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Análise do Discurso

Ciências da Linguagem

Discurso

Alexandra Pinto
Professora Associada da FLUP
Membro do Conselho Científico do CLUP
mapinto@letras.up.pt
DISCURSO

Falar de discurso em Linguística pressupõe:


- O discurso possui uma organização transfrástica. Cada discurso é uma unidade complexa que apenas se deixa
explicar por regras de organização textual e contextual, relativas ao tipo de discurso onde se integra e a outros
planos da situação de comunicação que o condiciona;
- O discurso é orientado: todo o discurso se orienta para uma finalidade, se desenvolve no tempo, é construído
para agir sobre o alocutário. Nesse sentido, ele é argumentativo;
- O discurso é uma forma de ação, ou seja, toda a enunciação constitui um ato que modifica a situação de
produção;
- O discurso é subjetivo: todo o discurso tem origem num enunciador e transporta, em maior ou menor grau,
marcas do seu enunciador;
- O discurso é interativo: a manifestação mais natural da interatividade do discurso é a conversação, onde os
interlocutores coordenam a comunicação em conjunto. No entanto, mesmo os discursos escritos e monologais são
constitutivamente interativos, na medida em que existe sempre um “diálogo”, explícito ou implícito com outros
locutores virtuais ou reais. Toda a enunciação pressupõe a presença de um Outro a quem o enunciador se dirige e
por referência a quem constrói o seu discurso. O alocutário está presente no discurso do locutor, na medida em
que este antecipa uma imagem daquele antes de construir o seu discurso.
DISCURSO

- O discurso é contextualizado, ou uma unidade contextual: não existe discurso senão em contexto. O
sentido do discurso é construído em contexto, não pré-existe. O discurso é influenciado pelo seu
contexto de produção, mas também contribui para o definir e pode, inclusivamente, modificá-lo no
decurso da enunciação;
- O discurso é regulado, é regido por normas: todo o discurso é regido por normas de natureza
linguística e de natureza social;
- Todo o discurso é dialógico: todo o discurso estabelece um diálogo real ou virtual com outros
discursos já produzidos e apenas ganha sentido pleno dentro desse universo de outros discursos face
aos quais ele se posiciona.
(Propriedades extraídas e adaptadas de Charaudeau & Maingueneau – Dicionário de Análise do Discurso.)
O DISCURSO É CONTEXTUAL

Eddy Roulet (1999:188) aponta para um conceito de discurso abrangente que incorpora as várias
possibilidades de atualização deste objeto e para a sua natureza autêntica e contextual: “Utilizo o termo
discurso de maneira genérica para designar todo o produto de uma interação predominantemente
linguística, seja dialógica ou monológica, oral ou escrita, espontânea ou fabricada, nas suas dimensões
linguística, textual e situacional. (tradução nossa).

Adam (2006: 24) defende que o sentido de um texto depende do co(n)texto: “J’écris “co(n)texte” pour
bien dire que l’interprétation d’énoncés isolés portent autant sur la (re)construction d’énoncés à gauche
et/ou à droite (co-texte) que sur l’opération de contextualisation qui consiste à imaginer une situation
d’énonciation qui rende possible l’énoncé considéré. Cette (re)construction d’un co(n)texte pertinente part
économiquement du plus directement accessible: le co-texte verbal et/ou le contexte situationnel de
l’interaction.” (Adam, 2006: 24)

Van Dijk (1985:1) defende o discurso como: “O (...) uso real da linguagem, por locutores reais em situações
reais.”
O DISCURSO É CONTEXTUAL

“Representariam essa teoria e esse modelo uma resposta à verificação empírica imediata de que as
produções verbais se apresentam não como frase, mas sim como “connected discourse”, como texto. Este,
e não a frase, constituiria verdadeiramente o «domínio natural» da teoria linguística e de um modelo
adequado à descrição-explicação dos produtos verbais, já que decididamente, o texto é o signo linguístico
«originário», isto é, não decorrente da teorização linguística, antes, espontânea e naturalmente
actualizado na interacção verbal.” (J. Fonseca, 1992: 29)

Saliente-se que, para Joaquim Fonseca, o texto/discurso constituem uma unidade, que o autor apresenta
como una e indivisível.
O DISCURSO É CONTEXTUAL

CONTEXTO
Enunciado (uma frase ou expressão dita num dado contexto)
Enunciação (as circunstâncias de produção de um enunciado. Conjunto de fatores extralinguísticos que
condicionam a enunciação)

A enunciação pode ser representada pelas suas principais coordenadas, as designadas coordenadas da
enunciação:
EU / TU / AQUI / AGORA
(“equação” que simplifica os fatores contextuais).
O DISCURSO É CONTEXTUAL

SIGNIFICADO (SIGNIFICADO POTENCIAL) vs SIGNIFICAÇÃO ou SENTIDO (SIGNIFICADO PRAGMÁTICO OU


CONTEXTUAL)

O significado das palavras no dicionário pode diferir da significação ou sentido que as palavras ganham em
enunciados autênticos
o significado é estável e convencionalizado;
a significação ou o sentido é instável, probabilística e negociável em contexto.

A significação ou sentido é um valor semântico-pragmático que depende do contexto da enunciação.


Dizer + Querer Dizer

Descodificar unidades linguísticas + Reconhecer intenções comunicativas.


O DISCURSO É SUBJETIVO
A subjetividade linguística

A inscrição do sujeito enunciador no seu enunciado é um tema que, desde sempre, tem desafiado a
Linguística.

Benveniste (1966) trouxe a subjetividade para o centro da reflexão linguística, chamando a atenção para a
forma mais básica de inscrição do sujeito falante na linguagem que é a apropriação da linguagem pelo
sujeito (Fonseca & Fonseca, 1977: 75, 76) em cada ato de enunciação.

