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PROJETO HÍDRICO CEARENSE E SUAS (TRANS)FORMAÇÕES

TERRITORIAIS NO MUNICÍPIO DE JATÍ, CEARÁ

Jeremias Rocha Pereira 1

RESUMO

O já tão estudado e conhecido discurso da seca norteou o projeto hídrico do Nordeste


de forma geral, e do Ceará de forma particular. O central desta discussão é analisar como estes
projetos se encontram materializados e até em que medida essa materialização (trans)formou os
territórios em que estão inseridos, levando em consideração as particularidades de cada
território. Neste sentido vamos analisar o caso do município de Jatí, no Cariri cearense de forma
mais específica. Não queremos generalizar a ótica de análise das transformações territoriais de
um único município, mas entender a partir de uma escala menor como esses projetos se inserem
nos territórios atingidos e comparar à outras análises já realizadas em outras pesquisas. A base
de nossa pesquisa está nas teorias e obras de Milton Santos sobre o espaço geográfico,
globalização, produção do espaço geográfico e o seu entendimento de maneira geral sobre o
território, sua configuração, planejamento e os agentes presentes seja vertical ou
horizontalmente.Adotamos a dialética para nosso estudo como orientação da construção da
pesquisa por acreditarmos ser o mais adequado ao que nos propomos a fazer, analisar, comparar
e contrapor aspectos, ideias e contradições presentes no território e no contexto social. O início
e o desenrolar das obras marcaram profundamente o território de Jatí (re)organizando e
transformando seus aspectos sociais e ambientais de maneira direta e indireta.

Palavras-chave: Obras hídricas, Território, Água, (Trans)formações territoriais.

INTRODUÇÃO
Há mais de 30 anos a gestão hídrica faz parte do modelo político-econômico do
Estado do Ceará. Perpassando governos de vertentes políticas divergentes, esse projeto
hídrico acabou por tornar-se um projeto de Estado, não mais de governo. De forma mais
abrangente e institucionalizada esse projeto hídrico ganhou mais força a partir do ano de
1986, mas em governos anteriores a questão hídrica fez partes das políticas de gestão2.

1
Graduado em Geografia pela Universidade Regional do Cariri (URCA) e mestrando no
Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGE) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN).
2
O açude Cedro foi planejado por ordem de Dom Pedro II, teve sua construção iniciada em
1890; entre 1947 e 1951 o governador Faustino de Albuquerque e Sousa construiu mais de 200 açudes em
parceria com o DNOCS; entre 1963 e 1966, Virgílio de Moraes Fernandes Távora, investiu na ampliação
O já tão estudado e conhecido discurso da seca norteou o projeto hídrico do
Nordeste de forma geral, e do Ceará de forma particular. Articulações políticas tiveram
como base a premissa “combater à seca” e o planejamento e gestão foi articulado junto
a esta ideia.
O central desta discussão é analisar como estes projetos se encontram
materializados e até em que medida essa materialização (trans)formou os territórios em
que estão inseridos, levando em consideração as particularidades de cada território.
Neste sentido vamos analisar o caso do município de Jati, no Cariri cearense de forma
mais específica. Não queremos generalizar a ótica de análise das transformações
territoriais de um único município, mas entender a partir de uma escala menor como
esses projetos se inserem nos territórios atingidos e comparar à outras análises já
realizadas em outras pesquisas.
O projeto e a gestão hídrica cearense, tida como referência e uma das mais
modernas do país, foram pensados a partir de lógicas extraterritoriais. Sua dinâmica de
planejamento e execução atende à interesses exógenos que exercem influências sobre o
aparato político-econômico-produtivo. Sua materialização traz marcas e efeitos
contrastantes com o meio em que se inserem e modificam as dinâmicas sociais,
econômicas e ambientais dos territórios e povos afetados direta e indiretamente.
Em estudos anteriores, Brito (2016) abordou a ótica e a finalidade destas obras
hídricas. Nobre (2017) destacou os efeitos e os conflitos decorrentes do CAC na
comunidade do baixio dos Palmeiras, em Crato. Sousa (2019) refletiu sobre o projeto de
transposição do rio São Francisco e o agrohidronegócio no cariri. Saboya (2015),
trabalhou a gestão hídrica junto à transposição do rio São Francisco e o CAC no Ceará.
Neste trabalho destacaremos primeiramente o discurso que surgiu a partir da
seca de forma breve, em seguida abordaremos a temáticas dos projetos e sua gestão, e,
por fim, as transformações decorrentes da execução dos projetos hídricos no território
do Cariri cearense.

METODOLOGIA
A base de nossa pesquisa está nas teorias e obras de Milton Santos sobre o
espaço geográfico, globalização, produção do espaço geográfico e o seu entendimento

do sistema de água; entre 1975 e 1978, José Adauto Bezerra implementou o sistema de abastecimento
d’água Pacoti-Riachão-Gavião.
de maneira geral sobre o território, sua configuração, planejamento e os agentes
presentes seja vertical ou horizontalmente.
Adotamos a dialética para nosso estudo como orientação da construção da
pesquisa por acreditarmos ser o mais adequado ao que nos propomos a fazer, analisar,
comparar e contrapor aspectos, ideias e contradições presentes no território e no
contexto social. Gil (2008), diz que a “dialética fornece as bases para uma interpretação
dinâmica e totalizante da realidade”, já que ela coloca que os acontecimentos sociais
não podem ser interpretados se considerados isoladamente, sem considerar suas
influências. Pontuamos também, ainda segundo Gil (2008), que a dialética

“privilegia as mudanças qualitativas, opõe-se naturalmente a


qualquer modo de pensar em que a ordem quantitativa se torne norma.
Assim, as pesquisas fundamentadas no método dialético distinguem-se
bastante das pesquisas desenvolvidas segundo a ótica positivista, que enfatiza
os procedimentos quantitativos.” (GIL, 2008, p.14).

