. Foulcault
lembra que os espaços heterópicos são espaços coletivos ou compartilhados que permitem
76 Lynch, 2015.
77Holston, 1993.

25
Machine Translated by Google
Escrita Nova, vol. XXIII, nº 620, 2019

plugues dentro deles; são ao mesmo tempo disputas míticas e reais do espaço
habitado78.
O zoneamento favorece aquela sensação de desolação que se percebe ao
passar pelas superquadras. O eixo monumental parece deserto com seus
macroedifícios diante dos quais o espectador perde a noção de escala e distância
(ver figura 06). Os turistas -geralmente de negócios- ficam confinados à zona
hoteleira, de onde só podem sair em viatura própria ou em transporte privado; A
estrutura do Plano Piloto limita a mobilidade ao cercar a área dos hotéis por vias de
alta velocidade e, embora a estação de ônibus e metrô seja relativamente próxima,
a hostilidade do ambiente (tráfego automotivo, falta de calçadas, escassez de
travessias de pedestres, pouca oferta comercial) dissuadem a maioria deles de sair
para explorar por conta própria. Brasília é uma heterotopia patrimonial de resistência
por ainda preservar a morfologia, o valor de uso e a realidade local impressa na
época de sua criação; é o outro espaço patrimonial que resiste na sua forma e
conteúdo imaginados, criado e perpetuado pelo sonho de outra nação. Como
heteroopia patrimonial de resistência, é uma representação física, uma aproximação
à almejada utopia urbana moderna para a negação-afirmação do Brasil, um espaço
paralelo e, concomitantemente, integrado e integrador do país.

A sensação de homogeneidade, redundância paisagística e isolamento que o


Plano Piloto desperta é atenuada à medida que se aproxima do cotidiano dos
moradores: conforme planejado pelos urbanistas, as passarelas de pedestres e
áreas comerciais das superquadras concentram transeuntes e consumidores, como
assim como o terminal rodoviário e os corredores da esplanada dos ministérios,
onde milhares de funcionários do Estado aproveitam os momentos de descanso
para se deslocarem às zonas verdes e ao pequeno comércio próximo.
Afastar-se do Plano Piloto significa também afastar-se da heterotopia; A “cidade
real” começa a aparecer com marcas características do crescimento desordenado
decorrente da metropolização: bairros populares, autoconstruções, evidente falta
de infraestrutura urbana, unidades habitacionais fechadas, alta densidade
populacional, intensificação do trabalho informal etc. Este ambiente reafirma a
percepção do outro espaço, aquele que resiste e nega o contexto social em que se
insere e que, desde a construção de Brasília, se quis negar também em escala
nacional, através da nova capital. A cidade egocêntrica é a antítese do Brasil
moderno; é também a resistência e a insistência das insatisfações denunciadas na
tríade modernidade-modernização-modernismo e catalisadas no desenvolvimentismo.
Brasília como heterotopia patrimonial de resistência revela uma semiotização
do espaço que gera redes concretas e simbólicas, materiais e imaginárias dotadas
de elementos estruturados e estruturantes do vivido e cotidiano popular.
A resistência justifica-se pela manutenção da forma e conteúdo relacionados ao
habitar a cidade e com o controle e articulação territorial do país. Na verdade, o

78Foulcault, 2008.

26
Machine Translated by Google
HETEROTIPIA DO PATRIMÔNIO: CONCEITO PARA ESTUDOS LATINO-AMERICANOS

A nova capital foi e é definida por ações coerentes de uma sociedade com a
semiosfera a que se refere (numa perspectiva de desenvolvimento), favorecendo
outros espaços a se destacarem (numa nova regionalização brasileira, ainda que
contraditória)79, principalmente, pelo seu valor de uso (cidade modelo preservada,
também como estímulo à mudança) e uma realidade local impressionante (de outro
ser e outra habitação mantida no plano sonhado, imaginado e construído).

