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2021

2ª edição
2
Sônia Nemi

Salvador, 2007
Bahia
3
Copyright 2019

Coordenação e Organização
Luanne Oliveira

Revisora
Marcia Maria

Projeto Gráfico & Diagramação


Luanne Oliveira

2ª edição

2021

ISBN 978-65-900218-0-9

4
AGRADECIMENTO

Gratidão a todos os meus CLIENTES e


ALUNOS que muito generosamente me permiti-
ram compartilhar suas questões, com o intuito
de contribuir com o autoconhecimento de quem
nesse livro vier buscar crescimento pessoal.
Agradeço também a AMIGOS e PARENTES que com
seus comentários contribuíram para que essa
seja uma leitura agradável e me apoiaram du-
rante todo o tempo em que me dediquei a esse
projeto. Agradeço especialmente a minha que-
rida nora LUANNE OLIVEIRA que com dedicação
possibilitou que esse livro seja um e-book. Agra-
deço mais especialmente aos meus 3 filhos,
5
VIRGÍLIO, VITOR e VICENTE que, apenas por exis-
tirem, fizeram com que eu buscasse o autoconhe-
cimento para exercer a honrada tarefa de
materná-los com responsabilidade e me aponta-
ram a nova carreira que preenche minha alma e
minha vida: TERAPEUTA CLÍNICA!

Sônia Nemi

6
SUMÁRIO

AGRADECIMENTO ........................................................................................... 5

PREFÁCIO ....................................................................................................... 10

APRESENTAÇÃO ............................................................................................ 18

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 23

1 A COMUNICAÇÃO ....................................................................................... 43
Padrão da comunicação ..................................................... 47
Expressão verbal e não-verbal ............................................ 56
Uma ideia geral dos jogos ................................................... 59
Os paradoxos ..................................................................... 66
Dupla mensagem ............................................................... 69
2 RELAÇÕES TRIANGULARES ..................................................................... 80

3 QUE SÃO JOGOS RELACIONAIS? ........................................................... 102

4 CARACTERÍSTICAS DOS JOGOS ............................................................. 125

5 COMO FUNCIONAM? ............................................................................... 134


6 PARA QUE JOGAR? .................................................................................. 146

7 COM QUEM JOGAR? ................................................................................ 160

8 COMO MINIMIZAR JOGOS? ................................................................... 168

9 NOVO PADRÃO DE COMUNICAÇÃO....................................................... 214

10 CONCLUSÃO ............................................................................................ 263

7
Apêndice I.................................................................................................. 271

EXEMPLOS, COMENTÁRIOS E REFLEXÕES ................................ 271


Só estou querendo ajudar... ............................................. 273
Mártir / Eles ainda vão agradecer..................................... 275
Jogo de Poder de quem está por cima ............................... 278
Jogo de poder de quem está por baixo .............................. 279
Veja só como eu me esforcei ............................................. 282
Olha o que você me fez fazer............................................. 284
Agora briguem vocês ........................................................ 286
Agora te peguei, seu FDP!................................................. 287
Defeito ............................................................................. 289
Não disse? Eu sabia! ......................................................... 291
Chute-me / Bata-me ......................................................... 293
Coitadinho / Pobre de mim ................................................... 296
A mesma tecla .................................................................. 298
Por que isso só acontece ................................................... 299
Se não fosse por mim ....................................................... 301
Mulher Fria...................................................................... 305
Querida............................................................................ 307
Sedução ...........................................................................309
Se não fosse por você... .................................................... 310
Devedor ........................................................................... 312
APÊNDICE II ................................................................................................ 315
EXERCÍCIO SOBRE NOVA COMUNICAÇÃO ................................. 315
Exercício 1 ....................................................................... 317
Exercício 2 ....................................................................... 319

8
Exercício 3 ....................................................................... 320
Exercício 4 ....................................................................... 321
Exercício 5 ....................................................................... 321
BIBLIOGRAFIA............................................................................................ 337

9
PREFÁCIO

Apresentar de JOGOS RELACIONAIS – A


COMUNICAÇÃO QUE APRISIONA, escrito por Sônia
Nemi, é uma tarefa prazerosa porque se trata de
um assunto da mais alta relevância, pois pode
contribuir para o crescimento de todos os envol-
vidos, além de dar ao público acesso a estratégias
preventivas para a melhoria da saúde mental da
comunidade.

De fato, JOGOS RELACIONAIS são importan-


tes porque remetem à busca de saciar a fome de
afetos dos seres humanos, considerando que to-
dos necessitam, para sua sobrevivência, ver saci-
ada não apenas a sua fome diária de calorias,

10
mas, também, a sua fome de estímulos afetivos.
Assim, a CARÍCIA é um estímulo intencional diri-
gido de uma pessoa para outra, que ratifica para
a primeira que ela existe. Tal estímulo, que pode
ser um contato físico, uma palavra, um gesto, é
expresso através de CARÍCIAS positivas e negati-
vas, condicionais e incondicionais.

As positivas são as que fazem o sujeito se


sentir bem, dando-lhe uma sensação de bem-es-
tar e de reforço à sua autoestima. Por outro lado,
as CARÍCIAS negativas convidam o indivíduo a
sentir-se mal e abatem a sua autoestima. Mas, de
qualquer forma, o tipo de CARÍCIA predominante
e que marca a vida de cada um é aquela recebida
na infância, que se fixará de tal maneira na
mente do sujeito, que ele a buscará, ao longo de
toda a vida adulta. De fato, uma vez que as carí-
cias são indispensáveis à vida, se a criança não
11
receber a sua cota diária de afeto positivo, que
lhe assegure uma sensação de bem-estar, ela fará
de tudo para conseguir algum outro tipo de afeto,
nem que seja negativo, pois pior do que o mal-
estar provocado por uma carícia negativa é o des-
conforto da indiferença. A falta de estímulos de-
rivada da indiferença corresponde à mensagem
você não existe, ou seja, trata-se de uma descon-
firmação que destrói o equilíbrio emocional do
ser humano.

Assim, quando o sujeito não recebe os afe-


tos positivos, ele se engaja em JOGOS RELACI-
ONAIS para receber o seu suprimento diário de
CARÍCIAS negativas que, embora lhe acarrete
mal-estar, ratifica a sua existência. Seria como se
a pessoa dissesse: me xingue, me bata, me humi-
lhe, mas, pelo menos, reconheça que eu existo.
Então, há de se destacar que as pessoas, quando
12
se envolvem em JOGOS PSICOLÓGICOS, não o fa-
zem por serem boas ou más e, sim, por falta de
opção. Ninguém come lixo porque gosta, mas
pela opção da falta de opção.

Os JOGOS em que as crianças assistem a


seus pais e pessoas significativas se engajarem,
são os que elas aprendem com maestria, tor-
nando-se especialistas nesta arte, pois estuda-
ram e praticaram as diversas nuanças de
semelhantes JOGOS, conhecem todos os seus lan-
ces, todas as jogadas possíveis, até as mais sutis,
e mesmo os desfechos. Ou seja, sabem em que
circunstâncias é propício um determinado jogo,
quais são os seus possíveis parceiros, que nível
de sutileza suas jogadas terão de demonstrar
para fisgar algum jogador mais resistente, e
ainda, o que esperar no final da partida.

13
Eric Berne (1974:49), ao definir o jogo
como [...] um conjunto repetido de transações,
não raro enfadonhas, embora plausíveis e com
uma motivação oculta [...], enfatiza a busca do
saciar a necessidade de afeto dos seres humanos
que não conseguiram para si uma fonte prove-
dora mais saudável. Esse autor não empresta ne-
nhuma conotação negativa aos que, porventura,
são adeptos, ou até viciados, nos jogos.

Esses JOGOS PSICOLÓGICOS, ao contrário dos


demais, não são feitos para diversão e podem
chegar a ser dramáticos ou até mesmo trágicos.
Eles podem ser leves (de primeiro grau) e social-
mente aceitáveis; medianos (de segundo grau),
no qual se busca ocultar o jogo, o mais possível,
de um público estranho aos participantes, uma
vez que os jogadores se envergonham de partici-
parem deles, por temerem ser alvo de críticas ou
14
até chacotas (por isso mesmo são jogados em
quatro paredes); e os graves (de terceiro grau)
intensos e terminam tragicamente, ou em um
hospital, ou na polícia ou no cemitério. É intri-
gante como os jogadores de terceiro grau dão-se
conta da gravidade, seriedade e das dramáticas
consequências que podem acarretar esses lan-
ces, mas, mesmo assim, não conseguem deter e
ou evitar tal jogo.

Este livro trata, com sensibilidade, do tema


dos jogos e busca diferentes abordagens teóricas
para respaldar os seus argumentos (ANÁLISE
TRANSACIONAL - A.T., a TEORIA DA COMUNICAÇÃO
e a TEORIA SISTÊMICA). Por isso, a leitura do re-
ferido ensaio é fácil e agradável, uma vez que ex-
põe aspectos teóricos entremeados com a sua
aplicação através de casos clínicos. Mostra, com
clareza, a importância dos jogos nas relações so-
15
ciais, em especial, na de casal, enfatizando, com
olhar sistêmico, que todos os comportamentos
são complementares, mesmo os jogos que cada
um propõe.

O grande mérito deste trabalho é não ape-


nas destacar a utilidade de se compreender os
JOGOS PSICOLÓGICOS, mas estimular o outro a se
fazer responsável por suas ações e a trabalhar
para romper com a ESTRUTURAÇÃO DO TEMPO via
JOGOS, que são empobrecedores e até mesmo pe-

rigosos. Enfatiza a importância de todos se res-


ponsabilizarem pelas suas próprias necessidades
afetivas, de não se criar expectativas irrealizá-
veis, até mesmo com relação ao próprio cônjuge,
de que este teria de atender obrigatoriamente às
suas demandas emocionais. Estimula, também,
o leitor a utilizar a própria comunicação como
uma ferramenta eficaz para evitar os jogos
16
psicológicos, mostra a relevância de cada indiví-
duo responsabilizar-se por dar, pedir e aceitar
afetos positivos. Pois se estiver com a sua bateria
carregada de afetos, não morderá a isca que
convida a sua fraqueza complementar a entrar
no jogo, que tem lances destrutivos e que acaba
levando todos a passar mal quando, ao final, des-
cobrem que quase ganharam, mas na verdade
acabaram perdendo...

Célia Nunes Silva


Mestre e Doutora em Medicina pela UFBa e
Especialista em Terapia Familiar pela UCSal,
também ensina e orienta mestrado em
Ciências da Família para a UCSal

17
APRESENTAÇÃO

Escrevi esse livro em 2007 inicialmente


com a intenção de facilitar meus alunos do curso
EDUCAÇÃO RELACIONAL acompanharem as aulas.
Quando ele estava pronto percebi que é um livro
para qualquer pessoa ler e se beneficiar das in-
formações aqui compiladas, portanto, seja bem-
vindo a grande empreitada que é conhecer e se
libertar do que mais inferniza a vida do ser-hu-
mano: os JOGOS!

As primeiras turmas desse curso acontece-


ram em 1991 quando ainda o chamava de
TÉCNICAS PARA AUTOCONHECIMENTO. Na época,
ele era formado basicamente pelos temas do
curso 101 DE ANÁLISE TRANSACIONAL tradicional.
18
Ao longo do tempo, fui enriquecendo a progra-
mação com conteúdo de cada nova formação que
fazia. Assim é com esse livro; apesar do título re-
ferir a JOGOS RELACIONAIS, incluí diversos temas
importantes e necessários para a compreensão
de como os conflitos relacionais são co construí-
dos.

Como entender jogos sem experimentar ver


o mundo a partir de um olhar sistêmico? Quando
a pessoa consegue perceber que uma pessoa in-
fluencia e é influenciada pelo comportamento da
outra fica muito mais fácil promover mudanças
nas relações, especialmente minimizar a existên-
cia dos JOGOS. Porque a intenção não é apenas
evidenciar os JOGOS e como eles funcionam, na-
turalmente inclui material sobre comunicação
de qualidade, de modo que o leitor possa ter uma
ideia de que mudanças são necessárias na sua
19
forma de se comunicar para parar com os JOGOS.
Os exemplos que utilizo para ilustrar são na sua
grande maioria inspirados e criados com base
em situações reais, porém ajustados e adaptados
de modo a preservar a identidade das pessoas
(clientes, alunos e amigos).

Por esta razão, depois de mostrar como não


falar, baseando-me nos estudos de Waltzlawick
(1993), Virginia Satir (1998) e Bowen (1988),
apresento formas de como se comunicar com
qualidade, usando a filosofia da CONSTELAÇÃO
FAMILIAR de Bert Hellinger (2003), o instru-
mento FEEDBACK usado para mover a JANELA
JOHARI (Fritzen, 2013) e a própria ANÁLISE
TRANSACIONAL (Berne, 1974). Na realidade, de-
pois que a pessoa entende e enxerga o que a faz
jogar, seu bom senso pode ser suficiente para ela
saber qual a melhor maneira de se comunicar.
20
Uma coisa é certa, se para existir jogos são ne-
cessárias indiretas; para sair deles o segredo é se
comunicar de modo direto.

Dito isso, o convite que é feito ao leitor é


que possa experimentar ser verdadeiro nas suas
relações significativas de modo a torná-las leves
e gostosas. Seja você um aluno ou uma pessoa in-
teressada em mudanças, desejo um bom traba-
lho após sua leitura. Se for aluno, poderá praticar
o que aprendeu nas aulas. Se não for, veja no
meu site o curso EDUCAÇÃO RELACIONAL online e
meu segundo livro sobre jogos CHEGA DE BRIGAS
– APRENDA DE FORMA LEVE E PRÁTICA COMO SE
RELACIONAR. Nesse novo livro proponho uma
nova forma de analisar jogos de modo a possibi-
litar que você tenha ainda mais facilidade para
evitá-los. Essa nova maneira de olhar os jogos
nasceu do que você vai ler aqui, portanto, é
21
importante que possa aproveitar sua leitura ao
máximo!

Desejo a você boas-vindas ao mundo do


AUTOCONHECIMENTO, que é um caminho sem
volta!

Sônia Nemi
www.sonianemi.com
informacoes@sonianemi.com

22
INTRODUÇÃO

Porque este livro é sobre JOGOS e uma vez


que qualquer jogo se desenvolve em um contexto
relacional, tudo que for dito, privilegia relaciona-
mentos. Em função disso, a abertura precisa ser
sobre o paradigma que lastreia as relações: a
VISÃO SISTÊMICA. Da mesma forma, nessa aber-
tura, você entrará em contato com alguns aspec-
tos teóricos que lastreiam a abordagem aplicada
na análise dos JOGOS, além de conceitos relacio-
nados à COMUNICAÇÃO, tais como PADRÃO,
CONFIRMAÇÃO, REJEIÇÃO e DESCONFIRMAÇÃO,
EXPRESSÃO VERBAL e NÃO-VERBAL, PARADOXO e
MENSAGENS DUPLAS, que serão também úteis du-
rante a leitura.

23
A visão sistêmica

Durante as primeiras décadas do século


XX, os cientistas se confrontaram com descober-
tas surpreendentes na física, que os obrigavam a
questionar os fundamentos do modelo newtoni-
ano do universo. Como explica Capra (1995:43),
os marcos desse desenvolvimento foram dois ar-
tigos publicados por Einstein em 1905. O pri-
meiro, contendo os princípios de sua TEORIA DA
RELATIVIDADE, ponto de partida para os estudos
da energia nuclear; o segundo sugeria uma nova
maneira de olhar a luz, o qual permitiu que, mais
adiante, um grupo de físicos desenvolvesse a
TEORIA QUÂNTICA DO PROCESSO ATÔMICO. A
TEORIA DA RELATIVIDADE e a nova TEORIA

24
ATÔMICA colocaram abaixo os conceitos básicos
da física newtoniana.

A VISÃO NEWTONIANA propunha explicações


de acordo com uma visão determinística que
descrevia a realidade de modo objetivo, compre-
endia a existência de tempo e espaço como abso-
luto e acreditava na natureza sólida do universo.
Por outro lado, a visão que Einstein propôs, en-
tendia que espaço e tempo são entrelaçados, o
fluir do tempo não é uniforme e constante, uma
vez que depende da posição do observador, e a
velocidade do tempo é relativa em relação ao
acontecimento observado. Ainda de acordo com
Capra (1995:47), em vez de lidar com coisas, a
TEORIA QUÂNTICA lida com interconexões e,
dessa forma, a física moderna revela a unici-
dade básica do universo e, especialmente,

25
mostra-nos que o mundo não se decompõe em
unidades ínfimas com existência independente:
Quando penetramos na matéria, a natureza não
nos mostra quaisquer elementos básicos isola-
dos, mas apresenta-se como teia complicada de
relações entre várias partes de um todo unifi-
cado. (1995:281)

Portanto, a partir da evolução da física atô-


mica e subatômica, a imagem de matéria sólida
se dissolve em um complexo modelo de ondas de
probabilidades. Ou seja, em vez de afirmar que
uma coisa é, passa-se a entender que uma coisa
pode ser. Enquanto procuravam compreender
suas descobertas através do velho paradigma, os
cientistas se defrontavam com um número cada
vez maior de paradoxos. Somente quando apren-
deram a fazer a pergunta certa e a evitar con-
tradições (Capra, 1995:71) puderam avançar nas
suas pesquisas e, dessa forma, concluir que,
26
mesmo contrariando o modelo newtoniano com-
partimentalizado, as partículas subatômicas não
têm significado como partículas isoladas; elas
precisam ser entendidas em suas interconexões,
ou seja, uma em relação à outra. No entanto,
para que elas tenham significado, elas têm que
existir e, para existir, é necessário que prestemos
atenção ao campo quântico onde elas estão; en-
quanto isso, elas são apenas ondas de probabili-
dades, no campo de todas as possibilidades.
(Chopra, 1993:32-34)

Essa nova visão começou a ser utilizada pe-


los estudiosos em todas as áreas do conheci-
mento, inclusive por aqueles dedicados ao
comportamento humano que, ao observar pes-
soas, foram capazes de ampliar seus entendi-
mentos sobre o funcionamento das relações no
grupo familiar. A partir da aplicação dessa nova
27
visão, ficou claro que os membros da família – as
partículas, não têm significado como pessoas
isoladas; eles precisam ser entendidos em suas
INTERCONEXÕES que são as ONDAS DE PROBABI-
LIDADES.

A família passou assim a ser observada


através das propriedades dos sistemas abertos
que, baseado em Waltzlawick (1967:112-117),
são: a GLOBALIDADE, a EQUIFINALIDADE e a
RETROALIMENTAÇÃO.

A GLOBALIDADE compreende que os orga-


nismos vivos são sistemas em constante inter-
câmbio com o mundo, o que propicia cres-
cimento e adaptação; além disso, entende tam-
bém que o sistema é parte e todo ao mesmo
tempo e se organiza em subsistemas, que estão
inter-relacionados e interdependentes.

28
O SISTEMA FAMILIAR e seus SUBSISTEMAS
(casal, parental, fraternal e filial), uma vez que as
relações são circulares, não possuem começo
nem fim, ou seja, não interessa procurar quem
começou uma briga – tais eventos são decorren-
tes da inter-relação, o que pressupõe que cada
um oferece sua própria contribuição. Um outro
aspecto a ser levado em conta é a subjetividade
presente nos organismos vivos; tomando como
exemplo uma árvore, é sabido que ela acessa sua
memória mesmo que seja levada de um conti-
nente a outro, onde o clima é bem diferente.

Uma árvore é capaz de lembrar a época em


que floresceria na sua terra natal, ao ponto de
dar sinais dessa memória. Da mesma forma,
cada pessoa tem como sistema pessoal, caracte-
rísticas relacionadas ao seu próprio modo de ser.
No entanto, vale ressaltar que todas as pessoas
29
também abarcam inúmeras outras característi-
cas que fazem parte de ser humano, embora mui-
tas vezes elas estejam ocultas, até da própria
pessoa. Tais características vêm à tona, a depen-
der de com quem a pessoa se relaciona. A má-
xima: Eu sou as minhas relações fala sobre isso
de maneira muito simples e direta. Para ilustrar:
uma pessoa pode se comunicar de maneira
muito tranquila em sua vida diária; no entanto,
com uma pessoa específica, ela fala com severi-
dade, grosseria ou impaciência. Considerando a
visão sistêmica que entende que uma pessoa in-
fluencia e é influenciada, cada pessoa é do jeito
que é e também pode ser de outras maneiras, de-
pendendo de com quem se relacionar.

Também usando entendimento sistêmico,


os relacionamentos podem ser complementares
ou simétricos; quando complementares, as
30
relações fluem - saudáveis ou não, mas sem em-
bates; enquanto nas relações simétricas geral-
mente ocorrem batalhas, porque se alimentam
da competição. Pensando na máxima, podemos
entender, por exemplo, que uma pessoa que nor-
malmente se relaciona de maneira complemen-
tar, ao interagir com alguém em particular, pode
se relacionar simetricamente ou vice-versa.

Ainda usando o mesmo raciocínio, muitas


pessoas podem ter bons amigos com quem se
abrem, mas nunca se lembram deles quando se
trata de se divertir; e se eles querem ir ao cinema,
lembram-se de um amigo específico, mas, em
um bar, lembram-se de outra pessoa.

A ideia de GLOBALIDADE traz à tona a per-


cepção de que toda e qualquer parte de um sis-
tema está relacionada de tal modo com as

31
demais que qualquer mudança em uma delas
provocará mudanças nas outras e, consequente-
mente, no sistema como um todo; pensando no
funcionamento da família, fica evidente que cada
membro influencia o comportamento do outro e
é influenciado por ele. Para compreender tal ca-
racterística do sistema, é importante ter em
mente a CIRCULARIDADE, conceito básico que, de
acordo com Marilene Grandesso, define os siste-
mas e como através deste, a terapia sistêmica da
família se organiza:
A interação entre os componentes de um sistema
manifesta-se como uma sequência circular, de
modo que a relação entre quaisquer de seus ele-
mentos é bilateral. Enquanto o pensamento li-
near postulava uma causalidade do tipo de uma
implicação lógica – se A, então B (A→B) –, o pen-
samento sistêmico resultou em uma bidireciona-
lidade do tipo – se A, então B e se B, então A
(A↔B). Dentro desse pressuposto de

32
causalidade circular, a ordem dos fatores não al-
tera o produto. (2000:121)

Ninguém tem o poder para fazer o outro


mudar, a não ser que primeiro mude o seu pró-
prio comportamento; por esta razão, quando
uma pessoa da relação se sente incomodada com
o modo que o outro age, e muda seu jeito de agir,
o outro, muito provavelmente, irá responder de
uma outra maneira. Isso significa que, em vez de
culpar o outro e ficar preso na queixa, é mais pro-
dutivo olhar para sua própria contribuição. Mui-
tos pais utilizam a visão sistêmica, com muita
sabedoria, sem se darem conta de que assim o fa-
zem. Por exemplo, quando os filhos vêm recla-
mar um do outro dizendo Ele me bateu!, o pai ou
a mãe faz a pergunta CERTA àquele que faz a
queixa: O que você fez para ele bater em você?.

33
A EQUIFINALIDADE é uma propriedade dos
sistemas abertos que nos assegura diferentes re-
sultados, a partir da mesma origem ou um
mesmo resultado, a partir de condições iniciais
diferentes. Observo que, quando uma pessoa
teve sucesso com uma abordagem terapêutica,
tem a tendência de acreditar que somente esta
técnica poderá ajudar A, B ou C. Pensando essa
questão a partir da EQUIFINALIDADE, podemos
compreender que estas pessoas podem ser bem-
sucedidas, em seus objetivos de crescimento, se
escolherem uma outra abordagem. Como a sabe-
doria popular já sinalizava, todos os caminhos
levam a Roma.

Muitas vezes sou questionada por mães


preocupadas com o efeito que uma determinada
experiência, vivenciada pelo seu filho, na infân-
cia, pode gerar. Enquanto a pessoa não consegue
34
integrar o novo paradigma, a tendência é ficar
presa em apenas uma ideia, de acordo com a
forma linear de pensar: causa → efeito. No en-
tanto, levando em conta equifinalidade, compre-
enderá os resultados como probabilidades. E,
dessa forma, também poderá considerar a visão
linear como probabilidade de instrumento para
análise sem, no entanto, ficar presa a ela. Em re-
lação ao futuro de uma criança, o que se pode es-
perar de um trauma ocorrido em sua infância, na
vida adulta, é uma série de hipóteses, que depen-
derá de inúmeros contextos ao longo da sua vida.
O resultado de uma vivência em uma família
pode ser muito diferente do resultado de uma ex-
periência equivalente em outra. Cada sistema se
organiza e lida com suas questões de uma forma
muito própria. Em relação ao novo olhar, pode-
mos entender que a família é uma complexidade
35
organizada. Por mais caótica que possa aparen-
tar o seu funcionamento, ela tem uma organiza-
ção subjacente.

Deepak Chopra refere-se a essa questão de


uma maneira muito simples:
A diferença entre duas coisas – como a diferença
entre um átomo de chumbo e um átomo de ouro
– não está no mundo material. As partículas su-
batômicas como prótons, elétrons, quarks e
bósons que constituem um átomo de ouro ou de
chumbo são exatamente as mesmas. Além disso,
embora as chamemos de partículas, elas não são
materiais, e sim impulsos de energia e informa-
ção. O que torna o ouro diferente do chumbo é a
organização e a quantidade desses impulsos.
(1993:20)

Usando esse raciocínio, podemos dizer que


a forma como uma família se organiza também
contribui para a sua identidade. O terapeuta ou
qualquer outra pessoa tem o direito de afirmar

36
que a organização de uma família está certa ou
errada. Tal organização é o modo como a família
pode funcionar cujo equilíbrio se empenha para
preservar. Se um observador compreende algum
comportamento da família como um problema
da família, não significa que este o seja; pro-
blema é aquilo que a família vivência como tal.
Somente a própria família pode avaliar se aquela
organização já não atende mais às suas necessi-
dades, para decidir mudar, ou não. Quando al-
guma perturbação ocorre em um organismo,
como Capra esclarece, este tende a regressar ao
seu estado original, e o faz, adaptando-se de vá-
rias maneiras às mudanças ambientais.
(1995:266)

A família está sujeita a interferências ambi-


entais e como sistema aberto que é, está em
constante intercâmbio com o mundo. Ao ser
37
afetada pelo que vem do exterior, ela pode: sair
do seu estado de equilíbrio, ou não, utilizar tais
informações, ou não; e mudar a sua organização,
ou não. Ou não está enfatizado, uma vez que é a
lei das probabilidades que rege os movimentos
do sistema. Ou seja, a família pode receber o es-
tímulo de fora e agir de modo a reduzir, em vez
de ampliar seu estado homeostático (estado de
equilíbrio).

A informação utilizada para reduzir ou am-


pliar qualquer desvio do estado de equilíbrio do
sistema é chamado de RETROALIMENTAÇÃO ou
FEEDBACK. A RETROALIMENTAÇÃO pode ser posi-
tiva ou negativa. Ela é positiva, quando a troca
de informações flui entre os subsistemas, para
ampliar desvios; nesse caso, a homeostase é di-
nâmica e proporciona desenvolvimento, apren-
dizagem e evolução. E é negativa, quando a troca
38
de informações entre os subsistemas fica impe-
dida para reduzir desvios; a homeostase nesse
caso é rígida. Positiva ou negativa não é necessa-
riamente bom ou ruim. Como exemplifica Capra
(1995:182), manter a temperatura do corpo e a
pressão sanguínea, evitando mudanças (mesmo
quando o meio ambiente muda) é possível, em
função da retroalimentação negativa.

Não é preciso ser cientista para ter o direito


de integrar esse novo paradigma. Toda e qual-
quer pessoa merece esse conhecimento. Se você
compreendeu como essa visão funciona, experi-
mente aplicá-la no seu dia a dia. A prática cons-
tante ajudará a tornar essa forma de enxergar o
mundo, espontânea. Maria José Vasconcellos
(2002:5), de uma maneira bem didática, de-
monstra como uma pessoa pode dizer que ado-
tou o pensamento sistêmico. Para ela, isto
39
acontece quando se é capaz de (1) ampliar o foco
de observação, ver sistemas de sistemas, contex-
tualizar o fenômeno e focalizar as interações; (2)
acreditar nos processos de auto-organização, e,
apesar de trabalhar com a mudança no sistema,
admitir que não controla o processo; e (3) reco-
nhecer a si mesmo como parte do sistema e atuar
na perspectiva da co construção das soluções.

Lastreada nesse novo paradigma, surge a


terapia familiar, cuja finalidade é tratar a dor da
família, pois compreende que a dor de um dos
membros é sentida e sofrida por todos os outros.
O sintoma apresentado é entendido como uma
febre; ele informa que algo funciona mal na-
quele sistema (Nemi, 1997:235). Naturalmente,
a família busca terapia quando o sintoma inco-
moda, ainda que, contraditoriamente, ela possa
ter muita dificuldade para desistir dele. Por esta
40
razão, o terapeuta precisa estar preparado para
lidar com as possíveis mudanças, considerando
o tempo e o ritmo do(s) cliente(s). Ele precisa sa-
ber como cuidar de cada grupo familiar diante de
si, uma vez que cada família é única, portanto,
requer uma abordagem igualmente única.

A forma de lidar com o atendimento fami-


liar foi sendo aprimorada pelos pensadores sis-
têmicos do meado do século passado, os quais
muito contribuíram com as mais diversas abor-
dagens, a fim de enriquecer o trabalho com famí-
lias.

A VISÃO SISTÊMICA utilizada no atendi-


mento de famílias é enriquecida pela CIBER-
NÉTICA cujo valor como referente conceitual,
cada vez mais se fortalece graças a seus avanços
epistemológicos.

41
Bateson, Maturana, entre outros, legiti-
mam a NOVA CIBERNÉTICA como modelo crucial
que provê a terapia sistêmica de uma linguagem
para que a terapia familiar possa pensar sobre si
mesma e a fim de lhe proporcionar identidade.

De modo semelhante, a linguagem utilizada


pelos casais e pelas famílias os torna únicos em
seu funcionamento. Afinal, a comunicação é a
ferramenta que permite a RETROALIMENTAÇÃO de
uma relação; esta pode ser positiva (em direção
à mudança do padrão relacional) ou negativa
(em busca da manutenção do padrão da relação),
o movimento das informações dependerá do pa-
drão que o casal estabelece.

42
1
A COMUNICAÇÃO

A o apurar o olhar sistêmico, consta-


tamos que o subsistema casal tem
uma forma de comunicação muito própria, co
construída pelo par, sem combinações anterio-
res, que pode ser utilizada conscientemente ou
não. Os gestos que um faz para o outro, a ma-
neira de olhar, de acenar com a sobrancelha, com
a cabeça ou com qualquer parte do corpo fazem
a comunicação não-verbal do casal e espelham a
qualidade da cumplicidade que existe entre eles,
principalmente, quando isso acontece na

43
presença de outras pessoas. Cada par relacional
também associa acordos não-verbais, velados ou
não a determinadas formas de se expressar em
palavras. No entanto, quando a relação é recém-
estabelecida, muitas vezes, cada um pensa sobre
o que está dizendo e, normalmente, escolhe as
palavras, o momento e o jeito de se comunicar.