Nesta perspectiva Gadotti (1990) nos diz que a ideia central da dialética é que
“o sentido das coisas não está na consideração de sua individualidade, mas na sua
totalidade.” (GADOTTI, 1990, pág. 25).
O caráter dinâmico que as análises dialéticas trazem em seu desenvolvimento é
contra toda e qualquer análise rígida e dogmática. Enquanto prática e método a dialética
oferece vastas possibilidades através do contraditório para se buscar a unidade para que,
posteriormente, essa unidade seja contestada e algo novo venha a partir daí.
Como pontapé inicial realizamos um levantamento da bibliografia existente. A
pesquisa bibliográfica nos proporciono uma análise mais ampla a partir de um leque
mais amplo de material. Para Manzo apud Lakatos (2003), a bibliografia pertinente
"oferece meios para definir, resolver, não somente problemas já conhecidos, como
também explorar novas áreas onde os problemas não se cristalizaram suficientemente"
(MANZO apud LAKATOS, 2003, p.183).
Escolhemos esse modelo pela possibilidade de realizar um apanhado geral
sobre os principais trabalhos já realizados revestidos de importância e por serem capazes
de fornecer dados atuais e relevantes relacionados com o tema. O estudo da literatura
pertinente pode ajudar a planificação do trabalho, evitar publicações e certos erros, e
representa uma fonte indispensável de informações, podendo até orientar as indagações
Buscamos também informações, notícias e dados nos espaços digitais do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Instituto de Pesquisa e Estratégia
do Ceará (IPECE); Secretaria dos Recursos Hídricos (SOHIDRA); Companhia de
Gestão dos Recursos Hídricos (COGERH); Agência Nacional de Águas e Saneamento
Básico (ANA);
Analisamos a Política Estadual de Recursos Hídricos Lei n° 11.996/92, Política
Nacional de Recursos Hídricos Lei n° 9.433/97 e o Relatório de Impacto Ambiental
(RIMA).
Para a criação de nossos mapas utilizamos as ferramentas de mapeamento digital:
Google Earth Pro, Qgis (Versão 3.22.2), imagens de satélite na Divisão de Imagens do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

PROJETOS TERRITORIAIS NO CARIRI E A TEORIA DE MILTON SANTOS


Santos diz que é fundamental que sejam estudadas as interações entre esses
elementos, pois é “Através do estudo das interações, recuperamos a totalidade social,
isto é, o espaço como um todo e, igualmente, a sociedade como um todo. Pois cada ação
não constitui um dado independente, mas um resultado do próprio processo social”
(SANTOS, 1985, p. 18). Essas interações resultam em processos e formas
diferentes/divergentes que podem, ou ao menos precisam, ser estudadas e analisadas. É
importante também destacar que esses elementos mudam no tempo e no espaço.
As técnicas aparecem nesse interim também como variáveis, elas mudam sua
forma e são percebidas de maneiras diferentes através do tempo.

“Se, nominalmente, suas funções são as mesmas, a sua eficiência,


todavia, não é a mesma. Em função das técnicas utilizadas e dos diversos
componentes de capital mobilizados, pode-se falar de uma idade dos
elementos ou de uma idade das variáveis. Desse modo, cada variável teria
uma idade diferente. O seu grau de modernidade só pode ser aferido dentro
do sistema como um todo, seja do sistema local, em certos casos, seja do
sistema nacional, e ainda, para outros, do sistema internacional.” (SANTOS,
1985, p. 23)

Podemos perceber, neste sentido, que a evolução tanto das técnicas como do
capital ocorre de maneira diferente no tempo e no espaço. No lugar é onde se combinam
as variáveis técnicas e do capital, essa combinação resulta em estruturas específicas que
condicionam o corpo estrutural de funcionamento de onde estão/são inseridas.
Esses aspectos gerais formam um núcleo no qual os atores hegemónicos ganham
e constroem seu espaço (literalmente). O estado do Ceará se insere completamente nesta
ótica. Quando não possuem ferramentas necessárias, elas são criadas. Quando não
possuem apoio necessário, elas subornam o apoio a partir da esfera política de modo a
parecer que estão a contribuir com o “desenvolvimento”. Nisso, os territórios são
planejados e projetados para garantir o mínimo e possibilitar o máximo para esses
atores, para que construam seus modos e meios de multiplicar a mais valia.
Seriam os “espaços do mandar” e os “espaços do fazer/obedecer”, espaços
possíveis e criados a partir do suporte do meio técnico-científico-informacional. Nessa
linha, concordamos quando Santos afirma que “Vivemos num mundo onde já não temos
comando sobre as coisas, já que estão criadas e governadas de longe e são regidas por
imperativos distantes, estranhos.” (SANTOS, 1994, p.103)
Outro aspecto que merece destaque para nossa linha de pensamento e análise
territorial é o paralelo que Santos faz entre a história evolutiva dos seres humanos (no
sentindo das constantes mudanças) e sua relação com a natureza, ele diz que

