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ADOÇÃO

VI N C UL O S E RUP TURA S: D O A B RI G O À
FA M Í L I A A D O T I VA – C Y N T H I A P E I T E R
O CASO JOANA
• Joana – 3 anos de idade – viviam num serviços de acolhimento desde a alta hospitalar – mãe
deixou-a. Foi disponibilidade para adoção com 2 anos, pretendentes a visitaram, mas evitava o
contato, chorava muito e ficava arredia.
• Encaminhada a atendimento psicológico.
• Primeiras sessões, menina fica calada, distante, aproximando-se da porta, chora “tal como
animalzinho acuado, que se finge de morto como recurso para defender-se de um perigo
extremo”. Segue alguns encontros tentando ignorar a terapeuta, esta faz brincadeiras, fala com
uma boneca e aguarda a curiosidade de Joana.
• Passa a entrar na sala, brincar com os materiais, mas não responde. Narra o que faz ou o que
deseja fazer. Eventualmente chora, mas menor frequência. Educadora levou às sessões lenços de
papel, que passaram a ocupar a brincadeira. Retirava os lenços da caixa e tentava recoloca-los na
embalagem.
O CASO JOANA
• “os lenços saíram da casinha e não conseguem voltar, talvez temesse sair de sua casa, ficar
perdida e não voltar mais”, a partir daí as sessões envolviam a construção de envelopes para
guardar os lencinhos e, depois, de bolsinhas.
• Um invólucro que envolvesse e revestisse Joana de uma membrana capaz de contenção e de
garantias de integração do self, ameaçada nas fortes angústias vividas.

• A partir da angústia demonstrada, podemos supor o grau de terror vivido por Joana perante a
ideia de colocação em família substituta.A adoção significava mais abandono que acolhimento.
O CASO JOANA

• Angústia impensáveis,Winnicott, remente ao medo da desintegração, de cair para sempre,


carecer de orientação e não ter conexão alguma com o corpo, medos dos primeiros tempos de
vida, principalmente na ausência de uma figura materna que segure a criança física e
psiquicamente.

• Medo e curiosidade da todo instante. Ozoux-Teffaine – a figura do clínico no contexto de