Esta apropriação permite ao sujeito assumir-se como o centro de toda a referência linguística, o centro do
discurso.
O sujeito linguístico é este sujeito que se apropria da língua e a converte em discurso em cada ato de
enunciação.
O DISCURSO É SUBJETIVO

Para Émile Benveniste – ‘pai’ da Teoria da Enunciação – o discurso é: “la langue en tant qu’assumée par
l’homme qui parle, et dans la condition d’intersubjectivité qui seule rend possible la communication
linguistique.” (1966:266)

“(…) é um facto simultaneamente original e fundamental o de estas formas «pronominais» não remeterem para a «realidade» nem para
posições «objetivas» no espaço ou no tempo, mas para a enunciação, sempre única, que as contém, e refletirem, assim, a sua própria
utilização. Mediremos a importância da sua função pela natureza do problema que estas formas ajudam a resolver, e que não é outro senão o
da comunicação intersubjetiva. A linguagem resolveu este problema ao criar um conjunto de signos «vazios», não referenciais em relação à
«realidade», sempre disponíveis, e que se tornam «plenos» desde que um locutor os assuma em cada instância do seu discurso (…) O seu
papel é o de fornecerem o instrumento de uma conversão, a que podemos chamar a conversão da linguagem em discurso.(…)

A linguagem instituiu um signo um signo único, mas móvel, eu, que pode ser assumido por cada locutor com a condição de apenas remeter
para a instância do seu próprio discurso. Este signo está, pois, ligado ao exercício da linguagem e declara o locutor como locutor. É esta
propriedade que funda o discurso individual, onde cada locutor assume por sua conta toda a linguagem. O hábito torna-nos facilmente
insensíveis a esta diferença profunda entre a linguagem como sistema de signos e a linguagem assumida como exercício pelo indivíduo.”
(Benveniste, (1966) 1986: 258-266)

Benveniste, É. ((1966) 1986) “De la subjectivité dans le langage” in Problèmes de linguistique générale I, Paris, Gallimard, O Homem na linguagem (tradução
portuguesa Maria Alzira Seixo), Lisboa, Vega Editora.
O DISCURSO É SUBJETIVO

Porque todo o discurso tem origem num sujeito, todo o discurso é subjetivo.

Esta é a subjetividade constitutiva.

Esta subjetividade constitutiva deixou muitas “pegadas” nas línguas. Enquanto sistemas, as línguas estão
saturadas de elementos e formas diferentes de marcar a presença do sujeito enunciador no enunciado.

«La langue est un phénomène égocentrique, qui donne une place linguistique et fonctionnelle particulière
à la première personne (je), au lieu de l'énonciation (ici) et au moment de l'énonciation (maintenant) ».
(Jacques Moeschler, 1994, p. 42)

Estas marcas que remetem para o EU-AQUI-AGORA fazem parte da subjetividade linguística porque
envolvem diretamente a situação de enunciação e o enunciador. São os DEíTICOS.
O DISCURSO É SUBJETIVO

“Cette subjectivité est omniprésente : tous ses choix impliquent le locuteur – mais à des degrés divers.”
(Kerbrat-Orecchioni, 1980)

Descrição /explicação compreensiva difícil - complexidade do fenómeno.

Ligação Homem / linguagem é constitutiva.


“linguagem humana” diferencia-se de todos os outros processos de significação e comunicação
“línguas naturais” - comunidades humanas.
A linguagem está presente no Homem tal como o Homem está presente na linguagem,.

Marcas do Homem na língua e no discurso


O DISCURSO É INTERATIVO E DIALÓGICO

O discurso é constitutivamente dialógico e interativo.

“O diálogo - a troca de palavras - é a forma mais natural da linguagem. Mas, mais do que isso: as
declarações longas embora emanem de um único orador - por exemplo, o discurso de um orador,
a palestra de um professor, o monólogo de um ator, as reflexões de um homem só - são
monológicas apenas na sua forma exterior, mas na sua estrutura semântica e estilística são, de
facto, essencialmente dialógicas.” (Bakhtin, 1981: 292).

"(...) a orientação dialógica é, naturalmente, um fenómeno característico de todo o discurso (...). O


discurso encontra o discurso dos outros em todos os caminhos que conduzem ao seu objeto, e não
pode deixar de entrar em interação viva e intensa com ele. Só o mítico Adão, enfrentando, com o
primeiro discurso, um mundo virgem e ainda não dito, o Adão solitário, poderia realmente evitar
esta reorientação mútua em relação ao discurso dos outros, que ocorre no caminho de todo o
discurso para o seu objeto". (Bakhtin, 1981: 98).
O DISCURSO É INTERATIVO E DIALÓGICO

O discurso pode exibir marcas de:

Intertextualidade

Interdiscursividade

Polifonia
O DISCURSO É ORIENTADO E UMA FORMA DE AÇÃO

Todo o enunciado tem três dimensões:

Locutória
Ilocutória
Perlocutória

Todo o enunciado corresponde a uma ação. Os enunciados são atos, atos de fala (atos linguísticos ou atos
ilocutórios)

Existem diferentes tipos de atos ilocutórios:

Assertivos
Diretivos
Compromissivos
Expressivos
Declarativos
DISCURSO

Atividade

Ler o texto “O Fruto Proibido”

De que forma se manifestam no texto as propriedades, da contextualidade, da subjetividade, da


argumentatividade (orientação para um fim e forma de ação), da interatividade, do dialogismo e do
caráter regulado, que subjazem ao conceito de discurso?
O discurso é subjetivo: a subjetividade na linguagem

1. Subjetividade na linguagem – reflexão preliminar

2. Modalidade e modalização: centralidade do fenómeno vs dispersão conceptual

3. Modalidade: algumas propostas de conceptualização em Linguística

4. Modalização: algumas propostas de definição em Linguística

5. Relação dos conceitos de modalidade e modalização com outros conteúdos semântico-pragmáticos afins

5.1 Modalidade e subjetividade linguística

5.2 Modalidades e atos ilocutórios

5.3 Modalização e modificação ilocutória ou regulação da força ilocutória

5.4 Modalização; atenuação e intensificação

* Este documento constitui um conjunto de tópicos de aula. Não deve ser entendido nem usado com nenhum outro estatuto. A compilação de
conteúdos efetuada e a redação dada aos mesmos são propriedade intelectual da autora do guião,
1. Subjetividade na linguagem

Diversidade das manifestações nas línguas naturais, estende-se a todos os níveis linguísticos:
fonético, fonológico, morfológico, lexical, sintático, pragmático...)

