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Livro: Polinômios e Equações Algébricas


Autores: Abramo Hefez
Maria Lúcia Torres Villela

Capítulo 1: Os Números Complexos

Sumário
1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
2 A Álgebra dos Números Complexos . . . . . . . 3
3 Representação Geométrica . . . . . . . . . . . . . 9
4 A Raiz Quadrada . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
5 Forma Polar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
6 Extração de Raízes n-ésimas . . . . . . . . . . . . 29
7 Raízes da Unidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
8 Breve História dos Números . . . . . . . . . . . . 41

1
Seção 1 Introdução 1

1 Introdução

Jerônimo Cardan (Itália, 1501-1576), um dos mais destacados matemá-


ticos do Renascimento, em 1545, achou a resposta

√ √
α=5+ −15 e β = 5 − −15,

para o problema de determinar dois números cuja soma vale 10 e cujo produto
vale 40.
De fato, os números procurados são as raízes da equação do segundo grau

x2 − 10x + 40 = 0,

que produz as soluções acima, quando resolvida pela fórmula resolvente das
equações do segundo grau.
Mas, na época em que vivia Cardan, só se conheciam os números reais
e, portanto, as raízes quadradas de números negativos eram consideradas
inexistentes, logo essas soluções eram tidas como absurdas. Naqueles tem-
pos, a situação era ainda mais dramática, pois os matemáticos tinham até
diculdade em operar com os números negativos.
O que é notável, é que se operarmos formalmente com essas raízes, como
se tivessem as propriedades aritméticas da adição e da multiplicação dos
números reais e convencionarmos que


( −15)2 = −15,

podemos mostrar, sem diculdade, que

α + β = 10 e α · β = 40.

Podemos ainda escrever esses números na forma


√ √ √ √
α=5+ 15 −1, β=5− 15 −1,

que quando somados dão


√ 10 e quando multiplicados dão 40, desde que con-
vencionemos que ( −1)2 = −1.
Façamos um outro experimento. Para determinar dois números cuja
soma vale 10 e cujo produto vale 26, devemos resolver a equação

x2 − 10x + 26 = 0,
√ √
cujas raízes são 5 + −1 e 5 − −1. Novamente, se adicionarmos e
multiplicarmos esse números, obtemos os números 10 e 26.
2 Os Números Complexos Cap. 1

Portanto, não parece ser uma simples coincidência que se consiga dessa
forma resolver as equações que não têm soluções reais, a custo de introduzir

novos números que são da forma
√ a + b −1, onde a e b são números reais
e −1 é um símbolo sujeito à seguinte regra operatória:


( −1)2 = −1.

A ideia de tratar esses novos entes como números sem as áspas foi de
Rafael Bombelli (1726-1772), outro matemático renascentista italiano como o
seu contemporâneo Cardan. Motivado pelo trabalho de Cardan e pelo esforço
desse em compreender o caso irredutível da equação cúbica (cf. Capítulo 5),
Bombelli começou a estudar esses números por volta de 1550, estabelecendo
as seguintes regras operatórias:

√ √ √ √
( −1)( −1) = −1, (− −1)( −1) = 1,
√ √ √ √
(− −1)(− −1) = −1, −1( −1) = − −1,

bem como as fórmulas para a sua adição e multiplicação:

√ √ √
(a + b −1) + (c + d −1) = (a + c) + (b + d) −1,
√ √ √
(a + b −1) · (c + d −1) = (ac − bd) + (ad + bc) −1.

Os resultados desses estudos foram publicados por Bombelli em 1572 no


livro L'Algebra, onde, também, pela primeira vez, foram estabelecidas as
regras operatórias com os números negativos.
Um fato que intrigou Cardan até o nal de sua vida foi que equações do
terceiro grau da forma x3 = 15x + 4, quando resolvida pelas fórmulas que
levam o seu nome, e que estudaremos no Capítulo 5, dava a solução

√ √
q q
3 3
2+ −121 + 2 − −121.

Por outro lado, uma vericação direta mostra que 4 é raiz da equação. Por-
tanto,
√ √
q q
3 3
2 + 11 −1 + 2 − 11 −1 = 4.
Por mais que tentasse, Cardan não conseguia evitar nas suas fórmulas o
uso dos radicais quadráticos de números negativos para expressar soluções
reais de algumas equações do terceiro grau como esta. Portanto, tinha que
passar por soluções absurdas para expressar soluções verdadeiras.
Seção 2 A Álgebra dos Números Complexos 3

Vejamos, neste exemplo, a proposta de Bombelli para lidar com tal situ-
ação:

√ √ √ √
2+ −1)3 = 23 + 3 · 22 −1 + 3 · 2( −1)2 + ( −1)3
√ √
= 8 + 12 −1 − 6 − −1

= 2 + 11 −1,
√ √ √ √
2− −1)3 = 23 − 3 · 22 −1 + 3 · 2(− −1)2 + (− −1)3
√ √
= 8 − 12 −1 − 6 + −1

= 2 − 11 −1.

Portanto,

√ √ √ √
q q
3 3
2 + 11 −1 + 2 − 11 −1 = (2 + −1) + (2 − −1) = 4.

O tratamento formal dos números da forma a + b −1, dado por Bom-
belli, não satisfazia minimamente os matemáticos da época, que os olhavam
com muita desconança, admitindo-os apenas como artifício de cálculo, sem
uma existência efetiva, tendo o próprio Cardan como feroz oponente. Os ma-
temáticos da época, pela inuência da cultura helenística predominante na
área, relutavam em aceitar entidades matemáticas que não tivessem algum
signicado geométrico. Esse signicado geométrico foi delineado no nal do
Século 18, início do Século 19. Retornaremos a esse assunto na Seção 3.

2 A Álgebra dos Números Complexos



Leonhard Euler (Suiça, 1707-1783), em 1777, denotou o número −1
por i e determinou várias propriedades dos números introduzidos por Bom-
belli, sendo dele a sua representação polar que estudaremos na Seção 5. O

fato de chamar −1 de i já ajuda a desfazer sosmas que surgiam ao atri-
buir, incorretamente, a esse número propriedades similares aos dos números
reais, no que tange a operação de radiciação. Um exemplo de um tal sosma
é a seguinte prova de que −1 = 1:
√ √ p √
−1 = −1 · −1 = (−1)(−1) = 1 = 1.
4 Os Números Complexos Cap. 1

A desconança dos matemáticos sobre esses números foi se desfazendo a


partir do surgimento, com os trabalhos de Caspar Wessel (Noruega, 1745-
1818), de 1797 e de Jean Robert Argand (Suiça, 1768-1822), de 1806, da sua
representação geométrica e de suas operações. Carl Friedrich Gauss (Alema-
nha, 1777-1855), em 1831, batizou esses números de números complexos e
contribuiu para a sua plena aceitação por meio dos seus trabalhos realizados
entre 1828 e 1832, onde os utilizou para provar novos e profundos resultados
em Teoria dos Números.
Daqui por diante, denotaremos o conjunto dos números complexos por C,
com os quais operaremos aditivamente e multiplicativamente com as regras
usuais da aritmética real, acrescidas da regra: i2 = −1.
Assim, seguindo Bombelli, e na notação de Euler, temos:

(a + bi) + (c + di) = (a + c) + (b + d)i,

(a + bi) · (c + di) = (ac − bd) + (ad + bc)i.

As fórmulas acima nos denem duas operações em C que serão ainda


chamadas de adição e de multiplicação.
Portanto, um número complexo z = a + bi se decompõe numa soma de
duas parcelas a e bi, onde os números reais a e b são chamados de parte
real e parte imaginária de z, respectivamente. Se z = a + bi, utilizaremos
as notações:

a = Re(z) e b = Im(z).

Da maneira como denimos os números complexos, apenas como expres-


sões formais, temos forçosamente que

a + bi = a 0 + b 0 i ⇐⇒ a = a 0 e b = b 0 .

Um número complexo escrito na forma a + bi, com a e b números reais,


será dito na forma normal.

Se escrevermos um número complexo da forma a + 0i, com a real, abre-


viadamente, como a, vemos que o corpo dos números reais R se realiza como
subconjunto de C e que as operações, acima denidas em C, quando restritas
a esse conjunto, apenas reproduzem a adição e a multiplicação em R. Temos
então que

R ⊂ C = {a + bi ; a, b ∈ R e i2 = −1}, onde i ∈ C\R.


Seção 2 A Álgebra dos Números Complexos 5

Os números complexos 0 = 0 + 0i e 1 = 1 + 0i, chamados de zero e um,


destacam-se, pois têm as seguintes propriedades:

z + 0 = z e z · 1 = z, para todo z ∈ C.

Para todo número complexo z = a + bi, existe z 0 ∈ C, tal que z + z 0 = 0,


a saber,

z 0 = (−a) + (−b)i = −a − bi,


chamado de simétrico de z.
Não é difícil mostrar (faça-o) que as operações de adição e multiplicação
de números complexos, acima denidas, possuem as propriedades a seguir,
para quaisquer z, z 0 , z 00 ∈ C.
Comutativas: z + z 0 = z 0 + z, z · z 0 = z 0 · z;
Associativas: z + (z 0 + z 00 ) = (z + z 0 ) + z 00 , z · (z 0 · z 00 ) = (z · z 0 ) · z 00 ;
Distributiva: z · (z 0 + z 00 ) = z · z 0 + z · z 00 .

Certamente, a validade dessas propriedades não é surpreendente, pois as


denições das operações em C foram construídas imaginando que elas vales-
sem, além de se apoiarem nas operações de R, onde valem tais propriedades.
O que pode ser um pouco mais surpreendente é que todo número com-
plexo z = a + bi não nulo (i.e. z 6= 0), tem um inverso multiplicativo.
De fato, queremos achar z 0 = a 0 + b 0 i tal que z · z 0 = 1. Escrevendo essa
condição mais explicitamente, temos

1 = z · z 0 = (aa 0 − bb 0 ) + (ab 0 + ba 0 )i,

o que nos fornece o seguinte sistema de duas equações lineares nas incógnitas
a0 e b 0: 
 aa 0 − bb 0 = 1

ab 0 + ba 0 = 0,
que resolvido (faça os cálculos) fornece a seguinte solução:

a b
a0 = e b0 = − ,
a2 + b2 a2 + b2

o que faz sentido, já que a2 + b2 6= 0, pois assumimos z = a + bi 6= 0; ou


seja, que a 6= 0, ou b 6= 0.
6 Os Números Complexos Cap. 1

O (único) inverso multiplicativo de um número complexo não nulo z será


1
denotado por z−1 ou por . Portanto, pelo que zemos acima, temos que se
z
z = a + bi 6= 0, então
1 a b
= 2 2
− 2 i.
z a +b a + b2
Assim, temos que C é um corpo que contém o corpo dos números reais
R e onde se pode extrair uma raiz quadrada de um número real qualquer
(inclusive negativo).
2 a ∈ R e a < 0, existe um único
De fato, dada a equação
px = a, onde
número real positivo b = |a|, tal que b2 = −a > 0, temos que x1 =
|a| x2 = −i |a|
p p
i e são soluções da equação proposta, chamadas de raízes
quadradas complexas de a.
Agora, a equação ax2 + bx + c = 0, coma, b, c ∈ R, a 6= 0 e ∆ =
b2 − 4ac < 0 passa a ter as seguintes raízes em C:
√ √
−b + i −∆ −b − i −∆
x1 = e x2 = .
2a 2a
Na Seção 4, mostraremos que também é possível extrair raízes quadradas
de quaisquer números complexos e, mais ainda, que qualquer equação da
forma αx2 + βx + γ = 0, onde α, β, γ ∈ C e α 6= 0, tem solução em C.
Para terminar esta seção, vamos denir formalmente a noção de corpo
que foi mencionada acima.
Dado um conjunto K, representamos por K × K o produto cartesiano de K
com ele próprio. Uma operação (?) em K é por denição apenas uma função

? : K × K −→ K
(a, b) 7−→ a ? b .

Seja K um conjunto com duas operações (+) e (·), chamadas de adi-


ção e multiplicação, respectivamente. Diremos que K é um corpo, se estas
operações possuirem as seguintes propriedades:

1) As operações de adição e de multiplicação são comutativas, isto é,


quaisquer que sejam os elementos a e b em K, tem-se que
a+b=b+a e a · b = b · a.

2) As operações de adição e de multiplicação são associativas, isto é,


quaisquer que sejam os elementos a, b e c em K, tem-se que
a + (b + c) = (a + b) + c e a · (b · c) = (a · b) · c.
Seção 2 A Álgebra dos Números Complexos 7

3) As operações de adição e de multiplicação possuem elementos neutros,


isto é, existem elementos 0 e 1 em K tais que, para qualquer elemento
a em K, se tenha
a+0=a e a · 1 = a.

4) A multiplicação é distributiva com relação à adição, isto é, quaisquer


que sejam a, b e c em K, tem-se que
a · (b + c) = a · b + a · c.

5) Todo elemento a de K possui um simétrico, isto é, existe a0 em K em


K tal que a+ a0 = 0.

6) Todo elemento não nulo b de K possui um inverso, isto é, existe b0 tal


que b· b0 = 1.

Por exemplo, temos que Q, R e C são corpos. Nos Capítulos 3 e 6,


veremos inúmeros outros exemplos de corpos.

Prova-se que os elementos 0, 1, a 0 e b 0, com as propriedades acima, são


únicos (veja Problema 2.13).
Usualmente, denotamos a·b por ab, denotamos o elemento a0 da Pro-
priedade (5) por −a 0
e o elemento b da Propriedade (6) por b−1 , ou por
1
b .
Finalmente, se as operações (+) e (·) de K possuirem todas as proprie-
dades acima, exceto, eventualmente, a propriedade (6), diremos que K é um
anel. Portanto, todo corpo é um anel. Outros exemplos de anéis são o con-

junto dos inteiros Z, com as operações usuais de adição e de multiplicação,


e os anéis de polinômios que estudaremos no Capítulo 3.

Em um anel, denimos

a − b = a + (−b),
e chamamos esta nova operação de subtração.

Um anel A que possua a propriedade

∀ a, b ∈ A, a · b = 0 =⇒ a = 0 ou b = 0,
é chamado de domínio de integridade. Equivalentemente, A é um domínio
de integridade se, e somente se,

∀ a, b ∈ A \ {0}, tem-se que a · b 6= 0.


Exemplos de domínios de integridade são: Z, Q, R, C e os anéis de classes
residuais Zp , com p primo (cf. [3], Volume 1). Exemplos de anéis que não
são domínios de integridade são os anéis Zm , com m um número natural
composto.
8 Os Números Complexos Cap. 1

Problemas

2.1 Determine as raízes das equação x2 = −18.


2.2 Determine as raízes da equação x2 − 5x + 9 = 0, escrevendo-as na sua
forma normal.

2.3 Demonstre as propriedades comutativa e associativa da adição e da


multiplicação de números complexos.

2.4 Demonstre a propriedade distributiva da multiplicação em relação à


adição para os números complexos.

2.5 Escreva os números complexos, abaixo, na sua forma normal e calcule


as suas partes real e imaginária.
√ !3
1 3
a) (1 + i)2 ; b) (1 − i)2 ; c) − + i ;
2 2

1+i i 5 + 2i
d) + ; e) ; f) (2 + i)(5 + 3i)(1 − 4i).
i 1−i 5 − 2i
2.6 Calcule os inversos dos seguintes números complexos, colocando-os na
sua forma normal:

1+i 2 + i 3 + 2i
a) i; b) ; c) + .
1−i 1−i 1+i
2.7 Resolva as equações

1+i
a) = z + i; b) (1 + 2i)(iz − 3) = 2 − i.
1−i
2.8 Determine os números reais a e b para que a propriedade abaixo se
verique.

a) (a − 2) · b + (b2 − 1)i = i;
b) (a2 − 4) + (a − 2)(b2 − 1)i seja um número complexo não real;

c) (b2 − 4) + (a2 − 1)(b + 2)i seja um número real.

2.9 Mostre que




1, se n ≡ 0 mod 4

i, se n ≡ 1 mod 4
in =

 −1, se n ≡ 2 mod 4

−i, se n ≡ 3 mod 4.
2.10 Calcule
Seção 3 Representação Geométrica 9

a) 5i127 + 3i82 − 7i37 + i16 ;


b) 1 + i + i2 + · · · + in−1 , para todo valor de n ∈ N, n ≥ 1.
2.11 Sejam z e w números complexos. Mostre que z·w = 0 se, e somente
se, z=0 ou w = 0.
2.12 Considere Un (C) = {α ∈ C ; αn = 1}, onde n ≥ 1 é um número natural.
Mostre que

a) Un (C) 6= ∅;
b) Se α e β ∈ Un (C), então α · β ∈ Un (C);
c) Se α ∈ Un (C), então α−1 ∈ Un (C);
d) Se α ∈ Un (C), então α` ∈ Un (C), para todo ` ∈ Z.
2.13 Mostre que os elementos 0, 1, o simétrico a 0 de um elemento a e o
0
inverso b de um elemento não nulo b, que aparecem na denição de corpo
são únicos.

Sugestão Suponha que a 00 (respectivamente, b 00 ) seja um outro simétrico


de a (respectivamente, inverso de b), mostre
0 00
que a = a (respectivamente,
b 0 = b 00 ).
2.14 Mostre que em um corpo K vale a propriedade de integridade :

a·b=0 se, e somente se, a=0 ou b = 0.


Sugestão Suponha que a · b = 0 e que a 6= 0. Multiplique ambos os
membros da igualdade por a−1 e utilize as demais propriedades de corpo
para mostrar que b = 0.

3 Representação Geométrica

A representação geométrica dos números complexos, que hoje conhece-


mos, é devida ao matemático amador Franco-Suiço Jean-Robert Argand,
que numa monograa
1 publicada de forma anônima, em Paris em 1806, ba-

seado numa engenhosa extensão da teoria das proporções, introduz a ideia


de representar um número complexo como um ente provido de grandeza ab-
soluta e de direção no plano, em suma, um vetor no plano e interpreta a
multiplicação por i como sendo uma rotação por um ângulo de 90o .
Em linguagem mais atual, o que há de essencial em um número complexo
z = a + bi é o par ordenado (a, b) de números reais. Portanto, seguindo

1
Essai sur une manière de representer les quantités imaginaire dans les constructions
géométriques
10 Os Números Complexos Cap. 1

Argand, vamos representar geometricamente os elementos de C como pontos


2
de R .

Figura 1: Representação de números complexos por pontos do plano.

Como, por denição dos números complexos, temos que

a + bi = a 0 + b 0 i ⇐⇒ (a, b) = (a 0 , b 0 ),

essa associação entre C R2 , do ponto de vista da teoria dos conjuntos, é


e
perfeita. Poderíamos
2
denir C como sendo R , munido das seguintes opera-
ções:

(a, b) + (a 0 , b 0 ) = (a + a 0 , b + b 0 ),

(a, b) · (a 0 , b 0 ) = (aa 0 − bb 0 , ab 0 + ba 0 ).

A soma acima corresponde simplesmente à soma dos vetores com ponto


inicial O = (0, 0) A = (a, b) e A 0 = (a 0 , b 0 ). Na seguinte
e pontos nais
0
gura o paralelogramo com lados adjacentes OA e OA tem diagonal OC e os
0 0 0
pontos do plano A, A e C = (a + a , b + b ) correspondem, respectivamente,
0 0 0 0 0
a z = a + bi, a z = a + b i e a sua soma z + z = (a + a ) + (b + b )i.
0
Seção 3 Representação Geométrica 11

Figura 2: Regra do paralelogramo para a soma z + z 0.

O produto em R2 , como apresentado acima, parece um tanto estranho,


mas também tem uma interpretação geométrica que cará mais clara na
Seção 5.
Dado um número complexo z = a + bi, denimos o seu conjugado como
sendo o número complexo z = a − bi, que corresponde geometricamente ao
simétrico de z com respeito ao eixo horizontal.

Figura 3: z = a + bi e z = a − bi.

A conjugação tem as seguintes propriedades:

(i) z=0 se, e somente se, z = 0;

(ii) z = z, para todo z ∈ C;


12 Os Números Complexos Cap. 1

(iii) z=z se, e somente se, z ∈ R;


(iv) z ± w = z ± w;
(v) z · w = z · w;

(vi) se z 6= 0, então z−1 = (z)−1 ;


z+z z−z
(vii) Re(z) = e Im(z) = .
2 2i
As provas dessas propriedades são simples e deixaremos parte delas como
exercício. Faremos apenas as de (iii) e (v) como exemplos.

(iii)Seja z = a + bi. Se a + bi = z = z = a − bi, então b = −b, logo


2b = 0; assim, b = 0 e z = a + 0i ∈ R. Reciprocamente, se z = a ∈ R, então
z = a = z.
(v) Sejam z = a + bi e w = a 0 + b 0 i, logo

z · w = (aa 0 − bb 0 ) + (ab 0 + ba 0 )i = (aa 0 − bb 0 ) − (ab 0 + ba 0 )i.

Por outro lado,

z · w = (a − bi)(a 0 − b 0 i) = (aa 0 − bb 0 ) − (ab 0 + ba 0 )i,

provando a igualdade em (v). 2


O módulo de um número complexo
√ z = a + bi é o número real não
negativo |z| = a2 + b2 . A interpretação geométrica do módulo de z é o
módulo do vetor de origem em (0, 0) e de extremidade (a, b), daí o nome
módulo.


Figura 4: z = a + bi e |z| = a2 + b2 .
Seção 3 Representação Geométrica 13

O módulo tem as seguintes propriedades:

(i) z · z = |z|2 , para todo z ∈ C;

(ii) |z| = |z| = | − z|, para todo z ∈ C;

(iii) Re(z) ≤ |Re(z)| ≤ |z| e Im(z) ≤ |Im(z)| ≤ |z|.

(iv) |z · w| = |z| · |w|, para quaisquer z, w ∈ C.

Estas propriedades são fáceis de vericar, sendo que as propriedades (ii)


e (iii) são geometricamente óbvias. Faremos as demonstrações de (iii) e (iv)
e deixaremos as outras como exercício.

(iii) Seja z = a + bi. Então, Re(z) = a ≤ |a| = |Re(z)| e

q √ p
a ≤ |a| = |a|2 = a2 ≤ a2 + b2 = |z|.

(iv) Usando as propriedades (i) do módulo, (v) da conjugação, a comutativi-


dade e associatividade da multiplicação de números complexos e, novamente,
a propriedade (i) do módulo temos

|z · w|2 = (z · w) · (z · w) = (z · w) · (z · w)
= (z · z) · (w · w) = |z|2 · |w|2 = (|z| · |w|)2 .

Assim, |z · w| = |z| · |w|. 2

O módulo tem a seguinte propriedade, chamada de desigualdade trian-


gular :

|z + w| ≤ |z| + |w|, para quaisquer z, w ∈ C.

Esta desigualdade é geometricamente óbvia, como se pode vericar na gura


abaixo, pois o comprimento de um lado de um triângulo é menor do que
a soma dos comprimentos dos outro dois lados. Mais ainda, a igualdade
ocorre na desigualdade acima se, e somente se, o triângulo de vértices O, A
e C se degenera, ou seja, quando um dos números é múltiplo escalar real não
negativo do outro.
14 Os Números Complexos Cap. 1

Figura 5: |z + w| ≤ |z| + |w|.

Faremos, a seguir, a demonstração analítica da desigualdade triangular.


Devido à sua importância, vamos formalizar este fato, pondo-o no formato
de uma proposição.

Proposição 3.1. Quaisquer que sejam os números complexos z e w, temos

|z + w| ≤ |z| + |w|,

com igualdade valendo se, e somente se, um dos números é múltiplo escalar

real não negativo do outro.

Demonstração Vamos calcular o quadrado de |z + w|.


(1) (2)
|z + w|2 = (z + w)(z + w) = (z + w)(z + w)
(3)
= z·z+z·w+w·z+w·w
(4)
= |z|2 + z · w + w · z + |w|2 .
A igualdade (1), acima, segue da propriedade (i) do módulo; (2), da pro-
priedade (iv) da conjugação; (3), da distributividade da multiplicação com
relação a adição de números complexos e (4), novamente, da propriedade (i)
do módulo.
Para avaliar a soma z · w + w · z, ponhamos u = z · w. Das propriedades
(v) e (ii) da conjugação, obtemos

u = z · w = z · w = z · w.
Logo,

z · w + w · z = u + u = 2Re(u) ≤ 2|u| = 2|z · w| = 2|z| · |w| = 2|z| · |w|,


onde a desigualdade, na linha acima, segue da propriedade (iii) do módulo e
as duas últimas igualdades seguem, respectivamente, das propriedades (iv)
e (ii) do módulo.
Seção 3 Representação Geométrica 15

Logo,

|z + w|2 ≤ |z|2 + 2|z| · |w| + |w|2 = (|z| + |w|)2 ,


e, portanto,
|z + w| ≤ |z| + |w|.
A armação sobre a igualdade é deixada como exercício (veja Problema
3.9). 2
A seguir, provaremos uma outra propriedade cuja interpretação geomé-
trica também é bem conhecida (pense novamente nos lados de um triângulo).

Proposição 3.2. Para quaisquer números complexos z e w temos que

| |z| − |w| | ≤ |z ± w|.

Demonstração Escrevendo, z = (z − w) + w e w = (w − z) + z e usando a


desigualdade triangular, obtemos

|z| = |(z − w) + w| ≤ |z − w| + |w|; e


|w| = |(w − z) + z| ≤ |w − z| + |z| = |z − w| + |z|.
Portanto, da primeira desigualdade, temos |z|−|w| ≤ |z−w| e, da segunda,
−|z − w| ≤ |z| − |w|, que são equivalentes à desigualdade | |z| − |w| | ≤ |z − w|.
A desigualdade | |z| − |w| | ≤ |z + w| pode ser obtida fazendo as modica-
ções convenientes acima. 2

No próximo exemplo, mostraremos como obter um resultado de aritmé-


tica utilizando números complexos.

Exemplo 1. Dados dois inteiros m e n que são somas de dois quadrados (de
números naturais), o seu produto também é uma soma de dois quadrados.
O leitor certamente irá encontrar alguma diculdade ao tentar provar esta
armação, usando apenas aritmética elementar. Vejamos como, com o uso
dos números complexos, podemos resolver facilmente esta questão.

Escrevamosm = a2 + b2 e n = c2 + d2 , com a, b, c, d ∈ N. Considerando


os números complexos z = a+bi e w = c+di, temos que m = |z| e n = |w| .
2 2

Logo,
mn = |z|2 |w|2 = |zw|2 = |(a + bi)(c + di)|2
= |ac − bd + (ad + bc)i|2
= (ac − bd)2 + (ad + bc)2 .
Em particular, podemos escrever

(52 + 82 )(72 + 102 ) = (5 · 7 − 8 · 10)2 + (5 · 10 + 8 · 7)2 = 452 + 1062 .


16 Os Números Complexos Cap. 1

Problemas

3.1 Represente no plano o número complexo z, abaixo, e o seu conjugado z


e calcule o seu módulo:

a) z = 2 + i; b) z = −3 + 4i; c) z = 4 − 3i.
3.2 Demonstre as propriedades (i), (ii), (iv), (vi) e (vii) da conjugação.

3.3 Demonstre as propriedades (i) e (ii) do módulo.

z
3.4 Mostre que, se z∈C e z 6= 0, então z−1 = .
|z|2
3.5 Determine o inverso de z, se

a) z = 1 − 2i; b) z = 3 + 4i; c) z = −1 + i.
3.6 Seja S1 = { z ∈ C ; |z| = 1 } e sejam z e w números complexos. Verique
que

a) Se z ∈ S1 , então z−1 = z ∈ S1 ;
b) Se z, w ∈ S1 então z · w ∈ S1 .
3.7 Seja ϕ : C −→ C a função denida por ϕ(a + bi) = a − bi. Mostre que

a) ϕ(z + z 0 ) = ϕ(z) + ϕ(z 0 ), para quaisquer z, z 0 ∈ C;


b) ϕ(z · z 0 ) = ϕ(z) · ϕ(z 0 ), para quaisquer z, z 0 ∈ C;
c) ϕ(z) = z, para todo z ∈ R;
d) ϕ é uma bijeção. Determine ϕ−1 .
3.8 Sejam f(x) = an xn + an−1 xn−1 + · · · + a1 x + a0 , onde aj ∈ R, e β ∈ C.
Mostre que

a) f(β) = f(β); b) β é raiz de f(x) se, e somente se, β é raiz de f(x);


c) Se n = 2 e ∆ = a21 − 4a2 a0 < 0, então f(x) tem duas raízes distintas
α, γ ∈ C\R e α = γ.
3.9 a) Mostre que, na desigualdade da Proposição 3.1, vale a igualdade se,
e somente se, Re(zw) = |zw|.
b) Mostre que essa última condição é equivalente a que um dos números é
múltiplo do outro por um escalar real não negativo.

c) Mostre que | |z|−|w| | ≤ |z+w|, completando a demonstração da Proposição


3.2.

d) Mostre que |z + w| = |z| − |w| se, e somente se, w = λz, com −1 ≤ λ ≤ 0.


Seção 4 A Raiz Quadrada 17

3.10 Sejam dados z1 , . . . , zn ∈ C, não nulos. Mostre que

|z1 + · · · + zn | ≤ |z1 | + · · · + |zn |.

Ache uma condição necessária e suciente para que valha a igualdade na


desigualdade acima.

3.11 Seja r um número real positivo e seja α ∈ C. Interprete geometrica-


mente:

a) {z ∈ C ; | z | = r}; b) {z ∈ C ; | z | ≤ r};
c) {z ∈ C ; | z | > r}; d) {z ∈ C ; | z − α | = r};
e) {z ∈ C ; | z − α | < r}; f) {z ∈ C ; | z − α | ≥ r}.
3.12 Represente no plano os números complexos que satisfazem cada uma
das desigualdade abaixo:

a) | z − i | ≤ 1; b) | z − 3 + 4i | < 3; c) | z − 1 − i | = 1.
3.13 Demonstre a identidade do paralelogramo:

| z + w |2 + | z − w |2 = 2(| z |2 + | w |2 ), para quaisquer z, w ∈ C.

3.14 Sejam z, w ∈ C. Mostre que | z−1 + w−1 | = | z + w |, se | z | = | w | = 1.

3.15 Mostre que se cada um dos inteiros m1 , . . . , mr é soma de dois qua-


drados, então o produto m1 · · · mr é soma de dois quadrados.

4 A Raiz Quadrada

Dado o número complexo α 6= 0, vamos mostrar que a equação x2 = α


tem duas soluções em C, chamadas de raízes complexas quadradas de α. Isto

diferencia C de R, onde sabemos que nem sempre é possível extrair raízes


quadradas.
Vamos determinarw ∈ C, não nulo, tal que w2 = α. Para isto, es-
crevemos α = a + bi, onde a, b ∈ R. Como o caso b = 0 já foi tratado,
consideraremos b 6= 0. Vamos determinar um número complexo c + di tal
que

a + bi = (c + di)2 = c2 − d2 + 2cdi.
Pela igualdade acima, de números complexos, temos que
18 Os Números Complexos Cap. 1

a = c2 − d2 a2 = (c2 − d2 )2

b = 2cd b2 = 4c2 d2

⇒ a2 + b2 = c4 + d4 + 2c2 d2 = (c2 + d2 )2 .

Portanto, c2 + d2 = a2 + b2 . Como também c2 − d2 = a, somando e
subtraindo essas equações, obtemos, respectivamente,

√ √
a2 + b 2 + a a2 + b2 − a
c2 = e d2 = .
2 2
Logo,

r√ r√
a2 + b2 + a a2 + b2 − a
| c |= e | d |= . (1)
2 2
Como b 6= 0 e b = 2cd, devemos escolher os números reais c e d, com a
propriedade (1), de modo que o sinal do seu produto seja o mesmo sinal de
b. Assim, quando b > 0, tomamos c > 0 e d > 0, ou c < 0 e d < 0; quando
b < 0, tomamos c > 0 e d < 0, ou c < 0 e d > 0. Dessa maneira temos
exatamente dois números complexos δ e −δ cujo quadrado é α = a + bi.
√ √
Denotamos um deles por α o outro por − α.
2
Uma observação importante a ser feita, e que evitará que caiamos em
paradoxos, é que, ao contrário do caso real, não há nenhuma escolha padrão

para denotar uma das raízes quadradas de α pelo símbolo α. Isto poderá
ser feito caso a caso, explicitando qual das duas raízes quadradas de α está

sendo denotada por α.
√ √
Exemplo 1. Vamos resolver a equação x2 = 3 − i. Nesse caso, a= 3 e
b = −1. Temos a2 + b2 = 4 e, pelas equações (1),
r√ √ p √ p √ √
4+ 3 2+ 3 2 2+ 6
| c |= = √ = ,
2 2 2
r√ √ p √ p √ √
4− 3 2− 3 2 2− 6
| d |= = √ = .
2 2 2
Como b < 0, as soluções da equação são
p √ √ p √ √ p √ √ p √ √
2 2+ 6 2 2− 6 2 2+ 6 2 2− 6
− i e − + i.
2 2 2 2
Seção 4 A Raiz Quadrada 19

Exemplo 2. Vamos resolver a equação x2 = 1 + i. Temos a = 1, b = 1,


a2 + b2 =2 e, pelas equações (1),

r√ r√
2+1 2−1
| c |= , e | d |= .
2 2

Como b > 0, as soluções da equação são:

r√ r√ r√ r√
2+1 2−1 2+1 2−1
+i e − −i .
2 2 2 2

Agora, estamos prontos para resolver a equação x2 + αx + β = 0, onde


α, β ∈ C. Temos:
 α 2 α2
x2 + αx + β = x+ − +β
2 42
 α 2 α − 4β
= x+ − .
2 4
Seja ∆ = α2 − 4β ∈ C. Pelas considerações
√ anteriores, existem δ e −δ

em C, tais que δ2 = ∆. Escrevendo δ = ∆, temos −δ = − ∆ e a equação
proposta

 α 2 α2 − 4β
x+ − =0
2 4

é equivalente a


α ∆
x+ =± .
2 2

As soluções podem ser escritas como:

p p
−α + α2 − 4β −α − α2 − 4β
x1 = e x2 = ,
2 2

2
p
onde α2 − 4β é uma das raízes da equação x2 = α2 − 4β.

Exemplo 3. Quais as raízes da equação x2 + 2ix + (−2 − i) = 0? Temos


que ∆= (2i)2 − 4(−2 − i) = 4 + 4i. Devemos determinar números complexos
cujo quadrado é 4 + 4i. Temos a = 4, b = 4 e a2 + b2 = 32. Pelas fórmulas
(1), temos
20 Os Números Complexos Cap. 1

r√ r √
32 + 4 4 2+4 p √
| c |= = = 2 2 + 2,
2 2
r√ r √
32 − 4 4 2−4 p √
| d |= = = 2 2 − 2.
2 2
As soluções da equação proposta são, portanto,
√ √
−2i + ∆ −2i − ∆
x1 = e x2 = ,
2 2
√ p √ p √
onde ∆ = 2 2 + 2 + i 2 2 − 2.

Problemas

4.1 Resolva as equações:



a) x2 = 3 + 1; b) x2 = −1 + i; c) x2 = i;
d) x2 = 5 − 12i; e) x2 = 8 + 6i; f) x4 = −i.
4.2 Resolva as equações:

a) x2 − (2 + i)x + (−1 + 7i) = 0; b) x2 − (3 − 2i)x + 5 − 5i = 0.


1
4.3 Calcule |z|, sabendo que z+ = 1.
z

5 Forma Polar

Nesta seção, consideraremos uma outra representação, devida a Euler,


dos números complexos não nulos, chamada forma polar ou forma trigono-
métrica. Esta representação é de fundamental importância, pois relaciona
os números complexos com as funções trigonométricas, permitindo calcular
com maior facilidade o produto de dois números complexos, a potência e
a extração de raízes de um número complexo, bem como interpretar geo-
metricamente estas operações.

Seja z = a + bi um número complexo não nulo. O ponto P = (a, b) do


plano, que corresponde ao número z 6= 0, é diferente da origem
√O = (0, 0).
Portanto, o segmento de reta OP, de comprimento r = |z| = a2 + b2 6=
0, determina com o eixo x um ângulo θ cuja medida em radianos está no
intervalo [0, 2π).
O número real θ é chamado de argumento de z e é denotado por arg(z) =
θ. Observe que a = r cos θ e b = r sen θ.
Seção 5 Forma Polar 21


Figura 6: Argumento θ de z = a + bi 6= 0 e r= a2 + b 2 .

Chamamos o círculo de centro na origem (0, 0) e raio 1 de círculo unitário.


Recorde que o comprimento da circunferência de raio 1 é 2π radianos e a
medida em radianos de um ângulo não negativo é o comprimento do arco
correspondente no círculo unitário.
Geometricamente, o argumento de z é a medida em radianos, no círculo
unitário, do ângulo que devemos girar o semieixo positivo da reta real, no
sentido anti-horário, até coincidir com o segmento OP.
A forma polar ou forma trigonométrica do número complexo não nulo

z = a + bi, com módulo r= a2 + b2 e argumento arg(z) = θ, é denida
por

z = r(cos θ + i sen θ).


Quando expressamos um número complexo não nulo na forma polar,
explicitamos o seu módulo e o seu argumento.
Em alguns textos usa-se a notação cis θ, como um modo abreviado de
escrever cos θ + i sen θ.
Exemplo 1. Vamos determinar o argumento de cada um dos seguintes nú-
meros complexos:
√ z1 = 2, z2 = −2, z3 = 2i, z4 = −2i, z5 = 2 − 2i e
z6 = −1 − 3i.
Representando no plano os números z1 , z2 , z3 e z4 , visualizamos, imedia-
tamente, os seus argumentos.

Os números complexos z1 e z2 estão situados sobre o eixo horizontal,


chamado eixo real, sendo z1 no semieixo positivo e z2 no semieixo negativo.
Logo, arg(z1 ) = 0 e arg(z2 ) = π.

Os números complexos z3 e z4 estão situados sobre o eixo vertical, cha-


mado de eixo imaginário, sendo z3 no semieixo positivo e z4 no semieixo
π 3π
negativo. Logo, arg(z3 ) =
2 e arg(z4 ) = 2 .
22 Os Números Complexos Cap. 1

Observemos que z5 e z6 estão situados no quarto e terceiro quadrantes,


respectivamente.

Como
√ √
r5 = |z5 | =
p
22 + (−2)2 = 8 = 2 2 ,
temos que
√ √
2 √1 √1 √2 2
cos(θ5 ) = √
2 2
= 2
= 2
· 2
= 2
√ √
−2 −1 −1 √2 2
sen(θ5 ) = √
2 2
= √
2
= √
2
· 2
=− 2 .

Logo, θ5 = arg(z5 ) = 4 .

Como
q √ √
r6 = |z6 | = (−1)2 + (− 3)2 = 4 = 2 ,
temos que
√ √
−1
cos(θ6 ) = 2 = − 12 e sen(θ6 ) = − 3
2 =− 3
2 .

Logo, θ6 = arg(z6 ) = 3 .

Exemplo 2. Vamos expressar os números complexos do Exemplo 1 na forma


polar. Aproveitando os cálculos dos seus módulos e argumentos, temos:

z1 = 2 = 2(cos 0 + i sen 0), z2 = −2 = 2(cos π + i sen π),

z3 = 2i = 2 cos π2 + i sen π2 z4 = −2i = 2 cos 3π 3π


 
,
2 + i sen 2 ,


z5 = 2 − 2i = 2 2 cos 7π 7π

4 + i sen 4 ,

3i = 2 cos 4π 4π

z6 = −1 − 3 + i sen 3 .

Vejamos agora como se expressa na forma polar a igualdade de dois


números complexos não nulos.

Sejam θ, θ 0 ∈ R, z = r(cos θ + i sen θ) e z 0 = r 0 (cos θ 0 + i sen θ 0 ). Supo-


nhamos
0
que z = z . Então,

r(cos θ + i sen θ) = r 0 (cos θ 0 + i sen θ 0 ).

Logo, r = |z| = |z 0 | = r 0 > 0 e, cancelando r na igualdade acima, obte-


0 0
mos cos θ + i sen θ = cos θ + i sen θ . Da igualdade de números complexos,
0 0
obtemos cos θ = cos θ e sen θ = sen θ . Da periodicidade das funções tri-
0
gonométricas, segue-se que θ = θ + 2π`, para algum ` ∈ Z. Nesse caso,
0 0
dizemos que θ é congruente a θ módulo 2π e escrevemos θ ≡ θ mod 2π.
Seção 5 Forma Polar 23

Ao marcarmos sobre o círculo unitário os comprimentos de θ radianos e


θ + 2π` radianos, no sentido anti-horário ou horário, dependendo dos sinais
de θ e de `, começando no ponto A = (1, 0), correspondente a 0 radianos,
paramos no mesmo ponto P . Assim, os segmentos OA e OP , segmentos
inicial e nal para a determinação do ângulo em graus correspondente a θ
radianos e a θ + 2π` radianos, coincidem (Figura 7).

Figura 7: Congruência de θ e θ + 2π.

Com os conceitos de módulo e argumento, daremos uma interpretação


geométrica para a multiplicação de números complexos não nulos.

Proposição 5.1 (Produto de números complexos na forma polar). Dados


z = r(cos θ + i sen θ) e z 0 = r 0 (cos θ 0 + i sen θ 0 ), temos que
z · z 0 = rr 0 cos(θ + θ 0 ) + i sen(θ + θ 0 ) .


Demonstração De fato,

z· z0 = r(cos θ + i sen θ)r 0 (cos θ 0 + i sen θ 0 )


= rr 0 (cos θ cos θ 0 − sen θ sen θ 0 ) + i(cos θ sen θ 0 + sen θ cos θ 0 )


= rr 0 cos(θ + θ 0 ) + i sen(θ + θ 0 ) .


Na última igualdade, usamos as identidades trigonométricas:

cos(θ + θ 0 ) = cos θ cos θ 0 − sen θ sen θ 0 ; e

sen(θ + θ 0 ) = cos θ sen θ 0 + sen θ cos θ 0 .


2
A relação da proposição anterior dá a seguinte interpretação geométrica
para o produto de números complexos não nulos: para calcular o produto de
24 Os Números Complexos Cap. 1

z com z 0, calculamos o produto dos módulos de z e z0 e somamos os seus

argumentos θ 0
e θ .

Mais ainda, com as notações da proposição anterior, a divisão de z por


z 0 , é determinada dividindo os módulos de z 0
e z e subtraindo do argumento
0
de z o argumento de z , pois

z r (cos θ + i sen θ)
=
z0 r 0 (cos θ 0 + i sen θ 0 )
r
= (cos θ + i sen θ) (cos θ 0 − i sen θ 0 )
r0
r
= (cos θ + i sen θ) (cos(−θ 0 ) + i sen(−θ 0 ))
r0
r
= (cos(θ − θ 0 ) + i sen(θ − θ 0 )) .
r0
Exemplo 3. Vamos determinar na forma polar o produto
√ √ z · z 0, sendo
z = −5 + 5 3i e z 0 = 2 3 − 2i.
Temos q √ √ √
r = (−5)2 + (5 3)2 = 25 + 25 · 3 = 100 = 10 e

q √ √ √
r0 = (2 3)2 + (−2)2 = 4 · 3 + 4 = 16 = 4 .
Portanto, rr 0 = 40 .
Note que z e z0 estão no segundo e quarto quadrantes, respectivamente.
Além disso,
√ √
−5 1 5 3 3 2π
cos θ = 10 = − 2 e sen θ =
10 = 2 , nos dá θ = arg(z) = 3 ;
√ √
cos θ 0 = 2 4 3 = 23 e sen θ 0 = −1 0 0 11π
2 , nos dá θ = arg(z ) = 6 .
Assim,

θ + θ0 = 2π
3 + 11π
6 = 15π
6 = 2π + π
2.

Logo,

z · z 0 = 40 cos(2π + π
+ i sen 2π + π2 ) = 40 cos π2 + i sen π2 .
  
2
Para visualizar os argumentos, faça a representação dos números com-
plexos z, z 0 e z · z0 no plano.

Qual é em geral o argumento de um produto z · z 0?


Como 0 ≤ θ = arg(z) < 2π e 0 ≤ θ 0 = arg(z 0 ) < 2π, temos 0 ≤
θ+ θ0 < 4π e há um único θ 00 , com 0 ≤ θ 00 < 2π tal que
cos θ 00 = cos(θ + θ 0 ) e sen θ 00 = sen(θ + θ 0 ).
Seção 5 Forma Polar 25

θ 00 pertencente ao intervalo [0, 2π)


Dizemos que é congruente a θ + θ0
0 00
módulo 2π e arg(z · z ) = θ .
0
Assim, z · z é o número complexo, tal que

|z · z 0 | = r · r 0 e arg(z · z 0 ) = θ 00 ∈ [0, 2π), θ 00 ≡ θ + θ 0 mod 2π.


Exemplo 4. O que signica multiplicar um número complexo z 6= 0 por i?

Figura 8: Multiplicação de z 6= 0 por i.

iz tem módulo |iz| = |z| e seu argumento é congruente


O número complexo
π
a arg(z) + 2π.
2 módulo
o
O produto de i por z corresponde a uma rotação de 90 em torno da ori-
gem, no sentido anti-horário, do ponto do plano correspondente a z (Figura
8).

Exemplo 5. Quando multiplicamos dois núneros complexos z e z 0 de módulo


1 e argumentos θ e θ 0, o produto é o número complexo do círculo unitário
denido por θ + θ 0. √ √
Para ilustrar, consideremos z = 23 + 12 i e z 0 = 21 + 23 i. Vericamos
que |z| = |z 0 | = 1, arg(z) = π
6
0
e arg(z ) =
π π π π
3 . Como 6 + 3 = 2 , temos
z · z 0 = cos π2 + i sen π2 = i.
A multiplicação na forma polar permite determinar uma expressão para
potências de expoente inteiro n cuja base é um número complexo não nulo,
conforme veremos na seguinte proposição.