acompanhamento de crianças que serão adotadas porta uma ambivalência que oscila entre
traços ligados a uma imagem de mãe arcaica aterrorizante (mãe ambiente perigosa), mas
também, de uma esperança na possibilidade de um novo encontro, capaz de estabelecer feridas
narcísicas já experimentadas em cenas de renascimento e reconstrução.
O CASO JOANA
• Após 5 meses de psicoterapia, duas vezes por semana, tatuagens na pele foram adicionadas ao
ritual, pedia as bolsinhas, depois brincava com a cola, pedia que a terapeuta limpasse sua mão,
ficando incomodada com a meleca, ia ao banheiro para lavar a mão e brincar com a água, ao
voltar, pedia um desenho na mão ou no braço. Depois passou a colar etiquetas, fazendo pulseiras
ou relógios com elas.
• Winnicott – “handling” – implicação da figura materna na tarefa de manejar o corpo do bebê de
forma a proporcionar a instalação de uma trama psicossomática, garantias de não
despedaçamento. Busca da criança pelo contato corporal pressupõe a necessidade da
construção de membranas delimitantes, estabelecendo o dentro e fora na construção identitária
da criança.
• A terapia neste período consistia na busca pela reconstrução das experiências iniciais de forma a
restaurar a confiança de ligações com o mundo externo que parecia ainda assustador.
Previsibilidade e repetição.
O CASO JOANA
• Começa então e construção de uma nova história: pede que a terapeuta recorte figuras da
revista e vai guardando na bolsinha, passou a colecionar figuras na bolsa e eventualmente
explorávamos o conteúdo da bolsa para lembrar o que estava lá.
• Objeto lenço/envelope/bolsa condensava a sua possibilidade de afastamento das pessoas de
referências do abrigo, permitindo um ir e vir, garantida e segura de um self integrado, sem o
perigo da quebra da continuidade do ser. Objetos transicionais de Winnicott.
• Através da bolsa, Joana também passava a aceitar a presença da terapeuta em sua vida, abrindo
uma pequena porta de acesso o outro mundo desconhecido, além do familiar universo do abrigo.
A bolsa acompanhava Joana nas idas e vindas, significava ao mesmo tempo ligação e separação.
O CASO JOANA
• Após 6 meses de trabalho, começa-se a pensar na adoção.
• O tema é introduzido a partir das figuras recortadas das revistas. Recorte de um casal: nomeia a
terapeuta um pai e uma mãe. Como será uma nova família?
• Joana então voltar a chorar na sessões, angústias de separação, para onde iria a terapeuta, para
onde ela iria, talvez a terapeuta não fosse mais sua amiga, fosse abandoná-la.
• O vínculo fica estremecido principalmente pela desconfiança na figura da terapeuta.Aparecem os
sentimentos de hostilidade.
• Terapeuta da continuidade à nomear os sentimentos e colocar em palavras as angústias e, com o
passar das sessões, Joana vai se mostrando mais segura, mais aberta ao diálogo, mais autônoma e
dona de si.
• Winnicott: mãe suficientemente boa começa com uma adaptação quase completa as necessidade
de seu bebê e, a medida que o tempo passa, adapta-se cada vez menos, segundo a crescente
capacidade do bebê em lidar com o fracasso dela.
O CASO JOANA
• Com a abertura e disponibilidade de Joana, um casal é indicado para conhece-la. Ela e mostrou
disponível, se aproximou, sentou no colo da pretendente e ao final do encontro quis ficar com
sua bolsa.
• Contou na sessão que já tinha uma mãe e mostrou-se encantada. Contudo, a adoção não se
concretizou, o casal desistiu. Começa-se a cogitar adoção internacional, Joana agora com 4 anos
(2011).
• Agência apresenta fotos da família à criança.Terapeuta propõe rituais de despedida, confecção de
lembranças para os educadores. No dia da chegada da família, Joana recebe a visita no SAICA.
No dia seguinte, pretendentes a buscam para o estágio de convivência, 30 dias longe do SAICA.
Joana despede-se bem, mas ao se dar conta de que não retornará para dormir, chora muito.
• As sessões com a terapeuta também são suspensas.
O CASO JOANA
• Joana chora querendo voltar ao abrigo, não permitia que lhe dessem banho, em penteassem seu
cabelo, vinha demonstrando dificuldades de aproximar-se da mãe.Aceitava carinhos na hora de
dormir, desde que feitos sobre o cobertor. Impunha barreiras. Contam que ela levava a bolsa e
que a família tinha intenção de ir retirando os objetos de seu passado.
• Após duas semanas de muita insistência, o casal concorda em conversar com a terapeuta.
Chegaram contrariados.A intenção era contar sobre o percurso de Joana na terapia, avaliando
que poderia ajudar no processo de vinculação e integração da história, mas eles não se
interessaram.A terapeuta falou somente sobre o significado da bolsa, como um elemento
simbólico de sua necessidade de elaborar transições.
