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Ciências da Linguagem
Alexandra Guedes Pinto
Professora Associada da FLUP
Membro do Conselho Científico do CLUP
mapinto@letras.up.pt
Material Pedagógico
Intertextualidade
Este termo designa (…) o conjunto de relações explícitas ou implícitas que um determinado texto
ou grupo de textos mantém com outros textos.
A noção de “intertextualidade” foi introduzida por Julia Kristeva para o estudo da Literatura.
Através desta noção a autora apontava para a “produtividade” da escrita literária que
redistribui, dissemina (...) textos anteriores num determinado texto; seria, por isso, necessário
pensar no texto sempre como um “intertexto”. Para Kristeva o texto poderia ser considerado
como um “mosaico de citações”:
"[…] tout texte se construit comme mosaïque de citations, tout texte est absorption et
transformation d'un autre texte. A la place de la notion d'intersubjectivité s'installe celle
d'intertextualité, et le langage poétique se lit, au moins, comme double." (Kristeva, 1969).
. a paratextualidade, que diz respeito ao cotexto do texto propriamente dito, à sua periferia
(títulos, prefácios, ilustrações, … etc);
. a arquitextualidade, bastante mais abstrata, que põe um texto em relação com as diversas
classes a que ele pertence (um certo poema de Baudelaire encontra-se em relação de
arquitextualidade com a classe dos sonetos, a classe das obras simbolistas, a classe dos poemas,
a classe das obras líricas, etc.);
Interdiscursividade
Noções centrais na definição de discurso, a intertextualidade e a interdiscursividade conhecem
propostas de delimitação conceptual variáveis de acordo com os autores.
Dialogismo
Conceito retomado pela Análise do Discurso ao Círculo de Bakhtin e que se refere às relações
que todo o enunciado mantém com os enunciados produzidos anteriormente assim como com
todos os enunciados a produzir no futuro pelos seus destinatários. Mas o termo, tal como diz T.
Todorov (1981: 95), acabou por assumir uma pluralidade de sentidos excessiva: “une pluralité
de sens parfois embarrassante”, tanto dentro dos escritos do Círculo de Bakhtin, como também
à medida que foi sendo compreendido e retrabalhado por outros autores.
Para M. Bakhtin e V.N. Volochinov, com efeito, “ le dialogue – l’échange de mots – est la forme
la plus naturelle du langage. Davantage: les énoncés longuement développés et bien qu’ils
émanent d’un locuteur unique – par exemple: le discours d’un orateur, le cours d’un professeur,
le monologue d’un acteur, les réflexions à haute voix d’un homme seul – sont monologiques par
leur seule forme extérieure, mais, par leus structure sémantique et stylistique, ils sont en fait
essentiellement dialogiques” (Bakhtin e Volochinov, 1981: 292).
“Toute énonciation, quelque signifiante et complète qu’elle soit par elle-même, ne constitue
q’une fraction d’un courant de communication verbale ininterrompue (touchant à la vie
quotidienne, la littérature, la connaissance, la politique, etc.). Mais cette communication verbale
ininterrompue ne constitue à son tour qu’un element de l’évolution tous azimouts et
ininterrompue d’un groupe social donné” (Bakhtin e Volochinov, 1977: 136).
Dialogismo vs monologismo
Todo o discurso é duplamente dialógico e este duplo dialogismo inscreve dois tipos de relações
(Bakhtin, 1978): as que todo o enunciado mantém com os enunciados anteriormente produzidos
sobre o mesmo objeto (relações interdiscursivas); aquelas que todo o enunciado mantém com
os enunciados de compreensão-resposta dos destinatários reais ou virtuais, que antecipamos
(relações interlocutivas). Esse duplo dialogismo, que “escapa largamente e inevitavelmente ao
enunciador e que muitas vezes não se manifesta no fio do discurso através de marcas
linguísticas.” (Authier-Revuz, 1985: 117) (…) participa do que J. Authier-Revuz chama a
“heterogeneidade constitutiva”.
Para efeitos da descrição dos discursos de transmissão de saber, S. Moirand (1988a: 309-310,
457-458) recupera a distinção de Bakhtin entre dialogismo interdiscursivo e dialogismo
interlocutivo e fala de duas formas de dialogismo: aquele que faz explicitamente referência a
discursos anteriores, a discursos-fonte ou a primeiros discursos, e aquele que faz explicitamente
referência aos discursos que antecipamos ou atribuímos aos destinatários. Ora, este duplo
dialogismo parece, de fato, estar presente em qualquer género de texto, uma vez que o dizer
do outro (dizer anterior ou dizer imaginado do interlocutor) vem justificar ou autentificar o dizer
do locutor, ou servir de apoio a uma contra-argumentação (Moirand, 1990:75).
Dialogismo explícito, dialogismo constitutivo
Face ao dialogismo constitutivo, que se esconde ou se mascara por detrás das palavras, das
construções sintáticas, das reformulações ou das reescritas não ditas de segundos discursos,
“completamente diferente é o nível do dialogismo “explícito”, quer dizer, a representação que
um discurso dá em si mesmo da sua relação com um outro discurso, do lugar que lhe reservou,
explicitamente, designando na cadeia do discurso, por meio de um conjunto de marcas
linguísticas, pontos de heterogeneidade” (Authier-Revuz, 1985: 118).
Assim, certos discursos mostram explicitamente o discurso de outros que os atravessa; ao passo
que outros discursos contêm em si outros discursos, não o manifestando explicitamente.