Exemplos de intensificações:

Repetições
a. ¿Es usted partidaria de la minifalda?
b. De la minifalda, minifalda, minifalda, no

Alongamento das vogais


El examen fue laaargo; No estaba bueno, estaba bueníiisimo

Pronúncia silabeada
Es un PE-SA-DO

Onomatopeias
así que cuando salía // chilando y llorando // buáa/ y venga a llorar/ UNAS
LÁGRIMAS.

Vários
M: ya/ bueno bieen/ otros tiempos/ pero es que es demasiao/ demasiao demasiao/
¡caramba! oye (( )) los pies ¡brmm! ¡hombre! noo noo noo/ no está bien lo
que hacéis!/ ¿eh? Exemplos extraídos de Marta Albelda, La intensificación en el español coloquial, p 72.
2. Modo, modalidade e modalização: centralidade do fenómeno no discurso vs dispersão
conceptual

Modalidade / modalização: uma das mais complexas categorias de análise em Linguística; apresenta uma
grande indefinição conceptual e terminológica.

Para traçar a sua história temos de remontar à doutrina lógico-filosófica de Aristóteles sobre o quadrado
da oposição modal (afirmação universal, negação universal, afirmação existencial, negação existencial) e
sobre as modalidades aléticas (ontológicas: necessário, possível, contingente, impossível) em Organon.

Desde então, esta questão tem sido objeto de análise por várias disciplinas científicas (Filosofia, Lógica,
Semiótica, Linguística), tendo sido propostos vários sistemas de formalização dos conceitos.
Dentro da Linguística, já foi trabalhada a partir de diversas perspetivas, desde a lógica, a semântica, a
sintaxe, a pragmática, a teoria da enunciação, sendo um conceito entendido de modo diferente por
diferentes autores e resultando em propostas de sistematização diferentes consoante o ângulo da
abordagem.
2. Modo, modalidade e modalização: centralidade do fenómeno no discurso vs dispersão conceptual

Centralidade do fenómeno no funcionamento das línguas, corresponde a uma grande dispersão


conceptual e terminológica.

« Le domaine modal est sans doute celui qui dans les sciences du langage est le plus difficile à cerner, tout
en étant un domaine fondamental de l’étude des langues. » (Carreira, 1997: 197)

« Parler de modalités, sans plus de précision, c'est s'exposer à de graves malentendus. Le terme est, en
effet, saturé d'interprétations qui ressortissent explicitement ou non, selon les linguistes qui l'utilisent, de
la logique, de la sémantique, de la psychologie, de la syntaxe, de la pragmatique ou de la théorie de
l’énonciation. De ce fait, il renvoie à des réalités linguistiques très diverses (…). » (Meunier, 1974: 8)

« Un état des lieux des travaux sur la modalité […] m’ont permis de constater le peu de consensus existant
autour de la notion. Les critères proposés pour définir la modalité en linguistique sont divers et variés:
critères morphosyntaxiques […] sémantiques […] pragmatiques…» (Vittrant, 2012 :116)
3. Modalidade: algumas propostas de conceptualização em Linguística

Charles Bally (1944: 36), salienta a importância da distinção entre modus e dictum, entendendo o dictum
(o que é dito) como o conteúdo representado ou o conteúdo proposicional e o modus, ou seja, a
modalidade ou o operador modal, como a posição do locutor face ao dito, ao conteúdo expresso.
Um enunciado como,

(1) Eu creio que choveu.

pode ser representado como: Eu creio que P, sendo possível distinguir o dictum ou conteúdo proposicional
(choveu) do modus, (eu creio (que)).

Mas… na maior parte das frases modus e dictum convergem no mesmo material linguístico,
impossibilitando este tipo de análise.
3. Modalidade: algumas propostas de conceptualização em Linguística

André Meunier (1974): oposição entre uma modalidade da enunciação e uma modalidade do enunciado;

Halliday (1985): modalidade como “o julgamento do falante sobre as probabilidades ou obrigatoriedades


envolvidas no que diz” e propondo uma distinção entre ‘modalidade’, ‘modulação’ e ‘modalização’.

Fairclough (2003): distinção entre três tipos de modalidade: modalidade epistémica, deôntica e
categórica e ainda entre modalidade objetiva e subjetiva. A modalidade é uma parte da construção da
identidade: “o quanto você se compromete é uma parte significativa do que você é, assim as escolhas de
modalidade em textos podem ser vistas como parte do processo de textualização de auto-identidades”
(Fairclough, 2003:166).
3. Modalidade: algumas propostas de conceptualização em Linguística

Lyons (1970: 236): 3 escalas de modalidade – desejo e intenção; necessidade e obrigação; certeza e
possibilidade:

“Nous constatons que l’attitude du locuteur peut se marquer grammaticalemente de façons très diverses
dans les différentes langues. On peut établir au moins très échelles de modalité. La première est celle du
souhait et de l’intention. C’est ce qu’illustre l’épitaphe Requiescat in pace (puisse-t-il reposer em paix) : il y
a opposition qui se distingue du subjonctif requiescat et l’indicatif requiescit. (...) La seconde échelle est
celle de la necessité et de l’obligation : Je dois aller à Londres la semaine prochaine, etc. La troisième est
celle de la certitude et de la possibilité : Il peut pleuvoir demain, Il doit être ici etc.”

Para nomear apenas algumas propostas. Muito fica sempre por dizer quando o tema é modalidade...
3. Modalidade: algumas propostas de conceptualização em Linguística

Oliveira (1993; 2013): modalidade é a gramaticalização de atitudes e opiniões dos falantes, correspondendo
a um fenómeno de grande amplitude.

Proposta de 1993 (1993: 248): quatro tipos de modalidades


modalidade interna ao participante (marcada por poder, ser capaz, precisar, necessitar), modalidade
externa ao participante (marcada por poder, dever e ter de), modalidade deôntica (marcada também
por poder, dever e ter de) e modalidade epistémica (poder, dever, ter de, ser capaz de), assim definidas:
«No primeiro caso lidamos com capacidade e necessidade (interna ao participante). No segundo caso
estamos a lidar com circunstâncias que são externas ao participante envolvido numa situação, mas que a
tornam possível ou necessária. A modalidade deôntica diz respeito às circunstâncias externas (pessoais,
regras sociais ou normas...) que permitem ou obrigam o participante a envolver-se na situação. Por último, a
modalidade epistémica está relacionada com o domínio da incerteza, da probabilidade [...].»
3. Modalidade: algumas propostas de conceptualização em Linguística

Oliveira e Mendes (2013: 623-630): cinco domínios semânticos fundamentais da modalidade.