• No encontro com Joana, ela parecia feliz, sua bolsa estava recheada de balas. Pode ser feita uma
breve despedida.
O CASO JOANA
• Cena esquecida: Joana prende o dedo na porta do banheiro, o sangue não estanca, sangra muito
e a terapeuta a encaminha a educadora para que seja conduzida ao hospital.
• Algum tempo depois, recebe uma ligação do hospital pedindo que procure um pedaço do dedo,
“a falta implicaria na amputação de uma parte do dedo”. Procuro desesperadamente por algo,
mesmo não entendendo muito, o corte não parecia tão grave assim, encontro um minúsculo
pedacinho de pele grudado na dobradiça. Decido desmarcar as sessões seguinte e sigo ao
hospital, com um copo de plástico na mão e um pedacinho de pele que mais se parecia uma lasca
de unha.
• Fico sabendo no hospital que o pedacinho não era tão relevante assim, encontro Joana deitada
sobre uma maca, relativamente tranquila. Fazem alguns pontos na ponta do dedo, recolocando o
retalho e ela pode voltar ao SAICA.
O CASO JOANA
• Por maiores que sejam os cuidados na escolha das famílias, de fato, não sabemos! Tal qual um
trapezista, que precisa soltar a mão de um trapézio e logo agarrar outro, há instantes de grandes
incertezas, de vertigens e de fortes angústias enquanto o artista está no ar. Uma atmosfera de
grandes riscos que requerem redes de sustentação.
• A cada passagem destas ao lado de uma criança, vivo e revivo estes momentos de dores e de
fortes emoções. A sustentação de medos, incertezas e angústias de separação nos invade e nos
leva a um mergulho nessas experiências de desamparo.A identificação com o que vive a criança
faz-se essencial para que possamos oferecer ajuda necessária a cada uma delas em sua
singularidade.Também nos ensina muito sobre a complexidade e a delicadeza que envolvem a
colocação de crianças em adoção.
• Entendemos que a adoção surge como uma nova história na vida dessas crianças e a esperança
de novos encontros gratificantes. Mas “a hora do encontro é também despedida”, implica reviver
separações e perdas.
ABANDONO, DESAMPARO E ADOÇÃO
• Deixada versus abandonada – forma como a história é contada para criança produz marcas, e o
abandono muitas vezes é entendido como intencional, o que não podemos afirmar em todos os
casos.
• Abandono versus entrega – “por vezes, a mãe que entrega abre mão de seu sonho de ter seu
filho consigo, de criá-lo, porque reconhece que não tem condições concretas ou internas para
fazê-lo. O sofrimento apresentado debela qualquer hipótese de indiferença. Em muitos casos, se
pensasse em si mesma estaria levando o filho consigo para viver de qualquer forma, em qualquer
lugar” – Motta
• Como as separações ou rompimentos de vínculos são vividos pelas crianças?
• Separações precoces de seus objetos primordiais trazem consequências importantes e, com
frequência são vividas como abandono psíquico.
ABANDONO, DESAMPARO E ADOÇÃO
• Bebê humano depende essencialmente de um outro que ofereça cuidados.
• Winnicott fala que não existe esse coisa chamada bebê, sem sua mãe – fala de uma solidão
essencial que só pode existir em condições de dependência máxima.
• Desamparo inicial imprime marcas – desperta angústia primitivas nomeadas por Winnicott como
impensáveis – experiências vividas em um momento em que não podíamos sequer assimilá-las
psiquicamente.
• Cuidados maternos primordiais provem um ambiente suficientemente bom que mantenha o
bebê o máximo possível afastado das angústias de desamparo. Se tudo vai bem, na presença da
mãe o bebê se organiza, constrói recursos internos para lidar com as falhas e descontinuidades.
ABANDONO, DESAMPARO E ADOÇÃO
• Pensando na necessidade de acolhimento por parte do bebê, podemos propor que é preciso que
alguém insira a criança em uma rede afetiva e simbólica, na qual nos construímos e
reconhecemos como sujeitos.
• “todos, independentemente da filiação biológica ou adotiva, tivemos que ser adotados por
nossas mães, por nossos pais, por nossas famílias, no sentido da filiação afetiva”.
• Mas há algumas diferenças: a descontinuidade na história de vida. Mesmo que o bebê seja
adotado logo após o parto, o cheiro, o batimento cardíaco são de outra pessoa. O objeto
materno primária se perdeu.
• Para as crianças maiores, a experiência de separações, diversos cuidadores, ligar-se e desligar-se
das pessoas a sua volta, traz ainda outros complicadores.
ABANDONO, DESAMPARO E ADOÇÃO
• Freud descreve os movimentos psíquicos decorrentes de separações ou perdas afetivas – perda
de interesse pelo mundo externo, perda da capacidade de adotar um novo objeto de amor, libido
se retira das ligações com o objeto perdido e demanda tempo e trabalho do ego até que a libido
esteja livre novamente para novos investimentos – processo de luto.

