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RESUMO
INTRODUÇÃO
Há mais de 30 anos a gestão hídrica faz parte do modelo político-econômico do
Estado do Ceará. Perpassando governos de vertentes políticas divergentes, esse projeto
hídrico acabou por tornar-se um projeto de Estado, não mais de governo. De forma mais
abrangente e institucionalizada esse projeto hídrico ganhou mais força a partir do ano de
1986, mas em governos anteriores a questão hídrica fez partes das políticas de gestão2.
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Graduado em Geografia pela Universidade Regional do Cariri (URCA) e mestrando no
Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGE) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN).
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O açude Cedro foi planejado por ordem de Dom Pedro II, teve sua construção iniciada em
1890; entre 1947 e 1951 o governador Faustino de Albuquerque e Sousa construiu mais de 200 açudes em
parceria com o DNOCS; entre 1963 e 1966, Virgílio de Moraes Fernandes Távora, investiu na ampliação
O já tão estudado e conhecido discurso da seca norteou o projeto hídrico do
Nordeste de forma geral, e do Ceará de forma particular. Articulações políticas tiveram
como base a premissa “combater à seca” e o planejamento e gestão foi articulado junto
a esta ideia.
O central desta discussão é analisar como estes projetos se encontram
materializados e até em que medida essa materialização (trans)formou os territórios em
que estão inseridos, levando em consideração as particularidades de cada território.
Neste sentido vamos analisar o caso do município de Jati, no Cariri cearense de forma
mais específica. Não queremos generalizar a ótica de análise das transformações
territoriais de um único município, mas entender a partir de uma escala menor como
esses projetos se inserem nos territórios atingidos e comparar à outras análises já
realizadas em outras pesquisas.
O projeto e a gestão hídrica cearense, tida como referência e uma das mais
modernas do país, foram pensados a partir de lógicas extraterritoriais. Sua dinâmica de
planejamento e execução atende à interesses exógenos que exercem influências sobre o
aparato político-econômico-produtivo. Sua materialização traz marcas e efeitos
contrastantes com o meio em que se inserem e modificam as dinâmicas sociais,
econômicas e ambientais dos territórios e povos afetados direta e indiretamente.
Em estudos anteriores, Brito (2016) abordou a ótica e a finalidade destas obras
hídricas. Nobre (2017) destacou os efeitos e os conflitos decorrentes do CAC na
comunidade do baixio dos Palmeiras, em Crato. Sousa (2019) refletiu sobre o projeto de
transposição do rio São Francisco e o agrohidronegócio no cariri. Saboya (2015),
trabalhou a gestão hídrica junto à transposição do rio São Francisco e o CAC no Ceará.
Neste trabalho destacaremos primeiramente o discurso que surgiu a partir da
seca de forma breve, em seguida abordaremos a temáticas dos projetos e sua gestão, e,
por fim, as transformações decorrentes da execução dos projetos hídricos no território
do Cariri cearense.
METODOLOGIA
A base de nossa pesquisa está nas teorias e obras de Milton Santos sobre o
espaço geográfico, globalização, produção do espaço geográfico e o seu entendimento
do sistema de água; entre 1975 e 1978, José Adauto Bezerra implementou o sistema de abastecimento
d’água Pacoti-Riachão-Gavião.
de maneira geral sobre o território, sua configuração, planejamento e os agentes
presentes seja vertical ou horizontalmente.
Adotamos a dialética para nosso estudo como orientação da construção da
pesquisa por acreditarmos ser o mais adequado ao que nos propomos a fazer, analisar,
comparar e contrapor aspectos, ideias e contradições presentes no território e no
contexto social. Gil (2008), diz que a “dialética fornece as bases para uma interpretação
dinâmica e totalizante da realidade”, já que ela coloca que os acontecimentos sociais
não podem ser interpretados se considerados isoladamente, sem considerar suas
influências. Pontuamos também, ainda segundo Gil (2008), que a dialética
Nesta perspectiva Gadotti (1990) nos diz que a ideia central da dialética é que
“o sentido das coisas não está na consideração de sua individualidade, mas na sua
totalidade.” (GADOTTI, 1990, pág. 25).
