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VI N C UL O S E RUP TURA S: D O A B RI G O À
FA M Í L I A A D O T I VA – C Y N T H I A P E I T E R
O CASO JOANA
• Joana – 3 anos de idade – viviam num serviços de acolhimento desde a alta hospitalar – mãe
deixou-a. Foi disponibilidade para adoção com 2 anos, pretendentes a visitaram, mas evitava o
contato, chorava muito e ficava arredia.
• Encaminhada a atendimento psicológico.
• Primeiras sessões, menina fica calada, distante, aproximando-se da porta, chora “tal como
animalzinho acuado, que se finge de morto como recurso para defender-se de um perigo
extremo”. Segue alguns encontros tentando ignorar a terapeuta, esta faz brincadeiras, fala com
uma boneca e aguarda a curiosidade de Joana.
• Passa a entrar na sala, brincar com os materiais, mas não responde. Narra o que faz ou o que
deseja fazer. Eventualmente chora, mas menor frequência. Educadora levou às sessões lenços de
papel, que passaram a ocupar a brincadeira. Retirava os lenços da caixa e tentava recoloca-los na
embalagem.
O CASO JOANA
• “os lenços saíram da casinha e não conseguem voltar, talvez temesse sair de sua casa, ficar
perdida e não voltar mais”, a partir daí as sessões envolviam a construção de envelopes para
guardar os lencinhos e, depois, de bolsinhas.
• Um invólucro que envolvesse e revestisse Joana de uma membrana capaz de contenção e de
garantias de integração do self, ameaçada nas fortes angústias vividas.
• A partir da angústia demonstrada, podemos supor o grau de terror vivido por Joana perante a
ideia de colocação em família substituta.A adoção significava mais abandono que acolhimento.
O CASO JOANA
• Winnicott vai olhar para essa situação em crianças pequenas, afirmando que, ainda sem uma
organização psíquica capaz de elaborar a perda e viver o luto a perda do objeto pode ser vivida
como a perda de toda capacidade criativa do individuo. É sentida como algo catastrófico, um
trauma psíquico caracterizado por uma desilusão prematura e sentido, pelo bebê, como perda de
significado.
ABANDONO, DESAMPARO E ADOÇÃO
• Defesas:
• Identificação inconsciente com a imago da mãe ausente – a “mãe morta” – com a finalidade de
continuar a possuir o objeto - identificação com o vazio objetal ou identificação negativa. De
modo que este lugar fica ocupado por um vazio, impedindo a realização de novos investimentos
afetivos ou implicando em dores a cada investimento positivo no relacionamento com os outros.
POSSIBILIDADES RECONSTRUTIVAS
NA CLINICA
• Ozoux-Teffaine: Elaboração do luto da “mãe morta” – “a criança há de elaborar o luto em
relação às imagos parentais originárias e reconstruí-las na relação com os novos pais e isso
somente será possível se houver oportunidade de contemplar os sentimentos de abandono e
suas sequelas, até que se possa emergir o que se chama de “apetite de filiação””.
• “Mais tarde, havendo colocado em jogo suas angústias e podendo expressar a agressividade
despertada por vínculos instáveis e traumáticos emerge a busca de um modo de restauração
que fica metaforizado na reconstrução de sua caixa, que sofre uma verdadeira reforma... Nova
pintura... Nova cor... Parece procurar apagar sua história pregressa, sentida como algo
agudamente dolorosa... Paralelamente, vai se vinculando e se ligando à nova mãe.”
DESDOBRAMENTOS CLÍNICOS
• Caso Mariana – 5 anos de idade, em estágio de convivência com um casal.
• Os encontros são marcados pela necessidade de elaboração de imagos maternas em curiosos e
insistentes jogos de “mamãe-filhinha”. Ela cria, propõe, pergunta sobre sua história e origem,
procurando compreender sua trajetória de vida.
• Pergunta:“você vai ser uma mãe boazinha e eu serei uma menina malcriada e desobediente?” –
estuda a hipótese de ter sido ela a causadora das separações.
• “Em outro momento, ela é a mãe que se mostra amável e doce, oferecendo-me sedutoras
guloseimas. Quando as provo, ela sadicamente me avisa que são venenos! E me mostra sua
confusão sobre a confiabilidade daquilo que recebe das pessoas que deveriam cuidar dela. O que
é cuidado materno, afinal de contas?”
DESDOBRAMENTOS CLÍNICOS
• “Havia um constante temos de entregar-se ao vínculo novo – na intensa dúvida sobre verdades e
mentiras revela-se o temor de uma decepção. Encontra a conhecida defesa através da qual
constrói a máscara da menininha cordata e obediente e também “de mentira”. Mas seria tudo
um grande fingimento ou dessa vez se tornaria uma filha verdadeira da nova família? Falso e
verdadeiro ficam muito confusos.”
• “Colocar em jogo tais temores os tornam menos assustadores e permitem que conversemos
sobre as fantasias. Esse trânsito entre os personagens assustadores lhe permite também olhar
para dentro e fora de si, compreendendo e diferenciando melhor as suas fantasias e os novos
personagens de sua vida.Aos poucos os novos objetos maternos podem ser introjetados, vão
surgindo possibilidades de transformação nas imagos terroríficas que a habitavam e uma espécie
de narrativa mais palatável para a imago da mãe cruel”.
DESDOBRAMENTOS CLÍNICOS
• Caso Marcos – 6 anos de idade em estágio de convivência com nova família após circular
diversas vezes entre abrigo e família, também duvida da permanência de seus novos vínculos na
recente família adotiva.
