RELATO DE EXPERIÊNCIA / REPORT OF EXPERIENCE / RELATO DE EXPERIMENTO

Revista - Centro Universitário São Camilo - 2011;5(4):456-461

EQM – Explicando o inexplicável?

NDE – Explaining the Unexplainable?
ECM – Explicando lo inexplicable?

Paula Rodrigues Anjo*

RESUMO: A EQM (Experiência de Quase Morte) é o termo usado para descrever uma série de sensações que ocorrem na iminência da morte, que
são relatadas por pessoas que sofrem paradas cardiorrespiratórias, dentre outras situações de emergência. A EQM tem características similares e in-
dependem da idade, formação cultural, intelectual ou da situação econômica dos pacientes. Há estudos que apontam uma incidência em torno de
11% dos pacientes acometidos por parada cardíaca. Vários modelos explicativos podem ser encontrados na literatura para eventos desse tipo, porém,
até o momento nenhuma delas é totalmente satisfatória, já que todas são passíveis de ponderações. O artigo apresentou um relato de caso em duas
versões: sob a ótica médica e sob a ótica do paciente visando mostrar e refletir sobre as diferenças de perspectivas, bem como discutiu o impacto no
comportamento do paciente após uma experiência dessa natureza.
PALAVRAS-CHAVES: Experiência Pré-morte. Parada Cardíaca. Bioética.

ABSTRACT: NDE (Near Death Experience) is a term used to describe a series of sensations that occurs in the imminence of death, and they are
reported by people who suffer cardiorespiratory arrest, amongst other emergency situations. All NDE has similar characteristics and are independent
from age, cultural, intellectual status or economic situation of patients. There are studies that point to an incidence around 11% of patients having
cardiac arrest. Several explanation models can be found in the literature for events of this kind, but until now none of them is totally satisfactory,
since all of them present some questionable data. This article presents a case story in two versions: under the medical and under the patient points of
view and it aims to show and to reflect on the differences of perspectives, as well as discuss the impact an experience such as this has in the behavior
of the patient.
KEYWORDS: Death. Heart Arrest. Bioethics.

RESUMEN: ECM (Experiencia de Casi-Muerte) es una expresión utilizada como para describir una serie de sensaciones que ocurre en la inminencia
de la muerte, y es relatada por personas que sufren paros cardiorespiratorios, entre otras situaciones de emergencia. Todas las ECMs tienen caracte-
rísticas similares y son independientes de edad, de estado cultural, intelectual o de la situación económica de los pacientes. Hay estudios que señalan
una incidencia alrededor del 11% de pacientes que tienen paros cardiacos. Se pueden encontrar en la literatura varios modelos de explicación para
los acontecimientos de esta clase, pero hasta ahora ninguno de ellos es totalmente satisfactorio, desde que presentan ciertos datos cuestionables. Este
artículo presenta un relato de caso en dos versiones: bajo el punto de vista médico y el del paciente, e intenta demostrar y reflejar acerca las diferencias
de perspectivas, así como discutir el impacto de una experiencia tal y como esta en el comportamiento del paciente.
PALABRAS-LLAVE: Muerte. Paro Cardíaco. Bioética.

INTRODUÇÃO de emergência2,3. Parnia et al., em um estudo realizado com

Há mais de 30 anos, o Dr. Raymond Moody, médico,
psicólogo e parapsicólogo americano publica o livro Vida
depois da Vida (1975), onde trata o tema Experiência de
Quase Morte (EQM), cuja denominação passa a ser difun-
dida entre leigos e cientistas com as mais diversas aborda-
gens1.
A EQM, ou experiência de quase morte, é o termo
usado para descrever uma série de sensações que ocorrem
na iminência da morte, que são relatadas por pessoas que
sofrem paradas cardiorrespiratórias, entre outras situações
63 pacientes acometidos por parada cardíaca uma semana
posterior ao evento, aponta 11% de incidência de EQM.
As recordações relatadas foram avaliadas pela escala de epi-
sódios de morte iminente de Greyson2, que avalia a ocor-
rência de manifestações características das EQM por meio
de quatro dimensões cognitivas (tempo veloz, pensamentos
acelerados, visão retrospectiva, e compreensão ampliada,
por exemplo), afetivas (sentimento de paz, prazer, calma,
unidade com o universo e outros), paranormais (cenas
do futuro, separação mente-corpo) e transcendentais (ver
pessoas mortas, “seres de luz”)3. Já no estudo de Lommel