Proposição 5.2 2
(Fórmula de De Moivre ). Dado um número complexo não
nulo na forma polar z = r(cos θ + i sen θ), então, para cada número inteiro

n, tem-se que

zn = rn (cos(nθ) + i sen(nθ)).
2
Em homenagem ao matemático francês Abraham De Moivre (1667-1754), autor dessa
fórmula, além de probabilista e atuário.
26 Os Números Complexos Cap. 1

Demonstração Esta demonstração será feita por indução sobre o expoente


n. Como r0 = 1, então r0 (cos(0 · θ) + i sen(0 · θ)) = 1 e a fórmula vale para
n = 0. Seja n ≥ 0 e suponhamos que a igualdade seja válida para n, isto é,
zn = rn (cos(nθ) + i sen(nθ)). Então,
zn+1 = z · zn

= r(cos θ + i sen θ) · rn (cos(nθ) + i sen(nθ))




= rn+1 cos(θ + nθ) + i sen(θ + nθ)




= rn+1 cos ((n + 1)θ) + i sen((n + 1)θ) ,




onde a segunda igualdade segue da hipótese de indução, a terceira da multi-


plicação de números complexos na forma polar e a última mostra a validade
da fórmula do enunciado para n + 1. Concluímos, por indução, a validade
da fórmula para todo número natural n.
Seja n < 0 um inteiro. Então, −n > 0 e zn = (z−1 )−n . Como z−1 =
z/|z|2 = 1r (cos θ − i sen θ) = r−1 (cos(−θ) + i sen(−θ)), pela fórmula já de-
monstrada temos

(z−1 )−n = (r−1 )−n (cos((−n) · (−θ)) + i sen((−n) · (−θ)))


= rn (cos(nθ) + i sen(nθ)).

Logo, a igualdade vale para todo n ∈ Z. 2



Exemplo 6. Seja z = − 3 + i. Vamos calcular z8 .
q √ √ √
Nesse caso, r = (− 3)2 + 12 = 3 + 1 = 4 = 2.
√ √
Além disso, as relaçõescos θ = − 2 3 = − 23 e sen θ = 12 nos dizem que

arg(z) = θ = 5π 5π 5π

6 . Logo, z = 2 cos 6 + i sen 6 e
5π 5π
8 8 = 256 cos 40π 40π
  
z = 2 cos 8 · 6 + i sen 8 · 6 6 + i sen 6 .
Vamos determinar arg(z8 ), isto é, θ ∈ [0, 2π) com θ congruente a 40π
6 .
40π 20π 18π+2π 2π
Escrevemos
6 = 3= 3 = 6π + 3 (6π corresponde a 3 voltas no
8 2π
círculo unitário). Logo, o argumento de z é
3 e
z8 = 256 cos 3 + i sen 2π


3 .

Exemplo 7. Vamos calcular z6 ,


onde z = −1 + i.
p √ √
Nesse caso, r = (−1)2 + 12 = √1 + 1 = 2. Além disso,

as igualdades
−1 1 2 1 2
cos θ = √2 = − √2 = − 2 e sen θ = √2 = 2 ,
Seção 5 Forma Polar 27



2 cos 3π 3π

nos dizem que arg(z) = θ = 4 . Logo, z= 4 + i sen 4 e, por-
tanto,
√ 3π 3π
z6 = ( 2)6 cos 6 · = 8 cos 18π 18π
  
4 + i sen 6 · 4 4 + i sen 4 .
6 18π
Vamos determinar arg(z ), isto é, θ ∈ [0, 2π) com θ congruente a
4 .
18π 9π 8π+π π
Escrevemos
4 = 2 = 2 = 4π + 2 (4π corresponde a 2 voltas no círculo
unitário).
π
Portanto, θ= 2 é o argumento de z6 e

z6 = 8 cos π2 + i sen π2 = 8i.




Certamente, o leitor observou que no cálculo do argumento de zn sub-


traímos de n · arg(z) um múltiplo inteiro conveniente de 2π, de modo a obter
um
n
número real θ ∈ [0, 2π) tal que θ = arg(z ).

A fórmula do produto de dois números complexos da Proposição 5.1, no


caso em que os números complexos têm módulos iguais a 1,

(cos θ + i sen θ)(cos θ 0 + i sen θ 0 ) = cos(θ + θ 0 ) + i sen(θ + θ 0 ),

sugere a possibilidade de haver uma conexão entre números complexos e


logaritmos (ou, equivalentemente, exponenciais), pois ao produto de dois
números complexos está associada a soma de seus argumentos.
De fato, tal conexão existe e é dada pela fórmula:

eiθ = cos θ + i sen θ.

Essa fórmula foi descoberta por Euler, que constatou a sua validade compa-
rando as séries de Taylor do seno, do cosseno e da exponencial:

θ θ3 θ5
sen θ = 1! − 3! + 5! − ··· ,

θ2 θ4
cos θ = 1 − 2! + 4! − ··· ,

iθ (iθ)2 (iθ)3 (iθ)4


eiθ = 1 + 1! + 2! + 3! + 4! + ··· .

Em particular,

eiπ = cos π + i sen π = −1.


Euler, então escreveu uma das mais belas fórmulas matemáticas, envolvendo
cinco números importantes 0, 1, e, π, i, a saber,

eiπ + 1 = 0.
28 Os Números Complexos Cap. 1

Assim, podemos escrever todo número complexo não nulo na forma

z = r(cos θ + i sen θ) = reiθ .

Portanto, o produto se expressa como:

0 0
(reiθ )(r 0 eiθ ) = (r · r 0 )ei(θ+θ ) ,
e a fórmula de De Moivre como:

(reiθ )n = rn einθ .

Problemas

5.1 Determine o módulo e o argumento do número complexo z e o escreva


na forma polar. Represente z no plano, indicando o seu módulo e o seu
argumento no desenho.

a) z = 3 − 3i ; b) z = 5i ; c) z = −7 ;
√ √
d) z = 2 + 2i ; e) z = 3 − i; f ) z = 2 3 − 2i ;
1
g) z = h) z = 5 ; i) z = −2i .
1+i ;

5.2 Dados z ∈ C, z 6= 0, e o número real positivo r dê uma interpretação


geométrica para os produtos:

a) zr; b) zeiθ ; c) zreiθ .


5.3 Calcule as potências abaixo, usando a forma polar do número complexo:
√ √
a) (2 + 2i)5 ; b) (−1 + i)7 ; c) (− 3 − i)10 ; d) (−1 + 3i)8 .
5.4 √
√ Determine os valores do número natural n ≥ 2, para os quais
( 2 + 2i)n
a) é um número real; b) é um imaginário puro.
√ n
3
5.5 Calcule os possíveis valores de
2 + 12 i , para n variando em Z.

5.6 Dados os números complexos não nulos z e w, mostre que o cosseno do


ângulo θ formado entre z e w vistos como vetores do plano é dado por

zw + wz
cos θ = .
2|z| |w|
Seção 6 Extração de Raízes n-ésimas 29

6 Extração de Raízes n-ésimas


Na Seção 4, vimos que todo número complexo, não nulo, tem duas raízes
complexas quadradas e, mais ainda, aprendemos a determiná-las. Vamos
agora generalizar esse resultado, mostrando que todo número complexo não
nulo tem n raízes n-ésimas complexas e aprenderemos a determiná-las.

Como em um corpo qualquer é possível efetuar sem restrições as quatro


operações (exceto a divisão por zero), tem sentido a potenciação com expo-
ente inteiro. Uma pergunta natural que surge é se podemos inverter esta
operação; ou seja, se podemos extrair raízes n-ésimas de elementos de um
corpo, para n ∈ N \ {0}. Primeiro, devemos responder à pergunta:

O que é uma raiz n-ésima em um corpo K?


Seja n≥1 um número natural e seja z ∈ K. Um elemento w∈K tal que
wn =z é chamado uma raiz n-ésima de z.
Observações

(1) É claro que se n = 1, então a única raiz 1-ésima de z é o próprio z, para


qualquer corpo K.
(2) Se z = 0, então a equação xn = 0 tem uma única solução, para todo
n≥1 e para todo corpo K.
Em resumo, os casos interessantes são z∈K não nulo e n ≥ 2.
(3) Quando n≥2ez∈Ké não nulo, nem sempre existe em K uma raiz
n-ésima de z. Vejamos alguns exemplos.

a) Em Q não há raízes quadradas de 2;


√ √
b) Em R há duas raízes quadradas de 2: 2 e − 2. Na verdade;

c) se n é par, em R não há raízes n-ésimas de números negativos;

d) se n é par, em R há duas raízes n-ésimas de a > 0, o número real positivo



n

a e o seu simétrico− n a;
e) se n é ímpar, em R há uma única raiz n-ésima de qualquer número real.

(4) Mostraremos no Capítulo 4 (Proposição 1.1) que um elemento de um


corpo K tem no máximo n raízes n-ésimas em K.

Nesta Seção, mostraremos que estamos no melhor dos mundos, pois


no corpo dos números complexos C todo z 6= 0 possui exatamente n raízes
n-ésimas. Vejamos alguns exemplos.
30 Os Números Complexos Cap. 1

Exemplo 1. Todo w ∈ {1, −1, i, −i} tem a propriedade w4 = 1 (verique) e


é chamado uma raiz quarta complexa da unidade.
√ √
Exemplo 2. Todo w ∈ {−4i, 2 3 + 2i, −2 3 + 2i} é uma raiz cúbica de 64i.
De fato, temos (−4i) 3 = (−4)3 · i3 = (−64) · (−i) = 64i. Para calcular o
√ √
cubo dos números 2 3 + 2i e −2 3 + 2i escrevemos primeiro a sua forma
polar:
√ √
2 3 + 2i = 4 cos π6 + i sen π6 −2 3 + 2i = 4 cos 5π 5π
 
e
6 + i sen 6 .
Usando a fórmula de De Moivre, obtemos


(2 3 + 2i)3 = 43 cos π2 + i sen π2 = 64i ,


(−2 3 + 2i)3 = 43 cos 5π 5π

2 + i sen 2

= 4 cos 2π + 2 + i sen 2π + π2
3 π
 

= 64 cos π2 + i sen π2 = 64i .




Proposição 6.1 (Raízes complexas n-ésimas). Todo número complexo z 6=


0 tem exatamente n raízes complexas n-ésimas, para cada número natural
n ≥ 1, a saber,

zk = n r cos θ+2πk + i sen θ+2πk
 
, k = 0, 1, . . . , n − 1,
n n
onde r = |z| > 0 e θ = arg(z).

Demonstração n ≥ 2 um número natural dado. Primeiramente, es-


Seja
crevemos z z = r(cos θ + i sen θ), onde r = |z| e θ = arg(z).
na forma polar
Vamos calcular as raízes n-ésimas também na forma polar. Queremos deter-
minar os números complexos w = ρ(cos φ + i sen φ) tais que z = w .
n
n n n
Como w = ρ (cos(nφ) + i sen(nφ)), temos que w = z se, e somente
se,


ρn = r ρ= n
r, ρ ∈ R , ρ > 0
⇐⇒ θ+2πλ
nφ = θ + 2πλ, λ ∈ Z φ= n , λ ∈ Z.

Portanto, temos que


    
n
θ + 2πλ θ + 2πλ
zλ = r cos + i sen , onde λ ∈ Z.
n n

Sejam λ, µ ∈ Z. Da igualdade de números complexos na forma polar,


temos que
Seção 6 Extração de Raízes n-ésimas 31

θ+2πµ
zλ = zµ ⇐⇒ θ+2πλ
n − n = 2π`, para algum `∈Z

2πµ
⇐⇒ 2πλ
n − n = 2π`, para algum `∈Z

µ
⇐⇒ λ
n − n = `, para algum `∈Z

⇐⇒ λ − µ = `n, para algum `∈Z

⇐⇒ λ ≡ µ mod n.

Portanto, só interessa o resto que λ deixa na divisão por n. Para cada


resto há uma raiz n-ésima de z.
Logo, para cada k = 0, 1, . . . , n − 1 há uma raiz complexa n-ésima de z,
θ+2πk
determinada pelo argumento φk =
n , sendo as raízes complexas n-ésimas
de z, portanto, dadas por


n θ+2πk
zk = r(cos φk + i sen φk ) , φk = n , k = 0, 1, . . . , n − 1.

Exemplo 3. Segue da proposição anterior que os três números complexos


do Exemplo 2 são todas as raízes cúbicas de 64i.

Exemplo 4. Vamos determinar as raízes cúbicas de z = −27i.



Temos r = 27 e θ = arg(z) = 2 . Portanto, as raízes complexas cúbicas de z
√ 3
têm como módulo o número real ρ= 27 = 3 e argumentos

θ + 2πk π 2πk
φk = = + , k = 0, 1, 2.
3 2 3
Assim, as raízes cúbicas z0 , z1 ez2 de z são obtidas como segue:

π
⇒ z0 = 3 cos π2 + i sen π

φ0 = 2 = 3i; 2
√ √
6 ⇒ z1 = 3 cos 6 + i sen 6 = 3 − 2 − i 2 = − 2 − 2 i;
φ1 = 7π 7π 7π 3 1 3 3 3
 
√  3√3 3
φ2 = 11π ⇒ 11π 11π 3 1

6 z2 = 3 cos 6 + i sen 6 = 3 2 − i 2 = 2 − 2 i.

Exemplo 5. Mostraremos como é possível obter resultados muito interes-


santes, fazendo os cálculos de duas maneiras diferentes.
q√ q√
2+1 2−1
No Exemplo 2 da Seção 4, vimos que w= 2 +i 2 e −w eram
as raízes quadradas de z = 1 + i.
32 Os Números Complexos Cap. 1

√ √
|z| = π
2 cos π4 + i sen π4

Como 2 e arg(z) = 4 , temos que z= . Pela
proposição anterior, as raízes complexas quadradas de z são
√  π
+2πk
 π
+2πk

zk = 4 2 cos 4 2 + i sen 4 2

2 cos π8 + πk + i sen π8 + πk , onde k = 0, 1.
4
 
=

4
2 cos π8 + i sen π8 e z1 = −z0 . Comparando com o resultado

Logo, z0 =
obtido no Exemplo 2 da Seção 4, obtemos que

√  q √2+1 q√
4
2 cos π8 + i sen π8 = 2 + i 2−1
2 .

Da igualdade de números complexos, segue que


4 π
q√
2+1

4 π
q√
2−1
2 cos 8 = 2 e 2 sen 8 = 2 ,

que é equivalente a
√ √ √ √
π 2+ 2 π 2− 2
cos 8 = 2 e sen 8 = 2 .

Quando z = r é um número real positivo, temos arg(z) = 0 e as n


2πk
raízes complexas n-ésimas de z têm argumento dado por φk =
n , onde
k = 0, 1, . . . , n − 1.
Geometricamente, as raízes complexas n-ésimas do número real positivo

r são os pontos que dividem em n partes iguais o círculo de raio n r centrado
na origem. Logo, se n ≥ 3, eles são os vértices de um polígono regular de n
√n
lados, sendo um deles o ponto r.
Exemplo 6. As 4 raízes complexas quartas de 16 são os números complexos:
2, 2i, −2, −2i, determinados por

2π · k π·k √
4
φk = = , k = 0, 1, 2, 3 ; ρ= 16 = 2 .
4 2
Então,

φ0 = 0 ⇒ z0 = 2(cos 0 + i sen 0) = 2 ,
φ1 = π
2 ⇒ z1 = 2(cos π2 + i sen π2 ) = 2i ,
φ2 = π ⇒ z2 = 2(cos π + i sen π) = −2 ,
φ3 = 3π
2 ⇒ z3 = 2(cos 3π 3π
2 + i sen 2 ) = −2i .
Veja na Figura 9 a representação geométrica das raízes complexas quartas

4
de 16 no círculo de raio 2= 16 centrado na origem e das raízes complexas
quartas de 1 no círculo de raio 1.
Seção 6 Extração de Raízes n-ésimas 33

Figura 9: Raízes quartas de 16 e de 1.

Problemas
π π
6.1 Seja z = cos 15 + i sen 15 . Determine as raízes complexas quartas de
z20 .
6.2 Determine as raízes complexas n-ésimas de z:

a) n = 2, z = 1 − 3i; b) n = 4, z = 3;
c)n = 3, z = −16 + 16i; d) n = 6, z = −1.
p3

6.3 Calcule 7 + i 13 .

αk + α−k
6.4 Seja α = cos θ + i sen θ. Mostre que cos kθ = e sen kθ =
2
αk − α−k
, para todo n ∈ N.
2i
6.5 Represente as seguintes funções trigonométricas como soma de funções
trigonométricas de ângulos múltiplos de θ:
3
a) sen θ;
4
b) sen θ; c) cos5 θ; d) cos6 θ.
Sugestão Use o Problema anterior.

6.6 Determine as raízes quadradas de z= 3 + i, usando a forma polar,
π
compare com o resultado obtido no Problema 4.1 item (a) e determine cos 12
π
e sen 12 .
√ √ √ √
2+ 2 2− 2
6.7 Sabendo que cos π8 + i sen π8 = 2 + 2 i, determine as suas
raízes quadradas pelos métodos da Seção 4 e dessa seção, compare-as e calcule
π π
cos 16 e sen 16 .
34 Os Números Complexos Cap. 1

6.8 Determine (1 + cos θ + i sen θ)n , para todo natural n ≥ 1.


6.9 Mostre que:
n n
cos nθ = cosn θ − cosn−2 θ sen2 θ + cosn−4 θ sen4 θ − · · · + a,
 
i)
2 4
onde
 n
(−1) 2 senn θ, se n é par ;
a= n−1
n−1
(−1) 2 n cos θ sen θ, se n é ímpar.
sen nθ = n1 cosn−1 θ sen θ − n3 cosn−3 θ sen3 θ + · · · + b,
 
ii)

onde,

 (−1) n−2
2 n cos θ senn−1 θ, se n é par ;
b= n−1
 (−1) 2 senn θ, se n é ímpar.

Sugestão Calcule (cos θ+i sen θ)n , usando a fórmula do binômio de Newton
e compare com o resultado obtido pela forma polar.

7 Raízes da Unidade

As raízes complexas n-ésimas de 1 são chamadas raízes n-ésimas da

unidade.

A única raiz 1-ésima da unidade é 1. Quando n ≥ 2, temos que

2πk
θ = arg(1) = 0, φk = n , onde k = 0, 1, . . . , n − 1,
e as raízes complexas n-ésimas da unidade são os pontos

2πk 2πk
zk = cos + i sen , k = 0, 1, . . . , n − 1,
n n
que dividem o círculo em n partes iguais, sendo z0 = 1. Portanto, as raízes
n-ésimas da unidade são vértices de um polígono regular de n lados inscrito
no círculo de centro na origem e raio 1 em C, tendo um dos vértices no ponto
1. Esta interpretação geométrica das raízes n-ésimas da unidade é devida a
Euler.

Exemplo 1. As raízes quadradas da unidade são {1, −1} e as raízes quartas


da unidade são

{1, i, −1,√−i}. Por outro lado, as raízes cúbicas da unidade

são 1, − 2 + 2 i, − 12 − 23 i .
1 3

Veja na Figura 9 a representação geométrica das raízes complexas quartas


da unidade no círculo de raio 1 centrado na origem.
Seção 7 Raízes da Unidade 35

Exemplo 2. Nas Figuras 10 e 11 estão representadas as raízes complexas


cúbicas da unidade e as raízes complexas sextas da unidade, respectivamente.

Figura 10: Raízes complexas cúbicas de 1. Figura 11: Raízes complexas sextas de 1.

Denotando ξ = z1 = cos 2π 2π
n + i sen n , temos que

zk = cos 2πk 2πk k


n + i sen n = ξ , k = 0, . . . , n − 1.
Portanto, as n raízes complexas da unidade são obtidas como potências
de ξ, a saber,

Un (C) = 1, ξ, . . . , ξn−1 , com ξn = 1.
Nas guras 12, 13, 14 e 15 estão representadas, respectivamente, as raízes
cúbicas, quartas, sextas e oitavas da unidade, como potências de ξ = cos 2π
n +
i sen 2π
n, para n = 3, 4, 6, 8.

2π 2π
Figura 12: ξ = ei 3 e as raízes cúbicas de 1. Figura 13: ξ = ei 4 e as raízes quartas de 1.
36 Os Números Complexos Cap. 1

2π 2π
Figura 14: ξ = ei 6 e as raízes sextas de 1 Figura 15: ξ = ei 8 e as raízes oitavas de 1.

Vimos que cada número complexo não nulo z tem n raízes n-ésimas.
Conhecendo uma das suas raízes n-ésimas, podemos determinar todas as
outras raízes n-ésimas, multiplicando-a pelas raízes n-ésimas da unidade.

Proposição 7.1. z um número complexo não nulo, w ∈ C


Seja uma raiz

n-ésima de z e ξ = cos 2π 2π
n + i sen n . Então, as raízes n-ésimas de z são
r
w · ξ , r = 0, . . . , n − 1.

Demonstração (w · ξr )n = wn · (ξn )r = z · 1r = z, logo w · ξr é


É claro que
raiz n-ésima de z, para todo r = 0, . . . , n − 1.
n
Seja α ∈ C uma raiz n-ésima de z. Então, α = z = w e 1 = α · w
n n −n =
−1
n −1
α·w . Portanto, α · w é uma raiz n-ésima da unidade. Logo, existe
r = 0, . . . , n − 1, tal que α · w−1 = ξr , isto é, α = w · ξr , para algum
r = 0, . . . , n − 1. 2

Exemplo 3. Uma raiz quarta de 16 é o número real positivo 2. As quatro


raízes complexas quartas de 16 são 2, 2i, −2 e −2i.

Observamos anteriormente que as potências de expoentes 0, 1, 2, . . .,


n−1 de ξ = cos 2π 2π
n + i sen n fornecem todas as raízes n-ésimas da unidade.
Temos, mais ainda,
{ξm ; m ∈ Z} = Un (C).
De fato, dado m ∈ Z, pela divisão euclidiana de m por n, existem q, r ∈ Z
tais que m = nq + r, onde 0 ≤ r ≤ n − 1. Assim,

ξm = ξnq+r = (ξn )q · ξr = 1q · ξr = ξr ,
Seção 7 Raízes da Unidade 37

mostrando que ξm ∈ Un (C). A outra inclusão é óbvia.

Uma raiz complexa n-ésima da unidade α é chamada uma raiz primitiva


n-ésima da unidade se

Un (C) = {αm ; m ∈ Z} .

Isto é equivalente ao fato das potências de α determinarem todas as raízes


n-ésimas da unidade.

Exemplo 4. −1 é a única raiz primitiva quadrada da unidade.

Exemplo 5. i e −i são as únicas raízes primitivas quartas da unidade, pois

{im ; m ∈ Z} = {1, i, i2 = −1, i3 = −i} = U4 (C),


{(−i)m ; m ∈ Z} = {1, −i, (−i)2 = −1, (−i)3 = i} = U4 (C),
{1m ; m ∈ Z} = {1} 6= U4 (C),
{(−1)m ; m ∈ Z} = {1, −1} 6= U4 (C).

As raízes primitivas n-ésimas da unidade, como qualquer uma das outras



podem ser obtidas como potências da raiz ξ = cos
raízes da unidade,
n +
i sen 2π
n e são caracterizadas na seguinte proposição.

Proposição 7.2. Sejam n≥2 um número natural, λ um número inteiro e


2π 2π
ξ = cos n + i sen n . Então, as seguintes propriedades são equivalentes:
λ
(i) ξ é uma raiz primitiva n-ésima da unidade;

(ii) mdc(λ, n) = 1;

(iii) n = min s ∈ Z ; s ≥ 1 e (ξλ )s = 1 .

Demonstração (i) ⇒ (ii) : ξλ



Seja n-ésima da uni-
uma raiz primitiva
dade com n ≥ 2. Suponhamos, por absurdo, que mdc(λ, n) = d > 1.
λ ds
Escrevemos n = dq, com 1 < q < n, e λ = ds. Então, ξ = ξ . Elevando
ambos os membros desta igualdade à potência q, obtemos

q q
ξλ = ξds = ξ(ds)q = ξ(dq)s = (ξn )s = 1.

m ∈ Z, pela divisão euclidiana


Dado de m q, existem
por inteiros q0 , r
0
tais que m = qq + r, onde 0 ≤ r ≤ q − 1.
λ m
Assim, (ξ ) = (ξ )
λ r e o conjunto


S = (ξλ )m ; m ∈ Z} = {ξλ , (ξλ )2 , . . . , (ξλ )q−1 , (ξλ )q = 1
38 Os Números Complexos Cap. 1

tem no máximo q < n elementos. Logo, S ( {ξm ; m ∈ Z} = Un (C), contra-


dizendo o fato
λ
de ξ ser uma raiz primitiva n-ésima da unidade.

(ii) ⇒ (iii) :

Suponhamos que
mdc(λ, n) = 1.
Consideremos o conjunto S = s ∈ Z ; s > 0 e (ξλ )s = 1 . Como (ξλ )n =
(ξn )λ = 1λ = 1, então n ∈ S, logo S 6= ∅. Pelo Princípio da Boa Ordenação,
S tem menor elemento, digamos s0 .
Vamos mostrar que s0 = n.
λ s
Temos que s0 > 0 e (ξ ) 0 = 1, pois s0 ∈ S. Pela divisão euclidiana de s0
por n, existem inteiros q e r tais que s0 = nq + r, com 0 ≤ r < n. Portanto,

1 = (ξλ )s0 = (ξλ )nq+r = (ξn )λq · ξλr = ξλr .

Logo, λr ≡ 0 mod n. Como mdc(λ, n) = 1, então λ mod n tem inverso e


r ≡ 0 mod n. Em virtude de 0 ≤ r < n, a única possibilidade é r = 0. Logo,
s0 = nq e n ≤ s0 . Como n ∈ S, temos que s0 ≤ n, obtendo que s0 = n.
(iii) ⇒ (i) : Suponhamos que


n = min s ∈ Z ; s > 0 e (ξλ )s = 1 .
Então, (ξλ )` 6= 1, para todo1 ≤ ` < n.
Armamos que (ξλ )r 6= (ξλ )s , para quaisquer 0 ≤ r < s < n.
λ r λ s
De fato, suponhamos, por absurdo, que (ξ ) = (ξ ) , onde 0 ≤ r < s <
λ (s−r)
n, então (ξ )  = 1, com 1 ≤ s − r < n, uma contradição.
λ λ 2
Portanto, 1, ξ , (ξ ) , . . . , (ξ )
λ n−1 tem exatamente n elementos e todos

são raízes n-ésimas, logo

 λ λ 2
1, ξ , (ξ ) , . . . , (ξλ )n−1 = Un (C),

mostrando que ξλ é uma raiz primitiva n-ésima da unidade. 2


Recorde que, no curso de Aritmética (cf. [4]), a função de Euler, para
n ≥ 2, foi denida pela fórmula:

Φ(n) = #{s ; 1 ≤ s < n e mdc(s, n) = 1}.

Corolário 1. Há Φ(n) raízes primitivas n-ésimas da unidade.

Demonstração É uma consequência imediata da propriedade (ii) na pro-


posição anterior. 2
Seção 7 Raízes da Unidade 39

Proposição 7.3. Um elemento ζ ∈ C é, simultameamente, uma raiz m-


ésima e n-ésima da unidade se, e somente se, ζ é uma raiz d-ésima da

unidade, onde d = mdc(m, n).


Demonstração ζm = 1 e ζn = 1. Consideremos d = mdc(m, n).
Temos que
Logo, existem a, b ∈ Z tais que am + bn = d. Então, ζ = ζ
d am+bn =
am bn m b n b
ζ ·ζ = (ζ ) ·(ζ ) = 1, mostrando que ζ é uma raiz d-ésima da unidade.
Reciprocamente, suponhamos que ζ seja uma raiz d-ésima da unidade, onde
d = mdc(m, n). Como existem inteiros positivos a e b tais que m = da e
n = db, então ζm = ζda = (ζd )a = 1 e ζn = ζdb = (ζd )b = 1, logo ζ é,
simultaneamente, uma raiz m-ésima e n-ésima da unidade. 2

Exemplo 6. As raízes, simultaneamente, 9-ésimas e 12-ésimas da unidade


são as raízes cúbicas da unidade:
√ √
1, ξ = − 21 + 3
2 i e ξ2 = − 21 − 3
2 i.

Corolário 1. Se m e n são primos entre si, então 1 é a única raiz, simul-

taneamente, m-ésima e n-ésima da unidade.

Quem resolveu o Problema 2.12 aprendeu que

(i) o produto de duas raízes n-ésimas da unidade é uma raiz n-ésima da


unidade;

(ii) o inverso de uma raiz n-ésima da unidade é uma raiz n-ésima da uni-
dade;

(iii) toda potência inteira de uma raiz n-ésima da unidade é uma raiz n-
ésima da unidade.

Na proposição a seguir vamos usar essas propriedades.

Proposição 7.4. Sejam ζ1 , ζ2 ∈ C, respectivamente, raízes primitivas m-


ésimas e n-ésimas da unidade, com mdc(m, n) = 1. Então, ζ1 · ζ2 é raiz

primitiva mn-ésima da unidade.

Demonstração Primeiramente, ζ1 · ζ2 é uma raiz mn-ésima da unidade,


pois
(ζ1 · ζ2 )mn = (ζm n n m
1 ) · (ζ2 ) = 1 · 1 = 1.
Pelo item (iii) da Proposição 7.2, basta mostrarmos que mn é o menor inteiro
`
positivo ` tal que (ζ1 · ζ2 ) = 1.
` ` `
De fato, seja ` um inteiro positivo tal que 1 = (ζ1 ·ζ2 ) = ζ1 ·(ζ2 ) . Então,
ζ1 = (ζ2 ) , que pelas propriedades (iii) e (ii), citadas acima, signica que ζ`1
` ` −1
40 Os Números Complexos Cap. 1

é uma raiz n-ésima da unidade. Portanto, ζ`1 = (ζ`2 )−1 ∈ Um (C) ∩ Un (C) =
{1}, pois mdc(m, n) = 1 (cf. Corolário 2). Logo, ζ`1 = 1 e (ζ2 )` = 1. Pela
divisão euclidiana de ` por m e por n, existem, respectivamente, inteiros q,r
0 0
e q , r , tais que

` = mq + r, com 0 ≤ r < m, e ` = mq 0 + r 0 , com 0 ≤ r 0 < n.


Logo,

1 = ζ`1 = ζmq+r
1 = (ζm q r r r
1 ) · ζ1 = 1 · ζ1 = ζ1 , e
0 +r 0 0 0 0 0
1 = (ζ2 )` = (ζ2 )nq = (ζn2 )q · (ζ2 )r = 1 · (ζ2 )r = (ζ2 )r .

Comor<m e r
0
< n, pelo item (iii) da Proposição 7.2, concluímos que
r=0 e r
0
= 0. Portanto, ` é múltiplo, simultaneamente, de m e de n, logo
é múltiplo do mmc(m, n) = mn. 2
Como consequência da proposição acima temos uma nova demonstração
da propriedade multiplicativa da função de Euler:

Φ(mn) = Φ(m)Φ(n), se mdc(m, n) = 1.

Corolário 1. Sejamn ≥ 2 e p1 < · · · < ps números naturais primos tais


que n = pr11 · · · prss . Se
ζj é uma raiz primitiva pj rj -ésima da unidade, para
cada j = 1, . . . , s, então ζ1 · · · ζs é uma raiz n-ésima da unidade.

Problemas

7.1 Determine e represente no plano as raízes complexas n-ésimas da


unidade, para n = 3, 6, 8, 12. Indique quais são as raízes primitivas n-ésimas.

7.2 Seja ζ 6= 1 uma raiz n-ésima da unidade, onde n ≥ 2. Mostre que


ζn−1 + · · · + ζ + 1 = 0.
Sugestão xn − 1 = (x − 1)(xn−1 + · · · + x + 1).

7.3 Sejam z1 , z2 , . . . , zn vértices de um polígono regular inscrito em um


círculo. Mostre que z1 + z2 + · · · + zn = 0.
7.4 Seja ζ 6= 1 uma raiz n-ésima da unidade, onde n ≥ 2. Determine o
valor de 1 + 2ζ + 3ζ2 + · · · + nζn−1 .
7.5 Seja ξ = cos 2π 2π
n + i sen n . Seja k ∈ Z. Mostre que
a)
n(n−1) (−1)n−1 , se n é par
ξ 2 =
1 , se n é ímpar;
Seção 8 Breve História dos Números 41

n, se k ≡ 0 mod n
b) 1k + ξk + (ξ2 )k + · · · + (ξn−1 )k =
0, se k 6≡ 0 mod n.
7.6 Seja p um número natural primo. Mostre que toda raiz p-ésima da
unidade diferente de 1 é uma raiz primitiva p-ésima da unidade.

7.7 Sejam α, β ∈ C, com α 6= 0, e ϕα,β : C −→ C a função denida por


ϕα,β (z) = αz + β. Seja n ≥ 2 um número natural. Mostre que (ϕα,β )n = Id
k
(iteração da composição) e (ϕα,β ) 6= Id, para todo 1 ≤ k < n se, e somente
se, α é uma raiz primitiva n-ésima da unidade.

7.8 Sejam n≥1 um número natural e ζ uma raiz primitiva 2n-ésima da


unidade. Mostre que:

a) ζ2 é uma raiz primitiva n-ésima da unidade.

b) ζn = −1.
7.9 Demonstre o Corolário 1 da Proposição 7.4.

7.10 Seja p um número natural primo. Mostre que as raízes pn -ésimas da


unidade que não são primitivas são raízes p
n−1 -ésimas da unidade.

8 Breve História dos Números

Os números, com as suas operações, e o espaço, com a sua geometria,


são os principais objetos de estudo da Matemática. Para sistematizar a sua
relação com o mundo e com os seus semelhantes, o homem foi criando os
conceitos de forma e medida. Há registros desde a remota antiguidade do
esforço do homem em construir teorias para o entendimento desses conceitos,
originando a Geometria e a Aritmética.
Essas teorias foram desenvolvidas conjuntamente, com um certo grau de
independência entre si, mas ao mesmo tempo intimamente relacionadas, com
uma teoria ajudando a desenvolver a outra.
À medida que foram sendo descobertas propriedades dos números e das
formas e colocados novos desaos, foram surgindo problemas que colocavam
em questão as teorias até então desenvolvidas e que requeriam um repensa-
mento de sua fundamentação.
Assim, por exemplo, ocorreu com a aceitação dos números irracionais
que foram descobertos pela escola pitagórica e que não pararam de desaar
a mente humana ao longo de mais de três milênios. Isto não quer dizer
que se passou todo este longo período imobilizados por esta questão, pois foi
criada uma conceituação para os números reais que, mesmo imprecisa para os
42 Os Números Complexos Cap. 1

padrões atuais, não impediu o desenvolvimento da Geometria Analítica e do


Cálculo Diferencial e Integral, os dois pilares da Matemática contemporânea.
A discussão foi reacendida na metade do Século 19 com a fundamenta-
ção mais rigorosa da noção de funções contínuas que intuitivamente deveriam
possuir certas propriedades, como, por exemplo, a propriedade do valor in-
termediário, e que não se conseguia demonstrar com a noção de número real
vigente. Foi então construída por Richard Dedekind (Alemanha, 1831-1916)
e Georg Cantor (Russia e Alemanha, 1845, 1918) uma bela teoria para os
números reais que, até hoje, atende aos desaos postos pelo desenvolvimento
atual da Matemática.
Os números complexos possuem uma história que corre paralelamente
à dos números reais. Fato interessante, é que a fundamentação atual dos
números complexos antecedeu a dos números reais, no sentido que havia
sido construída uma teoria que permitia entender totalmente os números
complexos, a partir do entendimento vigente dos números reais.
Ao longo da história, a necessidade de se introduzir os números complexos
foi sendo detectada na medida em que se tentava resolver equações algébri-
cas. A real motivação para a introdução dos números complexos surgiu no
Século 16, quando Cardan descobriu que algumas equações do terceiro grau,
chamadas por ele de caso irredutível, possuíam raízes reais, mas em cujas
fórmulas resolventes não se conseguia evitar expressões envolvendo radicais
quadráticos de números negativos. Essa diculdade motivou Bombelli a criar
novos números, vistos com desconança por algumas gerações de matemáti-
cos e posteriormente batizados por Gauss de números complexos. No início
do Século 19, com a representação geométrica dada aos números complexos e
às suas operações e com o seu emprego por Gauss para deduzir propriedades
dos números inteiros, é que foram conquistando legitimidade.
Finalmente, com o estudo das funções de variável complexa pioneira-
mente realizado por Abel, Jacobi, Cauchy, Riemann e Weierstrass, os núme-
ros complexos impuseram-se plenamente com inúmeras aplicações em quase
todos os ramos da Matemática e na tecnologia.
Para maiores detalhes sobre a história dos números, remetemos o leitor
à referência bibliográca [7].
Bibliograa
[1] C. S. Fernandes, A. Hefez - Introdução à Álgebra Linear. Coleção PROF-
MAT, SBM, 2012.

[2] C. F. Gauss - Disquisitiones Arithmeticae. Springer-Verlag, 1986.

[3] A. Hefez - Curso de Álgebra, Vol. I e Vol. II. Coleção Matemática


Universitária, IMPA, 2010 e 2012.

[4] A. Hefez - Elementos de Aritmética. Coleção Textos Universitários, SBM,


2006.

[5] S. Lang - Estruturas Algébricas. Ao Livro Técnico, 1972.

[6] E. L. Lima - Análise Real, Volume II. Coleção Matemática Universitária,


IMPA, 2004.

[7] J. B. Ripoll, C. C. Ripoll e J.F P. da Silveira - Números Racionais, Reais


e Complexos. Editora UFRGS.

[8] J. Stillwell - Elements of Algebra: geometry, numbers, equations. Springer-


Verlag, 1994.

181
2
Livro: Polinômios e Equações Algébricas
Autores: Abramo Hefez
Maria Lúcia Torres Villela

Capítulo 2: A Geometria do Plano Complexo

Sumário
1 Geometria Analítica em C . . . . . . . . . . . . . 44

2 Transformações Elementares em C . . . . . . . . 48

3 Transformações de Möbius . . . . . . . . . . . . . 55

4 Determinação das Transformações de Möbius . 60

5 A Esfera de Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . 65

43
44 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2

As funções de uma variável complexa foram objeto de estudos muito in-


tensos durante o Século 19, início do Século 20. Neste capítulo, estudaremos
certas funções particulares de uma variável complexa, as transformações de
Möbius, que, surpreendentemente, possuem propriedades geométricas, algé-
bricas, aritméticas e dinâmicas muito ricas. Limitar-nos-emos a desenvolver
apenas alguns aspectos geométricos dessas transformações
1 .

1 Geometria Analítica em C
As retas e os círculos são, indubitavelmente, as guras geométricas pla-
nas mais simples. Apesar dessa simplicidade, grande parte da Geometria
Euclidiana é dedicada ao seu estudo, revelando uma riqueza de resultados
e de aplicações. Com a introdução por Descartes da Geometria de Coorde-
nadas no plano R2 , a chamada Geometria Analítica, o estudo dos objetos
geométricos foi em grande medida enriquecido com a incorporação dos méto-
dos algébricos que transformam guras em equações. Este método, aplicado
mais geralmente a qualquer Rn , com n ≥ 2, permitiu o estudo efetivo de
objetos bem mais gerais do que apenas retas, cônicas, planos e quádricas,
originando dois ramos muito ativos da Matemática contemporânea: a Geo-
metria Algébrica e a Geometria Diferencial.
Nesta seção, veremos como se comportam as equações de retas e círculos,
quando o plano R2 é enriquecido com a estrutura complexa, dando origem
ao plano complexo C.
Recorde que as equações das retas e dos círculos, nas coordenadas x e y
do plano R2 , são, respectivamente, dadas por

bx + cy + d = 0, onde b 6= 0 ou c 6= 0, e (1)

2 2 2 2
a(x + y ) + bx + cy + d = 0, onde a 6= 0 e b + c − 4ad > 0. (2)

Observando que a condição sobre os números reais b 6= 0 ou c 6= 0 na


equação (1) pode ser substituida por b2 + c2 > 0, vemos que as equações (1)
e (2) podem ser reescritas, unicadamente, na forma da equação:

a(x2 + y2 ) + bx + cy + d = 0, onde b2 + c2 − 4ad > 0. (3)

Portanto, o conjunto solução da equação acima, se a = 0, é uma reta e,


se a 6= 0, é um círculo de centro e raio, respectivamente:
  √
b c b2 + c2 − 4ad
− ,− e R= .
2a 2a 2|a|
1
O leitor é convidado a assistir ao belo lme Möbius Transformation Revisited
de
Douglas Arnold e Jonathan Rogness, em http://www.ima.umn.edu/ arnold/moebius.
Seção 1 Geometria Analítica em C 45

Em razão desta unicação das equações de retas e círculos, pode-se sus-


peitar que em algum mundo, retas e círculos são objetos de mesma natu-
reza. Isto realmente ocorre, como veremos na Seção 4, onde tal mundo será
descortinado.

Com a identicação do ponto (x, y) do plano R2 com o número complexo


z = x + iy e recorrendo ao seu conjugado z = x − iy, podemos expressar as
coordenadas x e y em função das coordenadas complexas z e z como segue:

z+z z−z iz − iz
x = Re(z) = , y = Im(z) = = . (4)
2 2i 2

Desse modo, uma equação com coecientes reais nas variáveis x e y pode
ser reescrita, no plano complexo C, como uma equação em z e z com coe-
cientes complexos.
Portanto, fazendo a substituição de x e y por suas expressões em (4) na
Equação (3), obtemos a equação equivalente

(b − ic) (b + ic)
azz + z+ z + d = 0, com b2 + c2 − 4ad > 0.
2 2
Esta equação, por sua vez, pode ser reescrita na seguinte forma:

A|z|2 + Bz + B z + D = 0, com |B|2 − AD > 0,

onde A = a e D = d são números reais e B = 2−1 (b − ic) é um número


complexo.
Reciprocamente, por causa da equivalência entre (3) e a equação acima,
toda equação dessa forma é a equação de uma reta ou de um círculo em R2 .
Destacamos o resultado obtido acima na proposição a seguir.

Proposição 1.1. O conjunto solução em C da equação


A|z|2 + Bz + B z + D = 0, (5)

onde A, D ∈ R, B ∈ C e |B|2 −AD > 0 é um círculo, se A 6= 0, e uma reta, se


A = 0. Reciprocamente, todas as retas e os círculos em C são determinados
por equações desse tipo.
Quando A 6= 0, pelas substituições feitas acima, pode-se recuperar o
centro e o raio do círculo dado pela Equação (5). Esses são, respectivamente,

|B|2 − AD
  p
B+B B−B
− , , R= . (6)
2A 2iA |A|
46 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2

Vamos relaxar a condição |B|2 − AD > 0, que aparece na Proposição


1.1, para não ter que nos preocupar de sempre vericá-la. Consideraremos
também equações da forma (5), com |B|2 − AD ≤ 0 e algum coeciente
não nulo, que ainda chamaremos de círculos. Quando |B|2 − AD = 0 e
A 6= 0, o raio do círculo é nulo e o chamaremos de círculo degenerado. Se
|B|2 − AD < 0, o círculo será chamado de círculo imaginário, pois nenhum
ponto de coordenadas reais (x, y) satisfaz a uma equação deste tipo.

Exemplo 1. Vamos determinar a equação da reta no plano complexo que


passa pelos pontos z1 = i ez2 = 1.
A equação é da forma Bz + B z + D = 0, com B ∈ C, D ∈ R e |B| 6= 0.
Escrevendo B = a + bi, temos

(a + bi)z + (a − bi)z + D = 0.

Substituindo z1 = i e z2 = 1 na equação acima, respectivamente, obtemos

(a + bi)i + (a − bi)(−i) + D = 0 ⇐⇒ −2b + D = 0

(a + bi)1 + (a − bi)1 + D = 0 ⇐⇒ 2a + D = 0.

Logo, a = −b e D = 2b. Portanto, B = −b + bi, com b 6= 0. Tomando


b = 1, obtemos B = −1+i, D = 2 e, consequentemente, a equação procurada
é:
(−1 + i)z + (−1 − i)z + 2 = 0.
Note que qualquer outra escolha para b, com b 6= 0, conduziria a um
múltiplo da equação que determinamos, logo a uma equação equivalente.

Exemplo 2. Vamos determinar a equação da reta em C que passa por dois


pontos distintos w1 = w10 + w100 i e w2 = w20 + w200 i.
A reta que passa pelos referidos pontos, tem por equação

y − w100 x − w10
 
det = 0.
w200 − w100 w20 − w10

Fazendo, nesta expressão, a substituição de x e y pelas igualdades dadas em


(4), e após alguns cálculos, obtemos a equação

i(w1 − w2 ) z − i(w1 − w2 ) z + 2(w10 w200 − w100 w20 ) = 0. (7)


Seção 2 Transformações Elementares em C 47

Exemplo 3. Vamos determinar o centro e o raio do círculo de equação:

|z|2 + (1 + 2i)z + (1 − 2i)z − 4 = 0.

Note que A = 1, B = 1 + 2i e D = −4. Logo, pelas fórmulas em (6),


obtemos que o centro do círculo é (−1, 2) e o raio é 3.

Problemas

1.1 Determine a equação da reta em C que passa por w = w 0 +w 00 i e possui


a seguinte propriedade adicional:

a) é paralela a v = v 0 + v 00 i 6= 0;
b) é perpendicular a v = v 0 + v 00 i 6= 0.
1.2 Determine a equação da reta em C tendo a propriedade:

a) Passa pelos pontos 1 + 2i e 1 + 3i;


b) Passa por 1+i e é paralela a 2 + i;
c) Passa por 1+i e é perpendicular a 2 + i;
d) Passa por a + bi e é paralela a i;
e) Passa por a + bi e é perpendicular a i.
1.3 Identique a curva em C cuja equação é dada por

z+i
a) |1 − z| = |3 + z|; b) = 1.
z−i
1.4 Dados w1 , w2 ∈ C, com w1 6= w2 , ache o lugar geométrico dos pontos
z∈C tais que |z − w1 | = |z − w2 |.
1.5 Dados os pontos w1 , w2 ∈ C, com w1 6= w2 , e um número real positivo
a, identique o lugar geométrico dos pontos z∈C tais que

|z − w1 | + |z − w2 | = a.