Definir comunicação seria enquadrá-la em


um conceito que precisa ser aberto e inacabado.
A comunicação extrapola o velho conhecido en-
tendimento de emissor e receptor ou a simples
exposição de ideias com objetivos de persuasão.
No latim, communicare significa pôr em co-
mum, conviver. Ao conviver, ou seja, ao comuni-
car-se, o homem se define como pessoa e como
ser social – o homem descobre a si mesmo e ao
outro. Para haver comunicação, os envolvidos
precisam utilizar linguagem comum que
44
assegure compreensão na convivência. Tal en-
tendimento pressupõe levar em conta, além das
palavras, as emoções e o contexto em que as
ideias, instruções ou mensagens (verbais, não-
verbais ou escritas) são veiculadas.

Muitas pessoas escolhem a comunicação


escrita para prevenir ou resolver conflitos, por
acreditar que sua interpretação será mais precisa
e que, dessa forma, evitará problemas. Em geral,
descobrem que a necessidade de verificar os sig-
nificados do que está escrito é semelhante àquela
de examinar o entendimento do que é falado.
Como diz Virginia Satir: Os indivíduos devem se
comunicar com clareza, se desejam conseguir
de outros a informação de que necessitam
(1988:108). Para ela, as palavras podem ter sig-
nificados ou aplicações diferentes e isso pode
confundir, se uma pessoa estiver utilizando uma
45
palavra de uma determinada maneira, e a outra
pessoa receber como se ela significasse algo in-
teiramente diferente. Afinal, a comunicação é
um discurso de mão dupla a serviço dos relacio-
namentos.

Miermont cita no Dicionário de Terapias


Familiares, Teoria e Prática que o axioma funda-
mental da pragmática da comunicação é NÃO SE
PODE NÃO COMUNICAR (1994:439), e, mais adi-
ante, em vez de definir, propõe delimitar que
uma comunicação entre duas pessoas repousa
no estabelecimento de rituais, na elaboração de
mitos e em um processo de utilização das memó-
rias familiares (1994:164). O mito familiar está
relacionado com uma série de crenças criadas e
compartilhadas por todos os membros do grupo
familiar. As memórias familiares estabilizam a
definição da realidade e permitem a distinção do
46
verdadeiro e do falso. É fácil vislumbrar que, de-
pois de algum tempo de convivência, tais rituais,
mitos e memórias familiares de um membro
emergem e começam a interferir na construção
da comunicação do casal.

Padrão da comunicação

O modelo final de comunicação na relação


é automatizado pelo par e passa a ser um padrão.
Ainda que usado inconscientemente, o padrão
organiza e facilita a comunicação, tornando-a
por vezes econômica; cada membro utiliza pou-
cas palavras de determinadas formas, com signi-
ficados específicos para eles, que são facilmente
entendidas por ambos.

O padrão pressupõe uma sequência de lan-


ces previsíveis, com começo, meio e fim,
47
utilizada repetidamente, com pequenas varia-
ções, a depender da situação, cuja estrutura re-
corrente serve a uma determinada função. Em se
tratando de comunicação, os lances são compor-
tamentos ou falas expressas por cada membro da
relação. Cada padrão é uma unidade básica que
pode ser utilizada em diversas situações e em va-
riados assuntos. O conjunto de padrões de comu-
nicação de um par molda a relação e lhe dá
identidade. A praticidade que o padrão propor-
ciona à comunicação relacional pode ser saudá-
vel, ainda que inconsciente, mas, por vezes, pode
aprisionar.

Inúmeros são os padrões de comunicação


que podem ser utilizados em uma relação, no en-
tanto, vamos focar em três possibilidades, base-
adas em Watzlawick (1967:69). Podemos
entender que, quando duas pessoas conversam,
48
uma pode causar diferentes reações na outra.
Vamos chamar de João, a que primeiro se comu-
nica, e de Maria aquela que ouve e responde ou
reage à comunicação de João.

Depois que João fala alguma coisa para


Maria, esta, ao responder, pode proporcionar
três reações diferentes em João. A resposta de
Maria para João pode ser dada de maneira que
João tenha a sensação de (1) ser aceito, (2) ser
rejeitado ou (3) nem existir. A composição da
fala de João, com cada uma das três formas de
resposta de Maria, seguida da reação de João é
uma unidade básica simples que utilizada na re-
lação sistematicamente estabelece um padrão
para a relação.

Quando João se sente aceito por Maria,


fica entendido que Maria acolheu o jeito de ser

49
de João, ao lhe responder. Isso não significa que
Maria concordou com João, mas que deu aten-
ção ao que João disse, importando-se com ele,
mesmo que discordando. Desse modo, Maria
admite que João existe, ou seja, João se sente
confirmado em sua existência. Para tanto, ao fa-
lar, Maria inclui um olhar ou um gesto que aco-
lhe, enfim, uma resposta que qualifica a
existência de João.

O direito à necessidade de ser confirmado


pode ser exercido em muitos momentos no coti-
diano de todas as pessoas, nas atividades mais
simples, como a de desejar a um vizinho Bom
Dia ao entrar no elevador, ao responder a um es-
tranho que pergunta as horas ou, ainda, ao cru-
zar com o olhar de alguém e acrescentar um
sorriso amistoso.

50
Quando João se sente rejeitado por Maria
fica entendido que Maria repeliu o jeito de ser de
João, ao lhe responder. Maria assim o faz
quando revida o que foi dito por ela com atitudes
e ou palavras ríspidas, com um tom de voz alto
ou grosseiro, um olhar sarcástico ou com uma
atitude agressiva. Por pior que seja tal rejeição,
ela qualifica a existência de João, ainda que o
trate mal. Desse modo, Maria admite que João
está ali e ela sente que existe, mesmo que rejei-
tada na sua forma de ser.

Isso acontecia na vida de um casal que


chamarei aqui de Alberto e Irene. Irene relata, na
sessão, que seu marido Alberto era um sonhador
e viajava muito com a sua imaginação fazendo
planos mirabolantes para seu futuro profissional
e para a vida deles; ela sentia que tinha que puxá-
lo para a terra como se ele fosse uma pipa. Para
51
tanto, ela o criticava duramente. Depois de cada
evento desse tipo, eles se afastavam e assim fica-
vam por alguns dias. Por mais que Irene costu-
masse dizer que cada um deles era 50% respon-
sável pelos problemas, ela não conseguia ver a
sua coparticipação. Para ela, ele estava errado e
pronto. Quando finalmente ela pode refletir,
identificar e admitir sua parte em uma dessas si-
tuações, ela pode enxergar que Alberto se sentia
rejeitado no seu jeito de ser, em função da ma-
neira como ela o ouvia.

Essa forma de comunicação pressupõe a


existência da pessoa, mesmo que através da re-
jeição, no entanto, quando João tem a sensação
de nem existir, após ter falado alguma coisa com
Maria fica entendido que Maria não acolheu o
jeito de ser, nem a presença de João , ao respon-
der. Dessa maneira, Maria desqualifica João e o
52
faz sentir como se não existisse, ou seja, João se
sente desconfirmado na sua existência - desqua-
lificado.

São várias as formas de desqualificar o que


o outro diz: ficando em silêncio; dizendo ou res-
pondendo algo diferente do que foi dito; respon-
dendo com frases incompletas ou falas incoe-
rentes, ou ainda mudando de assunto abrupta-
mente.

A rejeição é um tipo de resposta que pode


prejudicar um relacionamento, mas a desconfir-
mação utilizada como padrão é a resposta que
mais adoece a relação. Enquanto a rejeição tão
somente repudia o jeito de ser de João, a descon-
firmação nega a sua existência.

Fernanda se sentia assim em relação à


forma como Antônio reagia à sua depressão.

53
Abatida e sem ânimo, ela ficava deitada, na cama
do casal, uma boa parte do tempo, nos fins de se-
mana. Ela descreve o comportamento dele com
muito ressentimento: Ele entra no quarto como
se eu não estivesse ali. Ele nem direciona o rosto
para o lugar onde eu estou. Fica totalmente in-
diferente. Faz o que tem que fazer e sai. Eu me
sinto ainda pior. Totalmente arrasada. Foram
necessárias algumas sessões para Antônio e Fer-
nanda enxergarem que qualquer um dos dois po-
deria fazer algo diferente, para que uma
mudança pudesse acontecer. Quando finalmente
conseguiram se dar conta que os dois eram co
construtores daquelas cenas, os dois se sentiram
mais confortáveis para fazer diferente.

O mesmo aconteceu com Irene e Alberto.


Assim que ela percebeu qual era a sua contribui-
ção, Irene decidiu mudar sua maneira de falar
54
com ele naquelas situações. Na primeira oportu-
nidade em que ele começou a viajar, ela o deixou
falar e, a uma certa altura, disse para ele calma-
mente: Eu vejo que você adora sonhar alto e pa-
rece que isso lhe faz bem. Eu sou diferente de
você nesse aspecto. Prefiro ficar com os pés no
chão. Alberto, que já estava esperando uma crí-
tica, ficou perplexo com a reação de Irene. E ela,
da sua parte, ficou surpresa quando ele passou a
falar sobre as próximas férias e pediu a ela suges-
tões, sobre o que eles poderiam fazer. Alberto se
sentiu confirmado no seu jeito de ser e pode, as-
sim, prestigiar Irene, falando sobre algo tam-
bém agradável para ela. Parece fantasiosa a su-
gestão de que uma pequena mudança na ma-
neira de dizer alguma coisa faz com que o outro
mude sua forma de falar, também, no entanto,
isso é realmente possível. Experimente. Pode
55
não dar certo na primeira vez, nem na segunda,
mas em um momento vai funcionar.

Expressão verbal e não-verbal

A comunicação não-verbal é primitiva, vem


lá de longe, desde a infância e, talvez, por essa
razão, é tão presente nos relacionamentos. De
acordo com Winter apud Elkaïm, Satir afirma
que aqueles que se dedicam aos nossos cuida-
dos, nos ensinam mais por sua respiração, seu
toque e seus movimentos do que por suas pala-
vras (1998:115). Tal comunicação é utilizada
para confirmar, rejeitar ou desqualificar o jeito
de ser do outro e pode ter tanto ou mais poder
que a comunicação verbal. Virginia Satir
(1988:121) explica que, quando João fala, Maria
avalia o significado verbal da mensagem e,
56
simultaneamente, observa o tom de voz, a lin-
guagem corporal e facial, para fazer uma avalia-
ção sobre o que João queria dizer com sua
comunicação. Muitas vezes, o comportamento
fala tão alto, que não é possível ouvir as pala-
vras, como ilustra Andolfi quanto à importância
da comunicação não-verbal,
... se ouvirmos no rádio ou num gravador o dis-
curso de uma pessoa que fala uma língua com-
pletamente desconhecida, não conseguimos
compreender nada. Mas, se vemos a pessoa en-
quanto ela fala, somos capazes de deduzir uma
certa quantidade de informações da sua expres-
são facial, gestos etc., que invariavelmente
acompanham o discurso. (1996:112)

O contexto em que a transação ocorre é im-


portante para o entendimento da mensagem, no
entanto, as mesmas palavras, a depender da en-
tonação de voz, pontuação, gesto podem definir

57
relações diferentes - Eu te amo! (1) voz terna e
olhar carinhoso, (2) voz dura e olhar raivoso, por
exemplo.

De acordo com os estudos de Waltzlawick


(1967:44), qualquer que seja a forma de se com-
portar, o indivíduo assim o faz, e todo comporta-
mento é comunicação. É impossível não
comunicar. Até o silêncio comunica. Atividade
ou inatividade. Silêncio ou palavras. Tudo possui
valor de mensagem, contém sentimento, influ-
encia outros e estes outros, por sua vez, de algum
modo, respondem (mesmo que pensem que não
respondem), portanto estão comunicando.

As relações utilizam linguagem própria


para manter sua comunicação ativa, ainda que
passivamente, como ilustra o exemplo do jovem
casal que atravessando uma crise conjugal,

58
silencia como forma de lidar com suas emoções.
Uma certa noite, o marido vai dormir muito
tarde, preparando um relatório e temendo per-
der o horário para o trabalho, na manhã se-
guinte, coloca na mesinha de cabeceira da sua
esposa um bilhete pedindo que ela o desperte às
6:00. Ao acordar, muito descansado, ele se as-
susta ao ver que já são 10:00. Indignado, res-
munga exasperado, quando observa que, ao lado
do seu relógio, na sua mesinha de cabeceira, tem
um bilhete que diz: Acorde. Já são 6:00.

Uma ideia geral dos jogos

Como as relações são estruturadas a partir


da comunicação, é dentro das relações que esta
se organiza em regras e padrões, exercitados em
jogos, que aqui serão chamados de jogos
59
estruturadores. A estruturação das relações co-
meça desde muito cedo, na infância dentro da fa-
mília de origem bem como na escola, como
explica o verbete do Dicionário de Terapias Fa-
miliares:
A família, o pátio da escola, os encontros sociais
informais constituem áreas onde o jogo concerne
diretamente às interações coletivas, o aprendi-
zado progressivo das regras sociais e a criação
permanente que elas exigem (Miermont,
1994:346)

Um jogo social treinado desde cedo é, por


exemplo, quando alguém pergunta: Como vai?,
mas a pessoa não está sinceramente querendo
obter a resposta real, e sim, espera que o outro
corresponda ao jogo social. Mesmo que a pessoa
que responde tenha muitos problemas, ela pro-
vavelmente não irá dizer nada além do que o jogo
pressupõe, Tudo bem, e você?, no máximo, ela
60
dirá: Mais ou menos!. Em situações desse tipo,
fica entendido, por consenso, que as pessoas não
estão mentindo. Estão apenas fazendo seu papel
no jogo social.

Pearce afirma que a primeira ideia que te-


mos é de que o mundo social consiste em ativi-
dades e a estas, se refere como conversações as
quais define como padrões de atividades conjun-
tas, semelhantes a jogos. Ele diz que é assim que
começamos a viver e vivemos as nossas vidas. Ao
nascer, trazemos conosco a potencialidade de
aprender como ser participantes de atividades
semelhantes a jogos. A um bebê não é necessário
ensinar como jogar jogos. É algo que os humanos
fazem naturalmente. (1996:177)

Para Pearce, além das regras que estrutu-


ram tais atividades em relação ao que devemos
ou não fazer, a escolha de quais jogos produzir
está relacionada a grupos de interesses comuns,
61
por raça, gênero, política, entre outros. Além
disso, ele sinaliza que muitos jogos são jogados
ao mesmo tempo e explica que uma mesma pes-
soa está simultaneamente em diversos papéis –
filho do mesmo pai, irmão da irmã, professor dos
alunos, colega dos colegas e que o que faz em
qualquer momento faz parte de jogos.

Andolfi, em relação à função e necessidade


dos jogos, afirma que, durante as nossas vidas,
cada um de nós passa por um jogo ou outro para
alcançar um equilíbrio com as pessoas e em nos-
sas relações com a realidade. Quanto ao aprendi-
zado do jogo, ele completa dizendo, Na infância,
brincamos com nossos iguais, recriando situa-
ções de vida, tentando interpretar papéis cor-
respondentes aos ideais passados para nós
pelos adultos (1984:99), e explica que nós repe-
timos essas situações constantemente em nossa
62
vida adulta, pois o significado do que é dito e
feito está frequentemente implícito, ou é, até
mesmo, negado.

Miermont descreve o jogo como uma ativi-


dade fundamental dos animais superiores. E, so-
bre o decorrer do jogo, ele diz que o animal
completa seu equipamento hereditário através
da sua experiência individual e se prepara para
as diversas tarefas da vida adulta. (1994:345)

O jogo estruturador é necessário para en-


saiar as relações e seu funcionamento. Para que
os jogos sejam treinados, são necessários pa-
drões e estes são como rituais. Os rituais são in-
cluídos na vida da pessoa ainda jovem e permi-
tem que as atividades cotidianas, necessárias ao
viver, sejam automatizadas, como, por exemplo:

63
levantar e calçar os pés para em seguida ir ao ba-
nheiro, escovar os dentes e então lavar o rosto.

Os rituais são, dessa forma, responsáveis


por estruturar o tempo, preservar as tradições e,
também, organizar as relações. Em diversas situ-
ações e conversas do cotidiano, os membros dos
grupos utilizam rituais, desde o mais simples
cumprimento matutino - Bom dia às mais elabo-
radas expressões existentes, em cada cultura. Os
padrões ritualizados têm sua presença garantida
nas relações, assegurando a existência de jogos
e, de acordo com Minuchin,
Toda ação que é repetida frequentemente torna-
se fixa em um padrão, que pode então ser repro-
duzido com uma economia de esforço. (...) Sem
um firme sentimento de que é assim que as coisas
são feitas, o indivíduo não pode ter a segurança
para explorar e crescer. (1990:142)

64
Em relações conturbadas, é preciso identi-
ficar primeiro o padrão, para somente então re-
solver o assunto em pauta. É o contexto, em
detrimento do conteúdo, que pode ajudar a reco-
nhecer o padrão. Em geral, é mais fácil para
quem está fora perceber o que está realmente
acontecendo. É preciso tomar distância para, do
lugar do observador, ser capaz de enxergar o en-
quadre, em vez de ficar preso ao assunto, como
faz Minuchin no caso clínico por ele descrito em
que a Sra. Smith não tinha ideia das suas contra-
dições:
A Sra. Smith se queixa de que seu marido é uma
pessoa silenciosa. Porém, constantemente, o in-
terrompe e o silencia, quando ele começa a falar.
Diz que seu marido é uma pessoa a quem respeita
e até teme. Mas suas descrições pormenorizadas
da necessidade dele de controlá-la são, clara-
mente desrespeitosas, de um homem a quem re-
almente percebe como doente e fraco. (1982.134)

65
Os paradoxos
Entre os estilos de comunicação estão os
paradoxos e, quando estes são o padrão relacio-
nal, a relação pode se tornar uma prisão muito
apertada. Isso porque o paradoxo é mais do que
uma contradição, ele é um beco sem saída que
invade a relação, afeta o comportamento e desa-
fia a coerência.

Para Watzlawick (1993:169) paradoxo é de-


finido como uma contradição que resulta de uma
dedução correta a partir de premissas coerentes.
Em linhas gerais, pode-se dizer que paradoxo é o
oposto da opinião admitida como válida; uma
declaração aparentemente verdadeira que leva a
uma contradição lógica, ou a uma situação que
contradiz a compreensão comum. Em Filosofia,

66
paradoxo designa o que é aparentemente contra-
ditório, mas que apesar de tudo tem sentido.

Quando alguém utiliza uma linguagem pa-


radoxal, conduz o outro a escolher entre muitos
significados possíveis, os quais, além de diferen-
tes, são mutuamente incompatíveis. Esse tipo de
comunicação paradoxal pode gerar no outro um
comportamento altamente contraditório.

Um paradoxo lógico consiste em duas pro-


posições contrárias que, ou afirmam exatamente
o inverso uma da outra, ou não podem ser ambas
verdadeiras. O clássico Paradoxo do Mentiroso
elucida tais características:
Epiménides é cretense e afirma que todos os cre-
tenses mentem. Se Epiménides é cretense e se to-
dos os cretenses mentem então, quando
Epiménides afirma: Todos os cretenses mentem,
afirma uma proposição verdadeira. Portanto

67
Epiménides não mente quando afirma que todos
os cretenses, incluindo Epiménides, mentem.
Em consequência:
1- Epiménides mente se e só se não mente (isto é,
diz a verdade)
2- Epiménides não mente (isto é, diz a verdade)
se e só se mente.

De acordo com Waltzlawick (1993:180), os


paradoxos oferecem, dentro de uma relação
complementar (relação em que um funciona
como superior e o outro como inferior), um co-
mando que tem que ser, ao mesmo tempo, obe-
decido e desobedecido para ser obedecido. Ao
obedecer ao comando Seja espontâneo!, a pes-
soa não estará sendo espontânea. Este é o beco
sem saída. Quando a relação é desigual, a pessoa
que recebe o comando é incapaz de sair do para-
doxo para falar sobre o que está acontecendo. Al-
guns exemplos do cotidiano que confundem,
68
mas passam despercebidos, podem ilustrar a co-
municação paradoxal e suas ambiguidades: De-
sobedeça-me, se for capaz, Sou mentiroso, Não
seja tão obediente, Você tem que me amar.

Alguns jogos apresentam paradoxos, e


quando o fazem, são intensos e promovem rela-
ções altamente conturbadas, entretanto, todos
os jogos utilizam mensagens duplas que são co-
nhecidas popularmente como indiretas.

Dupla mensagem

As ambiguidades estão presentes nas men-


sagens duplas, como no trecho de Se você me
ama, não me ame em que Mony Elkaïm
(1990:21) cita Jay Haley (1980) sobre uma con-
versa entre uma mãe e seu filho - a mãe diz ao

69
filho Venha sentar-se em meu colo, mas o faz
com um tom que demonstra que ela quer que ele
fique longe. Por sua vez, o filho, impossibilitado
de desmascarar o duplo comando, verbal de ir e,
não-verbal de não ir, se aproxima, negando ao
dizer: Oh, que botão bonito você tem no vestido.
Ele tenta tapeá-la, fingindo que só está se apro-
ximado para observar o botão em seu vestido, ou
seja, não está obedecendo ao seu comando, ape-
sar de estar.

Ainda que o sentido duplo das palavras em-


beleze a poesia, quando está presente no dia-a-
dia das relações, pode ser muito danoso porque
pode ter efeito manipulador e agir a partir da
desqualificação.

De acordo com Gomes (1987:57), a relação


baseada em comunicação repleta de

70
ambiguidades faz com que o receptor se sinta
eternamente confuso sem conseguir compreen-
der o que está sendo comunicado. Esse estado de
confusão, quando sistemático, passa a ser in-
consciente e vivenciado como se fosse parte inte-
grante da personalidade.

Pedro, já adulto, magoou-se com o pai que


havia duvidado da sua capacidade para desen-
volver seu trabalho profissional. O pai tenta cor-
rigir dizendo: Deixe de bobagem que eu nunca
achei você infantil. Mesmo que sua intenção de
desfazer o mal-estar do filho tenha sido verda-
deira, essa fala contradiz o que pretende corrigir.
Se o exemplo vivenciado por Pedro com seu pai
for uma situação isolada, pode ser apenas um
evento ao qual não é preciso atribuir importân-
cia, no entanto, quando esse é o formato da rela-
ção, desde a sua infância, Pedro pode ter se
71
tornando uma pessoa arredia, desconfiada, con-
fusa, escorregadia, entre outras possibilidades.

A educação das crianças em nossa cultura


exercita o uso da comunicação paradoxal ou
mesmo de mensagens duplas, logo cedo.
Quando, por exemplo, para fazer uma criança
comer, o adulto diz sorrindo para ela, tapeando,
Essa comida é minha. Não coma, viu?, ou
quando, depois de tentar ganhar um beijo da cri-
ança e ela, entretida em brincar, não beija, o
adulto diz Você vai ver, viu?! Não vou mais brin-
car com você, ou Não vou mais levar você para
passear!, sorrindo, como se isso fosse apenas
uma brincadeirinha. A criança aprende o padrão
e reproduz na própria relação. Muitas vezes os
adultos acham engraçadinho e até estimulam,
ensaiando junto com a criança, o seu papel na
brincadeira. Esse tipo de comunicação natural e
72
socialmente aceita, acompanha o desenvolvi-
mento para além da adolescência, quando perde
a graça. Um exemplo disso é a história de um jo-
vem que, aos 12 anos, detestava usar o seu apa-
relho para correção dos dentes. Ele alegava que
doía muito mais do que poderia suportar. Seu
pai, no entanto, impunha o uso do aparelho, de
todas as maneiras, dizendo coisas do tipo: Deso-
bedeça-me para você ver o que acontece!! ou
Você tem que usar porque estou mandando, en-
tre outras formas. Um dia ele disse ao filho muito
irritado: Jogue essa porcaria no lixo! com uma
entonação ameaçadora. O filho, de bom grado,
embrulhou o aparelho, colocou no chão e pisou
até despedaçá-lo e o jogou no lixo, no entanto,
para sua surpresa e susto, seu pai, ao ser infor-
mado, ficou muito mais irado porque, agora,
além de ter sido “desobedecido”, também tivera
73
um grande prejuízo, uma vez que o aparelho era
muito caro. O pai explodiu dizendo-lhe coisas
absurdas. Aos olhos do filho, o aparelho não ti-
nha o mesmo valor que para o pai. O jovem, cada
vez mais confuso, não entendia o que se passava,
pois, de acordo com a compreensão dele, o pai o
havia autorizado a libertar-se da dor que o apa-
relho causava. Ele preferiu escutar as palavras
que o pai havia dito e não deu atenção à entona-
ção ameaçadora.

Assim vivem as pessoas, prisioneiras de


mensagens com duplo sentido; elas ficam confu-
sas e, muitas vezes, se sentem culpadas, porque
não acertam nunca o que se espera delas!

Ainda que a comunicação molde a relação,


são os seus membros com suas intenções, suas
histórias e jeito de ser que escolhem qual padrão

74
de comunicação vão utilizar, para formatar a re-
lação e mantê-la estável. Elkaïm (1990:21)
afirma que o preço pago pela estabilidade da re-
lação, caso existam dificuldades para mantê-la, é
desenvolver comunicações com duplo sentido.
Além de fazer a relação existir, as comunicações
e seus diversos padrões, com duplo sentido ou
não, dão à relação uma identidade.

É a comunicação através de jogos, os quais


foram sistematizados por Eric Berne (1974) que
será explorada nesse livro. Eles serão chamados
aqui de Jogos Relacionais e considerados como
uma variação dramática e patológica da comuni-
cação nos grupos. Para compreender os Jogos
Relacionais, a partir da observação do cotidiano,
é importante estar atento às formas de comuni-
cação entre os membros da relação.

75
Os jogos independem do conteúdo da con-
versa. O que faz de um jogo um jogo não é o as-
sunto e sim o padrão em que a conversa está
enquadrada. Como afirma Waltzlawick, quando
diz que ONDE EXISTIR UM PADRÃO EXISTE
SIGNIFICADO (1993:33), é o padrão de comunica-
ção da relação que, como um código, precisa não
apenas ser identificado, mas também decodifi-
cado para que seja possível interrompê-lo.

Como na relação de Péricles e Graziela –


eles já sabiam quais eram os passos do jogo de-
les, mas continuavam repetindo o padrão, sem
conseguir decodificá-lo. O jogo funcionava as-
sim: Graziela perguntava alguma coisa a Péri-
cles, qualquer coisa, algo simples, que ele
certamente saberia o que responder, mas ele fi-
cava calado e ela ficava irada. Em uma determi-
nada sessão, eles conseguiram, finalmente, falar
76
sobre o jogo, clara e abertamente. Graziela fica
atônita quando Péricles esclarece com muita di-
ficuldade que, quando ela pergunta, ele percebe
desafio no olhar dela, então ele fica nervoso e
sente medo da reação dela, e, por esta razão, ele
se cala.

Como vimos anteriormente, com o comen-


tário de Satir (1988:121), Péricles observa a ex-
pressão facial de Graziela e não necessariamente
o que ela fala – é a esta mensagem não-verbal,
que ele dirige sua resposta. Cada um dos dois
precisou rever a sua parte. Graziela conseguiu
admitir que sua contribuição era seu traço arro-
gante e Péricles também pode reconhecer que
sua atitude era a de um menino assustado, no
corpo de um homem maduro. Aliados ao mesmo
objetivo, eles puderam apoiar um ao outro nes-
sas mudanças, também em favor da relação.
77
Quando essa empreitada é assumida pelos dois,
pode ser mais fácil sair do padrão. Quando ape-
nas um dos membros do casal está esclarecido e
decidido, o encargo maior fica com ele, que de-
verá estar o tempo todo investido em observar o
próprio comportamento, além de não se deixar
fisgar. Muitas vezes, quando a tensão está ele-
vada, para sair dos jogos ou expandi-los, um dos
dois, sentindo muita tensão pode fazer um movi-
mento que permita a inclusão de uma outra pes-
soa.

Era o que acontecia com Graziela e Péricles.


Toda vez que Graziela se sentia sozinha, por
conta do afastamento de Péricles, ela se aproxi-
mava do seu filho mais velho, com quem se ali-
ava, para desabafar. Desse modo, apesar de seu
filho ficar constrangido por ter que tomar par-
tido da mãe e se afastar do pai, também se sentia
78
imobilizado e impotente para dar limite à mãe,
saindo do circuito. Ficando no triângulo, o filho
passa a ser jogador também.

Nessa introdução, procurei explorar um


pouco de teoria e conceitos que poderão facilitar
o entendimento de jogos, na forma como eles se-
rão apresentados. O capítulo seguinte também
tem a intenção de elucidar, para uma melhor
compreensão dos jogos, aspectos do funciona-
mento das relações.

79
2
RELAÇÕES TRIANGULARES

Estamos acostumados a pensar que uma re-


lação casal é composta de apenas duas pessoas,
mas, ao apurarmos o olhar, percebemos que, em
muitas situações, mais uma pessoa está envol-
vida. Todas as relações utilizam triângulos os
quais podem assegurar a inclusão dos membros
no movimento natural das inter-relações. No en-
tanto, quando os triângulos se cristalizam, eles

80
podem emperrar a fluidez das relações e manter
um ou mais membros fora.

Quando o nível de ansiedade da díade se


eleva, um dos dois convida um terceiro ou é con-
vidado por ele (não sendo necessariamente uma
relação extraconjugal). Triangular pode ser tão
somente buscar, de modo inconsciente, uma ou-
tra pessoa com quem interagir, queixando-se do
seu par, com o objetivo de diminuir a ansiedade
da relação. A ansiedade muitas vezes aumenta, a
partir de jogos relacionais e dos seus mecanis-
mos, jogos esses que o casal vai lançando mão no
seu dia-a-dia.

Quando duas pessoas conversam, uma


pode causar diferentes reações na outra e, a de-
pender de como uma das pessoas se sente, repe-
tidamente - confirmada, rejeitada ou desqua-

81
lificada, ela pode entrar em contato com tanta
ansiedade, que acaba precisando dividir isso
com mais alguém. Quando a relação triangula, os
dois membros iniciais não participam com o ter-
ceiro ao mesmo tempo. Um deles passa a intera-
gir com o terceiro, enquanto que o outro se sente
excluído. Esse movimento pode alternar, de
forma que três triângulos podem ser vivencia-
dos: A+C, B+C ou A+B, sendo A e B o casal e C a
terceira pessoa. “C” pode ser um filho, a empre-
gada, uma vizinha, um amigo ou alguém que par-
ticipa de alguma intimidade da família ou não. A
dificuldade aumenta à medida que a díade A+B
fica menos prestigiada.

Se o casal se sente confiante em sua relação,


o filho não teme ser relegado a segundo plano, e,
os relacionamentos pai-filho, mãe-filho podem
acontecer naturalmente; o filho compreende que
82
não será incluído no relacionamento de seus pais
enquanto casal e aceita seu lugar na relação.
Vimos com o exemplo de Graziela e Péricles que,
quando o casal está em conflito, um de seus
membros pode lançar mão de um dos filhos, para
conseguir sobreviver ao jogo do afastamento.

É na infância que os triângulos são ensina-


dos. O primeiro triângulo pai-mãe-filho pode ser
nutridor, proporcionar aprendizado em relação
à inclusão e à exclusão, e, assim a criança pode
aprender meios congruentes e positivos para es-
tabelecer, manter e gerenciar com sucesso suas
relações na vida adulta. Se a experiência na pri-
meira infância é desagradável, naturalmente, irá
também interferir no funcionamento das rela-
ções futuras.