* Mestranda do curso de Nutrição do Centro Universitário São Camilo. E-mail: paula.anjo@uol.com.br

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foram avaliados 344 pacientes ressuscitados após parada
cardíaca e 18% relataram a EQM4.
As Experiências de Quase Morte têm características si-
milares, independentemente da formação cultural, intelec-
tual ou da situação econômica dos pacientes; independem
até mesmo da idade, pois há casos específicos de ocorrência
com crianças. São frequentes em casos como acidentes car-
diovasculares, afogamentos, choques elétricos, complica-
ções anestésicas em cirurgias, atropelamentos, etc1.
Os pacientes trazem todos os sintomas de morte clíni-
ca. Ao mesmo tempo em que médicos, familiares e amigos,
fazem de tudo para socorrer as vítimas, os pacientes rela-
tam que flutuam sobre o seu corpo físico, acompanham
os acontecimentos e percebem que possuem outro corpo e
que sua consciência acompanha esse novo corpo, de natu-
reza, em seu entendimento, espiritual. Têm uma sensação
interior de paz, às vezes ouvem ruídos ou assistem ao de-
Quadro 1.Teorias científicas relativas à EQM
Teoria Defesa
Expectativa Uma hipótese plausível postula que as EQMs são produtos da
imaginação, construídas pelas próprias expectativas pessoais
e culturais do indivíduo, para que ele se proteja da ameaça
iminente da morte.
Memórias do nascimento Alguns autores interpretaram as EQMs, com suas vivências
de visualização de um túnel escuro, de uma luz brilhante e
de entrada em uma outra dimensão, como uma memória do
próprio nascimento.
Alterações nos gases sanguí- Uma suposição comum tem sido a de que a anóxia ou
neos hipóxia, fatores comuns no processo de morte cerebral,
devem ser implicadas nas EQMs.
Alucinações tóxicas ou É plausível a hipótese de que as EQMs sejam alucinações
metabólicas provocadas pela medicação comumente prescrita a pacientes
terminais, ou por distúrbios metabólicos, ou por mau funcio-
namento cerebral em pessoas próximas à morte.
Modelos neuroquímicos As EQMs têm sido especulativamente atribuídas a vários
neurotransmissores no cérebro, mais frequentemente as
endorfinas ou outros opioides endógenos liberados sob
estresse.
Modelos neuroanatômicos As EQMs também foram relacionadas de forma especulativa
a várias regiões anatômicas do cérebro, mais frequentemente
ao lobo temporal direito com base na suposta similaridade
entre EQM e epilepsia do lobo temporal.
Fonte: Adaptado de Greysson5.
Há ainda outras abordagens para o tema como a Te-
oria de Charles Darwin, que se baseia na em uma mano-
bra do cérebro humano em se adaptar ao fim inevitável,
que é a morte, como forma de autoproteção e sobrevi-
vência6.
EQM – Explicando o inexplicável?
senrolar de suas vidas como um filme rodado em incrível
velocidade, de modo que nenhum fato se perca, até mes-
mo os mais banais. Nesse momento não importam as fa-
cilidades materiais, a riqueza, o poder, as posições sociais,
apenas interessa o bem e o conhecimento que existe em
cada pessoa, independentemente de suas crenças religiosas
ou filosóficas. A pessoa relata que se vê diante de um obs-
táculo, um muro, uma parede, uma ponte, e sabe que sua
hora ainda não é chegada. Sente uma vontade irresistível
de voltar ao seu corpo físico e é por ele magneticamente
atraído. Para surpresa de todos, a pessoa torna à vida, como
que por milagre1!