1.6 Sejam w = w 0 + w 00 i ∈ C e a e b números reais não nulos. Escreva em


coordenadas z e z as equações das cônicas dadas por

(x − w 0 )2 (y − w 00 )2
± = 1.
a2 b2

1.7 Escreva nas coordenadas z e z a equação da parábola y = x2 .


48 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2

2 Transformações Elementares em C
As funções complexas de variável complexa, também chamadas de tran-
formações do plano complexo, são de grande importância, tanto teórica,
quanto nas aplicações. Diversos problemas práticos da Física e da Enge-
nharia envolvem estudar o comportamento de certos fenômenos em alguma
região do plano que devem satisfazer condições especiais na fronteira dessa
região. Esses problemas têm importância fundamental no estudo, por exem-
plo, de escoamento de uido bidimensional, potencial elétrico, temperatura
ao longo de uma parede, escoamento de uido ao redor de um cilindro, etc.
A resolução de tais problemas passa por sua redução a regiões mais simples,
onde o fenômeno se traduz de modo natural. Tal redução envolve determinar
certas funções de variável complexa que permitem transformar regiões e ao
mesmo tempo traduzir os fenômenos físicos nas novas regiões obtidas.
Só para xarmos o conceito, uma função complexa de variável complexa
é uma função f : S → C, onde S é um subconjunto de C.
No estudo das funções de variável complexa, como não temos o recurso
de traçar o seu gráco, a exemplo das funções reais de variável real, outras
técnicas são utilizadas, tais como descrever a imagem de certos subconjuntos
do plano complexo. Portanto, as imagens de curvas ou de regiões do plano
complexo nos darão informações sobre as propriedades da função.
Nesta seção, estudaremos cinco transformações com propriedades geo-
métricas importantes: as translações, as homotetias (multiplicação por um
número real r > 0), as rotações, a multiplicação por um número complexo
α 6= 0 e a inversão.

Exemplo 1. As translações.
Sejaβ ∈ C, xo. Denimos a translação por β como sendo a transfor-
mação Tβ (z) = z + β.
O domínio de Tβ é claramente C. Note que para cada número complexo
w, existe um único número complexo z tal que w = Tβ (z) = z + β, a saber,
z = w − β. Portanto, Tβ é uma bijeção de C, cuja inversa é T−β .
Escrevendo z = x + yi, β = a + bi e Tβ (z) = u + vi, pela igualdade de
números complexos, temos que:

u + vi = z + β = (x + a) + (y + b)i ⇐⇒ u = x + a e v = y + b.

Logo, em coordenadas de R2 , a transformada por Tβ de cada ponto (x, y)


do plano é a sua translação de (a, b).
Seção 2 Transformações Elementares em C 49

Figura 1: Translação por β = a + bi: T (z) = z + β.

Exemplo 2. A homotetia com fator r > 0.


Seja r um número real positivo. Denimos a homotetia com fator r como
sendo a transformação de C dada por Hr (z) = rz.
O domínio de Hr é claramente C. Note que para cada w ∈ C, existe um
1
único z ∈ C tal que w = rz, de fato, basta tomar z = w. Portanto, Hr é
r
1
uma bijeção de C, cuja inversa é a homotetia H 1 , com fator .
r
r
Sendo |Hr (z)| = |rz| = r|z| e arg(Hr (z)) = arg(rz) = arg(z), temos que a
transformação Hr é uma contração de |z|, quando 0 < r < 1, e uma dilatação
de |z|, quando r > 1, sempre mantendo xo o argumento de z.
Note que Hr é uma contração (respectivamente, uma dilatação) se, e
−1
somente se, Hr é uma dilatação (respectivamente, uma contração).

Na gura a seguir, ilustramos uma contração e uma dilatação.

1
Figura 2: As homotetias H2 (z) = 2z e H 1 (z) = 2
z.
2

Exemplo 3. A rotação de θ radianos.


Seja θ ∈ R. Denimos a rotação de θ radianos como sendo a transfor-
mação Rθ (z) = eiθ z.
50 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2

O domínio de Rθ é claramente C. Como, para cada w ∈ C, z = e−iθ w é o


único número complexo tal que que Rθ (z) = w, temos que Rθ é uma bijeção
em C, cuja inversa é a rotaçãoR−θ .
Como |Rθ (z)| = |e | |z| = |z| e arg(Rθ (z)) = θ+arg(z), a transformação de

z por Rθ é efetivamente uma rotação, em torno da origem no plano complexo,


de θ radianos do ponto z, justicando o nome rotação de ângulo θ.

Figura 3: Rotação de θ radianos: Rθ (z) = eiθ z.

Exemplo 4. A multiplicação por α ∈ C, α 6= 0

Seja α∈C um número complexo não nulo. Denimos a multiplicação


por α como sendo a transformação Hα (z) = αz.
O domínio de Hα é claramente C. A transformação Hα é bijetiva e a sua
inversa é H1.
α
Escrevendo α = reiθ , com r, θ ∈ R e r > 0, na forma polar, podemos
interpretar a transformação Hα como sendo a composição da homotetia Hr
com fator multiplicativo r, e da rotação Rθ de θ radianos,
Hα (z) = reiθ z = rRθ (z) = Hr (Rθ (z)), para todo z ∈ C.
Como a multiplicação de números complexos é comutativa, as funções
homotetia Hr e rotação Rθ comutam, permitindo escrever

Hα = Hr ◦ Rθ = Rθ ◦ Hr .

Exemplo 5. A inversão.
1
Vamos agora estudar a transformação J(z) = , chamada de inversão.
z
O domínio de J é C\{0} e é claro que J é uma bijeção de C\{0} em C\{0},
cuja inversa é a própria transformação J.
Seção 2 Transformações Elementares em C 51

Note que,
1
|J(z)| = → ∞, quando |z| → 0.
|z|

A inversão tem propriedades geométricas muito interessantes e para me-


lhor entendê-las vamos decompô-la como composta de duas transformações
de natureza um pouco diversa das acima, que introduziremos a seguir.

Exemplo 6. A conjugação.
A tranformação C denida pela expressão C(z) = z é chamada de conju-
gação.
É claro que C é uma bijeção de C emC, cuja inversa é a própria C.
Geometricamente, C transforma cada ponto z na sua reexão com respeito
ao eixo real.

Exemplo 7. A inversão em relação ao círculo unitário.


dado z = |z|e . A transformação inversão em relação ao círculo
Seja

unitário é denida como sendo

z 1
I(z) = = eiθ ,
|z|2 |z|

que leva z no número complexo com mesmo argumento e com módulo igual
a 1/|z|. Portanto, I(z) está situado na reta que passa pela origem e por z
(veja a gura a seguir).

z
Figura 4: Inversão em relação ao círculo unitário: z e I(z) = |z|2
.
52 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2

Observamos que um número complexo não nulo situado no interior do


círculo unitário é transformado por I em um número complexo no exterior
do círculo, colinear com z e 0, e vice-versa. Um ponto do círculo unitário é
transformado nele próprio.

Voltemos à inversão J. Como

1 z z
J(z) = = = 2 = I(z),
z z·z |z|

temos que a transformação J pode ser interpretada como a composição da


inversão I em relação ao círculo unitário com a conjugação C (reexão com
respeito ao eixo real).

z
Figura 5: z, I(z) = |z|2
e J(z) = I(z).

Vamos analisar agora o que a transformação J faz com retas e círculos.


Denotaremos por z a coordenada complexa no domínio de J e por w a coor-
denada do seu contradomínio. Seja dado o círculo, no sentido amplo (reta,
círculo, círculo degenerado ou círculo imaginário),

A|z|2 + B z + B z + D = 0. (1)

Dividindo a Equação (1) por |z|2 = z · z 6= 0, obtemos

z z 1
A+B +B + D 2 = 0.
z·z z·z |z|
Seção 2 Transformações Elementares em C 53

1 1 1
Efetuando as substituições = w, =w e = |w|2 , obtemos
z z |z|2

A 0 |w|2 + B 0 w + B 0 w + D 0 = 0, (2)

onde A 0 = D, B 0 = B e D 0 = A, que é a equação de um círculo, no sentido


amplo, no plano de coordenada complexa w.
1
Portanto, z 6= 0 satisfaz a Equação (1) se, e somente se, w = J(z) =
z
satisfaz a equação (2). Note também que temos

|B|2 − AD = |B 0 |2 − A 0 D 0 .

Concluímos, com isto, a análise que segue.

(i) Se A e D são não nulos, a Equação (1) representa um círculo que não
passa pela origem e sua imagem por J também é um círculo que não passa
pela origem, de mesma natureza: real, degenerado, ou imaginário;

A 6= 0, D = 0
(ii) Se e B=6 0, a Equação (1) representa um círculo C pela
origem O e a imagem por J de C\{O} é uma reta que não passa pela origem.

(iii) Se A = 0, D 6= 0 e B 6= 0, a Equação (1) representa uma reta que


não passa pela origem O e sua imagem por J é C\{O}, onde C é um círculo
passando pela origem.

(iv) SeA = 0, D = 0 e B 6= 0, a Equação (1) representa uma reta ` pela


origem O e a imagem de `\{O} por J é ` \{O}, onde ` é uma reta pela origem.
0 0

Exemplo 8. Seja c um número real positivo. O círculo C de centro (c, 0) e


raio c é tangente ao eixo y em (0, 0) e sua equação é

|z − c| = c ⇐⇒ |z − c|2 = c2
⇐⇒ c2 = (z − c)(z − c) = |z|2 − cz − cz + c2
⇐⇒ |z|2 − cz − cz = 0.
1
Aplicando a transformação J, temos w = J(z) = e fazendo w = u + vi
z
obtemos

1
1 − cw − cw = 0 ⇐⇒ c(w + w) = 1 ⇐⇒ c(2u) = 1 ⇐⇒ u = .
2c
A imagem por J dos pontos de C diferentes de O = (0, 0) é a reta vertical
1
u= 2c .
54 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2

1
Figura 6: C\{O} no plano xy. Figura 7: reta u= 2c
no plano uv.

Exemplo 9. Seja c um número real positivo. A reta horizontal ` de equação


y = c pode ser descrita emC com a equação z − z = 2iy = 2ci, que é
equivalente a −iz + iz − 2c = 0.
1
Aplicando a transformação J, temos w = J(z) = e fazendo w = u + vi
z
obtemos
i i
−iw + iw − 2c|w|2 = 0 ⇐⇒ |w|2 + w − w = 0.
2c 2c
i
⇐⇒ u2 + v2 − (w − w) = 0
2c
i
⇐⇒ u2 + v2 − 2iv = 0
2c
v
⇐⇒ u2 + v2 + = 0
 c 2  2
1 1
⇐⇒ 2
u + v+ = .
2c 2c
A imagem por J dos pontos de ` são os pontos não nulos do círculo C de
1 1

centro 0, − 2c e raio
2c , que é tangente ao eixo u na origem.

 2  2
1 1
Figura 8: reta y=c no plano xy. Figura 9: u2 + v + 2c
= 2c
no plano uv.
Seção 3 Transformações de Möbius 55

Problemas

2.1 Mostre, algebricamente, que a translação Tβ (z) = z + β, β ∈ C, leva


círculos em círculos e retas em retas. Discuta segundo os vários tipos de
círculos.

2.2 Mostre que as homotetias, as rotações, a multiplicação por α 6= 0 e a


conjugação transformam retas em retas e círculos em círculos, mantendo a
natureza dos círculos.

2.3 Seja S1 = {z ∈ C ; |z| = 1} o círculo unitário. Mostre que a restrição de


J 1
a S é uma bijeção de S1 . Descreva geometricamente esta bijeção.
2.4 Considere o disco unitário D = {z ∈ C ; |z| ≤ 1}, seu interior Int(D) =
{z ∈ C ; |z| < 1} e o seu exterior Ext(D) = {z ∈ C ; |z| > 1}. Mostre que a
restrição de J a Int(D)\{0} é uma bijeção de Int(D)\{0} em Ext(D).

3 Transformações de Möbius
Apresentaremos, nesta seção, uma classe especial de funções complexas
de variável complexa, as chamadas transformações de Möbius, que têm mui-
tas propriedades geométricas e são estudadas até hoje de vários pontos de
vista como, por exemplo, investigando a sua rica dinâmica ou as suas notáveis
propriedades algébricas e aritméticas.

Uma transformação de Möbius é uma função racional da forma

az + b
f(z) = , a, b, c, d ∈ C e ad − bc 6= 0.
cz + d
Observemos inicialmente que as seguintes transformações estudadas na
seção anterior são transformações de Möbius:

a) A translação Tβ (z) = z + β, β ∈ C, corresponde a a = 1, b = β, c = 0 e


d = 1.
b) A multiplicação por α 6= 0 : Hα (z) = αz, α ∈ C\{0}, corresponde a a = α,
b = 0, c = 0 e d = 1.
1
c) A inversão: J(z) = , corresponde a a = 0, b = 1, c = 1 e d = 0.
z
Note que se multiplicarmos a, b, c, d por um número complexo não nulo
λ, obtemos
λaz + λb az + b
=
λcz + λd cz + d
56 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2

e as transformações de Möbius são iguais. No Problema 3.1, você vai vericar


que vale a recíproca.

Vejamos agora o signicado da condição ad − bc 6= 0, na denição da


transformação de Möbius f.
D(f) de f é não vazio.
Inicialmente, esta condição garante que o domínio
De fato, D(f) = ∅ se, e somente se, cz + d = 0, para todo z ∈ C, o que é
equivalente a c = d = 0, o que implicaria ad − bc = 0.

z 0 , z 00 ∈ D(f). É fácil vericar que f(z 0 ) = f(z 00 )


Por outro lado, sejam
0 00
se, e somente se (ad − bc)z = (ad − bc)z , o que implica que f é injetora
no seu domínio, quando ad − bc 6= 0. Em particular, f não é constante.

Vamos agora analisar a imagem de f. Para isto, precisaremos dividir a


análise em dois casos.
Caso c = 0: Neste caso, a 6= 0, d 6= 0 e

az + b a b
f(z) = = αz + β, onde α= 6= 0 e β= . (1)
d d d

Com isto é imediato ver que D(f) = C e f é sobrejetora.

Caso c 6= 0: Neste caso, D(f) = C \ {− dc }.


Por outro lado, a equação f(z) = λ, quando z ∈ D(f), é equivalente à
a
equação (a − λc)z = λd − b, que só não admite solução quando λ = c.
Portanto, o conjunto imagem de f é C\ { ac }.

Quando compomos transformações de Möbius há pontos do plano com-


plexo que são problemáticos por não estarem no domínio ou na imagem de
alguma delas. Para não nos preocuparmos com esses pontos excepcionais,
vamos ampliar o domíno das transformações da Möbius. Para isto, conside-
ramos oplano complexo completado, denotado por C
^ , como a união do plano
complexo C com um ponto virtual que não está em C e que será denotado
por ∞. Assim,
^ = C ∪ {∞}.
C

az + b
A transformação de Möbius f(z) = , com ad − bc 6= 0 e c 6= 0,
cz + d
será agora uma transformação denida em C^ , pondo
 
d
f − = ∞.
c
Seção 3 Transformações de Möbius 57

a
Como podemos denir f(∞)? O ponto w= c , que não era imagem de
nenhum ponto de C por f, será considerado como f(∞); ou seja,

a
f(∞) = .
c
Dessa maneira, f passa a ser uma bijeção de ^
C em ^.
C
No caso em que c = 0, temos que f é da forma f(z) = αz + β, com
α 6= 0, que é uma bijeção de C em C. Portanto, denindo f(∞) = ∞, temos
também, neste caso, que f é uma bijeção de ^
C em ^.
C
Podemos justicar estas denições de modo bem natural com o processo
de limite, como segue.

Se c 6= 0,

az + b a + bz a
f(z) = = → , quando |z| → ∞.
cz + d c + dz c

Se c = 0, neste caso, α 6= 0 e

f(z) = αz + β → ∞, quando |z| → ∞.

Daqui por diante, uma transformação de Möbius será a bijeção


^ −→ C
f:C ^ denida por

az + b
f(z) = , com ad − bc 6= 0,
cz + d
onde 
 f(∞) = a
f − dc = ∞,

c e se c 6= 0

f(∞) = ∞, se c = 0.

Para as transformações de Möbius estudadas na seção anterior, temos


que:

a) para a translação Tβ (z) = z + β : Tβ (∞) = ∞.


b) para a multiplicação por α ∈ C\{0} : Hα (∞) = ∞.
1
c) para a inversão J(z) = : J(0) = ∞ e J(∞) = 0.
z
Agora, podemos compor transformações de Möbius sem nos preocupar-
mos com os pontos excepcionais, ou seja, com os pontos onde não estavam
anteriormente denidas.
58 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2

Olhando com atenção a Equação (1), obtida no início dessa seção, vemos
que:
a b
No caso c = 0, quando f(z) = αz + β, onde α= d e β= d , temos que

f = Tβ ◦ Hα .

Por outro lado, se c 6= 0, podemos escrever

a b a bc−ad
cz + c c (z + dc ) − a
c · d
c + b
c a 2
f(z) = d
= d
= + c d. (2)
z+ c z+ c
c z+ c

Portanto, denindo α = − ad−bc


c2
, γ =
d
c e β= a
c , temos que

f = Tβ ◦ Hα ◦ J ◦ Tγ .

Assim, acabamos de mostrar o resultado a seguir.

Teorema 3.1. Toda transformação de Möbius é obtida por composição de


translações, multiplicação por números complexos e a inversão.
Por esta razão, essas transformações, que servem para obter todas as de
Möbius, foram chamadas de transformações de Möbius elementares.
O próximo resultado é um corolário do teorema acima e nos dará uma
propriedade fundamental das transformações de Möbius.

Corolário 1. Toda transformação de Möbius é invertível.


Demonstração Com efeito, pelo teorema, toda transformação de Möbius é
composição de transformações elementares, que são transformações invertí-
veis. 2

No caso c = 0, pela equação (1), f pode ser escrita na forma f(z) = αz+β,
com α 6= 0.
Para cada w ∈ C, escrevendo w = αz + β, temos w − β = αz, logo
z = α−1 (w − β). Portanto, a inversa de f é a transformação de Möbius
1 β
f−1 (z) = z − , f−1 (∞) = ∞ .
α α
az + b d
No caso c 6= 0, escrevemos w = , para z 6= − , e podemos resolver
c
cz + d
a igualdade obtendo z como função de w :

−dw + b a
z= , para w 6= .
cw − a c
Seção 3 Transformações de Möbius 59

A função inversa de f é a transformação de Möbius dada por

−dz + b a d
f−1 (z) = , f−1 =∞ e f−1 (∞) = − .
cz − a c c
As transformações de Möbius possuem uma propriedade geométrica no-
tável que apresentaremos a seguir.

Vimos, na Seção 1, que círculos generalizados em C são determinados


por equações do tipo

A|z|2 + B z + B z + D = 0, A, D ∈ R. (3)

Para estender essas equações a ^,


C convencionamos que ∞ é solução de (3)
se, e somente se, A=0 (note que, de certa forma, é natural que só as retas
possam passar por ∞. Essa armação se tornará bem clara na Seção 5,
quando identicaremos ^
C com a esfera de Riemann.
Assim, com a convenção acima, podemos denir a equação (3) como a
equação geral dos círculos em ^.
C
Proposição 3.1. Toda transformação de Möbius transforma círculos em C
^
em círculos em C
^.

Demonstração Como toda transformação de Möbius é uma composição


de transformações elementares, e como essas transformações possuem esta
propriedade, o resultado segue. 2

Problemas

az + b a 0z + b 0
3.1 Sejam f(z) = e g(z) = transformações de Möbius.
cz + d c 0z + d 0
a) Mostre que f = g se, e somente se, existe um número complexo não nulo
λ, tal que a 0 = λa, b 0 = λb, c 0 = λc e d 0 = λd.
b) Mostre que f◦g é uma transformação de Möbius.

3.2 Considere a seguinte transformação de Möbius:

z−a
f(z) = eiθ ; θ∈R e a ∈ C, com |a| < 1.
1−az
Mostre que f transforma o círculo |z| = 1 nele mesmo e leva o ponto a em 0.
3.3 Mostre que a transformação de Möbius

z+1
f(z) = i
z−1
60 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2

tranforma o círculo |z| = 1 no eixo real e o eixo real no eixo imaginário.

3.4 Seja M o conjunto das transformações de Möbius ^ −→ C


f: C ^ e seja
GL(2, C) o conjunto das matrizes invertíveis de ordem 2 com coecientes
complexos. Considere a função ϕ : A ∈ GL(2, C) → M, denida do seguinte
modo:
 
a b az + b
A= 7→ ϕ(A) = fA , onde fA (z) = .
c d cz + d

Mostre que

a) ϕ é sobrejetora; b) ϕ(A · B) = ϕ(A) ◦ ϕ(B); c) ϕ(A−1 ) = (ϕ(A))−1 ;


d) ϕ(A) = ϕ(B) se, e somente se, B = λA, para algum λ ∈ C\{0};
e) Estão bem denidas as seguintes funções em M:

2 (f tr2 (A) kAk


tr A) = e kfA k = p ,
det(A) | det(A)|
onde q
tr(A) = a + d e kAk = |a|2 + |b|2 + |c|2 + |d|2 .

4 Determinação das Transformações de Möbius


Nesta seção mostraremos que os valores de uma transformação de Möbius
em três pontos distintos a determinam. Para isto, precisaremos da denição
a seguir.

Um elemento ^
z0 ∈ C é chamado um ponto xo da transformação de
Möbius f se, e somente se, f(z0 ) = z0 .

Exemplo 1. Todos os pontos de ^


C são pontos xos da transformação iden-
tidade em ^.
C

Exemplo 2. 1 e −1 são pontos xos da inversão J e estes são os seus únicos


pontos xos (verique).

Exemplo 3. ∞ é ponto xo de f denida por f(z) = αz + β, onde α, β ∈ C


e α 6= 0.

Na verdade ∞, só é ponto xo de transformações de Möbius que são uma


composição de uma translação e uma multiplicação por um número complexo
α, isto é, Tβ ◦ Hα .
Seção 4 Determinação das Transformações de Möbius 61

f(z) = az+b
De fato, seja
cz+d uma transformação de Möbius tal que c 6= 0.
Então, f(∞) = 6= ∞, logo ∞ não é ponto xo de f. Portanto, se f é uma
a
c
transformação de Möbius e f(∞) = ∞, então c = 0 e f é a composição de
uma translação e uma homotetia.

Destacamos esse resultado na proposição a seguir.

Proposição 4.1. Seja f uma transformação de Möbius. Então, f(∞) = ∞


se, e somente se, f(z) = αz + β, onde α, β ∈ C e α 6= 0.
Quantos pontos xos pode ter uma transformação de Möbius f? Bom, de
acordo com o Exemplo 1, temos que f = Id tem todos os pontos de ^
C como
pontos xos. O próximo resultado nos fornecerá uma resposta à pergunta,
mostrando que Id é uma exceção.

Proposição 4.2. Uma transformação de Möbius distinta da identidade tem


um ou dois pontos xos em C
^
az+b
Demonstração Seja f(z) = cz+d , com ad − bc 6= 0. Os pontos xos de f
em C são as soluções da equação

az + b
= z.
cz + d
Caso c = 0: Pelo Exemplo 3, sabemos que ∞ é ponto xo de f. Qualquer
outro ponto xo deve satisfazer a equação (a − d)z = −b, que em C:
a) tem innitas soluções quando a=d e b = 0; ou seja quando f = Id;
b) não tem solução quando a=d e b 6= 0;
b
c) tem a única solução z= d−a , quando a 6= d .
Com isto, ca provada a proposição neste caso.
Caso c 6= 0: Como f(∞) = a
∞ não é ponto xo de f. Portanto,
c , temos que
c = ∞, temos
d

os pontos xos de f estão necessariamente em C. Como f −
d
que z = − não é ponto xo e, portanto, os pontos xos de f devem satisfazer
c
a equação az + b = (cz + d)z, ou seja a equação

cz2 + (d − a)z − b = 0,

que tem uma ou duas raízes em C. Fica assim provada a proposição também
neste caso. 2

Corolário 1. Uma transformação de Möbius com mais de dois pontos xos


é a identidade.
62 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2

Corolário 2. Duas transformações de Möbius que possuem o mesmo valor


em três pontos distintos de C
^ , são iguais.

Demonstração Sejam z1 , z2 e z3 três pontos distintos de ^ e sejam f


C e g
duas transformações de Möbius tais que f(zi ) = g(zi ), i = 1, 2, 3. Logo,

(g−1 ◦ f)(zi ) = g−1 (f(zi )) = g−1 (g(zi )) = zi ,

o que implica que a transformação de Möbius g−1 ◦ f tem três pontos xos.
Pelo Corolário 1, temos g
−1 ◦ f = Id e, portanto, f = g. 2
Portanto, dadas duas ternas de pontos distintos z1 , z2 , z3 e w1 , w2 , w3 ,
se existir uma transformação de Möbius f tal que f(zi ) = wi , i = 1, 2, 3, ela
é única. O problema agora reside em saber se tal transformação de Möbius
existe.

Exemplo 4. Dados três pontos distintos z1 , z2 e z3 . Pode-se vericar fa-


cilmente que a transformação de Möbius g tal que g(z1 ) = 0, g(z2 ) = 1 e
g(z3 ) = ∞ (única, pelo Corolário 2) é dada por
(z2 − z3 )(z − z1 )
a) g(z) = , se z1 , z2 , z3 ∈ C;
(z2 − z1 )(z − z3 )
z2 − z3
b) g(z) = , se z1 = ∞ e z2 , z3 ∈ C;
z − z3
z − z1
c) g(z) = , se z2 = ∞ e z1 , z3 ∈ C;
z − z3
z − z1
d) g(z) = , se z1 , z2 ∈ C e z3 = ∞.
z2 − z1
As fórmulas acima são fáceis de memorizar a partir da fórmula

(z2 − z3 )(z − z1 )
g(z) = , (1)
(z2 − z1 )(z − z3 )

onde se suprimem os fatores que contêm zi , tanto no numerador, quanto no


denominador, toda vez que zi = ∞.
Vamos agora ao resultado central desta seção.

Teorema 4.1. Dados dois pares de ternas de pontos distintos z1 , z2 , z3


e w1 , w2 , w3 de C ^ , existe uma única transformação de Möbius f, tal que
f(z1 ) = w1 , f(z2 ) = w2 e f(z3 ) = w3 .

Demonstração Já sabemos que se f existe, ela é única. Vamos agora provar


a existência de tal f, com o auxílio do Exemplo 4. Existem transformações
Seção 4 Determinação das Transformações de Möbius 63

de Möbius g e h tais que g(z1 ) = 0, g(z2 ) = 1, g(z3 ) = ∞ e h(w1 ) = 0,


h(w2 ) = 1, h(w3 ) = ∞. Então, a transformação de Möbius f = h−1 ◦ g é tal
que f(zj ) = (h
−1 ◦ g)(z ) = h−1 (g(z )) = w .
j j j 2

Como determinar essa única transformação de Möbius tal que f(z1 ) = w1 ,


f(z2 ) = w2 e f(z3 ) = w3 , onde z1 , z2 , z3 são distintos e w1 , w2 , w3 são
distintos?

Para responder a esta pergunta, introduzimos a denição a seguir.

Dados z1 , z2 , z3 e z4 quatro pontos distintos de ^,


C denimos a razão
cruzada de z1 , z2 , z3 e z4 , como sendo

(z2 − z3 )(z4 − z1 )
[z1 , z2 , z3 , z4 ] = g(z4 ) = ,
(z2 − z1 )(z4 − z3 )
com a interpretação da fração dada após o Exemplo 4, quando algum dos zi
é igual a ∞.
A razão cruzada é um invariante para as transformações de Möbius, ou
seja, vale o seguinte resultado:

Proposição 4.3. Se f é uma transformação de Möbius, então


[f(z1 ), f(z2 ), f(z3 ), f(z4 )] = [z1 , z2 , z3 , z4 ],

para quaisquer quatro pontos distintos z1 , z2 , z3 , z4 de C


^.

Demonstração Seja g a transformação de Möbius tal que g(z1 ) = 0, g(z2 ) =


1 e g(z3 ) = ∞. Então, g◦f−1 leva f(z1 ), f(z2 ), f(z3 ) em 0, 1, ∞. Pela denição
de razão cruzada,

[f(z1 ), f(z2 ), f(z3 ), f(z4 )] = (g ◦ f−1 )(f(z4 ))


= g(z4 )
= [z1 , z2 , z3 , z4 ].
2
Pela proposição anterior, a única transformação de Möbius f que leva os
três pontos distintos z1 , z2 , z3 nos três pontos distintos w1 , w2 , w3 satisfaz

[w1 , w2 , w3 , f(z)] = [z1 , z2 , z3 , z], (2)

para todo ^
z∈C diferente de z1 , z2 , z3 .
A equação (2) fornece o método prático para a determinação explícita de
f(z).
64 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2

Vamos olhar o caso especial em que z1 , z2 , z3 ∈ C e w1 = f(z1 ), w2 =


f(z2 ), w3 = f(z3 ) ∈ C. Nesse caso, fazendo w = f(z), a equação (2) é

(w2 − w3 )(w − w1 ) (z2 − z3 )(z − z1 )


= ,
(w2 − w1 )(w − w3 ) (z2 − z1 )(z − z3 )
efetuando o produto cruzado, podemos resolver para obter w como função
de z, isto é, w = f(z).

Exemplo 5. Vamos determinar a transformação de Möbius f que leva os


pontos z1 = 1, z2 = i, z3 = −1 em w1 = 1, w2 = i, w3 = −i.
Como [w1 , w2 , w3 , f(z)] = [z1 , z2 , z3 , z], fazendo w = f(z) e aplicando a
fórmula (1) a ambos os membros dessa igualdade, obtemos

(w2 − w3 )(w − w1 ) (z2 − z3 )(z − z1 )


= .
(w2 − w1 )(w − w3 ) (z2 − z1 )(z − z3 )
Substitituindo pelos valores dados, temos

2i(w − 1) (i + 1)(z − 1) 2i(w − 1) (i + 1)(z − 1)


= ⇐⇒ = .
(i − 1)(w + i) (i − 1)(z + 1) w+i z+1
Calculamos w, resolvendo a última equação acima.

2i(w − 1)(z + 1) = (i + 1)(z − 1)(w + i) ⇐⇒


2i(wz + w − z − 1) = (i + 1)(zw + iz − w − i) ⇐⇒
(i − 1)wz + (2i + i + 1)w + (−2i − i + 1)z = 2i + 1 − i ⇐⇒
w((i − 1)z + 3i + 1) + (−3i + 1)z = i + 1 ⇐⇒
(3i − 1)z + i + 1
w= .
(i − 1)z + 3i + 1
(3i − 1)z + i + 1
Logo, f(z) = .
(i − 1)z + 3i + 1

Exemplo 6. Qual a transformação de Möbius que leva z1 = 0, z2 = 1,


z3 = ∞ em w1 = 1, w2 = ∞, w3 = 0?
Como [w1 , w2 , w3 , f(z)] = [z1 , z2 , z3 , z], fazendo w = f(z) e aplicando a
fórmula (1) a ambos os membros dessa igualdade, onde omitimos os dois
fatores nos quais w2 e z3 ocorrem, temos que

w − w1 z − z1
= .
w − w3 z2 − z1
Substitituindo pelos valores dados, obtemos
Seção 5 A Esfera de Riemann 65

w−1 z−0 w−1


= = z ⇐⇒ =z
w−0 1−0 w
⇐⇒ w − 1 = zw
⇐⇒ (1 − z)w = 1
1
⇐⇒ w = .
−z + 1
1
Logo, f(z) = .
−z + 1

Problemas

4.1 Seja f uma transformação de Möbius. Mostre que 0 e ∞ são pontos


xos de f se, e somente se, f(z) = αz, para algum α ∈ C\{0}.
4.2 Em cada item determine todas as transformações de Möbius f tendo a
propriedade requerida:

a) ∞ é o único ponto xo de f; b) 0 é o único ponto xo de f;


c) f(0) = ∞ e f(∞) = 0.
4.3 Determine os pontos xos das seguintes transformações de Möbius:

z−1 1 iz − i −1 + i
a) f(z) = ; b) f(z) = ; c) f(z) = ; d) f(z) = .
z+1 z z+i z+2
4.4 Prove as armações feitas no Exemplo 4.

4.5 Determine a transformação de Möbius que leva:

a) − 1, 0, e 1 em − 1, i e 1; b) 1, i, e −1 em i, −1 e 1;
c) 0, 1, e ∞ em − 1, ∞ e 0; d) 0, 1, e ∞ em 1, −1 e i;
e) 0, 1, e ∞ em − 1, ∞ e 1; f) 0, −i, e 1 em − 1, ∞ e 0.

4.6 Determine uma transformação de Möbius f tal que 1 e −1 sejam seus


pontos xos e f leve R ∪ {∞} no círculo unitário.

5 A Esfera de Riemann
O modelo geométrico para o plano complexo completado ^
C que obte-
remos, esclarecerá várias das convenções que fomos fazendo ao longo do
caminho.
Vamos estabelecer a seguir uma bijeção entre a esfera unitária menos um
ponto e o plano complexo C.
66 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2

A esfera unitária S2 , de centro (0, 0, 0) e raio 1, é o subconjunto do R3


denido por
S2 = {(x, y, z) ∈ R3 ; x2 + y2 + z2 = 1}.
Vamos destacar o polo norte N = (0, 0, 1) ∈ S2 e, além disso, cada x + yi
do plano complexo C será identicado com o ponto (x, y, 0) ∈ R3 do plano
em R3 de equação z = 0.
Cuidado! Nesta seção a variável z vai assumir apenas valores reais, re-
presentando a terceira coordenada de um ponto de R3 .
O plano π, denido pela equação z = 0, divide a esfera unitária em duas
partes, o hemisfério norte (z > 0) que contém o polo norte N e o hemisfério
sul (z < 0).

Figura 10: A esfera unitária, o plano complexo C, N, v, P(v), eixo z

Seja v ∈ S2 \{N}. Então, N e v determinam uma reta ` em R3 , que


intersecta o plano π em um único ponto (av , bv , 0).
A projeção estereográca P : S \{N} −→ C é a função denida por P(v) =
2

av + bv i.
Para determinarmos a expressão de P , devemos escrever a equação da
reta ` que passa por N e v ∈ S \{N} e calcular o ponto de interseção de `
2

com o plano π.
Para escrevermos uma equação paramétrica de `, precisamos de um vetor
gerador e de um ponto de `. Como vetor gerador, tomamos o vetor v − N e
como ponto de `, tomamos o ponto N. Suponhamos que v = (x, y, z). Temos
que Q ∈ ` se, e somente se,

Q = N + t(v − N)
= (0, 0, 1) + t(x, y, z − 1)
= (tx, ty, 1 + t(z − 1)), onde t ∈ R.
Seção 5 A Esfera de Riemann 67

Logo,

Q∈`∩π se, e somente se, 1 + t(z − 1) = 0


−1 1
se, e somente se, t= =
z− 1 1−z 
x y
se, e somente se, Q= , ,0 .
1−z 1−z

Portanto,

x y
P(v) = P(x, y, z) = + i,
1−z 1−z
para todo v = (x, y, z) ∈ S2 \{N}.
Podemos, agora, enunciar uma primeira propriedade da projeção estere-
ográca P.

Lema 5.1. A função P : S2 \{N} −→ C é uma bijeção.

Demonstração Para provarmos a bijetividade de P, vamos exibir a sua


função inversa P−1 .
0 00 2 2 2
Seja w = w +w i ∈ C tal que w = P(v), onde v = (x, y, z), x +y +z =
1 e z 6= 1. Logo,
x y x y
w 0 + w 00 i = + i ⇐⇒ w 0 = e w 00 = . (1)
1−z 1−z 1−z 1−z

É possível resolver as igualdades à direita em (1), em virtude das condi-


ções sobre as coordenadas de v, notando que

x2 y2
|w|2 + 1 = 2
+ +1
(1 − z) (1 − z)2

x2 + y2 + (1 − 2z + z2 )
=
(1 − z)2

2 − 2z 2
= = .
(1 − z)2 1−z

2 2 |w|2 − 1
Logo, 1−z = . Isto nos dá z = 1− = e, com
|w|2 +1 |w|2
+1 |w|2 + 1
2w 0
as igualdades de (1), obtemos x = w 0 (1 − z) = 00
e y = w (1 − z) =
|w|2 + 1
68 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2

2w 00
. Portanto,
|w|2 + 1
2w 0 2w 00 |w|2 − 1
 
P −1
(w) = , , , onde w = w 0 + w 00 i. (2)
|w|2 + 1 |w|2 + 1 |w|2 + 1
2
Note que, quando v se aproxima de N = (0, 0, 1), temos que z → 1 e
|w| = |P(v)| → ∞. Então, é natural denir P(N) = ∞, estendendo P a toda
2 2
a esfera S e obtendo uma bijeção P : S −→ C ^.
2 ^ permite, então, identicar C
A função P : S −→ C ^ com a esfera unitária.
O plano complexo completado, C ^ , é também conhecido como a esfera de
Riemann.
Mostraremos, a seguir, que a projeção estereográca P tem uma propri-
edade geométrica notável: transforma um círculo em S2 que não passa por
N em um círculo em C e transforma um círculo em S2 que passa por N em
uma reta em C unida com {∞}; e reciprocamente.
Um círculo em S2 é a interseção de S2 com um plano de R3 que corta S2
e não lhe é tangente. A primeira pergunta é como caracterizar tais planos?
Sabe-se da Geometria Analítica que a distância de um plano Π de equação
ax + by + cz + d = 0, onde n = (a, b, c) 6= (0, 0, 0), à origem O de R3 é dada
pela fórmula:
|d|
d(O, Π) = √ .
a2 + b2 + c2
Portanto, Π corta a esfera S2 se, e somente se, d(O, Π) ≤ 1, sendo-lhe
tangente se, e somente se, d(O, Π) = 1.
Vejamos, agora, como a projeção estereográca vai projetar os pontos do
plano Π com equação ax + by + cz + d = 0 em ^.
C
Usando a fórmula da função inversa da projeção estereográca obtida em
(2), segue-se que o ponto w = w 0 + w 00 i, projeção de (x, y, z) ∈ Π, no plano
deve satisfazer à equação

2w 0 2w 00 |w|2 − 1
a + b + c + d = 0.
|w|2 + 1 |w|2 + 1 |w|2 + 1
Escrevendo esta equação nas coordenadas w e w, obtemos

w+w iw − iw |w|2 − 1
a +b +c + d = 0.
|w| + 1
2 |w| + 1
2 |w|2 + 1
Daí obtemos a equação

A|w|2 + B w + B w + D = 0, (3)
Seção 5 A Esfera de Riemann 69

onde
A = c + d, B = a − bi, D = d − c.
Portanto, a Equação (3) é a equação de um círculo generalizado em C^. Ana-
lisaremos, a seguir, a natureza deste círculo em função de a, b, c e d.
(i) O círculo é uma reta se, e somente se, A = c + d = 0. Isto é claramente
equivalente à condição do plano ax + by + cz + d = 0 passar pelo polo norte
N = (0, 0, 1).
(ii) O círculo é um circulo real se, e somente se, |B|2 −AD = a2 +b2 +c2 −d2 >
0. Esta última condição é equivalente à condição d(O, Π) < 1. Ou seja que
o plano Π intersecta a esfera S2 , sem tangenciá-la.

(iii) O círculo é um círculo degenerado se, e somente se, |B|2 − AD = a2 +


b2 + c2 − d2= 0, o que é equivalente à condição d(O, Π) = 1, signicando
que o plano Π tangencia a esfera S2 .
(iv) O círculo é um círculo imaginário se, e somente se, |B|2 − AD = a2 +
b2 + c2 − d2< 0, o que é equivalente à condição d(O, Π) > 1, signicando
que o plano Π não corta a esfera S2 .
Reciprocamente, pode-se mostrar que ^ −→ S2
P−1 : C transforma um
2
círculo em C em um círculo em S que não passa por N e uma reta em C
unida com {∞}, em um círculo em S passando por N (veja Problema 5.3).
2

Portanto, o mistério está revelado: o mundo onde círculos e retas são


objetos de mesma natureza é o plano completado ^ , que através da sua iden-
C
2
ticação com a esfera de Riemann S , todas essas curvas são transformadas
em círculos!

Problemas

5.1 Determine a imagem por P de cada círculo C em S2 obtido pela interseção


de S2 com o plano z = c, onde −1 < c < 1.
a) Analise o que ocorre com P(C) quando c se aproxima de −1.
b) Analise o que ocorre com P(C) quando c se aproxima de 1.
5.2 Determine a imagem por P de cada círculo C em S2 determinado pela
2
interseção de S com o plano x = c, onde −1 < c < 1.
a) Analise o que ocorre com P(C) quando c se aproxima de −1.
b) Analise o que ocorre com P(C) quando c se aproxima de 1.
5.3 Mostre que ^ −→ S2
P−1 : C transforma:
70 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2

a) um círculo em C em um círculo em S2 que não passa por N;


b) uma reta em C unida com {∞} em um círculo em S2 passando por N.
Sugestão Escreva as equações dos círculos em C e proceda usando a ex-
pressão de P.
Bibliograa
[1] C. S. Fernandes, A. Hefez - Introdução à Álgebra Linear. Coleção PROF-
MAT, SBM, 2012.

[2] C. F. Gauss - Disquisitiones Arithmeticae. Springer-Verlag, 1986.

[3] A. Hefez - Curso de Álgebra, Vol. I e Vol. II. Coleção Matemática


Universitária, IMPA, 2010 e 2012.

[4] A. Hefez - Elementos de Aritmética. Coleção Textos Universitários, SBM,


2006.

[5] S. Lang - Estruturas Algébricas. Ao Livro Técnico, 1972.

[6] E. L. Lima - Análise Real, Volume II. Coleção Matemática Universitária,


IMPA, 2004.

[7] J. B. Ripoll, C. C. Ripoll e J.F P. da Silveira - Números Racionais, Reais


e Complexos. Editora UFRGS.

[8] J. Stillwell - Elements of Algebra: geometry, numbers, equations. Springer-


Verlag, 1994.

181
3
Livro: Polinômios e Equações Algébricas
Autores: Abramo Hefez
Maria Lúcia Torres Villela

Capítulo 3: Propriedades Básicas dos


Polinômios

Sumário
1 Subanéis de C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
2 Polinômios com Coecientes em Anéis . . . . . . 74
3 Polinômios em Várias Indeterminadas . . . . . . 83
4 Corpo de Frações de F[x] . . . . . . . . . . . . . . 84
5 Divisão Euclidiana . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
6 Algoritmo de Briot-Runi . . . . . . . . . . . . . 91

71
72 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3

Vamos estudar detalhadamente o conceito de polinômios com coecientes


nos números inteiros, racionais, reais ou complexos. Veremos que as propri-
edades das operações dos polinômios estão relacionadas diretamente com as
propriedades da adição e multiplicação no conjunto de seus coecientes e
aprenderemos a efetuá-las na prática.

1 Subanéis de C
O que há em comum nos conjuntos numéricos Z, Q, R e C?
Esses conjuntos, munidos com as operações de adição e de multiplicação
de números complexos, possuem a estrutura de anel que introduzimos na
Seção 1, do Capítulo 1.
Dizemos que um elemento não nulo a de um anel A é invertível ou que
0
possui inverso se, e somente se, existe a ∈ A, tal que a · a
0 = 1. Nesse caso,
chamamos a de inverso de a e o denotamos por a .
0 −1

No anel dos inteiros apenas 1 e−1 possuem inversos. O inverso de 1 é 1


e o inverso de −1 é −1. Portanto, Z não é um corpo, pois os únicos inteiros
que têm inversos são 1 e −1.
Exemplo 1. Consideremos o seguinte subconjunto de R:
√ √
Z[ 2] = {a + b 2 ; a, b ∈ Z}.

Vamos operar em Z[ 2] com as operações de adição e multiplicação dos
reais. Das propriedades dessas operações nos reais, segue-se que
√ √ √
(a + b 2) + (a 0 + b 0 2) = (a + a 0 ) + (b + b 0 ) 2
e
√ √
(a + b 2) · (a 0 + b 0 2) =

(a · a 0 + 2b · b 0 ) + (a · b 0 + b · a 0 ) 2,
√ 0 0
que são ambos elementos de Z[ 2], pois a + a , b + b ∈ Z; e a · a 0 + 2b ·
0 0 0
b , a · b + b · a ∈ Z.
Assim, as operações de adição e multiplicação de números reais estão
√ √
bem denidas em Z[ 2] e quando restritas a Z[ 2] possuem as propriedades
associativa, comutativa e distributiva, pois essas propriedades valem em todo
R. Temos ainda que
√ √ √ √
0 = 0 + 0 2 ∈ Z[ 2], 1 = 1 + 0 2 ∈ Z[ 2],

e o simétrico de a + b 2 em R é
Seção 1 Subanéis de C 73

√ √ √
−a − b 2 = (−a) + (−b) 2 ∈ Z[ 2],
pois −a, −b ∈ Z.

Portanto, Z[ 2] é um anel com as operações de R.

Esse exemplo motiva a seguinte denição:

Um subconjunto não vazio B de um anel A será dito um subanel de A se,


com as operações de A, continuar ainda sendo um anel.

Exemplo 2. Observamos que temos as seguintes inclusões de conjuntos


Z ⊂ Q ⊂ R ⊂ C. Mais ainda, sempre que B⊂A vale que B é subanel de A.
Em particular, todos são subanéis de C.

Um subconjunto não vazio B de um anel A é um subanel de A se, e


somente se, as seguintes propriedades são vericadas:

(i) 0 ∈ B;

(ii) 1 ∈ B;

(iii) se a, b ∈ B, então a + b ∈ B;

(iv) se a, b ∈ B, então a · b ∈ B;

(v) se a ∈ B, −a ∈ B.
então

√ √
Exemplo 3. Temos Z ⊂ Z[ 2] ⊂ R ⊂ C. Além disso, Z é subanel de Z[ 2]

e Z[ 2] é subanel de R, sendo todos subanéis de C.

Note que todo subanel A de C necessariamente contém Z, pois contém 0


e 1 e é fechado para as operações de adição e de subtração. Portanto, Z é um
subanel de A. Mais ainda, todo subanel de C é um domínio de integridade,
já que C é um domínio de integridade (cf. Problema 2.14, Capítulo 1).

Um subconjunto K de um corpo L que, com as operações de adição e de


multiplicação de L, é ainda um corpo, será chamado de subcorpo de L.

Exemplo 4. Temos Q ⊂ R ⊂ C, sendo R subcorpo de C e Q subcorpo de


R, logo Q também é subcorpo de C.