• Winnicott vai olhar para essa situação em crianças pequenas, afirmando que, ainda sem uma
organização psíquica capaz de elaborar a perda e viver o luto a perda do objeto pode ser vivida
como a perda de toda capacidade criativa do individuo. É sentida como algo catastrófico, um
trauma psíquico caracterizado por uma desilusão prematura e sentido, pelo bebê, como perda de
significado.
ABANDONO, DESAMPARO E ADOÇÃO
• Defesas:

• Superinvestimento das capacidades intelectuais do ego – “decepcionado com a experiência de


dependência da mãe, o bebê dedica-se a adivinhar ou antecipar o que espera de sua mãe” –
Green

• Identificação inconsciente com a imago da mãe ausente – a “mãe morta” – com a finalidade de
continuar a possuir o objeto - identificação com o vazio objetal ou identificação negativa. De
modo que este lugar fica ocupado por um vazio, impedindo a realização de novos investimentos
afetivos ou implicando em dores a cada investimento positivo no relacionamento com os outros.
POSSIBILIDADES RECONSTRUTIVAS
NA CLINICA
• Ozoux-Teffaine: Elaboração do luto da “mãe morta” – “a criança há de elaborar o luto em
relação às imagos parentais originárias e reconstruí-las na relação com os novos pais e isso
somente será possível se houver oportunidade de contemplar os sentimentos de abandono e
suas sequelas, até que se possa emergir o que se chama de “apetite de filiação””.

• “Terapeuta deve tornar-se alvo de projeções para as angústias persecutórias, exercendo um


papel de anteparo”. Para ela, é desejável que a criança expresse seus medos e seus sentimentos
agressivos no ambiente terapêutico, pois, poupa nos primeiros contatos com os pais adotivos o
impacto com tais experiências que podem ser devastadoras e prejudicar o processo de
vinculação.
POSSIBILIDADES RECONSTRUTIVAS
NA CLINICA
• Empatia e disponibilidade do analista, na relação transferencial, acompanhados de palavras
significativas que dão existência, permitem suportar as situações emocionais anteriormente
impossíveis de elaborar e assim as situações traumáticas inomináveis transformam-se em
fenômenos transicionais.
• Espaço que permite a articulação de movimentos subjetivos à apresentação de uma nova
realidade.
• Possibilitar recursos para a tolerância à ausência de representações diante de separações ou
descontinuidades na construção de um possível continente, que conduza e restabeleça
possibilidades de reinvestir objetos.
DESDOBRAMENTOS CLÍNICOS
• Caso Marcelo – com 4 anos de idade, chega pela primeira vez para uma avaliação, diante da
preocupação da equipe do SAICA no estabelecimento de novos vínculos. Demonstrava
ressentimentos com relação ao afastamento da mãe biológica e sintomas psicossomáticos.
Disponibilizado para adoção, logo após o início da avaliação, foi inserido sob Guarda com vias a
adoção em um família residente em uma cidade do interior de São Paulo. Parou os
atendimentos.
• Volta depois de alguns meses, um episódio de “devolução” e o estágio de convivência com outro
casal.
• “Ele encena dramaticamente comigo as marcas das rupturas traumáticas vividas. Objetos
violentamente atirados contra as paredes, carrinhos e aviões sadicamente trucidados, de forma
anão sobrar peça sobre peça. Correrias, trágicos acidentes de carros que se batiam
violentamente uns contra os outros acabando em “perda total”. Em meio a destroços pós-
guerra, falando de um estado de calamidade pública, Marcelo conta-me sua história”.
DESDOBRAMENTOS CLÍNICOS
• “Encontros desastrosos com humanos a sua volta, que o deixaram literalmente despedaçado.
Aos poucos, surge uma chance de colocar em palavras as dores não elaboradas, temos a
oportunidade de conversar sobre aquilo que ele viveu e como isso tudo lhe trazia sofrimento e
medos nos novos vínculos.”