Na abrangente revisão de Greyson, há vários modelos
explicativos na literatura para eventos desse tipo, que ele
avalia como conjecturas neurocientíficas insatisfatórias5, já
que todas são passíveis de ponderações, conforme sumari-
zado no quadro abaixo:
Contra argumentação
Alguns dados contradizem essa hipótese, pois frequentemente indivíduos que relatam EQMs se opõem às
suas expectativas religiosas e pessoais específicas em relação à morte. Além disso, os indivíduos que não
tiveram nenhum conhecimento prévio sobre EQM descrevem o mesmo tipo de experiência que as pessoas
que têm familiaridade com esse fenômeno.
Muitas EQMs não são vivenciadas pela visão de um túnel nem de uma luz, assim como muitas outras
características comuns de EQM não são explicadas por esse modelo. Além disso, aos recém-nascidos faltam
a acuidade visual, a estabilidade espacial de suas imagens visuais, a agilidade mental e a capacidade cortical
de codificação para registrar as memórias da experiência do nascimento.
EQMs ocorrem sem anóxia ou hipóxia, como em doenças não-fatais e em acidentes dos quais o indivíduo sai
ileso. Além disso, as vivências associadas à hipóxia são somente superficialmente similares às EQMs.
Muitas EQMs são descritas por indivíduos que não estavam com disfunções orgânicas nem metabólicas que
pudessem causar alucinações. Pacientes que recebem medicação, na verdade, referem menos EQMs do que
os pacientes que não a recebem. Além disso, o mau funcionamento cerebral, do ponto de vista orgânico,
produz geralmente turvação da consciência, irritabilidade, medo, agressividade e visões idiossincráticas,
bastante diferentes do pensamento claro e de sentimento de paz, calma, e conteúdos previsíveis típicos da
EQM.
As endorfinas produzem alívio da dor e sensação de bem-estar que persiste por horas, ao passo que nas
EQMs a paz e a cessação da dor são sentidas de forma breve, frequentemente por alguns segundos.
Vivências semelhantes a uma EQM, quase nunca são observadas em convulsões do lobo temporal.
Até o momento, nenhuma explicação fisiológica,
psicológica, neurológica ou farmacológica tem atendido
à totalidade dos casos, sendo esse um tema de perma-
nente discussão na comunidade científica e que, talvez,
ainda esteja distante de um consenso.
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Diante disso, a pergunta que surge é: o consenso te-
órico-científico mudaria as consequências do processo de
transformação que é deflagrado aos pacientes que viven-
ciam de forma legítima essa experiência?
A seguir, faremos dois relatos sobre o mesmo fato mé-
dico caracterizado como EQM, sob óticas distintas com
o objetivo de despertar uma reflexão sobre as mudanças
comportamentais associadas a esse tipo de experiência.
RELATO DE CASO SOB A ÓTICA MÉDICA
Paciente do sexo feminino, 39 anos, 50 kg, portadora
de epilepsia mioclônica juvenil, deficiência de fator XII de
coagulação e doença de Crohn em remissão após tratamen-
to de terapia biológica com anticorpo monoclonal. Como
acompanhamento do tratamento da DII, comparece ele-
tivamente ao laboratório clínico para realização de exame
de colonoscopia com preparo domiciliar com bisacodil e
manitol. Na admissão referiu perda de peso de aproxima-
damente 3 quilos durante o preparo para o exame. Iniciou
o exame orientada e em condições satisfatórias.