83
Quando há uma disfunção dessa relação, a
triangulação se torna um padrão no qual a se-
quência de lances de cada um é previsível e, fica
entendido que a sua estrutura recorrente serve a
uma determinada função. A função inserida no
padrão organiza e facilita a comunicação e utiliza
sinais, cujos significados são facilmente entendi-
dos por cada membro da relação. A comunicação
pode ser simultaneamente verbal e não-verbal,
mas esta última pode ser muito mais poderosa.
Bowen sinaliza que as mensagens mais sutis de
triangulação são comunicadas por expressões
faciais, tons de voz, mudanças na postura cor-
poral e outros sinais não verbais (1988:10) 1

Satir acrescenta que até o jeito de vestir co-


munica (1988:149). No seu estudo sobre

1
Tradução nossa.

84
triângulos nas relações, Bowen (1988:134-135)
considera o triângulo como a molécula básica de
um sistema emocional e a menor unidade estável
de um relacionamento. Ele explica que é a ansie-
dade que movimenta o triângulo e que, quando
esta é baixa, a relação pode ser calma e confortá-
vel. Ele também afirma que a movimentação dos
triângulos é previsível e comenta que um obser-
vador, interessado em compreender o seu funci-
onamento, consegue obter respostas para
diversas perguntas tais como: o que, como,
quando e onde, no entanto, o porquê não fica evi-
denciado. O olhar que o observador deita sobre o
sistema e em suas relações não demanda que o
motivo para cada ação seja identificado - a fun-
ção, sim, esta é importante. Da mesma forma
que os cientistas diante do novo paradigma pre-
cisaram encontrar a pergunta certa para
85
entender o que estavam a ponto de descobrir,
também diante de um sistema e de suas relações
é importante identificar qual a pergunta a ser
feita. Em se tratando de uma família, a pergunta
precisa ser: PARA QUÊ CADA MOVIMENTO
ACONTECE? Ou seja, QUAL A FUNÇÃO DA

MOVIMENTAÇÃO DO TRIÂNGULO?

Em relação à função de um triângulo pai-


mãe-filho, Satir (1988:96) explica que o temor
do terceiro é que quando seus pais discutem en-
tre si, um ou outro possa ser destruído, durante
o processo; e, uma vez que a criança ama os dois,
necessita deles e não os quer perder, ela descobre
e aprende que, quando procura atrair sobre si as
atenções, seus pais param de discutir. Ela tam-
bém enfatiza que a criança carrega o peso de
acreditar que ela realmente mantém os pais uni-
dos. No entanto, a construção de triângulos não
86
se dá apenas dentro da família; ele também pode
acontecer em outras relações.

Enquanto a investigação do caso de Bela es-


tava focada em todas as outras perguntas – o
que, como, quando e onde, não foi possível tirá-
la do jogo relacional em que estava enredada.
Bela já havia passado por avaliação clínica da sua
saúde física, por um processo psicopedagógico e,
inclusive, psicoterápico, mas nada havia resol-
vido. A psicóloga que a estava acompanhando,
juntamente com a escola, sugeriu que, não so-
mente Bela, mas toda a família participasse de
uma terapia, uma vez que entendiam que o fun-
cionamento parental poderia estar causando
suas dificuldades.

A família iniciou o processo terapêutico e


apesar de todos se beneficiarem de muitos

87
pontos abordados nas sessões, não encontrava
no sistema familiar nada que justificasse o que
acontecia a Bela. Quase que diariamente, ela te-
lefonava para seus pais, solicitando que um deles
a fosse buscar na escola e, quando eles se recusa-
vam, insistindo que ela ficasse, ela apresentava
sintomas tais como náuseas, vômito, dores estra-
nhas e até desmaio.

De repente, depois de vasculhar nas rela-


ções familiares qual seria a função do sintoma,
um dado novo surgiu. A classe que ela partici-
pava tinha somente duas outras meninas que,
normalmente, conseguiam se fechar em sua dí-
ade, mantendo Bela de fora. Bela não tinha ideia
de que sua questão estava relacionada a essas
amigas, mas não ficou surpresa quando expli-
quei o funcionamento do jogo triangular. Uma
coisa ela já entendia: crianças, por mais
88
inocentes e puras que sejam, podem agir de
modo surpreendentemente cruel.

Quando o triângulo se movimentava, e era


a vez de Bela ficar de fora (o que acontecia repe-
tidamente), sua ansiedade se elevava de tal
forma que se tornava insuportável, pois, ainda
tão jovem, ela não tinha competência emocional
para perceber ou resolver tal questão. Conscien-
tizar-se do funcionamento da relação a aliviou
bastante. Em pouco tempo, Bela estava bem e foi
aprendendo a lidar com o jogo triangular, em
que estava envolvida com suas colegas. Como já
estava no final do ano, ela decidiu, junto aos seus
pais, mudar de escola, no ano seguinte. Eles es-
colheram um colégio maior, onde ela, certa-
mente, teria muitas outras colegas com quem se
relacionar. Até o ano letivo terminar, ela pode,
mais tranquilamente, pôr em prática tudo que
89
agora entendia sobre como a relação com suas
duas amigas funcionava; depois disso, Bela teve
todo o verão para se reestabelecer e se fortalecer.
Fui informada pelos seus pais mais adiante que,
no início das aulas, apesar da ansiedade natural
dos primeiros dias, o prazer de conhecer novas
pessoas foi ficando cada vez mais evidente em
seu rosto.

Bowen (1988:136) explica que a movimen-


tação do triângulo pode ser feita de diversas ma-
neiras. Uma delas pode acontecer quando um
dos membros da díade, “A”, se sente desconfor-
tável na relação com “B” e atrai um terceiro, “C”,
fazendo uma queixa a ele sobre “B”. Se “C” é re-
ceptivo e toma partido de “A”, “A” e “C” estabele-
cem uma proximidade mantendo “B” fora.

90
Fica evidenciado que o elemento chave da
triangulação é o fato de um deles tomar partido
do outro. Isso faz com que “A” e “C” se aliem para
culpabilizar “B”, pelas dificuldades da relação
dele com “A”. Outro aspecto que Bowen sinaliza
também que, a aliança feita entre “A” e “C” é ba-
seada na indiferenciação. Entende-se que uma
das características de uma pessoa diferenciada é
a capacidade de se relacionar, falando de si pró-
pria e não sobre outros ou sobre coisas impesso-
ais (1988:136). DIFERENCIAÇÃO é o processo de
desenvolvimento desde a infância até a vida
adulta, que implica na separação gradativa da
mãe, do pai e da família, para tornar-se uma pes-
soa autônoma, e, naturalmente, capaz de estabe-
lecer limites nas suas relações. Como Vânia
Castilho explica em seu artigo, sobre família de
origem,
91
Uma pessoa bem diferenciada é capaz de ser ela
própria, fazer e dizer o que deseja e pensa sem
sentir-se preocupada se os outros continuarão
gostando dela ou a criticarão, sem necessidade
de adular ou criticar de forma inapropriada. É
transparente sobre si mesma, aceita as diferen-
ças dos outros sem reagir, mas ao mesmo tempo
é aberta à possibilidade de mudança e capaz de
rever as próprias posições. (1994)

A diferenciação somente se conclui quando


a pessoa já passou por todas as etapas do seu ci-
clo de desenvolvimento. Ou seja, quando cri-
ança, ela ainda não é capaz de estabelecer limites
para os seus pais, caso um deles busque se aliar
com ela a fim de estabelecer um triângulo com o
outro. De acordo com Bowen (1988:137), é muito
comum que uma criança ocupe esse tipo de po-
sição em relação aos seus pais. Esta é uma ação
previsível. A criança se torna um problema
quando a tensão entre os pais alcança um certo

92
nível. Essa ação atrai a atenção de um deles ou
dos dois, para ela, reduzindo então a tensão en-
tre eles. 2 Quando os pais são separados, isso
pode se tornar comum; um destrói a imagem do
outro, aos olhos da criança, em função das suas
mágoas e ressentimentos. Se a criança fica do
lado de um, é desleal ao outro e vice-versa. Cada
criança decide como lidar com esse tipo de ques-
tão, adoecendo ou se desligando, entre outras
possibilidades.

Mesmo filhos maiores, se não se diferenci-


aram ainda, costumam ter dificuldade para recu-
sar o convite para se aliar a um dos pais. Josiana,
por exemplo, somente depois de muito tempo,
aos 40 anos, entendeu que, enquanto sua mãe vi-
via, ela era depositária dos seus segredos.

2
Tradução nossa.

93
Josiana não conseguia ter vida própria, uma vez
que sua vida girava em torno das necessidades
de sua mãe. Era através de Josiana que sua mãe
se relacionava com a família.

Os triângulos também podem se entrelaçar.


A família de Lucas e Amélia exemplifica esse tipo
de relação. Eles vieram para a terapia com a
queixa de que os filhos estavam brigando de-
mais. A uma certa altura do processo terapêu-
tico, um dos filhos, durante uma sessão, levantou
a hipótese de que as brigas deles poderiam ser
para evitar que os pais brigassem. Essa observa-
ção ilustra que mesmo uma criança, se orientada
a pensar, pode refletir sobre seu próprio compor-
tamento.

Lucas era um pai omisso nas questões que


exigiam sua autoridade. Ele não conseguia dar

94
limites a ninguém, e, cada vez que Amélia ten-
tava envolvê-lo em alguma situação com o filho
caçula, ela se frustrava. Em vez de brigar com o
marido, Amélia se indispunha cada vez mais com
o filho e, para aliviar sua tensão, ela confidenci-
ava com a filha mais velha com quem procurava
manter uma aliança. A filha mantinha a mãe
fora, enquanto tentava fazer as vezes de pai,
junto ao seu irmão que, naturalmente, não reco-
nhecia a sua autoridade; em vez de resolver a
questão, os irmãos brigavam e brigavam cada vez
mais. Ocupados com as brigas dos filhos, Lucas
e Amélia não olhavam para as suas próprias
questões.

Ao fazer a leitura das relações e do seu fun-


cionamento triangular, o foco de Bowen
(1988:134) não são os truques que os joguinhos
corriqueiros proporcionam e sim a movimen-
95
tação dos triângulos. Ou seja, ele focaliza a dinâ-
mica e a função sem se prender ao conteúdo das
questões. No que diz respeito às relações tri-
angulares, a Análise Transacional, por sua vez,
adotou a expressão triângulo dramático, conce-
bida por Karpman (1968), para explicar a alter-
nação de duas ou três pessoas nos papéis de
SALVADOR, PERSEGUIDOR e VÍTIMA. Para ele,
quando surge uma VÍTIMA, compreende-se que
existe um PERSEGUIDOR.

A tensão dessa díade fisga um SALVADOR


para aquela pessoa que se coloca no lugar de
VÍTIMA, e, este SALVADOR, automaticamente, se
torna PERSEGUIDOR do PERSEGUIDOR inicial que,
por sua vez, se torna VÍTIMA. E assim eles ficam
- circulando nos papéis.

96
Como diz Kertész (1977:96), O SALVADOR
do triângulo dramático precisa ser necessário,
enquanto o PERSEGUIDOR precisa que o temam e
a VÍTIMA precisa que a desqualifiquem.3 Atento
às situações que contextualizam os jogos, Berne
(1974) os classificou, nomeando-os quanto aos
temas centrais, sem perder de vista que sua fun-
ção é sanar a fome de afeto. Os jogos classifica-
dos por Eric Berne (alguns dos quais serão
discutidos no apêndice), podem ser agrupados a
partir de cada vértice do triângulo.

O PERSEGUIDOR tem um perfil crítico e dá


conselhos como se estes fossem imprescindíveis
de serem seguidos. Ele é também punitivo. De
acordo com a terminologia de Berne, os jogos
preferidos do PERSEGUIDOR são: Agora briguem

3
Tradução nossa.

97
vocês, Agora te peguei, seu FDP, Não disse? Eu
sabia!, Bandido e Mocinho, Corner, Defeito, En-
curralar, Gritaria, Jogo de Poder de quem está
por cima, Olha o que você me fez fazer, Querida,
Se não fosse por você, Sedução, Sim, mas..., Tri-
bunal.

O SALVADOR é bem-intencionado e, em vez


de cuidar de si, cuida dos outros, que acabam por
não tomar conta de si mesmos, como diz Steiner
(1998:115), protegendo-os de apuros, impe-
dindo de tomar suas próprias decisões ou de en-
contrar seu próprio caminho. Os jogos
preferidos do SALVADOR são: Eles ainda vão
agradecer, Se não fosse por mim, Só estou que-
rendo ajudar.

Steiner (1998:115) descreve a VÍTIMA como


incapaz de tomar decisões, deixando que outros

98
conduzam suas vidas e tomem conta delas. Os jo-
gos favoritos da VÍTIMA são: Alcoólatra, Arra-
sado, Burro, Chute-me / Bata-me, Coitadinho,
Desastrado, Devedor, Jogo de Poder de quem
está por baixo, Mártir, Mulher Fria, Perna de
Pau, Pobre de mim, Por que essas coisas só
acontecem comigo?, Tonto, Veja só como eu me
esforcei.

Para escapar de triangulações, é preciso ser


capaz de compreender que cada uma das pessoas
envolvidas contribui à sua maneira, para a situa-
ção estar como está. Para Berne, sair do triân-
gulo dramático implica em pensar e analisar
cada passo do jogo, para adequar resposta X si-
tuação de forma que a pessoa consiga se furtar a
ocupar uma dessas três posições. Às vezes, a fala
precisa ser acolhedora, outras vezes firme, ou
ainda tão somente racional. Como veremos
99
adiante, para assegurar-se de não precisar entrar
em nenhum desses papéis é importante ter a au-
toestima elevada e se sentir preenchido como
pessoa.

Quando voltamos a Bowen (1988:108),


compreendemos que, para ele, não entrar nos
triângulos implica diferenciar-se. Isso significa
ser capaz de distinguir pensamento de senti-
mento e considerar prós e contras entre várias
escolhas, antes de tomar decisões. Uma pessoa
que tem bom conhecimento de si mesma, conse-
gue olhar para a realidade de frente sem se dei-
xar abater com as dificuldades e é capaz de se
colocar de forma objetiva e direta. Para uma pes-
soa madura emocionalmente, não é importante
falar sobre as outras pessoas. Ela prefere lidar
com suas próprias questões. Uma pessoa dife-
renciada é capaz de ter empatia pelo problema
100
das outras, sem se envolver emocionalmente, to-
mar partido, atacar ou defender. Ao atingir tal
grau de amadurecimento, a pessoa é capaz de
agir com neutralidade, diante das questões dos
demais.

Enquanto isso não é possível, é comum que


os casais ou as díades lancem mão dos jogos re-
lacionais que desembocam na necessidade da
triangulação e vice-versa.

A partir desse ponto, os JOGOS RELACIONAIS


serão tratados de maneira didática para que seja
mais fácil perceber seu funcionamento bem
como compreender como lidar com eles.

101
3
QUE SÃO JOGOS RELACIONAIS?

Os Jogos Relacionais são um padrão de co-


municação em que a informação é passada para
uma ou mais pessoas de forma indireta, mas
aparentemente aceitável e que evolui para um fi-
nal desconfortável para todos os implicados. Ou
ainda como Eric Berne simplifica: jogos são
constituídos por uma série de lances com uma
cilada ou um truque no meio ou no fim.
(1974:49)

Os jogos são mais do que brigas. Algumas


brigas isoladas, percebidas como simples inci-

102
dentes, podem se assemelhar a jogos. No en-
tanto, se for apenas um contratempo ou um mal-
entendido na comunicação, pode ser esclarecido
com uma confrontação; os jogos, por outro lado,
por serem sistemáticos, aprisionam.

Uma expectativa natural seria que, estando


as pessoas mais próximas, a intimidade deveria
ser algo natural, contudo, é quando a relação
atingiu essa etapa, que os jogos encontram es-
paço para serem implementados. Em vez de
afastar as pessoas, os jogos parecem alimentar a
relação, como se, ainda que impossibilitados de
intimar, elas precisassem sentir-se conectadas. É
muito comum que, depois de começar um jogo
na díade, um dos membros busque a triangula-
ção.

103
Lamentavelmente, os jogos substituem a
intimidade entre os membros, quer por questões
da própria relação ou da história de cada um. Ou
seja, as pessoas jogam em busca de afeto mesmo
que seja afeto negativo em vez de intimidade ver-
dadeira. A explicação de Berne para isso é que:
À medida que as pessoas se conhecem melhor,
mais e mais programação individual vai sur-
gindo, e assim os ‘incidentes’ começam a ocorrer.
Estes incidentes parecem casuais à primeira
vista, e pode ser que assim os definam as partes
envolvidas, mas um meticuloso estudo revela que
tendem a seguir padrões suscetíveis de classifica-
ção, e que sua sequência é regulada por regras
estritas, embora não escritas ou ditas (1974:21).

Além das regras, para um jogo começar, é


preciso haver um tabuleiro, que, no caso do jogo
relacional, é o contexto. A ferramenta que faz o
jogo começar, no xadrez, são as peças; no jogo
relacional, as iscas. A função da isca é fisgar a
104
fraqueza complementar do outro jogador para
que a partida possa ser iniciada. Inúmeros são os
exemplos de iscas para jogos, extraídas do dia-a-
dia de qualquer grupo social. Na minha percep-
ção, durante esses anos que me interessei por
esse tema, muitas iscas buscam privar o outro do
direito de escolha. O que igualmente observei é
que o funcionamento do jogo está também ligado
à omissão ou distorção de informação com a in-
tenção de tirar algum proveito, seja essa inten-
ção consciente ou não. Os segredos de família,
por exemplo, podem levar a jogos, uma vez que
eles funcionam como uma fronteira que separa
os que sabem dos que não sabem. Os que sabem
têm, entre si, comunicações não-verbais que são
facilmente percebidas, pelos que não sabem, fa-
zendo-os se sentirem excluídos.

105
Amélia, casada com Lucas há 18 anos, con-
fessa em uma sessão de terapia de família que ela
se ressentia muito do marido porque, no pas-
sado, ela estivera deprimida durante um ano,
mas ele nunca percebera. Ela afirma que não
disse nada para ele, na ocasião, porque queria
verificar se ele prestava atenção a ela; Amélia fi-
cava cada vez mais frustrada porque não aconte-
cia nada! Ao ouvir o depoimento de Amélia,
Lucas ficou perplexo, e, depois que se situou em
relação à época, ele conseguiu compreender por-
que aquela foi uma fase em que ele se sentia tão
distanciado dela. Amélia tinha expectativas em
relação a Lucas que ele não conseguira atender.
Ele conta que muitas noites fora dormir angusti-
ado, sem saber o que poderia ter feito, que a dei-
xava tão distante. Os dois seguravam infor-
mações sobre seus sentimentos e pensamentos e
106
sofriam com isso, mas se mantiveram fiéis aos
seus padrões relacionais. Ela se sentia desconfir-
mada e ele rejeitado.

De acordo com Wheatley,


Nas novas teorias da evolução e da ordem, a in-
formação é um elemento dinâmico e mutável que
ocupa o centro do palco. Sem informação, a vida
não pode criar nada de novo. A informação é ab-
solutamente essencial à emergência da nova or-
dem. Toda a vida usa a informação para
organizar-se numa nova forma. (2002:112)

Amélia e Lucas não permitiram que a dina-


micidade da informação estivesse ativa em seu
relacionamento. A retroalimentação foi, por-
tanto, negativa, com a intenção de manter o pa-
drão da relação.

Falas, expressões, comportamentos isola-


dos, atitudes, não constituem iscas para jogos,
mas analisados dentro do contexto da situação,
107
e, do formato e funcionamento da relação, po-
dem ser identificados como tal. Exemplos de
comportamentos que podem funcionar como is-
cas são: surpreender alguém chegando sem se
anunciar; deixar de anotar ou até esquecer de
dar um recado em vez de dizer que não vai fazê-
lo; dar informação sem se assegurar de que o ou-
tro recebeu ou ouviu; não prestar atenção ao que
ouve e não informar que não ouviu ou que não
entendeu; ao ser convidado para alguma ativi-
dade e aceitar, mesmo sabendo que não vai; um
pai ou uma mãe que castiga os filhos se eles men-
tem, mas apesar de estar em casa, para evitar
atender uma ligação indesejada, manda dizer
que não está, na frente dos próprios filhos; colo-
car um troco dentro da bolsa da esposa, mas não
avisar que colocou, entre outros tantos. Essas
iniciativas, ou seja, possíveis iscas, poderão
108
acionar uma reação no outro que, com seu com-
portamento, irá, de volta, rejeitá-lo ou descon-
firmá-lo. Quando a isca encontra seu peixe,
significa que ambos estão se comunicando de
forma indireta, mas aceitável para o padrão da
relação; o final, ainda que previsível, é descon-
fortável para todos.

As iscas exemplificadas podem estar pre-


sentes em qualquer relação, especialmente na
relação casal, pois geram os mais diversos jogos.
Quanto maior a tensão, tanto mais jogos e con-
sequentes triangulações estão presentes no dia-
a-dia das relações. Além dos jogos do cotidiano,
os casais jogam os jogos eventuais ou ainda os
sazonais, como eu os classifico,

Os jogos eventuais acontecem de tempos


em tempos, após um período de normalidade,

109
quando este é sentido como entediante. A rela-
ção está sem graça, a pessoa se sente esquecida
pelo outro ou, ao contrário, fica evidente que a
única coisa possível, naquele momento, é a pro-
ximidade, mas esta é ameaçadora. É o caso de
Sílvio e Maria. Eles não conseguiam associar o
jogo que jogavam a uma situação ou momento
específicos. De vez em quando, eles faziam o
mesmo jogo. Sílvio se mostrava indeciso em re-
lação a alguma coisa como, por exemplo, a qual
filme assistir, a qual restaurante ir ou mesmo
que camisa vestir para ir ao mercado. Maria se
prontificava a decidir por ele. Imediatamente
Sílvio já sabia o que fazer e nunca era o que ela
havia sugerido. A partir de então, eles ficavam
um mês sem sexo. Como sexo era para eles a
única forma de proximidade e carinho, eles se
sentiam totalmente distantes. Ao se darem conta
110
do que faziam, puderam identificar quais cren-
ças confirmavam, ao final de cada jogo. Ainda
que meio embaraçado, ele admitiu que pensava:
Não vou deixar ninguém mandar em mim, e ela:
Você vai ver o que eu vou fazer com você já que
não faz do meu jeito. Para eles, o processo tera-
pêutico pôde avançar com maior fluidez desde
então.

Os jogos sazonais acontecem próximos a


datas importantes tais como: aniversários, Na-
tal, Dia das Mães, entre outros. Normalmente,
têm como objetivo, evitar intimidade. Depois do
desfecho do jogo, não há clima para mais nada, a
não ser a ressaca emocional, que deixa os dois de
molho. Este raciocínio pode parecer paradoxal,
uma vez que se supõe que um casal deseja inti-
midade, mas se o padrão da comunicação da

111
relação é distorcido, isso pode sugerir que a inti-
midade é algo temido pelos dois.

Há alguns anos, atendi um casal que viven-


ciava esse tipo de experiência, sem perceber. Eu
os chamarei aqui de Edvaldo e Almerinda. Ed-
valdo tinha em sua manga de camisa uma carta
que utilizava, repentinamente, e que mantinha a
relação em grande tensão, durante alguns dias
ou mesmo semanas. Apesar de não ser a minha
prática, especialmente para uma primeira entre-
vista, escutei o relato de Edvaldo, sem inter-
rompê-lo. Ele estava ansioso e falava sem parar;
parecia ter urgência em desabafar. Almerinda
mostrava-se acuada e não dissera nada. Quando
o tempo da entrevista acabou, sem que eu me
pronunciasse, Edvaldo, frustrado, perguntou: A
senhora não vai dizer nada?, e eu expliquei que
não havia mais tempo, e que, para me posi-
112
cionar, era importante ouvir Almerinda, além de
fazer algumas perguntas. Quando eu terminei de
falar, ele explicou que tinha sido tão detalhista
porque fazia questão de deixar claro o assunto
para que eu mostrasse para Almerinda que ele
estava certo. Esclareci minha forma de trabalhar
e após contratar o processo terapêutico do casal,
marcamos a primeira sessão para logo, a seu pe-
dido, pois ele não suportava mais a relação como
estava.

Tive a impressão de que silenciar com Ed-


valdo na entrevista, surtiu efeito. Na sessão se-
guinte, Edvaldo agia de maneira diferente e
mostrou-se disposto a interagir de modo que Al-
merinda também pudesse se colocar.

Desde a entrevista, pareceu-me que o es-


tresse da relação apontava para um jogo, cuja

113
isca poderia ser a tal carta que Edvaldo tinha na
manga; resolvi, entretanto, deixar o possível jogo
de lado para verificar um outro aspecto que pa-
recia intrigante. Sugeri que construíssemos uma
linha do tempo, situando esses momentos difí-
ceis, que eles viviam tão repetidamente. O clima
da sessão mudou, uma vez que o foco não eram
as brigas, mas as ocasiões em que elas aconte-
ciam. Facilmente eles perceberam que todas as
brigas aconteciam em vésperas de feriados pro-
longados, ou férias, ou ainda próximos a datas
especiais para o casal.

Essa percepção teve um efeito significativo


para a direção que o processo do casal tomou. Fi-
cou muito mais fácil para eles falar sobre a ques-
tão em si, uma vez que eles perceberam que a
sistematicidade das brigas denunciava que havia
algum sentido por trás delas – uma função. Aos
114
poucos, os dois foram se dando conta de que di-
ficilmente tinham lazer – na verdade descobri-
ram que não conseguiam incluir prazer na vida
pessoal, na vida do casal ou da família. Estavam
sempre ocupados, fazendo alguma coisa relacio-
nada a trabalho ou a obrigações.

A tomada de consciência foi o primeiro


passo para que o jogo pudesse ser identificado.
Como mostra uma das características da visão
sistêmica aplicada às relações, o comportamento
de um membro influencia e é influenciado pelo
comportamento do outro. Desta forma, quando
Almerinda respondia do mesmo jeito toda vez
que Edvaldo a abordava, ela contribuía para que
o padrão fosse mantido. É evidente que ninguém
joga sozinho e que cada pessoa da relação tem
sua própria responsabilidade para a existência
dos jogos. Tomar consciência de que está
115
jogando é o primeiro passo; no entanto, assumir
sua parte é um passo ainda mais importante,
para sair do circuito dos jogos. Mais adiante, re-
tomaremos esse casal e a maneira como a relação
foi transformada.

Os casais jogam de acordo com seus estilos


relacionais, que podem ser: simétrico ou com-
plementar. Os casais simétricos costumam ficar
aprisionados ao cabo de guerra em que as dis-
putas veladas e a competitividade são estímulos
ou mesmo o contexto ideal para jogos, enquanto
os casais complementares jogam os jogos de po-
der, que, de acordo com Steiner, são estratégias
manipuladoras empregadas para se levar as
pessoas a fazer o que não desejam fazer
(1976:205). Os jogos complementares podem
inclusive atingir o nível de dominação X submis-

116
são, sendo que o membro que está submetido
joga jogos de quem está por baixo.

Esses jogos são em geral vivenciados e


aprendidos nas triangulações da infância,
quando a criança é utilizada para que uma das
figuras parentais consiga seu apoio, em aliança,
através de sedução ou manipulação. Outro
exemplo é quando os pais, para serem obedeci-
dos ou para motivar as crianças a fazerem coisas
contra a vontade delas, as manipulam por medo
ou controle, batem nelas ou alteram a voz, de-
monstrando poder repetida e intensamente.
Como crianças, em lugar submetido, elas só con-
seguem encontrar saídas através de jogos de
quem está por baixo, dissimulando, mentindo,
enganando.

117
O caso de Lucas e Amélia pode ilustrar o
tipo de relação casal – dominação X submissão.
Amélia era filha de uma mulher admirável pela
sua força e garra. Uma mulher que criou 9 filhos,
sozinha, uma vez que seu marido a abandonara.
Amélia sempre se ressentiu por não ter tido pai
presente.

Quanto a Lucas, ele explicou que foi muito


bem-criado. Seu pai, um homem fechado, aco-
lhia as orientações da esposa. Sua mãe, havia
sido filha única e se tornou uma mulher firme e
rigorosa que chefiava a casa com rigor. Ela lhe
ensinou boas maneiras e o orientou a evitar con-
flitos. Lucas tornou-se um homem muito edu-
cado, incapaz de desagradar às pessoas à sua
volta. Essa havia sido sua criação doméstica.
Uma educação civilizatória.

118
Todos nós aprendemos sobre emoções, vi-
venciando-as no sistema familiar. É a família o
primeiro sistema a interferir sobre o que pensa-
mos, do que gostamos e especialmente o que é
permitido sentir. Foi isso que aconteceu com Lu-
cas e Amélia: cada um trouxe para o casamento
a forma de se sentir em relação ao mundo,
aprendida na família de origem.

Quando eles se casaram, Lucas, reservado,


procurava agradar a sua esposa, do jeito que ha-
via aprendido. Amélia reconhecia a boa vontade
dele, em lhe agradar, mas não conseguia enten-
der por que ele sempre acabava lhe aborrecendo.
Amélia falava cuidadosamente do seu desa-
grado, mas de algum modo, Lucas se sentia criti-
cado. Era intrigante como eles conseguiam não
brigar. Eram cordiais até para falar das suas in-
satisfações, no entanto, um observador atento
119
enxergava as farpas por trás das palavras. O
único problema deles era que os filhos brigavam
demais! A percepção de que eles possivelmente
triangulavam com os filhos, ficou evidente.

Os filhos descreveram Amélia como mãe-


zona autoritária e o pai retraído. Na sessão se-
guinte, em vez da família, o casal foi convidado a
vir sozinho. Lucas parecia ansioso por desabafar.
Ele falava que havia pensado muito depois do úl-
timo encontro e que se deu conta de que Amélia
funcionava como mãe para ele, coordenando as
suas tarefas, chamando-lhe amorosamente a
atenção, educando-o e ensinando-o a se portar
na vida. Ele percebeu que uma questão que o
aborrecia era sistemática: Amélia marcava com-
promissos, sem lhe perguntar, contando que ele
a levaria, ou seja, a agenda dele não era dele. Pela
descrição que ele fez, percebi que ele havia
120
descoberto que a relação deles funcionava den-
tro do SISTEMA DOMINAÇÃO X SUBMISSÃO.

Ele se sentia infantilizado por ela, que não


se dava conta do que fazia. Suas falas costuma-
vam ser: Estou falando isso para o seu bem; Meu
filho, você precisa aprender a dizer não para as
pessoas, para poder cuidar melhor da sua famí-
lia. Por outro lado, ele funcionava como um pai,
garantindo-lhe o sustento, levando-a a todos os
lugares que ela pedia e resolvendo todos os seus
problemas. Lucas se responsabiliza admitindo
que era ele quem autorizava Amélia a tratá-lo
como filho, quando não dizia a ela quais os seus
desejos e se deixava invadir, não dando limites.

Lucas afirma que aquele era um mundo


completamente novo sendo revelado, então,
muito reflexivo diz para Amélia: Parece que eu

121
me relaciono com você com medo do que você
possa dizer. Lucas pôde admitir que ressentia
não ter o papel de homem na relação, e passou a
assumir mais os seus desejos; ele teve coragem
de reconhecer que, mesmo dizendo sim para
Amélia, muitas vezes ele sabotava as tarefas que
ela lhe atribuía, ou seja, seu sim era na verdade,
um NÃO disfarçado.