Palavras finais. Confirmação da tese A teoria


(e seu quadro conceitual) voltada para a crítica e a práxis deve estar ancorada no
conhecimento, na consciência e na vida espacial do sujeito. Essa teoria deve
conceber a sociedade em seu contexto de ação, constituída por sujeitos totais
dotados de linguagens, contribuindo para a mudança social por meio da comunicação
consciente80. A partir de tais pressupostos, afirma-se que o conceito de heterotopia
patrimonial coloca o pesquisador em relação ao caráter dos componentes da
semiotização que produz um outro espaço de imaginação-realização, de subjetivação-
objetivação, a partir do cotidiano e do espaço vivido do assuntos.
Nem todo patrimônio é uma heterotopia. Respeitando a proposição de M.
Foucault, a heterotopia é uma representação física ou uma aproximação de uma
utopia, um espaço paralelo que contém elementos favoráveis à existência de um
espaço utópico real, com uma função específica em relação a outros espaços,
operando em dois pólos opostos: espaço ilusório que denuncia como mais ilusório o
espaço real onde se desenvolve a vida humana; ou de outro espaço real, tão perfeito,
tão exato e tão ordenado quanto é anárquico o espaço social geral.81 Xochimilco e
Brasília, nessa ordem, correspondem aos dois pólos. O princípio definidor da
heterotopia patrimonial (no deslocamento conceito-fato-conceito) é o da exclusividade
gerada pela referência imaginária, memorial e territorial da utopia ou sonho que
concretiza um modo espacial de existir único, jamais repetido. outro espaço exceto
para reprodução técnica ou difusão política das normas e estratégias que fundaram
o primeiro espaço.
A tese confirmada é a de que as utopias de patrimonialização [imaginativas e
operacionais] são as geradoras das heterotopias patrimoniais [de resistência e
desfiguração], com protagonismo da representação e da imaginação como entidades
geradoras de algum tipo de intervenção espacial e, como resultado, do modelo de
preservação. Tanto Xochimilco, no México, quanto Brasília, no Brasil, enfatizam,
nesta tese, o poder preditivo do imaginário criado e disseminado (ou da
intencionalidade imaginativa), por ser um farol e entidade preservadora; ela aciona
o modo de perpetuação (i) do fato espacial e (ii) de seu significado original.
Xochimilco retrata o outro espaço desfigurado, pois é comandado por

79 Ver em Oliveira, 1977, Holston, 1993, Vidal, 2009, Costa e Steinke, 2014 e Costa e Peluso,
2016, os antagonismos da construção de Brasília para o Brasil.
80 Habermas, 2013 [1978].
81 Foulcault, 1984.

27
Machine Translated by Google
Escrita Nova, vol. XXIII, nº 620, 2019

usos, apropriações e operações visuais globais que falsificam a história do território; Brasília
designa o outro espaço de resistência, pois é absorvida por uma semiotização espacial que
continua a produzir, no seio do grupo, o sonho de uma nova habitação e de um domínio
duradouro sobre o território nacional, cuja reivindicação de preservação respeita o imaginário
que provocou sua criação Fundação. M. Lapoujade concorda que a imaginação pode
desempenhar uma função de antecipação, encontrar links, traçar links e apagar distâncias.

Os dois casos latino-americanos analisados mostram que a ecogênese territorial, de fato


e como indica C. Raffestin, é dirigida pela comunicação, pela energia e pela circulação, sob as
ordens da velocidade informacional, que ignora centro e periferia.82 Os dois locais revelados
como heterotopias patrimoniais (de desfiguração e de resistência) são outros espaços de
mobilidade específica, que ganham sentido em momentos particulares e conteúdos técnicos.
No sítio mexicano, as naus, os canais, as chinampas pré-hispânicas foram ressignificadas pela
história¸ desde que lançadas ao mundo por uma polêmica narrativa de universalidade; No site
brasileiro, o automóvel, as rodovias, a cidade modelo continuam sendo afirmados pelo território,
potencializado pelo envolvimento dos sujeitos locais na narrativa de uma autêntica singularidade.
Brasília é a urbs construída na fase de implantação e desenvolvimento da indústria
automobilística nacional; é planejada, erguida e perdura como uma cidade modernista do
automóvel.

Xochimilco mantém a relíquia dos chinampas pré-colombianos, em uma das maiores cidades
do mundo; mas sua paisagem foi transformada e os usos de canais, ilhas e barcos foram
alterados como objetos técnicos geográficos de mobilidade ou circulação e da vida espacial
cotidiana.
Os casos reforçam a proposta do procedimento analítico: apreender a heterotopia
patrimonial pela indissociabilidade da utopia imaginativa e da utopia operativa da
patrimonialização, já que é o lugar, por excelência, da imaginação-realização, da subjetivação-
objetivação do sujeitos em busca de e no outro espaço. É importante lembrar que a heterotopia
patrimonial analisa e busca tornar realidade o sonho ou a utopia da preservação ideal, do lazer
criativo, do patrimônio democratizado, da imposição do controle sobre a transitoriedade e a
instantaneidade da vida moderna. A imaginação é o que dá matéria e continuidade à hete
rotopía patrimonial, pois faz parte da intuição, representação e produção do mundo, da
experiência criativa.

Por fim, resta observar que as particularidades da urbanização latino-americana (que tem
séculos de pilhagem gerando limites definindo poderes e práticas espaciais diferenciadas por
países, regiões, cidades e seus setores) requerem uma proposição conceitual e práticas
capazes de orientar e qualificar a correta ação para preservação patrimonial e melhoria da vida
popular. Esse salto analítico, que destaca a práxis para as etapas da emancipação social,
conforme aponta J. Habermas, pode ser objeto de estudos futuros.