Problemas

1.1 a) Mostre que Z[i] = {a + bi; a, b ∈ Z } é um subanel de C. Este anel é


chamado de anel dos inteiros gaussianos.
74 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3

b) Mostre que os únicos elementos que têm inverso em Z[i] são 1, −1, i e −i.
1.2 Mostre que se A é um subanel de C e se α ∈ C é tal que α2 ∈ A, então
A[α] = {a + bα;√ a, b ∈ A } é um subanel de C, contendo A como subanel.
Observe que Z[ 2] e Z[i] são exemplos dessa situação.
√ √
1.3 Mostre que 1 + 2 tem inverso em Z[ 2]. Conclua que para todo n ∈ Z,
√ √
(1 + 2)n tem inverso em Z[ 2].

1.4 Mostre que o conjunto {a + b 2; a, b ∈ Z } não é um subanel de C; mas
4
√ √
{a + b 4 2; a, b ∈ Z[ 2] } é um subanel de C.
√ √ √
1.5 Mostre que o conjunto {a + b 2 + c 4 + d 8; a, b, c, d ∈ Z } é um
4 4 4

4
subanel de C. Mostre que este é o menor subanel de C que contém 2.
1.6 Mostre que todo subcorpo de C contém Q como subcorpo.

1.7 Seja K = {a + b 2 ; a, b ∈ Q}.
a) Mostre que K é um anel com as operações de adição e multiplicação de

números reais. Mostre que Z[ 2] é um subanel de K.
b) Mostre que
√ K é um corpo. Mostre que K é o menor subcorpo de C que
contém 2.
1.8 Seja L = {a + bi ; a, b ∈ Q}.
a) Mostre que L é um anel com as operações de adição e multiplicação de
números complexos. Mostre que Z[i] é um subanel de L.
b) Mostre que L é um corpo. Mostre que L é o menor subcorpo de C que
contém i.

2 Polinômios com Coecientes em Anéis


Seja A um anel. Um símbolo x não pertencente ao anel A será chamado
uma indeterminada sobre A.
Utilizaremos um símbolo xj , para cada número natural j ≥ 0, e escreve-
remos x
0 =1 e x
1 = x.
Um polinômio f(x) com coecientes em A é uma expressão formal do
tipo
X
n
f(x) = a0 + a1 x + · · · + an xn = aj xj ,
j=0
onde n ∈ N, aj ∈ A, para 0 ≤ j ≤ n.
Para 0 ≤ j ≤ n, os elementos aj são chamados de coecientes do po-
linômio f(x), as parcelas aj x de termos e os termos aj x tais que aj =
j j 6 0 de
Seção 2 Polinômios com Coecientes em Anéis 75

monômios de grau j do polinômio f(x). O coeciente a0 é chamado de termo


constante.
Denotamos por A[x] o conjunto de todos os polinômios com coecientes
em A; ou seja,

A[x] = {a0 + a1 x + · · · + an xn ; aj ∈ A, 0 ≤ j ≤ n, n ∈ N}.


Chamamos f(x) = a0 de polinômio constante. Quando f(x) = 0, cha-
mamos f(x) de polinômio nulo. Este polinômio poderá ser escrito na forma
f(x) = 0 + 0x + · · · + 0xn , qualquer que seja n ∈ N. Costumamos não escrever
j
o termo aj x sempre que aj = 0, quando houver algum termo não nulo no
polinômio.
Pode-se escrever um polinômio f(x) com as j-ésimas potências de x em
qualquer ordem, mas dá-se preferência à ordem crescente ou à ordem decres-
cente em j.
1

Exemplo 1. São polinômios em R[x]: f(x) = +x+ 2x2 + 2x3 e g(x) =
√ 2 5
2
2− 3x + πx3 − 5x .

Exemplo 2. São polinômios em Z[x]: h(x) = −x + 3x2 − 3x4 , r(x) = 3 +


2x + x2 , s(x) = 2 − x + 3x3 − 3x5 et(x) = 2 − x + 3x2 − 3x4 .

O polinômio f(x) = a0 + a1 x + · · · + an xn ∈ A[x], com as convenções


que zemos acima, pode ser escrito como f(x) = a0 + a1 x + · · · + an x +
n

0x n+1 + 0x n+2 m
+ · · · + 0x , para todo número natural m > n. Portanto,
quando comparamos dois polinômios f(x), g(x) ∈ A[x], é possível assumir
que os termos de ambos têm as mesmas potências de x.
1 2 n
Dizemos que os polinômios f(x) = a0 + a1 x + a2 x + · · · + an x e g(x) =
b0 + b1 x1 + b2 x2 + · · · + bn xn em A[x] são polinômios iguais se, e somente
se, aj = bj , para 0 ≤ j ≤ n. Nesse caso, escrevemos f(x) = g(x).
No Exemplo 2, os coecientes dos termos constantes dos polinômios
h(x) = −x + 3x2 − 3x4 e t(x) = 2 − x + 3x2 − 3x4 são diferentes; logo
h(x) 6= t(x).

Exemplo 3. Os polinômios f(x) = 2x4 + x5 + 4x2 − 3 − x e g(x) = −3 + 4x2 −


x + x5 + 2x4 em Z[x] são iguais, porque os seus coecientes aj das j-ésimas
j
potências x são: a0 = −3, a1 = −1, a2 = 4, a3 = 0, a4 = 2 e a5 = 1.

Escrevendo os polinômios com as potências de x em ordem crescente ou


decrescente, visualizamos imediatamente a igualdade dos polinômios. Por
exemplo, se f(x) e g(x) são como no Exemplo 3, temos
f(x) = g(x) = −3 − x + 4x2 + 2x4 + x5 .
76 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3

Em todo polinômio não identicamente nulo, f(x) 6= 0, algum coeciente


deve ser diferente de zero, então há um maior natural n tal que an 6= 0.
Denimos o grau de f(x) como sendo este número natural n e o denotamos
por gr(f(x)). Nesse caso, an é chamado de coeciente líder de f(x).

Os polinômios de grau n com coeciente líder an = 1 são chamados de


polinômios mônicos.
Atenção Não denimos o grau do polinômio nulo, f(x) = 0.

Exemplo 4. O polinômio constante u(x) = 2 não é identicamente nulo


e gr(u(x)) = 0. Volte aos Exemplos 1 e 2 e observe que gr(f(x)) = 3,
gr(g(x)) = gr(s(x)) = 5, gr(h(x)) = gr(t(x)) = 4, gr(r(x)) = 2 e que r(x) é o
único polinômio mônico.

Com estas denições, temos que

gr(f(x)) = 0 se, e somente se, f(x) = a 6= 0, a ∈ A.


No conjunto A[x] podemos denir operações de adição e multiplicação
de polinômios, a partir das operações de adição e multiplicação de A.
X
n X
n
Sejam f(x) = aj xj e g(x) = bj xj em A[x]. Denimos a operação
j=0 j=0
de adição desses polinômios como segue
X
n
f(x) + g(x) = cj xj , onde cj = aj + bj , para 0 ≤ j ≤ n.
j=0

O resultado da adição de dois polinômios é chamado de soma.


Exemplo 5. Sejam f(x) = 3x3 − 3x2 + 4x + 5, g(x) = 2x2 − 6x − 1 e
h(x) = −3x3 + 5x2 − 3x + 2 em Z[x]. Então,
f(x) + g(x) = (3 + 0)x3 + (−3 + 2)x2 + (4 + (−6))x + (5 + (−1))
= 3x3 − x2 − 2x + 4,

f(x) + h(x) = (3 − 3)x3 + (−3 + 5)x2 + (4 − 3)x + (5 + 2)


= 0x3 + 2x2 + x + 7
= 2x2 + x + 7.
A adição de polinômios pode ser feita facilmente se escrevemos os polinô-
mios numa tabela, onde nas primeiras linhas estão cada um dos polinômios,
com as potências xj em ordem decrescente, e na última linha o resultado
da adição, de maneira similar à adição de números reais. Calcularemos
g(x) + h(x) desse modo.
Seção 2 Polinômios com Coecientes em Anéis 77

2x2 − 6x − 1
(+) − 3x3 + 5x2 − 3x + 2
− 3x3 + 7x2 − 9x + 1
Logo, g(x) + h(x) = −3x3 + 7x2 − 9x + 1.

Na adição de polinômios vale a seguinte propriedade do grau: Se f(x) 6= 0,


g(x) 6= 0 ef(x) + g(x) 6= 0, então
gr(f(x) + g(x)) ≤ max{ gr(f(x)), gr(g(x)) },
valendo a igualdade sempre que gr(f(x)) 6= gr(g(x)).

X
n X
m
Dados os polinômios f(x) = aj xj e g(x) = bj xj em A[x], deni-
j=0 j=0
mos a multiplicação desses polinômios como segue:
X
n+m
f(x) · g(x) = cj xj ,
j=0
onde
c0 = a0 · b0
c1 = a0 · b1 + a1 · b0
c2 = a0 · b2 + a1 · b1 + a2 · b0
.
.
.
X
cj = a0 · bj + a1 · bj−1 + · · · + aj · b0 = aλ · bµ
λ+µ=j
.
.
.
cn+m = an · bm .

O resultado da multiplicação de dois polinômios é chamado de produto.


Observação Segue, imediatamente, da denição da multiplicação de poli-
nômios, que:

(1) Para quaisquer j, k ∈ N, vale a identidade: xj · xk = xj+k .


(2) Se f(x) = a e g(x) = b0 + b1 x + · · · + bm xm , então
Xm X
m
!
k
f(x) · g(x) = a · g(x) = a · bk x = (a · bk )xk
k=0 k=0
= (a · b0 ) + (a · b1 )x + · · · + (a · bm )xm ,
pois, nesse caso, a0 = a, n = 0, e cj = a0 · bj = a · bj , para todo j ∈ N.
A adição e a multiplicação de polinômios em A[x] têm propriedades, que
são consequências das propriedades da adição e da multiplicação do anel A,
conforme veremos a seguir.
78 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3

Proposição 2.1. A adição e a multiplicação em A[x] têm as seguintes pro-


priedades, para quaisquer f(x), g(x) e h(x) em A[x]:
(Associativa) (f(x) + g(x)) + h(x) = f(x) + (g(x) + h(x)) e
(f(x) · g(x)) · h(x) = f(x) · (g(x) · h(x));
(Comutativa) f(x) + g(x) = g(x) + f(x) e
f(x) · g(x) = g(x) · f(x);
(Distributiva) f(x) · (g(x) + h(x)) = f(x) · g(x) + f(x) · h(x);
(Existência de elemento neutro aditivo) O polinômio nulo é tal que f(x) =
0 + f(x), para todo f(x) ∈ A[x].
(Existência de simétrico) Dado f(x) = a0 + a1 x + · · · + an xn , o simétrico de
f(x) é o polinômio
−f(x) = (−a0 ) + (−a1 )x + · · · + (−an )xn .
(Existência de elemento neutro multiplicativo) O polinômio constante 1 é tal
que 1 · f(x) = f(x), para todo f(x) ∈ A[x].
Demonstração Faremos a demonstração de algumas das propriedades e
deixaremos as outras como exercício.
X
n X
m X̀
Sejam dados f(x) = aj xj , g(x) = bj xj e h(x) = cj xj , polinô-
j=0 j=0 j=0
mios em A[x].
Associatividade da adição: Podemos supor que n = m = `, após reescrever
f(x), g(x) e h(x) com as mesmas potências de x.
(1) X
n X
n
(f(x) + g(x)) + h(x) = (aj + bj )xj + cj xj
j=0 j=0
(2) X
n
(aj + bj ) + cj xj

=
j=0
(3) X
n
aj + (bj + cj ) xj

=
j=0
(4) X
n X
n
= aj xj + (bj + cj )xj
j=0 j=0
(5)
= f(x) + (g(x) + h(x)),
onde em (1) e (2) usamos a denição da adição em A[x]; em (3), a associati-
vidade da adição em A e em (4) e (5), novamente, a denição da adição em
A[x].
Seção 2 Polinômios com Coecientes em Anéis 79

Comutatividade da multiplicação:
X
n+m X 
f(x) · g(x) = aλ · bµ xj
j=0 j=λ+µ
X X
n+m 
= bµ · aλ xj
j=0 j=λ+µ
= g(x) · f(x),
pois em A temos aλ · bµ = bµ · aλ , para quaisquer λ e µ.
Distributividade: Podemos supor ` = m, após reescrever g(x) e h(x) com as
mesmas potências de x

X
n  X
m 
(1) j j
f(x) · (g(x) + h(x)) = aj x · (bj + cj )x
j=0 j=0
(2) X 
n+m X 
= aλ · (bµ + cµ ) xj
j=0 j=λ+µ
(3) X  X
n+m 
= aλ · bµ + aλ · cµ ) xj
j=0 j=λ+µ
(4) X  X
n+m  X  X
n+m 
= aλ · bµ xj + a λ · cµ x j
j=0 j=λ+µ j=0 j=λ+µ
(5)
= f(x) · g(x) + f(x) · h(x),

onde em (1) usamos a denição da adição em A[x]; em (2), a denição da


multiplicação em A[x]; em (3), a distributividade em A; em (4), a denição
da adição em A[x] e em (5), novamente, a denição da multiplicação em
A[x]. 2
Tendo em vista as propriedades das operações de A[x], expressadas na
Proposição 2.1, temos que A[x] é um anel.

Exemplo 6. Podemos calcular a soma de m polinômios, construindo uma


tabela com m+1 linhas e tantas colunas quantas forem necessárias.
Vamos calcular f(x)+g(x)+h(x), onde f(x), g(x) e h(x) são os polinômios
em Z[x] do Exemplo 5. Neste caso, a tabela terá quatro linhas.

3x3 − 3x2 + 4x + 5
2x2 − 6x − 1
(+) − 3x3 + 5x2 − 3x + 2
0x3 + 4x2 − 5x + 6
80 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3

Logo, f(x) + g(x) + h(x) = 4x2 − 5x + 6.

Agora, estamos prontos para os exemplos da multiplicação de polinômios.

Exemplo 7. Sejam f(x) = 2x3 + 3x2 − 4x + 3 e g(x) = x2 + 2x + 3 em


Z[x]. Vamos calcular f(x) · g(x). Usando a propriedade distributiva da
multiplicação de polinômios, temos

f(x) · g(x) = (2x3 + 3x2 − 4x + 3) · (x2 + 2x + 3)

= 2x3 · (x2 + 2x + 3) + 3x2 · (x2 + 2x + 3)+


(−4x) · (x2 + 2x + 3) + 3 · (x2 + 2x + 3)

= (2x5 + 4x4 + 6x3 ) + (3x4 + 6x3 + 9x2 )+


(−4x3 − 8x2 − 12x) + (3x2 + 6x + 9)

= 2x5 + (4 + 3)x4 + (6 + 6 − 4)x3 + (9 − 8 + 3)x2 + (−12 + 6)x + 9

= 2x5 + 7x4 + 8x3 + 4x2 − 6x + 9 ∈ Z[x].

Exemplo 8. Sejam g(x) = x2 + 2x + 3 e h(x) = −2x3 − x + 2 em Z[x].


Vamos calcular h(x) · g(x). Construiremos uma tabela, escrevendo h(x) na
primeira linha (L1) e g(x) na segunda (L2), com as potências de x em ordem
decrescente. Fazemos a multiplicação usando a propriedade distributiva e
calculando a multiplicação de cada termo do polinômio g(x) pelo polinômio
h(x), em ordem crescente das potências de x, organizando os resultados na
tabela, nas linhas subsequentes, em ordem crescente das potências de x. A
última linha da tabela (L6) será a adição das parcelas.

− 2x3 + 0x2 − x + 2 L1
(×) 2x2 + 2x + 3 L2
− 6x3 + 0x2 − 3x + 6 L3
− 4x4 + 0x3 − 2x2 + 4x L4
(+) −4x5 + 0x4 − 2x3 + 4x2 L5
−4x5 − 4x4 − 8x3 + 2x2 + x + 6 L6

Em (L3) está o cálculo de 3 · (−2x3 − x + 2); em (L4), o cálculo de


2x · (−2x3 − x + 2); em (L5), o
2 3
cálculo de 2x · (−2x − x + 2) e em (L6), a
adição L3+L4+L5 das parcelas obtidas.
Seção 2 Polinômios com Coecientes em Anéis 81

Nos Exemplos acima temos que

gr(f(x) · g(x)) = 5 = gr(f(x)) + gr(g(x))


e
gr(h(x) · g(x)) = 5 = gr(h(x)) + gr(g(x)).
Isto não é uma mera coincidência. Temos a seguinte propriedade impor-
tantíssima do grau em A[x]:
Sejam f(x) e g(x) polinômios não nulos em A[x], onde A é um domínio
de integridade. Se os coecientes líderes de f(x) e de g(x) são an e bm ,
respectivamente, então o polinômio f(x) · g(x) tem coeciente líder an · bm .
Isto segue do fato de que an e bm são elementos não nulos de um domínio
de integridade, logo o seu produto é não nulo. Em particular, se f(x) e g(x)
são polinômios não nulos, então f(x) · g(x) é não nulo, mostrando que, nesse
caso, A[x] também é um domínio de integridade. Além disso,

gr(f(x) · g(x)) = gr(f(x)) + gr(g(x)).


A propriedade acima do grau, será chamada de propriedade multiplicativa
do grau.
Uma observação importante a ser feita e que será utilizada mais adiante é
que, mesmo que A não seja um domínio de integridade, se um dos coecientes
líderes de f(x) ou de g(x) for invertível, continua valendo a propriedade
multiplicativa do grau (cf. Problema 2.3).

Exemplo 9. Vamos determinar dois polinômios de grau 2 com coecientes


inteiros cujo produto seja x4 + 4 ∈ Z[x]. O método utilizado na nossa solução
é conhecido pelo nome de método dos coecientes a determinar de Descartes.
Sejam f(x) = x2 + ax + b e g(x) = x2 + cx + d em Z[x] tais que

x4 + 4 = f(x)g(x) = + ax + (x2 + cx + d) b)(x2


= x + (a + c)x + (d + ac + b)x2 + (ad + bc)x + bd.
4 3

Da igualdade de polinômios segue que

(1) a+c=0
(2) d + ac + b = 0
(3) ad + bc = 0
(4) bd = 4.
b e d,
De (4), obtemos que são seis as possiblidades para os valores de
a saber,b = 1 e d = 4, ou b = 2 e d = 2, ou b = 4 e d = 1, ou b = −1 e
d = −4, ou b = −2 e d = −2, ou b = −4 e d = −1.
2
De (1) temos que a = −c. Substituindo em (2), obtemos que d + b = c .
Assim, a única possibilidade é b = 2 e d = 2 e, nesse caso, c = 2 ou
82 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3

c = −2. Logo, a = −2 ou a = 2. A equação (3) é satisfeita. Portanto,


f(x) = x2 − 2x + 2 e g(x) = x2 + 2x + 2; ou seja

x2 + 4 = (x2 − 2x + 2)(x2 + 2x + 2).

Problemas

2.1 Mostre as propriedades comutativa da adição e associativa da multipli-


cação em A[x], onde A é um anel.

2.2 Seja B um anel. Denimos B∗ = {b ∈ B ; b tem inverso em B}. Mostre


que se A é um domínio de
∗ ∗
integridade, então A[x] = A .

2.3 a) Se a é um elemento invertível de um anel A, mostre que ab 6= 0, para


todo b ∈ A \ {0}.
b) Sejam f(x), g(x) ∈ A[x] \ {0}. Mostre que se o coeciente líder de f(x) ou
de g(x) for invertível, entãogr(f(x)g(x)) = gr(f(x)) + gr(g(x)).
2.4 Calcule a soma e o produto dos polinômios f(x) = −2x3 − x2 + x + 1 e
1 2
g(x) = 3x3 + 2x −x−2 em Q[x].
2.5 Determine os números reais a, b, c e d para que as igualdades de poli-
nômios abaixo sejam verdadeiras em R[x]:

a) (a2 − 5)x3 + (2 − b)x2 + (3c − 2)x + (d + 3) = 0;


b) 3ax6 − 2bx5 − 3c2 x4 + d3 = x5 − x4 + 2;
c) ax2 + bx + c = (ax − d)2 ;
d) (b + d)x4 + (d + a)x3 + (a − c)x2 + (c + b) = 4x4 + 2x3 + 2.
2.6 Determine o grau do polinômio f(x) ∈ R[x], para a ∈ R,
a) f(x) = (a2 − 1)x2 + (a2 − 4a + 3)x + (a + 2);
b) f(x) = (a3 − 4a)x3 + a(a + 2)x2 + (a − 2)3 .
2.7 Use o método dos coecientes a determinar para obter a∈Z de modo
que x4 + ax3 + 7x2 − ax + 1 seja o quadrado de um polinômio mônico em
Z[x].
2.8 Sejam f(x) = 2x + 1, g(x) = 2x2 + 3 e h(x) = 3x + 2 em Z4 [x].
a) Determine os polinômios f(x) · g(x) e f(x) · h(x) e calcule os seus graus.

b) Mostre que Z4 [x] não é um domínio de integridade.


Seção 3 Polinômios em Várias Indeterminadas 83

3 Polinômios em Várias Indeterminadas


SejaA um anel. Seja A[x1 ] o anel de polinômios com coecientes em A na
indeterminada x1 . Seja x2 uma indeterminada sobre o anel A[x1 ], denimos


A[x1 , x2 ] = A[x1 ] [x2 ].
Procedendo indutivamente, denimos o anel de polinômios em n inde-
terminadas


A[x1 , x2 , . . . , xn ] = A[x1 , x2 , . . . , xn−1 ] [xn ].
O polinômio em n indeterminadas f(x1 , . . . , xn ) ∈ A[x1 , . . . , xn ] pode ser
escrito como

X
f(x1 , . . . , xn ) = aj1 ,...,jn xj11 · · · xjnn ,
0 ≤ j1 ≤ s1
.
.
.

0 ≤ jn ≤ sn

onde s1 , . . . sn ∈ N e aj1 ,...,jn ∈ A.


Cada termo do tipo aj1 ,...,jn xj11 · · · xjnn é chamado de monômio e seu grau
é denido como j1 + · · · + jn , sempre que aj1 ,...,jn 6= 0.
Denimos o grau de um polinômio não nulo em n indeterminadas com
coecientes em A como sendo o maior dos graus dos seus monômios não
nulos.

Exemplo 1. São polinômios em Q[x1 , x2 , x3 ]


f(x1 , x2 , x3 ) = x1 x2 − 14 x1 x3 + x22 − x21 ,
1
g(x1 , x2 , x3 ) = 3 + x1 − 2x3 + x1 x2 − 52 x21 + 3x1 x2 x23 − 2x42 x3 + x53 ,
h(x1 , x2 , x3 ) = 2 + x1 x3 − 34 x1 x2 x3 + 4x32 − 3x1 x3 x32 + x52 + 12 x32 x33 .
Temos que

gr(f(x1 , x2 , x3 )) = 2, gr(g(x1 , x2 , x3 )) = 5 e gr(h(x1 , x2 , x3 )) = 6.

Um polinômio não nulo é chamado homogêneo de grau m se todos os seus


monômios não nulos têm grau m.
Em um polinômio não nulo em n indeterminadas, a soma dos seus monô-
mios não nulos de grau m é um polinômio homogêneo, chamado componente
homogênea de grau m. Todo polinômio não nulo é a soma das suas compo-
nentes homogêneas.
84 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3

Exemplo 2. No exemplo anterior, f(x1 , x2 , x3 ) é um polinômio homogêneo


de grau 2 e as componentes homogêneas de h(x1 , x2 , x3 ) são:

componente homogênea de grau 0: 2,


componente homogênea de grau 2: x1 x3 ,
componente homogênea de grau 3: − 34 x1 x2 x3 + 4x32 ,
componente homogênea de grau 5: −3x1 x3 x32 + x52 ,
1 3 3
componente homogênea de grau 6: 2 x2 x3 .

Se A for um domínio de integridade, sabemos que A[x1 ] é um domíno de


integridade, logo por um argumento de indução, segue-se que A[x1 , . . . , xn ]
é um domínio de integridade.

Problemas

3.1 Determine o grau e as componentes homogêneas dos seguintes polinô-


mios em Q[x1 , x2 , x3 ]
a) x21 x22 + x43 + x21 x2 − 2x1 x2 + x22 x23 + 7x1 − 23 x2 ;
b) −3x21 x32 − 2x1 x43 + x21 x2 − 2x1 x2 x3 − 2x22 x3 + x32 x3 + 4x41 x2 .

3.2 Escreva os polinômios de Q[x, y] abaixo como elementos de Q[x] [y]:
a) 2x5 y + x3 y2 + 2xy + 3x2 y2 − 5xy2 + 5x + 3y + 2;
b) 2x3 y − 3x2 y2 + 2xy + 3x2 y2 + 4x3 y2 + 5xy2 + 3x2 y + 2x − 4.

4 Corpo de Frações de F[x]


Por ser um domínio de integridade, o anel dos inteiros satisfaz a lei do
cancelamento:
Se a, b, c ∈ Z, a 6= 0 e a · b = a · c, então b = c.
Com efeito, se a · b = a · c, então 0 = a · b − a · c = a(b − c), com a 6= 0,
logo b−c = 0 e b = c. Além disso, apenas os inteiros 1 e −1 têm inverso
em Z
O conjunto dos números racionais é denido por

a
Q= ; a, b ∈ Z e b 6= 0 ,
b
a a0
onde = 0 se, e somente se, a · b 0 = b · a 0.
b b
Seção 4 Corpo de Frações de F[x] 85

a
Cada elemento ∈ Q fração
é chamado de e a e b são chamados,
b
respectivamente, de numerador e denominador.
As operações de adição e multiplicação em Q são denidas por:

a c a·d+b·c a c a·c
+ = e · = ,
b d b·d b d b·d
onde as operações de adição e multiplicação no numerador e denominador
das frações são as operações dos inteiros.
A soma e o produto independem da representação da fração, isto é, se
a a0 c c0
= 0 e = 0 , então
b b d d
a·d+b·c a0 · d0 + b0 · c0 a·c a0 · c0
= e = 0 0,
b·d b0 · d0 b·d b ·d
pois os produtos cruzados, em cada uma das frações, coincidem.

Com essas operações, Q é um corpo que contém Z como subanel. Os


elementos de Z podem ser identicados com as frações de denominador 1.
Na verdade, Q é o menor corpo contendo Z como um subanel, isto é, se L
é um corpo contendo Z como subanel, então Q ⊂ L. Q é conhecido como
corpo das frações de Z.
Podemos copiar essa construção para o anel F[x], onde F é um corpo
qualquer.
Em F[x] temos que se f(x) · g(x) = 0, então f(x) = 0 ou g(x) = 0. Os
elementos de F[x] que têm inverso são os elementos invertíveis de F. De modo
análogo ao caso dos inteiros, vale em F[x] a lei do cancelamento:

Se f(x), g(x), h(x) ∈ F[x], f(x) 6= 0 e f(x) · g(x) = f(x) · h(x), então
g(x) = h(x).
Com efeito, se f(x) · g(x) = f(x) · h(x) e f(x) 6= 0, então


0 = f(x) · g(x) − f(x) · h(x) = f(x) g(x) − h(x) ,

logo g(x) − h(x) = 0 e g(x) = h(x).


Denimos o conjunto das funções racionais por
f(x)
F(x) = ; f(x), g(x) ∈ F[x] e g(x) 6= 0 ,
g(x)
f(x) f 0 (x)
onde = 0 se, e somente se, f(x) · g 0 (x) = g(x) · f 0 (x).
g(x) g (x)
As operações de adição e multiplicação em F(x) são denidas por:
86 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3

f(x) m(x) f(x) · n(x) + g(x) · m(x)


+ =
g(x) n(x) g(x) · n(x)
e
f(x) m(x) f(x) · m(x)
· = ,
g(x) n(x) g(x) · n(x)
onde as operações de adição e multiplicação do numerador e denominador
são as operações de F[x].
A soma e o produto independem da representação da fração, isto é, se

f(x) f 0 (x) m(x) m 0 (x)


= 0 e = 0 ,
g(x) g (x) n(x) n (x)

então

f(x) · n(x) + g(x) · m(x) f 0 (x) · n 0 (x) + g 0 (x) · m 0 (x)


=
g(x) · n(x) g 0 (x) · n 0 (x)
e

f(x) · m(x) f 0 (x) · m 0 (x)


= 0 ,
g(x) · n(x) g (x) · n 0 (x)
pois os produtos cruzados, em cada uma das frações, coincidem.

Com essas operações, F(x) é um corpo que contém F[x] como subanel.
F[x] pode ser identicado com as frações de F(x) de denominador 1. Na
verdade, F(x) é o menor corpo contendo F[x] como um subanel, isto é, se L
é um corpo contendo F[x] como um subanel, então F(x) ⊂ L.

Problemas

4.1 Mostre que a soma e o produto em Q ou em F(x) independem da


representação da fração.

4.2 Mostre que se L é um corpo contendo Z como subanel, então Q ⊂ L.


4.3 Mostre que se L é um corpo contendo F[x] como subanel, então F(x) ⊂ L.

5 Divisão Euclidiana
Vamos introduzir os conceitos de divisibilidade em A[x] e mostrar que
é possível fazer de modo único uma divisão com resto controlado em A[x],
sempre que o divisor tem coeciente líder invertível em A.
Seção 5 Divisão Euclidiana 87

Sejamf(x) e g(x) em A[x]. Quando existe h(x) ∈ A[x] tal que f(x) =
g(x) · h(x) dizemos que f(x) é múltiplo de g(x). Nesse caso, se g(x) 6= 0
dizemos que g(x) divide f(x).

Exemplo 1. x2 − 2x + 2 divide x4 + 4 em Z[x], assim como x2 + 2x + 2 divide


x4 +4 (cf. Exemplo 9, Seção 2).

Exemplo 2. É claro que se f(x) 6= 0, então f(x) divide 0.

O seguinte resultado é uma consequência da propriedade multiplicativa


do grau em A[x].

Proposição 5.1. Sejam A um anel, f(x), g(x) ∈ A[x]\{0}. Se g(x) tem


coeciente líder invertível e este polinômio divide f(x), então gr(g(x)) ≤
gr(f(x)).

Demonstração Como g(x) divide f(x) e ambos são não nulos, então existe
h(x) ∈ A[x]\{0} tal que f(x) = g(x)h(x). Pela propriedade multiplicativa do
grau, temos

gr(f(x)) = gr(g(x)h(x))
= gr(g(x)) + gr(h(x)) ≥ gr(g(x)).
2

A divisão em A[x] conhecida como divisão euclidiana será apresentada


na proposição a seguir.
Lembramos que os únicos elementos em Z que têm inverso são 1 e −1.
Nos corpos Q, R ou C todo elemento não nulo tem inverso.

Proposição 5.2 (Divisão Euclidiana). Seja A um anel e sejam f(x), g(x) ∈


A[x], com g(x) 6= 0 e coeciente líder invertível em A. Então, existem q(x)
e r(x) em A[x], unicamente determinados, tais que

f(x) = q(x)g(x) + r(x),

onde r(x) = 0 ou gr(r(x)) < gr(g(x)).


Demonstração Seja g(x) = b0 + b1 x + · · · + bm xm , onde bm tem inverso
b−1
m ∈ A.
(Prova da existência) Se f(x) = 0, então tome q(x) = r(x) = 0.
Suponhamos que f(x) 6= 0. Seja n = gr(f(x)) e escreva f(x) = a0 + a1 x +
· · · + an xn , com an 6= 0.
Se n < m, então tome q(x) = 0 e r(x) = f(x).
88 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3

Podemos supor n ≥ m. A demonstração é por indução sobre n =


gr(f(x)).
Se n = 0, então 0 = n ≥ m = gr(g(x)), logo m = 0, f(x) = a0 6= 0,
g(x) = b0 , com b−1 −1 −1
0 ∈ A. Assim, f(x) = a0 b0 g(x), com q(x) = a0 b0 e
r(x) = 0.
Suponhamos o resultado válido para polinômios com grau menor do que
n = gr(f(x)). Vamos mostrar que vale para f(x).
Seja f1 (x) o polinômio denido por f1 (x) = f(x) − an b−1
m x
n−m
g(x). O po-
−1
linômio an bm x
n−m g(x) tem grau n e coeciente líder an . Logo, gr(f1 (x)) <
gr(f(x)). Por hipótese de indução, existem q1 (x) e r1 (x) em A[x] tais que

f1 (x) = q1 (x)g(x) + r1 (x),

com r1 (x) = 0 ou gr(r1 (x)) < gr(g(x)). Logo,

f(x) = f1 (x) + an b−1


m x
m−n g(x)
(1)
= (q1 (x)g(x) + r1 (x)) + an b−1
m x
m−n g(x)
(2)
= (q1 (x) + an b−1
m x
m−n )g(x) + r (x).
1

Em (1) substituímos a expressão de f1 (x) e em (2) usamos a comutativi-


dade da adição e a distributividade em A[x].
Tomamos q(x) = q1 (x) + an b−1
m x
m−n e r(x) = r (x).
1
(Prova da unicidade) Sejam q1 (x), r1 (x), q2 (x), r2 (x) tais que

(3)
f(x) = q1 (x)g(x) + r1 (x) = q2 (x)g(x) + r2 (x), onde

r1 (x) = 0 ou gr(r1 (x)) < gr(g(x)) e


(4)
r2 (x) = 0 ou gr(r2 (x)) < gr(g(x)).
De (3) segue que (q1 (x) − q2 (x))g(x) = r2 (x) − r1 (x).
Se q1 (x) 6= q2 (x), então q1 (x) − q2 (x) 6= 0, logo r2 (x) − r1 (x) =
6 0 e, da
Proposição 5.1, obtemos

(4)
gr( g(x) ) ≤ gr(r2 (x) − r1 (x)) < gr(g(x)),
|{z}
divisor

uma contradição. Portanto, q1 (x) = q2 (x), logo r1 (x) = r2 (x). 2


Sejam f(x), g(x), q(x) e r(x) como na proposição anterior. Chamamos
f(x) de dividendo, g(x) de divisor, q(x) de quociente e r(x) de resto.
Seção 5 Divisão Euclidiana 89

Observe que da proposição acima, segue-se que o polinômio g(x) divide


o polinômio f(x) se, e somente se, o resto da divisão de f(x) por g(x) for o
polinômio nulo.
Você deve ter observado também que a determinação do monômio de
maior grau do quociente só depende dos monômios de maior grau do divi-
dendo e do divisor. Na divisão de polinômios devemos prestar atenção nos
graus do dividendo, do divisor e do resto. Agora vamos armar a divisão.

Vejamos como determinar o quociente q(x) e o resto r(x) da divisão eucli-


diana do polinômio f(x) por g(x) com coeciente líder invertível. Elaboramos
uma tabela, ilustrando os cálculos passo a passo. Na tabela, armamos a di-
visão para calcular o quociente e o resto, resultados da divisão euclidiana.
Os seguintes exemplos consistem em armar e efetuar, conforme o modelo
f(x) g(x)
.
.
. q(x)
r(x)

Exemplo 3. Sejam f(x) = 2x + 5 e g(x) = x2 + 2x + 4 em Z[x].


(Passo 1) Temos gr(f(x)) = 1 < 2 = gr(g(x)). Nada a fazer.

(Passo 2) O quociente é q(x) = 0 e o resto é r(x) = f(x) = 2x + 5.


2x + 5 x2 + 2x + 4
− 0 0
2x + 5

Exemplo 4. Sejam f(x) = 2x2 + 3x + 3


g(x) = x2 + 2x + 2 em Q[x].
e
2
(Passo 1) O monômio de maior grau de f(x) é 2x e o monômio de maior
2 2 2
grau de g(x) é x . O quociente da divisão de 2x por x é q1 (x) = 2.

(Passo 2) Fazemos o cálculo:


r1 (x) = f(x) − q1 (x)g(x) = (2x2 + 3x + 3) − 2x2 − 4x − 4 = −x − 1.
2x2 + 3x + 3 x2 + 2x + 2
− 2x2 − 4x − 4 2
− x − 1
(Passo 3) Como 1 = gr(r1 (x)) < gr(g(x)) = 2, não podemos continuar a
divisão. Paramos os cálculos.

(Passo 4) Obtemos q(x) = q1 (x) = 2 e r(x) = r1 (x) = −x − 1.


Exemplo 5. Faremos a divisão euclidiana de f(x) = 3x4 + 5x3 + 2x2 + x − 3
por g(x) = x2 + 2x + 1 em Z[x].
90 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3

(Passo 1) O monômio de maior grau de f(x) é 3x4 e o monômio de maior


grau de g(x) 2
é x . O quociente da divisão de 3x4 por x2 é q1 (x) = 3x2 .
(Passo 2) Fazemos o cálculo:
r1 (x) = f(x) − q1 (x)g(x) = (3x4 + 5x3 + 2x2 + x − 3) − 3x4 − 6x3 − 3x2 =
−x3 − x2 + x − 3.
3x4 + 5x3 + 2x2 + x − 3 x2 + 2x + 1
−3x 4 − 6x 3 − 3x 2 3x2
− x3 − x2 + x − 3
(Passo 3) Como 3 = gr(r1 (x)) > gr(g(x)) = 2 devemos continuar, dividindo
r1 (x) por g(x), poisr1 (x) não é o resto da divisão euclidiana.
(Passo 4) O monômio de maior grau de r1 (x) é −x3 e o monômio de maior
grau de g(x) 2 3 2
é x . O quociente da divisão de −x por x é q2 (x) = −x.

(Passo 5) Fazemos o cálculo:


r2 (x) = r1 (x) − q2 (x)g(x) = (−x3 − x2 + x − 3) + x3 + 2x2 + x = x2 + 2x − 3.
3x4 + 5x3 + x2 + x − 3 x2 + 2x + 1
−3x4 − 6x3 − 3x2 3x2 − x
− x3 − x2 + x − 3
x3 + 2x2 + x
x2 + 2x − 3
(Passo 6) Como 2 = gr(r2 (x)) = gr(g(x)) = 2, podemos continuar, cal-
culando a divisão de r2 (x) por g(x), pois r2 (x) não é o resto da divisão
euclidiana.

(Passo 7) O monômio de maior grau de r2 (x) é x2 e o monômio de maior


grau de g(x) 2 2 2
é x . O quociente da divisão de x por x é q3 (x) = 1.

(Passo 8) Fazemos o cálculo:


r3 (x) = r2 (x) − q3 (x)g(x) = (x2 + 2x − 3) − x2 − 2x − 1 = −4.

3x4 + 5x3 + 2x2 + x − 3 x2 + 2x + 1


−3x4 − 6x3 − 3x2 3x2 − x + 1
− x3 − x2 + x − 3
x3 + 2x2 + x
x2 + 2x − 3
− x2 − 2x − 1
− 4
(Passo 9) Como 0 = gr(r3 (x)) < gr(g(x)) = 2, terminamos o algoritmo, pois
r3 (x) é o resto da divisão euclidiana.
Seção 6 Algoritmo de Briot-Runi 91

(Passo 10) Obtemos


q(x) = 3x2 − x + 1 = q1 (x) + q2 (x) + q3 (x) e r(x) = r3 (x) = −4 .

Problemas

5.1 Sejam A um subanel de C, β ∈ A e f(x) ∈ A[x]. Mostre que o resto


da divisão euclidiana de f(x) por x − β é f(β).
5.2 Determine o resto da divisão euclidiana de f(x) = x6 − 1 ∈ Z[x] por
x + 2.
5.3 Seja f(x) ∈ Q[x]. Sabendo que f(1) = 2 e f( 21 ) = 1
4 , determine o resto
x − 21 (x − 1).

da divisão euclidiana de f(x) por

5.4 Sejam f(x) ∈ Q[x] e a, b ∈ Q com a 6= b. Determine o resto da divisão


euclidiana de f(x) por (x − a)(x − b).
5.5 Dados f(x) e g(x), determine o quociente q(x) e o resto r(x) da divisão
euclidiana de f(x) por g(x), quando

a) f(x) = x6 − 64 e g(x) = x2 − 4 em R[x];


5 3
b) f(x) = 4x5 + 5x3 + 8x2 − 2x − 2 e g(x) = 2x2 + x − 1 em Q[x];
c) f(x) = xn − βn e g(x) = x − β, β ∈ C\{0} e n ≥ 1.

6 Algoritmo de Briot-Runi
f(x) = a0 + a1 x + · · · + an xn ∈ A[x], onde A é um anel, e seja β ∈ A.
Seja
Denimos a avaliação de f(x) em β como sendo

f(β) = a0 + a1 β + · · · + an βn ∈ A.

Se f(β) = 0, dizemos que β é uma raiz de f(x).


Proposição 6.1. Seja f(x) em A[x]\{0}. Então, β ∈ A é uma raiz de f(x)
se, e somente se, x − β divide f(x).
Demonstração Suponhamos que f(β) = 0. Pela divisão euclidiana de f(x)
por x − β, existem q(x), r(x) ∈ A[x] tais que

f(x) = q(x)(x − β) + r(x),

onde r(x) = 0 ou gr(r(x)) < gr(x − β) = 1. Assim, r(x) = r pertence a A e


f(x) = q(x)(x − β) + r. Avaliando f(x) em β, temos
92 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3

0 = f(β) = q(β)(β − β) + r = r,
mostrando que x − β divide f(x).
Reciprocamente, suponhamos que x−β divida f(x). Então, existe q(x) ∈
A[x] tal que f(x) = q(x)(x − β). Portanto,

f(β) = q(β)(β − β) = q(β) · 0 = 0.

Considerando a importância da divisão de um polinômio por polinômios


da forma x − β, vamos apresentar um método eciente e prático para a
determinação do quociente e do resto da divisão euclidiana de f(x) ∈ A[x]
por x−β, onde β ∈ A. Este método é chamado de algoritmo de Briot-Runi,
cuja demonstração utiliza apenas o método dos coecientes a determinar de
Descartes.

f(x) = an xn + an−1 xn−1 + · · · + a1 x + a0 ∈ A[x], com an 6= 0, e


Sejam
β ∈ A. Sejam q(x) ∈ A[x] e r ∈ A, respectivamente, o quociente e o resto
da divisão euclidiana de f(x) por x − β. Então,

f(x) = q(x)(x − β) + r, com gr(q(x)) = n − 1.


Escrevendo q(x) = qn−1 xn−1 + qn−2 xn−2 + · · · + q1 x + q0 , temos que

f(x) = (qn−1 xn−1


+ qn−2 xn−2
+ · · · + q1 x + q0 )(x − β) + r
= qn−1 x + (qn−2 − βqn−1 )xn−1 + · · · + (q0 − βq1 )x
n

+(r − βq0 ),
comparando com os coecientes de f(x), obtemos:
 

 qn−1 = an 
 qn−1 = an

 


 qn−2 − βqn−1 = an−1 
 qn−2 = an−1 + βqn−1

 


 qn−3 − βqn−2 = an−2 
 qn−3 = an−2 + βqn−2
. .
.
. ⇒ .
.

 


 q1 − βq2 = a2 
 q1 = a2 + βq2

 


 q − βq1 = a1 
 q = a1 + βq1

 0 
 0
r − βq0 = a0 r = a0 + βq0

A sequência de igualdades acima à direita, é uma fórmula recursiva que


permite calcular os coecientes de q(x), da maior potência para a menor,
sucessivamente, a partir do valor inicial conhecido qn−1 = an . Os outros
coecientes são determinados, um após o outro.
O algoritmo de Briot-Runi consiste na elaboração de uma tabela, para
calcular os coecientes de q(x) e o resto r, usando a fórmula recursiva. A
Seção 6 Algoritmo de Briot-Runi 93

tabela tem duas linhas. Começamos colocando na primeira linha β seguido


dos coecientes an , an−1 , ..., a1 , a0 do dividendo f(x) e, na segunda linha,
o valor inicial qn−1 = an .

β an an−1 ··· a2 a1 a0
an = qn−1

Começamos fazendo o cálculo an β+an−1 = qn−2 e colocando na segunda


linha e na coluna após qn−1 , obtendo

β an an−1 ··· a2 a1 a0
an = qn−1 qn−2

Continuamos o procedimento, até que tenhamos

β an an−1 ··· a2 a1 a0
an = qn−1 qn−2 ··· q1 q0 r

Na prática, ao fazer os cálculos, é conveniente separar os coecientes do


quociente q(x) do resto r, conforme a seguinte tabela

β an an−1 ··· a2 a1 a0
an = qn−1 qn−2 ··· q1 q0 |r

Exemplo 1. Vamos determinar o quociente e o resto da divisão euclidiana


em Q[x] de f(x) = x3 − 2x2 + 3 por x + 3, usando o algoritmo de Briot-Runi.
Nesse caso, β = −3, gr(f(x)) = 3 e gr(q(x)) = 2.

−3 1 −2 0 3
1 −5 15 | −42

Logo, r = −42, 3 não é raiz de f(x), q(x) = x2 − 5x + 15 e f(x) =


(x2 − 5x + 15)(x + 3) − 42.

O algoritmo pode ser usado para fazer divisões sucessivas de f(x) por
x − β, quando β é uma raiz de f(x). Vejamos um exemplo.
94 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3

Exemplo 2. Seja f(x) = 4x4 + 5x2 − 7x + 2 ∈ Q[x]. Vamos mostrar que a


1
maior potência de x −
2 que divide f(x) é 2.
1
Fazemos a divisão euclidiana de f(x) por x −
2 e obtemos

1
2 4 0 5 −7 2
4 2 6 −4 |0

1 1 3 2

2 é raiz de f(x) e f(x) = x − 2 q(x), onde q(x) = 4x +2x +6x−4.
Logo,
1 1
Será que
2 é raiz de q(x)? Fazemos a divisão de q(x) por x − 2 na
1
mesma tabela, acrescentando β =
2 na linha dos coecientes do quociente.
Aplicamos o procedimento em q(x), obtendo

1
2 4 0 5 −7 2
1
2 4 2 6 −4 |0
4 4 8 |0

1 1 1 2
(4x2 +4x+8) e f(x) = x − (4x2 +
 
Logo,
2 é raiz de q(x), q(x) = x − 2 2
4x + 8).
1
Será que
2 é raiz de q2 (x) = 4x2 + 4x + 8? Aplicamos mais uma vez o
1
procedimento, acrescentando
2 na linha dos coecientes de q2 (x), obtendo

1
2 4 0 5 −7 2
1
2 4 2 6 −4 |0
1
2 4 4 8 |0
4 6 | 11

1
Logo, x− 2 não divide q2 (x). Portanto,
2
f(x) = x − 12 (4x2 + 4x + 8).
2 3
Temos então que x − 12 divide f(x), mas x − 12 não divide f(x).