A uma certa altura do processo da família,


em uma sessão em que o casal estava sozinho,
eles relatam que os filhos já não brigavam, mas
eles começaram a brigar. Para eles, falar sobre o
que pensavam e sentiam significava brigar.

O casal experimentava uma forma direta de


relação, ainda titubeante. Precisavam agora
aprender a falar sobre os seus sentimentos,

122
construir e exercitar um novo repertório para
uma comunicação direta e mais saudável.

Os Jogos Relacionais também estão presen-


tes em grupos, na família nuclear, na família ex-
tensa, na escola (diretoria, supervisão,
coordenação e sala de aula), na empresa (em to-
dos os seus níveis), entre amigos etc. Ou seja,
onde quer que os seres humanos civilizados es-
tejam, lá estarão os jogos.

Uma vez que a tarefa de socializar começa


na família, seja através da imposição ou coação
(Durkheim, 2001:2), é na família que se aprende
a triangular, a esconder informações e a disfar-
çar os pensamentos e sentimentos, para manter
a sensação de pertencimento ao grupo em que se
está. É na família, que os primeiros jogos são vi-
venciados, aprendidos e depois praticados na

123
escola, no trabalho, na vida social e na vida con-
jugal.

Hábitos tão arraigados exigem muita deter-


minação para serem modificados. Parar de jogar
significa ir contra todos esses grupos sociais e
correr riscos de não mais a eles pertencer. Para,
pelo menos, diminuir ou minimizar sua incidên-
cia, é importante conhecer bem as suas caracte-
rísticas e nuance.

124
4
CARACTERÍSTICAS DOS JOGOS

Como identificar o padrão dos jogos a partir


de desentendimentos, situações explosivas ou
brigas dentro das relações? Essa empreitada de-
manda observação, criatividade e perseverança.
Uma metáfora que pode ajudar a entender o me-
canismo e as estratégias do jogo relacional é o
jogo de xadrez.

Taya Efremoff, mestre brasileira de xadrez,


o conceitua como um jogo dos cálculos das

125
consequências. Em seu livro, Fundamentos do
Jogo de Xadrez, ela apresenta os princípios e as
regras desse jogo e descreve como iniciá-lo:
A partir do primeiro lance, cada movimento das
peças modifica a posição geral. Examinando esta
modificação, nós planejamos nossas respostas.
Este planejamento racional chama-se
ESTRATÉGIA. Para formar um bom plano de ação
devemos estudar com muita atenção os lances do
adversário, suas possíveis ameaças e onde ele
pretende atacar-nos. (1969:37)

No caso do jogo de xadrez, chama-se vari-


ante forçada uma sequência de lances que irá
gerar respostas únicas, possíveis pelo adversá-
rio. O especialista em xadrez precisa saber utili-
zar muito bem a variante forçada para ser capaz
de prever quais os possíveis movimentos do ou-
tro jogador; ao imaginar quais poderão ser as jo-
gadas do adversário, o especialista, com o seu

126
próprio movimento, limita as opções deste para
que ele só jogue da maneira prevista. Dessa
forma, aquele que utilizou a variante forçada al-
cança seu próprio objetivo que é galgar uma po-
sição superior, ainda que durante o jogo, alguns
ajustes venham a ser necessários, para que situ-
ações aparentemente imprevisíveis possam ser
sanadas e a estratégia original retomada. Neste
caso, o controle é tamanho que, além de influen-
ciar o comportamento do outro, o especialista
quer determinar de que forma tal comporta-
mento irá afetar a si mesmo. Isso também acon-
tece nas relações. São as relações em que a
retroalimentação negativa busca assegurar que
tudo seja mantido como é, sem qualquer novi-
dade.

Ao final da variante forçada, se houver sa-


crifício de alguma peça ou peão, ou seja, se algu-
127
ma peça for conquistada pelo outro jogador, a
variante passa a ser chamada de combinação.

A mesma descrição poderia ser utilizada


para o jogo relacional. A partir da isca, cada fala
ou movimento modifica o contexto geral do
campo relacional. Ao observar esta modificação,
o jogador escolhe estrategicamente as suas falas,
para obter as respostas que deseja (mesmo que
utilizando um plano de ação inconsciente) como
a variante forçada do jogo de xadrez. Quando o
outro é fisgado, equivale a uma peça sendo con-
quistada pelo outro jogador – como a combina-
ção para o xadrez.

Para que tais estratégias sejam utilizadas,


as regras do jogo são rigorosamente seguidas pe-
los envolvidos. Como o jogo de xadrez, o jogo re-
lacional, de acordo com Watzlawick (1967),

128
também tem princípios e regras que o estrutu-
ram. A obediência a tais princípios é imprescin-
dível para que os jogos se instalem na relação. Os
princípios básicos são:
(1) a alternação de turnos pressupõe que cada res-
posta estimula a resposta seguinte, ou seja, cada joga-
dor faz a sua parte garantindo a continuidade da
partida;

(2) a ampla opção de movimentos permite um to-


que de aparente imprevisibilidade, instiga a inteligência
dos jogadores, estimula o aperfeiçoamento da sua habi-
lidade e impede que a conversa seja vista como jogo, e;

(3) a aceitação das regras do jogo que assegura a


manutenção do padrão, uma vez que se as regras forem
infringidas o comportamento dos jogadores muda e,
consequentemente, o jogo termina.

Além do paralelo entre os princípios do jogo


de xadrez e dos Jogos Relacionais, é também

129
possível comparar sua estruturação e funciona-
mento. Em vez de peões e peças, o jogo relacional
utiliza dados e informações dentro da comunica-
ção (expressão verbal) ou do comportamento
(expressão não-verbal) – a inter-relação dos da-
dos possibilita a percepção das infor-mações; em
vez de tabuleiro, o jogo das relações utiliza o
campo relacional (tensionado ou entediado) e as
regras que são os contratos velados da relação.

As regras, no jogo de xadrez ou em qualquer


outro jogo de lazer, são previamente contrata-
das, abertamente explicadas e aprendidas por to-
dos os participantes. Nos Jogos Relacionais, as
regras são aprendidas a partir da observação dos
comportamentos dos modelos parentais, treina-
dos nas relações familiares e repetidas ou mesmo
ajustadas de geração em geração. Diferentes cul-
turas e classes sociais estimulam diferentes jogos
130
e suas variações, mas, em todas as situações, é na
tradição familiar que os jogos se perpetuam.

Os jogos são simples, ainda que seus efeitos


em cada jogador e suas consequências nas rela-
ções sejam por vezes catastróficos. Por exemplo,
uma esposa zangada porque seu marido não fez
algo que ela desejava, pode pensar: “Eu sei que
ele vai ficar muito irritado se eu me fechar, mas
ele só merece minha indiferença!”, em vez de
perguntar diretamente as razões que o impediu
de fazer. Por outro lado, ele provavelmente sabe
que, quando ela se fecha, basta que ele dê a ela
um presentinho e a situação se resolve! Ou seja,
ele também evita conversar sobre o assunto e as
questões vão sendo jogadas para debaixo do ta-
pete. Cada um faz sua parte, atuando em seu pró-
prio papel para que o jogo possa acontecer.

131
Iara e Augusto também repetiam continua-
mente o mesmo jogo. Iara confessa, na primeira
sessão, que depois de 18 anos de casada, mantem
suas expectativas em relação a Augusto; a essa
altura, ela tem certeza que ele não vai atender,
no entanto, ela continua se fechando, toda vez
que ele faz diferente do que ela quer. Augusto já
sabe que, em momentos assim, se ele quiser al-
guma coisa com ela, ele vai ter que a seduzir, até
ela se abrir de novo. Ele diz que tem que fazer por
merecer para ter sexo. Nem sempre ele está a fim
de fazer isso, por esta razão, algumas vezes ele
também se fecha e fica cada um de um lado.

Iara tem várias queixas dele. Ironicamente


a queixa que mais a incomoda é que Augusto é
muito reservado; ele nunca se abre. Ela não per-
cebe que ela também contribui para isso. Ela re-
clama que muitas vezes acaba sabendo de coisas
132
interessantes sobre ele através dos outros e isso
a deixa muito mal.

Em geral, os jogos mantêm seus jogadores


presos um ao outro, uma vez que eles guardam
para si os próprios pensamentos e fantasias. Esta
é uma das características que contribuem para a
manutenção dos jogos relacionais.

133
5
COMO FUNCIONAM?

O padrão básico dos jogos pode ser eviden-


ciado a partir da observação de como a comuni-
cação acontece na relação. Os jogos utilizam
falas sobrepostas: a fala expressa é ouvida atra-
vés de palavras em sentenças normais e aparen-
temente inocentes, as quais ninguém pode
questionar por serem plausíveis e socialmente
aceitas. A fala velada é invisível como uma indi-
reta e está localizada por trás das palavras ex-
pressas, na maioria das vezes, no compor-
tamento, contendo motivações ocultas. Ou seja,
palavras faladas no nível social podem ser
134
ouvidas por todos, mas a mensagem das palavras
veladas é direcionada como uma isca para fisgar
um parceiro de jogo.

A partir do momento em que o parceiro é


fisgado, duas conversas passam a acontecer em
paralelo. Seguindo os princípios dos jogos relaci-
onais, o outro jogador dá uma resposta compatí-
vel ao nível social, a qual, ao mesmo tempo,
responde também à mensagem velada, atre-
lando os dois jogadores no propósito do jogo. Es-
ses lances são comparáveis à variação forçada e
combinação do jogo de xadrez explicadas no ca-
pítulo anterior. A variação forçada equivale aos
lances iniciais do jogo ou sequência de compor-
tamentos, e a combinação, o momento em que o
primeiro jogador fisga o outro, o que dá a ele im-
pressão de que o está derrotando.

135
No jogo de xadrez, os jogadores estão pas-
sando o tempo em busca do xeque-mate que é o
reconhecimento do desempenho do vencedor.
Nos jogos relacionais, além de também ocupa-
rem o tempo fazendo alguma coisa, todos os jo-
gadores estão em busca do benefício final – após
um breve silêncio, mudam de humor e confir-
mam suas crenças pessoais e familiares, e, se
sentem preenchidos, ainda que de sentimentos
negativos.

Claude Steiner (1976) afirma que importan-


tes pesquisas consideram a estimulação como
uma das necessidades primárias dos organismos
superiores e que Berne desenvolveu os conceitos
de fome de estímulos e afagos baseando-se em
tais evidências clínicas. Steiner também afirma
que os jogos oferecem satisfação para essa fome
e que tal satisfação é considerada como a
136
vantagem, a recompensa do jogo. Esses afagos,
também chamados de carícias negativas, pelos
analistas transacionais, quando obtidos através
de jogos, são inadequados, mas, ainda assim, são
essenciais se a capacidade de buscar carícias
adequadas está impedida. Como diz Kertész: É
preferível levar um pontapé a ser ignorado.
(1987:124)

Como vimos anteriormente, quando duas


pessoas conversam, uma pode causar diferentes
reações na outra - quanto mais rejeitadas, igno-
radas ou desconfirmadas as pessoas se sentem
nas suas relações, tanto mais elas jogam. Para jo-
gar, elas lançam mão da comunicação indireta.
Essa forma indireta de se comunicar é utilizada
porque, para jogadores relacionais, é impossível
falar abertamente sobre o que pensam e o que
sentem. Muitas vezes, eles não têm clareza de
137
quais são seus sentimentos. Eles sentem fome de
estímulos, de carícia, de afeto, de reconheci-
mento, mas dificilmente estão conscientes disso.
E mesmo que percebam, não sabem o que fazer
– não estão acostumados a buscar o que preci-
sam ou, ainda, acham que se pedir não vale! O
outro tem que dar espontaneamente (como se o
outro tivesse que adivinhar o que, como e
quando dizer ou fazer alguma coisa).

Quando uma pessoa pede o que necessita e


fala o que pensa e sente de maneira direta e
franca, está ao mesmo tempo se mostrando para
o outro - abrindo seu coração e intimando. Mui-
tas vezes, a pessoa não aprendeu a detectar suas
necessidades e identificar os seus sentimentos e,
por isso, não consegue ter momentos de intimi-
dade verdadeira. Podem até dizer que desejam
intimar, mas nem sempre conseguem. Quanto
138
maior for a dificuldade dos membros de uma re-
lação para ter tais momentos, maior a incidência
de jogos.

Cada jogador tem seu próprio repertório de


jogos e precisa encontrar o parceiro que jogue os
jogos que os complementam. Feita a escolha do
parceiro de jogos, eles se atrelam. Uma vez que
os jogadores estão presos um ao outro, os lances
evoluem para o objetivo final, como descreve Ro-
berto Kertész (1987:119), referindo-se a Eric
Berne e sua fórmula dos jogos: uma pessoa joga
a isca em busca da fraqueza do outro; ao ser fis-
gado o outro dá uma resposta complementar; tal
resposta faz com que um se prenda ao outro; ao
mesmo tempo, ambos mudam de humor o que é
seguido de um silêncio desagradável; então, eles
se afastam confirmando as suas crenças pessoais
que é o benefício final do jogo. A mudança de
139
humor preenche a fome de estímulo; o silêncio
abre o espaço interno para confirmação de cren-
ças e, assim, se asseguram que continuarão com
a prática dos jogos.

No caso de Edvaldo e Almerinda, apresen-


tado anteriormente, o afastamento deles, ao final
de cada jogo, assegurava evitar intimidade du-
rante o tempo livre que eles teriam, juntos, nos
fins de semana prolongados, feriados e férias.
Cada um confirmava sua própria crença, en-
chendo-se de razão e de sentimentos; preenchi-
das suas fomes de estímulos, sentiam-se vivos,
ainda que mal. Infelizmente, esse é o benefício
final dos jogos.

Entre os jogos catalogados por Berne, o


jogo Por que você não...? Sim, mas... (1974:108)
é bastante didático e fácil de entender. Ele é um

140
jogo complementar ao jogo Eu só queria ajudar.
A conversa inocente entre Marly e João ilustra
esses dois jogos. Marly conversa com seu primo
no almoço de família. João é conhecido pela sua
sempre presente intenção de ajudar. Marly con-
vida João a triangular, falando mal do seu ma-
rido:
Marly: Eu não suporto mais viver com o meu
marido!
João: Por que você não se separa?
Marly: Sim, mas meus filhos são pequenos,
eu não trabalho.
João: Você poderia começar a trabalhar e
se preparar para a separação.
Marly: Sim, mas já pensou no que meus fi-
lhos vão passar?
João: Talvez você devesse procurar uma te-
rapia de casal?

141
Daí em diante, Marly recusa qualquer su-
gestão de solução dada por João. Depois de vá-
rias tentativas, João desiste e os dois ficam em
silêncio por um tempo, até que se despedem com
uma sensação desagradável e com pensamentos
bem definidos relacionados à conversa.

Na abertura da conversa, Marly parece dar


uma informação a João: Eu não suporto mais vi-
ver com o meu marido!, no entanto, ela também
passa uma outra mensagem em paralelo: não sei
o que fazer, mas não peço ajuda diretamente.
João ouve a expressão verbal de Marly e, tam-
bém, a não-verbal que, pelo tom de voz e posição
inclinada da cabeça, sugere uma postura de Ví-
tima. Fisgado pelo papel da Vítima, João vai para
o papel de Salvador de Marly e propõe uma solu-
ção: Por que você não se separa?, que, por ser
óbvia, pode ser sentida por Marly como uma
142
crítica à sua incapacidade de pensar por si e re-
solver seu problema. Marly justifica sua impos-
sibilidade de utilizar a sugestão dada por João:
Sim, mas meus filhos são pequenos e eu não tra-
balho, e à medida que ela recusa qualquer suges-
tão, ela confirma a crença de que ninguém pode
ajudá-la.

Pode ser que Marly se coloque na vida como


uma Vítima rebelde pensando, Ninguém me
dirá o que fazer, ou ainda, Eu nem pedi a opi-
nião dele. Ele fica se intrometendo onde não é
chamado e ainda se acha o máximo!. João, por
sua vez, poderia estar precisando confirmar a
crença de que as pessoas são ingratas e pensar,
um tanto confuso e talvez com raiva: Eu só es-
tava tentando ajudar! Ela é imatura, não sabe
cuidar das suas coisas e quando eu tento ajudar
veja no que dá!.
143
O afastamento físico depois do final do jogo
é possível, uma vez que sendo primos, eles se en-
contram esporadicamente. Mas, e quando os jo-
gos são jogados pelo casal? Também é necessário
um tempo. Um tempo para curtir a ressaca emo-
cional.

A diversidade de temas que podem ser uti-


lizados para jogos é tamanha que muitas vezes
dificulta perceber que a relação está aprisionada.
Mais uma vez, é necessário lembrar que mais im-
portante do que o assunto é o contexto.

Para que a pessoa possa diminuir a incidên-


cia dos seus jogos, ela tem que estar verdadeira-
mente interessada em desmascarar a sua
participação, ou seja, primeiro ela tem que ter
coragem para reconhecer e admitir a sua contri-
buição para o jogo. Somente assim ela poderá (1)

144
identificar o padrão que utiliza para jogar, (2)
perceber quais são os lances que alimentam seus
jogos, e (3) descobrir quais são as regras que os
mantêm. Enquanto os jogadores não estão pron-
tos para abrir mão dos pseudo ganhos que os jo-
gos proporcionam, eles vão defender qualquer
tentativa que alguém faça para mostrar que estão
jogando.

Evitando enxergar os jogos, os envolvidos


os preservam e ficam protegidos contra mudan-
ças e impossibilitados de assumir e buscar pre-
enchimento saudável para as suas verdadeiras
necessidades.

145
6
PARA QUE JOGAR?

As justificativas para jogar são as mais di-


versas: fugir de um castigo ou ajudar alguém a
fazê-lo, escapar de uma situação embaraçosa,
evitar constrangimentos, acobertar alguém, ob-
ter recompensa material ou emocional, controlar
ou ter a fantasia de estar controlando a relação,
preservar a privacidade ou manipular nas rela-
ções. Ou seja, jogos substituem relações verda-
deiras, diretas e honestas. A expectativa de
retirar os jogos de um relacionamento deste tipo
se invalida, porque tal ação esvaziaria a relação e
a colocaria em risco. É necessário prepará-la

146
antes de retirar os jogos, pois estes podem ser a
única fonte de estímulos dos membros.

Em seu livro Jogos da Vida, Eric Berne cita


o resultado da experiência de Levine com ratos,
ao demonstrar que a presença ou ausência de es-
tímulos interferia no desenvolvimento físico e na
química do cérebro dos animais. A partir desse
estudo Berne afirma que,
nestas experiências surgiu um aspecto altamente
significativo: tanto os estímulos delicados e favo-
ráveis como os dolorosos foram igualmente efi-
cientes para manter a saúde dos animais. O que
prejudicava era a falta de estimulação. (1974:19)

Berne entende que estímulo tem um papel


especial nas relações. Ele reforça tal importância
ao comparar a fome de estímulos em termos de
sobrevivência do organismo à fome de comida.

147
Na visão dele, essa é a mola propulsora dos jo-
gos: a fome de CARÍCIAS.

Na minha experiência clínica, vejo o tempo


todo o que Berne descreve. Observo que, quando
uma pessoa começa a dar, pedir e a aceitar carí-
cias positivas, muitas mudanças acontecem em
sua vida inclusive em relação aos jogos. Apesar
de concordar com Berne que, quanto mais pre-
enchida uma pessoa se sente, menos ela joga ou
se deixa fisgar em jogos, também percebo que o
processo de mudança do padrão de como lidar
com carícias pode ser lento para a maioria das
pessoas. Por esta razão, além de apoiar tal mu-
dança, tenho estimulado meus clientes a come-
çarem esse processo revendo a forma de
comunicação da relação. Depois de entender
como a maneira de pensar e, consequentemente,
de falar dá forma e mantém a relação aprisio-
148
nada, a pessoa pode reaprender a se comunicar,
mudando inicialmente seu repertório básico.
Isto será ilustrado no início do capítulo 8, Como
minimizar jogos.

Ainda que a fome de carícias seja o que


move cada jogador para que o jogo seja integrado
às relações, determinados comportamentos são
incluídos na sua comunicação.

Os Jogos Relacionais são integrados desde


a infância, a partir do comportamento dos pais,
família, escola e comunidade. Os diversos tipos
de jogos se instalam na relação, a depender dos
jogos do parceiro. Isso acontece quando a impos-
sibilidade de ser verdadeiro encontra justifica-
tiva para adiar, omitir, passar informação de
forma inadequada ou descuidada ou usar subter-
fúgios, por medo de enfrentar alguma situação

149
delicada com as melhores das intenções. Além
dessas, muitas são as explicações para jogos:
medo, raiva, esquecimento, pressa, cuidado ex-
cessivo, entre outras.

Cláudio e Jane buscaram a terapia de famí-


lia porque percebiam que havia algo de errado na
forma deles se comunicarem. Eles reconheciam
que a intenção por trás do que falavam era boa,
mas, no final das conversas, acabavam se afas-
tando, zangados um com o outro. Eles eram um
casal estável, cuja relação começou quando os
dois já estavam com 50 anos. Cláudio morava
com Jane há dois anos; os dois afirmavam que
estar juntos era muito importante para eles e,
por essa razão, queriam fazer tudo para cuidar e
preservar a relação.

150
Eles começaram a relatar que tipo de coisa
fazia a relação esfriar. Cláudio conta que iniciou
um tratamento sério para saúde, uns seis meses
antes e que, por esta razão, tem uma alimentação
especial. Manter sua alimentação era algo muito
trabalhoso e ele tinha dificuldade, em função dos
seus horários. Ele não consegue dizer o que de
fato o incomoda, apenas sugere que ela deveria
tomar a frente disso e cuidar de tudo. Assim que
ela é fisgada pela insinuação dele, ela se coloca:
Eu até faço muitas coisas para ajudá-lo com sua
alimentação, mas paro de fazer, quando me
sinto cobrada, como se fosse minha obrigação
fazer. Jane completa sua fala dizendo que ela
também sentia falta de alguém que se importasse
com sua alimentação e que, para ela, não fazia
sentido ficar na cozinha sozinha, preparando
tudo.
151
Durante a sessão, eles falaram sobre suas
histórias pessoais e perceberam a interferência
do padrão da família de origem na relação deles.
Cláudio e Jane eram filhos únicos. Ele nunca fora
casado e morou com sua mãe até os 45 anos
quando foi morar com Jane, em casa dela. Sua
mãe cuidava de tudo que dizia respeito a ele. Ele,
por sua vez, tinha, de fato, essa expectativa em
relação à sua esposa. Jane, no entanto, sempre
sentira falta de ser cuidada por sua mãe. Ela in-
clusive comentou que alguns amigos próximos já
haviam sinalizado que eles percebiam alguma
coisa infantilizada em relação a ela, associada ao
alimento. Eles falavam que, em todas as festi-
nhas e reuniões que participavam, Jane mudava
de postura na hora de comer o que era servido. A
expressão dela mudava e ela parecia uma criança
faminta e ao mesmo tempo fascinada diante do
152
alimento. Naquele momento, ela se dava conta
de que havia algum sentido no que os amigos di-
ziam e que qualquer que fosse o significado da-
quele comportamento, ele interferia na sua
relação de casal.

Aos poucos, eles puderam perceber que


eram pessoas famintas, não apenas de alimento,
mas de afeto e atenção adequada – ele por ter re-
cebido em excesso não havia aprendido a se pro-
ver como adulto nem sabia se dar e ela por ter
ficado na falta continuava esperando o que já
não mais poderia vir. Os dois puderam entender
que não tinha o menor cabimento esperar e
ainda por cima exigir que o outro lhe preencha,
uma vez que lidar com seu próprio vazio não é
tarefa do outro. A tarefa de se preencher é da
própria pessoa e, para mudar essa forma de se
relacionar com o mundo, eles precisariam
153
ressignificar hábitos antigos e arraigados; hábi-
tos estes que mantinham o funcionamento pes-
soal de cada um e geravam expectativas irreais
para o momento atual da vida deles. Era duro ter
que admitir que precisavam responsabilizar a si
mesmo pela tarefa de se prover em lugar de es-
perar que o outro assim o fizesse.

Se os membros da relação podem ser es-


pontâneos, autênticos e verdadeiros consigo e
com o outro, o padrão da comunicação é direto e
claro. Se a relação não pode ser verdadeira, ou
seja, seus membros não têm clareza do que pre-
cisam ou não conseguem dizer o que pensam e o
que sentem, o padrão da comunicação tem como
característica a distorção de informação.

154
Os jogos são úteis para ocupar o tempo das
pessoas e mantê-las próximas, ainda que distan-
tes, como explica Ken Ernst,
A gente faz jogos por uma infinidade de razões,
das quais a mais importante é evitar intimidade
e confirmar a falta de confiança nos outros. Ou-
tras razões são evitar responsabilidades, ser o
maior, encobrir medos e fobias e estruturar o
tempo. (1978:59)

Os jogos evitam a confrontação com os te-


mores pessoais e com o que o ser humano mais
deseja: a intimidade (afeto, proximidade, sexo),
o sucesso (atingir objetivos), a autonomia (res-
ponsabilidade pelas próprias decisões) e o pra-
zer.

Toda pessoa, no fundo da alma, deseja pre-


encher sua necessidade básica e verdadeira de
proximidade e reconhecimento, e a necessidade
de ser amado. Contudo, tudo isso acaba sendo
155
negligenciado porque, após cada jogo, as pessoas
se afastam e se sentem irritadas. É uma contra-
dição. Jogam para preencher as necessidades e
se sentirem vivos, e, porque jogam, ficam vazios.
O mal-estar sentido ao final do jogo pode dar a
impressão de vida por conta de toda mobilização
química do organismo ocasionada pelas emo-
ções fortes que entram em contato. No entanto,
essa sensação é tão desagradável que não pro-
porciona o preenchimento desejado. Quanto
mais jogam, tanto mais asseguram a manuten-
ção do padrão vivenciado na família, durante a
infância, e reeditado a cada nova experiência, ao
longo da vida – o xadrez relacional.

Quando cada membro da relação fica vici-


ado, o relacionamento se torna dramático;
quando isso acontece, ficar muito tempo sem jo-
gos é impossível porque o tédio invade o campo
156
relacional, fazendo com que os jogadores bus-
quem animar a relação. A necessidade de conti-
nuar jogando pode ser comparada a um vício. Os
jogos funcionam como uma droga que produz
dependência e podem ser tão danosos quanto es-
tar viciado em uma delas.

Da mesma forma que as drogas, a ausência


do jogo pode disparar a síndrome de abstinência
no jogador, e este, para preencher sua necessi-
dade emocional, recorre de novo ao seu vício
para sentir alguma coisa, qualquer coisa, mesmo
que mal-estar. No caso da síndrome de abstinên-
cia das drogas, muitas vezes é preciso interven-
ção médica para substituí-las por outras que
funcionem como apoio para a transição, até que
esta também seja retirada aos poucos. O mesmo
se dá com o jogo. Esse entendimento fica evi-
dente quando Berne afirma que:
157
Além da sua função social de estruturar satisfa-
toriamente o tempo, determinados jogos são ne-
cessários para a manutenção da saúde em certos
indivíduos. A estabilidade psíquica de algumas
pessoas é tão precária, e suas posições são tão
fragilmente sustentadas que, privadas dos jogos,
elas podem mergulhar em irreversível desespero
e até mesmo numa psicose. Tais pessoas lutarão
com todas as suas forças contra qualquer lance
que não esteja no jogo. Isto é observado frequen-
temente em situações conjugais, quando o pro-
gresso no tratamento psicológico de um dos
cônjuges leva à rápida deterioração do outro,
para quem os jogos eram da máxima importân-
cia para manutenção de seu equilíbrio. É por
causa disto que é necessário ter extrema prudên-
cia na análise dos jogos. (1974:61)

Quando um dos dois parceiros de jogo in-


siste em parar de jogar, precisa estar preparado
para lidar com o seu próprio vazio. Uma vez que
ninguém joga sozinho, o outro pode ficar muito
mal. E se este não está envolvido no processo de
mudança, ele irá, muito provavelmente, acirrar e
158
intensificar os seus jogos, buscando, com toda
sua experiência, fisgar aquele que decidiu parar,
por não suportar uma crise de abstinência. Por
esta razão, no momento de parar de jogar, é im-
portante ser cuidadoso com o parceiro. Afinal de
contas, um escolheu o outro, para estar numa re-
lação de jogos complementares.

159
7
COM QUEM JOGAR?

Quando as pessoas se encontram, elas se


comunicam, mesmo que não pareça que estão se
comunicando, e, como visto na introdução, as
respostas podem ser, confirmação, rejeição ou
desconfirmação da tentativa do outro de se co-
municar. A pessoa escolhe qual parceiro de jogo
selecionar quando a outra pessoa com quem es-
tiver pela primeira vez responder a ele ou a al-
guém que esteja por perto com rejeição ou
desqualificação. Responder de uma dessas duas
maneiras faz com que a pessoa sinta que o outro

160
é viável para jogar o tipo de jogo que precisa. De-
pois disso, ele apenas precisa verificar nova-
mente; ele joga uma isca e quando o outro
engancha, ele é aprovado. Em geral, essa pri-
meira experiência, no que diz respeito a casais, é
vivenciada nos primeiros tempos da relação,
ainda na fase do enamoramento, quando firmam
um acordo velado a favor dos jogos e, para per-
manecerem juntos, é preciso existir sintonia na
comunicação entre os membros da relação.
Quando se trata de amigos, colegas de trabalho
ou de estudo, é, muitas vezes, a afinidade que as
pessoas têm aos jogos uns dos outros que, nor-
malmente, define de quais grupos farão parte.

Depois de algum tempo, quando a relação


já se firmou, os jogos aparecem com toda força;
após cada batalha, a relação vivencia uma trégua
para que os jogadores não corram o risco da
161
derrota definitiva, o que destruiria a relação. Um
acusa ao outro pelo que acontece, pois é impos-
sível para o jogador admitir que influencia o
comportamento do outro e é por ele influenci-
ado. Se admitir, ele está assumindo a responsa-
bilidade pelo seu próprio mal-estar, o que põe
em risco a continuidade do jogo. Como no caso
de Amélia que guardou para si mesma a infor-
mação sobre sua depressão, porque agir dife-
rente poderia provocar alterações no relacio-
namento. Desse modo, ela retroalimentou o sis-
tema de maneira negativa4, ou seja, ela teve um
comportamento capaz de evitar mudanças, para
manter o padrão. É importante salientar que
Amélia foi a representante dos interesses e

4 Negativa aqui não é sinônimo de ruim – retroalimentar de


forma negativa é assegurar a manutenção do padrão, o que, a de-
pender do contexto pode ser bom.

162
necessidades da relação e não a pessoa culpada
por isso. Se Lucas estivesse pronto e disposto a
fazer diferente, ele impediria que coisas desse
tipo acontecessem na relação. Enquanto isso não
era possível, quanto mais apertado o cerco do
jogo, mais insuportável se tornava para Lucas fa-
lar sobre o que não entendia (o afastamento de
Amélia). O sentimento é cada vez mais descon-
fortável e é preciso uma trégua para respirar.

Uma trégua para Lucas era fazer o que


Amélia queria durante todo o casamento. Ele sa-
bia que, quando ele deixava de fazer alguma
coisa que ela desejava, ela se afastava dele.
Quando ela se afastava, ele ficava sem sexo, se
sentia desprezado e desqualificado. Através da
desqualificação, um jogador mina a autoestima
do outro para, assim, controlar a relação. Ele
conseguia suportar isso por um tempo, mas
163
quando era demais, ele cedia aos caprichos de
Amélia, e tudo voltava ao normal.