“A história do homem sobre a Terra é a história de uma rotura


progressiva entre o homem e o entorno. Esse processo se acelera quando,
praticamente ao mesmo tempo, o homem se descobre como indivíduo e inicia
a mecanização do Planeta, armando-se de novos instrumentos para tentar
dominá-lo. A natureza artificializada marca uma grande mudança na história
humana da natureza. Hoje, com a tecnociência, alcançamos o estágio
supremo dessa evolução.” (SANTOS, 1994, p.17)

A artificialização nos marca e nos molda de maneira drástica, esta é produto e ao


mesmo tempo produtora do homem. Nós atualizamos constantemente nosso estágio de
evolução e com isso sempre vamos produzindo e materializando possibilidades de uma
materialização. É como se produzíssemos o material base para alcançar o próximo
estágio e continuássemos sempre neste ciclo vertical.
Concordamos com Santos quando diz que o homem se torna fator. Segundo
Santos,

“O homem se torna fator geológico, geomorfológico, climático e a


grande mudança vem do fato de que os cataclismos naturais são um
incidente, um momento, enquanto hoje a ação antrópica tem efeitos
continuados, e cumulativos, graças ao modelo da vida adotado pela
Humanidade. Daí vêm os graves problemas de relacionamento entre a atual
civilização material e a natureza. Assim, o problema do espaço ganha, nos
dias de hoje, uma dimensão que ele não havia obtido jamais antes. Em todos
os tempos, a problemática da base territorial da vida humana sempre
preocupou a sociedade. Mas nesta fase atual da história tais preocupações
redobraram, porque os problemas também se acumularam.” (SANTOS, 1994,
p. 17)

Aumentamos a capacidade e diversificamos as formas de agir como nunca.


Controlamos o tempo, afinal “o tempo se dá pelos homens”, e ao mesmo tempo
perdemos a conta das horas, ordenamos os espaços de forma organizada e isso traz (em
certa medida) mais desorganização que antes. Criamos superestruturas hídricas, rios
artificiais que (re)modelam e ressignificam o caminho natural das águas no estado do
Ceará em função do alienígena, do externo. Destacamos a atuação e o papel do Estado
no (re)desenhamento dos territórios com a finalidade de garantir e reforçar o modelo de
funcionamento econômico das grandes empresas.

A QUESTÃO HÍDRICA NO CEARÁ


Junto à essas iniciativas de âmbito federal, uma grande mudança política no
estado a partir das eleições de 1986 trouxe um novo quando que apresentava uma
ruptura política, principalmente no discurso, onde eles prometiam romper com os
governos políticos coronelistas. Segundo análise de Britto (2016); Saboia (2015); e
Malvezzi (2007), o projeto mudancista com o slogan de “Governo das Mudanças”,
encabeçado por lideranças industriais e jovens empresários acentuou os investimentos
em infraestruturas hídricas e encadeou um “novo” modelo de gestão de agenda liberal
no qual a água se insere ao mesmo tempo de forma convergente e divergente. Houve
uma maior dinamização quanto aos investimentos em obras de captação,
armazenamento, transposição, distribuição etc.

Em geral eles eram jovens, com idade entre 35 e 45 anos, tinham


formação universitária e tinham assumido cargos de direção em empresas que
pertenciam a suas respectivas famílias. Vale ressaltar que os grupos Jereissati
e J. Macedo, que atuam, respectivamente, no setor de shopping center e de
alimentos, eram classificados entre os 300 maiores do País, de acordo com a
Gazeta Mercantil. Som o comando dos novos líderes, o CIC transformou-se
em importante fórum de debate, e nele gestava a candidatura de um jovem
empresário ao governo do Ceará. (GONDIM, 2007, p. 414).

A política passa a ter um papel central quanto a gestão hídrica na medida em que
uma melhor e mais eficiente gestão seria basilar para o novo modelo econômico
adotado pelo estado a partir do fim da década de 80. A chegada de indústrias no estado e
principalmente na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), o aumento populacional e
principalmente a aposta na agricultura irrigada elevaram consideravelmente a demanda
por água. Nesta perspectiva, foi de fundamental importância – na medida em que a
demanda hídrica acrescia – aumentar a oferta de água por diferentes meios e a partir de
uma gestão mais eficiente. Os amplos investimentos em infraestruturas hidráulicas
ganham grande destaque a partir de programas de açudagem mais ambiciosos,
transposição de águas a partir de canais, adutoras, aquedutos e um maior controle
quanto ao uso surgiram com grande destaque e, ao longo dos anos, reflete nas práticas e
modelos econômicos adotados pelos diferentes governos até os dias atuais.
Um dos fatores que mais fortaleceram as políticas de caráter hídrico foram as
sucessões políticas que, mesmo utilizando-se de slogans diferentes, carregavam consigo
a mesma abordagem estrutural-econômica do “governo das mudanças”. Fato é que,
durante o primeiro governo de Tasso 1986-1990, o de Ciro Ferreira Gomes 1990-1994,
os dois mandatos seguintes de Tasso entre 1995-2002, a eleição de Lúcio Alcântara
2002-2006 e os governos de Cid Gomes e Camilo Santana 2006-2010 e 2014 –
atualmente, foram construídas inúmeras obras como açudes, eixos de integração de
bacias e instalados grandes perímetros irrigados no estado. A agricultura irrigada e, com
maior intensidade, a fruticultura irrigada foi e é um dos modelos de maior destaque na
(re)produção econômica cearense. Desenvolveu-se um agrohidronegócio de grande
força que comanda e concentra em grande parte a economia cearense de viés
exportador.
Esse novo modelo político/econômico ensejou grandes mudanças espaciais no
território cearense ao longo dos anos modificando, paralelamente, os aspectos históricos
e sociais do território e das territorialidades.