Dizemos que β ∈ A é uma raiz de f(x) ∈ A[x] de multiplicidade m quando


(x − β)m divide f(x) e (x − β)m+1 não divide f(x) em A[x]. Nesse caso, existe
q(x) ∈ A[x] tal que

f(x) = (x − β)m q(x), com q(β) 6= 0.


Seção 6 Algoritmo de Briot-Runi 95

Dizemos que β é uma raiz simples de f(x), se m = 1, e uma raiz múltipla,


se m ≥ 2.
1
No Exemplo anterior,
2 é uma raiz de f(x) de multiplicidade 2.

Encerramos essa Seção com uma aplicação interessante do algoritmo de


Briot-Runi.

SejamA um subanel de C e β ∈ A. A função ϕ : A[x] −→ A[x] denida


por ϕ(g(x)) = g(x − β) é uma bijeção, pois ψ : A[x] −→ A[x] denida
por ψ(g(x)) = g(x + β) tem a propriedade de ϕ ◦ ψ = Id e ψ ◦ ϕ = Id.
Portanto, para cada f(x) ∈ A[x], existe um único polinômio g(x) ∈ A[x] tal
que f(x) = ϕ(g(x)) = g(x−β). Isto é equivalente a dizer que cada polinômio
f(x) com coecientes em A pode ser escrito, de uma única maneira, como
um polinômio com coecientes em A e potências de x − β.
n
Dado f(x) = an x + · · · + a1 x + a0 ∈ A[x], com an 6= 0 e n ≥ 1, como
podemos expressá-lo como um polinômio em potências de x − β?
Pela divisão euclidiana de f(x) por x − β, temos

f(x) = (x − β)q1 (x) + r0 , onde r0 ∈ A e gr(q1 (x)) = n − 1.


Pela divisão euclidiana de q1 (x) por x − β, temos

q1 (x) = (x − β)q2 (x) + r1 , onde r1 ∈ A e gr(q2 (x)) = n − 2.


Sucessivamente, fazemos a divisão de qj (x) por x − β, obtendo qj+1 (x) ∈
A[x] e rj ∈ A, para j = 0, . . . , n−1, com gr(qj+1 (x)) = n−j−1 e q0 (x) = f(x).
Assim,

(1) f(x) = (x − β)q1 (x) + r0 , com gr(q1 (x)) = n − 1 e r0 ∈ A

(2) q1 (x) = (x − β)q2 (x) + r1 , com gr(q2 (x)) = n − 2 e r1 ∈ A

.
.
.

(n) qn−1 (x) = (x − β)qn (x) + rn−1 , com gr(qn (x)) = 0 e rn−1 ∈ A.

Fazendo rn = qn (x) ∈ A e substituindo, sucessivamente, uma equação


na outra, obtemos

f(x) = r0 + r1 (x − β) + · · · + rn−1 (x − β)n−1 + rn (x − β)n ,


onde rn = a n é o coeciente líder de f(x).
O algoritmo de Briot-Runi será a ferramenta para fazer as divisões
sucessivas por x − β.
96 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3

β an an−1 ··· a2 a1 a0
β coecientes de q1 (x) | r0
β coecientes de q2 (x) | r1
. .
. .
. .
β coecientes de qn−1 (x) | rn−2
coecientes de qn (x) | rn−1
rn = a n

Exemplo 3. Seja f(x) = 2x5 + 3x4 − x3 + x2 − 4 ∈ Z[x]. Vamos escrevê-lo


em potências crescentes de x + 1.

−1 2 3 −1 1 0 −4
−1 2 1 −2 3 −3 | −1
−1 2 −1 −1 4 | −7
−1 2 −3 2 |2
−1 2 −5 |7
2 | −7
2
Logo, f(x) = −1 − 7(x + 1) + 2(x + 1)2 + 7(x + 1)3 − 7(x + 1)4 + 2(x + 1)5 .

Problemas

1
6.1 Mostre que
2 e − 12 são raízes de
1
f(x) = 16x5 − 24x4 + 8x3 + 4x2 − 3x + 2 ∈ Q[x]
e determine as suas multiplicidades.

6.2 Escreva x6 − 64 como um polinômio em potências crescentes de x − 2.


6.3 xn − βn como um polinômio
Escreva em potências crescentes de x − β,
onde β ∈ A\{0}, sendo A um anel.
6.4 Sejam A um anel, β ∈ A e a função ϕ : A[x] −→ A[x] denida por
ϕ(g(x)) = g(x − β). Para quaisquer f(x), g(x) ∈ A[x] e a ∈ A, mostre que:
a) ϕ(f(x) + g(x)) = ϕ(f(x)) + ϕ(g(x));
b) ϕ(f(x) · g(x)) = ϕ(f(x)) · ϕ(g(x));
c) ϕ(af(x)) = aϕ(f(x)).
6.5 Seja f(x) = x5 − 5x4 + 7x3 − 2x2 + 4x − 8 ∈ Q[x].
a) Determine a multiplicidade da raiz 2 de f(x).
Seção 6 Algoritmo de Briot-Runi 97

b) Escreva f(x) como um polinômio em potências crescentes de x − 2.


6.6 Seja f(x) = x5 + 7x4 + 16x3 + 8x2 − 16x − 16 ∈ Q[x].
a) Determine a multiplicidade da raiz −2 de f(x).
b) Escreva f(x) como um polinômio em potências crescentes de x + 2.
6.7 Sejam A um domínio de integridade, f(x) ∈ A[x]
β ∈ A uma raiz de
e
f(x) de multiplicidade m. Mostre que existe um polinômio q(x) em A[x], tal
m
que f(x) = (x − β) q(x), com q(β) 6= 0.
Bibliograa
[1] C. S. Fernandes, A. Hefez - Introdução à Álgebra Linear. Coleção PROF-
MAT, SBM, 2012.

[2] C. F. Gauss - Disquisitiones Arithmeticae. Springer-Verlag, 1986.

[3] A. Hefez - Curso de Álgebra, Vol. I e Vol. II. Coleção Matemática


Universitária, IMPA, 2010 e 2012.

[4] A. Hefez - Elementos de Aritmética. Coleção Textos Universitários, SBM,


2006.

[5] S. Lang - Estruturas Algébricas. Ao Livro Técnico, 1972.

[6] E. L. Lima - Análise Real, Volume II. Coleção Matemática Universitária,


IMPA, 2004.

[7] J. B. Ripoll, C. C. Ripoll e J.F P. da Silveira - Números Racionais, Reais


e Complexos. Editora UFRGS.

[8] J. Stillwell - Elements of Algebra: geometry, numbers, equations. Springer-


Verlag, 1994.

181
4
Livro: Polinômios e Equações Algébricas
Autores: Abramo Hefez
Maria Lúcia Torres Villela

Capítulo 4: Fatoração de Polinômios

Sumário
1 Polinômios e Suas Raízes . . . . . . . . . . . . . . 99
2 Fatoração de Polinômios sobre os Reais . . . . . 102
3 Polinômios Primos e a Fatoração Única . . . . . 108
4 MDC e MMC de Polinômios . . . . . . . . . . . 113
5 Polinômios com Coecientes Inteiros . . . . . . . 117

98
Seção 1 Polinômios e Suas Raízes 99

1 Polinômios e Suas Raízes


O próximo resultado nos dará uma limitação sobre o número de raízes
de um polinômio com coecientes em um domínio de integridade.

Proposição 1.1. Seja A um domínio de integridade e seja f(x) em A[x]\{0}.


Se f(x) tem grau n, então f(x) tem no máximo n raízes em A.
Demonstração n = gr(f(x)).
A prova é por indução sobre
Se n = 0, então f(x) = a 6= 0 não tem raízes em A e o resultado é válido.
Seja n ≥ 0. Suponhamos o resultado verdadeiro para polinômios de grau
n e seja f(x) um polinômio com gr(f(x)) = n + 1.
Se f(x) não tem raízes em A, nada há a demonstrar. Digamos que f(x)
tenha uma raiz β ∈ A. Pela Proposição 6.1, do Capítulo 3, x − β divide f(x)
em A[x], logo existe q(x) ∈ A[x] tal que

f(x) = q(x)(x − β), com gr(q(x)) = n.


Por hipótese de indução, q(x) tem no máximo n raízes em A. Observamos
que

α∈A é raiz de f(x) ⇐⇒ 0 = f(α) = q(α)(α − β)


(?)
⇐⇒ q(α) = 0 ou α − β = 0
⇐⇒ α é raiz de q(x) ou α = β,
onde em (?) usamos o fato de A ser um domínio de integridade. Logo, f(x)
tem no máximo n+1 raízes em A. 2

Exemplo 1. O polinômiox2 − 2 ∈ Q[x]


√ não tem
√ raízes em Q. Entretanto,
x2 − 2 ∈ R[x] tem duas raízes reais, 2 e − 2. O polinômio x2 + 1 ∈
Q[x] ⊂ R[x] não tem raízes reais. Olhando x2 + 1 como um polinômio com
coecientes complexos, vemos que tem as duas raízes i e −i em C.

Exemplo 2. (Raízes da Unidade) Considere a raiz complexa primitiva


n-ésima da unidade ξ = cos 2π 2π
n + i sen n . Sabemos que as raízes da unidade
k
são os números complexos da forma ξ , onde k = 0, . . . , n − 1. Por denição,
n
as raízes n-ésimas da unidade são as raízes em C do polinômio p(x) = x −1.
Essas raízes são todas simples, pois são duas a duas distintas e o seu número
é igual ao grau do polinômio p(x). Como 1 é raiz desse polinômio, temos
que x−1 divide p(x). Efetuando esta divisão, encontramos

xn − 1 = (x − 1)(xn−1 + xn−2 + · · · + x + 1).


Assim, as raízes da unidade distintas de 1 são as raízes do polinômio

xn−1 + xn−2 + · · · + x + 1.
100 Fatoração de Polinômios Cap. 4

Exemplo 3. (Polinômios de Interpolação de Lagrange) Seja K um


corpo e sejam aj , bj ∈ K, j = 1, 2, . . . , n, com os aj dois a dois distintos e os
bj não todos nulos. Considere os polinômios

(x − a1 ) · · · (x − aj−1 )(x − aj+1 ) · · · (x − an )


pj (x) = bj , j = 1, . . . , n.
(aj − a1 ) · · · (aj − aj−1 )(aj − aj+1 ) · · · (aj − an )

P
Então p(x) = nj=1 pj (x) é o único polinômio de grau menor do que n tal
que p(aj ) = bj , j = 1, . . . , n.
De fato, o polinômio p(x) tem grau menor do que n e é tal que p(aj ) = bj ,
pois
0, se j 6= k
pj (ak ) =
bj , se j = k.
Para provar a unicidade, suponha que q(x) seja um polinômio que sa-
tisfaz as mesmas condições de p(x). Segue-se que p(x) − q(x) se anula em
a1 , . . . , an . Como esse polinômio tem grau menor do que n e tem n raízes,
ele é nulo, acarretanto que q(x) = p(x).

Vimos no Capítulo 1 que todo polinômio de grau 2 com coecientes


complexos tem raízes em C. Na verdade, o corpo dos números complexos
tem a seguinte propriedade especial:

Todo polinômio não constante com coecientes complexos tem uma raiz
complexa.
Este resultado tem uma história interessante e dada a posição central
que ocupava na Álgebra, no passado, foi batizado de Teorema Fundamental
da Álgebra. Contaremos a história deste teorema e o demonstraremos no
Capítulo 5.
Dizemos que um corpo K é algebricamente fechado quando todo polinô-
mio não constante com coecientes em K tem uma raiz em K. Portanto, o
Teorema Fundamental da Álgebra nos diz que C é algebricamente fechado.
Uma propriedade importante dos corpos algebricamente fechados é dada
no resultado a seguir.

Proposição 1.2. Sejam K um corpo algebricamente fechado e f(x) em K[x],


com gr(f(x)) = n ≥ 1. Então, existem β1 , . . . , βn ∈ K, não necessariamente
distintos, e a ∈ K\{0} tais que
f(x) = a(x − β1 ) · · · (x − βn ).

Demonstração A demonstração é por indução sobre o grau de f(x). Se


gr(f(x)) = 1, então f(x) = ax + b, com a, b ∈ K e a 6= 0, logo f(x) =
Seção 1 Polinômios e Suas Raízes 101

a(x+a−1 b) e β1 = −a−1 b. Seja n ≥ 1 e suponhamos o resultado válido para


polinômios de grau n. Seja f(x) ∈ K[x] com gr(f(x)) = n + 1. Por hipótese,
f(x) tem uma raiz β ∈ K. Pela Proposição 6.1, Capítulo 3, f(x) = q(x)(x−β),
para algum q(x) ∈ K[x] e gr(q(x)) = n. Por hipótese de indução, existem
a, β1 , . . . , βn ∈ K, com a 6= 0, tais que
q(x) = a(x − β1 ) · · · (x − βn ).
Logo,

f(x) = a(x − β1 ) · · · (x − βn )(x − β).


Tomando βn+1 = β, obtemos o resultado. 2

É claro, na proposição anterior, que a é o coeciente líder de f(x). Após


uma reordenação das raízes de f(x), caso necessário, podemos supor que β1 ,
..., βs , 1 ≤ s ≤ n, são as suas raízes distintas e βj ocorre com multiplicidade
rj , para cada j = 1, . . . , s, logo
f(x) = a(x − β1 )r1 · · · (x − βs )rs ,
onde r1 + · · · + rs = n.
Nos corpos algebricamente fechados, todo polinômio de grau n≥1 tem
exatamente n raízes, contadas com as suas multiplicidades.
Como consequência do resultado acima, podemos reenunciar o Teorema
Fundamental da Álgebra como a seguir.

Teorema 1.1. Todo polinômio f(x) com coecientes complexos e grau n ≥ 1,


se escreve de uma única maneira, a menos da ordem dos fatores, como
f(x) = a(x − β1 )r1 · · · (x − βs )rs ,
onde a ∈ C\{0} é o coeciente líder de f(x), β1 , . . . , βs são números com-
plexos distintos, r1 , . . . , rs são inteiros positivos tais que r1 + · · · + rs = n.
O resultado a seguir é característico dos domínios de integridade com um
número innito de elementos, como por exemplo os subanéis de C.
Proposição 1.3. Seja A um domínio de integridade com um número innito
de elementos. Se f(x) ∈ A[x] e f(β) = 0, para todo β ∈ A, então f(x) = 0.
Demonstração Suponhamos, por absurdo, que f(x) ∈ A[x] \ {0} com f(β) =
0 para todo β ∈ A. Seja n = gr(f(x)). É claro que n 6= 0. Logo, n ≥ 1. Pela
Proposição 1.1, f(x) tem no máximo n raízes em A, contradizendo o fato de
A ser innito. 2

A diferença entre polinômio e função polinomial é apenas aparente nos


domínios com um número innito de elementos.
102 Fatoração de Polinômios Cap. 4

Corolário 1. Seja A um domínio de integridade com um número innito


de elementos. Sejam f(x) e g(x) em A[x] tais que f(β) = g(β), para todo
β ∈ A. Então, f(x) = g(x).
Demonstração Seja h(x) = f(x) − g(x). Então, para todo β ∈ A, h(β) =
f(β) − g(β) = 0. Pela proposição anterior, 0 = h(x) = f(x) − g(x). Logo,
f(x) = g(x). 2

Observação Os conceitos de polinômio e função polinomial são diferentes


em domínios nitos. De fato, o leitor conhece exemplos de domínios com
um número nito de elementos; a saber, para cada natural primo p, o corpo
Zp = { 0, 1, . . . , p − 1 }, das classes dos resíduos módulo p. Consideremos o
anel de polinômios Zp [x], dos polinômios com coecientes em Zp .
Para todo n ≥ 1, os polinômios fn (x) = x
pn − x ∈ Z [x], pelo Pequeno
p
Teorema de Fermat (cf. [3], Volume 1, ou [4]), têm a propriedade de fn (β) =
0, para todo β ∈ Zp , mostrando que em Zp os conceitos de polinômio e
função polinomial são diferentes.

Problemas

1.1 Seja F um corpo e sejam f(x) e ax + b, com a 6= 0, polinômios em F[x].


Mostre que se ax + b divide f(x), então f(x) tem raiz em F.
1.2 Seja n ∈ N, com n ≥ 2. Considere a raiz primitiva n-ésima da unidade
ξ = cos 2π 2π
n + i sen n .
a) Mostre a igualdade de polinômios

1 + x + x2 + · · · + xn−1 = (x − ξ)(x − ξ2 ) · · · (x − ξn−1 ).

b) Na igualdade acima, fazendo x=1 e tomando os módulos de ambos os


lados, mostre a seguinte identidade trigonométrica:

π 2π (n − 1)π n
sen · sen · · · sen = n−1 .
n n n 2
1.3 Determine o polinômio de menor grau que tem raízes 0, 1 + i e 1−i e
toma valores 2 e −2 em −1 e 1, respectivamente.

2 Fatoração de Polinômios sobre os Reais


Vamos mostrar como obter a fatoração de um polinômio em R[x] a partir
da sua fatoração em C[x], obtida pelo Teorema Fundamental da Álgebra.
Para isto, precisamos do conceito de polinômio irredutível.
Seção 2 Fatoração sobre os reais 103

Sejam F um corpo e f(x) ∈ F[x]\F. Dizemos que f(x) é um polinômio


irredutível em F[x] se possuir a seguinte propriedade:
Se f(x) = g(x) · h(x), com g(x), h(x) ∈ F[x], então f(x) ou g(x) é um
polinômio constante não nulo.
Caso contrário, dizemos que o polinômio f(x) é não irredutível ou redutível
em F[x].
Portanto, um polinômio f(x) é redutível em F[x] se, e somente se, existem
polinômios g(x), h(x) ∈ F[x] tais que f(x) = g(x)·h(x), com 0 < gr(g(x)) < gr(f(x))
e 0 < gr(h(x)) < gr(f(x)).
Exemplo 1. Seja F um corpo qualquer. O polinômio ax + b, onde a, b ∈ F
e a 6= 0, é irredutível em F[x].
De fato, escrevendo ax + b = f(x) · g(x), com f(x), g(x) ∈ F[x] temos que
ambos os fatores são não nulos e

1 = gr(ax + b) = gr(f(x)) + gr(g(x)).


Logo, gr(f(x)) = 0 e gr(g(x)) = 1, ou gr(f(x)) = 1 e gr(g(x)) = 0. Então,
f(x) g(x) é um polinômio constante não nulo.
ou
Em particular, o polinômio mônico x − β, com β ∈ F, é irredutível em
F[x].
Exemplo 2. Em C[x] um polinômio é irredutível se, e somente se, ele é de
grau 1.
Pelo Exemplo 1, sabemos que todo polinômio de grau 1 é irredutível.
Reciprocamente, suponhamos que f(x) ∈ C[x] e gr(f(x)) ≥ 2. Como C é
algebricamente fechado, existe β ∈ C tal que f(β) = 0, logo x−β divide f(x).
Portanto, existe q(x) ∈ C[x] tal que f(x) = q(x)(x − β), com gr(q(x)) + 1 =
gr(f(x)) ≥ 2, logo gr(q(x)) ≥ 1. Portanto, f(x) não é irredutível.
O resultado acima, é válido em todo corpo algebricamente fechado.
Na análise da irredutibilidade ou não de um polinômio, o corpo dos coe-
cientes é muito importante.
√ √
Exemplo 3. x2 − 2 = (x − 2)(x + 2) em R[x], então x2 − 2 não é
Como
2
irredutível em R[x]. Entretanto, x − 2 é irredutível em Q[x], pois tem grau
2 e não tem raiz em Q. (Veja Problema 2.2.)
Exemplo 4. Um polinômio f(x) = ax2 + bx + c ∈ R[x], com ∆ = b2 − 4ac <
0, é irredutível em R[x]. De fato, se o polinômio fosse redutível, ele seria
divisível por um polinômio do primeiro grau em R[x], digamos dx + e, com
d 6= 0. Neste caso, f(x) teria a raiz real (−e/d), o que contradiz o fato de
∆ < 0.
104 Fatoração de Polinômios Cap. 4

Dado um polinômio f(x) = an xn + an−1 xn−1 + · · · + a1 x + a0 em F[x], com


gr(f(x)) = n ≥ 1, e dado a ∈ F \ {0}, é fácil vericar que f(x) é irredutível se,
e somente se, af(x) é irredutível.
Podemos escrever

f(x) = an (xn + (an )−1 an−1 xn−1 + · · · + (an )−1 a1 x + (an )−1 a0 ).
| {z }
p(x)
Portanto, f(x) é irredutível se, e somente se, o polinômio mônico p(x) é
irredutível.
Assim, para determinar todos os polinômios irredutíveis de F[x] só preci-
samos conhecer os polinômios irredutíveis mônicos.

A m de obter a decomposição de f(x) ∈ R[x] em produto de fatores ir-


redutíveis em R[x], vamos introduzir o conceito de conjugação de polinômios
com coecientes complexos e explorar algumas das suas propriedades.

Seja f(x) = an xn + · · · + a1 x + a0 ∈ C[x]. O polinômio conjugado de f(x)


é denido por

f(x) = an xn + · · · + a1 x + a0 ,
onde aj é o conjugado de aj , j = 0, . . . , n.

Daremos a seguir as propriedades da conjugação de polinômios.

Proposição 2.1. Sejam f(x), g(x), h(x) ∈ C[x]. A conjugação tem as se-
guintes propriedades:
(i) se f(x) = g(x) + h(x), então f(x) = g(x) + h(x);
(ii) se f(x) = g(x) · h(x), então f(x) = g(x) · h(x);
(iii) f(x) = f(x) se, e somente se, f(x) ∈ R[x];
(iv) se β ∈ C, então f(β) = f(β).

Demonstração Deixamos o item (i) como exercício.

X
s X
n X
m
j j
Escrevamos f(x) = aj x , g(x) = bj x e h(x) = cj xj .
j=0 j=0 j=0
(ii) Suponhamos que
X= g(x) · h(x). Da denição de multiplicação
f(x) de

polinômios, temos aj = bλ cµ , para j = 0, . . . , s. Logo,


λ+µ=j

X X
aj = bλ cµ = bλ cµ , para j = 0, . . . , s,
λ+µ=j λ+µ=j

seguindo-se da denição da multiplicação de polinômios que g(x) · h(x) =


f(x).
Seção 2 Fatoração sobre os reais 105

(iii) Tem-se que


f(x) = f(x) ⇐⇒ aj = aj , para todo j = 0, . . . , s
⇐⇒ aj ∈ R, para todo j = 0, . . . , s
⇐⇒ f(x) ∈ R[x].
(iv) Seja β ∈ C. Segue, da denição de avaliação e das propriedades da
conjugação em C, que

X
n
j X
n X
n
f(β) = aj β = aj βj = aj βj = f(β).
j=0 j=0 j=0
2

Corolário 1. Seja β ∈ C uma raiz de f(x) ∈ C[x] de multiplicidade m.


Então, β é uma raiz de f(x) com multiplicidade m.

Demonstração Seja β ∈ C uma raiz de f(x) ∈ C[x] de multiplicidade m.


Então, f(x) = (x − β)m q(x) com q(β) 6= 0. De (ii) na proposição anterior,
m
segue que f(x) = (x − β) q(x) e de (iv), q(β) = q(β) 6= 0 = 0, mostrando
que β é raiz de f(x) de multiplicidade m. 2

Proposição 2.2. Seja f(x) ∈ R[x]. Se β ∈ C é uma raiz de f(x) com


multiplicidade m, então β também é raiz de f(x) de multiplicidade m.

Demonstração Se f(x) ∈ R[x], temos que f(x) = f(x), seguindo-se o resul-


tado do Corolário 1, acima. 2

Corolário 1. As raízes complexas não reais de f(x) ∈ R[x] ocorrem aos


pares (cada raiz com sua conjugada). Todo polinômio de grau ímpar em R[x]
tem pelo menos uma raiz real.

Demonstração Seja f(x) ∈ R[x] e seja β ∈ C, β 6∈ R, tal que f(β) = 0.


Então, β 6= β e f(β) = 0 se, e somente se, f(β) = 0, ambas com a mesma
multiplicidade. Portanto, se o polinômio tem grau ímpar, tem de ter pelo
menos uma raiz real. 2

Proposição 2.3. Os polinômios mônicos irredutíveis em R[x] são da forma


x − a, a ∈ R, ou x2 + bx + c, com b2 − 4c < 0. Todo polinômio f(x) ∈ R[x],
com gr(f(x)) > 2, é redutível em R[x].
106 Fatoração de Polinômios Cap. 4

Demonstração Já sabemos que os polinômios x − a, onde a ∈ F, são


irredutíveis em qualquer corpo F.
Um polinômio de grau 2 com coecientes em qualquer corpo F é irredu-
tível em F[x] se, e somente se, não tem raízes em F. Logo, x2 + bx + c é
irredudível em R[x] se, e somente se, x2 + bx + c não tem raízes em R, o que
equivale a ter b2 − 4c < 0.
f(x) ∈ R[x] tal que gr(f(x)) > 2.
Para demonstrar a última armação, seja
Seja β ∈ C uma raiz de f(x). Temos dois casos a considerar:
Caso 1: Se β ∈ R, então x − β divide f(x) em R[x]. Logo, f(x) é redutível
em R[x].
Caso 2: Se β ∈ C \ R, então β 6= β e β também é raiz de f(x). Logo,
(x − β)(x − β) divide f(x) em C[x]. Entretanto,

(x − β)(x − β) = x2 − (β + β)x + ββ
= x2 − 2Re(β)x+ | β |2 ∈ R[x],

logo x2 − 2Re(β)x+ | β |2 divide f(x) em R[x]. Então, f(x) é redutível em


R[x]. 2

Como consequência do Teorema 1.1, temos a seguinte versão para poli-


nômios com coecientes reais do Teorema Fundamental da Álgebra.

Teorema 2.1 (Teorema Fundamental da Álgebra em R[x]). Todo polinômio


f(x) com coecientes reais e grau n ≥ 1 se escreve de modo único, a menos
da ordem dos fatores, como
f(x) = a(x − β1 )r1 · · · (x − βt )rt p1 (x)n1 · · · ps (x)ns ,
onde a ∈ R \ {0} é o coeciente líder de f(x); β1 , . . . , βt são as raízes reais
distintas de f(x); pj (x) = x2 + bj x + cj são polinômios distintos com coeci-
entes reais tais que bj 2 − 4cj < 0, para todo j = 1, . . . , s; e r1 , . . . , rt , n1 ,
. . . , ns são números naturais, tais que r1 + · · · + rt + 2n1 + · · · + 2ns = n.
√ √ √ √ √
Exemplo 5. x4 − 2 = (x2 − 2)(x2 + 2)(x2 +
4 4
2) = (x − 2)(x + 2) é a
fatoração em produto de polinômios mônicos irredutíveis em R[x].

Exemplo 6. Qual a fatoração em polinômios mônicos irredutíveis em R[x]


de f(x) = x4 +1 ?
As raízes em C de f(x) são as raízes complexas quartas de −1, pois
β4 + 1 = 0 se, e somente se, β4 = −1. Vamos determiná-las. O argumento
de −1 é π. Assim, as raízes complexas quartas de −1 têm argumentos φk =

π+2πk
= π(2k+1) , k = 0, 1, 2, 3 e módulo ρ = 4 | − 1| = 4 1 = 1. Logo,
p
4 4
Seção 2 Fatoração sobre os reais 107

√ √
φ0 = π
4 ⇒ z0 = cos π4 + i sen π4 = 22√+ 22√i
φ1 = 3π
4 ⇒ z1 = cos 3π4 + i sen 4

= − √22 + √22 i
φ2 = 5π
4 ⇒ z2 = cos 5π4 + i sen 4

=− 2
− 2i
√ 2 √ 2
φ3 = 7π
4 ⇒ z3 = cos 7π4 + i sen 4

= 22 − 22 i,
então

x4 + 1 = (x − z0 )(x − z1 )(x − z2 )(x − z3 ) em C[x].


Note que z0 = z3 e z1 = z2 . Portanto, z0 e z3 são raízes do polinô-
2

mio (x − z0 )(x − z0 ) = x − 2x + 1 e z1 e z2 são raízes do polinômio

(x − z1 )(x − z1 ) = x2 + 2x + 1. Logo,
√ √
x4 + 1 = (x2 + 2x + 1)(x2 − 2x + 1)
é a fatoração em polinômios mônicos irredutíveis em R[x].
Problemas

2.1 Sejam F um corpo e f(x) ∈ F[x]\F. Mostre que f(x) é irredutível, se e


somente se, af(x) é irredutível para todo a ∈ F\{0}.
2.2 Seja f(x) ∈ F[x] um polinômio de grau 2 ou 3, onde F é um corpo.
a) Mostre que f(x) é não irredutível em F[x] se, e somente se, f(x) tem uma
raiz em F.
b) Escreva a condição para f(x) de grau 2 ou 3 ser irredutível em F[x].
2.3 Dê exemplos de um corpo F e um polinômio f(x) ∈ F[x], tal que
gr(f(x)) = 4, f(x) não tem raízes em F e f(x) não é irredutível em F[x].
2.4 Mostre que os seguintes polinômios são irredutíveis em Q[x]:
a) x
2 − 2x − 1; b) x
2 + x + 1; c) x
3 − 2.
2.5 Seja F um corpo. Mostre que em F[x] há innitos polinômios mônicos
irredutíveis.

2.6 Faça o que se pede.

a) Determine o polinômio f(x) de grau 3 com coecientes reais e coeciente


líder 3, tal que 1 e 1−i são raízes de f(x).
b) Dê as fatorações do polinômio f(x) do item (a) em produto de potências
de polinômios mônicos irredutíveis em R[x] e em C[x].
c) Determine o polinômio g(x) de grau 4 com coecientes reais e coeciente
líder −2, tal que 3 + 4i e 2 + i são raízes de f(x).
d) Dê as fatorações do polinômio g(x) do item (c) em produto de potências
de polinômios mônicos irredutíveis em R[x] e em C[x].
108 Fatoração de Polinômios Cap. 4

e) Dê o polinômio mônico com coecientes complexos de menor grau, tal que


3+i e 2 são suas raízes. Quais polinômios com coecientes complexos são
tais que 3 + i e 2 são suas raízes?
f ) Dê o polinômio mônico com coecientes reais de menor grau, tal que 3+i
e 2 são suas raízes. Quais os polinômios com coecientes reais, tais que 3+i
e 2 são suas raízes?

2.7 Dê a fatoração em produto de polinômios mônicos irredutíveis em R[x]


de cada polinômio abaixo.

a) x4 + 5x2 + 6; b) x4 + 6x2 + 9; c) x4 + x2 + 1.
2.8 Seja f(x) = x5 − 5x4 + 7x3 − 2x2 + 4x − 8.
a) Dê as fatorações de f(x) em produto de polinômios mônicos irredutíveis
em R[x] e em C[x], usando o Problema 6.5, Capítulo 3;

b) Dê as raízes de f(x) em C com suas multiplicidades.

2.9 Seja f(x) = x5 + 7x4 + 16x3 + 8x2 − 16x − 16.


a) Dê as fatorações de f(x) em produto de polinômios mônicos irredutíveis
em R[x] e em C[x], usando o Problema 6.6, Capítulo 3;

b) Dê as raízes de f(x) em C com suas multiplicidades.

2.10 Dê as fatorações em produto de polinômios mônicos irredutíveis em


C[x] e em R[x] dos polinômios abaixo.

a) x6 − 16; b) x6 + 16; c) x8 − 1; d) x8 + 1.
2.11 f(x) = x6 −4x5 +15x4 −24x3 +39x2 −20x+25. Sabendo que 1+2i
Seja
é uma raiz múltipla de f(x), determine a sua multiplicidade, as outras raízes
complexas de f(x) e dê a decomposição de f(x) em produto de potências de
polinômios mônicos irredutíveis em R[x].

3 Polinômios Primos e a Fatoração Única


Qual a importância dos polinômios irredutíveis? Veremos adiante que os
polinômios irredutíveis desempenham papel semelhante ao desempenhado
pelos números primos.
Um polinômio f(x) ∈ A[x]\F, onde A é um domínio de integridade,
será chamado de polinômio primo f(x) dividir um produto
se, sempre que
g(x)h(x), então f(x) divide um dos fatores; ou seja, f(x) divide g(x) ou divide
h(x).
Seção 3 Polinômios Primos e a Fatoração Única 109

Lema 3.1. Todo polinômio primo, com coecientes em um domínio de in-


tegridade, é irredutível.
Demonstração De fato, suponhamos que f(x) seja primo e digamos que
f(x) = g(x)h(x), com g(x) e h(x) em A[x]. Então, f(x) divide g(x)h(x) e,
por hipótese, f(x) divide g(x) ou f(x) divide h(x). Suponhamos que f(x)
divida g(x). Então, g(x) = f(x)q(x) para algum q(x) ∈ A[x] e

f(x) = g(x)h(x) = f(x)q(x)h(x).


Cancelando f(x) (aqui usamos o fato de A ser domínio de integridade), obte-
mos que 1 = q(x)h(x). Logo, h(x) = a 6= 0, a ∈ F. O outro caso é análogo.
Então, f(x) é irredutível. 2

Quando A é um corpo, vale a recíproca da propriedade acima. Para


demonstrar este fato, precisaremos do lema a seguir. Antes, porém, xemos
uma notação.
Dados elementos f(x), g(x), d(x) ∈ F[x], onde F é um corpo, denimos

I(f(x), g(x)) = { a(x)f(x) + b(x)g(x) ; a(x), b(x) ∈ F[x] }

e
I(d(x)) = { c(x)d(x) ; c(x) ∈ F[x] }.
Note que a segunda denição é um caso particular da primeira, pois
I(d(x)) = I(d(x), 0). Note também que h(x) ∈ I(f(x), g(x)) se, e somente se,
ah(x) ∈ I(f(x), g(x)), para todo a ∈ F \ {0} (cf. Problema 3.1).
Lema 3.2. Sejam f(x), g(x) ∈ F[x], onde F é um corpo, com pelo menos
um deles não nulo. Então, existe um polinômio d(x) ∈ I(f(x), g(x)), tal que
I(f(x), g(x)) = I(d(x)).
Demonstração Considere o subconjunto dos números naturais:

S = { gr(h(x)) ; h(x) ∈ I(f(x), g(x)) e h(x) 6= 0 }.


O conjunto S é não vazio, pois f(x) = 1 · f(x) + 0 · g(x) ∈ I(f(x), g(x)) e
g(x) = 0 · f(x) + 1 · g(x) ∈ I(f(x), g(x)) e, portanto, I(f(x), g(x)) possui um
elemento não nulo. Como S ⊂ N, pelo Princípio da Boa Ordenação, S tem
um menor elemento, digamos s. Então, existe d(x) ∈ I(f(x), g(x)), d(x) 6= 0,
tal que s = gr(d(x)).
Como d(x) ∈ I(f(x), g(x)), existem a0 (x), b0 (x) ∈ F[x] tais que

d(x) = a0 (x)f(x) + b0 (x)g(x). (1)

Logo, para todo c(x) ∈ F[x], temos que


110 Fatoração de Polinômios Cap. 4

c(x)d(x) = (c(x)a0 (x))f(x) + (c(x)b0 (x))g(x) ∈ I(f(x), g(x)),


mostrando que I(d(x)) ⊂ I(f(x), g(x)).
Por outro lado, seja h(x) ∈ I(f(x), g(x)). Pela divisão euclidiana de h(x)
por d(x), existem q(x), r(x) ∈ F[x] tais que

h(x) = q(x)d(x) + r(x),


onde r(x) = 0 ou gr(r(x)) < gr(d(x)). Temos que

r(x) = h(x) − q(x)d(x). (2)

Como h(x) ∈ I(f(x), g(x)), existem polinômios a(x), b(x) em F[x], tais que
h(x) = a(x)f(x) + b(x)g(x). Substituindo a expressão (1) em (2), obtemos
que
r(x) = a(x)f(x) + b(x)g(x) − q(x)(a0 (x)f(x) + b0 (x)g(x))
= (a(x) − q(x)a0 (x))f(x) + (b(x) − q(x)b0 (x))g(x).
r(x) ∈ I(f(x), g(x)). Pela escolha de d(x), como sendo um elemento
Logo,
de menor grau em I(f(x), g(x)), temos que r(x) = 0. Logo, de (2), temos que
h(x) = q(x)d(x) ∈ I(d(x)) e, consequentemente, I(f(x), g(x)) ⊂ I(d(x)). 2
Façamos a seguir algumas observações importantes.

a) Observe que o elemento d(x) tal que I(f(x), g(x)) = I(d(x)) é qualquer
elemento de I(f(x), g(x)) de menor grau possível. Dentre esses, existe um
único polinômio mônico (cf. Problema 3.1)

b) Os polinômios f(x) e g(x) pertencem a I(d(x)), logo f(x) = c1 (x)d(x) e


g(x) = c2 (x)d(x), onde c1 (x), c2 (x) ∈ F[x]. Portanto, d(x) divide ambos os
polinômios f(x) e g(x).

c) Como d(x) ∈ I(f(x), g(x)), então existem a0 (x), b0 (x) ∈ F[x] tais que
d(x) = a0 (x)f(x) + b0 (x)g(x).
d) Se um polinômio h(x) divide ambos os polinômios f(x) e g(x), então h(x)
divide a0 (x)f(x) + b0 (x)g(x) = d(x).

Agora estamos prontos para provar o resultado anunciado.

Proposição 3.1. Seja f(x) ∈ F[x]\F, onde F é um corpo. Temos que f(x) é
primo se, e somente se, f(x) é irredutível.
Demonstração (⇒) Já foi demonstrado no Lema 3.1.
(⇐) Seja f(x) ∈ F[x]\F irredutível. Sejam g(x) e h(x) em F[x] tais que f(x)
divide g(x)h(x) e f(x) não divide g(x). Vamos mostrar que f(x) divide h(x).
Consideremos o conjunto I(f(x), g(x)). Pelo Lema 3.2, existe um polinô-
mio d(x) 6= 0 em F[x], tal que I(d(x)) = I(f(x), g(x)). Como d(x) divide
Seção 3 Polinômios Primos e a Fatoração Única 111

f(x) e este polinômio é irredutível, temos que existe a em F \ {0} tal que
d(x) = a ou d(x) = af(x). Esta última possibilidade não pode ocorrer, pois
d(x) divide g(x), mas por hipótese f(x) não divide g(x). logo, d(x) = a.
Portanto, a = d(x) = a0 (x)f(x) + b0 (x)g(x), para alguns a0 (x), b0 (x) ∈
F[x]. Multiplicando esta igualdade por h(x)a−1 , obtemos
h(x) = a0 (x)f(x)h(x)a−1 + b0 (x)g(x)h(x)a−1 .
Como f(x) divide cada parcela à direita, então f(x) divide a sua soma que é
h(x). 2

Temos, assim, a seguinte propriedade para polinômios mônicos, com co-


ecientes em algum corpo, análoga a uma bem conhecida propriedade dos
números naturais:

Dado um polinômio mônico p(x), com coecientes em algum corpo


p(x) é primo ⇐⇒ p(x) é irredutível
⇐⇒ 1 e p(x) são os únicos divisores
mônicos de p(x) .
Teorema 3.1 Seja F um corpo e seja f(x) ∈ F[x] com
(Fatoração única).
gr(f(x)) ≥ 1. Então, existem polinômios mônicos irredutíveis p1 (x), . . . ,
ps (x) distintos, a ∈ F\{0} e números naturais n1 ≥ 1, . . . , ns ≥ 1, tais que

f(x) = ap1 (x)n1 · · · ps (x)ns .

Essa expressão é única, a menos da ordem dos fatores.


Demonstração Vamos mostrar que existem polinômios mônicos irredutí-
veis, não necessariamente distintos, p1 (x), ..., pm (x) tais que

f(x) = ap1 (x) · · · pm (x)


e essa expressão é única a menos da ordem dos fatores. Obtemos a expressão
do enunciado, supondo que os fatores distintos são p1 (x), ..., ps (x), com
s ≤ m (após uma reenumeração, caso necessário, e agrupando os fatores
iguais).

A demonstração da existência de uma tal decomposição será feita por


indução sobre n = gr(f(x)).
Se gr(f(x)) = 1, então f(x) = ax+b = a(x+a−1 b), com a, b ∈ F e a 6= 0.
Suponhamos que gr(f(x)) = n ≥ 2 e o teorema válido para polinômios
em F[x] não constantes com grau menor do que n. Vamos mostrar que vale
n
para f(x). Seja f(x) = an x + · · · + a1 x + a0 . Se f(x) é irredutível, então
112 Fatoração de Polinômios Cap. 4

f(x) = an (xn + · · · + a−1 −1


n a1 x + an a0 ).
| {z }
p1 (x) mônico irredutível

Portanto, podemos supor que f(x) seja redutível. Então, existem g(x) e
h(x) em F[x] não constantes tais que

f(x) = g(x)h(x),
com 1 ≤ gr(g(x)), gr(h(x)) < n = gr(f(x)). Por hipótese de indução, g(x) =
bp1 (x) · · · pr (x), com p1 (x), . . . , pr (x) mônicos e irredutíveis e b ∈ F\{0}.
h(x) = cpr+1 (x) · · · pr+` (x), pr+1 (x), . . . , pr+` (x) mônicos e irredutíveis e
c ∈ F\{0}.
Logo,

f(x) = b · p1 (x) · · · pr (x) · c · pr+1 (x) · · · pr+` (x)


= a · p1 (x) · · · pr (x) · pr+1 (x) · · · pr+` (x),

onde a = b · c ∈ F\{0} e p1 (x), . . . , pr+` (x) são mônicos irredutíveis.

Para provar a unicidade, suponhamos que

f(x) = a · p1 (x) · · · pm (x) = b · q1 (x) · · · qr (x), (3)

com a, b ∈ F\{0} e p1 (x), . . . , pm (x), q1 (x), . . . , qr (x) mônicos e irredutíveis.


Como a = coeciente líder de f(x) = b, cancelando em (3) obtemos

p1 (x) · · · pm (x) = q1 (x) · · · qr (x).

Como p1 (x) divide o polinômio à esquerda da igualdade acima, temos


que p1 (x) divide q1 (x) · · · qr (x). Como p1 (x) é primo, então p1 (x) divide
qj (x) para algum j = 1, . . . , r. Portanto, qj (x) = up1 (x) para algum u ∈
F\{0}. Comparando os coecientes líderes, obtemos u = 1 e qj (x) = p1 (x).
Reenumerando os polinômios q1 (x), . . . , qr (x), se necessário, podemos supor
p1 (x) = q1 (x).
Faremos indução sobre m. Se m = 1, então r = 1. Se m > 1, cancelamos
p1 (x), obtendo

p2 (x) · · · pm (x) = q2 (x) · · · qr (x)

e, por hipótese de indução, m − 1 = r − 1, que é equivalente a m = r, e cada


pj (x) é igual a qj (x). 2

Problemas
Seção 4 MDC e MMC de Polinômios 113

3.1 Sejam F um corpo e f(x), g(x) ∈ F[x]. Mostre que

a) Se h(x), k(x) ∈ I(f(x), g(x)), então h(x) + k(x) ∈ I(f(x), g(x));


b) Se `(x) ∈ F[x] e h(x) ∈ I(f(x), g(x)), então `(x)h(x) está em I(f(x), g(x));

c) h(x) ∈ I(f(x), g(x)) se, e somente se, ah(x) ∈ I(f(x), g(x)), para todo
a ∈ F\{0};
d) Se f(x), g(x) não são ambos nulos, existe um único polinômio mônico
d(x) ∈ F[x] tal que I(f(x), g(x)) = I(d(x)).
3.2 Sejam F um corpo e f1 (x), . . . , fs (x), p(x) ∈ F[x], com p(x) irredutível.
a) Mostre que se p(x) divide f1 (x) · · · fs (x), então existe j = 1, . . . , s tal que
p(x) fj (x).
divide

b) Mostre que se f1 (x), . . . , fs (x) são irredutíveis e p(x) divide f1 (x) · · · fs (x),
então existem j = 1, . . . , s e aj 6= 0 em F tais que p(x) = aj fj (x).

c) Mostre que se f1 (x), . . . , fs (x) são mônicos irredutíveis, p(x) é mônico e


p(x) divide f1 (x) · · · fs (x), então existem j = 1, . . . , s tal que p(x) = fj (x).
3.3 Sejam F um corpo e β ∈ F. Mostre que f(x) é irredutível em F[x] se,
e somente se, f(x − β) é irredutível em F[x], para qualquer β ∈ F. Observe
que a condição do enunciado para qualquer pode ser substituída por para
algum.

Sugestão Use o Problema 6.4 do Capítulo 3.

3.4 SejamF um corpo e f(x) = an xn + an−1 xn−1 + · · · + a1 x + a0 em


F[x] com an =6 0. Denimos o polinômio recíproco de f(x) por Rec(f(x)) =
an + an−1 x + · · · + a1 xn−1 + a0 xn . Mostre que se a0 6= 0, f(x) é irredutível
se, e somente se, Rec(f(x)) é irredutível.

3.5 Seja p um número natural primo. Escreva o polinômio xp − x de Zp [x]


como produto de fatores mônicos irredutíveis.

4 MDC e MMC de Polinômios


Em anéis de polinômios, temos os conceitos de máximo divisor comum e
de mínimo múltiplo comum, análogos aos dos correspondentes conceitos no
anel dos inteiros.