“cinco domínios semânticos fundamentais: o domínio epistémico; o domínio interno ao participante; o
domínio deôntico; o domínio externo aos participantes; e ainda o domínio desiderativo, associado ao
desejo e à volição”

A modalidade epistémica prende-se com o grau de certeza ou avaliação de probabilidade acerca do


conteúdo proposicional da frase. A modalidade deôntica tem que ver com atos de permissão e de
imposição de uma obrigação envolvendo participantes na situação descrita pela frase. O domínio interno
ao participante prende-se com a capacidade ou a necessidade interna, psicológica ou física do sujeito e no
domínio externo ao participante, as possibilidades ou necessidades do enunciador são estabelecidas por
fatores que não dependem do mesmo, logo, não são controláveis por ele. Por último, a modalidade
desiderativa relacionada com a expressão da volição ou do desejo.
3. Modalidade: algumas propostas de conceptualização em Linguística

Campos e Xavier (1991); Campos (1998) e Campos (2004): tipologia tripartida de modalidade:

modalidade apreciativa, modalidade epistémica e modalidade intersujeitos ou intersubjetiva.

Definição dos três tipos de modalidades em Campos e Xavier


https://area.dge.mec.pt/gramatica/umfimtriste/valoresmodais10.html#topo
A modalidade epistémica está relacionada com o grau de conhecimento e de crença que o enunciador tem
relativamente ao que enuncia. Segundo este conhecimento ou crença, o enunciador marca o enunciado com
diferentes graus de certeza ou de dúvida.
Através dos recursos linguísticos assinalados em (1) e (2):
(1) O João gosta, de certeza, de arroz-doce.
(2) O João talvez goste de arroz-doce.
o enunciador posiciona-se num determinado ponto da escala epistémica (+ certo; – certo) marcando o seu
grau de conhecimento ou crença no que enuncia. Escolhendo um ponto elevado dessa escala (+ certo), o
enunciador apresenta o conteúdo do seu enunciado como verdadeiro, produzindo uma asserção categórica
(1). Escolhendo um ponto baixo dessa escala (- certo), o enunciador apresenta o conteúdo do seu enunciado
como duvidoso, produzindo uma asserção mitigada (2). Em qualquer dos casos, exprime uma relação/avaliação
epistémica, que compromete + ou - o enunciador relativamente ao que diz e que interpela + ou - o
interlocutor/enunciatário a aceitar o conteúdo expresso.
A modalidade deôntica (‘modalidade intersubjetiva’ ou intersujeitos, de acordo com Campos) permite ao
sujeito enunciador agir por meio do seu enunciado sobre outros sujeitos presentes no enunciado ou no
contexto da enunciação, através da expressão de permissões, proibições, obrigações, necessidades,
imposições. Frequentemente, não é ao interlocutor/enunciatário que o enunciador dirige a ordem, obrigação
ou proibição (3), mas sim a outros sujeitos expressos no enunciado (4), (5), (6):
(3) Tu deves entregar o trabalho amanhã.
(4) Ele tem de entregar o trabalho até amanhã.
(5) Eu tenho de estudar.
(6) Precisamos de mudar o mundo.

A propósito da modalidade deôntica, Campos diz que esta é instauradora de uma obrigação e logo de uma relação
intersujeitos entre um sujeito deôntico “Sd”, fonte da obrigação, e um segundo sujeito que é o alvo da obrigação (Campos,
1998). Em 2004, a autora convoca Bally para expressar que a modalidade deôntica é a que corresponde ao desejo de que um
determinado estado de coisas seja ou não seja. (Campos, 2004: 271).
A modalidade apreciativa permite a expressão de um juízo de valor ou de uma apreciação sobre um dado
conteúdo proposicional. O juízo de valor pode ser positivo (7) ou negativo (8):

(7) Felizmente, o João gosta da sua casa nova.


(8) Infelizmente, o João não gosta da sua casa nova.

Qualquer uma destas modalidades se expressa em discurso através de recursos linguísticos muito
diversificados.
4. Modalização: algumas propostas de definição em Linguística

Para Charaudeau e Maingueneau (2002: 382-383), a modalização indica « l'attitude du sujet parlant à
l'égard de son interlocuteur, de lui-même et de son propre énoncé »

Para Corbari (2008) a modalização é a estratégia à qual o enunciador recorre para demarcar a sua posição
em relação à mensagem que exprime ou para estabelecer uma interlocução mais ativa com o leitor, no
sentido de o tentar convencer da validade da opinião expressa. (Corbari, 2008).

Catherine Kerbrat-Orecchioni (1980) destaca o conceito de modalização como a expressão do grau de


adesão/marcação do falante no enunciado.

De acordo com Oliveira & Mendes (2013), pode falar-se em modalização “quando ocorre uma
reinterpretação da força modal de um enunciado de mais forte para menos forte no âmbito do mesmo
domínio modal”. Contudo, segundo as mesmas autoras, uma forma mais lata abarca também o
movimento inverso de “reinterpretação da força modal de um enunciado de menos forte para mais forte
no âmbito do mesmo domínio modal.” (Oliveira & Mendes, 2013).
4. Modalização: algumas propostas de definição em Linguística

Mecanismos linguísticos de modalização:

A modalização afeta o enunciado como um todo, podendo incidir sobre qualquer termo do mesmo. Ela
pode ser expressa por um verbo, um adjetivo, um tempo verbal, um advérbio, etc. (Culioli, 1971: 26). A
modalização linguística pode apresentar-se ora por meio de elementos linguísticos externos ora por meio
de elementos linguísticos integrados no dito.

Na proposta de Oliveira & Mendes (2013), o valor modal pode ser expresso através de variadíssimos
mecanismos linguísticos, como tempos e modos verbais, advérbios, adjetivos, partículas discursivas com
diferentes valores modais e até sinais de pontuação. Alguns dos mecanismos com função modalizadora
são: verbos semiauxiliares modais como poder, dever, ter (de), haver (de); verbos que veiculam valores
modais como saber, crer, permitir, obrigar; advérbios e locuções adverbiais que veiculam valores modais
de crença; os modos indicativo e o conjuntivo, cuja alternância induz leituras diferentes em diferentes
construções e alguns tempos gramaticais capazes de criar situações alternativas associadas ao domínio da
possibilidade, como é o caso do imperfeito e do futuro, entre muitos outros mecanismos.