Ao término do procedimento evoluiu com convulsão
tônico-clônica generalizada e choque cardiogênico pro-
vocado por hipovolemia e cardiomiopatia de Takotsuboa,
síndrome rara que simula a condição de infarto agudo do
miocárdio, com parada cardíaca, sem obstrução coronaria-
na. Foram realizadas todas as manobras de ressuscitação,
reposição volêmica e medicação para reversão e controle do
quadro. A paciente foi intubada e, após estabilização hemo-
dinâmica, que ocorreu algumas horas depois, foi transferi-
da inconsciente em UTI móvel para hospital.
Após a admissão hospitalar, a paciente foi sedada e
mantida em coma induzido para cuidados hospitalares
intensivos. No primeiro dia de UTI o ecocardiograma
mostrou o ventrículo esquerdo com disfunção sistólica im-
portante (FE 33%), dilatação de veia cava inferior, lesão
miocárdica, em utilização de cateter venoso central, supor-
te ventilatório, sonda enteral e vesical, EEC contínuo, do-
butamina, entre outras condutas de apoio multidisciplinar.
Manteve-se em estado crítico nos dois primeiros
dias de UTI e, a partir do terceiro, dia iniciou-se evolu-
ção paulatina e consistente dos sistemas comprometidos.
Após o quinto dia de terapia intensiva, foi transferida para
Unidade Coronariana onde permaneceu por dois dias em
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tratamento semiintensivo. Após esse período, recebeu alta
hospitalar para continuidade do tratamento domiciliar.
RELATO DE CASO SOB A ÓTICA DO PACIENTE
“Foi um final de domingo difícil e em claro, já que o
preparo de uma colonoscopia não costuma ser nada
agradável. Apesar da sensação esperada de fraqueza,
era hora de sair em direção ao laboratório que fica-
va cerca de 30 minutos da sua residência. De certa
forma, ela estava satisfeita. Afinal, no dia seguinte
seria feriado, o que a possibilitaria uma recuperação
tranquila. Durante o caminho ela conversava com seu
pai, que dirigia calmamente, e ela, tentando transpa-
recer tranquilidade, na verdade estava ansiosa pela rá-
pida chegada ao laboratório na certeza de que haveria
um banheiro disponível. Afinal de contas, as últimas
horas não haviam sido fáceis... Finalmente chegaram.
Podia-se notar que o local era recém inaugurado,
tinha cheiro de pintura recente, flores enfeitando o
ambiente, enfim, tudo novo e moderno. A impressão
foi boa, mas por um breve instante, talvez como um
pressentimento, um pensamento atravessou sua men-
te: “Tudo tão novo, será que já estão preparados para
situações de emergência?” Mas logo, tal pensamento
pessimista e premonitório iria embora com a mesma
rapidez que chegou.
Já passava das 8:00 horas da manhã de segunda-feira
e a enfermeira a chamou para a entrevista que pre-
cede o exame, bem como para assinatura do termo
de consentimento esclarecido. Enquanto preenchia
a ficha de admissão com o histórico de saúde, apro-
veitou para comentar que já havia perdido em torno
de 3 quilos nas últimas horas, mas que apesar disso,
se sentia bem, além do bom humor. Afinal, teria um
feriado prolongado e não via a hora de acabar tudo
aquilo para que saísse daquele regime drástico.
DIAGNÓSTICO OBTIDO NO DECORRER DA
INTERNAÇÃO
Poucos minutos depois entrou na sala de exame e se
deparou com 4 ou 5 médicos e auxiliares que realiza-
riam seu exame. Mentalmente, ponderou: “Todos esses
profissionais para um “simples” exame... caso haja uma