O legado desse tempo histórico foi a construção de 7 transposições hídricas e


153 açudes, com capacidade de armazenamento de 18 bilhões de m³ de água,
metade de todo o Nordeste. De posse de toda essa estrutura hídrica, o Ceará
inicia em 2013 a construção do CAC. (BRITO, 2016, p. 25)

As transformações/modificações, neste sentido, foram bastante agudas na


medida que novas dinâmicas foram (des)construídas e novos espaços foram
(des)organizados.
O “Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do
Nordeste Setentrional”, mais conhecido como transposição do rio São Francisco,
compreende, um dos maiores empreendimento do Brasil. Planejado por parte do
governo federal esse projeto tem como ponto central a transferência de água (como seu
nome diz) transferir água do Rio São Francisco para as bacias do Nordeste setentrional,
abrangendo áreas com de escassez hídrica. Ele não está inserido nesta ótica de
planejamento do Estado do Ceará por ser um projeto de âmbito federal, mas podemos
inseri-lo neste “sistema hídrico” por ser o ponto que norteia o planejamento desse novo
momento da fase moderna da gestão hídrica no Ceará.
As primeiras ideias de transpor as águas do São Francisco remontam ao período
colonial. Em síntese, segundo o seu RIMA, seu objetivo é

“[...] o de promover o equilíbrio de oportunidades do


desenvolvimento sustentável para a população residente na região semi-
árida, que está associado a oferta de água doce ‘para viver’, ou seja, para o
abastecimento humano no sentido mais amplo deste conceito, que consiste
em prover água como alimento ao corpo, para higiene pessoal e ambiental, e
para trabalhar e obter renda necessária a um padrão de vida digno e integrado
à sociedade.” (EIA/RIMA, p.222)

Ainda segundo EIA RIMA, O Eixo Norte é o maior em extensão territorial


compreendendo 402 Km de extensão de canais artificiais e onde passará a maior vazão
de captação (podendo chegar à vazão máxima de 99,0 m³/s). Sua integração com a
temática e estudo se dá pela área de captação e distribuição presente na cidade de Jati,
onde haverá a captação advinda de outro eixo e a distribuição para outros estados e para
o CAC.
O Cinturão das Águas do Ceará surge como o maior e mais ousado projeto no
qual quase que literalmente o CAC dará – quando o projeto estiver finalizado – uma
volta em todo o estado. O classificamos como um megaprojeto devido ao elevado custo
da obra, seu tamanho e as modificações que ele pode vir a causar. Segundo o RIMA do
projeto, o CAC prevê a construção de 1.300 km de canais, túneis e sifões a partir da
transposição das águas do rio São Francisco em seu eixo norte. A previsão do custo do
projeto é de R$ 9 bilhões, com conclusão estimada entre 10 e 15 anos. O objetivo geral
do CAC é garantir oferta de água para as 12 bacias hidrográficas do estado.
O CAC é considerado o grande projeto hídrico do Ceará, seu discurso gira em
torno do consumo e utilização da água para o consumo humano e a dessedentação
animal. Mas seu EIA/RIMA fala sobre outros objetivos, como:

[...] Fornecer oferta hídrica para projetos de irrigação, em especial os


com produção centrada no cultivo de frutíferas e outras culturas perenes,
durante os períodos de estiagens prolongadas; e por fim, promover o
desenvolvimento do turismo na região litorânea a oeste de Fortaleza através
da garantia de suprimento hídrico decorrente da implantação de uma grande
estrutura de adução praticamente paralela à linha da costa. (EIA/RIMA,
2010, p.11).

A prioridade de abastecimento segue a seguinte ordem: população, indústria,


turismo, dessedentação animal e agricultura irrigada. Os principais açudes do estado
receberão as águas para múltiplos usos garantindo a regularização das suas respectivas
vazões. (NOBRE, 2017)
O Trecho 1 (Jati - Cariús) possuirá 145,3 Km de extensão e vazão pré-estimada
de 30 m³/s. A água será captada inicialmente na barragem Jati, de onde ocorrerá
captação do eixo norte da transposição do rio São Francisco. Seu término será na
travessia do rio Cariús, (mapa 1). O custo do Trecho 1 será de R$ 1,6 bilhão. Este trecho
se dá do sentido Leste-Oeste (margeando a Chapada do Araripe) e recortará as bacias
hidrográficas do Salgado e Alto Jaguaribe. Sua edificação foi iniciada no final do ano de
2014 e a perspectiva de seu término era para meados de 2016, sendo dividida na
licitação em cinco lotes. Nosso campo de estudos compreenderá o município de Jati que
faz parte do trecho 1 das obras do CAC e do eixo norte da transposição do rio São
Francisco.