Assim, palavras, expressões e construções com estruturas sintáticas diversas podem receber funções
modalizadoras (possivelmente, é possível que x, há possibilidade de x), bem como elementos tais como a
pontuação, a entoação ou até outro tipo de sinais gráficos (aspas, itálicos, sublinhados, negritos,
maiúsculas).
5. Relação dos conceitos de modalidade e modalização com outros conteúdos semântico-
pragmáticos afins

5.1 Modalidade e subjetividade linguística

A noção de que o sujeito deixa as suas marcas no discurso está, também, presente nos trabalhos de Kerbrat-
Orecchioni (1980).

Esta autora distingue o discurso objetivo do discurso subjetivo, observando que o primeiro é aquele “que se
esforça para apagar qualquer traço da existência de um enunciador individual”, sendo o segundo o discurso
“no qual o enunciador se impõe explicitamente («eu acho isso feio») ou surge implicitamente («isso é feio»)
como a fonte avaliativa da asserção”.
5. Relação dos conceitos de modalidade e modalização com outros conteúdos semântico-
pragmáticos afins

5.1 Modalidade e subjetividade linguística

A autora introduz o conceito de subjectivèmes, conjunto de categorias linguístico-discursivas que, oriundas de classes
gramaticais distintas e com estatutos linguísticos diversos, servem de veículo para a marcação do sujeito no enunciado:

“toute séquence discursive porte la marque de son énonciateur, mais selon des modes et des degrés divers.” (idem: 162)

“lorsqu’un sujet d’énonciation se trouve confronté au problème de la verbalisation d’un objet référentiel, réel ou imaginaire,
et que pour ce faire il doit sélectionner certaines unités dans le stock lexical et syntaxique que lui propose le code, il a en gros
le choix entre deux types de formulations :
• le discours « objectif », qui s’efforce de gommer toute trace de l’existence d’un énonciateur individuel ;
• le discours « subjectif », dans lequel l’énonciateur s’avoue explicitement (« je trouve ça moche ») ou se pose implicitement
(« c’est moche ») comme la source évaluative de l’assertion. (idem: 69)
5. Relação dos conceitos de modalidade e modalização com outros conteúdos semântico-pragmáticos afins

5.1 Modalidade e subjetividade linguística

A autora chama a atenção para o facto de que a subjetividade linguística é constitutiva: ela está sempre
presente em todos os discursos;
A sua marcação não é uma questão de presença vs ausência, mas, sim, uma questão de grau;
A expressão da subjetividade permite diferenciar tipos de discurso e géneros de texto:

“Le principe que nous avons précédemment énoncé : la subjectivité langagière est partout, mais diversement
modulée selon les énoncés, vaut pour les ensembles textuels aussi bien que pour les unités textuelles : il n’est
pas de « genre » qui échappe à l’emprise de la subjectivité, ni le discours des historiens, ni celui des
géographes, ni celui des lexicographes, ni celui des juristes , ni même celui des mathématiciens . Mais ce ne
sont pas les mêmes « subjectivèmes » qu’ils exploitent les uns et les autres.
Utiliser les critères énonciatifs (entre autres critères) pour fonder une typologie des textes, c’est donc chercher
les types de marques énonciatives qui sont tolérées/refusées par chaque type de discours, et caractériser
chaque genre par une combinaison inédite d’énonciatèmes.” (idem: 173)
5. Relação dos conceitos de modalidade e modalização com outros conteúdos semântico-pragmáticos afins

5.1 Modalidade e subjetividade linguística

Para operacionalizar a análise da subjetividade, a autora distingue nas classes dos adjetivos, dos substantivos e
dos advérbios, diferentes categorias. Na classe dos adjetivos distingue as seguintes classes:

Graças às categorizações que formulou, constrói um quadro teórico aplicável à análise do fenómeno da subjetividade no
discurso.
5. Relação dos conceitos de modalidade e modalização com outros conteúdos semântico-pragmáticos afins

5.1 Modalidade e subjetividade linguística


5. Relação dos conceitos de modalidade e modalização com outros conteúdos semântico-pragmáticos afins

5.1 Modalidade e subjetividade linguística

Adjetivos afetivos: enunciam uma reação emocional do locutor face ao objeto que eles modificam.

“Minha querida amiga”; “um cãozinho fofinho”


5. Relação dos conceitos de modalidade e modalização com outros conteúdos semântico-pragmáticos afins

5.1 Modalidade e subjetividade linguística

Adjetivos avaliativos não axiológicos: Não fazem intervir juízos de valor, nem envolvimento afetivo do locutor,
mas implicam uma «”évaluation qualitative ou quantitative de l’objet dénoté par le substantif qu’ils
déterminent» (Kerbrat-Orecchioni, 1980, pp. 85-86)

“cette classe comprend tous les adjectifs qui, sans énoncer de jugement de valeur, ni d’engagement affectif du
locuteur (du moins au regard de leur stricte définition lexicale : en contexte, ils peuvent bien entendu se colorer
affectivement ou axiologiquement), impliquent une évaluation qualitative ou quantitative de l’objet dénoté par
le substantif qu’ils déterminent.” (ibidem)
(os adjetivos não são intrinsecamente axiológicos, embora possam ganhar sentidos axiológicos)
Ex: Esta casa é grande

Tipicamente graduáveis (adjetivos de temperatura, de distância, de altura, de grandeza...)


5. Relação dos conceitos de modalidade e modalização com outros conteúdos semântico-pragmáticos afins

5.1 Modalidade e subjetividade linguística

Adjetivos avaliativos não axiológicos:

“Portugal é um país pequeno.” “A China é um país grande.”

Mas, confrontar o seguinte slogan publicitário: “Um pequeno grande carro.” ou o enunciado: “Ele foi um
grande homem.”