• Narrativa:“curioso e interessados por piratas, quer me explicar porque esse personagem é o
que é: seu olho de vidro e perna de pau são frutos de longa jornada em que os piratas não têm
residência fixa, viajam pelos mares em comida nem dinheiro, e não há outra saída senão os
saques, diz ele justificando seus episódios de violência e fúria. Nessas lutas por sobrevivência eles
eventualmente perdem partes de si mesmos, um olho daqui, uma perna dali, mas não são
essencialmente maus.”
• “Dessa forma, vai encontrando teorias explicativas para seu percurso de instabilidade ambiental
e de rupturas, podendo encontrar excelentes representações metafóricas para suas angústias e
saídas compreensíveis sobre sua história”
DESDOBRAMENTOS CLÍNICOS
• “A chegada da criança na família adotiva é descrita como um momento idílico, em que ocorre a
busca pelo contato corporal e o desejo de um recomeço. Entretanto, como salienta Teffaine
subjacentes a esse desejo encontram-se traços psíquicos ligados a experiências de rompimentos,
dificultando as novas ligações.Tais sentimentos podem emergir nos novos vínculos ou
permanecerem de alguma forma escondidos, protegidos por um recurso defensivo.”
• Processo de luto: proporcionar espaço para que a criança entre em contato com sua história
de vida, desde o acolhimento institucional, motivos da destituição, desvinculação com a família de
origem. Pontuam que “há situações m que o luto revela-se impossível, com grande lealdade da
criança à mãe biológica ou à família de origem, devendo ser buscadas outras alternativas”.
• Trabalho com as representações: criança estimulada a expressar suas representações de
família e ajudada a articular suas expectativas em torno de três temas: os objetos (quarto,
brinquedos), lugar (casa, pais) e as pessoas (alguém que cuide quando estiver doente...).
A PRÁTICA DE PREPARAÇÃO DE
CRIANÇAS PARA ADOÇÃO
• Matching ou Enlace: realiza-se um trabalho com a criança e paralelamente com os candidatos
a pais – perfil da criança e perfil dos pretendentes para a vinculação.
• “A construção do psiquismo humano deve passar, em algum momento, por um tipo de inserção
narcísica da criança diante dos olhares paterno e materno.” Difícil interjogo entre o que esperam
os pais e o que necessita a criança: os pais devem apropriar-se narcisicamente do filho, mas
também permitir sua existência singular, como outro separado e individualizado.
ADOÇÃO DE CRIANÇAS MAIORES
• Na adoção de crianças maiores, requer ajudar a criança na organização do self que inclua sua
pré-história pessoal e seu próprio self em processo de construção.
• Estabelecer uma ilusão primordial e inicial, mas também é preciso sustentar a outra importante
etapa que é da desilusão. Lutos por parte da criança e dos pais, que exigem da capacidade dos
adultos de lidarem com suas próprias perdas narcísicas.
• “A forma como os pais lidam com a história da criança, o que lhe falam ou não falam a respeito,
ou ainda o que dizem não verbalmente, pode trazer significados ao vivido pela criança, alimentar
certas fantasias ou desfazer outras, mas certamente traz importantes ressonâncias na construção
de sua subjetividade.A fala dos pais sobre a história da criança adotiva tem função essencial na
possibilidade de elaboração das situações traumáticas”.
REVELAR E ELABORAR
• Gilbert – método do relato – história construída junto com os pais que deve mencionar a
presença de um casal que gerou um bebê, a impossibilidade dessa mulher de cuidar do bebê e
seu movimento em busca de quem dele se ocupasse, a tristeza dos pais adotivos pelas
dificuldades em ter o filho biológico e sua trajetória na busca pela adoção, o prazer do encontro
capaz de trazer-lhes felicidade e termina com “esta é uma história que começa triste e que
termina bem, porque estamos todos juntos e podemos conversar sobre essas coisas, se você
quiser nos perguntar algo...”
• Peiter concorda e reitera a sugestão desses álbuns narrativos: pode ser um tipo de registro de
uma história que traz informações significativas para o preenchimento de lacunas de um passado,
cuja historicização se faz necessária; pode funcionar como um recurso para oferecer elementos
instigadores da curiosidade e permitir a investigação sobre as origens; pode portar a importante
função de convidar os próprios pais a esse processo elaborativo de sua condição de
parentalidade, reconstruindo e recontando o percurso individual e do casal.
• “A capacidade dos pais de ajudar seu filho na superação de seus lutos está diretamente ligada à
possibilidade narrativa da própria condição de pais adotivos” – o integrar passado, presente e
futuro – instalação de sentido e significados ao vivido
QUESTÃO - 2017
• Uma criança passou por um longo período de privação ambiental após o qual foi adotada por
um casal.A criança em pouco tempo apresentou uma resposta positiva ao novo ambiente, mas
depois começou a atacar os pais adotivos. Para Donald W.Winnicott (2012), essa evolução indica
que a criança:
• A. está adquirindo mais confiança e começando a sentir e a exprimir a raiva associada ao
fracasso do lar original
• B. não é capaz de amar e estabelecer vínculos afetivos duradouros, dada a severidade da
privação sofrida
• C. sente-se ameaçada pelos pais adotivos porque projetou neles a raiva inconsciente que nutre
pelas boas experiências perdidas
• D. está testando o amor do pais adotivos, de modo a se reassegurar de que são suficientemente
bons
• E. adota condutas que promovem a profecia autorrealizadora do abandono, dada a insegurança
de que possa vir a ser amada.
Resposta: A