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emergência certamente não haverá problema”. Como já
tinha muita familiaridade com internações e proce-
dimentos motivados por outras patologias, procurou
relaxar e descontrair do ligeiro constrangimento que
sentia pela presença masculina da equipe naquela
sala. Afinal, não estava ali para fazer um exame oftal-
mológico.
O proctologista lhe fez algumas perguntas sobre a ra-
zão do exame; a indagou sobre alergias, bem como a
orientou e tranquilizou quanto ao procedimento. Em
seguida, ajeitou-se na maca, para que o anestesista,
que também fez algumas rápidas perguntas, inicias-
se a sedação. A propósito, que invenção maravilhosa
que foi a anestesia! Dormiu como um anjo. A partir
dali, o problema deixou de ser dela e passou a ser da
equipe. Sua única obrigação naquele momento, era
apenas ter sonhos agradáveis”.
O MOMENTO DA EQM
“No despertar da anestesia, poucos minutos antes das
9 da manhã, ela ouve uma voz tranquila segurando
sua mão de forma terna e a chamando calmamente
pelo nome e dizendo: Oi, está tudo bem, o seu exame já
terminou... Apesar de ouvir perfeitamente, não con-
seguia abrir os olhos e enxergar nitidamente a cena,
muito menos interagir com o médico que, após al-
guns segundos de silêncio, muda o tom de voz e fala
com firmeza: Atropina! Era possível sentir que estava
aflito, pois o ritmo de sua respiração mudou comple-
tamente. Mais alguns segundos e ele enfatiza em um
tom claro que a fez perceber que algo de muito errado
estava acontecendo: Pessoal, mais rápido! Não vai dar
para ficar esperando!
A partir desse momento várias sensações, sentimentos
e pensamentos, foram disparados simultaneamente
em um lapso de tempo que talvez em condições nor-
mais não fossem viáveis. Ela podia ver dois auxiliares
no canto direito da sala por um ângulo que não era
compatível com a posição horizontal em que se en-
contrava, mas sim sentada. Ela conseguia vê-los com
seu paramento verde, dispensando os medicamentos
com certa insegurança em cima de uma mesa de apoio
que continha algumas bandejas e frascos, mas de fato,
não tão ágil como o anestesista esperava, (talvez ainda
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não tivessem percebido a urgência da solicitação). Foi a
única coisa que ela “viu” naquela sala, nada mais. A
sensação não era sobrenatural, mas talvez de alucina-
ção ou desequilíbrio como em uma labirintite. Foi
então que sentiu o início de uma convulsão se aproxi-
mar com um forte espasmo na cabeça, uma aura que
precede crises convulsivas que ela já conhecia bem.
Nesse momento teve a “certeza” que tudo estava aca-
bando ali. Por algum motivo, sentiu que aquele era o
final e, em sendo uma despedida, deveria pensar em
coisas importantes, pois não haveria outra oportuni-
dade. Percebeu, no entanto, que não possuía nenhum
controle sobre isso e então, o primeiro pensamento
que lhe invadiu a mente foi o de pesar: Que pena,
depois de tantos anos enfrentando problemas de saúde,
logo agora que estou bem vou morrer? Quanta coisa vou
deixar de viver. Estranhamente, imediatamente após,
teve uma sensação de profundo bem-estar e gratidão
por estar vivendo os últimos momentos sem sentir
nenhuma dor e de ter sido atendida com delicadeza
por aquelas pessoas que jamais havia visto antes. Ain-
da em pensamento, racionalizou: Eu que tantas vezes
já refleti sobre a morte como um fato natural da vida,
mas agora que está acontecendo de verdade, estou sur-
presa com a precocidade, sou muito jovem para morrer.
Uma das últimas lembranças confusas que teve, foi
sobre a importância que atribuiu àquele momento, como
sendo algo emblemático, como uma formatura, um ani-
versário, uma realização, e pensou: Vou dividir esse mo-
mento tão importante da minha vida com desconhecidos
enquanto meu pai aguarda lá fora sem nada saber..., apesar
disso, me sinto tranquila, sem medo e em paz.
Em resumo, as lembranças descritas estavam muito
mais próximas dos sentimentos do que das palavras, tal-
vez por isso, em termos de tempo cronológico pareçam
incompatíveis com o tempo real”.
O RETORNO PÓS-EQM
“E os dias se passaram e a lembrança do despertar
aconteceu na 4ª feira com seu pai e madrasta ao seu
lado. Não se lembrava de nada durante os dias que
permaneceu em coma e tinha consciência parcial do
que havia acontecido. Aos poucos, observando seu
corpo inchado, impressionou-se com a quantidade de
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equipamentos que a mantinham naquele momento,
fios de EEG conectados à cabeça, cateter no pescoço,
bombas de infusão, sondas nasogástrica e vesical, bo-
tas pneumáticas, e a rotina alucinante daquela UTI
com profissionais diversos entrando e saindo do quar-
to o tempo todo, sempre muito atarefados.