Sejam f(x), g(x) ∈ F[x], não ambos nulos, onde F é um corpo. Um ele-
mento d(x) em F[x] é chamado um máximo divisor comum de f(x) e g(x) se
possuir as seguintes propriedades:

(i) d(x) é divisor comum de f(x) e de g(x), isto é, d(x) divide cada um desses
polinômios;
114 Fatoração de Polinômios Cap. 4

(ii) se h(x) ∈ F[x] é um divisor comum de f(x) e g(x), então h(x) divide d(x).

d(x) e d 0 (x) são


Da propriedade (ii), acima, deduz-se facilmente que se
dois máximos divisores comuns de f(x) e g(x), então d(x) divide d (x) e
0
0
viceversa. Logo, existe uma constante não nula a ∈ F tal que d (x) = ad(x).
No entanto, pela denição de mdc não é evidente que este sempre exista.
Porém, as observações b) a d), da seção anterior, garantem a existência de
um mdc de quaisquer dois polinômios f(x) e g(x), não ambos nulos. Este
é precisamente qualquer um dos polinômios d(x) tal que I(f(x), g(x)) =
I(d(x)).
Como dois mdc de dois polinômios diferem por uma constante multipli-
cativa não nula, existe um único mdc mônico que será chamado de o mdc

de f(x)g(x) e será denotado por mdc f(x), g(x) .
e Se algum dos poli-
nômios f(x) ou g(x) é nulo, digamos f(x) = 0, então é fácil vericar que
mdc f(x), g(x) = a−1 g(x), onde a é o coeciente líder

de g(x).
Sejam f(x), g(x) ∈ F[x], ambos não nulos. Um elemento m(x) em F[x] é
chamado um mínimo múltiplo comum de f(x) e g(x), se possuir as seguintes
propriedades:

(i) m(x) é um múltiplo comum de f(x) e g(x), isto é, m(x) é múltiplo de f(x)
e de g(x);
(ii) se h(x) ∈ F[x] é um múltiplo comum de f(x) e g(x), então h(x) é múltiplo
de m(x).
Armamos que para quaisquer f(x), g(x) ∈ F[x], existe um mínimo múl-
tiplo comum.
Observamos, primeiramente, que o conjunto dos múltiplos comuns do
produto f(x)g(x) é um múltiplo comum de f(x) e de g(x), logo é múltiplo de
um mmc. Também temos f1 (x) · · · ft (x) = 0 se, e somente se, fj (x) = 0, para
algum j = 1, . . . , t. Portanto, o mínimo múltiplo comum é 0 se, e somente
se, fj (x) = 0, para algum j = 1, . . . , t.
Consideremos agora todos os polinômios não nulos. Segue do Teorema
3.1 que existe um mínimo múltiplo comum em F[x].
Em geral, m(x) é um mmc de f1 (x), . . . , ft (x) se, e somente se, am(x)
é um mmc de f1 (x), . . . , ft (x), para todo a em F\{0}. Portanto, se todos os
polinômios são não nulos, existe um único mínimo múltiplo comum mônico,

denotado por mmc f1 (x), . . . , ft (x) .

Como determinar o máximo divisor comum ou o mínimo múltiplo comum


de dois polinômios?
Seção 4 MDC e MMC de Polinômios 115

Se um dos polinômios é o polinômio nulo, digamos f(x) = 0 e g(x) 6= 0,


então g(x) tem as propriedades (i) e (ii) da denição de mdc, logo é um
máximo divisor comum de f(x) e g(x). Nesse caso, mdc(0, g(x)) = a−1 g(x),
onde a é o coeciente líder de g(x), e o mínimo múltiplo comum de 0 e g(x)
é 0.
Suponhamos que f(x) 6= 0 e g(x) 6= 0. Escrevemos f(x)
g(x) como pro- e
duto de potências de polinômios mônicos irredutíveis. Sejam p1 (x), . . . , pn (x)
os polinômios mônicos irredutíveis que ocorrem na fatoração de f(x) ou de
g(x). Então,
f(x) = ap1 (x)r1 · · · pn (x)rn , onde a ∈ F\{0} e rj ≥ 0, para j = 0, . . . , n
e
g(x) = bp1 (x)s1 · · · pn (x)sn , onde b ∈ F\{0} e sj ≥ 0, para j = 0, . . . , n.
Para cada j = 1, . . . , n, sejam

`j = min{rj , sj } e kj = max{rj , sj }.
Então,

mdc(f(x), g(x)) = p1 (x)`1 · · · pn (x)`n


e

mmc(f(x), g(x)) = p1 (x)k1 · · · pn (x)kn .

√ 2 2 √
Exemplo 1. Sejam
√ f(x) = 2(x − 1)3 (x − 2) (x + 1)2 e g(x) = 3(x +
2)(x − 1)2 (x − 2)3 (x2 + 1) em R[x].
Os polinômios mônicos irredutíveis que ocorrem nas fatorações de
√ f(x)
ou de g(x) são 2, x2 + 1, assim
x + 2, x − 1, x −

f(x) = 2(x + 2)0 (x − 1)3 (x − 2)2 (x2 + 1)2
√ √
g(x) = 3(x + 2)(x − 1)2 (x − 2)3 (x2 + 1) e

mdc(f(x), g(x)) = (x + 2)0 (x − √
1)2 (x − 2)2 (x2 + 1)
= (x − 1)2 (x − 2)2 (x2 + 1),

mmc(f(x), g(x)) = (x + 2)(x − 1)3 (x − 2)3 (x2 + 1)2 .

Os polinômios
 ditos primos entre si, ou coprimos, se,
f1 (x), . . . , ft (x) são
e somente se, mdc f1 (x), . . . , ft (x) = 1.
Quaisquer polinômios distintos mônicos irredutíveis em F[x] são primos
entre si.
116 Fatoração de Polinômios Cap. 4

Exemplo 2. São irredutíveis em


Q[x] os polinômios x − 1, x − 3 e x2 − 2.
Logo,
2
mdc(x − 1, x − 3, x − 2) = 1.

Observamos que em F[x] um máximo divisor comum d(x) de polinômios


f1 (x), ..., ft (x), nem todos nulos, tem a seguinte propriedade adicional:
existem polinômios a1 (x), ..., at (x) em F[x] tais que

d(x) = a1 (x)f1 (x) + · · · + at (x)ft (x).


De fato, o caso t = 2 é consequência imediata do Lema 3.2, vericando
que o polinômio d(x) obtido lá é um mdc de f(x) = f1 (x) e g(x) = f2 (x). Para
o caso geral, veja no Problema 4.4 a versão do Lema 3.2 para t polinômios
e a propriedade adicional mencionada acima.

Problemas

4.1 a) Escreva a propriedade que distingue as seguintes frases:


Frase 1: sejam f(x) e g(x) polinômios, ambos não nulos.
Frase 2: sejam f(x) e g(x) polinômios, não ambos nulos.

b) Mostre que se f(x) e g(x) são ambos nulos, não existe nenhum polinômio
d(x) satisfazendos as propriedades (i) e (ii) da denição de mdc.

4.2 Determine o máximo divisor comum e o mínimo múltiplo comum em


R[x] de

a) f(x) = x2 − 2x − 1 e g(x) = 2x − 3.
b) f(x) = x3 −1 e g(x) = x3 + 1.
c) f(x) = x9 − 1 e g(x) = x6 − 1
4.3 Sejam f(x) = x3 e g(x) = (1 − x)2 em Q[x].
a) Mostre que mdc(f(x), g(x)) = 1.
b) Determine a(x), b(x) ∈ Q[x], tais que a(x)f(x) + b(x)g(x) = 1, usando o
método dos coecientes a determinar.

4.4 Sejam F um corpo e f1 (x), . . . , ft (x) ∈ F[x], nem todos nulos. Seja
I = {a1 (x)f1 (x) + · · · + at (x)ft (x) ; a1 (x), . . . , at (x) ∈ F[x]}. Mostre que:
a) Existe d(x) ∈ F[x], d(x) 6= 0, tal que I = I(d(x)).
b) Existem a1 (x), ..., at (x) ∈ F[x] tais que d(x) = a1 (x)f1 (x) + · · · +
at (x)ft (x).
c) d(x) divide f1 (x), ..., d(x) divide ft (x).
d) d(x) é um máximo divisor comum de f1 (x), ..., ft (x).
Seção 5 Polinômios com Coecientes Inteiros 117

Sugestão Siga a demonstração do Lema 3.2, fazendo as substituições óbvias.

4.5 Seja F um corpo.

a) Mostre que se α, β são elementos distintos de F então, para quaisquer


m ≥ 1, mdc (x − α)m , (x − β)n = 1.

n≥1 e

b) Sejam f(x) ∈ F[x] e α, β elementos distintos de F. Mostre que se x−α


divide f(x) e x − β divide f(x), então (x − α)(x − β) divide f(x).
c) Sejam f(x) ∈ F[x] e β1 , . . . , βn elementos de F distintos dois a dois tais que
x − βj dividef(x), para todo j = 1, . . . , n. Mostre que (x − β1 ) · · · (x − βn )
divide f(x).

5 Polinômios com Coecientes Inteiros


Nesta seção, se a, b ∈ Z, a 6= 0, escreveremos a | b, quando a divide b e,
a - b, quando a não divide b.
Sabemos que a existência de fator de grau 1 na fatoração de um poli-
nômio f(x) em Q[x] é equivalente à existência em Q de uma raiz de f(x).
O seguinte resultado permitirá determinar as raízes racionais de polinômios
com coecientes inteiros.

Proposição 5.1. Seja f(x) = a0 + a1 x + · · · + an xn ∈ Z[x]\Z. Seja β ∈ Q,


β 6= 0, uma raiz de f(x). Escrevendo β = sr , com r, s ∈ Z\{0} e mdc(r, s) = 1,
então r | a0 e s | an .

Demonstração Temos que

r r rn−1 rn
0=f = a0 + a1 · + · · · + an−1 n−1 + an n .
s s s s
Multiplicando essa igualdade por sn , obtemos:

0 = a0 · sn + a1 · r · sn−1 + · · · + an−1 · rn−1 · s + an · rn .


| {z }
b

Como s|0 e s | b,
s | an · rn , mas mdc(r, s) = 1, logo s | an .
então
Analogamente, denindo a = a1 · r · s
n−1 + · · · + a n−1 · s + a · rn
n−1 · r n
temos 0 = a0 · s + a. Como r | 0 e r | a, então r | a0 · s , mas mdc(r, s) = 1,
n n

logo r | a0 . 2
118 Fatoração de Polinômios Cap. 4

Corolário 1. Seja f(x) = a0 + a1 x + · · · + an xn ∈ Z[x]\Z, com coeciente


líder an = ±1. Se β ∈ Q é uma raiz de f(x), então β ∈ Z e, quando β 6= 0,
β divide a0 .

Demonstração Deixamos a demonstração para o Problema 5.1.

Exemplo 1. O polinômio f(x) = x3 + 3x + 2 é irredutível em Q[x].


De fato, qualquer fatoração de um polinômio de grau 3 com coecientes
racionais, dá origem a um fator de grau 1, que é equivalente af(x) ter uma
raiz racional. Pelo corolário acima, as possíveis raízes racionais de f(x) são os
inteiros β ∈ {±1, ±2}. Como f(β) 6= 0, para todo β ∈ {±1, ±2}, concluímos
que f(x) é irredutível em Q[x].

Exemplo 2. Vamos determinar a fatoração em irredutíveis de Q[x] do po-


linômio f(x) = + 3x3 2x2
+ 2x − 1 ∈ Z[x].
Como f(0) = −1, então 0 não é raiz de f(x). Seja β = sr 6= 0 uma raiz de
f(x) com s > 0. Então, r | −1 e 
s | 3, logo r ∈ {±1} e s ∈ {1, 3} e as possíveis
1
raízes racionais de f(x) são β ∈ ±1, ±
3 .
1 1

Por avaliação, vericamos que f
3 = 0. Assim, x − 3 divide f(x) em
Q[x]. Fazendo a divisão em Q[x], obtemos:

f(x) = x − 13 (3x 2

1
 2 + 3x + 3)
= 3 x − 3 (x + x + 1),

a fatoração def(x) em polinômios mônicos irredutíveis em Q[x].


3 2 2
Na verdade, 3x + 2x + 2x − 1 = (3x − 1)(x + x + 1) é uma fatoração
em polinômios irredutíveis em Z[x].

f(x) ∈ Z[x] um polinômio não nulo, diferente de 1 e diferente de −1.


Seja
Dizemos que f(x) é irredutível em Z[x] se, e somente se, se f(x) = g(x)h(x),
com g(x), h(x) ∈ Z[x], então g(x) = ±1 ou h(x) = ±1. Caso contrário,
dizemos que f(x) é redutível ou não é irredutível em Z[x].

Exemplo 3. Note que para todo natural primo p, os polinômios constantes


±p são irredutíveis em Z[x].

Exemplo 4. Os polinômios f1 (x) = 4x + 2 e f2 (x) = 6 não são irredutíveis


em Z[x], f1 (x) = 2(2x + 1) e f2 (x) = 2 · 3.
pois
Os polinômios f3 (x) = 2, f4 (x) = 2x + 1 e f5 (x) = 3 são irredutíveis em
Z[x], assim como os polinômios 3x − 1 e x2 + x + 1 do Exemplo 2. Verique!
Seção 5 Polinômios com Coecientes Inteiros 119

O exemplo acima mostra que em Z[x] há polinômios de grau 1 que não


são irredutíveis. Também, os polinômios constantes não nulos podem ser
separados em três categorias:

(i) invertíveis: 1 ou −1;


(ii) irredutíveis: p ou−p, onde p é um natural primo;
(iii) redutíveis: todo inteiro não nulo, diferente de 1, de −1, de p, de −p,
onde p é um natural primo.

Precisamos tomar cuidado com as constantes não nulas em Z[x] e dife-


rentes de ±1. Para isto, vamos introduzir o seguinte conceito.
n
Seja f(x) = a0 +a1 x+· · ·+an x ∈ Z[x] um polinômio não nulo. Denimos
o conteúdo de f(x) como sendo o máximo divisor comum dos seus coecientes
não nulos e o denotamos por cont(f(x)). Polinômios em Z[x] cujo conteúdo
é 1 são chamados de primitivos.

Exemplo 5. f(x) = 2−4x+6x2 +2x3 +8x5 e g(x) = 2+x2 +3x4 −5x5 .


Sejam
Temos que cont(f(x)) = 2, pois mdc(2, −4, 6, 8) = 2, e cont(g(x)) = 1, pois
mdc(2, 1, 3, −5) = 1. Assim, g(x) é primitivo e podemos escrever f(x) =
2f1 (x), onde f1 (x) = 1 − 2x + 3x2 + x3 + 4x5 e f1 (x) é primitivo.

Em geral, se f(x) ∈ Z[x]\{0} e cont(f(x)) = a, então temos f(x) = af1 (x),


onde f1 (x) é primitivo.

Proposição 5.2 (Gauss). Sejam g(x) e h(x) ∈ Z[x] polinômios primitivos,


então o polinômio g(x)h(x) é primitivo.
Demonstração g(x) e h(x) polinômios primitivos e suponha-
De fato, sejam
mos, por absurdo, que existe um natural primo p que divide cont(g(x)h(x)).
Logo, p divide cada coeciente de g(x)h(x). Escrevemos g(x) = a0 + a1 x +
· · · + ar xr e h(x) = b0 + b1 x + · · · + bs xs . Como p não divide cont(g(x)) e p
não divide cont(h(x)), existe o menor inteiro k, 0 ≤ k ≤ r, tal que p - ak e,
o menor inteiro `, 0 ≤ ` ≤ s, tal que p - b` . Portanto, p - ak b` . O coeciente
de x
k+` em g(x)h(x) é

a0 bk+` + · · · + ak−1 b`+1 + ak b` + ak+1 b`−1 + · · · + ak+` b0 ,


o qual não é divisível por p, pois p divide todas as parcelas, exceto a parcela
ak b` , uma contradição. 2

Corolário 1. Sejam g(x) e h(x) ∈ Z[x]\{0}, então

cont(g(x)h(x)) = cont(g(x)) cont(h(x)).


120 Fatoração de Polinômios Cap. 4

Demonstração g(x) = ag1 (x), h(x) = bh1 (x) e g(x)h(x) =


Escrevemos
cq(x), onde a = cont(g(x)), b = cont(h(x)), c = cont(g(x)h(x)), g1 (x),
h1 (x) e q(x) são primitivos. Pela proposição anterior, g1 (x)h1 (x) é primitivo,
logo

ab = cont(ab(g1 (x)h1 (x)))


= cont((ag1 (x)(bh1 (x)))
= cont(g(x)h(x)) = c,
então cont(g(x)) cont(h(x)) = cont(g(x)h(x)). 2

1
Exemplo 6. Seja f(x) = 2 − 53 x + 32 x3 + x4 ∈ Q[x]. O mínimo múltiplo
comum dos denominadores dos seus coecientes não nulos, escritos como
frações irredutíveis, émmc(2, 5, 3, 1) = 30. Multiplicando f(x) por 30 temos
que 30f(x) = 15 − 18x + 20x3 + 30x4 ∈ Z[x] e cont(30f(x)) = 1, isto é,
1
f1 (x) = 30f(x) é primitivo e f(x) = 30 f1 (x).
Em geral, se f(x) ∈ Q[x] é um polinômio mônico e m é o mínimo múltiplo
comum dos denominadores dos seus coecientes não nulos, escritos como
frações irredutíveis, então f1 (x) = mf(x) ∈ Z[x], com f1 (x) primitivo. (Veja
Problema 5.7)

Lema 5.1. Seja f(x) ∈ Q[x] um polinômio não nulo. Então, existem a ∈
Q\{0} e f1 (x) ∈ Z[x] primitivo, tais que f(x) = af1 (x) e, a menos de sinal,
a e f1 (x) são únicos.
Demonstração m o mínimo múltiplo comum dos denominadores dos
Seja
coecientes não nulos de f(x). Então, mf(x) ∈ Z[x]\{0}. Seja d = cont(mf(x)).
Portanto, mf(x) = df1 (x), com f1 (x) primitivo e
1 1 d
f(x) = (mf(x)) = df1 (x) = f1 (x).
m m m
Sejam a1 , a2 , b1 , b2 ∈ Z\{0} e f1 (x), f2 (x) primitivos tais que

a1 a2
f(x) = f1 (x) = f2 (x). (1)
b1 b2
Então, b2 a1 f1 (x) = b1 a2 f2 (x). Portanto,

| b2 a1 |= cont(b2 a1 f1 (x)) = cont(b1 a2 f2 (x)) =| b1 a2 | .


a1
Assim,b2 a1 = ±b1 a2 , que é equivalente a,
b1 = ± ab22 . Substituindo em (1),
obtemos f1 (x) = ±f2 (x). 2
Seção 5 Polinômios com Coecientes Inteiros 121

Proposição 5.3. Seja f(x) ∈ Z[x]\Z primitivo. Então, f(x) é redutível em


Z[x] se, e somente se, f(x) é redutível em Q[x].
Demonstração (⇒) Se f(x) ∈ Z[x]\Z é primitivo e redutível em Z[x], então
f(x) = g(x)h(x), onde g(x), h(x) ∈ Z[x] ⊂ Q[x] e 1 ≤ gr(g(x)), gr(h(x)) <
gr(f(x)). Logo, f(x) é redutível em Q[x].
(⇐) Suponhamos que f(x) ∈ Z[x] é primitivo e f(x) = g(x)h(x), onde
g(x), h(x) ∈ Q[x] e 1 ≤ gr(g(x)), gr(h(x)) < gr(f(x)). Sejam a, b, c, d intei-
a
ros positivos e g1 (x), h1 (x) polinômios primitivos tais que g(x) =
b g1 (x) e
c
h(x) = d h1 (x). Então,
a c ac
f(x) = g1 (x) h1 (x) = g1 (x)h1 (x),
b d bd
é equivalente a bdf(x) = acg1 (x)h1 (x), com g1 (x)h1 (x) primitivo. Logo,
ac
bd = cont(bdf(x)) = cont(ac(g1 (x)h1 (x))) = ac. Assim, bd = 1 e f(x) =
g1 (x)h1 (x), com gr(g1 (x)) = gr(g(x)) e gr(h1 (x)) = gr(h(x)), mostrando que
f(x) é redutível em Z[x]. 2

Exemplo 7. Vamos mostrar que f(x) = x4 + 1 é irredutível em Q[x]. Como


f(x) ∈ Z[x] e é primitivo, pela proposição anterior, basta mostrar quef(x)
é irredutível em Z[x]. Primeiramente, f(1) = f(−1) = 2, logo f(x) não é
divisível por um fator do tipo x − a, onde a ∈ Z. Sejam a, b, c, d ∈ Z, e
suponhamos, por absurdo, que

f(x) = (x2 + ax + b)(x2 + cx + d)


= x4 + (a + c)x3 + (ac + b + d)x2 + (ad + bc)x + bd.
Comparando os coecientes, obtemos:

(i) a + c = 0,
(ii) ac + b + d = 0,
(iii) ad + bc = 0,
(iv) bd = 1.
Segue de (iv) que b = d = 1 ou b = d = −1. Substituindo (i) em (ii),
2 2 2
temos que c = b + d. Logo, c = 2 ou c = −2, uma contradição com o fato
4
de c ∈ Z. Portanto, f(x) = x + 1 é irredutível em Z[x], logo é irredutível em
Q[x].
Vamos mostrar que em Z[x] vale a fatoração única em fatores irredutíveis
em Z[x], a menos de sinal, isto é, a menos de multiplicação por ±1, que será
induzida pela fatoração única em Q[x]. Vamos relacionar a fatoração de um
polinômio não constante com coecientes inteiros em irredutíveis mônicos
em Q[x], que mostramos a existência na Seção 3, com a sua fatoração num
produto de polinômios primitivos e irredutíveis em Z[x].
122 Fatoração de Polinômios Cap. 4

Teorema 5.1 Z[x]). Seja f(x) ∈ Z[x]\Z. Então, exis-


(Fatoração única em
tem um inteiro não nulo d, e p1 (x), . . . , pr (x), polinômios primitivos irre-
dutíveis em Z[x], tais que

f(x) = d(p1 (x) · · · pr (x)),

e essa escrita é única, a menos da ordem dos fatores e de sinal.

Demonstração Seja f(x) ∈ Z[x]\Z. Pela fatoração única em Q[x], existem


polinômios q1 (x), . . . , qr (x) ∈ Q[x], mônicos e irredutíveis em Q[x], e inteiros
não nulos b e c > 0, tais que

b
f(x) = q1 (x) · · · qr (x).
c
Seja mj o mínimo múltiplo comum dos denominadores dos coecientes
não nulos de qj (x), para cada j = 1, . . . , r. Então, pj (x) = mj qj (x) ∈ Z[x] é
um polinômio primitivo (veja Problema 5.2) e irredutível e

(cm1 · · · mr )f(x) = b(m1 q1 (x)) · · · (mr qr (x)) = b(p1 (x) · · · pr (x)).

Como o produto de polinômios primitivos é primitivo, calculando os con-


teúdos dos polinômios à esquerda e à direita da igualdade acima, obtemos

(cm1 · · · mr ) cont(f(x)) =| b | .

Como cont(f(x)) ∈ Z, então (cm1 · · · mr ) divide b. Denindo d =


b
cm1 ···mr , obtemos f(x) = dp1 (x) · · · pr (x).
Segue da fatoração única em Q[x], a unicidade dos polinômios mônicos
b
qj (x), a menos da ordem dos fatores, e a unicidade da fração
c . Pelo Lema
5.1, os polinômios primitivos pj (x) e os inteiros mj são únicos, a menos de
sinal, para cadaj = 1, . . . , r. Quando d 6= ±1, pelo Teorema Fundamental da
Aritmética, escrevemos d como produto de elementos primos (irredutíveis),
obtendo a fatoração de f(x) em produto de irredutíveis em Z[x]. 2

Exemplo 8. Agora, podemos justicar a armação feita no Exemplo 2 sobre


f(x) = 3x3
+ 2x2 + 2x − 1. A sua fatoração em irredutíveis mônicos em Q[x]
1 2
é f(x) = 3 x −
3 (x + x + 1).
2
Dessa fatoração, obtemos f(x) = (3x − 1)(x + x + 1) em Z[x], onde
g(x) = 3x − 1 e h(x) = x2 + x + 1 são polinômios primitivos e irredutíveis
em Z[x].
Seção 5 Polinômios com Coecientes Inteiros 123

Em virtude de C ser algebricamente fechado, em C[x] os polinômios mô-


nicos irredutíveis sãox − β. Vimos na Seção 2 que os polinômios mônicos
irredutíveis em R[x] x − a ou x2 + bx + c, onde b2 − 4c < 0. Quais
são
são os polinômios mônicos irredutíveis em Q[x]? Veremos que há polinômios
irredutíveis em Q[x] de grau n, para todo n ≥ 1.
O seguinte critério de irredutibilidade é muito útil e permite exibir di-
versos exemplos de polinômios irredutíveis em Q[x].
Teorema 5.2 (Critério de Eisenstein). Seja f(x) = a0 + a1 x + · · · + an xn
um polinômio em Z[x]. Suponhamos que exista um número primo p tal que
p - an , p | a0 , . . . , p | an−1 e p2 - a0 . Então, f(x) é irredutível em Q[x].
Demonstração Sejam d = cont(f(x)) e f1 (x) primitivo tal que f(x) =
df1 (x). Como p - d, as condições do enunciado continuam válidas para os
coecientes de f1 (x). Podemos supor que f(x) é primitivo. Pela Proposição
5.3, basta provar que f(x) é irredutível em
Z[x].
Suponhamos, por absurdo, que f(x) = g(x)h(x), com g(x), h(x) em Z[x]
e 1 ≤ gr(g(x)), gr(h(x)) < n = gr(f(x)). Sejam
g(x) = b0 + b1 x + · · · + br xr , com bj ∈ Z, com 0 ≤ j ≤ r, e
h(x) = c0 + c1 x + · · · + cs xs , com cj ∈ Z, com 0 ≤ j ≤ s.
Como a0 = b0 · c0 e p | a0 , então p | b0 ou p | c0 . Entretanto, p - a0 ,
2

logo p divide apenas um deles, isto é,

p | b0 e p - c0 , ou p - b0 e p | c0 .
Suponhamos, sem perda de generalidade, que p | b0 e p - c0 .
Como an = br · cs e p - an , então p - br . Seja ` o menor natural
1 ≤ ` ≤ r tal que p - b` . Então, p | b0 , . . . , p | b`−1 e
a` = b0 c` + · · · + b`−1 c1 + b` c0 .
| {z } |{z}
p divide p não divide
Logo, p - a` e, por hipótese, ` = n = gr(f(x)) > r, uma contradição. 2

Exemplo 9. f(x) = 3x5 + 4x + 6 ∈ Z[x] é irredutível em Q[x].


Temos que a5 = 3 a4 = a3 = a2 = 0, a1 = 4 e a0 = 2. Valem as hipóteses
do teorema anterior para o primo p = 2:
2 | a0 , 2 | a1 , 2 | a2 , 2 | a3 , 2 | a4 , 2 - a5 e 4 - a0 .
Exemplo 10. Há polinômios irredutíveis em Q[x] de grau n, para todo
n ≥ 1. A saber, f(x) = xn
− p, onde p é um natural primo, é irredutível em
Q[x], para todo n ≥ 1.
De fato, o caso n = 1 é trivial. Para n ≥ 2, aplicamos o critério de
Eisenstein, com o primo p. Nesse caso, a0 = p, a1 = · · · = an−1 = 0 e
an = 1 .
124 Fatoração de Polinômios Cap. 4

Exemplo 11. f(x) = 2x4 − 12x3 − 3x2 + 6x − 6 é irredutível em Q[x]. Nesse


caso, a4 = 2, a3 = −12, a2 = −3, a1 = 6 e a0 = −6. Vale o critério de
Eisenstein para o primo p = 3.

Exemplo 12. O polinômio f(x) = xp−1 + xp−2 + · · · + x + 1, onde p é um


número primo, é irredutível em Q[x].
xp − 1
De fato, f(x) = e, pela fórmula do binômio de Newton,
x−1

(x + 1)p − 1
f(x + 1) =
(x + 1)− 1
xp + p1 xp−1 + · · · + p
x2 + p
 
p−2 p−1 x
=
x
p p p
= xp−1 + xp−2 + · · · +
  
1 p−2 x+ p−1 .

p p
 
Como p divide 1 ≤ j ≤ p − 1, e p−1
j , para = p, podemos aplicar o
critério de Eisenstein ao polinômio f(x + 1) com o primo p. Assim, f(x + 1)
é irredutível em Q[x], e pelo Problema 3.3, f(x) é irredutível em Q[x].

Exemplo 13. O polinômio f(x) = xp(p−1) + xp(p−2) + · · · + xp + 1, onde p é


um número primo, é irredutível em Q[x].

Há várias maneiras de se provar este resultado, que é um caso particular


de um resultado mais geral sobre polinômios ciclotômicos (veja [3] Volume 2,
por exemplo). No entanto, vamos prová-lo com os instrumentos que temos
em mãos; ou seja, com o critério de irredutibilidade de Eisenstein.

A estratégia que utilizaremos, como no exemplo anterior, será de mostrar


que é irredutível o polinômio

f(x + 1) = (x + 1)p(p−1) + (x + 1)p(p−2) + · · · + (x + 1)p + 1.

Observemos que

(x + 1)p(p−j) = ((x + 1)p )p−j = (xp + 1 + pxg(x))p−j = (xp + 1)p−j + pxgj (x),

onde xgj (x) é um polinômio de grau menor do que p(p − j), sem termo
constante. Assim,
Seção 5 Polinômios com Coecientes Inteiros 125

p−1 p−1 p−1 p−1


(x + 1)p(p−1) =
 p(p−1)  p(p−2)  p(p−3)  p
0
x + 1
x + 2
x + ··· + p−2
x + 1 + pxg1 (x)

p−2 p−2 p−2


(x + 1)p(p−2) =
 p(p−2)  p(p−3)  p
0
x + 1
x + ··· + p−3
x + 1 + pxg2 (x)

p−3 p−3
(x + 1)p(p−3) =
 p(p−3)  p
0
x + ··· + p−4
x + 1 + pxg3 (x)

. .
. .
. .

1
(x + 1)p =
 p
0
x + 1 + pxgp−1 (x)

Utilizando a identidade das diagonais (cf. [4], página 19):


! ! ! !
n n+1 n+m n+m+1
+ + ··· + = ,
0 1 m m

temos que
p−1 p−2 p
  
1 + 0 = 1 ;

p−1 p−2 p−3 p


   
2 + 1 + 0 = 2 ;

.
.
.

p−1 p−2 1 p
   
p−2 + p−3 + ··· + 0 = p−2 .
Sendo todos os números nos segundos membros das igualdade acima múl-
tiplos de p, f(x + 1) = xp(p−1) + p + pxh(x), onde xh(x) é um
temos que
polinômio de grau menor do que p(p − 1), sem termo constante. Portanto,
em vista do critério de Eisenstein, o polinômio f(x + 1) é irredutível, logo o
polinômio f(x) é irredutível em Q[x].

Problemas

5.1 Demonstre o Corolário 1.

5.2 Ache as raízes racionais e dê a fatoração em produto de polinômios


mônicos irredutíveis em Q[x] de cada polinômio abaixo.

a) 10x3 + 19x2 − 30x + 9 b) 2x4 − 5x3 + x2 + 4x − 4


c) 6x5 + x4 − 14x3 + 4x2 + 5x − 2 d) 2x3 − x2 + 1
r
5.3 Seja
s 6= 0 uma raiz de f(x) = an xn + · · · + a1 x + a0 ∈ Z[x].
126 Fatoração de Polinômios Cap. 4

a) Mostre que r − ms divide f(m), para todo inteiro m.


Sugestão Escreva f(x) = an (x−m)n +cn−1 (x−m)n−1 +· · ·+c1 (x−m)+c0
r
em potências de x − m, use que f
s = 0 e elimine os denominadores.
b) Conclua que r − s divide f(1) e r + s divide f(−1).

c) Use o item anterior para mostrar que x = 2 é a única raiz racional de


x3 − 6x2 + 15x − 14.
5.4 Ache as raízes racionais, usando o item (b) do Problema anterior, e dê
a fatoração em produto de polinômios mônicos irredutíveis em Q[x]:
a) x
3 − 9x2 + 22x − 24 b) x−4 x3 − x2 + 19x − 42
√ √
5.5 a) Mostre que β= 2+ 5 é raiz de x4 − 14x2 + 9 e prove que β é
irracional.
√ √
b) Mostre que 2 + 3 é irracional.

3

c) Mostre que 2 + 2 é irracional.
5.6 Determine o conteúdo de f(x) e escreva f(x) = cont(f(x))f1 (x), onde
f1 (x) é primitivo:
3 2
a) 2x − x + 3 b) 6x3 − 2x2 + 12x − 4 c) −18x5 + 9x2 + 36x − 45
5.7 Mostre que se f(x) ∈ Q[x] é um polinômio mônico e m é o mínimo
múltiplo comum dos denominadores dos seus coecientes não nulos, então
g(x) = mf(x) ∈ Z[x] é primitivo.

5.8 Mostre que se f1 (x), . . . , fs (x) em Z[x] são polinômios primitivos, então
f1 (x) · · · fs (x) é primitivo.

5.9 g(x), h(x) ∈ Q[x] polinômios mônicos,


Sejam tais que o produto
g(x)h(x) ∈ Z[x]. Mostre que g(x), h(x) ∈ Z[x].
5.10 Mostre que os seguintes polinômios são irredutíveis em Q[x]:
a) x
4 +x+1 b) x
5 + x2 +1
5.11 Determine a fatoração em Z[x] em produto de polinômios primitivos
irredutíveis dos polinômios dos Problemas 5.2 e 5.4.

5.12 Determine quais dos seguintes polinômios são irredutíveis em Q[x]:


a) x
3 x2
+ +x+1 b) 3x
4 + 6x2
− 4x + 6
c) x
4 − 8x3 + 6x + 2 d) x
6 + 25x + 5x2 + 20x + 15
3

e) x3 − 2x2 + x + 15 f) 4x3 + 3x2 + 3x − 1


5.13 Seja f(x) = an xn +a n−1 x
n−1 +· · ·+a x+a
∈ Z[x], com gr(f(x)) = n.
1 0
Mostre que se existe um natural primo p, tal que p - a0 , p | a1 , . . . , p | an−1 ,
p | an e p2 - an , então f(x) é irredutível em Q[x].
Seção 5 Polinômios com Coecientes Inteiros 127

5.14 Determine todas as raízes complexas, suas multiplicidades e dê a


decomposição do polinômio em produto de potências de fatores mônicos
irredutíveis em Q[x], R[x] e C[x]:
a) x
4 − 5x3 + 3x2 + 15x − 18
b) −x
4 + 4x3 − 2x2 − 8x + 8
c) x6 − 2x5 − x4 + 4x3 − 5x2 + 6x − 3
d) 2x6 + 5x5 + x4 + 10x3 − 4x2 + 5x − 3
n
xp − 1
5.15 Seja f(x) = .
xpn−1 − 1
a) Mostre que f(x) ∈ Z[x].
b) Mostre que f(x) é irredutível em Q[x].
Bibliograa
[1] C. S. Fernandes, A. Hefez - Introdução à Álgebra Linear. Coleção PROF-
MAT, SBM, 2012.

[2] C. F. Gauss - Disquisitiones Arithmeticae. Springer-Verlag, 1986.

[3] A. Hefez - Curso de Álgebra, Vol. I e Vol. II. Coleção Matemática


Universitária, IMPA, 2010 e 2012.

[4] A. Hefez - Elementos de Aritmética. Coleção Textos Universitários, SBM,


2006.

[5] S. Lang - Estruturas Algébricas. Ao Livro Técnico, 1972.

[6] E. L. Lima - Análise Real, Volume II. Coleção Matemática Universitária,


IMPA, 2004.

[7] J. B. Ripoll, C. C. Ripoll e J.F P. da Silveira - Números Racionais, Reais


e Complexos. Editora UFRGS.

[8] J. Stillwell - Elements of Algebra: geometry, numbers, equations. Springer-


Verlag, 1994.

181
5
Livro: Polinômios e Equações Algébricas
Autores: Abramo Hefez
Maria Lúcia Torres Villela

Capítulo 5: Equações Algébricas

Sumário
1 Equação do Segundo Grau . . . . . . . . . . . . . 129
2 Equação do Terceiro Grau . . . . . . . . . . . . . 130
3 Equação do Quarto Grau . . . . . . . . . . . . . . 136
4 Relações Entre Coecientes e Raízes . . . . . . . 137
5 Teorema Fundamental da Álgebra . . . . . . . . 142

128
1. EQUAÇÃO DO SEGUNDO GRAU 129

Iniciaremos, neste capítulo, o estudo das equações algébricas. As equa-


ções mais simples são as do primeiro grau e a sua resolução, conhecida desde
a antiguidade, se confunde com a operação de divisão. Os babilônios, como
atestam as tabuletas de barro que eles escreveram entre 1800 e 1600 a.C., sa-
biam extrair algumas raízes quadradas e, portanto, sabiam resolver algumas
equações particulares do segundo grau. A fórmula resolvente da equação
do segundo grau, como a conhecemos hoje, é devida ao matemático hindú
Sridhara, do Século 10, e leva o nome de fórmula de Bhaskara, devido ao fato
de ter sido publicada em um livro escrito por esse outro matemático hindú
do Século 12.
Passaram-se vários séculos até que se conseguisse resolver as equações de
graus três e quatro, tarefa realizada pelos matemáticos de Bolonha, Itália,
no século 16.
O problema da resolubilidade das equações de grau maior ou igual do que
cinco se constituiu, desde então, num dos problemas centrais da Matemática
até ser totalmente elucidado pela Teoria de Galois na primeira metade do
Século 19.
Neste capítulo, discutiremos apenas a resolubilidade das equações de grau
até quatro, as relações existentes entre coecientes e raízes das equações
gerais e daremos uma prova do Teorema Fundamental da Álgebra, deixando
o restante da discussão para um curso mais avançado.

1 Equação do Segundo Grau


Considere a equação ax2 + bx + c = 0 com coecientes em C e a 6= 0. A
fórmula que fornece as raízes desta equação em função dos seus coecientes
costuma ser deduzida completando quadrados como segue:
 
b 2
ax2 + bx + c = a x + x + c =
a

b2 b2
 
2 b
a x +2 x+ 2 +c− =
2a 4a 4a

b 2 b2
 
a x+ +c−
2a 4a
Portanto, α é raiz da equação se, e somente se,
2
b2

b
a α+ +c− = 0,
2a 4a
130 Equações Algébricas Cap. 5

o que, por extração de raiz quadrada, nos fornece



−b ± b2 − 4ac
α= ,
2a

onde b2 − 4ac é uma das raízes quadradas do número complexo ∆ = b2 −
4ac, chamado usualmente de discriminante da equação.
O anulamento de ∆ nos fornece, portanto, a condição necessária e su-
ciente para que a equação do segundo grau tenha uma raiz dupla (igual a
b
− 2a ).
Se os coecientes a, b e c da equação ax2 + bx + c = 0 são reais, então
pela fórmula resolvente temos o seguinte resultado:

1. ∆>0 se, e somente se, a equação tem duas raízes reais distintas.

2. ∆=0 se, e somente se, a equação tem duas raízes reais iguais.

3. ∆<0 se, e somente se, a equação tem duas raízes complexas distintas
conjugadas.

Problemas

1.1 a) Sejam x1 e x2 as raízes da equação ax2 + bx + c = 0. Mostre que


x1 + x2 = − ab e x1 x2 = ac .
b) Forme as equações mônicas do segundo grau com raízes: 1 e −1; 2 e 3.
1.2 Dada a equação ax2 + bx + c = 0, se x1 e x2 são as suas raízes, sem
resolvê-la calcule as
2 2 3 3 2
expressões: x1 + x2 , x1 + x2 e (x1 − x2 ) .

1.3 Sejam x1 e x2 as raízes do polinômio ax2 + bx + c e seja ∆ o seu discri-


minante. Mostre que ∆= a2 (x1 − x2 )2 .
1.4 Dada a equação ax2 + bx + c = 0, efetue nela a mudança de variável
x = y+d com d escolhido de modo que a nova equação não tenha termo
do primeiro grau na variável y. Resolva esta equação e retorne à equação
original na variável x, determinando as suas raízes.

2 Equação do Terceiro Grau


Nesta seção consideraremos a equação geral do terceiro grau com coeci-
entes complexos, que, sem perda de generalidade, podemos supor que esteja
na forma:
x3 + a2 x2 + a1 x + a0 = 0. (1)
Seção 2 Equação do Terceiro Grau 131

Por meio de uma mudança de variável, vamos colocar o polinômio em (1)


numa forma onde não gure o termo do segundo grau.
Substituindo x por y+d na equação (1) temos

(y + d)3 + a2 (y + d)2 + a1 (y + d) + a0 =

y3 + (3d + a2 )y2 + (3d2 + 2da2 + a1 )y + (d3 + d2 a2 + da1 + a0 ).

a2
Pondo d=− , na expressão acima, temos que
3
x3 + a2 x2 + a1 x + a0 = y3 + py + q,

onde

a2 a2 2 2a2 3 a1 a2
x=y− , p = a1 − e q= − + a0 . (2)
3 3 27 3
Portanto, para achar as raízes da equação (1), basta achar as raízes da
equação
y3 + py + q = 0,
a2
com p e q como em (2) e delas subtrair .
3
Exemplo 1. Vamos eliminar o termo do segundo grau do polinômio p(x) =
x3 − 6x2 + x − 1.
Fazendo a substituição x = y + 2, o polinômio se transforma em y3 −
11y − 15.

Vamos agora concentrar a nossa atenção na resolução da equação

y3 + py + q = 0. (3)

Sejam u e v duas novas indeterminadas. Façamos em (3) a mudança de


variáveis: y = u + v. Obtemos então

0 = (u + v)3 + p(u + v) + q = (u3 + v3 + q) + (u + v)(p + 3uv). (4)

Segue-se daí que cada solução (u, v) do sistema

u3 + v3 = −q
u·v = − p3

nos fornece uma solução (u, v) de (4) e, portanto, uma solução da forma
y=u+v de (3).
132 Equações Algébricas Cap. 5

Elevando ao cubo a segunda equação do sistema acima, segue-se que


se (u, v) é uma solução do sistema, então u3 e v3 são soluções da seguinte
equação do segundo grau:

p3
z2 + qz − = 0. (5)
27
q
q2 p3 q2 p3
Fixando uma das raízes quadradas de
4 + 27 e denotando-a por 4 + 27 ,
temos que as raízes de (5) são

r r
q q2 p3 q q2 p3
z1 = − + + e z2 = − − +
2 4 27 2 4 27

Pela simetria do papel que desempenham u e v, podemos supor que


u3 = z1 e v 3 = z2 .

Escolhendo uma das raízes cúbicas de z1 e denotando-a por 3 z1 , segue-se

√ √ √
3 z , w 3 z , e w2 3 z , onde w = −1+i 3
que as soluções de u3 = z1 são 1 1 1 2 é
uma das raízes cúbicas da unidade.
√ √ √ p
Denotando agora por 3 z2 a raiz cúbica de z2 tal que 3 z 3 z
1 2 = −3,
de modo que a segunda equação do sistema acima seja satisfeita, o referido
sistema admite as seguintes soluções:

√ √
u1 = 3 z1 , v1 = 3 z2 ;
√ √
u2 = w 3 z1 , v2 = w2 3 z2 ;
√ √
u3 = w2 3 z1 , v3 = w 3 z2 .

Segue-se então que a equação (3) possui como soluções, as chamadas


fórmulas de Cardan :
r q r q
q2 p3 q2 p3
− q2 − q2 −
3 3
y1 = u1 + v1 = + 4 + 27 + 4 + 27 ,

r q r q
q2 p3 q2 p3
− q2 − q2 −
3 3
y2 = u2 + v2 = w + 4 + 27 + w2 4 + 27 ,

r q r q
q2 p3 q2 p3
− q2 − q2 −
3 3
y3 = u3 + v3 = w2 + 4 + 27 +w 4 + 27 .

As fórmulas resolventes da equação (1) podem ser obtidas pelas fórmulas


de Cardan mediante as substituições em (2).
Seção 2 Equação do Terceiro Grau 133

Exemplo 2. Resolvamos a equação de Cardan x3 −15x−4 = 0, apresentada


no Capítulo 1.
As fórmulas de Cardan nos fornecem imediatamente as seguintes solu-
ções:

p
3
√ p
3

x1 = 2 + −121 + 2 − −121
p
3
√ p
3

x2 = w 2+ −121 + w2 2 − −121
p
3
√ p
3

x3 = w2 2 + −121 + w 2 − −121

Exemplo 3. Resolvamos a equação x3 − 3x − 1 = 0.


Esta equação é desprovida do seu termo do segundo grau, logo as fórmulas
de Cardan nos dão diretamente que

q √ q √
3 1 3 3 1 3
x1 = 2 + 2 i + 2 − 2 i,
q √ q √
3 1 3 3 1 3
x2 = w 2 + 2 i + w2 2 − 2 i,
q √ q √
3 1 3 3 1 3
x3 = w2 2 + 2 i+w 2 − 2 i.

Observe que

s √
3 1 3 p π π
+ i = 3 ζ, onde ζ = cos + i sen ,
2 2 3 3

que pode ser escolhida como sendo cos π9 + i sen π9 .


q √ p
3 1 3 3
Portanto,
2 − 2 i = ζ deve ser obrigatoriamente escolhida como
√ p
ζ ζ = − p3 = 1.
π π 3 3
sendo cos 9 − i sen 9 , pois devemos ter Temos então que

cos π9 + i sen π9 + cos π9 + i sen π9 = 2 cos π9 ,


 
x1 =

x2 = w cos π9 + i sen π9 + w cos π9 + i sen π9 = 2 cos 7π


 
9 ,

x3 = w cos π9 + i sen π9 + w cos π9 + i sen π9 = 2 cos 5π


 
9 .

No exemplo acima, temos que os coecientes da equação e as raízes são


números reais, mas as fórmulas de Cardan nos expressam as raízes sob forma
134 Equações Algébricas Cap. 5

algébrica envolvendo números complexos. Muitas tentativas foram feitas


para exprimir as raízes de equações do terceiro grau com coecientes raci-
onais, irredutíveis em Q[x] e possuindo todas as raízes reais em termos de
radicais reais, todas fracassando. Este caso é chamado de caso irredutível e
foi somente no Século 19 que tal mistério foi esclarecido, demonstrando-se
através da Teoria de Galois que, nesse caso, é impossível exprimir as raízes
da equação em termos de radicais reais, apenas.

Exemplo 4. Resolvamos a equação x3 − 3x − 18 = 0.