Quando, finalmente, Amélia traz o assunto


à tona e se queixa que ele jamais havia notado
quando ela ficara deprimida, dez anos atrás, ela
está se isentando e acusando-o. Da sua parte, Lu-
cas a acusa de volta, liberando-se de qualquer
responsabilidade. Utilizando a queixa como de-
fesa, os dois mantêm o padrão relacional, pois já
que, uma das funções da queixa é evitar entrar
em contato com a sua contribuição para um
evento.

Estava óbvio que essa relação tinha sua pró-


pria organização que, considerada uma comple-
xidade organizada, precisava ser respeitada.
Somente quando um deles se sentisse devida-

164
mente incomodado, poderia decidir fazer al-
guma mudança.

Demorou muito tempo, até que Lucas se


sentisse em condições para deixar de se queixar
e olhar para a sua participação no jogo. Muitas
eram as possíveis razões que mantinham Lucas
nas mãos da mulher: entre elas, medo da sepa-
ração e de ficar só, medo do que poderia aconte-
cer com ela, de como ela reagiria e se sentiria.
Assim que entendeu que esses eram medos in-
fantis, ele resolveu pegar as rédeas de sua vida.
Primeiro, ele conversou sobre o padrão deles
com Amélia e propôs que os dois agissem de ma-
neira adulta, quando sentissem algum incô-
modo, em relação ao outro. O jeito que ele
encontrou para lidar com ela foi usar o mesmo
veneno como: A partir de agora, quando você se
afastar, eu somente vou ter algum contato com
165
você se você vier falar comigo diretamente. Essa
foi a sua forma de parar o jogo, sem perder sua
parceira de casamento. Ele se sentia mais confi-
ante para poder arriscar, pois, estando em tera-
pia, ele confiava que ela, do mesmo modo que
ele, queria resolver as questões para terem uma
vida mais tranquila juntos.

Para manter o jogo e o parceiro de jogo, no


momento da trégua, os jogadores são cordiais e
usam de amabilidade, com um toque de ironia,
afinal, não podem ser, nem aliados nem adversá-
rios, tão pouco vencidos ou vencedores, porque,
se assim for, o jogo acaba. Os jogadores alternam
entre poder e culpa e isso vai apertando cada vez
mais a prisão dos jogos. Todo recurso é válido
para preservar o jogo. Para alguns casais, as pa-
lavras são como armas. Muitas vezes aparentam

166
ser educados um com o outro, mesmo que o
corpo todo solte farpas.

Já que o ringue real está dentro de cada um,


a chave da prisão está dentro de si e não com o
outro como cada jogador afirma.

167
8
COMO MINIMIZAR JOGOS?

Cada abordagem terapêutica propõe uma


forma própria para lidar com jogos. Como escla-
reci na Introdução, considerando a característica
da equifinalidade, caminhos diversos podem
conduzir a uma solução. Na clínica, tenho uti-
lizado uma síntese do meu próprio entendi-
mento de várias abordagens, para ajudar meus
clientes quando eles decidem desistir dos jogos.

Independente da abordagem terapêutica


utilizada para dar fim aos jogos, a dinâmica deles
em sua grande variedade de aplicação é a
mesma. Todos eles incluem julgamento e
168
condenação sumária do parceiro de jogo. Cada
jogador julga o outro sem sequer ouvi-lo. Ao jul-
gar, o jogador está desviando de si a atenção,
pois não precisa olhar para a sua própria contri-
buição. Por esta razão, para livrar-se dos Jogos
Relacionais, um dos dois ou os dois têm que ad-
mitir que a forma de se relacionarem está insu-
portável, para, então, dar o primeiro passo.

Qualquer pessoa de bom senso deseja parar


de participar desses tipos de jogos, assim que
toma conhecimento do mecanismo que os man-
tém. Decidir parar não faz com que a pessoa
deixe de jogar. Antes de tudo ela precisa identifi-
car e admitir sua contribuição para com a dinâ-
mica dos seus jogos. Pela minha experiência
atendendo famílias, casais e individualmente,
quando uma pessoa decide parar, ela precisa fa-
zer muitas coisas e todas ao mesmo tempo.
169
Ainda assim, para facilitar o entendimento do
cliente, costumo recomendar uma sequência de
ações, pois percebo que, sendo didática fica mais
fácil para ele experimentar e encontrar sua pró-
pria forma de lidar com seu objetivo.

A sequência que sugiro é:

(1) fazer contato com o mal-estar gerado ao


final de cada jogo. Normalmente esse é o mo-
mento em que a pessoa pode compreender que o
que vivenciou era um jogo: no final. O final é o
melhor lugar por onde começar porque é nesse
momento que os dados mais importantes sobre
o jogo estão presentes: o mal-estar e a crença.

(2) Em seguida identificar qual crença está


reafirmando. Para tanto, é preciso registrar o
primeiro pensamento que veio à mente logo após
um breve, desagradável e característico silêncio

170
concomitante a um mal-estar (tristeza, angústia,
confusão, raiva). Esse pensamento é parecido
com uma decisão e é baseado em uma generali-
zação. Exemplos de crenças são: Não se pode
confiar em ninguém, As pessoas são tão interes-
seiras!, Eu não tenho jeito mesmo, Ninguém faz
nada certo, entre outras.

(3) Depois que a pessoa já entende o que é


um jogo, somente será capaz de perceber que
está dentro de um, após o final de algumas expe-
riências semelhantes; portanto, do lugar de ob-
servador de si mesmo, em qualquer etapa do
jogo, aprende a identificar o padrão de funciona-
mento dos seus jogos. É preciso ser generoso e
paciente consigo mesmo para considerar que,
ainda que esteja jogando, está dentro do pro-
cesso de aprendizagem para deixar de fazê-lo.

171
(4) A cada jogo é necessário fazer o caminho
inverso para identificar quais são as regras con-
tratadas na relação e que lances mantêm o pa-
drão relacional. Esse é o momento de analisar as
etapas fazendo-se algumas perguntas: Como eu
estava me sentindo antes de tudo isso começar?
Comecei como PERSEGUIDOR, SALVADOR ou
VÍTIMA? Quais foram os lances? No final, eu es-
tava como PERSEGUIDOR, SALVADOR ou VÍTIMA?

Provavelmente desse modo fica mais fácil


elucidar qual é a própria contribuição.

De nada adianta seguir esses passos se a


pessoa não é corajosa para admitir sua parte no
jogo. No caso do exemplo de Marly e seu primo,
ela poderia reconhecer sua necessidade de se
sentir superior ao outro e menosprezá-lo e João,

172
talvez, pudesse admitir a sua necessidade de aju-
dar, para se sentir valorizado e importante.

Retomando a sequência de ações para


aprender a deixar de jogar, além de tudo já men-
cionado é necessário (5) aprender e exercitar
como e quando interromper um jogo em anda-
mento, escolhendo entre: denunciar, desqualifi-
car ou cortá-lo. Quando a pessoa se sente
capacitada nessa etapa, ela também é capaz de
não se deixar fisgar por algum outro jogador e
dessa forma impedir que o jogo se inicie.

Ao lado de tudo isso, é muito importante


(6) preencher as próprias necessidades e obter
carícias que precisa para, estando bem, não pre-
cisar jogar. Apesar de ter colocado esse tópico em
6° lugar, esta providência é imprescindível e
deve ser levada em conta e estar presente

173
durante todo o processo de aprendizagem de
como se livrar dos jogos.

O objetivo não é eliminar, mas minimizar a


quantidade de jogos porque, sendo o jogo uma
criação da civilização, é provável que em algum
momento a pessoa que desistiu livrar-se deles,
por mais atenta que esteja, acabe lançando uma
isca ou sendo fisgada por uma.

Olhando para os jogos do outro, pode pare-


cer simples e fácil interrompê-los, contudo, estar
na pele dos jogadores faz com que sair do jogo
seja um grande desafio. Olivia já era capaz de
mostrar a Etevaldo muitos jogos dele com outras
pessoas, mas não conseguia enxergar os jogos
que ela participava. Olívia contou muito feliz, em
uma sessão, que finalmente aprendera a inter-
romper um jogo, que costumava jogar com o

174
marido, Etevaldo. Ele costumava reclamar da
empregada para ela, que sentia as queixas como
críticas a ela. Em geral, ela se defendia e a con-
versa virava um bate-boca. Outras vezes, ela se
calava, mas de nada adiantava, pois ele acabava
ainda mais irritado pelo silêncio dela. Após uma
sessão, ela havia compreendido que, enquanto
ela tivesse medo de ficar sem aquela empregada,
que ela gostava e com quem estava satisfeita, ela
estaria nas mãos de Etevaldo.

Quando Etevaldo retomou as suas reclama-


ções, ela disse para ele: “Está bem, Etevaldo. Vou
despedi-la e vamos procurar outra pessoa”. Ele
se calou por um tempo, e, em seguida, disse para
ela que, talvez, ele estivesse sendo muito exi-
gente, pois, de certa forma, ela era uma boa au-
xiliar. Nunca mais ele falou nada em relação a
esse assunto. Ficou bem claro para Olívia que o
175
conteúdo da briga – a empregada, não era o que
importava. Ela percebeu que seu comporta-
mento alimentava o comportamento dele e que
isso ela poderia mudar. Enquanto as questões re-
ais não fossem resolvidas, o jogo poderia apare-
cer com outros temas, mas Olívia se sentia
preparada para lidar com ele.

Como foi esclarecido durante este capítulo,


após analisar algumas brigas, é possível apren-
der a perceber um jogo, quando ele ainda está em
processo, até que seja possível interrompê-lo du-
rante seus lances. Todas as pessoas jogam em al-
gum momento, alguns jogam mais, outros jogam
poucas vezes, outros levam longas épocas sem
qualquer jogo, mas mesmo aqueles que têm
como objetivo nunca jogar, em algum momento
é tragado por algum jogo. Provavelmente fica
claro que, na maioria das vezes, as pessoas jogam
176
inconscientemente, por esta razão, o autoconhe-
cimento é um dos caminhos mais importantes
para obter sucesso nessa empreitada e promover
uma mudança na comunicação e nas relações.

Considerando a sequência de ações que uti-


lizo para que meus clientes aprendam a parar de
jogar, o passo de n° 5 precisa ficar bem enten-
dido antes de ser posto em prática, ou seja, é im-
portante saber escolher qual atitude tomar
quando se dá conta de estar no meio do jogo e
deseja interrompê-lo: denunciar, desqualificar
ou cortar?

Denunciar um jogo implica em apontar


para a existência dele, dizendo algo do tipo: Eu
me dou conta de que nós.... Recomendo firme-
mente que, em nenhuma situação, a pessoa se re-
fira à situação chamando-a de jogo ou que diga

177
Você está jogando, afinal ninguém joga sozinho.
De nada adianta tão pouco dizer: Nós estamos
jogando. Denunciar não significa apontar para o
jogo e sim trazer à tona aquilo que o jogo pode
estar tentando esconder. É preciso ter muita ha-
bilidade e confiança no outro membro da relação
para denunciar um jogo, sem que outro jogo co-
mece (Acusação, por exemplo). A denúncia pre-
cisa ser feita de uma forma tal, que o outro se
sinta confirmado, ainda que discorde. Lúcia e
sua filha Mércia se debatiam o tempo todo. Mér-
cia, aos 23 anos, ainda totalmente dependente da
mãe, não aceitava nenhum limite. Sua mãe, por
sua vez, não conseguia sustentar os limites que
dava. Dessa forma, Mércia sabia que poderia es-
calar no seu comportamento até conseguir o que
queria. Lúcia precisou de algum tempo no seu

178
processo, para se fortalecer e aprender a susten-
tar suas decisões.

Ela relata que foi muito prazeroso quando


pôde falar direta e claramente com a filha sobre
como elas se relacionavam em relação ao carro,
a dinheiro e a todas as coisas que Mércia queria
usar ou fazer e que demandavam sua aprovação.
Denunciar o jogo delas foi importante para Lúcia
porque funcionou como um marco. A partir de
então, ela pôde sustentar sua posição em todas
as situações seguintes.

Desqualificar um jogo pode ser, em certos


casos, a melhor maneira de lidar com ele, mas,
do mesmo modo, pode dar margem ao início de
outros. A possibilidade de interromper um jogo
desqualificando-o implica em ter habilidade de
silenciar, para não o complementar desquali-

179
ficando a pessoa, fazendo-a sentir-se tratada
com indiferença. Isso significa ser capaz de estar
com a pessoa, ouvindo-a, sem mudar de assunto
ou virar o rosto. Estar presente, porém sem acei-
tar a isca. Por exemplo, João poderia, após a pri-
meira fala de Marly, ficar em silêncio, olhando
para ela, disponível para ouvi-la. Caso ela qui-
sesse se responsabilizar por saber o que ele pen-
sava ela teria que perguntar diretamente.

Cortar é, em geral, a melhor maneira de in-


terromper um jogo em andamento, ou impedir
que ele comece. Para isso, é necessária habili-
dade e prática, e, acima de tudo, estar com o co-
ração aberto para ver a sua própria contribuição,
e, desse modo, acolher a fala do outro. Para cor-
tar um jogo, é preciso falar de forma direta e ver-
dadeira, sem indiretas. Mais uma vez no caso de
João, ele poderia verificar a intenção dela,
180
perguntando: Você gostaria de saber o que
penso sobre isso? Se ela dissesse Sim, ela estaria
assumindo a responsabilidade e configurando
sua fala, em um pedido de ajuda.

No caso de Lúcia, denunciar o jogo que ela


e sua filha Mércia faziam não seria suficiente
para que Mércia parasse com sua parte do jogo.
A primeira chance de Lúcia cortar o jogo foi
quando a filha se aproximou toda boazinha e
disse para a mãe: Mãe, lembra daquela minha
amiga que um dia, quando você estava doente,
lhe deu carona para o médico? Ela está preci-
sando que eu dê uma carona para ela, depois da
faculdade, hoje à noite. Vou de carro, viu?. Lúcia
estava tranquila quando disse: Infelizmente, não
será possível e sustentou isso, apesar de todas as
investidas de Mércia que gritou, esperneou,

181
alegou favores e coisas do gênero. Lúcia deixou a
filha esbravejar sem dizer nada.

No caso de Lucas, foi difícil conseguir sair


do seu jogo com sua esposa sem acusá-la ou
atacá-la. Durante toda a sua vida, ele dissera
“sim” para tudo que o outro pedia, mesmo que se
sentisse explorado e muito zangado por dentro.
Ele levou esse padrão para o casamento e acu-
mulou inúmeros ressentimentos de Amélia, que
o sobrecarregava com inúmeros pedidos e solici-
tações. Era ele que tinha que cuidar de tudo em
casa. Todo e qualquer problema de ordem prá-
tica, com a casa e com os filhos, era tarefa para
ele resolver, apesar da sua esposa não trabalhar.
Pensando bem sobre como se sentia no casa-
mento, ele entendeu que sua zanga maior era por
se sentir desprezado e sem importância. Só im-
portavam as necessidades de Amélia. Ela
182
continuava marcando seus compromissos, con-
tando que ele a levasse. Ele reclamava, mas fazia
o que ele queria. Sempre! O que acontecia depois
era previsível: eles se afastavam durante um
longo tempo.

Um dia, depois de muito refletir, Lucas de-


cidiu falar com ela e lhe disse: Amélia, eu sou
uma pessoa e você é outra. Cada um de nós tem
suas próprias necessidades e responsabilida-
des. Eu gosto de cooperar com você, mas quero
combinar uma coisa: antes de marcar seus
compromissos, ligue para mim para se certifi-
car se eu quero ou poderei levá-la. Foi difícil
para Amélia ouvir. Sua tendência para se vitimar
era grande, mas ele se manteve firme. Esse foi o
primeiro de uma série de pedidos que Lucas fez
a Amélia, estabelecendo limites e deixando claro
que ele também existia e tinha valor.
183
Quando um parceiro de jogo, principal-
mente numa relação casal, aprende a sair dos jo-
gos ou não entrar neles, o outro pode ficar mal,
e, como diz Berne, fará então esforços mais in-
tensos para prosseguir no jogo. Se aquele que
desistiu de jogar mantém sua posição com cortes
firmes, o outro cairá num estado chamado de
‘desespero’, que, em alguns casos, lembra uma
depressão (1974:53), lembrando que Berne
afirma que essa depressão contém elementos de
frustração e perplexidade.

Após exercitar interromper o jogo, é neces-


sário que as pessoas envolvidas possam conver-
sar e esclarecer a questão. Mais do que boa
intenção é importante ter competência para con-
quistar a nova confiança, dentro da relação. Para
tanto, é preciso que tal conversa aconteça em es-
paço acolhedor e a comunicação precisa ser
184
sincera e direta, incluindo mediador se necessá-
rio. Acima de tudo, é importante que os envolvi-
dos possam entender que quando jogam, ora
funcionam como Vítima, ora como Algoz. O Al-
goz precisa ser capaz de reconhecer sua partici-
pação, ao mesmo tempo em que a Vítima a sua
contribuição para o jogo em questão. A Vítima se
descobre um pouco Algoz, e o Algoz se descobre
um pouco Vítima. Fica tudo mais humano.
Quando aquele que se sente Vítima pode per-
guntar a si mesmo de que forma contribuiu para
o outro ficar tão zangado, algo pode ser transfor-
mado. De acordo com Hellinger, A transforma-
ção começa quando vemos que ferimos alguém
e reconhecemos esse fato. Desse modo o par-
ceiro é respeitado e fica reconciliado.
(2004a:40)

185
Os envolvidos podem então se libertar das
mágoas que os aprisionam na cena do jogo que
alimentavam todo o tempo. Libertar-se das má-
goas nada tem a ver com perdoar ou ser perdo-
ado. Até porque, mesmo que de forma sutil,
aquele que perdoa fica acima do outro da rela-
ção. Quando a questão é analisada através da vi-
são sistêmica, compreende-se que cada pessoa
envolvida contribui para o conflito, dessa forma
um não é superior ao outro. Diferente de perdoar
ou ser perdoado, para sentir-se livre das mágoas
a pessoa precisa preencher a sua necessidade de
ser ouvido e ter seus sentimentos levados em
conta.

Na minha experiência, quando cada um dos


jogadores decide reconhecer a sua contribuição
para o jogo, independentemente de discutir so-
bre quem começou, precisa:
186
(1) admitir-se humano e simplesmente capaz de
falhar;

(2) reconhecer as diferenças reais que existem en-


tre cada um dos membros da relação;

(3) admitir vulnerabilidade, fragilidade, medos,


receios;

(4) reconhecer e contatar sua própria mágoa,


raiva, ressentimentos;

(5) ouvir e acolher os sentimentos negativos do


outro com o coração aberto e;

(6) empatizar com os sentimentos do outro.

Esse é o ambiente em que uma conversa so-


bre algum jogo recém jogado precisa ter. Quando
a conversa ocorre sem que, de algum modo, es-
ses passos tenham sido seguidos, é muito prová-
vel que novos jogos aconteçam.

Entendido que uma relação é um sistema e,


como tal, é circular, ou seja, não tem começo ou
187
fim, não interessa quem e quando parar – qual-
quer um dos membros pode mudar, e qualquer
momento é uma boa hora para fazer algo dife-
rente. Uma mudança em qualquer uma das par-
tes afetará todo o sistema. Almerinda entendeu
isso e decidiu que não adiantava esperar que seu
marido mudasse; ela decidiu fazer algo. Após al-
gumas sessões na sua terapia de casal, ela iden-
tificou a maneira como ela contribuía para que o
jogo dos dois fosse mantido. Ela compreendeu
que o seu medo de perder seu marido a fragili-
zava e dava a ele muito poder. Em vez de falar
sobre o assunto com Edvaldo, ela passou a agir
de uma nova forma e a sustentar tal postura, a
cada investida dele. Desde então, cada vez que
ele tirava a tal carta da manga, trazendo à tona
uma situação que para ele não ficara esclarecida
na época do namoro, Almerinda dizia muito
188
firmemente: Não vou mais falar sobre esse as-
sunto com você. Tudo que precisa ser dito já foi
falado. Ela havia se preparado para o pior: a se-
paração. Sem medo de perdê-lo, ela pôde ser
firme e conseguiu manter o casamento, que
agora fluía com mais leveza.

Assim que David entendeu que o que acon-


tecia entre ele e seu pai podia fazer parte de um
jogo, uma vez que acontecia repetidamente, ele
decidiu se posicionar para interromper. Seu pai
costumava interferir na sua vida, dando opiniões
contundentes ou criticando, como se ele ainda
fosse um menino. Em uma determinada situa-
ção, quando seu pai criticava um amigo seu, Da-
vid percebeu que aquela seria a oportunidade de
pôr em prática a sua decisão. Em vez de agir
como costumava, ele decidiu fazer diferente. Da-
vid se colocou para o pai de forma direta, firme e
189
clara, dando a ele limite e se surpreendeu,
quando seu pai tocou em seu ombro e se descul-
pou.

Quando a pessoa passa a enxergar as rela-


ções através da visão sistêmica, ela percebe que
não importa quem começa um jogo. O que inte-
ressa é quem vai interrompê-lo. Pode parecer
que, de uma hora para outra, o pai de David per-
cebeu que ele já era um homem de 32 anos e não
cabia mais tratá-lo daquele jeito. Pensar assim
faz com que o pai estava se culpando, conside-
rando que era ele quem começava o JOGO;
olhando para a questão com novos olhos, fica
evidente que David também começava, en-
quanto se apresentava para o pai como um me-
nino, aceitando o tratamento que recebia. A
partir do momento em que David mudou sua
maneira de se relacionar com o pai, este passou
190
a se comportar como pai de um filho adulto. A
mudança poderia começar através do pai de Da-
vid; no entanto, aquele que se sente incomodado,
em geral, é quem se move primeiro.

Depois de experimentar interromper jogos,


a pessoa começa a desejar não mais se envolver
neles. Essa é uma empreitada que exige muita
dedicação, ainda que eu não tenha notícia de
pessoas que nunca mais tenham jogado.

Retomando a sequência das ações que uti-


lizo quando oriento meus clientes que desejam
deixar de jogar, o passo que enumerei como 6° é
realmente muito importante. Imprescindível
como disse antes e precisa ser contemplado du-
rante todo o processo de mudança e depois. Este
passo é não precisar jogar!

191
Todo homem civilizado tem o hábito de jo-
gar e o faz em algum momento da vida, mesmo
que se determine a não o fazer. Hábitos podem
ser mudados, mas, além de ser um hábito, jogar
pode ser uma forma de viver. Mais que isso, jogar
pode ser uma necessidade. Apesar disso, é possí-
vel minimizar a incidência dos jogos.

Em função da sua necessidade de se sentir


vivo, o ser humano joga para preencher sua fome
de estímulos, mobilizando a energia do corpo
com as fortes emoções que os jogos proporcio-
nam. Após um jogo, a pessoa tem sentimentos,
principalmente de irritação, mas está desperto,
vivo. Ela joga porque não é capaz de preencher
suas necessidades de atenção, afeto e reconheci-
mento de maneira espontânea. A sua busca por
preenchimento, através dos jogos, acaba por
transformar em veneno aquilo que é simples-
192
mente natural: ter necessidades. Para não jogar,
a pessoa precisa se responsabilizar pelo preen-
chimento das suas necessidades. Desse modo,
ela pode se sentir bem e não jogará iscas nem
será fisgada por elas.

Steiner ressalta que é possível conseguir


preencher a fome de afagos sem recorrer a jogos,
os quais ele chama de subterfúgios e, diz também
que os jogos são aprendidos na infância, dos
pais, como o método preferido de se obter esti-
mulação. Ele alerta que
uma pessoa que desiste de um jogo precisa desen-
volver um meio alternativo de obter afagos e es-
truturar o tempo, e enquanto não o fizer, estará
sujeito a um desespero semelhante ao marasmo
observado por Spitz em crianças que não rece-
bem afagos suficientes. (1974:46)

A presença do marasmo nas relações faz


com que seus membros definhem, de maneira
193
equivalente como faz o organismo vivo, de
acordo com a explicação apresentada por Stei-
ner, os sintomas do marasmo são apatia, perda
de peso e, eventualmente, a morte.

Um exemplo disso é o casal Fred e Eneida,


casados há dez anos. Eles vieram para a terapia
por conta de brigas constantes que já estavam in-
suportáveis e que, pelo próprio relato deles, já
afetavam o comportamento da filha de oito anos.
Percebi os jogos que os mantinham juntos e es-
colhi lidar com a comunicação do casal, durante
seu processo terapêutico. Deste modo, Fred e
Eneida aprenderam a conversar de forma direta
e clara, saindo do sistema de jogos que utiliza-
vam há vários anos.

De repente, eles chegam na sessão dizendo


que tinham parado de brigar, estavam tendo

194
uma vida tranquila, mas se sentiam vazios. Eles
não entendiam o que estava acontecendo e se
perguntavam se não sabiam ou não conseguiam
intimar. Eles constataram que havia afeto entre
eles, mas eles não conseguiam deixar isso vir à
tona. Fred, no passado, costumava ser cari-
nhoso, romântico e atencioso, mas se ressentia
porque Eneida era seca, fria e distante. Conver-
sando sobre o assunto, ela admitiu a sua dificul-
dade de expressar seu carinho e se deu conta de
que precisava traduzir para Fred os momentos
em que era carinhosa com ele; por exemplo,
quando ela cortava as unhas dele ou quando en-
xugava as suas costas, ela estava sendo cari-
nhosa. Eneida alegou que não aprendera a dar
carinho de forma explícita e que ela mesma se
sentia carente, desde sua família de origem. Ad-
mitiu inclusive que estava claro para ela que não
195
poderia consertar o passado para mudar seu pre-
sente, responsabilizando-se pela sua mudança. A
partir de então, o processo terapêutico do casal
pôde ser aprofundado.

Para Steiner (1998), o modo mais seguro de


conseguir deixar de jogar e dessa forma estabe-
lecer relacionamentos saudáveis é parar de espe-
rar que o outro atenda às suas necessidades e
buscar preenchê-las por si mesmo, direta e obje-
tivamente, sendo franco e verdadeiro consigo e
com o outro. Ou seja, dar e pedir carícias positi-
vas quando sentir vontade; rejeitar carícias ne-
gativas; aceitar as carícias positivas que receber
e incorporá-las, sejam elas físicas ou verbais,
mantendo carregadas as próprias baterias. O ca-
minho mais seguro para tanto é o autoconheci-
mento; se a pessoa não aprendeu a identificar
seus sentimentos e necessidades – como vai falar
196
abertamente sobre eles? Quando, por exemplo,
um dos membros do casal está se sentindo ca-
rente, mas não se dá conta disso e faz aliança
com um dos filhos, triangulando, está inconsci-
entemente buscando resolver sua carência. Os
jogos são movidos pela força do inconsciente,
que busca algum preenchimento para resolver a
questão, mesmo que seja desagradável. Por esta
razão, é muito importante estar aberto a receber
feedbacks de pessoas próximas.

Qualquer mudança na comunicação ou no


comportamento de um dos membros provocará
mudanças em todo o sistema. Deixar de jogar
significa reaprender a se comunicar e dizer eu te
amo, em vez de: Você sabe que eu te amo ou
ainda, Você acha que eu estaria com você se não
o amasse. Deixar de jogar é pedir atenção de ma-
neira objetiva - em vez de se fechar para que o
197
outro se aproxime, é falar diretamente, Eu pre-
ciso de sua companhia. Essa é uma maneira sau-
dável de se comunicar, dentro de uma relação. É
melhor e ainda mais fácil, quando os dois têm o
mesmo propósito.

Segundo Steiner, Um relacionamento bom


baseia-se na suposição de que ambas as pessoas
estão interessadas em oferecer coisas uma à ou-
tra (1976:206) e, de acordo com Hellinger, em
todos os nossos relacionamentos, as necessida-
des fundamentais atuam umas sobre as outras
de maneira complexa (2003:25).

Hellinger esclarece que tais necessidades


são de:
▪ Pertencimento – que possibilita inclusão e pro-
ximidade;

198
▪ Ordem – que preenche a necessidade de segu-
rança que a hierarquia, as convenções e previsi-
bilidade sociais proporcionam e;

▪ Reciprocidade – que proporciona o fluxo do


dar e receber.

Todo ser humano, em qualquer área da sua


vida sente necessidade de Pertencimento, seja na
relação casal, familiar, profissional ou social.
Ninguém gosta de se sentir excluído de uma con-
versa, um projeto ou do que for. Essa é uma ne-
cessidade básica e como tal pode definir a
qualidade de um relacionamento. Uma vez que
os jogos mantêm as pessoas distantes e impedem
a intimidade é natural que eles burlem tal neces-
sidade. Por esta razão, quando uma pessoa se
sente excluída é muito provável que existam jo-
gos em andamento.
199
Da mesma forma, a Ordem é primordial
para o equilíbrio das relações. Numa relação ca-
sal, o homem deve ter as atribuições do Homem
e a mulher as da Mulher. Nas relações entre pais
e filhos, os pais devem exercer suas funções pa-
rentais e os filhos as suas tarefas filiais. A má-
xima do I Ching expressa essa necessidade
relacional com perfeição: Quando um pai é um
pai, e o filho é um filho, quando o irmão mais
velho faz o papel de irmão mais velho e o novo
de irmão mais novo, quando o marido é real-
mente marido e a esposa uma esposa, então há
ordem.

Quando a pessoa ocupa um lugar inade-


quado num relacionamento é muito provável
que esteja participando de vários jogos, os quais
promovem a manutenção da dinâmica relacio-
nal. Muitas vezes, se a filha já adolescente
200
começa a cuidar da sua mãe invertendo os pa-
péis, jogos paralelos se instalam, dos mais diver-
sos estilos. Muitos deles podem estar
relacionados a jogos de poder.

Além de precisar de Pertencimento e Or-


dem, uma relação saudável precisa manter o
equilíbrio da reciprocidade; cada membro pre-
cisa estar disponível tanto a dar como a receber.
E, em relação à reciprocidade Hellinger explica
que,
Nossos relacionamentos, bem como nossas expe-
riências de culpa e inocência, começam com o
dar e receber. Nós nos sentimos credores quando
damos e devedores quando recebemos. O equilí-
brio entre o crédito e o débito é a segunda dinâ-
mica fundamental de culpa e inocência nos
relacionamentos. Favorece todos os relaciona-
mentos, pois tanto o que dá quanto o que recebe
conhecem a paz se o dar e receber forem iguais.
(2003:31)

201
Na visão de Hellinger, o credor se sente ino-
cente e, dessa forma, está acima do outro, en-
quanto este não lhe oferece algo de volta; quem
está em débito se sente culpado, enquanto não
dá algo de volta. Para isso, é preciso que cada um
fale sobre o que pensa, sente e o que precisa di-
retamente - sem rodeios. O dar e receber carícias
(não apenas físicas) precisa estar equilibrado.