• “Mais tarde, havendo colocado em jogo suas angústias e podendo expressar a agressividade
despertada por vínculos instáveis e traumáticos emerge a busca de um modo de restauração
que fica metaforizado na reconstrução de sua caixa, que sofre uma verdadeira reforma... Nova
pintura... Nova cor... Parece procurar apagar sua história pregressa, sentida como algo
agudamente dolorosa... Paralelamente, vai se vinculando e se ligando à nova mãe.”
DESDOBRAMENTOS CLÍNICOS
• Caso Mariana – 5 anos de idade, em estágio de convivência com um casal.
• Os encontros são marcados pela necessidade de elaboração de imagos maternas em curiosos e
insistentes jogos de “mamãe-filhinha”. Ela cria, propõe, pergunta sobre sua história e origem,
procurando compreender sua trajetória de vida.

• Pergunta:“você vai ser uma mãe boazinha e eu serei uma menina malcriada e desobediente?” –
estuda a hipótese de ter sido ela a causadora das separações.
• “Em outro momento, ela é a mãe que se mostra amável e doce, oferecendo-me sedutoras
guloseimas. Quando as provo, ela sadicamente me avisa que são venenos! E me mostra sua
confusão sobre a confiabilidade daquilo que recebe das pessoas que deveriam cuidar dela. O que
é cuidado materno, afinal de contas?”
DESDOBRAMENTOS CLÍNICOS
• “Havia um constante temos de entregar-se ao vínculo novo – na intensa dúvida sobre verdades e
mentiras revela-se o temor de uma decepção. Encontra a conhecida defesa através da qual
constrói a máscara da menininha cordata e obediente e também “de mentira”. Mas seria tudo
um grande fingimento ou dessa vez se tornaria uma filha verdadeira da nova família? Falso e
verdadeiro ficam muito confusos.”

• “Colocar em jogo tais temores os tornam menos assustadores e permitem que conversemos
sobre as fantasias. Esse trânsito entre os personagens assustadores lhe permite também olhar
para dentro e fora de si, compreendendo e diferenciando melhor as suas fantasias e os novos
personagens de sua vida.Aos poucos os novos objetos maternos podem ser introjetados, vão
surgindo possibilidades de transformação nas imagos terroríficas que a habitavam e uma espécie
de narrativa mais palatável para a imago da mãe cruel”.
DESDOBRAMENTOS CLÍNICOS
• Caso Marcos – 6 anos de idade em estágio de convivência com nova família após circular
diversas vezes entre abrigo e família, também duvida da permanência de seus novos vínculos na
recente família adotiva.
• Narrativa:“curioso e interessados por piratas, quer me explicar porque esse personagem é o
que é: seu olho de vidro e perna de pau são frutos de longa jornada em que os piratas não têm
residência fixa, viajam pelos mares em comida nem dinheiro, e não há outra saída senão os
saques, diz ele justificando seus episódios de violência e fúria. Nessas lutas por sobrevivência eles
eventualmente perdem partes de si mesmos, um olho daqui, uma perna dali, mas não são
essencialmente maus.”
• “Dessa forma, vai encontrando teorias explicativas para seu percurso de instabilidade ambiental
e de rupturas, podendo encontrar excelentes representações metafóricas para suas angústias e
saídas compreensíveis sobre sua história”
DESDOBRAMENTOS CLÍNICOS
• “A chegada da criança na família adotiva é descrita como um momento idílico, em que ocorre a
busca pelo contato corporal e o desejo de um recomeço. Entretanto, como salienta Teffaine
subjacentes a esse desejo encontram-se traços psíquicos ligados a experiências de rompimentos,
dificultando as novas ligações.Tais sentimentos podem emergir nos novos vínculos ou
permanecerem de alguma forma escondidos, protegidos por um recurso defensivo.”