« le petit cadavre », « la pauvre victime » (ibidem)

Ex: alimentar, humano, animal


5. Relação dos conceitos de modalidade e modalização com outros conteúdos semântico-pragmáticos afins

5.1 Modalidade e subjetividade linguística

Adjetivos avaliativos axiológicos: «portent sur l’objet dénoté par le substantif qu’ils déterminent un jugement de
valeur, positif ou négatif »

“Um político corrupto”; “um professor incompetente”; “um bom funcionário”

(os adjetivos são intrinsecamente axiológicos pois transportam uma polaridade semântica negativa ou positiva)

« les axiologiques sont dans leur ensemble plus fortement marqués subjectivement »

Por exemplo: ”admirável”, “desprezível”: simultaneamente afetivos e axiológicos


5. Relação dos conceitos de modalidade e modalização com outros conteúdos semântico-pragmáticos afins

5.1 Modalidade e subjetividade linguística

É possível “medir” a taxa de subjetividade de um texto?

“(...) le but ultime (et dans une certaine mesure utopique) de cet inventaire des unités énonciatives étant,
après les avoir affectées d’un indice de subjectivité, d’ élaborer une méthode de calcul du taux de subjectivité
que comporte un énoncé donné, ce qui permettrait de trancher tous ces débats confus sur l’objectivité de tel
ou tel article ou organe de presse.” (Kerbrat-Orecchioni, 1980,p x)
5. Relação dos conceitos de modalidade e modalização com outros conteúdos semântico-
pragmáticos afins

5.2 Modalidades e atos ilocutórios:

A Teoria dos atos ilocutórios proporcionou uma outra forma de perspetivar a expressão linguística da
modalidade.
Searle (1969) define cinco categorias básicas de atos ilocutórios: assertivos, diretivos, comissivos, expressivos
e declarativos. É possível estabelecer uma aproximação entre a chamada modalidade deôntica e os atos
comissivos e diretivos; entre a modalidade epistémica e os atos assertivos e entre a modalidade apreciativa e
os atos expressivos.

Exemplificando através dos atos assertivos, para Searle, as asserções são atos ilocutórios que comprometem o
enunciador com a verdade da proposição. A condição de sinceridade dos atos assertivos, definida por Searle
como uma das condições de felicidade deste tipo de atos, depende da crença do enunciador no que enuncia,
relacionando-se, por isso, com o seu grau de certeza no dito.
5. Relação dos conceitos de modalidade e modalização com outros conteúdos semântico-
pragmáticos afins

5.2 Modalidades e atos ilocutórios:

“A título de exemplo, a modalização epistémica de um enunciado permite a produção de asserções não


estritas ou não categóricas: na escala dos valores assertivos, o quase-certo (ou provável) e o incerto (possível),
paradigmaticamente expressos pelos verbos modais dever e poder, correspondem a graus diferentes de
responsabilização do locutor pela verdade do que diz, ou, noutros termos, a diferentes graus de validação da
predicação expressa.(...) também a modalização deôntica se articula com os atos de fala, na medida em que,
ao asserir como obrigatória ou permitida uma determinada forma de conduta, o locutor pretende levar o
interlocutor a agir de uma determinada forma, o que corresponde ao objetivo ilocutório de um ato diretivo.
(Lopes, 2011: 227)

Relação atos expressivos e modalidade apreciativa:


“certos enunciados (...) marcam a construção de um juízo de valor, de uma apreciação, sobre uma relação
predicativa já constituída e validada (ou validável). Trata-se de um valor modal apreciativo (ou modalidade
apreciativa).” (Campos & Xavier, 1991: 361-379)

Baseando-se em Norrick, Lopes (2018) distingue dois tipos de atos expressivos: atos expressivos fortemente
institucionalizados, determinados por convenções sociais, e que envolvem, na sua realização, fórmulas
ritualizadas estereotipadas e atos expressivos que traduzem genuinamente emoções, sentimentos e
avaliações subjetivas do falante.
5. Relação dos conceitos de modalidade e modalização com outros conteúdos semântico-
pragmáticos afins

5.3 Modalização e Modificação ilocutória ou regulação da força ilocutória

“Tem o sujeito falante uma noção intuitiva de ênfase, que genericamente associa ou amplamente
faz convergir com a de «expressividade» no uso da língua. Dizer de um dado Enunciado que ele é
enfático significa, na verdade, em termos correntes, reconhecer que nele se tornam perceptíveis ou
notórios valores expressivos ou expressivo-apelativos que o afectam quer globalmente quer em
algum ou alguns dos seus elementos constituintes.
Uma tal apresentação da ênfase é, sem dúvida, demasiado genérica. Nela caberá todo o domínio
da chamada «linguagem afectiva», do mesmo modo que o vasto campo da metáfora e das outras
figuras 'de retórica' ou 'de estilo', ou (numa formulação mais englobante) todos os fenómenos de
«desvio» a padrões ou normas tidos como de uso «banal» da língua. Em boa verdade, porém, tal
apresentação genérica está em sintonia com a intuição do falante, que em todos os domínios
acabados de referir reconhece a presença de traços de «expressividade» que de algum modo
sublinham, dão saliência ou relevo a um Enunciado ou a algum dos seus termos. Manifestam-se
esses traços em variadíssimos aspectos da configuração dos produtos verbais, como sejam, entre
tantos outros, selecção do léxico e de esquemas sintagmáticos, combinações «anómalas» de
elementos lexicais, usos particulares de determinadas categorias gramaticais, exploração da matéria
fónica (por reforço articulatório, matizações de prosódia).” (Fonseca, 1985: 214)
5. Relação dos conceitos de modalidade e modalização com outros conteúdos semântico-
pragmáticos afins

5.3 Modalização e Modificação ilocutória ou regulação da força ilocutória

Soares (1996) efetua uma síntese sobre os estudos em Pragmática que se debruçaram sobre este tópico.

“a escolha de uma realização linguística particular do acto ilocutório (mitigada ou reforçada) é co--
determinada, entre outros factores, por duas condicionantes situacionais específicas, envolvidas na comunicação
interpessoal: (a) factores sociais que incluem parâmetros atinentes à relação entre os participantes ((1) poder
social e (2) distância social); e (b) contexto situacional.” (idem: 168)

Se tomarmos em consideração os enunciados (9), (10) e (11)

(9) Por acaso parece que acertaste

(10) Se calhar é fome

(11) Isto é verdade, verdadinha

Exemplos adaptados de Soares (1996).