Observando casais pelo viés do dar e rece-


ber, percebi que existem três formas de relações:
LIVRO CAIXA, TROCA e RECÍPROCA. Na relação tipo
LIVRO CAIXA os membros controlam entrada e sa-
ída como se estivessem anotando mentalmente
aquilo que fazem ou dão um ao outro. Eles po-
dem até dar ou fazer algo pelo outro seguida-
mente, mas contabilizam para se certificarem se
estão tendo lucro. Estas são relações tensas e es-
timulantes para jogos, em geral de poder. Em
202
uma sessão, ouvi o marido comentar com ironia
sobre o hábito da esposa de anotar, em uma ca-
dernetinha, tudo que pagava por ele, exemplifi-
cando que, no último fim de semana, ela tinha
contabilizado um picolé que ele havia tomado
junto com os filhos na praia. Ela confirmou, con-
siderando natural, pois se anotava tudo, porque
não anotaria um picolé também.

Na relação tipo TROCA, aquele que contabi-


liza, registra o que fez ou deu ao outro e fica
aguardando receber alguma coisa em troca. En-
quanto não recebe, nada mais oferece. Muitas
vezes nem informam que estão aguardando o re-
conhecimento. Alguns casais têm que receber
exatamente o que deu ou algo equivalente.
Quando é questionado por não ter feito uma de-
terminada coisa que caberia fazer, alega que fez
alguma outra anteriormente, mas nada recebeu.
203
São relações igualmente tensas e alimentadas
por queixas as quais são geradoras de diversos
jogos. Presenciei numa reunião informal uma
mulher dizendo que o marido não era carinhoso
e que tinha muito tempo que eles estavam dis-
tantes um do outro. Quando ele ouviu a queixa
replicou: Como você quer que eu me aproxime
de você? Você lembra aquela massagem mara-
vilhosa que fiz em você há seis meses? Estou es-
perando até hoje que você faça uma em mim
também. Enquanto não fizer, nada para nin-
guém.

Nesses dois tipos de relações as dificulda-


des se acentuam porque eles não conseguem pre-
encher suas expectativas como as conceberam,
nem em relação a tempo nem em relação a qua-
lidade do que é oferecido a cada um. Aos poucos
o stress vai se intensificando e a gênero-sidade e
204
a gratidão, qualidades necessárias para as rela-
ções, vão esmaecendo e dando lugar para as co-
branças e queixas.

Quando o dar e tomar fluem na forma de


RECIPROCIDADE, a relação fica leve e cada um se
sente seguro e amado. Aquele que se dá ou faz
algo pelo outro pode assim agir seguidamente,
sem necessariamente esperar nada de imediato
ou qualquer retorno. Sente e age dessa maneira
porque tem certeza de que o outro está aberto a
se doar e, no momento oportuno, o fará. A confi-
ança na disponibilidade, generosidade e reco-
nhecimento do outro existe em função da
história que os dois construíram a partir das ex-
periências vividas entre eles com a RECI-
PROCIDADE.

205
Observei casais que passaram a ter suas re-
lações classificadas como do tipo RECÍPROCA, de-
pois da terapia. Eles se descobriram pessoas
generosas. Essa é uma característica importante
para que uma relação seja permanente e saudá-
vel: a generosidade. Não existe espaço para jogos
onde tal virtude está presente, o que pode existir
é preenchimento. Bert Hellinger (2004b:11) des-
creve esse movimento relacional de uma ma-
neira simples e clara dizendo que quando um
membro da relação recebe alguma coisa do ou-
tro, precisa oferecer algo que deve ser um pouco
mais do que recebeu, para que o outro se esti-
mule a fazer o mesmo, e, dessa forma, a relação
se mantém em constante crescimento. Essa seria
uma maneira saudável dos membros manterem-
se preenchidos de afeto, livres de carências e dos
consequentes jogos.
206
É também preciso incluir outras pessoas na
rotina diária para que a fonte de preenchimento
não seja apenas a relação casal. Cada um dos
membros, além de apreciar um ao outro, saindo
juntos, namorando e coisas do gênero, precisa
também ter seus próprios amigos e atividades. É
preciso estruturar o tempo de modo a sentir pra-
zer, em diversas áreas da vida. Esses são os antí-
dotos contra JOGOS RELACIONAIS: aceitar e cuidar
de si mesmo, preencher suas necessidades e
manter a autoestima.

Pedro e Vivian se gostavam e sentiam que


aquela relação valia a pena. Eles buscaram ajuda
terapêutica porque brigavam pela mesma razão
desde que se casaram e já estavam cansados
disso. Pedro chegava do trabalho mais tarde em
casa e isso incomodava Vivian demais. Ela cos-
tumava reclamar dizendo que ele nunca tinha
207
tempo para estar com ela, mesmo em casa. Ape-
sar de reclamar, ela justificava porque conhecia
o tipo de trabalho que ele desenvolvia e sabia que
muitas vezes era necessário ficar até mais tarde.
O que realmente tirava Vivian do sério era
quando ele chegava uma ou duas horas da ma-
nhã porque estava reunido com amigos ou
mesmo com a família. Em se tratando de lazer
ela não tolerava. Ela se sentia excluída e não
prestigiada. Vivian alegava que ela fazia tudo por
ele, mas ele não atendia esse único pedido dela.
Os jogos se espalhavam pela relação a partir des-
ses eventos. Depois de algumas sessões eles ne-
gociaram e recontrataram a forma de lazer e os
horários de chegada de Pedro. Para tanto foi
também preciso que cada um entendesse a ne-
cessidade do outro e, como se gostavam muito,
foram generosos entre si. Vivian pode se doar
208
para Pedro aceitando que ele pudesse ter esses
momentos e Pedro foi capaz de se doar a Vivian,
concordando em ligar para avisá-la quando iria
chegar.

Deixar de jogar é ser capaz de viver intima-


mente consigo e com o outro. Isso pode ser as-
sustador para muitas pessoas, pois o que se
aprende desde a infância, no meio familiar, e é
reforçado no meio social, é que, para ser civili-
zado, é preciso disfarçar, conter as emoções e es-
conder as necessidades. Deixar de jogar significa
ser quem se é, autêntico.

Concordo inteiramente que as pessoas jo-


gam porque se sentem vazias, e, assim, buscam
nos jogos seu preenchimento; concordo também
que cuidando da autoestima, elas podem se pre-
encher, dando e recebendo carícias direta e

209
claramente. Também é relevante incluir que, as
pessoas que não se diferenciaram, participam re-
gularmente de jogos, e que, portanto, diferen-
ciar-se é um caminho para deixar de jogar. No
entanto, em paralelo a essa busca de autopreen-
chimento e diferenciação, recomendo aprender a
lidar com a comunicação de uma nova forma.
Porque a vertente do meu entendimento e inte-
resse pelos jogos é a comunicação, é esta que uti-
lizo como instrumento para lidar com jogos.
Primeiro, porque tenho por ela grande atração e
interesse, mais além, porque, da mesma forma
que acredito que problema é o que o cliente vi-
vencia como problema, também entendo que te-
rapêutico é o que o cliente, considera terapêu-
tico. Portanto, se eles se queixam que sua comu-
nicação está causando problemas, eles já deram
o passo mais importante para mudar sua forma
210
de se comunicar. Tenho verificado que, lidar com
os jogos que os clientes trazem para as sessões,
utilizando como ferramenta a comunicação, tem
sido muito produtivo para o avanço dos seus pro-
cessos; o meu jeito de me comunicar com eles, e,
o modo como comunico a eles a minha percep-
ção sobre eles, vai, aos poucos, contaminando a
maneira como se comunicam entre si – eles le-
vam o novo modelo vivenciado nas sessões, para
a vida. Tal impressão é reafirmada pelos depoi-
mentos da grande maioria dos meus clientes
que, ao final dos seus processos, relatam que en-
tre outros ganhos, a terapia introduziu o hábito
da conversação, com qualidade, nas suas vidas,
diminuindo a incidência dos jogos.

Deixar de jogar implica em metacomunicar,


ou seja, falar sobre a comunicação, pontuar e
questionar as duplas mensagens, as indiretas,
211
falar sobre sentimentos. Para tanto, é preciso co-
nhecer a si próprio, ser integro consigo mesmo,
honesto com o outro, responsabilizar-se por suas
necessidades e respeitar o direito do outro de
sentir o que sente.

Para desistir dos jogos, é necessário rever o


seu próprio quadro de referências e valores,
onde estão registradas suas crenças, falar sobre
seu próprio comportamento e sobre o comporta-
mento do outro; admitir que influencia e é influ-
enciado pelo outro e que, dessa forma, contribui
com uma parte, em qualquer situação vivenciada
na relação; é também importante preencher as
necessidades de reconhecimento e afeto inde-
pendente do outro, expressar as emoções de ma-
neira autêntica, amar e aceitar a si mesmo como
é, além de respeitar o outro na sua forma de ser.
Enfim, promover seu autoconhecimento e
212
desenvolvimento para diferenciar-se e obter au-
tonomia.

Pode ser que algum leitor considere esses


objetivos inatingíveis. É compreensível assim
pensar. No entanto, da mesma forma que as pes-
soas são capazes de aprender tantas coisas ao
ponto de automatizá-las quando se determinam
a assim fazer, elas também podem decidir se co-
nhecer. À medida que se conhecem aprendem a
identificar seus comportamentos danosos à sua
qualidade de vida. Naturalmente é preciso ter
vontade, disciplina e manter o ritmo imprimido
desde o começo até o fim do processo de apren-
dizagem.

213
9
NOVO PADRÃO DE COMUNICAÇÃO

Uma mudança na vida de uma pessoa não


acontece de uma só vez; ela é processual. Para
tornar didático o entendimento desse processo,
vamos imaginar um triângulo e, sem necessaria-
mente afirmar que é esta a sequência certa, con-
siderar que cada um dos seus vértices repre-
senta: PENSAR, SENTIR, AGIR. Como já vimos an-
tes, cada parte do todo contém o próprio todo e
uma mudança em uma das partes provoca mu-
dança no todo, portanto, a mudança de um vér-
tice afetará os outros dois.

214
Quando uma pessoa muda o seu modo de
pensar, ou seja, quando a pessoa muda as suas
crenças e passa a enxergar a realidade de outra
maneira, a sua forma de sentir e de agir também
mudam. Se, em vez de rever o pensamento, mo-
dificar primeiro a atitude, tal mudança irá esti-
mular a reformulação das suas crenças e dos seus
sentimentos. Se, em vez disso, ela transformar os
sentimentos, também os pensamentos e as atitu-
des gradativamente mudarão.

Como o hábito de jogar é alimentado pela


necessidade de carícias, mesmo que negativas, é
possível que, num processo terapêutico, depois
de mobilizar o vértice do pensar, estimulando
mudanças de crenças relacionadas à dificuldade
de obter carícias, o terapeuta possa motivar seu
cliente a buscar preenchimento afetivo; dessa
forma estaria acionando o vértice do agir, com
215
tarefas comportamentais, para buscar resultado
no vértice do sentir; trabalhos terapêuticos cor-
porais também podem contribuir para que o cli-
ente possa se conectar à necessidade de receber
carícias diretas. Na verdade, porque está tudo in-
terligado, não dá para trabalhar uma coisa sepa-
rada da outra.

A escolha de trabalhar a comunicação para


minimizar a incidência de jogos, também mobi-
liza os três vértices. O primeiro vértice que pre-
cisa ser mobilizado neste processo é o do pensar,
uma vez que é necessário aprender a identificar
e decodificar o padrão dos jogos. Em seguida, o
vértice do agir é o foco do trabalho, quando a
pessoa passa a utilizar uma nova forma de comu-
nicação – um repertório novo. Inicialmente esse
repertório precisa ser consciente, às vezes até
planejado ou mesmo ensaiado; ao utilizá-lo, é
216
possível que o comportamento pareça um tanto
inseguro, da mesma maneira que em qualquer
processo de aprendizagem – como uma criança
titubeando os seus primeiros passos. Quando, fi-
nalmente, após algumas experiências agradáveis
obtidas pelos novos comportamentos, o vértice
do sentir é atingido, jogar não precisa mais ser a
fonte de carícias; quando o processo foi interna-
lizado a nova comunicação pode ser espontânea.

Com Lucas, o processo aconteceu mais ou


menos assim. Primeiro, ele tomou consciência
da maneira como lidava com suas necessidades
e qual jogo ele costumava jogar. Em seguida, e
ainda com muito receio, ele agiu de uma nova
forma, confrontando Amélia. Até conseguir fa-
lar, suas mãos gelavam e seu coração palpitava,
mas ele, consciente da necessidade de agir, assim
o fez. Ao falar o que ele pensava e sentia, ele
217
constatou que nada de terrível acontecia. Pelo
contrário, Amélia pôde ouvi-lo, provavelmente
porque ele falara de um jeito tranquilo, sem crí-
ticas; ele se sentiu muito bem e percebeu que seu
bem-estar contribuía com a relação. Algumas ex-
periências seguidas foram dando a ele um novo
referencial, transformando as velhas crenças, até
que ele já não tremia, nem suava nas mãos, antes
de falar o que queria para Célia.

Uma comunicação de qualidade é necessá-


ria, especialmente nas relações em que o “não
dito”, ou mesmo o que é falado de forma inade-
quada, é constante; mesmo não sendo iscas, tais
estímulos podem desembocar em jogos. Inú-
meras são as famílias em que o silêncio está pre-
sente na comunicação. Dessa forma,
quando os membros de uma família, cujo padrão
relacional proíbe confrontação, se melindram,

218
eles silenciam as próprias percepções, desquali-
ficam os sentimentos e jogam as pendências re-
lacionais ‘embaixo do tapete’ para que possam
‘parecer bem’ na sala-de-estar. (Nemi,
2005:245)

É muito difícil evitar jogos, quando a base


relacional tem tal mecanismo.

Marcos e Cláudia chegaram ao consultório


com a queixa de que o silêncio dele estava aca-
bando com a relação. Marcos se incomodava
com alguma coisa que Cláudia dizia ou fazia e se
fechava. Ela desistira de tentar imaginar porque
ele estava tão fechado e passou a respeitar o seu
silêncio. Essa situação se estendia por vários
dias, e, quando timidamente voltavam a falar,
eles não retomavam à questão, jogando-a para
baixo do tapete. Com muita sinceridade e desejo

219
de resolver a questão, eles admitiram estar cons-
cientes do jogo que os aprisionava.

Percebi que ajudaria bastante, se eles anali-


sassem o jogo, através das características da vi-
são sistêmica, compreendendo que, por
exemplo, uma pessoa influencia o outro e é influ-
enciada por ele, e que a mudança de uma das
partes promove a mudança de todas as outras.
Para que eles pudessem sentir e entender o sig-
nificado dessas características, e perceber que
qualquer um dos dois poderia fazer alguma coisa
para promover uma mudança, propus um traba-
lho corporal. Coloquei-os numa posição seme-
lhante à de brincar de corrupio: de pé, um frente
ao outro, as pontas dos pés de um, encostadas às
pontas dos pés do outro, mãos segurando ante-
braços do outro, corpo lançado para trás, como
em uma gangorra. Antes de começar a vivência
220
metafórica, avisei que daria um comando a ape-
nas um dos dois, reservadamente; Marcos se
prontificou a receber esse comando e concordou
em fazer o que eu lhe disse. Deixei os dois na po-
sição de corrupio por algum tempo e, a uma certa
altura, disse a Marcos que fizesse o combinado.
Ele ficou, repentinamente de pé, e Cláudia se de-
sequilibrou; naturalmente, cada um, do seu pró-
prio modo, se adaptou à nova situação e juntos
puderam encontrar uma nova posição. Deixei-os
um tempo em silêncio, em contato com as sensa-
ções, para que pudessem integrar a experiência.
Quando pedi que falassem sobre o que sentiram,
eles demonstraram que compreenderam a ana-
logia, em relação ao jogo; entendi que estavam
prontos para o próximo passo.

Eles já tinham estado nos dois vértices –


PENSAR e SENTIR; agora precisavam AGIR. Eles
221
aceitaram e, juntos, falamos sobre como o agir
poderia ser incluído. A tarefa que co construí-
mos foi a seguinte: quando Cláudia tivesse a im-
pressão de que alguma coisa havia incomodado
Marcos, em vez de tentar imaginar sozinha o que
era, ela faria o sinal combinado, para que ele per-
cebesse, e fizesse a parte dele; por sua vez, Mar-
cos falaria sobre o que o incomodava. Se para ele
ainda fosse muito difícil falar, ele diria: Eu ainda
não consigo dizer o que sinto, caso fosse algo re-
lacionado ao casal; senão ele diria: Não tem
nada a ver conosco dois. São coisas minhas e es-
tou pensando sobre elas. A tarefa também pode-
ria acontecer da forma inversa. Mesmo antes de
se fechar, Marcos falaria para Cláudia sobre o
que o incomodara ou diria que ainda não conse-
guia falar e ela, por sua vez, falaria: Quando você
puder falar, eu vou gostar de lhe ouvir. Eles
222
precisaram de poucas semanas para consegui-
rem lidar um com o outro, de modo espontâneo,
sem o exercício. Na sessão seguinte, mais de um
mês adiante, Marcos relatou que Cláudia, por
iniciativa própria, disse para ele: Vamos falar
sobre o que está acontecendo. Essa relação não
é só sua. É minha também. Vamos conversar
agora. Marcos, com o rosto radiante, disse que
essa atitude de Cláudia mexeu muito com ele,
porque fez ele se sentir importante para ela.
Cláudia compartilhou que se dera conta de que,
apesar de ter dito, no início da terapia, que o pro-
blema era o silêncio dele, ela havia entendido
que ela também silenciava, quando não falava
para ele como ela se sentia com a situação, nem
perguntava nada a ele, sobre o que estava acon-
tecendo.

223
Libertar-se do XADREZ RELACIONAL implica
em aprender uma nova forma de comunicação.
Mas, como fazer para aprender essa nova comu-
nicação? Inúmeros são os autores que escrevem
sobre o tema, entre eles, Satir (1988), Fritzen
(2013), Dean (1992) e Steiner (1998). Este capí-
tulo é a composição do que dizem esses autores,
além da minha observação e experiência na clí-
nica, cuidando de relacionamentos.

Para saber o que fazer, talvez fique mais fá-


cil identificar primeiro o que não fazer. O senso
comum, independente dos estudos de cientistas
da comunicação, nos orienta que é importante
decidir parar de: criticar, rotular e julgar o outro;
tentar solucionar problemas alheios, ameaçar e
dar indiretas; camuflar sentimentos e tentar es-
capar das situações difíceis mentindo; imaginar
o que o outro está pensando e agir a partir da
224
própria fantasia, ficar se defendendo ou justifi-
cando; falar de pontos fracos do outro para
atingi-lo; reclamar só por reclamar; e, final-
mente, desistir de remoer as mágoas que aprisi-
onam ao passado. Aliás, quem já não recebeu,
por e-mail, inúmeras fórmulas de como ser feliz?
A grande maioria dessas mensagens, lindamente
organizadas, apresenta enorme sabedoria, no
entanto, tomar conhecimento, apenas, não fun-
ciona. Muitos desses comportamentos são movi-
dos por crenças antigas e pelo inconsciente.

Pessoas disfuncionais quanto à comunica-


ção e, consequentemente, nos seus relaciona-
mentos, são propensas a jogos, e, mesmo quando
percebem que existe algo errado em seu com-
portamento, têm muita dificuldade para mudar,
uma vez que as suas crenças atuam de maneira
muito intensa nas suas vidas. Virginia Satir
225
(1988:116-117) salienta que estas pessoas utili-
zam generalizações em excesso, raramente veri-
ficam ou especificam como ela ou os outros estão
utilizando as palavras, não completam suas fa-
las, esperando que o receptor o faça, omitem
contexto e, muitas vezes, não dão mensagem al-
guma, mas agem como se tivesse feito, obri-
gando o receptor a fazer suposições sobre o que
ela está falando. Isso deixa dúvidas, uma vez que
as probabilidades de interpretações errôneas são
enormes. Todos esses são hábitos que se insta-
lam no padrão de comunicação e precisam ser
modificados, se a pessoa estiver realmente deci-
dida a minimizar o número de jogos das suas re-
lações.

Após desistir dos velhos hábitos de comu-


nicação, é preciso ter ideia de quais novos hábi-
tos adquirir. Entre eles estão: responsabilizar-se
226
pela sua própria contribuição para a situação;
questionar-se se o que vai falar vai ser constru-
tivo para a pessoa e para a relação naquele mo-
mento; encontrar um momento oportuno para
conversar ou pedir um tempo, sentir se um ou o
outro está muito irritado para falar naquele mo-
mento; falar da sua insatisfação sem atacar a
personalidade do outro; usar frases em que o su-
jeito seja o pronome EU e não VOCÊ, assumindo
sua contribuição; ser íntegro consigo e honesto
com o outro; falar e ouvir, proporcionalmente,
ouvindo o que o outro tem a dizer, sem interrup-
ções, e repetir o que ouviu, para checar se enten-
deu o que foi dito. Esse pode ser um trabalho
árduo que exige firmeza e determinação.

Para Satir, uma pessoa que se comunica de


maneira funcional pode: expor com firmeza
seus pontos de vista, entretanto, simultânea-
227
mente, clarificar e qualificar o que afirma, soli-
citar realimentação e ser receptivo ao feedback
quando o recebe. Ela continua dizendo que [...]
para que a comunicação verbal seja razoavel-
mente clara, tanto emissor quanto receptor de
uma mensagem têm responsabilidade na pro-
dução desta clareza (1988:115). De acordo com
Satir, isso reduz generalizações, fazendo com
que os envolvidos sejam específicos e compro-
vem o que dizem, confrontando a realidade um
do outro.

Para uma comunicação produtiva, Claude


Steiner sugere o uso da afirmativa de ação/sen-
timento que permite relacionar seus próprios
sentimentos com o comportamento do outro,
sem acusações ou julgamentos:
A afirmativa de ação/sentimento é uma descri-
ção de uma só frase das emoções que sentimos

228
como resultado da ação de outra pessoa. A ver-
são simplificada dessa atitude é a seguinte:
‘Quando você age, eu sinto uma emoção’... Essa
afirmativa tem como objetivo dizer ao outro o
que você sentiu como consequência do comporta-
mento do outro. Ela também ajuda a evitar que
se coloque a culpa no outro ou que se ponha na
defensiva, eximindo-se de quaisquer julgamen-
tos ou acusações. (1998:89)

Além de identificar o que não fazer e com-


preender o que fazer é igualmente importante
perceber como você se relaciona com a comuni-
cação. Algumas perguntas inspiradas em Amy
Dean (1992) podem ser úteis para essa autoaná-
lise. Estas perguntas são: Sou mal compreen-
dido quando converso com outras pessoas? Sei
o que vou dizer antes de falar? Procuro resolver
meus conflitos em um período de 24 horas? Cos-
tumo reservar tempo para discutir questões que
afetam minhas relações? Quando falo, meu tom

229
de voz é claro e bem controlado? Ouço com aten-
ção ao que os outros dizem? Interrompo o outro
quando ele está falando? Tenho medo de falar o
que penso? Tenho coragem de dizer não sei? Co-
munico meus sentimentos de maneira aberta e
franca? Falo francamente quando me sinto
pouco a vontade ou aborrecido? Deixo claro os
meus próprios limites?

Dean (1992:141) também traz à tona des-


culpas que as pessoas se dão para se sentirem li-
vres para se comportarem ou falarem de uma
determinada forma que cria inúmeras possibili-
dades para gerar muitos jogos: não consigo ser
realmente honesto, tenho medo que o outro se
irrite se eu falar, tenho medo de ser julgado se
eu falar o que penso, tudo que digo sai errado,
não tenho certeza se serei compreendido, tento
dizer apenas o que acho que o outro quer ouvir,
230
acho difícil dizer como realmente me sinto,
nunca falo de coisas que possam gerar proble-
mas, entre outros.

Após esse estudo voltado para comporta-


mento, é hora de aprender como colocar em prá-
tica uma nova comunicação. Além de dar e pedir
o que necessita, sendo verdadeiro consigo e com
o outro e cuidadoso com a forma de ser verda-
deiro, uma das coisas mais importantes é saber
falar, como orienta Fritzen (2013:22), sobre
como o comportamento do outro lhe afeta, sem
críticas ou acusações, ou seja, dar feedback.

Como vimos na introdução, feedback ou re-


troalimentação é a informação utilizada para re-
duzir ou ampliar qualquer desvio do estado de
equilíbrio de um sistema. A utilização da retroa-
limentação negativa visa manter o equilíbrio e

231
evitar mudanças e a retroalimentação positiva
tem o objetivo de ampliar o desvio e promover
expansão.

A introdução da noção de feedback no con-


ceito de comunicação transforma o receptor, an-
tes passivo, em dinâmico, uma vez que se espera
que ele possa falar sobre a mensagem recebida e
sobre o seu efeito em si. Ao fazer isso, ele pode
retroalimentar positivamente o sistema relacio-
nal do qual faz parte, promovendo crescimento e
evolução. Afinal, a comunicação acontece em
mão dupla e afeta comportamentos, além de pro-
por compreensão, aceitação e ação resultantes
dela. Isso inclui a escolha das palavras e, de
acordo com Satir, estas são frequentemente im-
precisas e, por essa razão, é importante que as
pessoas clarifiquem e qualifiquem o que dizem e
solicitem que outros façam o mesmo, quando
232
ocorrem situações que deem margem à confu-
são ou dubiedade. (1988:110) Muitas vezes,
quando o outro solicita que o emissor clarifique
sua mensagem, retroalimentando o circuito de
comunicação, este pode ou não acolher tal pe-
dido. Se ele for disfuncional, provavelmente irá
fazer de tudo, para impedir a retroalimentação,
rejeitando-a com respostas tais como as que Vir-
ginia Satir (1988:113) relaciona: Você sabe per-
feitamente bem o que eu quero dizer, Eu não
poderia ser mais claro ou ainda Você ouviu o
que eu disse. De acordo com Satir, outras estra-
tégias que as pessoas disfuncionais utilizam são:
repetir o que disse exatamente como foi dito, en-
fatizar sua opinião sem mudar nada, ou ainda,
acusar o outro.

Tive oportunidade de atender um casal, há


alguns anos, que desejava muito introduzir
233
diálogos em sua relação. Eles gostariam de falar
sobre as coisas que um percebia do outro e que
os incomodavam. Eles disseram que já haviam
lido tudo sobre comunicação, feedback e tópicos
relacionados, mas quando conversavam, não
dava certo. Coloquei duas cadeiras uma em
frente à outra e convidei-os a sentar. Sugeri que
eles começassem a falar sobre os assuntos que
desejavam tratar. À medida que eles falavam e
apareciam sinais de uma comunicação disfunci-
onal, eu ia para trás de um ou do outro e fazia
alguma observação para que a distorção fosse
evidenciada. Depois de algum tempo, eles riam,
demonstrando prazer. Foi muito interessante
perceber que eles, realmente, precisavam pôr em
prática as novas crenças que haviam aprendido.
Eles admitiram que sentiam medo, toda vez que
tentavam conversar, e, cheios de dedos, acaba-
234
vam falando de forma indireta para o outro. Na-
turalmente, eles não saíram da sessão prontos!
E, afinal, quem está terminado, se somos seres
em desenvolvimento? Mas foi um passo signifi-
cativo para que eles alcançassem o objetivo de
incluir diálogo na relação.

Além de ser útil para alimentar o sistema


com novas informações, verificar e clarear o sig-
nificado do que foi dito pelo outro, feedback, é
também a informação expressa de como uma
pessoa ou um grupo de pessoas está afetando ou-
tra pessoa ou grupo de pessoas. Quando a pessoa
fala de maneira eficaz, possibilita que o outro
modifique seu comportamento dentro das rela-
ções, quer no trabalho, na área social ou na famí-
lia. Falar o que se pensa sobre o comportamento,
ou sobre como a fala do outro o está afetando,
nem sempre é positivo. Não basta apenas uma
235
boa intenção. Uma informação desse gênero,
passada de forma inadequada pode dificultar o
processo de mudança. (Fritzen, 1990)

O que é dito ao outro com o objetivo de me-


lhorar o relacionamento, precisa ser específico
ao comportamento sem atingir a pessoa, pois o
comportamento pode ser modificado, enquanto
ao atacar a pessoa, ele apenas a magoa, pois
atinge sua essência. Dizer: Você é incompetente
fere e não contribui. Fica mais fácil ouvir quando
a informação é dirigida apenas ao comporta-
mento, por exemplo: Esse trabalho que você de-
senvolveu poderia ser feito dessa outra forma.

Os critérios para dar um feedback positivo


envolvem aspectos que permitem que as defesas
individuais sejam amenizadas, o que facilita a re-
ceptividade do outro, em relação ao que está

236
sendo dito. Quando uma pessoa recebe uma in-
formação sobre seu comportamento, ela está
sendo pontuada de algo que provavelmente não
se dá conta, ou não gosta sobre si mesma, ou
seja, é o seu lado escuro, a sua sombra, a sua área
cega que está sendo exposta. É natural que a pes-
soa reaja ou se esquive, evitando contatar com
qualquer que seja o conteúdo sinalizado. Por esta
razão, ela poderá ouvir melhor quando, o que
está sendo dito, é expresso de uma forma asser-
tiva, descritivo e, acima de tudo, sem julgamen-
tos; a informação precisa ser dada através de
fatos observados e não inferidos. De nada adian-
tará falar sobre o que se percebe do outro, se isso
for dito, em termos gerais; é necessário torná-lo
específico, para que haja compreensão, de qual é
o impacto do comportamento no outro. Ele tam-
bém deve ser oportuno, ou de prefe-rência,
237
solicitado, pois, somente vale a pena ser dado,
quando o outro está disponível a recebê-lo. Uma
das formas de oferecer um estímulo desse tipo é
pedir permissão para falar, respeitando os limi-
tes e o tempo do outro. A aceitação é mais con-
tundente, quando a pessoa demonstra interesse
em saber o que o outro pensa, sobre o seu com-
portamento porque, ainda que o feedback seja
dado dentro de todos os critérios e cuidados, se
a pessoa não estiver disponível para recebê-lo,
ela poderá dar um jeito de desqualificar o que te-
nha ouvido.

Na terceira sessão do casal Lúcio e Cris, ela


informa que vai interromper o processo. Ele fica
perplexo! Desde que chegaram, ficou claro que
ele desejava a terapia, mas ela não. Ele entendia
a questão que trazia como um problema, ela não.
Ele ansiava por dizer coisas, que ela sempre se
238
esquivara de ouvir, mas ela preferia não conver-
sar sobre a relação. Desde a primeira sessão, ele
falou tudo que sentia e, especialmente, sobre o
comportamento de Cris, em relação a ele. Eu
percebia, pela reação não-verbal dela, que Cris se
sentia cada vez mais ameaçada. Mesmo medi-
ando, cuidadosamente, a conversa entre eles, e
sendo cautelosa quando dava a eles algum feed-
back, percebi que para ela seria muito difícil per-
manecer. Cris estava funcionando de uma forma
tal, que impedia qualquer feedback entrar; ela
fazia qualquer coisa para manter a homeostase,
ou seja, para proteger o padrão. Honrando o pe-
dido dele, que ansiava por mudanças, reconheci
que, sendo eu também parte do sistema terapêu-
tico, a única coisa que eu poderia fazer seria acre-
ditar que poderíamos construir juntos soluções
para eles. Desse modo, para que aquelas sessões
239
fossem úteis mais adiante, ofereci o que chamo
de semente de mudança - a tradução do que eles
haviam dito nas três sessões, confiando que, no
tempo deles, esta pudesse frutificar. Nessa devo-
lução que fiz aos dois, também o instiguei a levar
em consideração a possibilidade de que ele, de
alguma forma, estivesse contribuindo para o
comportamento dela. Foi importante, para mim,
acreditar na capacidade de auto-organização da-
quele sistema casal e, apesar de estar aberta a
ajudá-los com alguma mudança no sistema,
pude admitir que não tinha nenhum controle em
relação ao processo deles.