• “É o que também observamos no acompanhamento de algumas crianças. Quando oferecemos a


proteção do ambiente terapêutico no qual angústias e fantasias possam ser expressas,
observamos crianças que exibem uma fachada cordata e afetuosa juntos aos pais, na busca de
serem aceitas e também como forma de sobrevivência.”
A PRÁTICA DE PREPARAÇÃO DE
CRIANÇAS PARA ADOÇÃO
• Paiva introduz interessante distinção entre o tempo jurídico, tempo psíquico e tempo
cronológico. Na concepção do tempo jurídico, quando os pais biológicos estiverem destituídos
do poder familiar, a acriança estará pronta para ser adotada, mas do ponto de vista psicológico
pode ser necessário um processamento mais longo, que efetiva a possibilidade de ligar-se a uma
nova família.
• Fatores como: desejo de estabelecer novos vínculos, possibilidade de elaboração de lutos,
disponibilidade para falar de vivências traumáticas e dolorosas, uma possível compreensão sobre
os fatos de sua história principalmente sobre a destituição do poder familiar, as representações
de pai e mãe no psiquismo, curiosidade e interesse em elementos relacionados à vida família.
• Preparação da criança como uma ação profilática – tenta evitar riscos de novos rompimentos e
insucessos.
A PRÁTICA DE PREPARAÇÃO DE
CRIANÇAS PARA ADOÇÃO
• Descreve uma proposta interventiva realizada no RS, efetivada por um grupo que trabalha
adoção internacional. 5 etapas:

• Processo de luto: proporcionar espaço para que a criança entre em contato com sua história
de vida, desde o acolhimento institucional, motivos da destituição, desvinculação com a família de
origem. Pontuam que “há situações m que o luto revela-se impossível, com grande lealdade da
criança à mãe biológica ou à família de origem, devendo ser buscadas outras alternativas”.
• Trabalho com as representações: criança estimulada a expressar suas representações de
família e ajudada a articular suas expectativas em torno de três temas: os objetos (quarto,
brinquedos), lugar (casa, pais) e as pessoas (alguém que cuide quando estiver doente...).
A PRÁTICA DE PREPARAÇÃO DE
CRIANÇAS PARA ADOÇÃO
• Matching ou Enlace: realiza-se um trabalho com a criança e paralelamente com os candidatos
a pais – perfil da criança e perfil dos pretendentes para a vinculação.

• Preparação: por meio de material lúdico, um psicólogo busca oferecer um canal de


comunicação e expressão de afetos.Tem início a notícia de que foram encontrados pais para ela
e uma apresentação da família candidata, articuladas às expectativas trazidas pela criança. Álbum
de fotos.
• Também é o momento de falar do estrangeiro, levando a criança aos locais públicos que passeará
com a nova família, inclusive Fórum.
• Trocas de informações entre criança e pais: cartas, vídeos, construção de uma caixa com
pertences a serem levados.
A PRÁTICA DE PREPARAÇÃO DE
CRIANÇAS PARA ADOÇÃO
• Encontro: na casa em que se encontra os adotantes e não no SAICA. Criança ficam com os
pretendentes em estágio de convivência (30 a 45 dias). Os técnicos ficam a disposição para
eventuais problemas de comunicação e podem realizar visitas ocasionais.
• Momento de encontro com o juiz e formalização da adoção. Ritual de passagem, festa no SAICA,
álbum de fotos e recordações do passado.

• Importante destacar o lugar do intermediário: vinculo que paradoxalmente fala de separação e