5. Relação dos conceitos de modalidade e modalização com outros conteúdos semântico-
pragmáticos afins

5.3 Modalização e Modificação ilocutória ou regulação da força ilocutória

Encontramos diferentes mecanismos linguísticos a operar na modificação ilocutória de atenuação (9) e (10) e de reforço (11)
de atos assertivos.

“Nesse processo de tomada de decisão quanto à selecção de estratégias capazes de comunicar o objectivo pretendido, é
facultada ao locutor a possibilidade de optar por uma acção discursiva com força ilocutória neutra, reforçada ou atenuada.
(...) Este esquema representa os graus de força ilocutória afectos a cada acto de discurso, graus esses representados num
"continuum" - escala de valores - que se desenvolve a partir de um pólo negativo - situado na zona da modalidade de
"atenuação" - até um pólo positivo - localizado na zona da modalidade do reforço -, e passando por diversas soluções
intermédias que convergem para uma zona neutra.” (idem: 168 – 169)

“os marcadores (linguísticos e não linguísticos) responsáveis por estas modulações de intensidade acrescentam ao valor
lógico-semântico do enunciado a que se agregam informações pragmático-contextuais concernentes a mudanças não só no
estado de conhecimentos e no domínio de motivações do locutor, mas também no estado de obrigações dos intervenientes e
na qualidade da sua relação.” (ibidem)
5. Relação dos conceitos de modalidade e modalização com outros conteúdos semântico-
pragmáticos afins

5.4 Modalização; atenuação e intensificação

A atenuação é definida por Briz & Albelda (2013: 192), como “uma atividade argumentativa (retórica)
estratégica de minimização da força ilocutória e do papel dos participantes na enunciação para tentar chegar
com êxito à meta prevista”.
Albelda (2004) estuda as formas através das quais a intensificação se codifica linguisticamente, as funções
comunicativas que cumpre, assim como as funções sociais. A intensificação é uma categoria pragmática a
propósito da qual a autora diz o seguinte:

“las categorías pragmáticas se caracterizan por desempeñar funciones estratégicas en la comunicación. En el


apartado 6.3. se desarrolló la noción de estrategia comunicativa, que consideramos que se dirige a conseguir la
eficiencia comunicativa. La intensificación cumple este cometido, del que hemos podido concretar algunos
subefectos (§ 6.3.1.): hacer más creíble lo dicho, imponer la figura o las ideas del yo hablante y buscar el
acuerdo en el oyente.” (idem: 395)
5. Relação dos conceitos de modalidade e modalização com outros conteúdos semântico-
pragmáticos afins:

5.4 Modalização; atenuação e intensificação

Por ser uma categoria pragmática, apenas uma perspetiva funcional sobre o fenómeno pode ser compreensiva:

“lo que singulariza a la intensificación es su función y no sus formas. Es legítimo, por tanto, aplicar el mismo
concepto, intensificación, a lo que podrían considerarse dos fenómenos diferentes. (idem: 396)

Briz e Albelda propõem uma tipologia de recursos de atenuação (2013): 22 mecanismos linguísticos e não
linguísticos, que incluem entre outros:

Diminutivos, quantificadores minimizadores, usos modalizados de tempos verbais, construções concessivas,


construções com verbos de dúvida ou opinião, etc...
Subjetividade na linguagem

Muito recentemente, cresceu o interesse da Linguística Computacional e do Processamento de


Linguagem Natural (PLN) pela construção da subjetividade no discurso, o que resultou no
desenvolvimento de modelos para a análise automática desta construção. Esses modelos têm
se mostrado particularmente relevantes no tratamento de grandes volumes de dados como os
gerados na web, possibilitando a deteção automática de subjetividade em textos, com a
posterior extração, classificação e sumarização dessas informações.
Fontes bibliográficas

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Exercícios de Aplicação

Num estudo sobre mitigaçã o conversacional, Fraser diz que esta produz o efeito de "reducing the
harshness or hostility of the force of one's actions (...).”, protegendo os interactantes das consequências do
ato de discurso. (Fraser, 1980:342).

1. A propó sito dos enunciados abaixo, explique o efeito dos atos linguísticos indiretos
(derivaçã o ilocutó ria) na reduçã o da força ilocutó ria dos atos de discurso:

(a) "Take out the garbage. "


(a1) "The garbage needs to be taken out. "
(a2) "Will you take out the garbage?" (Lakoff, 1980:38)

(b) "These claims are correct. "


(b1) "Aren't these claims correct?"
Exercícios de Aplicação

Fraser distingue dois tipos de mitigaçã o, "self-serving" e "altruistic" (1980: 344). Estas modalidades
diferem uma da outra pelo facto de incidirem sobre os efeitos negativos que afetam diretamente ou o
falante ou o ouvinte, respetivamente.

2. Identifique se o enunciado abaixo representa uma forma de mitigaçã o tendencialmente "self-serving" ou


"altruistic" e justifique.

(a) "It is my duty as Project Director to perform the most unwelcome task of telling you that... " (ibidem:
244)
Exercícios de Aplicação

Segundo Fraser, um dos tipos de mitigadores sã o os “disclaimers” (operadores de desresponsabilização


enunciativa) que podem ser: "sentence-initial disclaimers", ”verbos parentéticos” e as ‘perguntas "tag’”.

3. Explique o efeito discursivo das expressõ es abaixo apontadas por Fraser como “sentence initial
disclaimers”:

"If I'm not wrong... "


"Unless I misunderstood you,..."
"Unless I heard it incorrectly,..."
"If you haven’t lost me,” (Fraser, 1980: 374)
Exercícios de Aplicação

4. Explique o efeito discursivo das expressõ es abaixo apontadas por Fraser como “sentence initial
disclaimers”:

"If I'm not wrong... "


"Unless I misunderstood you,..."
"Unless I heard it incorrectly,..."
"If you haven’t lost me,” (Fraser, 1980: 374)

5. Demonstre, a partir dos enunciados abaixo, que estes “sentence initial disclaimers” podem mitigar
tipos de atos ilocutó rios diferentes:

"Unless I'm mistaken about the situation,


the plane is total loss.
you may not ever go there again.
it is time to come in.
you clearly are at default." (ibidem, 348)
Exercícios de Aplicação

6. Explique como as expressões "If you wouldn’t mind..", "If it's not too much trouble..", "If you are sure that
it's O.K. ...", "If it's not an inconvenience,... ", funcionam como "sentence-initial disclaimers”.