82 Raffestin, 1986.

28
Machine Translated by Google
HETEROTIPIA DO PATRIMÔNIO: CONCEITO PARA ESTUDOS LATINO-AMERICANOS

relacionadas com a heterotopia patrimonial, ao considerar as especificidades espaciais da


urbanização e as variáveis imaginárias e concretas que produzem outros espaços no continente.

Referências
ALCÁNTARA, S. Jardim e paisagem no México pré-hispânico. Revista Espaço Acadêmico,
Não. 156, 2014, p.4-15.

ARMILLAS, P. Jardins sobre pântanos. Ciência, vol. 172, nº 4010, 1971, pág. 653-661.

BELHEDI, A. Territórios, aparência e identificação. Algumas reflexões a partir do caso tunisiano.


L'Espace géographique, 2006, p. 310-316. Doi: 10.3917/eg.354.0310

BERDOULAY, V., ENTRIKIN, N. Lugar e sujeito, perspectivas teóricas. In HOLZER, H et al (Ed.):


Qual o espaço do lugar? São Paulo: Perspectiva, 2012, p. 93-116.

CAPEL, H. A geografia das redes no início do Terceiro Milênio. Por uma ciência solidária e
colaborativa. Escrita Nova. Revista Eletrônica de Geografia e Ciências Sociais.
[Em linha]. Barcelona: Universidade de Barcelona, 2010, vol. XIV, nº 313 <http://www.ub.es/
geocrit/sn/sn-313.htm>.
CARABALLO, C. Xochimilco, atração cultural com destino saudável? Herança
cultura e turismo. Cadernos, vol. 14, 2006, p. 119-135.

CENECORTA, A. Água e solo na área metropolitana do Vale do México. São


Paulo em Perspectiva, vol.14, nº 4, 2000, p. 63-69.

COSTA, L. Brasília, cidade que inventei – Relatório do Plano Piloto. DePHA/ArPDF/Codeplan,


1991.

COSTA, E. Fundamentos de uma patrimonialização global emergente. Revista Geografia,


Rio Claro-SP, v. 39, nº 2, 2014, pág. 241-256.

COSTA, E. Utopismos patrimoniais para a América Latina - resistência à colonialidade do poder.


In XIV Colóquio Internacional de Geocrítica, Barcelona. Utopias e a construção da sociedade
do futuro, v. 1, 2016, pág. 1-30.

COSTA, E., STEINKE, V. Brasília meta-síntese do poder não controle e articulação do território
nacional. Scripta Nova, Revista Eletrônica de Geografia e Ciências Sociais. [Em linha].
Barcelona: University of Barcelona, 2014, Vol. XVIII, nº 493 (44), <http://www.ub.edu/geocrit//
sn/sn-493/493-44.pdf>.

COSTA, E.; PELUSO, M. Imaginário Urbano e Situação Territorial Vulnerável na Capital do Brasil.
Biblio 3W (Barcelona) Vol. XXI, nº 1.151, 2016. http://www.ub.edu/geocrit/b3w-1151.pdf

DI MEO, G. De l'espace aux territoires: elementos pour une archéologie des concept fundaux de
la géographie. L'information geographique, vol. 62, nº 3, 1998, 99-110.

29
Machine Translated by Google
Escrita Nova, vol. XXIII, nº 620, 2019

DUPAS, G. O mito do progresso ou o progresso como ideologia. São Paulo: Edunesp,


2012, pág. 332.

EZCURRA, E. Das chinampas à megalópole: o meio ambiente na Bacia do México. Cidade do México:
Fundo de Cultura Econômica. 2003, pág. 120.

FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979, p. 267.

FOUCAULT, M. Outros espaços (Conferência do Círculo de Estudos Arquitetônicos, 14 de março de


1967). In MOTTA, M. (Org.) Michel Foucault. Estética, literatura e pintura, música e cinema. Rio de
Janeiro, Faculdade de Medicina Legal, 1984, p. 411-422.

FOUCAULT, M. Topologias. Fractal, nº 48, 2008, pág. 39-62.

FOUCAULT, M. Um diálogo sobre o poder e outras conversas. Madri, Alianza Edi


histórico, 2012, p. 321.

GONZÁLEZ POZO, A. Las Chinampas: Patrimônio Mundial da Cidade do México.


Cidade do México: Governo da Cidade do México, Universidade Autônoma Metropolitana, Autoridade
da Zona do Patrimônio Mundial Natural e Cultural da Humanidade em Xochimilco, Tláhuac e Milpa
Alta, 2016, p. 239

HABERMAS, J. Teoria e prática. Estudos em filosofia social. São Paulo: Edunesp, 2013
[1978], p. 723.