união. Lugar que sustenta uma passagem permitindo o compartilhamento de angústias com um
adulto que reassegura uma continuidade e sustenta possíveis experiências que poderiam ser
vividas catastroficamente. Sustentação da criança durante essa passagem (terapeuta, psicólogo
judiciário, técnicos do SAICA).
ADOÇÃO DE CRIANÇAS MAIORES
• Termo adoção tardia – fora do tempo conveniente – reforça a ideia de que ser adotado seja uma
prerrogativa de bebês.
• Adoção moderna – criança em primeiro plano. Busca uma família para a criança.
• Avaliação de candidatos – “Acredito que o processo avaliativo serve também para um cuidado
com os próprios pais, no sentido de entrar em contato com suas motivações até mesmo para
conhecer melhor as vicissitudes da adoção, evitando decepções e reiterando o desejo de
adotar”. Implica a entrega de uma criança que se encontra sob Guarda do Estado – avaliação dos
riscos de uma outra exposição à rompimentos ou abandonos psíquicos.
• Nabinter relata que alguns pretendentes são hostis, mostram-se ansiosos e irritados. Sentem o
processo como demorado e invasivo. Perfil de busca após tentativas sem sucesso de fertilização.
Perfil da criança prioritariamente bebês, como resposta aos problemas de infertilidade.
ADOÇÃO DE CRIANÇAS MAIORES
• Medos com relação às crianças maiores não aceitarem os padrões estabelecidos pelos pais,
sequelas deixadas pelo abandono e pela institucionalização, influências provocadas pelo ambiente
de origem, dificuldades de adaptação, da criança guardar ressentimentos, trazer maus-costumes,
e de que as lembranças da família de origem impeçam a criação de novos vínculos familiares.
• Pesquisa de Ebrahim, 8 estados brasileiros sobre perfil dos adotantes de crianças maiores:
• 25,9 por cento são mulheres solteiras (6,1 por cento nas adoções convencionais);
• 63 por cento tem filhos biológicos (43 por cento nas adoções convencionais);
• Motivação – sensibilidade com a situação de abandono versus não ter o próprio filho;
• Índices mais elevados de maturidade e estabilidade emocional;
• Idade média mais elevada;
• Escore médio mais elevado de altruísmo;
• Condições socioeconômicas superior.
ADOÇÃO DE CRIANÇAS MAIORES
• Altruísmo e Narcisismo
• Freud – narcisismo estágio necessário ao desenvolvimento emocional.
• As concepções do filho como herdeiro, como continuidade de si e prolongamento da própria
existência, que trazem resíduo do narcisismo perdido dos pais, podem facilitar o processo
identificatório entre pais e criança. Desejo de ver a própria imagem refletida no filho adotivo.

• “A construção do psiquismo humano deve passar, em algum momento, por um tipo de inserção
narcísica da criança diante dos olhares paterno e materno.” Difícil interjogo entre o que esperam
os pais e o que necessita a criança: os pais devem apropriar-se narcisicamente do filho, mas
também permitir sua existência singular, como outro separado e individualizado.
ADOÇÃO DE CRIANÇAS MAIORES
• Na adoção de crianças maiores, requer ajudar a criança na organização do self que inclua sua
pré-história pessoal e seu próprio self em processo de construção.
• Estabelecer uma ilusão primordial e inicial, mas também é preciso sustentar a outra importante
etapa que é da desilusão. Lutos por parte da criança e dos pais, que exigem da capacidade dos
adultos de lidarem com suas próprias perdas narcísicas.

• Em situações de motivação mais altruísta, há ressalvas e preocupações:“o vínculo parental não


pode ser estabelecido em função de desejos altruístas ou como “uma salvação da criança ... É
importante que a criança adotiva sinta que tem um lugar escolhido dentro da família, e que não
represente simplesmente uma prova de “bondade” de seus pais”. Levinzon
• Quando os pais são vistos como benfeitores idealizados, aos quais um filho deve gratidão, a
criança pode sentir-se impedida de expressar sentimentos como agressividade, rivalidade e
competição.
ADOÇÃO DE CRIANÇAS MAIORES
• Observa-se uma necessidade das crianças de serem acolhidas narcisicamente pelos pais, até
mesmo por necessitarem de um processo de cicatrização das feridas abertas pelos abandono
vivido. Adoção pode ser uma forma de reverter o estado de abandono psíquico por meio de um
investimento narcísico dos pais, capazes de capturar a criança em seu projetos, restaurando o
narcisismo danificado delas.
• Interjogo dos movimentos de idealizações e desamparos. Uma filha adotiva comenta que a maior
dificuldade no processo de adaptação é:
• “a decepção de ambos. Os filhos adotivos tardios idealizam demasiadamente a vida familiar,
realmente não sabem o que é uma família com sua rede de direitos e deveres, o que eles chama
de querer uma família é, na verdade, querer sair da rua ou da instituição e poder ter tudo o que
eles sonham. Eles tendem a se sentirem traídos ao descobrir que a vida familiar tem regras e
limites”.
ADOÇÃO INTERNACIONAL
• 2011 – adoções internacionais controladas pela CEJAI (Comissões Estaduais Judiciárias de
Adoção Internacional) criadas em 1992 – habilitações de pretendentes estrangeiros em
território brasileiro e credenciamento das agências internacionais de adoção.
• Adoção internacional, vivida como uma experiência idealizada e talvez tão invejável, incorre em
evidentes dificuldades na elaboração das perdas implicadas no processo (dos SACA, crianças,
educadores, mas também do direito à família brasileira, educação, nacionalidade, idioma).
• A maioria dos requerentes é constituída por casais sem filhos, idade máxima 6 anos (2004), sem
restrição de sexo e etnia, irmãos. Maior porcentagem da Itália, seguida por França, Espanha,
Holanda e Alemanha.
• Acompanhamento pós adoção no país de origem – variedade de tempo – média 12 meses.
REVELAR E ELABORAR
• Revelação: trazer à criança dados factuais sobre sua história pode sim beneficiá-la, mas requer,
acima de tudo, uma ajuda na possibilidade de assimilação psíquica daquilo que vive. A mera
revelação dos fatos não é suficiente.