Para além das numerosas interpretações, nem sempre convergentes que foram feitas das
conceções de dialogismo do Círculo de Bakhtin, nomeadamente pelos seus diferentes
tradutores, acontece que, por vezes, se emprega o termo “dialogismo” como um simples
substituto de “dialogal”, em particular, na análise da interação verbal, o que conduz E. Roulet
(Roulet et al., 1985: 60) a propor o cruzamento dos pares dialogal/monologal e dialógico
/monológico, a fim de evitar ambiguidades e clarificar a descrição. (…)
Polifonia
O termo “polifonia” foi retomado da área da música, referindo-se, no domínio linguístico, ao
facto de os textos veicularem, na maior parte dos casos, muitos pontos de vista diferentes: o
autor pode fazer falar várias vozes através do seu texto. (…)
Em França, Oswald Ducrot desenvolveu uma noção linguística da polifonia de que se serve para
a análise de toda uma série de fenómenos linguísticos. (…) Em paralelo, mas de forma
independente, os analistas da Literatura desenvolveram a noção de polifonia de Bakhtin (que
propõe uma noção nova de polifonia quando estuda, na obra de Dostoievski, as relações
recíprocas entre o autor e o herói), sendo que, nos últimos anos, assistimos a tentativas de
conciliação das duas abordagens de polifonia, para fazer dela um instrumento eficaz na Análise
do Discurso.
Em Linguística, a polifonia é estudada ao nível do enunciado. O facto de o enunciado conservar
marcas dos protagonistas da sua enunciação é um aspeto bem conhecido. Estas marcas são de
vários tipos: pronomes pessoais, adjetivos subjetivos, marcas de modalidade… Esta presença
dos participantes do discurso no discurso é um fenómeno profundamente integrado nas línguas
naturais. (…) A análise da inscrição do sujeito no discurso conduz-nos a verificar que outros
pontos de vista, para além dos do locutor, podem ser veiculados nos enunciados.
Vejam-se, por exemplo, os enunciados em que um determinado locutor convoca a “voz anónima
do mundo” ou a voz de outros enunciadores para deles se aproximar ou distanciar, consoante
os seus objetivos:
Foi mérito de Oswald Ducrot o ter sistematizado a observação de que um enunciado pode
veicular mais do que um ponto de vista, introduzindo a noção de polifonia nos estudos
linguísticos (1984). A originalidade do seu trabalho reside na cisão do sujeito falante ao nível do
enunciado (…) O. Ducrot introduz uma distinção entre o locutor e os enunciadores. O locutor é
o responsável pela enunciação. Ele deixa marcas de si no seu enunciado, como por exemplo os
pronomes de primeira pessoa. Mas o locutor pode colocar em cena, no seu enunciado,
enunciadores que apresentam diferentes pontos de vista, podendo ele associar-se a certos
enunciadores e dissociar-se de outros. É importante sublinhar que todos estes “seres
discursivos” são seres abstratos. A relação do locutor com o ser real não interessa a Ducrot. (…)
A negação sintática é o exemplo por excelência usado por O. Ducrot para ilustrar a polifonia.
Assim, num enunciado como.
Pdv2: “pdv1 é injustificado”, logo, isto fundamenta a enunciação de (1) Este muro não é branco.
Se o emissor se serviu da negação em (1), foi porque alguém pensa ou poderá pensar que o
muro é branco (pdv1), o que é contrário à opinião do locutor (pdv2). Note-se que, enquanto que
o pdv2 (contrário ao pdv1) é forçosamente o ponto de vista do locutor (o que podemos
confirmar pelo facto de este não poder, num discurso coerente, negar este ponto de vista), não
podemos deduzir, somente a partir do enunciado isolado, quem é o responsável do pdv1, mas
somos levados a inferir que esse ponto de vista, contrário ao do locutor, efetivamente existe,
sendo até o que inspira o enunciado: (1) Este muro não é branco.
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2
Posteriormente, Ducrot distingue dentro da. suposta “negação conflitual” dois subtipos de negação, a
negação polémica e a negação metalinguística, reservando a segunda para os enunciados negativos que
refutam metalinguisticamente outros enunciados efetivamente produzidos por um locutor e aplicando a
negação polémica aos casos em que um locutor se posiciona contra um ponto de vista contrário ao seu
enunciado, mesmo não tendo existido no cotexto um enunciado efetivo que ele esteja a refutar, mesmo que
se trate de um enunciador virtual, responsável por um dado ponto de vista, que o locutor convoca para dele
se afastar. Em qualquer um dos casos, quer se trate da negação de um enunciado efetivamente existente ou
de um ponto de vista virtualmente possível, mas não efetivo, a negação mantém a natureza de negação
conflitual e polifónica.
Exercícios de aplicação
Receita de herói
Embeba-se-lhe a carne
Lentamente
Agite-se um pendão
E toque-se um clarim
Serve-se morto.
2.1 Justifique a eventual presença da negação polifónica ou conflitual nos enunciados abaixo
transcritos;
2.2 Identifique elementos linguísticos (para além da negação) ou contextuais que, em cada um
dos enunciados, favoreçam a interpretação polifónica / polémica das negações.
A - Títulos publicitários:
(1) A SIDA não está no nosso sangue (Comissão Nacional de Luta contra a SIDA)
B - Manifestos Políticos (Eleições presidenciais portuguesas de 2011)
(1) Nos tempos que correm, o que está em causa não é apenas garantir a vida no presente. O
que está em causa é o futuro dos nossos filhos, o futuro dos nossos netos. (MCS, p 3)
(2) Daí que, ao contrário do que muitos pretendem fazer crer, o debate não deve situar-se na
questão Estado vs mercado. (MCS, p 8)
(3) A resposta à crise não é só económica, é e tem de ser política. (MMA)