O caráter dinâmico que as análises dialéticas trazem em seu desenvolvimento é
contra toda e qualquer análise rígida e dogmática. Enquanto prática e método a dialética
oferece vastas possibilidades através do contraditório para se buscar a unidade para que,
posteriormente, essa unidade seja contestada e algo novo venha a partir daí.
Como pontapé inicial realizamos um levantamento da bibliografia existente. A
pesquisa bibliográfica nos proporciono uma análise mais ampla a partir de um leque
mais amplo de material. Para Manzo apud Lakatos (2003), a bibliografia pertinente
"oferece meios para definir, resolver, não somente problemas já conhecidos, como
também explorar novas áreas onde os problemas não se cristalizaram suficientemente"
(MANZO apud LAKATOS, 2003, p.183).
Escolhemos esse modelo pela possibilidade de realizar um apanhado geral
sobre os principais trabalhos já realizados revestidos de importância e por serem capazes
de fornecer dados atuais e relevantes relacionados com o tema. O estudo da literatura
pertinente pode ajudar a planificação do trabalho, evitar publicações e certos erros, e
representa uma fonte indispensável de informações, podendo até orientar as indagações
Buscamos também informações, notícias e dados nos espaços digitais do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Instituto de Pesquisa e Estratégia
do Ceará (IPECE); Secretaria dos Recursos Hídricos (SOHIDRA); Companhia de
Gestão dos Recursos Hídricos (COGERH); Agência Nacional de Águas e Saneamento
Básico (ANA);
Analisamos a Política Estadual de Recursos Hídricos Lei n° 11.996/92, Política
Nacional de Recursos Hídricos Lei n° 9.433/97 e o Relatório de Impacto Ambiental
(RIMA).
Para a criação de nossos mapas utilizamos as ferramentas de mapeamento digital:
Google Earth Pro, Qgis (Versão 3.22.2), imagens de satélite na Divisão de Imagens do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Podemos perceber, neste sentido, que a evolução tanto das técnicas como do
capital ocorre de maneira diferente no tempo e no espaço. No lugar é onde se combinam
as variáveis técnicas e do capital, essa combinação resulta em estruturas específicas que
condicionam o corpo estrutural de funcionamento de onde estão/são inseridas.
Esses aspectos gerais formam um núcleo no qual os atores hegemónicos ganham
e constroem seu espaço (literalmente). O estado do Ceará se insere completamente nesta
ótica. Quando não possuem ferramentas necessárias, elas são criadas. Quando não
possuem apoio necessário, elas subornam o apoio a partir da esfera política de modo a
parecer que estão a contribuir com o “desenvolvimento”. Nisso, os territórios são
planejados e projetados para garantir o mínimo e possibilitar o máximo para esses
atores, para que construam seus modos e meios de multiplicar a mais valia.
Seriam os “espaços do mandar” e os “espaços do fazer/obedecer”, espaços
possíveis e criados a partir do suporte do meio técnico-científico-informacional. Nessa
linha, concordamos quando Santos afirma que “Vivemos num mundo onde já não temos
comando sobre as coisas, já que estão criadas e governadas de longe e são regidas por
imperativos distantes, estranhos.” (SANTOS, 1994, p.103)
Outro aspecto que merece destaque para nossa linha de pensamento e análise
territorial é o paralelo que Santos faz entre a história evolutiva dos seres humanos (no
sentindo das constantes mudanças) e sua relação com a natureza, ele diz que
A política passa a ter um papel central quanto a gestão hídrica na medida em que
uma melhor e mais eficiente gestão seria basilar para o novo modelo econômico
adotado pelo estado a partir do fim da década de 80. A chegada de indústrias no estado e
principalmente na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), o aumento populacional e
principalmente a aposta na agricultura irrigada elevaram consideravelmente a demanda
por água. Nesta perspectiva, foi de fundamental importância – na medida em que a
demanda hídrica acrescia – aumentar a oferta de água por diferentes meios e a partir de
uma gestão mais eficiente. Os amplos investimentos em infraestruturas hidráulicas
ganham grande destaque a partir de programas de açudagem mais ambiciosos,
transposição de águas a partir de canais, adutoras, aquedutos e um maior controle
quanto ao uso surgiram com grande destaque e, ao longo dos anos, reflete nas práticas e
modelos econômicos adotados pelos diferentes governos até os dias atuais.