Talvez pela lembrança muito presente dos momentos
recém-vividos, se sentia realmente feliz e com um bom
humor incompatível com o quadro que ainda era gra-
ve, e que agora sim, passava a ser doloroso graças ao re-
torno da consciência plena. E lá estava ela exercitando
a humildade em permitir que todos pudessem acessar
sua intimidade sem qualquer chance de recusa. Os
primeiros dias foram de muita ansiedade haja vista
ainda não haver um diagnóstico preciso, além da real
possibilidade de um mau prognóstico e que era comu-
nicado de forma hábil, mas sem segredos. Isso a fez
sentir medo, mas era cooperativa e otimista. Felizmen-
te, após uma semana, ela recebe alta hospitalar.
Durante os primeiros dias em casa, demonstrou fra-
gilidade por ter sobrevivido a uma situação tão adver-
sa. Uma experiência como essa é muito solitária, mas
quase sempre de grande potencial transformador. Po-
de-se até dizer que a EQM de certa forma soe como
um “privilégio”, (depois que tudo passou, é claro), pois
a fez conhecer a sensação da morte iminente, mas
com direito a nova chance. As reflexões proporciona-
das por um episódio dessa natureza são únicas e a pos-
sibilitaram um novo começo com correções de rota”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não é raro ouvirmos relatos de pessoas que passaram
por uma profunda transformação pessoal após terem vivi-
do uma EQM. Há estudos que mostram que há pacien-
tes que assumem um estado patológico após uma EQM5,
porém, na maioria das vezes, a transformação é positiva
e benéfica. De modo geral, elas passam a valorizar mais
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a vida, demonstram menor apego aos bens materiais, se
tornam menos competitivas, mais tranquilas, enfim, agre-
gam condições que podem contribuir para uma sensação
de bem-estar, paz de espírito e, por consequência, se tor-
nam mais felizes. Porém, isso não é uma regra. A forma
como cada indivíduo vai reagir a uma EQM é um reflexo
da sua personalidade e de suas vivências.
Algumas verdades mudam para o paciente, mas fica
evidente que a essência do ser é preservada. O indivíduo é
o que é, haja o que houver, no entanto, novas atitudes po-
derão ser adotadas diante das grandes e pequenas batalhas
pessoais e profissionais. Por exemplo, um indivíduo muito
competitivo e persuasivo poderá não ver o mesmo sentido
nesse comportamento de forma ostensiva, mas se esta for a
sua natureza ele continuará apresentando essas característi-
cas, mas talvez de forma menos obstinada após uma EQM.
A serenidade passa a ser o pano de fundo da vida e os
fatos passam a ser tratados com mais tranquilidade, afinal,
não há mais o mesmo temor do desconhecido. O que ti-
ver que acontecer, acontecerá. Talvez isso se explique pelo
fato do indivíduo ter uma nova percepção da existência
como algo realmente efêmero. Assim, o melhor que se
tem a fazer é atribuir os pesos devidos aos problemas, nem
mais, nem menos. Já para as alegrias e conquistas, aqui,
não há porque economizar na celebração, principalmente
nas pequenas vitórias que, somadas, valem muito mais do
que as grandes. Afinal, essas serão as ocasiões das quais
provavelmente mais sentiremos saudades. Em suma, as
realizações e alegrias ganham cores mais fortes e vibrantes
e, em contrapartida, as adversidades e as contrariedades
passam a ter um impacto muito menor que de outrora.
Por fim, a abordagem apresentada leva-nos a crer que
ainda, que os cientistas busquem explicações técnicas para
o tema, os efeitos comumente relatados pelos pacientes
de EQM possivelmente continuarão intrigando a todos,
particularmente pelas profundas modificações existen-
ciais que acabam ocorrendo a esses indivíduos.
Diante do aprendizado que a EQM traz, fica a per-
gunta: “Porque não quase morrer antes?”
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REFERÊNCIAS

1. Carvalho Filho, AF. EQM: Uma Evidência Científica da Realidade do Espírito [acessado 08 Dez 2011]. Disponível em: http://www.
espirito.org.br/portal/artigos/diversos/ciencia/eqm-uma-evidencia.html
2. Parnia S, Waller DG, Yeates R, Fenwick P. A qualitative and quantitative study of the incidence, features and a etiology of near death
experiences in cardiac arrest survivors. Resuscitation. 2001;48(2):149-56.
3. Serralta FB. Versão em Português da Escala de Experiência de Quase-Morte. Psico-USF. Jan/Abr 2010;15(1):35-46.
4. Lommel PV. Near-death experience in survivors of cardiac arrest: a prospective study in the Netherlands. Lancet. 2001;358:2039-45.
5. Greyson, B. Rev Psiq Clín. 2007;34(1):116-25.
6. [Acessado 08 Ago 2011]. Disponível em: http://www.near-death.com/experiences/experts01.html

Recebido em: 22 de agosto de 2011.

Aprovado em: 19 de setembro de 2011.

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