Mapa 1: trajeto do CAC e da transposição do rio São Francisco no cariri cearense. Fonte: IBGE
e COGERH, com adaptações de José Anderson de Sousa, 2018.
Queremos analisar a dimensão espacial que compreende essas grandes obras
perpassa pelas esferas sociais e ambientais. Sua magnitude modifica e (re)produz os
espaços e as relações com o mesmo direta e indiretamente. Conflitos sociais, espaciais e
ambientais acompanham o desenrolar destes projetos e suas marcas são sentidas no
tempo e no espaço.
Neste contexto é importante que discutamos os acontecimentos e os impactos
por ele gerados, mas também é de grande necessidade discutir os causados dessas
“novas” dinâmicas que transformam, (re)produzem, modificam e (des)organizam.
Ainda segundo Théry e Caron, (2020), os investimentos em projetos com essas
finalidades seguem lógicas lineares de produção, caraterizados pela falta de atenção à
renovação dos recursos naturais e às externalidades ecológicas da produção. Os custos
ambientais que representam enquanto os projetos vão sendo materializados são
largamente maiores. Eles se apresentam em todas as fases de construção e são bastante
diversos quanto a sua natureza e territórios atingidos. Também é preciso levar em
consideração a exploração intensiva a qual estão destinadas as águas que passarão por
esses canais e a exclusão/privação do seu uso pelos agentes atingidos. Segundo Nobre
(2017), o dinamismo econômico no Cariri

[...] já reflete em diversos problemas ambientais. A demanda por


água na região vem crescendo nos últimos anos e como o abastecimento é
feito principalmente com água subterrânea os aquíferos vêm apresentando
sinais de deficiência em sua recarga. Além disso, outros problemas como
desmatamento, poluição e ocupação irregular da encosta da Chapada do
Araripe se intensificaram nos últimos anos e podem se acentuar com a
chegada do CAC. (NOBRE, 2016, p. 113)

Compreender o comportamento das sociedades frente a essas mudanças, a


influência e a alteração/modificação no meio ambiente e a (des)construção de novas
relações socioespaciais é fundamental para que possamos entender noções de justiça
social e justiça ambiental e como o espaço é (re)construído e (re)produzido seguindo
lógicas extraterritoriais.

PROJETOS E INFRAESTRUTURAS HÍDRICAS DO CARIRI CEARENSE


Como observamos acima o Nordeste, de forma geral, e o Ceará, em particular,
vem sendo palcos de grandes e recorrentes transformações e mudanças territoriais no
que se refere a obras hídricas. Listamos abaixo alguns projetos de integração e seus
respectívos status:
Tabela 1: Eixos de Integração Construídos

Eixo de Fonte Fonte de Progr Vazão Extensão


Municípios Conclusão
Integração Hídrica Recursos ama (m³/s) (km)
Canal do Itaiçaba; Pa Rio
ESTADO; 6,00 102,00 1993
Trabalhador cajus; Jaguaribe
Açude
Canal Sítios PRO
Caucaia; Sítios ESTADO; 2,00 24,00 2001
Novos-Pecém URB;
Novos
Jaguaribara
ESTADO; PRO
Eixão Trecho ; Alto Açude
BIRD; B GERI 22,00 53,60 2004
I Santo; Mor Castanhão
NDES; RH;
ada Nova;
Morada ESTADO; PRO
Eixão Trecho Açude
Nova; Russ BIRD; B GERI 19,00 46,19 2008
II Castanhão
a NDES; RH;
Russas; Mo
ESTADO; PRO
Eixão Trecho rada Açude
BIRD; B GERI 19,00 66,30 2009
III Nova; Ocar Castanhão
NDES; RH;
a; Cascavel;
Cascavel; P
acajus; Hori
Eixão Trecho Açude ESTADO;
zonte; Itaiti PAC; 19,00 32,81 2012
IV Castanhão MI;
nga; Pacatu
ba;
Pacatuba;
Maracanaú;
Eixão Trecho Caucaia; S Açude ESTADO;
PAC; 9,00 57,60 2013
V ão Gonçalo Castanhão MI; PEF;
do
Amarante;
Fogareiro/Pir Quixeramo Açude PRO
ESTADO; 0,11 10,54 2005
abibu bim; Fogareiro ASIS;
Orós/Feiticeir Orós; Jagua Açude ESTADO;
1,72 18,27 2008
o ribe; Orós UNIÃO;
Pirangi/Lago Rio PRO
Beberibe; ESTADO; 0,17 12,00 2001
a do Uruaú Pirangi ASIS;
Total de Extensão (km): 423,31 | Total de Vazão (l/s): 98,00
Total de 10 Eixo(s)

Tabela 2: Eixos de Integração em Construção


Pro
Eixo de Fonte Fonte de Vazão Extensã Conclusão
Municípios gra
Integração Hídrica Recursos (m³/s) o (km) Prevista
ma
Cinturão das Jati; Brejo
PISF/Açu ESTADO/ PAC
Águas - Santo; Port 30,00 145,24
de Jati MI; ;
Trecho I eiras; Abaia
Pro
Eixo de Fonte Fonte de Vazão Extensã Conclusão
Municípios gra
Integração Hídrica Recursos (m³/s) o (km) Prevista
ma
(Jati-Cariús) ra; Missão
Velha; Barb
alha; Crato;
Nova
Olinda;
Total de Extensão (km): 145,24 | Total de Vazão (l/s): 30,00
Total de 1 Eixo(s)

Fonte: COGERH - Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Atlas dos Recursos Hídricos do Ceará)