7. Identifique, a partir dos exemplos abaixo, sobre que atos ilocutó rios os disclaimers exemplificados em
(6) tendem a exercer o seu efeito:

"If you wouldn 't mind,


sit down.
You can take it out now.
Please leave at once.
Do it for me.
Could you spare a dime? ” (ibidem)
Exercícios de Aplicação

8. Explique o efeito na reduçã o da força ilocutó ria dos atos de discurso produzido pelos verbos
parentéticos (na terminologia de Fraser, 1980), “hedges” frá sicos (na terminologia de Lakoff, 1980),
verbos modalizadores epistémicos (na terminologia de Holmes, 1984 e 1993), "- ('minus') Committer’’’
(na terminologia de House & Kasper, 1981:166) ou ainda verbos performativos que expressam valores
modais epistémicos e evidencialidade (na terminologia de Briz e Albelda, 2013: 304):

(a) It’s snowing.


(a1) "It must be snowing. "
(a2) "I guess”, “I think", "I suppose", "I expect" it's snowing. " (Lakoff, 1985: 39)

9. Indique se os advérbios de modo como "presumably", "admittedly", "certainly", "probably",


"possibly" (Fraser, 1980:348), exercem a mesma funçã o ilocutó ria que os verbos parentéticos
exemplificados em (8).
Exercícios de Aplicação

10. A propó sito dos enunciados abaixo, explique o efeito das perguntas-tag na reduçã o da força ilocutó ria
dos atos de discurso:

(a) "It's snowing,”.


(a1) "It's snowing, isn't it?" (Lakoff, 1985: 39)

(a) "You were there."


(b1) "You were there, weren't you?"

(c) 'I am right"


(c1) "I am right, arent 't I? "(ibidem:349).
Exercícios de Aplicação

House e Kasper (1981:166) distinguem dois tipos de "modality markers": os "downgraders" e os


"upgraders" com funçõ es atenuadoras e intensificadoras, respetivamente.
Através dos "downgraders", o enunciador (1) impõ e a sua vontade com menos força em benefício do Tu,
(2) evita a especificaçã o do conteú do proposicional, reduzindo a natureza ameaçadora desse conteú do
para o Tu, e, por ú ltimo, (3) deixa ao Tu opçõ es de reaçã o em aberto,...

Através dos "upgraders", o enunciador aumenta a força ilocutó ria do ato. (Com isto pode diminuir, em
certos casos, os fatores [escolha] e [benefício], em prejuízo do Tu.)
Exercícios de Aplicação

11. Descreva o efeito dos seguintes "downgraders” na reduçã o da força ilocutó ria:

11.1 “Hedges”:
Expressõ es como: "kind of”, "sort of, "somehow", "and so on", "more or less", "rather",... (ibidem: 167)

11. 2 "Downtoners"
Modificadores de frases como, "just", "simply", "possibly", "perhaps" , “rather”... (ibidem:161)

11. 3 "Agent Avoiders "


Disposivos sintá ticos por meio dos quais o locutor evita uma referência direta a si pró prio e ao outro
interveniente enquanto agentes responsáveis pela realizaçã o de um determinado ato. É o caso da voz
passiva e de contruçõ es impessoais contendo "people", "they", "one" e "you" (ibidem:168) como agentes
neutros.
Exercícios de Aplicação

Holmes contribui para distinguir entre objetivo e força ilocutória: "The terms 'illocutionary force’ and
'illocutionary point' are sometimes used interchangeably to describe the function or purpose of a speech
act. I have consistently used only 'illocutionary point' in this sense. The term 'illocutionary force' is used in
this paper to refer to the strength with which the illocutionary point is presented (cfr., Searle 1976:5)."
(Holmes, 1984: 345)

Holmes (1984) defende que, através do uso de marcadores de reforço e de atenuação, o sujeito enunciador
comunica (1) um significado modal (i.e., uma atitude epistémica, expressa de acordo com uma escala gradativa,
em relação à validade do conteúdo proposicional assertado) ou (2) um significado afetivo (i.e., a sua atitude
(emotiva) para com o Tu. O significado modal e o significado
Exercícios de Aplicação

Holmes (1984 e 1993) defende que, através do uso de marcadores de reforço e de atenuaçã o, o sujeito
enunciador comunica (1) um significado modal (i.e., uma atitude epistémica, expressa de acordo com uma
escala gradativa, em relaçã o à validade do conteú do proposicional assertado) ou (2) um significado afetivo
(i.e., a sua atitude (afetiva) para com o Tu.

Assim, os marcadores de reforço e de atenuaçã o podem funcionar como "content-oriented (...) qualifying
the precision of an element of the proposition to which it relates" (Holmes, 1993:102) (atitude modal) ou
"addressee-oriented' (ibidem) (atitude afetiva), orientados para a relaçã o entre os interlocutores.
Exercícios de Aplicação

Identifique se os enunciados abaixo sã o marcados por atenuadores content-oriented ou addressee-


oriented:

(a) "I'm not at all sure Mary's coming. "


(b) " A. Is Jeremy likely to stand then?
B. Certainly he is – there’ll be no stopping him." (Holmes, 1984:348)),
Exercícios de Aplicação

12. Identifique o tipo de ato ilocutó rio modificado nos enunciados abaixo.
13. Identifique a modificaçã o ilocutó ria operada em cada um dos enunciados
(intensificaçã o/reforço /elevaçã o ou mitigaçã o/atenuaçã o /reduçã o da força
ilocutó ria) e os mecanismos linguísticos empregues nesse processo.
Exercícios de Aplicação

(a) "I guess it's probably a day-school. "


(b) "I'm quite sure it's a day-school. "
(c) "I really want you to read this to me. ”
(d) "My god you are such a fool. "
(e) 'You are a bit of a fool you know. "
(f) "Really you are amazingly pretty. "
(g) 'You are a kind of/pretty in a way. "
(h) "I solemnly promise I won't be late home today. "
(i) "I guess I'll probably ring you later. "

(Holmes, 1984: 347)

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