Um dos fatores que mais fortaleceram as políticas de caráter hídrico foram as
sucessões políticas que, mesmo utilizando-se de slogans diferentes, carregavam consigo
a mesma abordagem estrutural-econômica do “governo das mudanças”. Fato é que,
durante o primeiro governo de Tasso 1986-1990, o de Ciro Ferreira Gomes 1990-1994,
os dois mandatos seguintes de Tasso entre 1995-2002, a eleição de Lúcio Alcântara
2002-2006 e os governos de Cid Gomes e Camilo Santana 2006-2010 e 2014 –
atualmente, foram construídas inúmeras obras como açudes, eixos de integração de
bacias e instalados grandes perímetros irrigados no estado. A agricultura irrigada e, com
maior intensidade, a fruticultura irrigada foi e é um dos modelos de maior destaque na
(re)produção econômica cearense. Desenvolveu-se um agrohidronegócio de grande
força que comanda e concentra em grande parte a economia cearense de viés
exportador.
Esse novo modelo político/econômico ensejou grandes mudanças espaciais no
território cearense ao longo dos anos modificando, paralelamente, os aspectos históricos
e sociais do território e das territorialidades.
Mapa 1: trajeto do CAC e da transposição do rio São Francisco no cariri cearense. Fonte: IBGE
e COGERH, com adaptações de José Anderson de Sousa, 2018.
Queremos analisar a dimensão espacial que compreende essas grandes obras
perpassa pelas esferas sociais e ambientais. Sua magnitude modifica e (re)produz os
espaços e as relações com o mesmo direta e indiretamente. Conflitos sociais, espaciais e
ambientais acompanham o desenrolar destes projetos e suas marcas são sentidas no
tempo e no espaço.
Neste contexto é importante que discutamos os acontecimentos e os impactos
por ele gerados, mas também é de grande necessidade discutir os causados dessas
“novas” dinâmicas que transformam, (re)produzem, modificam e (des)organizam.
Ainda segundo Théry e Caron, (2020), os investimentos em projetos com essas
finalidades seguem lógicas lineares de produção, caraterizados pela falta de atenção à
renovação dos recursos naturais e às externalidades ecológicas da produção. Os custos
ambientais que representam enquanto os projetos vão sendo materializados são
largamente maiores. Eles se apresentam em todas as fases de construção e são bastante
diversos quanto a sua natureza e territórios atingidos. Também é preciso levar em
consideração a exploração intensiva a qual estão destinadas as águas que passarão por
esses canais e a exclusão/privação do seu uso pelos agentes atingidos. Segundo Nobre
(2017), o dinamismo econômico no Cariri
Fonte: COGERH - Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Atlas dos Recursos Hídricos do Ceará)
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Ao todo o Ceará possui um total de 247 açudes construídos com uma capacidade máxima de
armazenamento de 19.108.424.203 m³; em construção, 2 açudes em construção com uma previsão de
535.860.000 m³ de armazenamento e 27 açudes em planejamento, com capacidade prevista 1.662.621.000
m³ de armazenamento. Quanto as adutoras, o estado possuem um total de 130 totalmente construídas.
Com extensão 1.784,46 km com vazão de 4.807,41 l/s; existe também 1 adutora em construção com a
extensão de 19,61 km e uma vazão planejada de 29,71 l/s. 34 adutoras estão em fase de planejamento,
abrangendo uma extensão de 4.305,76 km e uma vazão prevista de 16.452,19 l/s.