Como podemos observar na tabela 1, ao todo em 20 anos (1993 a 2013), mais de


420 km de eixos foram construídos no total de 10 projetos, com vazão estimada de 98,
00 l/s. A tabela 2 apresnta apenas o trecho 1 do CAC, sem contar os outros trechos
previstos e as obras decorrentes da Transposição do Rio São Francisco. Nela
observamos uma extensão que abrenge mais de 1/3 em comparação com todos os outros
eixos construídos e uma vazão de l/s também na faixa de 1/3, mais uma vez, isso apenas
no trecho 1. As previsões gerais (tabela 3) do projeto apresentam uma dimensão muito
maior.
Tabela 3: Projeto completo do CAC

Fonte: SRH, apresentação do projeto, 2016


Nesta perspectiva, podemos observar crescentes e constantes transformações
territoriais que ao longo dos anos vem aconcetendo em decorrência do modelo de gestão
hídrica, político e econômico do estado.3 Acreditamos que esses territórios são
transformados para atender lógicas específicas e externas onde o agente central é o
capital na figura das grandes corporações. Santos (2001), fala em privatização do
território para designar essa relação entre empresas e Estado, na qual as empresas
direcionam e comandam o comportamento e as ações do poder público.

Na medida em que essas grandes empresas arrastam, na sua


lógica, outras empresas, industriais, agrícolas, e de serviçoes, e
também influenciam fortemente o comportamento do poder público
[...] indicando-lhes formas de ação subordinadas, não sera exagero
dizer que estamos diante de um verdadeiro comando da vida
econômica e social da dinâmica territorial por um número limitado de
empressas. [...]. (SANTOS, 2001, p.291)

Nesta ótica as empresas se relacionam de forma vertical e exercem os papeis de


poder e comando. Sua influência norteia o planejamento, a gestão e a execução de
políticas públicas em territórios nos quais elas são externas do ponto de vista relacional.
Seria o que Santos (2001) denomina de “exportação do território”. O município de Jatí4,
acreditamos, é inserido nesta lógica através da atação política hídrica do Estado do
Ceará.
No ano de 2007 as obras do PISF se iniciaram nos municípios de Penaforte e Jatí
em ritmos que variaram em períodos de construção intensa até a momentos de
paralização. Materias de jornais apontam que na fase de maior intensidade o trabalho na

3
Ao todo o Ceará possui um total de 247 açudes construídos com uma capacidade máxima de
armazenamento de 19.108.424.203 m³; em construção, 2 açudes em construção com uma previsão de
535.860.000 m³ de armazenamento e 27 açudes em planejamento, com capacidade prevista 1.662.621.000
m³ de armazenamento. Quanto as adutoras, o estado possuem um total de 130 totalmente construídas.
Com extensão 1.784,46 km com vazão de 4.807,41 l/s; existe também 1 adutora em construção com a
extensão de 19,61 km e uma vazão planejada de 29,71 l/s. 34 adutoras estão em fase de planejamento,
abrangendo uma extensão de 4.305,76 km e uma vazão prevista de 16.452,19 l/s.
4
Segundo o IBGE, Jatí é uma palavra de origem indígena que se refere a uma espécie de abelha
clara. Anteriormente denomidada Sítio Macapá, veio a ser criado como distrito em 1913, subordinado ao
município de Jardim. Apenas no ano de 1951 foi desmenbrado do município de Jardim e elevado a
categoria de município. Estimativas do IBGE apontam que sua população no ano de 2021 era de 8.150
pessoas, contando com um IDH de 0,651, área territorial de 368,359 km² e uma densidade demográfica de
21,21 hab/km². Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ce/jati/historico
construção durava 24h por dia. Em 2013 começam as obras do CAC, e aí acescenta-se
mais movimentos de trabalhadores, materiais e transformações aceleradas no território.
A partir das avaliações técnicas e estruturais do projeto do CAC no cariri
cearense foram propostas cinco alternativas (tabela 4) para viabilizar a transposição das
águas. Todas as alternativas são gravitarias, com exceção da alternativa A2, que
apresentava necessidade de bombeamento em determinado ponto.

Tabela 4: Estudo de viabilidade técnico-econômica e ambiental do trecho Jatí-Cariús do CAC –


Cinturão das Águas do Ceará. Fonte: Secretaria de Recursos Hídricos

Os principais fatores considerados pelas alternativas propostas foram: os danos a


fauna e flora, interferência em áreas de Unidade de Conservação, passagem por áreas
urbanizadas e danos aos patrimônios paleontológicos e arqueológicos.
Cada fator apresentou uma forma de pontuação considerando a escala de riscos
de baixo, médio, alto e muito alto. Segundo o score de pontuação a A5 (quadro 2) se
mostrou a mais viável apresentando os melhores fatores de avaliação em todos os
quesitos citados acima.
A A5 consiste tem como proposta a transposição no modelo gravitaria com
captação a partir de uma barragem e a construção de um sifão para travessia na cidade
de Crato.
Contudo, apesar de ser apresentada como a melhor alternativa, vale destacar que
muitos pontos de risco não foram inclusos nesta análise de viabilidade. Para citar
exemplos falaremos de alguns impactos ambientais diretos e indiretos, e sobre impactos
sociais.
Do ponto de vista ambiental destacamos a perca de qualidade da água,
vazamentos e sobre o lençol freático. O EIARIMA fala que
“Haverá ainda a renovação periódica de uma parcela do volume d'agua
armazenado na Barragem Jati, evitando a perda de sua qualidade. Em
contrapartida, caso ocorram vazamentos ao longo do percurso do sistema
adutor, haverá riscos de elevação do lençol freático a níveis indesejáveis,
bem como de salinização dos solos, principalmente, nas áreas de várzeas.”
EIA/RIMA, 2010, p.14.