Mais adiante, Lúcio solicitou uma sessão


individual, quando pôde falar sobre o que desco-
brira em relação à sua parte na questão. Entre
outras coisas, ele se deu conta de que era muito
incisivo e enfático, quando a convidava para
240
conversar e ela, mais reservada, se fechava como
“tatu bola”. Esse bichinho se abre, facilmente,
quando é abordado com suavidade, mas qual-
quer movimento brusco, o faz se fechar, imedia-
tamente, mantendo-se assim, por um longo
tempo. Algumas semanas depois, ele me escre-
veu um e-mail, contando que já estavam conse-
guindo conversar e que, muito breve, retoma-
riam a terapia.

As informações dadas sobre aquilo que é


observado do comportamento do outro têm que
ser claras, sem subterfúgios e passadas direta-
mente à pessoa em questão – é preciso o olhar
no olhar. Mandar recados por terceiros ou enviar
e-mails pode dar início a novos jogos (troca de e-
mails pode ajudar a relação, no entanto, falar so-
bre conflitos através desse meio pode piorar
ainda mais a situação). Ao falar para o outro
241
sobre o que se pensa, é importante exemplificar
e contextualizar, para que as informações fiquem
claras. É necessário que o conteúdo do que está
sendo pontuado não apresente inferência sobre
o comportamento do outro; é saudável falar o
fato e a emoção que emergiram em si mesmos,
portanto, em vez de dizer: Eu me senti humi-
lhado quando você falou para as pessoas que eu
havia esquecido o meu talão de cheques no dia
em que convidei você para jantar, dizer: Eu fi-
quei mexido... uma vez que humilhado não é sen-
timento; essa fala pode dar ao outro a impressão
de uma indireta significando, Você me humi-
lhou. Além desses cuidados, é mais eficaz falar
quando a emoção, gerada pelo comportamento,
já não estiver tão presente.

Aquilo que é falado com volume emocional


total pode até contribuir, ser útil e mesmo
242
necessário, pois as relações também podem fazer
descarga emocional através de brigas, mas não
será a aplicação da abordagem aqui proposta.
Mais além, as informações precisam ser úteis
para o aqui e agora e não para questões já ultra-
passadas, e que, muitas vezes, são utilizadas
como recursos para novas brigas. É coerente re-
ferir-se a comportamentos atuais e não àqueles
ocorridos num passado, talvez já esquecido por
quem agiu com o comportamento em questão.
Os melhores feedbacks são os que pontuam com-
portamentos que se repetem, e que, por isso, fa-
zem parte de um padrão. Da mesma maneira,
tais informações precisam ser dirigidas para mu-
danças. De nada vale falar sobre o comporta-
mento do outro, apenas pelo prazer de falar, se
ele não tiver a função de contribuir com o cresci-
mento do outro e melhoria da relação.
243
Muitas pessoas afirmam que estão falando
para ajudar o outro, mas nem sempre são bem-
sucedidos e se sentem desprestigiadas. Essa
forma de comunicação pode ser o jogo, Eu só
queria ajudar (1974:145), como Berne classifica.
Isso aconteceu com Verônica. Ela diz na sessão
que havia dado um feedback à sua irmã, mas ela
não estava aberta a ouvi-la. Depois que Verônica
relata como havia falado, tive a impressão de que
ela havia, na verdade, mostrado a irmã o quanto
ela estava errada.

Depois que conversamos um pouco, Verô-


nica pôde perceber que aquilo não havia sido um
feedback, já que, ela tivera segundas intenções.
Falar não havia sido bom para o crescimento da
irmã, nem da relação.

244
Apesar de ser muito importante para as re-
lações que cada membro possa dar e receber in-
formações sobre como sua maneira de interagir
afeta o outro, muitas vezes é desconfortável ou-
vir o que o outro tem a dizer. É comum que a pes-
soa que ouve se desligue, justifique, retruque ou
aponte os erros do outro, como se assim se sen-
tisse liberado do que aquilo que ouviu possa
fazê-lo sentir. Receber, acolher, ouvir o que o
outro tem a dizer é uma grande demonstração de
maturidade e desejo de crescer. Para isso, antes
de tudo, é importante aceitar-se como uma pes-
soa com dificuldades, que tem o que aprender
sobre si mesma e que deseja crescer; dessa
forma, é possível ouvir atentamente, sem inter-
rupções. Ser receptivo implica em não oferecer
qualquer justificativa quanto aos comportamen-
tos referidos, e sim, acolher e analisá-los quanto
245
aos seus efeitos, na outra pessoa. É claro que a
outra pessoa também contribui para a situação
em questão, mas essa parte cabe a ela analisar.
Ao final, quem ouve pode solicitar exemplos ou
dizer com suas próprias palavras o que entendeu
do que foi dito, para se certificar se ficou claro.
Em seguida, vale a pena silenciar para refletir e
perceber o que está sentindo. Se a pessoa que
abriu seu coração para dizer o que pensa, tiver
feito como um gesto de afeto, uma demonstração
de consideração e interesse pela outra pessoa, é
muito mais fácil receber a informação.

Compreendo que, mesmo quando as pes-


soas têm estas informações e acreditam nelas,
podem não conseguir utilizá-las de forma eficaz.
Tive alunos no curso Educação Relacional, que
aprenderam a técnica, no entanto não consegui-
ram implementá-la, especialmente onde mais
246
desejava – na relação casal. Isto ocorre princi-
palmente quando ressentimentos se acumulam
ao longo do tempo. Neste caso é prudente buscar
ajuda de um mediador/tradutor que o terapeuta
de casal pode ser. Após limpar o campo relacio-
nal e estabelecer novos acordos a nova comuni-
cação pode ser implementada.

Lídia estava decidida a se separar, por di-


versas razões, entre elas, o fato de seu marido,
Fúlvio, ter muita dificuldade para se comunicar.
Ela já havia informado a ele sua decisão, quando
soube, através da sua cunhada, que ele se abrira
para o irmão. Para surpresa de Lídia, ele dis-
sera ao irmão que estava indignado, porque ela o
responsabilizava por tudo que havia dado er-
rado, mas não enxergava que ela também tinha
pisado na bola. Ele, inclusive, relacionou algu-
mas questões do comportamento dela, que ele
247
nunca comentara. Surpresa, Lídia o procura,
para conversar e diz a ele que estava disposta a
rever sua posição, uma vez que ele tinha razão
quanto ao que ele pensava sobre ela. Solicitou
que, a partir de então, ele passasse a falar o que
pensava dela, para ela, uma vez que seu silêncio
era uma das suas queixas.

Dar um feedback é um gesto de amor e res-


peito por si mesmo e, também, pelo outro. Exis-
tem relações em que a afetividade não é uma
opção: no trabalho, por exemplo, ou nas relações
de vizinhança, situações em que as relações exis-
tem independentemente de escolha. Em relações
assim, dizer o que se pensa, é um gesto de amor
a si mesmo, pois a pessoa precisa estar bem, e fa-
lar sobre como se sente, proporciona bem-estar.
É muito mais fácil aceitar, quando alguém em
quem a pessoa confia, fala esse tipo de coisa. No
248
entanto, ainda que esta não seja confiável, ela é
o outro da relação, o observador que vê o que a
própria pessoa não pode ver. Mesmo que dis-
corde do que tenha ouvido, vale a pena guardar
o que ouviu consigo para – quem sabe, analisar
e refletir sobre o assunto, em outro momento.

Durante um processo terapêutico, é o tera-


peuta que, muitas vezes, dá feedbacks; o tera-
peuta é a pessoa que, com o que diz, introduz
novas informações no mundo do cliente (casal,
família ou individual), possibilitando que sua re-
alidade seja ampliada. Um exemplo disso ocor-
reu com Betânia. A uma certa altura do seu
processo, ela continuava se queixando de que
seu marido a desqualificava. Eu lhe perguntei se
ele era a única pessoa que a tratava daquela ma-
neira, e ela afirmou que sim. Então, disse-lhe que
tinha a impressão, pelo relato que ela fizera
249
sobre conversas com a sua mãe, que ela prova-
velmente, também a desqualificava. Quando
exemplifiquei, ela tomou um susto, pois nunca
havia percebido. Betânia se emocionou e, ainda
perplexa, admitiu que só então enxergava a
questão por um outro prisma; naquele mo-
mento, ela conseguiu identificar como seu com-
portamento estimulava o outro a lhe tratar mal e
pôde encontrar saídas, por si mesma, em vez de
esperar que seu marido mudasse o comporta-
mento dele. Ela entendeu que não era apenas li-
mites que ela teria que dar. Ela precisava parar
de se relacionar com o mundo do lugar de Ví-
tima.

O feedback pode ser também utilizado para


eliminar dúvidas ou lidar com o imaginário que,
muitas vezes se instala entre as pessoas e impede
que a comunicação possa fluir. É muito impor-
250
tante valorizar, tanto a própria intuição, como a
do outro e investigar que possíveis dados podem
ter estimulado aquela percepção. Como Claude
Steiner conclui, em seu livro, Educação Emocio-
nal, a intuição tem início como uma percepção
vaga que mal temos consciência, e se torna um
poderoso holofote que ilumina o panorama
emocional, tornando-o familiar e acessível.
(1998:106)

Uma vez que o ser humano não é telepata,


ele precisa perguntar ao outro se o que percebeu
é o que ele está pensando ou sentindo. Este, por
sua vez, mesmo refutando, deve lembrar que,
suas mensagens não-verbais podem ter estimu-
lado tal percepção. A beleza do corpo humano e
suas incríveis possibilidades, como o fato de po-
dermos enxergar, é fabuloso. Mesmo profissio-
nais da área da Saúde se encantam com a
251
perfeição do mecanismo que permite a visão.
Muitas vezes ponderei que, da mesma forma que
a maravilhosa capacidade do corpo humano in-
clui os sentidos que conhecemos, não seria ab-
surdo considerar a possibilidade de que pode-
ríamos também ser equipados de condições para
sermos telepatas. Nos momentos em que levei
essa reflexão a sério, conclui que se ainda não so-
mos, provavelmente é porque precisamos evo-
luir suficientemente para sermos capazes de
suportar ter conhecimento de tudo que o outro
pensa e sente sobre nós. Ou talvez, precisamos
estar evoluídos ao ponto de sermos capazes de
olhar para o outro com olhos de aceitação das di-
ferenças. Tal postura permitiria a construção de
pensamentos mais acolhedores e possíveis de se-
rem ouvidos telepaticamente. Como tais refle-
xões não passam de viagens até o momento, o
252
que podemos fazer é aprender a nos comunicar-
mos tanto com palavras como com atitudes e
sentimentos saudáveis.

Para exemplificar esse tema, vejamos o


exemplo de Hilda e Gilson. Hilda pensava que
Gilson, seu esposo, estava zangado com ela, por-
que na segunda-feira daquela semana, ela se es-
quecera de lhe dar o recado que Jefferson, seu
amigo, havia deixado para ele domingo à noite:
dizia que iria estar à porta da fábrica para entre-
gar o dinheiro que estava lhe devendo e que Gil-
son deveria esperar por ele, caso ele se atrasasse.
Quando Jefferson ligou, Gilson já estava dor-
mindo; Hilda, confiando que se lembraria, não
tomou nota do recado, como costumava fazer.

À noite, quando Gilson chegou, e ela co-


mentou, ele disse, Será que, porque eu não o

253
esperei, como ele pediu, ele foi embora sem me
procurar? Que azar!! Eu estava precisando
tanto desse dinheiro! Desde então, Gilson ficara
calado e, toda noite, ao chegar em casa, tomava
banho, comia e ia direto para a cama. Ela achava
que ele não estava pra conversa por causa do que
ela havia feito. Por esta razão, ela se fechou para
ele e passou a falar por monossílabos, se sen-
tindo injustiçada. Na sexta-feira, por acaso, ela
ouve uma conversa entre Gilson e Jefferson, ao
telefone.

Gilson ligou para Jefferson, cobrando o seu


dinheiro e disse-lhe que se ele não o encontrara
na frente da fábrica, conforme ele havia pedido,
ele deveria ter entrado na fábrica e o procurado,
lá dentro, se ele quisesse, realmente, pagar o di-
nheiro. Hilda ficou surpresa porque da forma
que ele falava, ele não a havia responsabilizado,
254
e sim, a Jefferson. Quando Gilson desligou o te-
lefone, ele disse para ela, Eu tinha certeza que
ele não tinha ido à fábrica. Então ela teve cora-
gem de perguntar a ele: Você ficou zangado por-
que eu esqueci de lhe dar o recado? E ele
respondeu: Claro que não, eu fiquei a semana
toda chateado com Jefferson, porque na hora
que ele precisou do dinheiro, ele soube me
achar, mas na hora que ele teria que me pagar,
e que sou eu que estou precisando, ele some.
Hilda se deu conta de que perdera seu tempo re-
moendo coisas que só existiram em sua imagina-
ção e deixou de estar do lado do seu marido,
enquanto ele se sentia tão aborrecido e preocu-
pado com as dívidas da família.

Verificar se o que percebe sobre o outro


também é a realidade do outro, é uma forma de
manter limpa a imaginação; fantasias são armas
255
poderosas para manter as pessoas afastadas.
Perguntas do tipo, Tenho a impressão que você
se magoou com meu comentário. É correta esta
impressão? ou ainda, Estou com a sensação de
que você gostaria de mudar de assunto. É isso?
Esclarecer dúvidas possibilita relacionamentos
francos e verdadeiros.

Muitas pessoas se esquivam de dar feed-


backs por sentirem que ao fazer, estão na ver-
dade confrontando o outro. Sim. E por que não?
Talvez o significado culturalmente atribuído à
palavra confrontação assuste e gere o precon-
ceito. É importante ressignificar confrontação
para que esta possa ser utilizada na resolução de
conflitos relacionais. Após obter resultados agra-
dáveis de experiências com confrontação a pes-
soa pode incluir tais ações na sua vida.
Confrontar é lidar de frente com situações
256
conflitadas. Confrontar é sinalizar como a ação
de uma pessoa, repercutiu no outro. Uma comu-
nicação saudável é um direito logo cedo privado
ao ser humano, na sua relação com os pais, que
lhes ensinam a engolir, sem questionar. Reedu-
car-se a confrontar, requer paciência e tolerância
porque, normalmente, a pessoa que decide in-
cluir a confrontação em suas relações, entra em
contato com os seus medos regressivos, ou seja,
aqueles uma vez sentidos na infância. À palavra
confrontação é atribuído um sentido negativo, de
coisa dura, difícil e errada. Para as pessoas que
sentem que confrontar é ameaçador, é aconse-
lhável começar a exercitar essa forma de dar
feedback com pessoas que saibam a importância
do que é confrontar. Ainda assim, pode ser que
as coisas não aconteçam exatamente como espe-
rado ou desejado.
257
Tenho observado os efeitos de um feedback
e a sua eficácia tanto na minha prática clínica,
como na minha experiência pessoal, utilizando-
os. Quando se trata de feedback por confronta-
ção, considero muito útil organizar os passos
para que este seja bem-sucedido. A contribuição
de Fritzen (1990:22) sobre como dar feedback
especialmente em grupos e em empresas é fan-
tástica e eficaz ao ser utilizada; nas relações de
intimidade, sugiro experimentar organizando
como relaciono a seguir:
(1) abrir a conversa de forma acolhedora, sendo
positivo em relação ao outro, para, dessa ma-
neira, criar uma ponte até ele, facilitar con-
tato e uma comunicação eficaz;
(2) falar dos próprios sentimentos;
(3) informar qual comportamento do outro acio-
nou o sentimento mencionado;
(4) citar um exemplo recente que ilustre tal com-
portamento e como ele se repete;
258
(5) solicitar que o outro possa dizer, com as suas
próprias palavras, o que ele compreende do
que foi dito, parafraseando o que ouviu se
este assim preferir e;
(6) solicitar que o outro possa pensar sobre o as-
sunto, para falarem em outro momento, mais
uma vez, caso não tenha ficado resolvido.

Se a pessoa fala de coração para coração,


sem apontar para o outro, colocando-o no lugar
de culpado ou de vilão, é muito provável que o
outro ouça, compreenda e sinta que a iniciativa
de falar sobre o assunto significa que a pessoa va-
loriza a relação.

Quando a pessoa que confronta admite a


sua própria contribuição, muitas vezes, a pessoa
confrontada pode, mais facilmente, assumir sua
responsabilidade e expressar seus sentimentos,
pelo que se dá conta que fez, ainda que não exista
garantia para tal.
259
Inúmeras vezes Tide se queixou do seu pai
já falecido, dizendo, com muito ressentimento,
que ele nunca a havia beijado e que, em datas es-
peciais, ele colocava o queixo na testa dela, e sol-
tava um beijo para o alto. Até que um dia ela
tomou susto e se emocionou quando uma amiga
perguntou a ela: E você, alguma vez falou com
ele sobre isso ou pediu a ele que a beijasse como
você queria?. Essa informação, simples, em
forma de pergunta vinda de alguém, fora do cir-
cuito, deu a Tide uma dimensão totalmente nova
para a questão. Olhando para a sua parte, ela
pôde parar de se queixar e se sentiu muito mais
aliviada. Em vez de reclamar, foi conversar com
a mãe sobre o assunto; ela explicou que ele tivera
tuberculose, quando ela era ainda pequena, mas,
mesmo que soubesse que já estava curado, temia
causar à filha algum problema. Tide, perplexa,
260
entendeu que aquele era o jeito dele demonstrar
seu amor por ela, ela também se deu conta que
valia a pena falar sobre o que sente, em vez de
apenas reclamar pelo que não tem.

Para abraçar uma nova comunicação, é pre-


ciso mudar muitas coisas ao mesmo tempo.
Como todo e qualquer processo de aprendiza-
gem, é preciso tempo e persistência. Ao longo do
caminho, aquele que decide mudar a sua forma
de se relacionar, mudando o seu padrão de co-
municação, também, minimizará os jogos, nas
suas relações. Mesmo que tropece, caia, regrida,
deverá persistir, porque, uma vez iniciada a ca-
minhada, não há retorno. O máximo que pode
acontecer é ficar preso em alguma rotatória, ao
longo do percurso, até tomar novo impulso. Re-
caídas podem ser utilizadas para o processo de
aprendizagem para que, a partir delas, retomar a
261
caminhada seja produtivo. Afinal, depois que
você aprende sobre jogos e permite que esse
tema toque sua vida, eles estarão ressaltados aos
seus olhos; você conseguirá enxergar pelas en-
trelinhas e ouvir por trás das palavras (tanto as
suas quanto as dos outros).

262
10
CONCLUSÃO

Saber o que são Jogos Relacionais e suas


consequências passa a ser uma grande responsa-
bilidade para qualquer pessoa interessada em
sua expansão. Após refletir sobre o assunto e ex-
perimentar uma nova comunicação, a pessoa
não será mais a mesma. Se tiver compreendido,
mas continuar jogando, vai estar jogando e se
vendo jogar – vai jogar de modo consciente. Este
é o primeiro passo para uma mudança progres-
siva na sua forma de se relacionar e se prover de
estímulos (carícias).

263
Lígia, uma mulher de 33 anos, profissional
liberal, independente, casada há nove anos, vive
com seu marido e seu filho de 8 anos em uma
casa bem estruturada. Ela ficava indignada, por-
que sentia que a mãe ainda a tratava como se ela
fosse uma adolescente. Ela não percebia, no en-
tanto, que alimentava esse tipo de comporta-
mento na sua mãe. No início do ano, sua mãe
perguntava, quase que diariamente, se ela já ha-
via matriculado seu filho na escola. Algumas ve-
zes, ela telefonava, só para aconselhar a filha,
sobre esse tema. Lígia, durante uma sessão, con-
fessa que nunca havia sido capaz de ser rebelde
com a mãe; em vez disso ela agia de maneira re-
belde passiva, ou seja, ela pirraçava a mãe, adi-
ando a matrícula do filho, até o último dia do
prazo.

264
Lígia ficou pasma, quando percebeu, atra-
vés do processo terapêutico, sua contribuição
para os jogos que compartilhava com a mãe. Ela
reconhecia os momentos desconfortáveis que as
duas vivenciavam, ocasionalmente, mas os atri-
buía à mãe. Tão logo se tornou consciente do
funcionamento dos jogos e da sua coparticipa-
ção, deu o primeiro passo para sua mudança.

Nos primeiros jogos, depois de entender o


funcionamento deles, ela só se dava conta de que
havia jogado, no final. Em um dado momento,
ela se deu conta de que estava dentro de um jogo
durante a sua evolução, mas não sabia interrom-
per. Lá se foi Lígia, até o final do jogo – como
observadora de si mesma. Durante algumas se-
manas, estar consciente foi a única coisa possível
para ela. Tal experiência foi ampliando a sua
consciência, processualmente, até que, em uma
265
dada situação, ela se viu na iminência de jogar e
pode fazer algo novo. Ao perceber que estava
prestes a ser fisgada pela isca que sua mãe lan-
çou, foi capaz de interromper seu movimento, si-
lenciando-se.

Em seu silêncio, ela pôde avaliar seus sen-


timentos e a necessidade que tinha de que a sua
mãe a reconhecesse. A partir de então, quando a
mãe lançava uma isca, ela não se deixava fisgar;
algumas vezes deixava pra lá, outras vezes de-
nunciava, mas, na maioria das vezes, cortava o
jogo com intervenções cuidadosas e até didáticas
para a mãe. No caso da matrícula do seu filho, ela
decidiu dizer à mãe, de uma maneira afetuosa:
Mãe, o seu tempo de se preocupar comigo e com
minhas coisas já passou, viu? Hoje você é avó!
Relaxe e fique tranquila que eu cuido de tudo,
tá?
266
Neste caso, a mãe de Lígia acatou a res-
posta, ainda que surpresa com a nova atitude. No
entanto, por mais cuidadosa que Lígia fosse, era
natural a mãe reagir na tentativa de preservar o
jeito de ser da relação. A forma que a sua mãe
encontrou, para lidar com o novo comporta-
mento de Lígia, foi refinando o jogo. Escalar o
jogo é uma tentativa de não sair dele. Lígia con-
seguiu ser paciente, porém firme com a mãe, sus-
tentando seu propósito de buscar afagos de uma
maneira mais saudável. Uma das novas investi-
das da mãe dela foi quando, em uma determi-
nada situação, em que Lígia se colocou de um
jeito autônomo, sua mãe lhe disse: Eu, hem? Até
parece que você é independente!, como é comum
ouvir os pais falarem aos filhos que, na adoles-
cência, estão experimentando essa possibili-
dade. Lígia pôde dizer com calma, mas firme:
267
Mãe, perceba o que você acabou de dizer. Isso é
um equívoco. Eu sou independente sim, há
muito tempo! A mãe dela mostrou, na sua ex-
pressão, um ar de surpresa, como se estivesse se
dando conta disso, naquele momento, e concor-
dou com um sorriso.

Lígia pôde introduzir, na relação com a


mãe, uma nova abordagem, mais afetuosa e
cheia de reconhecimento. Isso permitiu que sua
mãe não se sentisse rechaçada e a ajudou (ainda
que ela nada soubesse sobre jogos), a mudar sua
postura diante da filha. Quando uma pessoa
muda, a outra acompanha a mudança, natural-
mente; mesmo que se debata um pouco, em al-
gum momento, aquiesce e a incidência de jogos
diminui.

268
Ter o conhecimento de como os jogos fun-
cionam é uma grande responsabilidade, porque
a pessoa fica confrontada consigo mesma, em re-
lação à sua contribuição, nas situações dramáti-
cas da sua vida – suas brigas. No entanto, nem
sempre é possível, para a própria pessoa, identi-
ficar de que modo participa de um jogo. É, mui-
tas vezes necessário, solicitar esse tipo de
feedback a alguém próximo, o que exige que a
pessoa confie em si e no outro.

Saber sobre JOGOS RELACIONAIS pode ser li-


bertador. É ter a posse de uma chave libertadora
da prisão em que a relação pode ter se tornado,
para, afinal ser possível, encontrar uma nova
forma, um novo padrão, mais saudável de se co-
municar e se relacionar.

269
Caso você tenha feito o levantamento das
brigas em que se envolveu nos últimos tempos,
no início da sua leitura, verifique agora, a partir
do texto, o que você pode fazer pela sua comuni-
cação e pelas suas relações.

Parece óbvio que a tarefa de deixar de jogar


demanda um grande investimento pessoal,
muita atenção, determinação e muito empenho.
Além de competência emocional, é necessário
capacidade para comunicar, de maneira obje-
tiva, o que pensa e sente, para que o outro con-
siga ouvir.

Se você decidiu promover mudanças no seu


jeito de se comunicar, não tenha dúvidas de que
esta será, muito provavelmente, uma longa jor-
nada. Se essa é sua escolha, desejo sucesso na
sua empreitada!

270
Apêndice I
EXEMPLOS, COMENTÁRIOS E REFLEXÕES

Uma grande fonte de exemplos para jogos


são as novelas. Todas as tramas giram em torno
de jogos articulados pelos personagens. O que
assegura a manutenção de tais jogos são os se-
gredos, as mentiras, as manipulações e dissimu-
lações. A expectativa dos telespectadores fica
voltada para o desenlace, o final da novela,
quando todos os jogos são desmascarados e as
questões resolvidas.

Nessa ocasião, fica evidenciado que a solu-


ção de todos os problemas é tão somente falar
sobre eles aberta e claramente; fica também uma
sensação de sucesso e paz. A vida real pode

271
manter esse gostinho de final de novela, quando
a intenção de minimizar os jogos é mantida.

No próximo apêndice você verá falas avul-


sas, sem a intenção de catalogar jogos, como Eric
Berne fez. Entretanto, os exemplos desse apên-
dice são, em sua maioria, jogos que que escolhi
da minha experiência de vida e ou em consultó-
rio com o propósito de ilustrar aqueles classifica-
dos por Eric Berne e Claude Steiner em seus
livros Os Jogos da Vida de Eric Berne (1974) e
Os papéis que vivemos na vida (1976).

Os comentários, após cada jogo, pretendem


estimular a percepção de alguns detalhes, mas
não podem ser considerados como a única expli-
cação ou o único entendimento para aquele jogo.

Recomendo que aproveite para observar e


visualizar a aplicabilidade da visão sistêmica, em

272
relação ao comportamento humano e seus rela-
cionamentos. Fique atento ao estilo de lingua-
gem e o vocabulário utilizado, pois os comen-
tários e reflexões estão repletos de falas e obser-
vações elaboradas no molde sistêmico. Diferente
do Apêndice II, quando apenas o que o emissor
disse foi é comentado, nos exemplos aqui, a con-
tribuição de todas as partes envolvidas serão
ponderadas.

Só estou querendo ajudar...

Sem que Pedro pedisse, Jô levou o seu


carro para consertar e mandou o mecânico fa-
zer tudo que achava que era preciso. Pedro ficou
uma fera, quando Jô avisou o que tinha feito e
disse para ele pagar o conserto.

273
Nas relações saudáveis, é natural respeitar
o direito do outro de decidir por si mesmo, por-
tanto, antes de qualquer coisa, Jô teria que ter
perguntado a Pedro se ele autorizava que ela le-
vasse o seu carro ao conserto, como ele gostaria
que o assunto fosse tratado e quais limites ela te-
ria que ter. Em se tratando de um casal, Jô pode-
ria fazer coisas pelo marido como um mimo ou
como divisão de tarefas, no entanto, fazer pelo
outro, em vez de cuidar das próprias coisas, pode
ter outros significados. Da parte de Pedro, ele
precisaria refletir, se ele tem sido claro e firme o
suficiente, para impedir, antecipadamente, que
Jô interfira em suas decisões pessoais.

Reflexões:

Como está a relação nesse momento? Será


que eles estavam com dificuldade para intimar e,

274
para evitar intimidade, acabaram aproveitando a
oportunidade para se afastar um do outro? Sobre
o que eles não estão podendo conversar? Como é
o funcionamento de Jô? E sua autoestima? Para
que ela precisa cuidar do outro? E Pedro? De que
forma ele lida com invasão na sua vida? Será que
ele deixa seus limites claros na relação? Quais as
“vantagens” para cada um manter esse padrão?

Mártir / Eles ainda vão agradecer

Joana é uma dona-de-casa perfeita que,


além de trabalhar fora, faz tudo para todos –
cuida da comidinha, da roupa, da limpeza da
casa e mantém tudo impecável, do jeito que
gosta. Apesar disso, ela não consegue agradar
a todos, que reclamam o tempo todo, e fica
muito chateada com isso, ainda que disfarce.
275
Sempre tem um ar de cansada, mas não abre
mão de seu papel.

Provavelmente, os filhos e o marido de Jo-


ana percebem o funcionamento dela, mas não fa-
zem nada ou não dizem nada sobre o assunto.
Parece que ela nunca consegue corresponder às
expectativas deles. Quando eles dizem alguma
coisa, diferente da maneira como ela acha que
algo deve ser feito, ela critica e alega que eles não
reconhecem seu esforço para cuidar tão bem de
tudo. Possivelmente, eles sentem algum descon-
forto, principalmente se as preferências deles
não são levadas em conta, mesmo nos momentos
em que ela não está cobrando. O campo relacio-
nal fica constantemente tenso. Joana precisaria
olhar um pouco para si para entender seu funci-
onamento e parar de viver a vida do outro. Se “o
outro” são crianças, elas não têm força suficiente
276
para interromper esse jogo. O pai precisaria in-
tervir, longe dos olhos da criança, para não ferir
a cumplicidade que os pais devem ter. Se “o ou-
tro” for um adulto, ele precisa estabelecer limites
claros para o contrato da relação. No entanto,
enquanto nenhum deles se sentir realmente in-
comodado, ou seja, enquanto ninguém olhar
para essa forma de funcionamento como algo
que precisa ser mudado, nada poderá ser feito e
o mal-estar permanece. Só o tempo pode trazer
o desfecho desse jogo.

Reflexões:

Será que Joana sabe buscar reconheci-


mento de modo direto e espontâneo? Qual a fun-
ção dessa forma de lidar com sua vida? Será que
ela conseguiria se sentir aceita apenas por ser,
independente do fazer? O que poderia acontecer,

277
se ela diminuísse o seu nível de exigência? E se
essa forma tem a ver com estar no controle?
Como essa maneira de lidar com sua vida inter-
fere na sua relação com o marido? Qual o “ga-
nho” dessa forma de relação para o marido?
Como está a sexualidade do casal?

Jogo de Poder de quem está por cima

O casal decide passar o fim de semana pro-


longado fora. Ela quer ir para a fazenda de uns
amigos, e ele quer ir para a Ilha de Itaparica.
Eles discutem o assunto, juntos, mas ficam de
decidir depois. No dia seguinte, o marido chega
com a passagem do Ferry. Ele a informa, e ela
fica indignada; de nada adianta discutir, pois o
marido já está decidido! De forma indireta, e

278
não-verbal, ele demonstra que é ele quem provê
a casa.

Jogo de poder de quem está por baixo

Seguindo o caso anterior, quando a esposa


chega em um ponto, onde não tem mais chance
de ter o que quer e não se sente preparada para
assumir seu desejo, ela pode SABOTAR o passeio,
decidido pelo marido: dor-de-cabeça, enxa-
queca, mal-estar, uma relação sexual pouco ex-
citante, uma cara fechada, e quando ele
pergunta o que há de errado, ela diz. NADA!. Ela
se comporta de modo a fazê-lo se sentir culpado.