Pelas fórmulas de Cardan, esta equação possui as seguintes raízes:
p
3
√ p
3

x1 = 9+4 5 + 9 − 4 5,
p
3
√ p
3
√  √ p
3
√ p
3
√ 
x2 = − 12 9+4 5+ 9−4 5 + i 3
2 9+4 5− 9−4 5 ,
p
3
√ p
3
√  √ p
3
√ p
3
√ 
x3 = − 12 9+4 5+ 9−4 5 − i 3
2 9+4 5− 9−4 5 .

A equação tem portanto uma raiz real e duas raízes complexas (conju-
gadas). Por inspeção vê-se que 3 é raiz da equação, daí extraímos a seguinte
igualdade curiosa:
√ √
q q
3 3
3 = 9 + 4 5 + 9 − 4 5.
Exemplo 5. Resolvamos a equação x3 + 6x2 + 21x + 14 = 0.
Para eliminar o termo do segundo grau, efetuamos a substituição x =
y − 2, obtendo a equação y3 + 9y − 12 = 0, cujas raízes são:
p
3
√ p3

y1 = 6 + 63 + 6 − 63,
p
3
√ p
3

y2 = w 6 + 63 + w2 6 − 63,
p
3
√ p
3

y3 = w 2 6 + 63 + w 6 − 63.

Portanto, as raízes da equação original são:

x1 = y1 − 2, x2 = y2 − 2 e x3 = y3 − 2.

A história da resolução da equação do terceiro grau apresenta alguns


lances pitorescos. Conta-se que foi Scipio del Ferro quem primeiro resolveu
a equação do terceiro grau, sem nunca publicar o seu resultado, limitando-se
apenas a contar o seu feito a alguns amigos. Em 1535, Tartaglia redescobriu
a resolução destas equações, mantendo o seu método em segredo para com ele
Seção 2 Equação do Terceiro Grau 135

coroar um tratado de Álgebra que pretendia escrever. Tartaglia revelou o seu


segredo a Jerônimo Cardan, sob juramento de não divulgá-lo. Cardan, não
honrando o seu compromisso, publicou em 1545 o livro Ars Magna contendo
o método de resolução da equação do terceiro grau dando, entretanto, o
devido crédito ao seu autor. Por terem sido publicadas pela primeira vez por
Cardan, estas fórmulas levam o seu nome. O livro de Cardan contém também
a resolução da equação do quarto grau devida ao seu discípulo Ludovico
Ferrari, que será o assunto da próxima seção. O método que utilizamos
para deduzir as fórmulas de Cardan é devido a Hudde e data de 1658. As
fórmulas de Cardan têm mais interesse teórico e histórico do que prático.
Para calcular boas aproximações de raízes de equações algébricas dispõe-se
de métodos numéricos muito mais ecientes.

Problemas

2.1 Usando as fórmulas de Cardan, resolva as seguintes equações:


3
a) x + 9x − 6 = 0; b) x3 − 9x − 12 = 0;
3
c) x − 3x + 2 = 0; d) x3 − 9x2 − 9x − 15 = 0;
e)
3
x − 5x + 2 = 0; f) x3 − 6x2 − 6x − 14 = 0;
g) x3 + 12x − 30 = 0; h) x3 − 3x + i−3
2 = 0.
2.2 Mostre que
p
3
√ p3

a) 7 + 50 + 7 − 50 = 2;
p
3
√ p
3

b) 108 + 10 − 108 − 10 = 2;
p
3
√ √ p3
√ √ √
c) 243 + 242 − 243 − 242 = 2 2;
p
3
√ p
3

d) 2 + 5 + 2 − 5 = 1.
2.3 Em cada caso abaixo, construa e determine as outras raízes de uma
equação do terceiro grau com coecientes racionais, tendo o número indicado
como raiz.
√ √ √ √
q q
3 3 3 3
a) 3− 9; b) 2 + 3 + 2 − 3.
2.4 Considere a igualdade

a3 x3 + a2 x2 + a1 x + a0 = a3 (x − x1 )(x − x2 )(x − x3 ),
onde x1 , x2 e x3 são as raízes do polinômio do lado esquerdo da igualdade.
Usando o método dos coecientes a determinar, mostre que

a) x1 + x2 + x3 = − aa32
a1
b) x1 · x2 + x1 · x3 + x2 · x3 = a3
c) x1 · x2 · x3 = − aa03
136 Equações algébricas Cap. 5

3 Equação do Quarto Grau


Apresentaremos nesta seção o método de Ferrari para resolução da equa-
ção do quarto grau.
Considere a equação:

x4 + a3 x3 + a2 x2 + a1 x + a0 = 0. (1)

Temos que x4 + a3 x3 = −(a2 x2 + a1 x + a0 ). Completanto o quadrado no


primeiro membro desta equação e ajustando o segundo membro, temos
 2  
1 1 2
x 2 + a3 x = a3 − a2 x 2 − a1 x − a0 . (2)
2 4
Se o segundo membro desta equação fosse um quadrado perfeito, a reso-
lução da equação recairia na resolução de duas equações do segundo grau.
O nosso objetivo será agora transformar o segundo membro de (2) em um
quadrado perfeito, sem destruir o quadrado perfeito do primeiro membro.
y2 + 2y x2 + 12 a3 x

Somando a expressão a ambos os membros de (2),
obtemos,
  2  
1 1 2
x + a3 x + y = 2y + a3 − a2 x2 + (ya3 − a1 )x + (y2 − a0 ).
2
(3)
2 4

Vamos agora determinar os valores de y que transformarão o segundo


membro de (3) em um quadrado perfeito. Para que isto ocorra devemos ter
o discriminante do segundo membro de (3), como trinômio do segundo grau
em x, nulo. Ou seja,
 
1
(ya3 − a1 )2 − 4 · 2y + a23 − a2 · (y2 − a0 ) = 0.
4
Daí, segue-se que,

8y3 − 4a2 y2 + (2a1 a3 − 8a0 )y + (4a0 a2 − a0 a23 − a21 ) = 0. (4)

Escolhendo y como sendo uma das raízes da equação (4), a equação (3)
nos fornece
  2
1
2
x + a3 x + y = (αx + β)2 , (5)
2
com α e β convenientes. Esta equação se resolve mediante a resolução das
duas seguintes equações do segundo grau:
   
2 1 2 1
x + a3 x + y = (αx + β) e x + a3 x + y = −(αx + β).
2 2
Seção 4 Relações Entre Coecientes e Raízes 137

Como a equação (1) é equivalente à equação (5), temos que a resolução


de uma equação do quarto grau pode ser reduzida à resolução de equações
de graus dois e três.

Exemplo 1. Resolvamos a equação x4 − 2x3 − x2 − 2x − 2 = 0.


Determinemos y satisfazendo a equação (4), que no nosso caso toma a
forma 2y
3 + y2 + 6y + 3 = 0. É fácil vericar que y = − 12 é solução desta
equação. Para este valor de y a equação (5) passa a ser

1 2 3 2
   
2 2 9
x −x− = x + 3x + = x + .
2 4 2
Obtemos assim as seguintes equações do segundo grau:
 
2 1 3 2 1 3
x −x− =x+ e x −x− =− x+ ,
2 2 2 2
cujas raízes são as raízes da equação proposta. Assim, a nossa equação tem
as raízes:
√ √
1+ 3, 1 − 3, i e − i.
Problemas

3.1 Resolva as equações:

a) x4 − 2x3 + 4x2 − 2x + 3 = 0; b) x4 − 12x2 + 24x − 5 = 0;


c) x4 + 2x3 + x2 + 4x − 2 = 0; d) x4 − 15x2 − 12x − 2 = 0;
e) x4 − 24x2 + 60x + 11 = 0; f) x4 − 9x2 − 6x + 4 = 0;
g) x4 + 8x2 + 16x + 20 = 0; h) x4 + 2x2 − 4x + 8 = 0.

4 Relações Entre Coecientes e Raízes


O nosso objetivo nesta seção é determinar as relações existentes entre os
coecientes e as raízes de uma equação algébrica.
Sejam K um corpo e x, x1 , x2 , . . . , xn indeterminadas sobre K. Considere
o polinômio

Y
n
(x − xj ) = (x − x1 )(x − x2 ) · · · (x − xn ) ∈ K[x, x1 , x2 , . . . , xn ].
j=1

Queremos escrever este polinômio como polinômio na indeterminada x


com coecientes no anel K[x1 , . . . , xn ]. Para este efeito, considere os seguintes
polinômios de K[x1 , . . . , xn ]:
138 Equações Algébricas Cap. 5

X
s1 (x1 , . . . , xn ) = xj = x1 + · · · + xn
j

X
s2 (x1 , . . . , xn ) = xj1 xj2 = x1 x2 + x1 x3 + · · · + xn−1 xn
j1 <j2

X
s3 (x1 , . . . , xn ) = xj1 xj2 xj3 =
j1 <j2 <j3

x1 x2 x3 + x1 x2 x4 + · · · + xn−2 xn−1 xn
.
.
.

X
sn−1 (x1 , . . . , xn ) = xj1 xj2 · · · xjn−1 =
j1 <j2 <···<jn−1

x1 x2 · · · xn−1 + · · · + x2 x3 · · · xn

sn (x1 , . . . , xn ) = x1 x2 · · · xn
Pede-se ao leitor vericar as seguintes relações:

s1 (x1 , . . . , xn+1 ) = s1 (x1 , . . . , xn ) + xn+1

s2 (x1 , . . . , xn+1 ) = s2 (x1 , . . . , xn ) + xn+1 s1 (x1 , . . . , xn )

s3 (x1 , . . . , xn+1 ) = s3 (x1 , . . . , xn ) + xn+1 s2 (x1 , . . . , xn )


.
.
.
sn (x1 , . . . , xn+1 ) = sn (x1 , . . . , xn ) + xn+1 sn−1 (x1 , . . . , xn )

sn+1 (x1 , . . . , xn+1 ) = xn+1 sn (x1 , . . . , xn )

Lema 4.1. Temos a seguinte relação:


Y
n
(x − xj ) = xn − s1 (x1 , . . . , xn )xn−1 + · · · + (−1)n sn (x1 , . . . , xn ).
j=1

Demonstração A demonstração será feita por indução sobre n ≥ 2. Para


n = 2, o resultado é óbvio. Vamos supor que a fórmula vale para n e provar
que vale para n + 1.
Seção 4 Relações Entre Coecientes e Raízes 139

Multiplicando por (x − xn+1 ) ambos os lados da igualdade no enunciado


do Lema, obtém-se:

(x
 − x1 )(x − x2 ) · · · (x − xn )(x − xn+1 ) = 
xn − s1 (x1 , . . . , xn )xn−1 + · · · + (−1)n sn (x1 , . . . , xn ) (x − xn+1 ) =

xn+1 − [s1 (x1 , . . . , xn ) + xn+1 ] xn + 


s2 (x1 , . . . , xn )xn−1 + xn+1 s1 (x1 , . . . , xn ) xn−1 + · · · +
(−1)n [sn (x1 , . . . , xn ) + xn+1 sn−1 (x1 , . . . , xn )] x+
(−1)n+1 xn+1 sn (x1 , . . . , xn ) =

= xn+1 − s1 (x1 , . . . , xn+1 )xn + · · · + (−1)n sn (x1 , . . . , xn+1 )x+


(−1)n+1 sn+1 (x1 , . . . , xn+1 ).
2

Proposição 4.1. Se x1 , x2 , . . . , xn são as raízes do polinômio p(x) = a0 +


a1 x + · · · + an xn , então
an−j
sj (x1 , . . . , xn ) = (−1)j , j = 1, . . . , n.
an

Demonstração Sendo x1 , . . . , xn as raízes de p(x), temos pelo Lema 4.1 que


p(x) = an (x − x1 ) · · · (x − xn ) =
an [xn − s1 (x1 , . . . , xn )xn−1 + · · · + (−1)n−1 sn−1 (x1 , . . . , xn )x+
(−1)n sn (x1 , . . . , xn )].
Igualando os coecientes dos termos de mesmo grau, obtém-se o resultado.
2
As igualdades na proposição acima são chamadas de relações entre coe-
cientes e raízes da equação dada. Estas relações nos dão um sistema de n
equações (não lineares) nas n incógnitas x1 , x2 , . . . , xn . É natural pensar que
resolvendo o sistema poderíamos encontrar as raízes da equação. Vejamos
num exemplo o que sucede.

Exemplo 1. Considere a equação x3 + x + 1 = 0. A esta equação está


associado o sistema:

 x1 + x2 + x3 = 0
x x + x1 x3 + x2 x3 = 1
 1 2
x1 x2 x3 = −1

Para resolver este sistema procederemos por eliminação. Multiplicando


a segunda equação por x3 , obtemos x1 x2 x3 + x1 x3 2 + x2 x3 2 = x3 . Usando a
140 Equações Algébricas Cap. 5

terceira equação segue-se que−1 + (x1 + x2 )x3 2 = x3 . Usando a primeira


2
equação obtém-se −1 + (−x3 )x3 = x3 .
3
Portanto para achar x3 devemos resolver a equação x3 + x3 + 1 = 0, que
é precisamente a equação proposta originalmente.

Este exemplo nos mostra que não será este o método que nos conduzirá à
resolução das equações. Entretanto, se tivermos alguma informação adicional
sobre as raízes de uma equação, é possível chegar às soluções. Vejamos alguns
exemplos.

Exemplo 2. Resolvamos a equação x3 − x2 − 2x + 2 = 0 sabendo que o


produto de duas de suas raízes é igual a −2.

Sejam x1 , x2 e x3 as raízes da equação. Acrescentando a condição acima


às relações entre coecientes e raízes, obtemos o sistema:


 x1 + x2 + x3 = 1

x1 x2 + x1 x3 + x2 x3 = −2

 x x x = −2
 1 2 3
x1 x2 = −2
x3 = 1. Da primeira,
Da terceira e da quarta equação segue-se que
√ temos
que x1 + x2 = 0, que juntamente com a√quarta nos fornece x1 = ± 2. Como

x2 = −x1 , as raízes da equação são 1, 2 e − 2.
Exemplo 3. Resolvamos a equação x3 − 3x2 + x + 1 = 0, sabendo que as
suas raízes estão em progressão aritmética.

Sejam x1 = a − r, x2 = a, e x3 = a + r as raízes da equação. Temos que,



 3 = x1 + x2 + x3 = 3a
1 = x1 x2 + x1 x3 + x2 x3 = 3a2 − r2

−1 = x1 x2 x3 = a(a2 − r2 )
Da primeira dessas equações segue-se que a√
= 1. Da segunda, temos
então que 3 − r2 = 1 , √ 2
logo r = 2 e portanto r = ± 2. Segue-se que as raízes

da equação são: 1 − 2, 1 e 1 + 2.
Exemplo 4. Determinaremos a soma dos quadrados das raízes da equação
3x5 − 3x4 + 2x3 + x − 1 = 0, sem resolvê-la.
Se x1 , x2 , x3 , x4 e x5 são as suas raízes, temos que

x1 2 + x2 2 + x3 2 + x4 2 + x5 2 =
= (x1 + x2 +x3 + x4 + x5 )2 − 2(x1 x2 + · · · + x4 x5 )
= 12 − 2 · 23 = 1 − 43 = − 31 .
Seção 4 Relações Entre Coecientes e Raízes 141

Exemplo 5. Determinaremos a soma dos inversos das raízes da equação


2x4 − 6x3 + 5x2 − 7x + 1 = 0, sem resolvê-la.
Se x1 , x2 , x3 e x4 são as raízes da equação, temos que

1 1 1 1 x2 x3 x4 + x1 x3 x4 + x1 x2 x4 + x1 x2 x3 7/2
+ + + = = =7
x1 x2 x3 x4 x1 x2 x3 x4 1/2

A Proposição 4.1 e os Exemplos 4 e 5, acima, nos mostram que certas


funções das raízes, por exemplo, a soma das raízes, a soma dos produtos dois
a dois das raízes, a soma dos produtos três a três das raízes etc., a soma dos
quadrados das raízes e a soma dos inversos das raízes podem ser calculadas
em função dos coecientes da equação sem resolvê-la. Existe um resultado
geral, que não provaremos aqui, que diz que todo polinômio simétrico nas
raízes de uma equação pode se expressar em função dos coecientes da equa-
ção, sem resolvê-la. Trata-se do chamado Teorema Fundamental das Funções
Simétricas (para uma prova, veja, por exemplo, [3] Volume 2).

Problemas

4.1 Resolva as seguintes equações, dadas as condições adicionais:

a) x3 + 2x2 + 3x + 2 = 0, sabendo-se que x1 + x2 = x3 ;


b) 3x
3 + 2x2 − 19x + 6 = 0, sabendo-se que x1 + x2 = −1;
c) x
3 − 7x2 − 42x + 216 = 0, sabendo-se que x3 2 = x1 x2 ;
d) x3 + 9x2 + 6x − 56 = 0, sabendo-se que x2 = −2x1 ;
3 2
e) 9x −36x +44x−16 = 0, sabendo-se que as suas raízes estão em progressão
aritmética;

f) 3x3 −26x2 +52x−24 = 0, sabendo-se que as suas raízes estão em progressão


geométrica;

g) x4 − 2x3 + 2x2 − x − 2 = 0, sabendo-se que x1 + x2 = 1.


4.2 Sabendo-se que as raízes da equação x3 − 2x2 + ax + 46 = 0 estão em
progressão aritmética, determine o valor de a e resolva a equação.

4.3 Sabendo-se que a equação 2x4 − 15x3 + ax2 − 30x + 8 = 0 possui raízes
em progressão geométrica, determine o valor de a e resolva a equação.

4.4 Qual a relação que deve existir entre p, q e r para que as raízes da
equação x
3 + px2 + qx + r = 0
a) estejam em progressão aritmética?

b) estejam em progressão geométrica?


142 Equações Algébricas Cap. 5

4.5 Dada a equação 2x5 − 3x4 − x3 + 7x2 − 9x + 8 = 0 , ache

a) a soma dos quadrados de suas raízes;

b) a soma dos cubos de suas raízes;

c) a soma dos inversos de suas raízes;

d) a soma dos quadrados dos inversos de suas raízes.

4.6 Ache o valor de m para que a soma dos quadrados das raízes da equação
3x5 − mx3 + 2x2 + x − 1 = 0 seja igual a 1.

5 Teorema Fundamental da Álgebra


Resolvidas as equações, com coecientes complexos, até o grau quatro,
uma pergunta natural que se coloca é se as equações de grau maior do que
4 possuem sempre raízes complexas e, em tal caso, se há fórmulas algébricas
para expressá-las em função dos coecientes da equação. A primeira per-
gunta é respondida armativamente pelo Teorema Fudamental da Álgebra
que abordaremos adiante. A segunda pergunta foi respondida pela negativa
pelo matemático norueguês Niels Henrik Abel (1802-1829), em um artigo
publicado em 1824, para as equações gerais de graus maiores ou iguais do
que cinco (cf. [3] Volume 2). No entanto, algumas equações admitem fórmu-
las resolventes algébricas em termos dos seus coecientes. Coube ao jovem
matemático francês Évariste Galois (1811-1832) caracterizar tais equações,
através de um estudo conhecido hoje como Teoria de Galois.
Apesar do nome, o Teorema Fundamental da Álgebra é um teorema de
Análise, não sendo conhecida nenhuma prova puramente algébrica dele. Por
outro lado, o nome não reete mais uma realidade, ele é uma herança do
tempo em que o desenvolvimento da Álgebra se encontrava estreitamente
relacionado com o corpo dos números complexos, tendo sido esse teorema
central naquele contexto. Com o desenvolvimento dos métodos abstratos na
Álgebra, esse resultado deixou de desempenhar papel fundamental para a
área.
Em 1629, o matemático franco-holandês Albert Girard (1595-1632) ar-
mou, em seu livro L'invention nouvelle en l'Algèbre, que uma equação algé-
brica de grau n possuía n raízes, sem, entretanto, dizer nada sobre a natureza
dessas raízes.
A primeira tentativa séria para demonstrar o Teorema Fundamental da
Álgebra foi feita pelo matemático francês Jean Le Rond D'Alembert (1717-
1783) em 1746, cuja prova foi considerada falha, sendo melhorada e simpli-
cada por Argand em 1806 e posteriormente em 1814. A parte delicada da
Seção 5 Teorema Fundamental da Álgebra 143

prova de D'Alembert-Argand era baseada na propriedade de que toda função


real contínua numa região fechada e limitada do plano possui um mínimo ab-
soluto. Naquela época, com o conhecimento que se tinha dos números reais,
não era possível provar tal teorema de existência. A prova desse fato teve
que esperar que os números reais fossem contruídos por Richard Dedekind
(matemático alemão, 1831-1916), por volta de 1870, para ser realizada em
1874 pelo matemático alemão Karl Weierstrass (1815-1897).

Uma outra prova foi dada em 1772 pelo matemático francês Joseph-
Louis Lagrange (1736-1813), supondo a existência das raízes de uma equação
com coecientes reais em algum corpo, para depois mostrar que essas raízes
eram necessariamente complexas (cf. [3], Volume 2). Essa demonstração
é a mais algébrica de todas, onde o único resultado de análise admitido
é que um polinômio real de grau ímpar possui pelo menos uma raiz real
(isto é consequência do Teorema do Valor Intermediário, também provado
quase um século após por Weierstrass). A prova de Lagrange foi contestada
por Gauss, por não aceitar que se recorresse a nenhum corpo estranho aos
complexos para garantir a existência das raízes de uma equação algébrica com
coecientes reais. A existência de um corpo onde um determinado polinômio
tem sempre raízes foi construído por Kronecker em 1887, completando, assim,
a prova de Lagrange.

Em 1797, na sua tese de doutorado publicada em 1799, Gauss fez críticas


às demonstrações anteriores do teorema e deu uma nova demonstração, de
cujas falhas ele tinha consciência. Ao longo da vida, Gauss, deu quatro
provas do Teorema Fundamental da Álgebra, todas com alguma falha, dado
o grau insuciente do desenvolvimento da Matemática na época. Registram-
se também tentativas de demonstração feitas por Euler e Laplace. Hoje há
uma grande quantidade de provas, sendo esse resultado corolário de quase
todo teorema profundo de Análise.

A demonstração que daremos do Teorema Fundamental da Álgebra é


aquela devida a D'Alembert-Argand, por ser, na nossa opinião, a mais sim-
ples de todas e repousa em dois lemas que daremos a seguir.

Lema 5.1. Dado um polinômio p(x) ∈ C[x] \ C, existe z0 ∈ C tal que

|p(z0 )| ≤ |p(z)|, ∀z ∈ C.

Demonstração Obviamente, basta provar o resultado para polinômios mô-


nicos. Escrevamos p(x) = xn + an−1 xn−1 + · · · + a1 x + a0 , logo pelas desi-
gualdades triangulares (Proposições 3.1 e 3.2, Capítulo 1), temos para todo
144 Equações Algébricas Cap. 5

z ∈ C,
an−1
|p(z)| = |z|n 1 + z + ··· + a0
zn

|an−1 | |a0 |
 
≥ |z|n 1 − |z| − ··· − |z|n ,
o que mostra que
lim |p(z)| = +∞.
|z|→+∞

Assim, existe R > 0 tal que |p(z)| > |p(0)| para todo z com |z| > R. Se
D = {z ∈ C; |z| ≤ R}, pelo Teorema de Weierstrass (cf. [6], Corolário 3,
página 19), temos que existe z0 ∈ D, tal que |p(z0 )| ≤ |p(z)| para todos
z ∈ D. Como |p(z0 )| ≤ |p(0)|, temos que |p(z0 )| ≤ |p(z)|, para todo z ∈ C. 2

Lema 5.2. Seja p(x) ∈ C[x] \ C. Se z0 ∈ C é tal que p(z0 ) 6= 0, então existe
z1 ∈ C tal que |p(z1 )| < |p(z0 )|.
Demonstração Também aqui basta provar o resultado para polinômios
mônicos. Seja p(x) = xn + an−1 xn−1 + · · · + a1 x + a0 e sejam z0 e h números
complexos tais que p(z0 ) 6= 0 e h a ser determinado de modo que |p(z0 +h)| <
|p(z0 )|.
Com o auxílio do binômio de Newton, podemos escrever

p(z0 + h) = (z0 + h)n + an−1 (z0 + h)n−1 + · · · + a0 = p(z0 ) + q(h),


onde q(x) é um polinômio não nulo, pois p(x) é um polinômio não constante,
de graun e sem termo constante. Seja bxm o termo de menor grau em q(x).
Assim, podemos escrever q(x) = bx
m + xm+1 r(x), onde r(x) é um outro

polinômio.
bhm
Podemos escolher o argumento de h de modo λ= p(z0 ) tenha argumento
igual a π (lembre que p(z0 ) 6= 0). Portanto, λ é um número real negativo.
Podemos garantir que a desigualdade −1 ≤ λ ≤ 0 se mantém para |h| su-
cientemente pequeno. Tomamos ainda |h| sucientemente pequeno para que
|hm+1 r(h)| < |bhm |. Pela desigualdade triangular e pelo Problema 3.9(d) do
Capítulo 1, para todo h ∈ C, nas condições acima, temos que

|p(z0 + h)| = |p(z0 ) + bhm + hm+1 r(h)|

≤ |p(z0 ) + bhm | + |hm+1 r(h)|

= |p(z0 )| − |bhm | + |hm+1 r(h)|

< |p(z0 )|.


Seção 5 Teorema Fundamental da Álgebra 145

Portanto, existe z1 = z0 + h, com h como acima, tal que |p(z1 )| < |p(z0 )|.
2
Prova do Teorema Fundamental da Álgebra Sejap(x) ∈ C[x] \ C.
Pelo Lema 5.1, temos que existe z0 ∈ C tal que |p(z0 )| ≤ |p(z)|, para todo
z ∈ C. Vamos mostrar que p(z0 ) = 0. De fato, de p(z0 ) 6= 0, então, pelo
Lema 5.2, existiria z1 ∈ C tal que |p(z1 )| < |p(z0 )|, o que é um absurdo. 2
Bibliograa
[1] C. S. Fernandes, A. Hefez - Introdução à Álgebra Linear. Coleção PROF-
MAT, SBM, 2012.

[2] C. F. Gauss - Disquisitiones Arithmeticae. Springer-Verlag, 1986.

[3] A. Hefez - Curso de Álgebra, Vol. I e Vol. II. Coleção Matemática


Universitária, IMPA, 2010 e 2012.

[4] A. Hefez - Elementos de Aritmética. Coleção Textos Universitários, SBM,


2006.

[5] S. Lang - Estruturas Algébricas. Ao Livro Técnico, 1972.

[6] E. L. Lima - Análise Real, Volume II. Coleção Matemática Universitária,


IMPA, 2004.

[7] J. B. Ripoll, C. C. Ripoll e J.F P. da Silveira - Números Racionais, Reais


e Complexos. Editora UFRGS.

[8] J. Stillwell - Elements of Algebra: geometry, numbers, equations. Springer-


Verlag, 1994.

181
6
Livro: Polinômios e Equações Algébricas
Autores: Abramo Hefez
Maria Lúcia Torres Villela

Capítulo 6: Construções com Régua e


Compasso

Sumário
1 O Legado dos Gregos . . . . . . . . . . . . . . . . 147

2 Primeira Algebrização do Problema . . . . . . . 157

3 Extensões de Corpos . . . . . . . . . . . . . . . . 165

4 Algebrização Final do Problema . . . . . . . . . 174

146
Seção 1 O legado dos gregos 147

Este capítulo tratará da resolução de alguns problemas geométricos clás-


sicos, com o auxílio da álgebra dos polinômios e de alguns de seus desdobra-
mentos que aqui desenvolveremos. Em geral, esses problemas pedem para
determinar se certas construções geométricas podem ser realizadas com régua
e compasso. Não se trata aqui de resolver problemas de Desenho Geométrico,
mas apenas responder à pergunta se um determinado problema geométrico
pode ou não ser resolvido somente com o uso de uma régua não graduada
e de um compasso. Os gregos antigos nos legaram alguns desses problemas
que desaaram a mente humana durante cerca de dois milênios e só tiveram
resposta completa e denitiva no século XIX, quando a Álgebra e a Análise
já estavam sucientemente desenvolvidas para lhes darem respostas.

1 O Legado dos Gregos

Dentre as construções geométricas que os gregos sabiam realizar no plano


com régua não graduada e compasso, usando os postulados de Euclides, estão
as seguintes:

1) Dados um ponto Pe uma reta r, traçar uma reta perpendicular à reta r


passando pelo ponto P.

Há duas possibilidades:

a) O ponto P pertence a r,

b) O ponto P não pertence a r.

A construção abaixo contempla ambos os casos.

Com centro em P trace um círculo de raio R qualquer, mas que intersecte


a reta em pelo menos dois pontos. Centrado em cada um desses pontos trace
um círculo de raio R 0 > R. Esses dois círculos se cortam em dois pontos,
que ligados com a régua nos dão a reta perpendicular a r passando por P.
148 Construções com régua e compasso Cap. 6

Figura 1: Reta perpendicular a r passando por P ∈ r.

Note que se P 6∈ r, basta tomar R 0 = R, quando um dos pontos de


interseção dos dois círculos traçados por último é P (faça a gura).

2) Dados uma reta r e um ponto P fora de r, traçar por P uma reta paralela
à reta r.
Por P trace a perpendicular r 0 a r. Em seguida, trace a perpendicular a
r por P. Esta é a reta paralela a r por P (faça a gura).
0

3) Divisão de um segmento dado AB em qualquer número n de partes iguais.

Por uma das extremidades do segmento, por exemplo A, trace uma reta
qualquer que não contenha o segmento. Sobre esta reta, a partir de A, mar-
que com o compasso n segmentos iguais de comprimento qualquer. Ligue a
extremidade, mais afastada de A, do último desses segmentos ao ponto B
com uma reta r. Pelas extremidades de cada um dos segmentos acima, trace
paralelas à reta r. Os pontos de interseção dessas retas com o segmento AB
o dividem em n partes iguais.
Seção 1 O legado dos gregos 149

Figura 2: Divisão do segmento AB em n partes iguais.

4) Bissecção de um ângulo qualquer.

Com centro no vértice P do ângulo, trace um círculo de raio qualquer.


Com o mesmo raio trace dois círculos centrados nos pontos A e B de inter-
seção do círculo anteriormente desenhado com os lados do ângulo. Una os
pontos de interseção desses dois últimos círculos (um deles é P). Essa reta
bissecta o ângulo dado.

Figura 3: Bissecção de um ângulo.

5) Transportar, somar e subtrair ângulos.


Para transportar para o ponto P o ângulo θ graus, trace por P retas
paralelas às retas determinadas pelos lados do ângulo θ.

Figura 4: Transportar para o ponto P o ângulo θ.

Sejam dados os ângulos θ1 e θ2 , em graus, com vértices O1 e O2 .


150 Construções com régua e compasso Cap. 6

Figura 5: Ângulos θ1 e θ2 .

Com centro nos vértices O1 e O2 dos ângulos θ1 e θ2 , trace círculos C1


e C2 de mesmo raio. Sejam Aj e Bj os pontos de interseção do círculo Cj
com os lados do ângulo θj , para j = 1, 2. Com o compasso meça a distância
d entre A2 e B2 . O círculo de centro B1 e raio d intersecta o círculo C1 nos
pontos P e Q. Na gura abaixo, o ângulo A\ 1 O1 P é θ1 +θ2 e o ângulo A1 O1 Q
\
é θ1 − θ2 , onde θ1 ≤ θ2 .

Figura 6: θ1 + θ2 = A\
1 O1 P e θ1 − θ2 = A\
1 O1 Q.

Observe que a construção acima nos fornece um outro modo de trans-

portar ângulos. Por exemplo, \


QO \
1 B1 = B1 O1 P = θ2 .

Dada uma terna ordenada de pontos AOB, estamos adotando a seguinte

convenção: o ângulo [
AOB é aquele determinado pela rotação do segmento
OA, em torno de O no sentido anti-horário, de modo que a semirreta de
extremo O determinada por A coincida com a semirreta de extremo O de-

terminada por B. Assim, temos que [ = 360o − AOB


BOA [ (faça a gura).

6) Dados segmentos de comprimentos a e b, construir segmentos de compri-


mentos a+b e a − b.
Sejam AB e CD segmentos de comprimentos a e b e r a reta por A e B.
O círculo de centro B e raio b intersecta a reta r nos pontos P e Q, com Q
o ponto mais afastado de A. O comprimento do segmento AQ é a + b e o
comprimento do segmento AP é a − b, com b ≤ a.
Seção 1 O legado dos gregos 151

Figura 7: A soma a+b e a subtração a − b.

7) Construção de um quadrado inscrito num círculo.

Trace duas retas ortogonais quaisquer passando pelo centro do círculo.


Os quatro pontos de interseção dessas retas com o círculo são os vértices de
um quadrado.

Figura 8: Quadrado inscrito no círculo.

8) Construção dos polígonos regulares de 2n lados inscritos em um círculo,


com n ≥ 3.

Por recorrência. Construa inicialmente um quadrado inscrito no círculo.


Por bissecção de seus ângulos internos, se obtém o octógono regular ins-
crito, etc. A partir do polígono de 2n−1 lados, por bissecção de seus ângulos
internos obtém-se o polígono regular inscrito com 2n lados.
152 Construções com régua e compasso Cap. 6

Figura 9: Octógono inscrito no círculo.

9) Construção do hexágono e do triângulo regulares inscritos.

Sendo o ângulo interno do hexágono π/3 radianos e sendo o triângulo


OAB isósceles, segue-se que OAB é equilátero, logo o lado do hexágono é
igual ao raio do círculo. A partir do hexágono é imediato obter o triângulo.

Figura 10: Hexágono e triângulo inscritos no círculo.

Fixada uma unidade de medida, os gregos também realizavam as seguin-


tes construções geométricas.

10) Dados segmentos de comprimentos a e b e uma unidade de medida,


construir segmentos de comprimentos a·b e a/b.
Seção 1 O legado dos gregos 153

O produto e o quociente são obtidos através de semelhanças de triângulos,


como nas guras abaixo.

a
Figura 11: O quociente
b
e o produto a · b.

11) Dados uma unidade de medida e um segmento de comprimento a, cons-



truir um segmento de comprimento a.
Construa um segmento de comprimento a + 1 emendando um segmento
de reta de comprimento 1 com um de comprimento a sobre uma mesma reta.
Ache o ponto médio M desse segmento e trace um semicírculo centrado em
M com raio igual a a+1
2 . Pelo ponto onde são emendados os dois segmentos,
levante a perpendicular à reta. O comprimento do segmento√
dessa perpendi-
cular compreendido entre a reta e o semicírculo é igual a a.


Figura 12: Construção de a.

12) Construção do decágono e do pentágono regulares inscritos num círculo


de raio R.
Denotemos por x o comprimento do lado do decágono inscrito no círculo
de raio R. Sendo o ângulo interno do decágono AOB
[ de π/5 radianos, ele é
igual à metade do ângulo ABO
[ . Ao traçarmos a bissetriz do ângulo ABO
[,
154 Construções com régua e compasso Cap. 6

obtemos o triângulo BCA semelhante ao triângulo OAB. Pela semelhança


dos triângulos obtemos OB
AB = CA , ou seja,
BA

R x
= ,
x R−x
o que
√ nos dá a equação x2 + Rx − R2 = 0, cuja única solução positiva é
2 ( 5 − 1). Essa medida pode ser obtida a partir do raio R e da unidade de
R

medida, usando as construções (3), (6), (10) e (11).

Figura 13: Ângulo [


ABO e triângulos 4BCA e 4OAB.

A construção do pentágono é imediatamente obtida tomando os vértices


do decágono alternadamente.

Figura 14: Decágono e pentágono regulares inscritos no círculo.

Os gregos então sabiam construir polígonos regulares inscritos em círculos


de 3, 4, 5, 6, 8, 10, 12, 16 e 20 lados. Também sabiam construir um polígono
m
com 2 n lados, desde que soubessem construir o polígono com n lados, por
sucessivas bissecções dos ângulos internos do polígono de n lados.
Seção 1 O legado dos gregos 155

Por outro lado, por mais que os geômetras tentassem construir com régua
e compasso o heptágono (polígono de 7 lados) e o eneágono (polígono de 9
lados), eles nunca conseguiram. Começou então a pairar a suspeita de que
tais construções não seriam possíveis. Mas como provar tal impossibilidade?
Uma coisa, é provar que uma determinada gura é construtível, exibindo
a construção; outra coisa, é mostrar que nenhuma construção poderá levar
à obtenção de uma dada gura. Foi preciso aguardar que a Álgebra e a
Análise se desenvolvessem o suciente para que tais questões pudessem ser
respondidas, cabendo à genialidade de Gauss apontar o caminho.

Outros problemas deixados sem solução pelos gregos foi a possibilidade ou


não de trissectar um ângulo de 60o (equivalente à construção do eneágono), a
duplicação do cubo e a quadratura do círculo, que abordaremos mais adiante.

Antes de prosseguirmos, vamos dar uma nova formulação para o problema


geométrico das construçõoes com régua não graduada e o compasso.

Seja dada uma coleção de pontos S do plano, com pelo menos dois pontos.
Em S são destacados dois pontos, cujo comprimento do segmento de reta
por eles determinado representa a unidade de medida. Construímos outros
pontos a partir dos pontos de S, utilizando apenas uma régua não graduada e
um compasso, através da realização das seguintes construções fundamentais:

(I) ligar dois pontos de S por um segmento de reta;

(II) traçar uma reta por dois pontos de S;

(III) traçar um círculo com centro num ponto de S e raio igual à medida de
um segmento determinado por dois pontos de S.

As construções fundamentais são chamadas, respectivamente, de seg-


mento de reta, reta ou círculo construtíveis com régua e compasso a partir
de S. Esses são os segmentos de retas, retas ou círculos permitidos de serem
construídos.

Após cada construção, incorporamos a S os pontos de interseção das retas


e dos círculos traçados, por meio das construções fundamentais. Um ponto
P do plano será dito construtível com régua e compasso a partir de S, se ele
puder ser obtido após um número nito de construções fundamentais, como
acima.

Os pontos de S também determinam ângulos, que podem ser dados por


uma terna ordenada de pontos de S.
156 Construções com régua e compasso Cap. 6

Figura 15: Ângulo [.


θ = ABC

Nesse caso, dizemos que θ é um ângulo construtível com régua e compasso


a partir de S.
Daqui por diante, os segmentos de retas, retas ou círculos, pontos e ân-
gulos construtíveis com régua e compasso a partir de S serão chamados sim-
plesmente de construtíveis.

Problemas

1.1 Seja S uma coleção de pontos do plano com pelo menos dois pontos.
Em cada item, descreva uma sequência de construções fundamentais que
mostrem que a armação é verdadeira.

(a) Sejam a reta r e o ponto P construtíveis. Então:

(i) A reta perpendicular a r passando por P é construtível.

P 6∈ r, então a reta paralela a r passando por P é construtível.


(ii) Se

(b) Se A e B são pontos distintos construtíveis, então os pontos que dividem


o segmento AB em n partes iguais são construtíveis.
θ
(c) Se θ é construtível, então
2 é construtível.
(d) Se θ1 e θ2 são construtíveis, então θ1 + θ2 e θ1 − θ2 são construtíveis.

1.2 Mostre em uma só gura como construir com régua e compasso um


p √
segmento de comprimento 1 + 2.

1.3 Mostre em uma só gura como construir n, para qualquer número
natural n ≥ 1.
1.4 Mostre que a construção de um polígono regular inscrito em um círculo
de raio 1 é equivalente à construção de um polígono regular inscrito em um
círculo de raio R qualquer.

1.5 Realize geometricamente a construção do decágono.

1.6 Mostre que trissectar um ângulo de 60o é equivalente à construção do


polígono regular de 18 lados inscrito em um círculo, o que é equivalente à
construção do eneágono regular inscrito no círculo.
Seção 2 Primeira algebrização do problema 157

1.7 Mostre que se o polígono regular de n lados inscrito em um círculo


é construtível com régua e compasso e se n = n1 · n2 , então os polígonos
regulares de n1 e n2 lados são também construtíveis.

2 Primeira Algebrização do Problema


O primeiro passo que daremos no sentido de algebrizarmos o problema
das construções com régua e compasso será o de identicar R2 com C, onde
se destacam os pontos 0 + 0i e 1 + 0i, que suporemos contidos em qualquer
conjunto de pontos S a ser considerado. Ganhamos, assim, a possibilidade
de efetuar multiplicações de pontos.

Observamos que o eixo x, o eixo y e o círculo unitário são construtíveis.


Seja z 6= 0 um número complexo construtível.
Podemos escrever z = a + bi ou z = |z|(cos θ + i sen θ), na forma trigo-
nométrica, onde θ ∈ [0, 2π) é dado em radianos.

Figura 16: z = a + bi = |z|(cos θ + i sen θ).

O segmento de reta da origem a z, as retas vertical e horizontal passando


por z são construtíveis. Logo, o comprimento |z|, os números reais a e b,
assim como o ângulo θ, são construtíveis.
Dados os números complexos construtíveis z1 e z2 , sabemos construir
z1
com régua e compasso os números complexos z1 ± z2 , z1 · z2 e .
z2
De fato, escrevendo z1 = a1 + b1 i e z2 = a2 + b2 i, temos que

 
z1 ± z2 = a1 ± a2 + b1 ± b2 i
158 Construções com régua e compasso Cap. 6

e os números reais a1 ± a2 e b1 ± b2 são construtíveis, dado que a1 , a2 , b1


e b2 são construtíveis.
Para o cálculo do produto e do quociente, quando ambos são não nulos,
podemos escrevê-los na forma trigonométria,

z1 = |z1 | cos θ1 + i sen θ1 , z2 = |z2 | cos θ2 + i sen θ2 .


 

Então,

z1 · z2 = |z1 ||z2 | cos(θ1 + θ2 ) + i sen(θ1 + θ2 )




e
z1 |z1 |  
= cos(θ1 − θ2 + i sen(θ1 − θ2 ) .
z2 |z2 |
|z1 |
Sabemos fazer as construções, respectivamente, de |z1 | · |z2 |, θ1 + θ2 , e
|z2 |
θ1 − θ2 .
Se z = |z|(cos θ + i sen θ) é construtível, então


 
θ θ
z = |z|
p
cos + i sen ,
2 2

é construtível, pois |z| e θ são construtíveis e sabemos com as construções


fundamentais determinar a raiz quadrada do segmento |z|, bem como bissec-
tar o ângulo θ.
Segue-se que são construtíveis as raízes complexas de uma dada equação
do segundo grau com coecientes b e c números complexos construtíveis

x2 + bx + c = 0.

De fato, as raízes são

√ √
−b + b2 − 4c −b − b2 − 4c
x1 = e x2 = ,
2 2
e, pelo que vimos acima, são construtíveis com régua e compasso.

Os problemas que abordaremos serão o de caracterizar os números com-


plexos construtíveis com régua e compasso a partir de 0 e 1.
Portanto, já sabemos, por meio das construções fundamentais, construir
todo número inteiro, assim como todo número racional e todo número com-
plexo da forma a + bi, onde a, b ∈ Q. Outros pontos como, por exemplo,
Seção 2 Primeira algebrização do problema 159

√ √
a+ b i, onde a e b são números racionais positivos, também são cons-
trutíveis com régua e compasso a partir de 0 e 1.
Portanto, a construtibilidade de um polígono regular de n lados inscrito
em um círculo de raio R (a partir de 0 e 1) se reduz ao problema da cons-
trutibilidade de uma raiz n-ésima primitiva ζ qualquer da unidade, já que
dada uma tal raiz, uma sua potência, que é construtível a partir de ζ, nos
2π 2π
dá a raiz cos n + i sen n , primeiro vértice após o vértice 1 do polígono de n
lados inscrito no círculo centrado em 0 e de raio 1 (veja Problema 1.4, onde
se justica poder tomar R = 1).

Exemplo 1. Construtibilidade do triângulo equilátero inscrito em um cír-


culo.
Mostrar que o triângulo equilátero é construtível é equivalente a mostrar
que as raízes cúbicas primitivas da unidade são construtíveis. As raízes
cúbicas primitivas da unidade são raízes da equação

x2 + x + 1 = 0,

e, portanto, construtíveis.

Exemplo 2. Construtibilidade do pentágono regular inscrito.


Sob esta ótica, mostrar que o pentágono regular inscrito em um círculo
é construtível com régua e compasso é o mesmo que mostrar como construir
com régua e compasso uma raiz quinta primitiva da unidade.
As raízes quintas primitivas da unidade são raízes da equação algébrica

x4 + x3 + x2 + x + 1 = 0,
2kπ
+ i sen 2kπ
 
complexos cos
que são os números
5 5 , k = 1, 2, 3, 4.
Nos propomos de calcular algebricamente essas raízes. Apesar de po-
der resolver a equação pelo método de Ferrari, a resolveremos por métodos
elementares, por ser de um tipo muito especial.
Note que

Rec(x4 + x3 + x2 + x + 1) = x4 + x3 + x2 + x + 1.

As equações que possuem esta propriedade são chamadas de equações recí-


procas.
Como 0 não é raiz da nossa equação, ela pode ser escrita do seguinte
modo:
1 1
x2 + 2
+ x + + 1 = 0.
x x
160 Construções com régua e compasso Cap. 6

Tomando y = x + x−1 em C(x), obtemos x2 + x−2 = y2 − 2, logo a nossa


equação se transforma em

y2 + y − 1 = 0,

cujas raízes são


√ √
−1 + 5 −1 − 5
y1 = , y2 = .
2 2
As raízes da nossa equação podem ser encontradas resolvendo as equações

1 1
x+ = y1 , x+ = y2 .
x x
Isto nos dá as seguintes raízes:

√ p √ √ p √
−1 + 5 10 + 2 5 −1 + 5 10 + 2 5
+i , −i ,
4 4 4 4
√ p √ √ p √
−1 − 5 10 − 2 5 −1 − 5 10 − 2 5
+i , −i .
4 4 4 4
Portanto, todas construtíveis com régua e compasso.

Com essa primeira algebrização do problema obtemos o seguinte resul-


tado, do ponto de vista geométrico não trivial, porém do ponto de vista
algébrico muito simples de ser provado.

Proposição 2.1. Seja n = n1 n2 , onde n1 e n2 são números naturais mai-


ores do que ou iguais a 2, primos entre si. O polígono regular inscrito de
n lados é construtível com régua e compasso se, e somente se, os polígonos
regulares inscritos de n1 e n2 lados são ambos construtíveis.