A renovação periódica de água na Barragem de Jati parte de uma hipótese,


portanto, não pode ser considerada como algo certo. Essa depende de diversos fatores
ambientais e climáticos. Levando em consideração a situação atual de crise hídrica em
todo o país, é praticamente nula a possibilidade, dada a situação atual, de renovação do
volume de água. Quanto aos vazamentos queríamos destacar que já houve um
vazamento no ano de 2020, este que segundo os técnicos da obra não trouxeram risco de
fato para a população, mas que causou certa preocupação e agitação. Interessante sabe
que em entrevistas informais descobrimos que não houve nenhum treinamento de
evacuação caso ocorra algum vazamento seja na barragem seja no sistema adutor.
Outros dois aspectos que merecem destaque relacionado ainda a vazamentos é a
possibilidade de elevação dos níveis do lençol freático como também a contaminação
deste, e a salinização do solo. Nenhum destes aspectos foi considerado na análise de
viabilidade das obras.
O que é mais complexo em toda essa situação, e olhe que nem citamos todos os
possíveis impactos socioambientais, é quando observamos a compensação ambiental
das obras.

“No que se refere a compensação ambiental a ser requerida pela implantação


do Projeto do Trecho 1 (Jati-Carius) do CAC, está só terá seu valor definido
pelo órgão licenciador após a análise do presente Estudo de Impacto
Ambiental – EIA/RIMA. Tendo em vista, que o empreendimento será
implantado na região do Cariri cearense deverá ser analisada a priori a
possibilidade de aplicação dos recursos pertinentes a compensação ambiental
numa das unidades de conservação existentes nesta região, com destaque
para a unidade de conservação que terá seus territórios interceptados pelo
traçado do referido sistema adutor, no caso a APA da Chapada do Araripe.
Ressalta-se que, os recursos destinados a compensação ambiental, no caso
especifico da APA da Chapada do Araripe, devido a sua posse e domínio não
ser do poder público, só poderão ser aplicados no custeio das atividades
previstas no Art. 33 Parágrafo Único do Decreto no 4.340/2002, ou seja:
elaboração do Plano de Manejo ou nas atividades de proteção da unidade;
realização das pesquisas necessárias para o manejo da unidade, sendo vedada
a aquisição de bens e equipamentos permanentes; implantação de programas
de educação” EIA/RIMA, 2010, p.198.

O início das obras hídricas trouxeram marcantes mudanças no território do


município. Além das canalizações que concentram aproximadamente 100m ao todo,
contando a parte do canal e a área de suporte lateral foram criados campos de moradía
temporária, campos de extração de recursos e utilizadas grandes quantidades de água de
açudes das redondezas. Outro fator que merece desta é quanto ao consumo de energia
elétrica, esse que teve aumento significante ao longo do período das obras (tabela 5 e 6).

Tabela 5: Consumo de energia elétrica no município a partir do início das obras


CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA NO MUNICÍPIO DE JATÍ (2005 A 2016)
Ano Quantidade em (MWh) Ano Quantidade em (MWh)
2002 1.971 2003 2.512
2004 5.862 2005 2.674
2006 2.841 2007 2.960
2008 5.962 2009 3.168
2010 3.527 2011 8.809
2012 4.275 2013 4.828
2014 5.117 2015 5.504
2016 6.073 2017 5.828
2018 5.962 2019 8.368

Fazendo uma ligeira comparação com os anos anteriores ao início das obras
2002 a 2007 , percebemos um média de consumo de 3.136 kwh. Após o início das obras
no ano de 2007 consegiumos perceber um crescimento considerável no consumo
chegando a picos de mais de 8 mil kwh. A média de 2007 a 2019 é de 5.618 kwh.
Levando em consideração o tamanho da população do município, o consumo
residencial, os aspectos econômicos como o comércio e industrial percebemos uma alta
considerável e acima do padrão para a realidade do socioeconômica de Jatí. Outro fato
que reforça nossa ideia é que o período onde calculamos a primeira média corresponde
ao intervalo de 6 anos, e o segundo período corresponde a 12 anos. O consumo no
primeiro ano de início das obras 2007/2008 quase dobrou até chegar ao pico no ano de
2011. A partir daí o consumo se mantem em um média de 5 mil kwh alternando altas e
baixas.
O ano de 2020 marca o ano de chegada das águas à barragem através das
canalizações artificiais.
Tendo por parâmetro o ano de 2000, observamos um aumento populacional de
apenas 885, segundo dados do IBGE e IPECE. No primeiro ano base a população era
estimada em 7.265, no ano de 2010 era de 7.660 e em 2021 a estimativa era de uma
população de 8.150.
A tabela a seguir destaca a quantidade de consumidores de energia elétrica
segundo classes em um período de 2002 a 2009.