• “A forma como os pais lidam com a história da criança, o que lhe falam ou não falam a respeito,
ou ainda o que dizem não verbalmente, pode trazer significados ao vivido pela criança, alimentar
certas fantasias ou desfazer outras, mas certamente traz importantes ressonâncias na construção
de sua subjetividade.A fala dos pais sobre a história da criança adotiva tem função essencial na
possibilidade de elaboração das situações traumáticas”.
REVELAR E ELABORAR
• Gilbert – método do relato – história construída junto com os pais que deve mencionar a
presença de um casal que gerou um bebê, a impossibilidade dessa mulher de cuidar do bebê e
seu movimento em busca de quem dele se ocupasse, a tristeza dos pais adotivos pelas
dificuldades em ter o filho biológico e sua trajetória na busca pela adoção, o prazer do encontro
capaz de trazer-lhes felicidade e termina com “esta é uma história que começa triste e que
termina bem, porque estamos todos juntos e podemos conversar sobre essas coisas, se você
quiser nos perguntar algo...”

• Inclui os diversos personagens e seus sentimentos. O relato é um mito que se inventa e se


oferece à criança e que deverá ter uma função provisória até que a criança seja capaz de
construir seu próprio mito da infância. Para Gilberti, é mais que uma revelação “não se descobre,
mas sim inventa-se”.
REVELAR E ELABORAR

• Peiter concorda e reitera a sugestão desses álbuns narrativos: pode ser um tipo de registro de
uma história que traz informações significativas para o preenchimento de lacunas de um passado,
cuja historicização se faz necessária; pode funcionar como um recurso para oferecer elementos
instigadores da curiosidade e permitir a investigação sobre as origens; pode portar a importante
função de convidar os próprios pais a esse processo elaborativo de sua condição de
parentalidade, reconstruindo e recontando o percurso individual e do casal.

• “A capacidade dos pais de ajudar seu filho na superação de seus lutos está diretamente ligada à
possibilidade narrativa da própria condição de pais adotivos” – o integrar passado, presente e
futuro – instalação de sentido e significados ao vivido
QUESTÃO - 2017
• Uma criança passou por um longo período de privação ambiental após o qual foi adotada por
um casal.A criança em pouco tempo apresentou uma resposta positiva ao novo ambiente, mas
depois começou a atacar os pais adotivos. Para Donald W.Winnicott (2012), essa evolução indica
que a criança:
• A. está adquirindo mais confiança e começando a sentir e a exprimir a raiva associada ao
fracasso do lar original
• B. não é capaz de amar e estabelecer vínculos afetivos duradouros, dada a severidade da
privação sofrida
• C. sente-se ameaçada pelos pais adotivos porque projetou neles a raiva inconsciente que nutre
pelas boas experiências perdidas
• D. está testando o amor do pais adotivos, de modo a se reassegurar de que são suficientemente
bons
• E. adota condutas que promovem a profecia autorrealizadora do abandono, dada a insegurança
de que possa vir a ser amada.
Resposta: A

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