HIERNAUX, D. Imaginários urbanos: da teoria e dos pousos nos estudos


urbano. Revista Eure, vol. XXIII, nº 99, 2007, p. 17-30.

HOLLAND, F. O espaço de excelência. Brasília: EdUnB, 2002, p. 466.

HOLSTON, J. Uma cidade modernista: uma crítica a Brasília e sua utopia. São Paulo: Companhia das
Letras, 1993, p. 364.

IANNI, O. O pensamento social no Brasil. Bauru: EDUSC, 2004, p. 366.

ICOMOS, Centro Histórico da Cidade do México e Xochimilco. Avaliação do órgão consultivo. Paris:
Icomos, 1986, Retirado de: http://whc.unesco.org/en/list/412/documents, 06/08/2018.

LAPOUJADE, M. Filosofia da imaginação. Cidade do México, Século XXI, 2011, p. 265.

LYNCH, K. A imagem da cidade. Barcelona: Gustavo Gili, 2015, p. 204.

MARCEL, O. Patrimonialisation aux marges et désir de territoire. Geografia e culturas, vol. 79, 2011, p.
127-143. Doi: 10.4000/gc.410

MARTONI, R. O trabalho produtivo no turismo e as aventuras dos 'trabalhadores corteses'.


Espaço e Geografia, vol. 15, nº 1, 2012, pág. 49-89.

MEZA AGUILAR, M. O ahuejote na restauração da paisagem de Xochimilco. registro


ra, vol. 18, 2008, pág. 50-53.

30
Machine Translated by Google
HETEROTIPIA DO PATRIMÔNIO: CONCEITO PARA ESTUDOS LATINO-AMERICANOS

NARCHI, N.; CANABAL, B. Tirania sutil, divergentes construções da natureza e a erosão


do conhecimento ecológico tradicional em Xochimilco. Perspectivas Latino-Americanas,
vol. 42, nº 5, 2015, pág. 90-108.
OLIVEIRA, F. Elegia para um re(li)gião. São Paulo: Paz e Terra, 1977, p. 139.
PAVIANI, A. A construção injusta do espaço urbano. In PAVIANI, A. (ed.). A conquista da
cidade: movimentos sociais em Brasília. EdUnB, 2010, p. 131-166.
KUBITSCHECK, J. Porque eu construí Brasília. 2ª Ed. Brasília: Senado Federal, 2002,
pág. 342.

RAFFESTIN, C. Pour une géographie du pouvoir. Paris, Técnicas de biblioteca, 1980.


RAFFESTIN, C. Ecogenèse territoriale et territorialité. In AURIAC, F.; BRUNET, R.
(Ed.). Espaços, jeux et enjeux. Paris: Fayard & Diderot Foundation, 1986, p. 175-185.
ROBLES CASTELLANOS, J. Culhua México: uma revisão arqueo-etno-histórica do império
do Mexica Tenochca. México: Instituto Nacional de Antropologia e História, 2007, p.
431.
ROJAS RABIELA, T. Chinampera Agricultura, compilação histórica. México: Universidade
de Chapingo, 1983, p. 123.
SANTOS, M. Brasília, uma nova capital brasileira. Caravelle cahiers du Monde Hispanique
et Luso Brésilien, CNRS, Toulouse, n.º 3, 1964, p.369-85.
SANTOS, M. Por uma nova geografia: geografia crítica de uma geografia crítica.
São Paulo: Hucitec/Edusp, 1978, p. 285.
SILVA TÉLLEZ, A. Imaginários Urbanos. Bogotá e São Paulo. Cultura e comunicação
urbana na América Latina. Bogotá: Tercer Mundo Editores, 1992, p. 367.
TAVARES, J. Projetos para Brasília 1927-1957. Brasília: Iphan, 2014, p. 506.
VIDAL, L. Da Nova Lisboa a Brasília: a invenção de uma capital (séculos XIX-XX).
Brasília: EdUnB, 2009, p. 349.

© Direitos Autorais: Everaldo Batista da Costa; Ilia Alvarado-Sizzo,


2019 © Copyright: Scripta Nova, 2019

Registro bibliográfico:
BATISTA DA COSTA, Everaldo; ALVARADO-SIZZO, Ilia. Herança heterotopia: conceito para
estudos latino-americanos, Scripta Nova. Revista Eletrônica de Geografia e Ciências Sociais.
Barcelona: Universidade de Barcelona, 1 de agosto de 2019, vol. XXIII, nº 619. [ISSN: 1138-97]

31

Você também pode gostar