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Segundo o IBGE, Jatí é uma palavra de origem indígena que se refere a uma espécie de abelha
clara. Anteriormente denomidada Sítio Macapá, veio a ser criado como distrito em 1913, subordinado ao
município de Jardim. Apenas no ano de 1951 foi desmenbrado do município de Jardim e elevado a
categoria de município. Estimativas do IBGE apontam que sua população no ano de 2021 era de 8.150
pessoas, contando com um IDH de 0,651, área territorial de 368,359 km² e uma densidade demográfica de
21,21 hab/km². Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ce/jati/historico
construção durava 24h por dia. Em 2013 começam as obras do CAC, e aí acescenta-se
mais movimentos de trabalhadores, materiais e transformações aceleradas no território.
A partir das avaliações técnicas e estruturais do projeto do CAC no cariri
cearense foram propostas cinco alternativas (tabela 4) para viabilizar a transposição das
águas. Todas as alternativas são gravitarias, com exceção da alternativa A2, que
apresentava necessidade de bombeamento em determinado ponto.
Fazendo uma ligeira comparação com os anos anteriores ao início das obras
2002 a 2007 , percebemos um média de consumo de 3.136 kwh. Após o início das obras
no ano de 2007 consegiumos perceber um crescimento considerável no consumo
chegando a picos de mais de 8 mil kwh. A média de 2007 a 2019 é de 5.618 kwh.
Levando em consideração o tamanho da população do município, o consumo
residencial, os aspectos econômicos como o comércio e industrial percebemos uma alta
considerável e acima do padrão para a realidade do socioeconômica de Jatí. Outro fato
que reforça nossa ideia é que o período onde calculamos a primeira média corresponde
ao intervalo de 6 anos, e o segundo período corresponde a 12 anos. O consumo no
primeiro ano de início das obras 2007/2008 quase dobrou até chegar ao pico no ano de
2011. A partir daí o consumo se mantem em um média de 5 mil kwh alternando altas e
baixas.
O ano de 2020 marca o ano de chegada das águas à barragem através das
canalizações artificiais.
Tendo por parâmetro o ano de 2000, observamos um aumento populacional de
apenas 885, segundo dados do IBGE e IPECE. No primeiro ano base a população era
estimada em 7.265, no ano de 2010 era de 7.660 e em 2021 a estimativa era de uma
população de 8.150.
A tabela a seguir destaca a quantidade de consumidores de energia elétrica
segundo classes em um período de 2002 a 2009.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A globalização e seus condicionantes vão além da forma, é preciso refletir sobre
os conteúdos, entrar e buscar entender a intencionalidade e desvendar seus reais efeitos.
O território entra como cenário de fixos e fluxos, modificado à maneira dos agentes
externos e nas proporções necessárias para atender finalidades verticais. O processo
decisorio de transformação é externo e vertical, a transformação acontece no território e
nos lugares.
Ademais, observamos que a compensação ambiental do CAC será aplicada em
Unidade de Conservação do Cariri, ou seja, distantes dos territórios explicitados se
levando em consideração que apenas o município de Crato possui uma UC. Esta
questão é bastante complicada e deixa em aberto a necessidade de repensar esses pontos
de compensação. As marcas que ficam não se limitam apenas a aspectos materiais e
imediatos, diversos outros pontos a médio e longo prazo também devem ser levados em
consideração: empregos temporários; renovação de água da barragem e sua qualidade;
surgimento de práticas agrícolas em escalas variadas; infiltração incontrolável de água
no lençol freático podendo desestabilizar o mesmo; infiltração de água contaminada;
mudança abrupta na dinâmica social e econômica da cidade seja durante seja ao final
das obras.
O consumo de energia e as transformações territoriais em decorrência do
aumento no número de trabalhadores itinerantes e das obras de construção nos mostram
mesmo que em uma análise inicial como esses dois projetos marcaram decisivamente o
território desde dois municípios.
Listamos aqui apenas algumas, mas diversos outros fatores podem ser
destacados, no mais, fica para futuros estudos investigá-los e buscar compreendê-los.
REFERÊNCIAS
AMARAL, F. J. Reformas estruturais e economia política dos recursos hídricos no
Ceará. Fortaleza: IPECE, 2003.
MALVEZZI, R. Conflitos por água nos últimos 10 anos. Conflitos no Campo – Brasil
2014. CPT Nacional, Goiânia, 2014.
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. - 6. ed. - São Paulo:
Atlas, 2008.