Demonstração O problema 1.7 nos diz que se o polígono de n lados é


construtível, então os polígonos de n1 e n2 lados são construtíveis. Re-
ciprocamente, se os polígonos de n1 e n2 lados são construtíveis, então são
construtíveis uma raiz n1 -ésima primitiva da unidade ζ1 e uma raiz n2 -ésima
primitiva da unidade ζ2 . Como ζ = ζ1 ζ2 é uma raiz n-ésima primitiva da
unidade e é construtível a partir de ζ1 e ζ2 , o resultado segue. 2
Como consequência dessa proposição temos que o polígono regular ins-
crito de 15 lados é construtível com régua e compasso.
Seção 2 Primeira algebrização do problema 161

Exemplo 3. Construtibilidade do polígono regular de 17 lados, segundo


Gauss.
Queremos mostrar que α = 2π
 = cos α + i sen α, onde
17 , é construtível
com régua e compasso. Para isto bastará mostar que cos α é construtível.
16 15
Sabemos que  é raiz do polinômio p(x) = x + x + · · · + x + 1, cujas raízes
são as raízes 17-ésimas da unidade, exceto a raiz 1.
Seguindo Gauss, ordenemos essas raízes como segue:

, 3 , 9 , 10 , 13 , 5 , 15 , 11 , 16 , 14 , 8 , 7 , 4 , 12 , 2 , 6 , (1)

onde cada elemento é o cubo do anterior e o primeiro é o cubo do último.


Formemos as seguintes somas, tomando os termos de (1) alternadamente:

y1 =  + 9 + 13 + 15 + 16 + 8 + 4 + 2 , (2)


3 10 5 11 14 7 12 6
y2 =  +  +  +  +  +  +  +  . (3)

A soma das raízes n-ésimas primitivas da unidade é igual a −1, pois esse
número é o simétrico do coeciente de x15 em p17 (x). Logo

y1 + y2 = −1. (4)

Por outro lado, por inspeção vemos que o produto y1 y2 é igual a quatro
vezes a soma dos i , para i = 1, . . . , 16. Logo

y1 y2 = 4(y1 + y2 ) = −4. (5)

Assim, de (4) e (5) concluímos que y1 e y2 são as raízes da equação

y2 + y − 4 = 0,

que são os números (−1 ± 17)/2. Agrupando na expressão (3) de y1 as
parcelas que são números complexos conjugados, temos

y1 = ( + 16 ) + (2 + 15 ) + (4 + 13 ) + (8 + 9 )

= 2 cos α + 2 cos 2α + 2 cos 4α + 2 cos 8α > 0,

já que α, 2α e 4α são ângulos do primeiro quadrante, logo com cossenos


positivos, e
π √
cos α + cos 2α > 2cos = 2 > −cos8α.
4
(Faça uma gura para se convencer disso.)
162 Construções com régua e compasso Cap. 6

Portanto, podemos concluir que


√ √
−1 + 17 −1 − 17
y1 = e y2 = .
2 2
Tomemos agora nas expressões (3) e (4) de y1 e y2 os seus termos alter-
nadamente para formar:

x1 =  + 13 + 16 + 4 = 2(cos α + cos 4α)


x2 = 9 + 15 + 8 + 2 = 2(cos 2α + cos 8α)
x3 = 3 + 5 + 14 + 12 = 2(cos 3α + cos 5α)
x4 = 10 + 11 + 7 + 6 = 2(cos 6α + cos 7α).
Verica-se sem diculdade que x1 > x2 e esses números são raízes da equação

2
x − y1 x − 1 = 0,
enquanto que x3 > x4 e esses são raízes da equação

x2 − y2 x − 1 = 0.
Assim, podemos concluir que
√ p √
−1 + 17 34 − 2 17
x1 = + ,
4 4
√ p √
−1 + 17 34 − 2 17
x2 = − ,
4 4
√ p √
−1 − 17 34 + 2 17
x3 = + ,
4 4
√ p √
−1 − 17 34 + 2 17
x4 = − .
4 4
Formemos agora os números

z1 =  + 16 = 2 cos α,

z2 = 13 + 4 = 2 cos 4α.


Esses números são raízes da equação

z2 − x1 z + x3 = 0.
Portanto, z1 = 2 cos α é construtível com régua e compasso a partir de x1
e x3 , que por sua vez, pelas suas expressões acima, são construtíveis com
régua e compasso a partir de 0 e 1. Logo, cos α é construtível com régua
e compasso a partir de 0 e 1, provando que o polígono regular de 17 lados
inscrito no círculo de raio 1 é construtível com régua e compasso.
Seção 2 Primeira algebrização do problema 163

Comentários
A construtibilidade com régua e compasso do polígono regular de 17
lados sequer foi cogitada pelos gregos antigos. Foi em 1796 que, aos dezenove
anos, Gauss mostrou, com o desenvolvimento acima, que um polígono regular
de 17 lados é construtível com régua e compasso. Esse feito fez com que,
para felicidade da humanidade, Gauss se decidisse a abraçar a carreira de
matemático.
No seu Disquisitiones Arithmeticae de 1821 (cf. [2]), Gauss mostra que
se um número primo p é tal que p − 1 é uma potência de 2, então o polígono
p lados é construtível com régua e compasso, generalizando o caso
regular de
p = 17. p com esta propriedade são os chamados primos
Os números primos
de Fermat; e os únicos primos de Fermat conhecidos são p = 3, 5, 17, 257 e
65.537. Não se sabe sequer se o número de primos de Fermat é nito ou
innito.
Este teorema de Gauss, que não demonstraremos aqui, foi provado por
ele estudando detalhadamente a equação da divisão do círculo

xp−1 + xp−2 + · · · + x + 1 = 0,

nos moldes do caso p = 17, como feito acima. Hoje, meio da Teoria de Galois
é possível dar uma prova muito mais conceitual, com muito menos cálculos
do que a prova original de Gauss.
Gauss enunciou mas não provou explicitamente a recíproca desse resul-
tado, que demonstraremos na Seção 4. Isso foi feito rigorosamente pela
primeira vez em 1837 por um matemático francês pouco conhecido chamado
Pierre Laurent Wantzel, introduzindo para isto uma nova técnica.
O resultado de Gauss, em vista da Proposição 2.1, se generaliza, nos
dizendo que é construtível todo polígono regular de n lados, quando n é o
produto de uma potência de 2 e de primos de Fermat distintos. Portanto,
como conhecemos poucos primos de Fermat, ainda são relativamente poucos
os polígonos que sabemos serem construtíveis.
Wantzel, através de sua técnica, provou que também vale a recíproca
do resultado generalizado de Gauss, cando assim estabelecido o resultado
denitivo sobre a construtibilidade de polígonos regulares:

Um polígono regular com um número n de lados é construtível com régua


e compasso se, e somente se, n é o produto de uma potência de 2 e de primos
de Fermat distintos.
Note que, com as técnicas apresentadas até o momento, sem dispormos
ainda da técnica introduzida por Wantzel, só é possível mostrar resultados
164 Construções com régua e compasso Cap. 6

positivos, ou seja, que determinadas guras são construtíveis com régua e


compasso. Para expor com clareza a ideia de Wantzel de como provar re-
sultados negativos, necessitaremos de um estudo preliminar dos rudimentos
da teoria de extensões de corpos que desenvolveremos na próxima seção. Na
seção seguinte, discutiremos os problemas da trissecção de um ângulo, a du-
plicação do cubo e a impossibilidade de construir polígonos regulares como
os de 7, 11, 13 e 19 lados, entre outros.

Neste livro, só não provaremos o resultado de Gauss que arma que se


p é um primo de Fermat, então o polígono regular de n lados é construtível
com régua e compasso. O restante da asserção será provado na Seção 4.

Problemas

2.1 Quanto mede o lado do pentágono regular inscrito em um círculo de


raio R?

2.2 Dado um subconjunto S de C, com {0, 1} ⊂ S, mostre que, para um


número complexo z, as seguintes condições são equivalentes.

i) z é construtível a partir de S;
ii) Re(z) e Im(z) são construtíveis a partir de S;
iii) z̄ é construtível a partir de S;
2
vi) z é construtível a partir de S;

v) z é construtível a partir de S.

2.3 Sejam b, c ∈ C. Mostre que são equivalentes as condições:

i) b e c são construtíveis com régua e compasso;

ii) As raízes da equação x2 + bx + c = 0 são construtíveis com régua e


compasso;

iii) As raízes da equação x4 + bx2 + c = 0 são construtíveis com régua e


compasso.

2.4 Mostre que

√ p √
−1 + 5 10 + 2 5
cos(72o ) = , o
sen(72 ) = .
4 4
Seção 3 Extensões do corpos 165

3 Extensões de Corpos
Para poder prosseguir com o nosso projeto de algebrização do proble-
ma da construtibilidade com régua e compasso das guras geométricas, que
citamos anteriormente, será necessário desenvolver um pouco mais a álgebra
dos polinômios.
Quando temos dois corpos F e K tais que F ⊂ K e as operações de adição e
multiplicação em K se restringem às correspondentes operações em F, diremos
que F é um subcorpo de K, ou que K é uma extensão de F. Em tal caso,
escrevemos K | F, ou ainda,

F
Exemplos de extensões de corpos são os seguintes:

R | Q, C | Q, C | R, F(x) | F,

onde x é uma indeterminada e F é um dos corpos Q, R ou C.


Note que, por ser K um corpo, a adição em K é comutativa, associativa,
tem elemento zero e todo elemento possui simétrico. Além disso, se α, β ∈ K
e a, b ∈ F, temos que

1) (a + b)α = aα + bα,
2) a(α + β) = aα + aβ,
3) a(bα) = (ab)α,
4) 1α = α.
Portanto, temos que K é um espaço vetorial sobre o corpo F. Esta estru-
tura será fundamental para o nosso estudo.

A dimensão do espaço vetorial K sobre F será chamada de grau da exten-


são e será denotada por [K : F].
Uma extensão K | F será dita nita, se K como espaço vetorial sobre F for
nito, ou seja, se [K : F] < ∞.

Exemplo 1. Seja K = {a + b 2 ; a, b ∈ Q} (cf. Problema 1.2, Capítulo 3).
A extensão K | Q é nita, pois K é um espaço vetorial sobre Q gerado por 1

e 2.

Exemplo 2. Seja L = {a + bi ; a, b ∈ Q} (cf. Problema 1.3, Capítulo 3). A


extensão L|Q é nita, pois L é um espaço vetorial sobre Q gerado por 1 e i.
166 Construções com régua e compasso Cap. 6

Exemplo 3. Seja x uma indeterminada. A extensão Q(x) | Q não é nita,


pois {1, x, x , . . . , } é linearmente independente sobre
2 Q.
Dada uma extensão K | F e um elemento α ∈ K, diremos que α é algébrico
sobre F, se α for raiz de um polinômio não nulo p(x) em F[x].
√ √
3

4
Exemplo 4. Os elementos 2, 2 e 2 de R são algébricos sobre Q. De
fato, eles são, respectivamente, raízes dos polinômios x
2 − 2, x3 − 2 e x4 − 2
em Q[x].
p
4

Exemplo 5. O elemento 3 + 2 é algébrico sobre Q. De fato, denotando
este elemento por α e elevando à quarta potência, obtemos

α4 = 3 + 2.
4

Elevando a expressão α − 3 = 2 ao quadrado, obtemos a igualdade α8 −
6α4 + 7 = 0, o que, por sua vez, implica que α é algébrico sobre Q.
Dada uma extensão K | F, um elemento α∈K que não é algébrico sobre
F será dito transcendente sobre F.
Um elemento de R transcendente sobre Q será chamado simplesmente de
número transcendente.
O mais famoso dos números transcendentes é o número π que expressa
a razão entre o comprimento de um círculo e o seu diâmetro. Desde a an-
tiguidade, tem se determinado valores aproximados de π por números raci-
onais, cada vez melhores. Arquimedes determinou a seguinte aproximação:
3 10 10
71 < π < 3 70 . Hoje se conhece a expansão decimal de π com mais de cinco
trilhões de casas. Por muito tempo se suspeitou que π fosse um número
irracional, tendo este fato sido demonstrado por Johann Heinrich Lambert,
em 1761. Muito mais difícil é a prova de que π é transcendente, realizada
por Ferdinand von Lindemann em 1882.
Um fato curioso, é que apesar de se saber que há muito mais números
transcendentes do que algébricos, poucos desses possuem um nome, como,
por exemplo, π e a base dos logaritmos naturais e.
Uma maneira de obtermos corpos intermediários entre F e K em uma
extensão K | F é a partir da noção de adjunção que introduziremos a seguir.
Seja K | F uma extensão de corpos e seja α ∈ K. Denimos a adjunção
de α a F como sendo o menor subcorpo de K contendo F ∪ {α} e o denotamos
por F(α). Assim, F ⊂ F(α) ⊂ K e α ∈ F(α).
Isto signica que F(α) é um subcorpo de K tal que se L é um subcorpo
de K com F ⊂ L e α ∈ L, então F(α) ⊂ L.
Seção 3 Extensões do corpos 167

√ √
Exemplo 6. O menor subcorpo de
√ R contendo Q ∪ { 2} é Q( 2) = {a +
b 2 ; a, b ∈ Q}.

Exemplo 7. O menor subcorpo de C contendo Q ∪√ { i} é Q(i) = {a +
bi ; a, b ∈ Q} e o menor subcorpo de C contendo R ∪ { i} é R(i) = C.

O fato de denirmos um objeto, não signica que ele exista. Mas pela
própria denição, se F(α) existir, ele é único. De fato, se F(α) 0 for outra
adjunção de α a F, então por denição de adjunção, temos

F(α) ⊂ F(α) 0 e F(α) 0 ⊂ F(α),

o que mostra que F(α) = F(α) 0 .


Iremos a seguir mostrar a existência de F(α). Seja

p(α)
M= ; p(x), q(x) ∈ F[x] e q(α) 6= 0 .
q(α)

É um exercício rotineiro vericar que o conjunto M é um corpo. Por outro


lado, todo subcorpo L deK que contém F ∪ {α}, deve conter necessariamente
M. Logo, por denição, M é o corpo F(α).
Dada uma extensão K|F e um elemento α∈K algébrico sobre F, de-
nimos o polinômio mínimo de α sobre F como sendo o polinômio mônico de
menor grau com coecientes em F que se anula em α.

Exemplo 8. O número real 2, é√algébrico sobre Q e sobre R, com polinô-
mios mínimos
√ √ x2 − 2 sobre Q e x − 2 sobre R, respectivamente. Os números
3 4 3 4
2 e 2 são algébricos sobre Q, com polinômios mínimos x − 2 e x − 2,
respectivamente.

O próximo resultado nos dará várias caracterizações do polinômio mí-


nimo.

Proposição 3.1. Sejam K | F uma extensão de corpos e α ∈ K. Seja p(x)


um polinômio mônico com coecientes em F, tal que p(α) = 0. As seguintes
condições são equivalentes:
(i) p(x) é o polinômio mínimo de α;

(ii) se q(x) ∈ F[x] é tal que q(α) = 0, então p(x) divide q(x);
(iii) p(x) é irredutível.
168 Construções com régua e compasso Cap. 6

Demonstração (i) ⇒ (ii): Suponhamos que p(x) seja o polinômio mínimo


de α sobre F. Seja q(x) ∈ F[x], tal que q(α) = 0. Pela divisão euclidiana de
q(x) por p(x) existem f(x) e r(x) ∈ F[x] tais que

q(x) = f(x)p(x) + r(x),


com r(x) = 0 ou 0 ≤ gr(r(x)) < gr(p(x)). Avaliando em α, obtemos

0 = q(α) = f(α) · 0 + r(α) = r(α).


Como p(x) é o polinômio não nulo de menor grau que se anula em α,
segue que r(x) = 0 e p(x) divide q(x).
(ii) ⇒ (iii): Vamos mostrar que p(x) é primo. Sejam f(x), g(x) em F[x], tais
que p(x) divide f(x)g(x). Então, existe h(x) em F[x] tal que p(x)h(x) =
f(x)g(x). Avaliando em α, obtemos que 0 = p(α)h(α) = f(α)g(α) ∈ K.
Como K é um corpo, f(α) = 0 ou g(α) = 0. Portanto, p(x) divide f(x) ou
p(x) divide g(x).
(iii) ⇒ (i): Seja f(x) o polinômio mínimo de α sobre F. Suponhamos que
p(x) ∈ F[x] seja mônico e irredutível e p(α) = 0. De (i) implica (ii) segue que
f(x) divide p(x). Como os divisores mônicos de p(x) são 1 e p(x) e f(x) 6= 1,
concluímos que f(x) = p(x). 2
O resultado a seguir irá relacionar o grau de uma extensão do tipo F(α) | F
e o grau do polinômio mínimo de α sobre F.

Proposição 3.2. Seja K | F uma extensão e seja α ∈ K algébrico sobre F.


Se n é o grau do polinômio mínimo de α sobre F, então [F(α) : F] = n e
{1, α, α2 , . . . , αn−1 } é uma base de F(α) sobre F.

Demonstração Primeiramente, mostraremos que {1, α, . . . , αn−1 } gera F(α)


sobre F. Seja β ∈ F(α). Então, existem f(x), g(x) ∈ F[x] tais que β =
f(α)
, com g(α) 6= 0. Seja p(x) ∈ F[x] o polinômio mínimo de α sobre F.
g(α)
Como g(α) 6= 0, então p(x) não divide g(x). Sendo p(x) irredutível segue
que mdc(g(x), p(x)) = 1. Segue do Lema 3.2 do Capítulo 4 que existem
a(x), b(x) ∈ F[x], tais que

1 = a(x)g(x) + b(x)p(x).

Avaliando em α, obtemos que

1 = a(α)g(α) + b(α)p(α) = a(α)g(α).


Seção 3 Extensões do corpos 169

1 f(α)
Logo, = a(α) e β= = a(α)f(α).
g(α) g(α)
Pela divisão euclidiana de a(x)f(x) por p(x), existem q(x), r(x) em F[x]
tais que
a(x)f(x) = p(x)q(x) + r(x),
onde r(x) = 0 ou 0 ≤ gr(r(x)) < gr(p(x)) = n.
Avaliando a igualdade acima em α, obtemos

β = a(α)f(α) = p(α)q(α) + r(α) = r(α).

Escrevendo r(x) = b0 + b1 x + · · · + bn−1 xn−1 , onde bj ∈ F, para cada


j = 0, . . . , n − 1, temos que β = r(α) = b0 + b1 α + · · · + bn−1 αn−1 , logo
{1, α, . . . , αn−1 } gera F(α). Vamos mostrar que este conjunto é linearmente
independente.
Suponhamos, por absurdo, que existam c0 , ..., cn−1 em F, nem todos
nulos, tais que
c0 + c1 α + · · · + cn−1 αn−1 = 0.
Então, h(x) = c0 + c1 x + · · · + cn−1 xn−1 é um polinômio não nulo de
grau menor do que n que se anula em α, contradizendo o fato de gr(p(x)) =
n. Portanto, c0 = c1 = · · · = cn−1 = 0 e {1, α, . . . , αn−1 } é linearmente
independente sobre F. 2

Exemplo 9. O Exemplo 8, em presença da Proposição 3.2, mostra que


√ √ √
[Q( 2) : Q] = 2, [Q( 3 2) : Q] = 3 e [Q( 4 2) : Q] = 4.

Precisaremos do seguinte resultado sobre a multiplicatividade dos graus


em extensões de corpos.

Proposição 3.3. Sejam L | K e K | F duas extensões nitas, então a extensão


L | F é nita e
[L : F] = [L : K] [K : L].

Demonstração Seja {αk ; k = 1, . . . , m} ⊂ K uma base de K | F e seja


{βj ; j = 1, . . . , n} ⊂ L uma base de L | K. Vamos mostrar que o conjunto
{αk βj ; k = 1, . . . , m e j = 1, . . . , n} ⊂ L é uma base de L | F.
Seja β ∈ L. Como {βj ; j = 1, . . . , n} gera L | K, existem bj ∈ K tais
Xn
que β = bj βj . Como {αk ; k = 1, . . . , m} gera K | F, para cada bj ∈ K,
j=1
X
m
existem akj ∈ F, tais que bj = akj αk . Assim,
k=1
170 Construções com régua e compasso Cap. 6

X
n X
n X
m
!
β= bj βj = akj αk βj
j=1 j=1 k=1
X
n X
m
!
= akj αk βj
j=1 k=1
Xn Xm
= akj (αk βj ),
j=1 k=1

mostrando que {αk βj ; k = 1, . . . , m e j = 1, . . . , n} gera L | F.


X n Xm
Suponhamos agora que 0 = akj αk βj , com akj ∈ F. Então, 0 =
j=1 k=1
X
n X
m X
n X
m X
m
!
akj αk βj = akj αk βj , com akj αk ∈ K, para cada j.
j=1 k=1 j=1 k=1 k=1
Como {βj ; j = 1, . . . , n} é linearmente independente sobre K, temos que
X
m
akj αk = 0, para cada j = 1, . . . , n, e como {αk ; k = 1, . . . , m} é linear-
k=1
mente independente sobre F, obtemos que akj = 0, para cada k = 1, . . . , m.
2
A construção da adjunção pode ser iterada como segue:

Sendo F(α1 ) ⊂ K e α2 ∈ K, podemos formar a adjunção de α2 a F(α1 ):


(F(α1 ))(α2 ).
Com o mesmo raciocínio que zemos acima, pode-se mostrar que

p(α1 , α2 )
F(α1 , α2 ) = ; p, q ∈ F[x1 , x2 ] e q(α1 , α2 ) 6= 0
q(α1 , α2 )
é um corpo que contém F(α1 ) e α2 e tal que todo subcorpo L de K que contém
F(α1 ) e α2 deve necessariamente conter F(α1 , α2 ), o que nos mostra que
(F(α1 ))(α2 ) = F(α1 , α2 )

p(α1 , α2 )
= ; p, q ∈ F[x1 , x2 ] e q(α1 , α2 ) 6= 0 .
q(α1 , α2 )
Podemos recursivamente construir a partir de F(α1 , . . . , αn−1 ) o corpo

F(α1 , . . . , αn−1 , αn ) = (F(α1 , . . . , αn−1 ))(αn )

p(α1 , . . . , αn )
= ; p, q ∈ F[x1 , . . . , xn ] e q(α1 , . . . , αn ) 6= 0 .
q(α1 , . . . , αn )
Seção 3 Extensões do corpos 171

√ √
Exemplo 10. A extensão

4
Q( √ 2, 2) | √Q pode ser vista como √ uma itera-
ção das extensões Q( 2) | Q( 2) e Q( 2) | Q. Como [Q( 2) : Q] = 4 e
4 4
√ √ √
[Q( 2) : Q] = 2, segue da Proposição 3.3 que [Q( 4 2) : Q( 2)] = 2.
√ √ √ √
Exemplo 11. Mostraremos que Q( 2+ 3) = Q( 2, 3) e determinaremos
√ √
o polinômio mínimo de
√ √ 2 + 3 sobre Q.
√ √ √ √
Como
√ √ 2 e 3 estão no corpo Q( 2,
√ √ √ 3)
√ , então 2 + √3 está
√ em
Q(√2, √ 3). Logo, Q( 2, 3) ⊃ Q ∪ { 2 + 3} e assim Q( 2, 3) ⊃
Q( 2 + 3), o menor subcorpo √ √ de R com √ essa √ propriedade. √ √
Para mostrar que Q( 2,
√ √ 3) ⊂ Q( 2
√ + 3)
√ , basta mostrar que 2, 3
estão em Q( 2 + 3) , visto que Q ⊂ Q( 2 + 3) .
√ √ √ √ 2

Seja α = 2 + 3 . Então, 3 = α − 2 e 3 = α − 2 2α + 2, logo
√ 2 √ √ 2
2 = α2α−1 ∈ Q(α) e 3 = α − 2 = α − α2α−1 ∈ Q(α).
√ √ √ √
Com isto, concluímos que Q( 2 + 3) = Q( 2, 3).
Qual é o polinômio mínimo de α sobre Q?
√ 2 4 2
Elevando ao quadrado a igualdade 2 2α = α − 1, obtemos α − 10α +
1 = 0. Com isso, só concluímos que α é algébrico sobre Q e que p(x), o
4 2
polinômio mínimo de α sobre Q, divide x − 10x + 1. Assim, [Q(α) : Q] ≤ 4.
√ √
Vamos determinar [Q(α) : Q], usando que Q(α) = Q( 2,
√ √ √ √ 3)√.
Temos que [Q( 2) : Q] = 2. Como Q( 2, 3) = Q( 2)( 3), basta
√ √ √
determinar [Q( 2)( 3) : Q( 2)] = n e usar a multiplicatividade do grau,
isto é,

√ √ √ √ √ √
[Q( 2)( 3) : Q] = [Q( 2)( 3) : Q( 2)][Q( 2) : Q],

ilustrada no diagrama:

√ √ √ √
Q( 2, 3) = Q( 2)( 3)
n
@ √
@
2n Q( 2)
2

Q
√ √
2 − 3 ∈ Q( 2)[x], então n ≤ 2.
Como 3 x√
é raiz de
√ √
√Vamos mostrar que
√ 3 ∈
6 √Q( 2) . Suponhamos, por absurdo, que
√ 3∈
Q( 2). Então 3 = a + bq 2, com a, b ∈ Q, pois {1, 2} é uma base de

Q( 2) | Q. Se a = 0, então 32 = b ∈ Q, é uma contradição. Se b = 0, então

3 = a ∈ Q, também
√ é uma contradição. Podemos supor que a 6= 0 e b 6= 0
√ 2 −2b2
2 2
e 3 = a + 2ab 2 + 2b . Assim, 2 = 3−a2ab ∈ Q, o que também é uma
172 Construções com régua e compasso Cap. 6
√ √ √ √ √
contradição. Logo,3 6∈ Q( 2). Então, n = [Q( √ 2)(√ 3) : Q( 2)] > 1.
Como n ≤ 2 concluímos que n = 2. Assim, [Q( 2 + 3) : Q] = 2n = 4,
gr(p(x)) = 4 e p(x) = x4 −10x2 +1 e concluímos que x4 −10x2 +1 é irredutível
em Q[x].

Uma extensão K|F é algébrica se, e somente se, todo α∈K é algébrico
sobre F.

Exemplo 12. A extensão C | R é algébrica. De fato, se α = a + bi, com


a, b ∈ R, então (α − a)2 = −b2 , logo α2 − 2aα + b2 + a2 = 0. Então, α é
2 2 2
raiz de x − 2ax + b + a ∈ R[x].

Exemplo 13. A extensão R | Q não é algébrica, pois π é transcendente


sobre Q.

Proposição 3.4. Toda extensão nita é algébrica.


Demonstração Seja K | F uma extensão nita. Se α ∈ K, então F ⊂ F(α) ⊂
K e [F(α) : F] divide [K : F] < ∞, logo [F(α) : F] = n < ∞. Então, os elementos
1, α, . . . , αn de F(α) são linearmente dependentes sobre F, ou seja, existem
a0 , a1 , . . . , an , não todos nulos, tais que a0 + a1 α + · · · + an αn = 0, o que
mostra que α é algébrico sobre F. 2

Corolário 1. Seja K | F uma extensão nita. Então existem α1 , . . . , αn em


K algébricos sobre F, tais que K = F(α1 , . . . , αn ).

Demonstração Sejam n = [K : F] e {α1 , . . . , αn } ⊂ K uma base de K sobre


F. Então,

K = Fα1 + · · · + Fαn ⊂ F(α1 , . . . , αn ) ⊂ K,

logo K = F(α1 , . . . , αn ). Pela Proposição anterior, αj é algébrico sobre F,


para todo j = 1, . . . , n. 2

Problemas

3.1 Para cada α e F determine o polinômio mínimo de α sobre F, [F(α) : F]


e uma base de F(α) | F:
√ √
a) α = 3 + 3, F = Q; b) α = 3 + 3 , F = R;
√ √ √
c) α = 4 2 + 1, F = Q; d) α =
4
2 + 1, F = Q( 2);
p
3
√ p √
e) α = 2 + 2, F = Q; f) α = 2 + 2, F = Q;
Seção 3 Extensões do corpos 173

g) α = cos 2π 2π
5 + i sen 5 , F = Q.

3.2 Determine o polinômio mínimo de α = cos 2π 2π


p + i sen p sobre Q, onde
p é natural primo.

4
3.3 a) Mostre que 3 é algébrico sobre Q;
√  √
b) Mostre que K = Q 3 é um subcorpo de L = Q( 4 3);
√4

c) Mostre que L = K 3 ;
 √ 4
 √ 
d) Determine Q 3 :Q 3 .
3.4 Seja K = Q(ω), onde ω = cos 2π 2π
5 + i sen 5 .

a) Construa uma base de K | Q;


ω
b) Escreva como combinação linear dessa base.
1 + ω2

4
3.5 Seja K = Q(α), onde α= 3.
a) Mostre que {1, α, α2 , α3 } é uma base de K | Q;
α−1
b) Escreva como combinação linear da base do item an-
1 + α + 2α2 − 3α3
terior.
√  √ √ √ √
3.6 Seja K = Q i, 3 . Para cada α∈{ 3, i + 3, 2 + 3, i 3 },
a) determine o polinômio mínimo de α sobre Q;
b) determine para que valores de α temos K = Q(α).
√ √
Q 3 2 ∩ Q 2 = Q.
 
3.7 Mostre que

3.8 Sejam K|F uma extensão de corpos e α ∈ K. Denimos

F[α] = {f(α) ; f(x) ∈ F[x]}.

a) Mostre que F[α] é um subanel de K contendo F ∪ {α};


b) Mostre que se A é um subanel de K contendo F ∪ {α}, então F[α] ⊂ A;
c) Conclua que F[α] é o menor subanel de K contendo F ∪ {α};
d) Mostre que se α é algébrico sobre F, então F[α] = F(α).
3.9 Seja L uma extensão do corpo F. Mostre que se [L : F] é um número
primo, então todo corpo K com F ⊂ K ⊂ L satisfaz K = F ou K = L.
3.10 Seja K | F uma extensão de corpos de grau primo. Mostre que se
β ∈ K\F, então K = F(β).
174 Construções com régua e compasso Cap. 6
√ √  √ √ √
3.11 Seja K=Q 2, 5 . Prove que os elementos 1, 2, 5, 10, bem
√ √ √ √ √ √
como os elementos 1, 2 + 5, ( 2 + 5)2 , ( 2 + 5)3 formam uma base
de K | Q.
3.12 α ∈ C uma raiz do polinômio x3 − 3x + 3 e seja β = α2 − α.
Seja
Prove que Q(α) = Q(β) e determine o polinômio mínimo de β sobre Q.

3.13 Mostre que π não é um número algébrico.

4 Algebrização Final do Problema


Vamos sempre supor que z1 = 0
z2 = 1. Recordemos a noção de ponto
e
construtível da Seção 1. Um ponto z ∈ C é construtível com régua e com-
passo, se existir uma sequência de pontos z3 , . . . , zs de C, onde zs = z e cada
um dos zj , j ≥ 3, é obtido por meio de uma das construções fundamentais
envolvendo os pontos que lhe são anteriores na sequência.
Denotamos por C o conjunto dos pontos de C construtíveis com régua
e compasso a partir de S = {0, 1}. Como a soma, a diferença, o produto e
o quociente de dois números construtíveis é construtível, temos que C é um
corpo, que certamente contém Q.
A estratégia que se usa para mostrar a não construtibilidade de um ponto
z ∈ C é a seguinte: a partir do conhecimento dos possíveis graus dos elemen-
tos de C , mostrar que o grau de z é incompatível com esses.
Suponhamos que z foi obtido pela construção da sequência de pontos
z3 , . . . , zs = z. Como zj ∈ C , é claro que z̄j ∈ C . Vamos avaliar os graus das
extensões
Q(z3 , z̄3 ) | Q, Q(z3 , z̄3 , z4 , z̄4 ) | Q(z3 , z̄3 ), . . . ,

Q(z3 , z̄3 , . . . , zs , z̄s ) | Q(z3 , z̄3 , . . . , zs−1 , z̄s−1 ).


Para simplicar as notações, vamos pôr

Kj = Q(z2 , z̄2 , . . . , zj , z̄j ), j ≥ 2.

Note que K2 = Q e para j > 2, temos que Kj = Q(z3 , z̄3 , . . . , zj , z̄j ).

Proposição 4.1. Cada uma das extensões Kj | Kj−1 , j = 3, . . . , s, acima,


tem grau um, dois ou quatro.
Demonstração Fixemos um número natural j ≥ 3; e sejam w1 , w2 , w3 , w4
e w5 pontos de Kj−1 , com w1 6= w2 e w4 6= w5 .
Seção 4 Algebrização nal do problema 175

Recorde do Capítulo 2 (Equação (7)) que a equação da reta que passa


pelos pontos w1 e w2 em coordenadas z e z̄ de C, após multiplicação de
ambos os seus membros (−i), é dada por

(w̄1 − w̄2 ) z + (w2 − w1 ) z̄ + (w1 w̄2 − w̄1 w2 ) = 0


e do círculo de centro w3 e raio |w4 − w5 |, por

(z − w3 )(z̄ − w̄3 ) = (w4 − w5 )(w̄4 − w̄5 ).


Portanto, uma reta que passa por pontos de Kj−1 , e um círculo com centro
em um ponto de Kj−1 e raio igual à distância entre dois pontos de Kj−1 , têm
equações do tipo

az + bz̄ + c = 0 e zz̄ + dz + ez̄ + f = 0,


com a, b, c, d, e, f ∈ Kj−1 .
Consequentemente, o ponto de interseção de duas tais retas distintas é
solução de um sistema

az + bz̄ + c = 0
a 0 z + b 0 z̄ + c 0 = 0
onde a, b, c, a 0 , b 0 , c 0 ∈ Kj−1 . Este sistema tem uma única solução, que
calculada pela regra de Cramer, está claramente em Kj−1 , bem como a sua
conjugada. Portanto, se zj é esta solução, temos que [Kj : Kj−1 ] = 1.
Vejamos, agora, a interseção de dois círculos com centros e raios em Kj−1 .
Os pontos de interseção são soluções de um sistema

zz̄ + dz + ez̄ + f = 0
zz̄ + d 0 z + e 0 z̄ + f 0 = 0
onde d, e, f, d 0 , e 0 , f 0 ∈ Kj−1 . Subtraindo uma equação da outra, obtemos um
sistema
zz̄ + dz + ez̄ + f = 0
(1)
az + bz̄ + c = 0
com a, b, c, d, e, f ∈ Kj−1 , que é a interseção de um círculo com uma reta
ambas com coecientes em Kj−1 .
Portanto, substituindo z ou z̄ da segunda equação na primeira em (1),
vemos que se zj é um ponto de interseção de dois círculos ou de um círculo
e de uma reta, com coecientes em Kj−1 , então tanto zj quanto z̄j são raízes
de uma equação do segundo grau com coecientes em Kj−1 . Isto mostra que
[Kj−1 (zj ) : Kj−1 ] ≤ 2 e que [Kj−1 (z̄j ) : Kj−1 ] ≤ 2. Como Kj = Kj−1 (zj , z̄j ),
temos a seguinte torre de extensões:
176 Construções com régua e compasso Cap. 6

Kj = Kj−1 (zj , z̄j )


n
Kj−1 (zj )
m

Kj−1

Como z̄j é raiz de uma equação do segundo grau com coecientes em


Kj−1 , por mais forte razão ele é raiz de um polinômio de grau dois sobre
Kj−1 (zj ). Portanto,

[Kj : Kj−1 ] = [Kj : Kj−1 (zj )] [Kj−1 (zj ) : Kj−1 ] = nm,

com n≤2 e m ≤ 2, de onde segue o resultado. 2

Corolário 1. O grau [Ks : Q] da extensão Ks | Q é uma potência de 2.

Demonstração De fato, pela multiplicatividade dos graus em extensões de


corpos, temos que

[Ks : Q] = [Ks : Ks−1 ] [Ks−1 : Ks−2 ] · · · [K3 : Q].

O resultado segue agora da Proposição 4.1. 2

Teorema 4.1. Se z é um ponto construtível com régua e compasso, então z


é algébrico sobre Q e tem grau igual a uma potência de 2.

Demonstração De fato, se z é construtível, existem pontos z3 , . . . , z s = z


tais que cada zj é obtido por construções fundamentais a partir dos pontos
0, 1, z3 , . . . , zj−1 . Logo, z = zs ∈ Ks e, portanto, Q ⊂ Q(z) ⊂ Ks . Daí
[Q(z) : Q] divide [Ks : Q]. Em particular, [Q(z) : Q] é nito, logo z é
algébrico sobre Q. Pelo Corolário 1, segue-se que [Q(z) : Q] é uma potência
de 2. 2

A seguir, atacaremos os problemas clássicos relacionados com construti-


bilidade com régua e compasso, até aqui não resolvidos.
Seção 4 Algebrização nal do problema 177

Problema da não construtibilidade dos polígonos regulares


1) Polígonos de 7, 11, 13 e 19 lados.
As raízes primitivas p-ésimas da unidade, onde p é um número primo,
são raízes do polinômio irredutível

xp−1 + xp−2 + · · · + x + 1.

Como esse polinômio tem grau p − 1, que não é potência de 2, quando p=


7, 11, 13 ou 19, o Teorema 4.1 nos diz que essas raízes não são construtíveis
com régua e compasso.

Esse argumento é absolutamente geral e nos fornece o seguinte resultado:

Proposição 4.2 (Wantzel). Um polígono com um número primo p de lados


que não é primo de Fermat, não é construtível com régua e compasso.
Demonstração De fato, o polinômio mínimo sobre Q de uma raiz p-ésima
da unidade é
xp−1 + xp−2 + · · · + x + 1.
Portanto, pelo Teorema 4.1, temos que se p−1 não é uma potência de dois,
o polígono de p lados não é construtível com régua e compasso. Portanto,
se p não é um primo de Fermat, o polígono não é construtível.
2

Corolário 1. Se o número n de lados de um polígono regular for divisível


por um número primo diferente de 2 e que não é um primo de Fermat, então
o polígono não é construtível.
Demonstração De fato, seja p o número primo diferente de 2 e que não
é de Fermat que divide n, logo n = rp, o que em vista da Proposição 2.1,
implicaria que o polígono de p lados é construtível; contradição. 2
O que se pode dizer quando o número de lados n do polígono contiver
um quadrado na sua fatoração em fatores primos?

Proposição 4.3. Se p é um número primo maior do que 2, então o polígono


regular de pr lados, com r ≥ 2, não é construtível.
Demonstração Basta mostrar que o polígono de p2 lados não é construtível
2
(justique). Uma raiz p -ésima primitiva ζ da unidade é raiz do polinômio

2
xp − 1
= xp(p−1) + xp(p−2) + · · · + x2p + xp + 1,
xp − 1
178 Construções com régua e compasso Cap. 6

que sabemos ser irredutível em Q[x] (cf. Exemplo 13, Seção 5, Capítulo 4).
Logo o grau de ζ sobre Q é igual a p(p − 1), que não é uma potência de 2.2

Exemplo 1. O eneágono (polígono de nove lados) regular não é construtível


com régua e compasso.

Corolário 1. Um polígono regular de n lados não é construtível com régua e


compasso, se na fatoração de n em fatores primos tiver um primo diferente
de 2 elevado a uma potência maior do que 1.
Demonstração Isto é consequência da proposição acima. 2

Corolário 2 (Wantzel). Se um polígono regular de n lados é construtível


com régua e compasso, então n se decompõe como produto de uma potência
de 2 e de primos de Fermat distintos.
Demonstração Seja n = 2r p1 · · · ps ,
pk > 2, k = 1, . . . , s, a decompo-
com
sição de n em fatores primos. Se algum dos pk não for primo de Fermat, o
polígono de n lados não é construtível, pois, caso contrário, o polígono de pk
lados seria construtível, o que contradiz a Proposição 4.2. Se pk = pj , para
algum par de k e j distintos, o polígono de n lados não é construtível, pois,
2
caso contrário, o polígono de pk lados seria construtível, o que contradiz a
Proposição 4.3. 2

Problema da Duplicação do Cubo


Dada a aresta de um cubo, o problema consiste em construir, com régua
e compasso, a aresta de um cubo que tenha o dobro do volume do cubo cuja
aresta é dada.
Vamos supor que a aresta do cubo dado tenha 0
1 como extremidades.
e
Se a é a aresta procurada, devemos ter que a
3
= 2, logo a é raiz do polinômio
x3 − 2 que, pelo critério de Eisenstein, é irredutível em Q[x]. Portanto,
[Q(a) : Q] = 3 e, consequentemente, pelo Teorema 4.1, a não é construtível
com régua e compasso.

Problema da Trissecção de um Ângulo


Dado um ângulo θ, queremos trissectá-lo com régua e compasso.
Para colocar o problema dentro do contexto, supõe-se que um ângulo θ
seja determinado pelos pontos 1, 0 e z tal que |z| = 1 e z faz um ângulo θ com
Seção 4 Algebrização nal do problema 179

o eixo real. Para trissectar este ângulo é necessário e suciente construir um


ponto z1 tal que |z1 | = 1 e formando um ângulo
θ
3 com o eixo real.
Portanto, o nosso problema equivale a construir cos(θ/3) a partir de
cos(θ).
Pela fórmula de De Moivre, temos

3
cos(θ) + i sen(θ) = cos θ3 + i sen θ3 =

θ θ θ θ θ θ
cos3 + 3i cos2 sen2
     
3 3 sen 3 − 3 cos 3 3 − i sen 3 .

Tomando partes reais na fórmula acima, temos que

θ θ θ
cos(θ) = cos3 1 − cos2
  
3 − 3 cos 3 3 =

θ θ
4 cos3
 
3 − 3 cos 3 .

Portanto cos(θ/3) é raiz do polinômio 4x3 − 3x − cos θ.

Exemplo 2. Se θ = 60o , tem-se que cos θ = cos 60o = 12 . Sendo o polinômio


4x3 − 3x − cos θ = 4x3 − 3x − 21 irredutível em Q[x] (justique), cos θ/3 não
o
é construtível, logo, o ângulo de 60 não pode ser trissectado com régua e
compasso.

Note que já sabíamos, por outras vias, que o ângulo de 60o não é trissec-
tável com régua e compasso. De fato, a trissecção deste ângulo é equivalente
à construção do eneágono (cf. Problema 1.3), que sabemos não ser constru-
tível com régua e compasso. Portanto, o nosso critério não nos dá nada de
novo neste caso. O próximo exemplo nos fornecerá novos ângulos que não
podem ser trissectados.

Exemplo 3. Seja dado um ângulo θ tal que cos θ = qp , onde p e q são


números naturais primos entre si, com q > 1, ímpar e livre de cubos. Então,
θ
o ângulo
3 não é construtível com régua e compasso.
3 p
De fato, se θ fosse trissectável a equação 4x − 3x −
q = 0 teria uma
r
raiz racional, digamos x = , com mdc(r, s) = 1. Substituindo essa raiz na
s
equação, obtemos a relação

qt = ps3 , onde t = 4r3 − 3rs2 . (1)

β > 2 um número primo que divide q. Sendo mdc(p, q) = 1, temos


Seja
que mdc(p, β) = 1, então de (1) temos que β divide s3 , logo β3 divide s3 .
180 Construções com régua e compasso Cap. 6

Por outro lado, notemos que mdc(s, t) = mdc(s, 4r3 ). Sendo mdc(s, r) =
1, temos que mdc(s, t) é 1, 2 ou 4. Isto implica que β3 é primo com t, logo
β3 divide q, o que é um absurdo.
Em particular, ângulos θ cujos cossenos são da forma 1/β, onde β>2
é primo, nos fornecem innitos exemplos de ângulos não trissectáveis com
régua e compasso.

Problema da Quadratura do Círculo


Este é o mais famoso dos problemas de construção com régua e compasso
e se formula como se segue.

Dado um círculo de raio 1, construir com régua e compasso o lado de um


quadrado cuja área seja igual à área do círculo dado.

Seja a o lado do quadrado, logo a2 = π. Portanto a= π. Sucede que

π não é algébrico sobre Q (cf. Problema 3.13). Segue-se daí a impossibili-
dade de se resolver o problema da quadratura do círculo.

Problemas

4.1 São construtíveis com régua e compasso as raízes da equação x5 − 2x4 +


4x − 2 = 0 ?
4.2 Mostre que um ângulo θ é construtível com régua e compasso se, e
somente se, tg θ é construtível.

4.3 Mostre que é impossível dividir um ângulo de 100o ou de 200o em cinco


partes iguais.

4.4 Em cada caso, abaixo, determine se pode ou não ser trissectado o ângulo
θ tal que
1 9
a) cos θ = 4 b) cos θ = − 16 c) cos θ = − 32

4.5 Mostre que cos 2π 3 2 2π


7 é raiz de 8x + 4x − 4x − 1 = 0 e que 2 cos 7 é raiz
de x
3 + x2 − 2x − 1 = 0. Mostre com isto que o heptágono regular inscrito
numa circunferência de raio 1 não é construtível com régua e compasso.

π
4.6 Mostre que é possível trissectar um ângulo de
5 radianos. Pode o ângulo
π
de
7 ser trissectado?
4.7 Pode-se construir com régua e compasso as raízes de:

a) x96 − 1 = 0 ? b) x6 + x3 − 1 = 0 ?
Bibliograa
[1] C. S. Fernandes, A. Hefez - Introdução à Álgebra Linear. Coleção PROF-
MAT, SBM, 2012.

[2] C. F. Gauss - Disquisitiones Arithmeticae. Springer-Verlag, 1986.

[3] A. Hefez - Curso de Álgebra, Vol. I e Vol. II. Coleção Matemática


Universitária, IMPA, 2010 e 2012.

[4] A. Hefez - Elementos de Aritmética. Coleção Textos Universitários, SBM,


2006.

[5] S. Lang - Estruturas Algébricas. Ao Livro Técnico, 1972.

[6] E. L. Lima - Análise Real, Volume II. Coleção Matemática Universitária,


IMPA, 2004.

[7] J. B. Ripoll, C. C. Ripoll e J.F P. da Silveira - Números Racionais, Reais


e Complexos. Editora UFRGS.

[8] J. Stillwell - Elements of Algebra: geometry, numbers, equations. Springer-


Verlag, 1994.

181

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