Tabela 6: Consumidoes de energia elétrica segundo classes


CONSUMIDORES ENERGIA ELÉTRICA SEGUNDO CLASSES (2002 A 2019)
Ano Residências Indústria Comércio Rural Público Total
2002 1.035 2 86 592 66 1.781
2003 4.224 16 291 1.142 125 5.798
2004 1.226 2 88 559 67 1.942
2005 1.306 2 88 566 68 2.030
2006 1.414 3 81 569 70 2.137
2007 1.432 2 88 632 73 2.227
2008 1.494 3 91 646 77 2.311
2009 1.567 2 92 665 76 2.402
2010 1.646 2 93 678 77 2.573
2011 1.678 2 91 713 76 2.560
2012 1.725 2 110 778 80 2.695
2013 1.796 2 109 912 81 2.901
2014 1.822 2 109 952 83 2.969
2015 1.835 2 116 1.041 84 3.079
2016 1.863 2 112 1.076 84 3.138
2017 1.956 2 113 1.106 87 3.265
2018 1.975 2 108 1.023 86 3.195
2019 1.912 2 104 995 78 3.092

A partir de 2007 observamos uma tendência de aumento no número total de


consumidores. Diversos fatores podem contribuir para tal, o mais simples seria
expansão da rede de transmissão e sua instalação em residências onde outrora não havia
energia elétrica. Comparando os números de consumo em Mwh e o aumento
populacional neste mesmo período de tempo, podemos observar um crescimento
desproporcional no consumo em detrimento no número de consumidores. A taxa de
crescimento populacional não chegou a mil nesse intervalor de tempo de 12 anos; no
número de consumidores houve um aumento de 1.038, já as taxas de consumo em Mwh
sofreram variações na ordem de mais de 6.000 mwh, tendo quase triplicado no período
de 2007 a 2011, mantendo a constante na ordem de mais de 5.000 mhw de média com
altas e baixas ao longo dos anos.
Essa variação, como já afirmamos acima, pode ter acontecido em decorrência do
aumento de novas ligações de energia elétrica em residências onde antes não havia, mas
levando em consideração o aumento populacional e o próprio aumento nos números de
novos consumidores, não há como atribuir esse aumento exclusivamente a esses fatores.
Acreditamos que a grande quantidade de trabalhadores chegando de outros municípios
para a construção da barragens e do canal artificial e a criação de alojamentos
temporários no trecho de Penaforte e Jatí sejam fatores que contribuem para essa conta.
Observamos a mesma dinâmica, de forma menos acentuada, no município de
Penaforte, crescimento populacional pequeno, aumento no número de novos
consumidores e aumento substancial no consumo de energia elétrica.
Para fazer uma comparação com municípios próximos e com dinâmicas
socioeconômicas parecidas a estes nós podemos observar que no município de Altaneira
os aspectos que discutimos acima aparecem em ordem igual: aumento populacional
pequeno, aumento no número de novos consumidores. O que difere dos dois primeiros
municípios é que o consumo de energia elétrica sofre uma variação de
aproximadamente 1.000 MWh ou seja, não aconteceram aqueles picos de mais de 8.000
MWh ou aumento considerável na média de consumo. A dinâmica se apresentou
proporcional nos três aspectos destacados.
Mesma coisa podemos observar no município de Araripe, também com perfil
parecido ao município de Jati e Penaforte. Barro e Jardim são dois exemplos de
municípios próximos onde o trecho das obras não passam e que seguem a mesma linha
dos outros citados, sem aumento desproporcional. Vale ressaltar ainda que Jati, após o
início e no decorrer das obras apresenta uma dinâmica de consumo de energia próxima a
de Barro, mesmo a cidade tendo uma população mais de duas vezes maior que a de Jati.
Por fim queremos destacar a ordem e a amplitde das transformações territóriais
ocasionadas pelas obras hídricas no município de Jatí (mapa 2).
Mapa 2: Localização do município de Jatí, CE, e obras hídricas.

Observamos a partir do mapa que a área da barragem é maior que a sede


municipal, chegando a mais de duas vezes seu tamanho. O trecho de construção que
destacamos compreende não apenas os canais artificiais, mas também as áreas laterais a
este e até que ponto as obras e seus efeitos se alargaram. Alguns pontos mais largos que
outros correspondem a trechos onde os trabalhadores e os maquinários usavam para se
locomover e adentrar as canais. Outros pontos mais largos correspondem a estradas
usadas para extração de materiais ou até a locomoção com eles como também
correspondem a alojamentos temporários ou campos de repouso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A globalização e seus condicionantes vão além da forma, é preciso refletir sobre
os conteúdos, entrar e buscar entender a intencionalidade e desvendar seus reais efeitos.
O território entra como cenário de fixos e fluxos, modificado à maneira dos agentes
externos e nas proporções necessárias para atender finalidades verticais. O processo
decisorio de transformação é externo e vertical, a transformação acontece no território e
nos lugares.
Ademais, observamos que a compensação ambiental do CAC será aplicada em
Unidade de Conservação do Cariri, ou seja, distantes dos territórios explicitados se
levando em consideração que apenas o município de Crato possui uma UC. Esta
questão é bastante complicada e deixa em aberto a necessidade de repensar esses pontos
de compensação. As marcas que ficam não se limitam apenas a aspectos materiais e
imediatos, diversos outros pontos a médio e longo prazo também devem ser levados em
consideração: empregos temporários; renovação de água da barragem e sua qualidade;
surgimento de práticas agrícolas em escalas variadas; infiltração incontrolável de água
no lençol freático podendo desestabilizar o mesmo; infiltração de água contaminada;
mudança abrupta na dinâmica social e econômica da cidade seja durante seja ao final
das obras.
O consumo de energia e as transformações territoriais em decorrência do
aumento no número de trabalhadores itinerantes e das obras de construção nos mostram
mesmo que em uma análise inicial como esses dois projetos marcaram decisivamente o
território desde dois municípios.
Listamos aqui apenas algumas, mas diversos outros fatores podem ser
destacados, no mais, fica para futuros estudos investigá-los e buscar compreendê-los.
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