Nesses dois jogos, fica patente a necessi-


dade que cada um dos jogadores tem de ficar su-
perior ao outro, como Bert Hellinger comenta,

279
Às vezes em um relacionamento se desen-
volve um jogo de poder ao redor da realização do
amor. Por exemplo, se um deles quer e deseja o
outro e o outro só concede, este se coloca em uma
posição de superioridade. O parceiro que precisa
e deseja fica, com isso, em uma posição inferior e
isso destrói o amor. O amor se baseia na igual-
dade do querer e do conceder. (2004a:23)

O Jogo de poder de quem está por cima é


complementar ao Jogo de poder de quem está
por baixo. A complementaridade é velada, e a co-
municação acontece de forma indireta. Aquele
que está por cima, não abre mão do seu poder, e
quem está por baixo, acumula ressentimentos e
vai minando a relação, em geral, de um jeito bem
disfarçado. Uma das maneiras de interromper
ou de lidar com esse jogo é falando sobre como
ele funciona. Após algumas situações, o padrão
fica evidente. No entanto, falar sobre o jogo só

280
funciona se cada um for capaz de admitir sua
parte.

Reflexões:

Será que o poder de quem está por cima é


tão somente um disfarce para esconder suas ne-
cessidades e fragilidades? Será que, se ele conse-
guisse abrir o coração, descobriria que, na
verdade, tem muito medo de ser controlado e por
isso controla? E quem está por baixo? Será que
se abrisse mão do estereotipo de vítima, desco-
briria que tem medo de se perder, e, por isso
“controla” com o poder de quem está por baixo?
O que poderia acontecer se os dois se entregas-
sem às suas próprias sensações e falassem sobre
elas?

281
Veja só como eu me esforcei

Mary não tem muita experiência e, por


essa razão, acha que não dá conta dos seus afa-
zeres; como quer segurar o emprego, leva ma-
terial para digitar em casa. Depois de alguns
dias, ela está esgotada, pois não tem tempo livre
para descansar. Sua produtividade cai e a
qualidade também; ela começa a entregar tex-
tos cheios de erros de digitação. Ela acha que
seu chefe é ingrato, porque não reconhece o
quanto ela estava produzindo.

O funcionamento de quem joga esse tipo de


jogo, em geral, é o da vítima. Ela pode ter a
crença de que o outro está abusando dela e não
consegue ver que é ela que está dando as cartas.
Afinal o contrato de trabalho dela não incluía le-
var trabalho para casa. Essa foi uma decisão dela

282
e não pode ser atribuída ao outro. É possível que
o chefe tenha percebido o que estava aconte-
cendo e que tenha se aproveitado dela, enquanto
valia a pena; no entanto, qualquer que seja a
parte dele, não muda em nada a cota de respon-
sabilidade que ela tem sobre a questão.

Reflexões:

Como será que Mary entende o fato de es-


tar ludibriando o chefe quando leva trabalho
para casa? Qual imagem ela tem de si mesma?
Será que Mary tem muita fome de reconheci-
mento e, por isso, se esforça para ser “aplau-
dida”? O que será que aconteceria, se ela
percebesse que pode ter um grande vazio dentro
de si? E o seu chefe? Será que ele se dá conta de
que se aproveita da fraqueza do outro?

283
Olha o que você me fez fazer...

Marina está digitando, quando entra seu


irmão e começa a conversar. Ela se sente inco-
modada, mas não diz nada. Quando começa a
errar, fica com raiva e o responsabiliza pelos
seus erros: Eu estava quieta no meu canto! Foi
você que veio e me atrapalhou!

Quem se envolve em jogos relacionais tem


muita dificuldade em enxergar sua participação
na questão. É muito mais fácil apontar o dedo
para o outro e se eximir da responsabilidade.
Principalmente numa situação como essa em
que a pessoa se sente segura para afirmar clara-
mente que não fez nada (pelo menos de maneira
ativa). Seu irmão pode ter invadido seu espaço,
sem se preocupar com o que ela estava fazendo,
no entanto, ela também poderia ter interrom-

284
pido, dando-lhe limites. Toda situação é co-cons-
truída. Cada pessoa precisa encarar sua contri-
buição. Esse jogo também pode ser uma forma
de botar para fora ressentimentos anteriores.

Reflexões:

Será que Marina já estava chateada com o


irmão e aproveitou para acusá-lo assim? Até que
ponto o seu irmão “precisava” de uma briguinha
e jogou a isca? O que está acontecendo com a re-
lação deles, que não está podendo ser falada? O
que pode estar estressando Marina, que a faz ex-
plodir, talvez para se aliviar? O que será que faz
com que cada um deles precise se sentir superior
ao outro? Qual o contexto dessa família nesse
momento?

285
Agora briguem vocês

Antônia faz um comentário inocente para


Geisa sobre algo que Jane teria falado; depois
diz que se dá conta de que era melhor não ter
falado nada e pede que mantenha sigilo; depois
sai de baixo e fica olhando o mal-estar gerado,
quando as outras duas se encontram. Quer a
amiga resolva silenciar sobre o assunto ou não,
o clima ficará carregado e outros jogos poderão
ser jogados.

Esse jogo é semelhante ao jogo da fofoca. É


possível que esse triângulo seja mantido pela in-
veja que Antônia sente da amizade de Geisa e
Jane. Muito provavelmente, são relações em que
não se pode falar de coração aberto. Talvez, a ne-
cessidade de estar mal, extrapola a necessidade
de estarem próximas. Talvez Geisa pudesse

286
resolver essa questão convidando Antônia para
conversar com Jane junto com ela, considerando
que, Antônia deve assumir as consequências de
ter falado.

Reflexões:

Será que Antônia consegue manter uma re-


lação leve e de fato amistosa? Ou Antônia tem di-
ficuldades relacionadas à rejeição e entende que
a amizade de Jane e Geisa a exclui? Se Jane se
deixar fisgar por Antônia, e, não falar nada para
Jane, que outros jogos seriam incluídos?

Agora te peguei, seu FDP!

Rita descobriu por acaso que o marido


usou o dinheiro da reserva deles e está escon-
dendo. Ela não o deixa perceber que sabe e ele

287
fica crente que está abafando. Ela fica prepa-
rada para pegá-lo no flagra, e não deixar dú-
vida de que ele é desleal com ela.

Assim que Rita descobriu o que ele havia


feito, poderia ter conversado com ele, mas prefe-
riu guardar esse trunfo para criar uma cena, em
que ele será ridicularizado. Desse modo, diante
dos olhos dos outros, ele será o vilão e ela, a ví-
tima. Até chegar esse momento, ela ficou sor-
vendo o prazer de saber, sem que ele sequer
desconfiasse. Rita não tem por hábito clarear
suas dúvidas e tratar as questões de forma direta.
Em vez de conversar e expor suas ideias e senti-
mentos, ela prefere a dramatização. Ela precisa
de fortes emoções.

Reflexões:

288
Para que será que Rita precisa de uma situ-
ação dramática quando traz esse tema à tona?
Como será que a mãe de Rita resolvia as questões
com seu pai? Como funciona a relação de Rita
com o marido, fora esse tema? Qual o padrão de
relacionamento deles? As coisas em geral são di-
tas e esclarecidas, ou guardadas por baixo do ta-
pete, para serem usadas oportunamente? Como
está o afeto entre eles? Para que Rita tem que
“ganhar” essa questão?

Defeito

Ricardo fica na espreita e, na primeira


coisa errada que o filho faz, ele cai em cima. Ele
nunca reconhece o que o filho faz de bom. Só en-
xerga os seus erros. E, de alguma forma, o filho
está sempre buscando aprovação do pai,
289
mostrando o trabalho da escola, quando não se-
ria necessário, pois ele tem uma pessoa que o
ajuda com os estudos. O olhar do pai vai direto
no erro!

Em qualquer relação é desagradável ser


apontado nas falhas, principalmente, sendo o pai
quem aponta! Aquele que é apontado fica frus-
trado, porque a única coisa que importou foi o
que estava errado. É como se todas as outras coi-
sas não valessem nada. Reconhecer e elogiar,
além de preencher quem é elogiado, também
aproxima e pode trazer benefícios de volta a
quem elogiou; no entanto, a crítica constante faz
com que os dois fiquem distantes, um do outro.
Quando o jogador de defeito decide não mais jo-
gar, ele precisa de muita concentração e determi-
nação. Como este é um jogo de perseguição, é
ainda mais difícil para quem joga a isca, parar de
290
fazê-lo. O outro, por sua vez, precisa ter claro
para si mesmo que não depende da opinião de
alguém como Ricardo. Ele deve ser capaz de ba-
ter na porta certa, ou seja, buscar reconheci-
mento de quem é capaz de oferecer.

Reflexões:

A pessoa que aponta o erro tem permissão


interna para intimar? Será que ela é capaz de
proximidade? E o filho que mostra o material da
escola para o pai ver todos os dias; será que ele
não está jogando “Bata-me”, já que sabe que o
pai vai descobrir algo errado, para falar?

Não disse? Eu sabia!

A pessoa fica criticando tudo que o outro


diz, e este fica atordoado. Quando algo dá

291
errado, aquele que joga NÃO DISSE? EU SABIA!
fica insistindo no tema, para ficar claro que ele
sabe mais e que ele ganhou.

Ainda que esse jogo não seja aparente-


mente danoso, ele mina a qualidade da relação.
Quem joga esse jogo, que é uma variação do jogo
DEFEITO, em geral, está querendo mostrar que o
outro está errado. O outro precisa falar sobre o
que acontece e como se sente, sem acusar o ou-
tro, para interromper o jogo. O jogo não vai dei-
xar de acontecer imediatamente; leva tempo
para uma mudança dessas.

Reflexões:

Qual será a necessidade que a pessoa tem,


para querer ganhar do outro? De que forma essa
pessoa percebe seu próprio valor? Será que ela se
sente valorizada pelas pessoas à sua volta? O que

292
impede essas pessoas de reconhecerem seu pró-
prio valor? Essa pessoa consegue ter e manter
amigos? Será que os seus amigos se afastam para
evitar o constrangimento de ter que perder o
tempo todo? Quais características da sua perso-
nalidade vêm à tona, quando ela faz esse tipo de
coisa? E o outro? Para que silencia?

Chute-me / Bata-me

Carla está sempre mudando de emprego


porque não pode honrar o contrato de trabalho.
Ela está sempre atrasada e nunca faz o que seu
chefe manda. Quando ele pede para ela fazer
algo, ela faz do jeito dela, que acaba sendo dife-
rente da maneira como seu chefe pensa que ela
deveria fazer.

293
Para Carla manter esse padrão, suas cren-
ças sobre si mesma provavelmente a fazem se
sentir vazia, ela provavelmente tem baixa autoe-
stima e faz jogos para satisfazer a necessidade de
estar em contato com emoções fortes e desse
modo se sentir viva. Se esse jogo está tão pre-
sente em sua vida, ela provavelmente teve al-
guém em sua infância que a chutava e batia nela
o tempo todo; isto é, alguém que a desqualificou
e a fez sentir que ela não valia nada. Quem fez
isso com ela, jogou jogos de PERSEGUIDOR, ensi-
nando-a a desempenhar o papel de VÍTIMA. Para
Carla sair deste jogo, ela precisa se validar a si
mesma e ao seu valor e se preencher com carí-
cias. Por outro lado, o parceiro de jogo dela teria
que revisar sua atitude de PERSEGUIDOR e, se ele
estiver interessado em parar com isso, ele preci-
saria reconhecer e elogiar as qualidades de Carla.
294
Um chefe pode não estar interessado em fazer
algo assim, mas um parceiro em um relaciona-
mento íntimo que queira parar de jogar o jogo
em si (não apenas com Carla) poderia.

Reflexões:

Como são os relacionamentos de Carla


agora? O que a leva a se comportar dessa ma-
neira? Como seus parceiros de jogo reforçam
esse padrão com ela? Qual é a história da sua
vida? O que a impede de se realizar de uma ma-
neira mais saudável? O que a faz encontrar par-
ceiros de jogos que continuam chutando e
batendo nela? Por quanto tempo ela conseguirá
continuar com esse padrão? Que novo compor-
tamento ela poderia introduzir em sua vida para
ajudá-la a quebrar esse padrão?

295
Coitadinho / Pobre de mim

Quando criança, Felipe ouviu dizer sobre


ele muitas vezes: Ele é tão doentinho. Ele con-
cluiu: Já que sou tão doentinho, basta-me fazer
uma carinha de dodói e eu consigo tudo que
quero. Na vida adulta, ele age a partir dessa
crença, inconscientemente.

Viver no lugar da vítima pode ser a única


maneira dessa pessoa receber atenção. Este jogo
não é jogado de modo consciente; podem até
existir pessoas que assim o façam, porém, em ge-
ral não é o que acontece. Quem faz carinha de
dodói provavelmente acredita que é assim que se
sente e defende com unhas e dentes esse papel.
Para viver no lugar de VÍTIMA, a pessoa consegue
parceiros que precisam estar no lugar de
SALVADOR. Para interromper esse jogo, Felipe

296
precisa se dar conta de que o joga e, então, deci-
dir parar de fazê-lo. Seus parceiros de jogo pre-
cisam parar de complementar a atitude de
Felipe, ou seja, toda vez que ele jogar uma isca,
eles devem responder naturalmente, confiando
que Felipe é capaz de lidar com qualquer pro-
blema que ele tenha.

Reflexões:

Até onde essa pessoa pode ir com esse pa-


pel? Como consegue manter um Salvador de
plantão? Naturalmente, também mantém alguns
Perseguidores. Será que, para sair desse papel,
essa pessoa tem que esperar que os Salvadores
desistam dela, ou ela também pode parar de bus-
car salvação? Será que essa pessoa consegue per-
ceber seu valor pessoal e que muito provável-
mente, a sua autoestima está minada?

297
A mesma tecla

A situação já está resolvida, não há como


fazer algo diferente de como aconteceu, no en-
tanto, Bete continua batendo na mesma tecla,
voltando à situação... ela fala de uma maneira
tão inocente, como se fosse natural estar se re-
petindo, no entanto, ela está de fato apontando
para o erro do marido.

Esse jogo se assemelha ao “Não disse? Eu


sabia!”. Repetir a si mesma a libera de falar sobre
outros assuntos, além de afastar o marido. Ela
acha que ela é melhor que o marido porque ele
fez algo errado. Para acabar com esse jogo, o ma-
rido deve falar sobre como ele se sente e como
legendar a situação, para que Bete possa enxer-
gar todo o panorama; ele também precisa esta-
298
belecer limites firmes para interromper o jogo
quando estiver em andamento.

Reflexões:

Bete pode intimar? Será que ela consegue


manter as suas relações fluidas e tranquilas? Se
ela parasse de olhar para a falha do outro, ela
conseguiria ver as próprias falhas? Que outro
tipo de prazer ela pode sentir, além de mostrar
ao outro que ele errou? Ela é capaz de enxergar
os sentimentos do outro? E os seus sentimentos
e necessidades, ela pode ver?

Por que isso só acontece comigo

Sérgio se esbarra em tudo porque passa.


Todos já sabem disso e saem tirando as coisas
da frente. Ao fazerem isso, reforçam que é

299
verdade que ele é desastrado. Quase diaria-
mente acontece algum acidente com ele.

Pode ser que esse tenha sido um jogo


aprendido na infância ao qual se enquadrou Sér-
gio. É comum no início da adolescência, quando
o corpo está mudando rapidamente, que o jovem
ainda não acostumado com seu novo tamanho,
esbarre algumas vezes nas coisas. A depender de
como isso é tratado, ele pode encontrar aí uma
fonte de atenção. Naturalmente, se assim for,
pode ser que ele continue jogando, porque, ao
seu redor, as pessoas o ajudam a manter. Sérgio
precisará estar determinado a mudar a crença de
que é um desastrado, e as pessoas à sua volta
precisarão parar de rir dele, deixando de reforçar
o seu rótulo. Se a iniciativa de mudar for de Sér-
gio, ele pode falar com as pessoas mais próximas
sobre sua necessidade de mudança, para que elas
300
cooperem, parando de contribuir para a manu-
tenção do jogo.

Reflexões:

Qual será a falta interna dele para que ele


precise estar na relação dessa forma? De que ou-
tra forma ele poderia receber atenção? O que ali-
menta a permanência do outro no jogo?

Se não fosse por mim

Durante um dos seus momentos de desâ-


nimo, Lara lembra aos filhos, o quanto ela é im-
portante para eles, e que, se não fosse por ela,
eles não conseguiriam nada do que tem. Os fi-
lhos se sentem muito mal com isso.

A estratégia do Salvador de “passar na cara”


do outro é muito comum. Esse jogo assegura à

301
pessoa não olhar para o que falta em sua vida. Se
ela tem o que “passar na cara” fica entendido que
ela se ocupa muito do outro, dessa forma, não
olha para suas dores e angústias. Por outro lado,
o outro, sendo criança, normalmente não tem o
poder de desmascarar o jogo dos pais ou se o faz,
acaba por iniciar um outro. Se o outro for um
adulto, precisará ser firme, para dar limites cla-
ros e cortar o jogo. Mas, muitas vezes, aquele
com quem Lara joga também precisa do jogo.
Para parar com isso, Lara, muito provavel-
mente, terá que fazer coisas para si mesma e bus-
car seu próprio preenchimento.

Reflexões:

Será que ela já observou o que a faz se ocu-


par tanto com tudo? O que aconteceria se ela pa-
rasse de cuidar dos outros? Como será que está a

302
sua relação conjugal? E seus anseios profissio-
nais? E o outro, será que pode funcionar sem
uma muleta? Será que pode abrir mão de alguém
que cuide dele ao extremo?

Encurralar

Antônio chama sua esposa Vera para ir ao


cinema. Ele está muito contente, porque nor-
malmente ela diz que não, mas, dessa vez,
aceita. Quando ainda estão na varanda, antes
de tomar banho para se arrumar, ela comenta
que a casa está precisando de reforma e que é
uma pena eles nunca estarem em condições
para fazer um gasto extra – cinema já era! Ao
falar sobre como a casa está, Vera se assegura
de que a coisa vai ser do jeito que ela prefere –

303
ficar em casa, dizendo exatamente o que ela
sabe que irrita o marido. Ela alega que se ela ti-
vesse dito que não gostaria de sair, teria que ou-
vir toda a velha conhecida reclamação de
Antônio. Por outro lado, parece que Antônio
não desiste de tentar sair com ela, mesmo sa-
bendo que ela não gosta. Como eles só conver-
sam sobre isso, na hora que o jogo está
acontecendo, não puderam verificar o que está
por trás.

Uma solução poderia ser falar, aberta-


mente, sobre o que acontece com essa relação.

Reflexões:

Quais serão os medos de Vera que a impe-


dem de querer sair? Serão estes medos autênti-
cos ou fantasiosos? Será que Vera tem medo de
Antônio? O que no comportamento de Antônio a

304
faz temê-lo? Será que ela simplesmente não con-
segue sustentar sua posição independente do
que ele pensa? Ou será que age dessa maneira
para parecer que o culpado é ele? Como está essa
relação, nas outras áreas do casamento? E Antô-
nio? O que o impede de conversar, objetiva-
mente, sobre o assunto?

Mulher Fria

O marido procura a mulher sexualmente,


mas ela o repele. Depois de várias tentativas,
ela diz que os homens são todos iguais e só pen-
sam em sexo. Diz, também, que ele não a ama.
O marido desiste por um tempo. Mais adiante
tenta de novo, até desistir outra vez. Com o
tempo, a mulher vai se descuidando. Um dia ela
passa provocante por ele, ou até flerta outro
para ser cortejada e enciumar o marido para

305
ele voltar a lhe procurar e começar tudo de
novo.

É possível que as questões da cama come-


cem fora dela. Seria importante observar todas
as áreas dessa relação. Identificar qual o padrão
dessa comunicação, pode ser muito útil. Em si-
tuações assim, é muito fácil dizer que A ou B tem
um problema com a sexualidade. No entanto,
como a sexualidade do casal é construída pelos
dois, é importante verificar se as dificuldades são
apenas sintomas de outras questões.

Reflexões:

Para que será que ela o provoca, se não quer


sexo? Que ressentimentos estão sendo acumula-
dos e mantidos embaixo do tapete? Seria essa
uma forma de vingança? Será que este é um jogo
complementar a outros jogos que o casal joga?

306
Será que o sexo está sendo uma arma, que os dois
usam para se manter afastados? Ou será que a
negativa dela ao sexo denuncia que ela sente
falta de outro tipo de atenção? E se ele der aten-
ção, ela vai realmente se entregar?

Querida

Neide: (Com um sorriso doce e gentil no


rosto) Meu filho acabou de chegar do passeio da
escola. Ele adorou. Eu fico tranquila, pois,
quando a gente educa os filhos bem, a gente nem
se preocupa, não é querida? (Ela soube que o fi-
lho da amiga não pôde ir para o passeio, pois é
muito traquino).

Jane: (Olha para ela em silêncio remoendo


seus pensamentos)

307
Como em todo jogo, nessa fala existe uma
necessidade de estar acima do outro; além do
mais, Neide sabe que esse tipo de alfinetada é
certeira, pois ela tem um “cala boca” – ela é a es-
posa do chefe do marido de Jane. Não há dúvida
de que é um jogo ferino. Jane sucumbe ao lugar
de precisada e fica, de fato, nas mãos de Neide,
silenciando.

Reflexões:

Quais são os valores de Neide? Como está


sua relação casal? Será que ela inveja a relação
de Jane com o marido? De que outras formas,
Neide consegue se sentir viva? Será que precisa
estar acima do outro o tempo todo? Será que se
sente submetida pelo marido, e, precisa estar
acima de qualquer outra pessoa? E Jane, de que
maneira ela lida com esse tipo de jogo em outras

308
relações? Ela contaria com o apoio do marido
para dar limites a Neide?

Sedução

Janice é casada e mora no mesmo prédio


de José, um vizinho jovem e muito atraente. Ela
olha para ele de um jeito especial e fala com ele
de um modo doce. Quando ele afinal se insinua,
ela lhe dá um fora, com firmeza. Ele sai confuso.

Quando esse jogo é insinuado, a pessoa que


seduz não pretende, de fato, ir adiante. Quer ape-
nas as sensações de suspense que o jogo lhe pro-
porciona ou, estimular outros jogos, que podem
surgir a partir desse. Por exemplo, “Acusação”, já
que o outro jogador pode denunciar o que ela fez.
Mesmo que ela negue, fica a dúvida no ar. Al-
guém, em algum momento, junta as peças.
309
Janice precisa olhar para dentro de si e ver o que
lhe falta, bem como olhar para a sua relação casal
e verificar como ela está.

Reflexões:

Será que essa mulher tem suas necessida-


des sexuais preenchidas? Ou será que precisa vi-
ver no suspense para evitar o marasmo do seu
casamento? Ela conhece a si mesma, as suas ne-
cessidades e faltas? Será que jogando, ela sente
como se estivesse treinando para um dia trair?
De que forma seu marido contribui para que ela
participe deste jogo?

Se não fosse por você...

Tânia passou a vida toda repetindo que


não estudou nem trabalhou, porque o marido é

310
ciumento e não permitia. Ao se divorciar, ela o
responsabiliza.

Durante toda uma vida, Tânia se escondeu


atrás da proibição do marido. Se estudar ou tra-
balhar fosse de fato uma prioridade, ela poderia
tomar uma posição. Talvez, o marido percebia
que ela se aproveitava da sua proibição, mas
nada dizia. É como se, ao longo do tempo, os dois
estivessem se poupando, para ao final poder ex-
plodir. Eles já poderiam ter conversado sobre o
que de fato sentiam. Após o divórcio, esse jogo só
é útil para manter Tânia com a sensação de que
ganhou o jogo, ainda que tenha perdido.

Reflexões:

Será que ela queria mesmo ter trabalhado?


Será que, pelo contrário, seus medos eram tantos
que ela até gostava de ter uma desculpa? E ele,

311
será que ele realmente proibia, ou apenas ence-
nava complementando o desejo dela de não tra-
balhar, enquanto ele se sentia superior? O que
teria acontecido de pior se ela o tivesse enfren-
tado e dito a ele que ia trabalhar mesmo que ele
não quisesse ou se ele tivesse dito a ela que ela
tinha que trabalhar?

Devedor

João tem um bom salário, mas gasta muito


mais do que cabe no seu orçamento, dessa
forma, não pode fazer uma poupança, nem des-
frutar do resultado do seu trabalho. Entra mês,
sai mês e sua conta bancária está sempre nega-
tiva. Ele fica muitas noites em claro, preocu-
pado sobre como pagar suas dívidas.

312
Pode ser que devendo, João se assegure de
não ter dinheiro extra. Isso pode parecer um pa-
radoxo, mas jogando Devedor, ele acaba jogando
outros jogos paralelos: Bata-me, Chute-me,
Agora te peguei. Pode ser que tenha crenças de
que é impotente, incapaz e inferior que confirma
através do jogo. Parar com esse jogo implica em,
antes de olhar para as questões subjetivas ou re-
lacionais, estabelecer um plano de ação prático.
Amy Dean (1992:198) faz algumas sugestões,
considerando que o primeiro passo é criar uma
planilha que permita olhar para a realidade de
frente. De posse dessa planilha, ela orienta a re-
gistrar, durante três meses, todos os gastos. De-
pois de analisar o resultado, a pessoa deve
determinar em percentual quanto pode gastar,
com cada tópico. É também muito importante fi-
car atento aos pensamentos e sentimentos
313
contatados, durante o período em que se está
mexendo nessa questão. A partir de então, é ne-
cessário envolver as pessoas que compartilham
das despesas, especialmente o cônjuge; os filhos
somente se já tiverem mais de 18 anos. Limites
precisam ser dados a todos os envolvidos.

Reflexões:

Será que se João conseguisse fazer uma


poupança, se sentiria culpado porque os outros
não têm ou somente está acostumado a não ter?
Será que, se ele parasse de dever, poderia dormir
melhor? Dormindo melhor, não teria do que re-
clamar e, então, poderia intimar com sua mulher
– isso é possível para ele? Será que, se parasse de
dever, estaria pronto para deixar de ser cuidado
pelos parentes? Será que ele não quer dar ou em-
prestar dinheiro?

314
APÊNDICE II
EXERCÍCIO SOBRE NOVA COMUNICAÇÃO

Para verificar sua compreensão em relação


à proposta para uma nova comunicação, analise
e modifique as falas relacionadas adiante con-
sertando-as, antes de olhar os comentários e su-
gestões de como lidar com cada uma delas.
Observe que a linguagem e vocabulário utiliza-
dos nos comentários contemplam a visão sistê-
mica.

As situações utilizadas no exercício são


imaginárias, porém comuns na vida cotidiana e
foram construídas com base no que foi apresen-
tado nesse livro. Mantenho, neste exercício, o
foco em comunicação, pois acredito que

315
aprender a se comunicar de maneira direta e
clara, é o caminho seguro para evitar os jogos ou
cortá-los ainda no começo.

Você não poderá ter consigo um manual de


como falar o que pensa e sente, em todas as situ-
ações. Essas são apenas sugestões, as quais você
pode avaliar ou mesmo experimentar, até que
possa construir seu próprio modelo. Somente
você pode decidir qual estilo de comunicação é
mais adequado para o seu jeito de ser. No início,
talvez você precise pensar calmamente, antes de
falar, mas, aos poucos, à medida que se sentir
confortável com esse novo conhecimento e dese-
jar integrá-lo, ou seja, aprender, você poderá ser
espontâneo.

Ao ler cada frase para analisá-la, coloque-se


no lugar do orador; os comentários que você lerá

316
depois têm a ver com aqueles que falaram. O que
quer que o outro tenha dito ou feito é responsa-
bilidade do outro analisar e rever.

Pode ser que ao ler as sugestões você tenha


a impressão de serem falas muito arrumadas ou
pensadas demais, afinal são apenas modelos, es-
tímulos, para você criar suas próprias falas. No
entanto, enfatizo que quando a pessoa está bem
consigo mesma ela pode dizer o que pensa com
muita simplicidade, sem ferir ninguém.

Experimente fazer as correções:

Exercício 1
- Quando você disse que não iria me ajudar
com meu trabalho, eu me senti rejeitado.

Comentário: Será que uma pessoa que dá


este tipo de resposta, percebe que pode estar
atribuindo ao outro a responsabilidade das suas
317
reações? Será que o que o outro disse era contra
sua pessoa? Dizer que se sente rejeitado pode
soar como indireta e tornar a fala acusativa. É
possível que esta pessoa esteja se colocando no
lugar de Vítima. Isso pode instigar o outro a rea-
gir como Salvador ou Perseguidor. Talvez seja
essa a forma como essa pessoa recebe carícias,
mesmo que negativas. Será que essa pessoa está
disposta a sair desse papel, olhar para o que
sente, assumir a responsabilidade pelas suas ati-
tudes e aprender mais sobre si sua forma de lidar
com suas coisas?

Sugestão: Quando você disse que não iria


me ajudar com meu trabalho eu me senti frus-
trado. Tudo bem. Você pode esclarecer suas ra-
zões?

318
Exercício 2

- Quando você telefona tarde da noite, eu


me sinto invadida. Você só faz isso para me ir-
ritar!
Comentário: Talvez fosse importante ve-
rificar as intenções do outro. Feito isso, prova-
velmente seria mais produtivo dar limites a
reclamar. Até que ponto essa fala se propõe a
manter um padrão relacional?

Sugestão: Acho importante que você


saiba que eu fico muito incomodada, quando
você liga para mim tarde da noite. Entre outras
coisas, eu sinto medo de uma possível má notí-
cia. Por favor, deixe para ligar na manhã se-
guinte. Se você acha importante continuar
fazendo assim, eu gostaria de entender qual a

319
sua intenção e o que você pensa desse seu com-
portamento.

Exercício 3

- Eu fico preocupada com você quando


você viaja, porque acho que você tem medo de via-
jar de avião.
Comentário: Tentar adivinhar o que o ou-
tro sente e ainda afirmar como o outro sente ser
inapropriado. Ninguém é capaz de realmente sa-
ber o que o outro sente de fato, exceto a própria
pessoa. É possível que a pessoa que fala tenha
medo de avião e esteja projetando seu medo no
outro.

Sugestão: Você tem medo de viajar de


avião?

320
Exercício 4

- Você é muito grosseiro comigo. Você até


pode ter suas razões, mas eu fico com muita
raiva de você e isso atrapalha nossa relação.
Comentário: A forma mais saudável de
falar sobre isso é dando limite.

Sugestão: Não aceito que fale comigo


desse jeito. Se quiser, depois que nós estivermos
mais calmos, podemos conversar.

Exercício 5

- Desculpe, mas eu acho que sua impres-


são de que eu estou aborrecido com você é
coisa da sua cabeça.
Comentário: A impressão que alguém
tem de como você se sente é dele. Não está certa
ou errada. É a impressão dele. Você poderá dizer
321
como realmente se sente, se quiser e se essa pes-
soa é importante para você. Manter o que você
sente por si mesmo não ajudará o relaciona-
mento. Você pode precisar de algum tempo para
ter certeza do que está sentindo, antes de dizer,
mas não pode ser para sempre. No entanto, ter a
impressão de outra pessoa sobre o que você
sente pode ajudá-lo a olhar para si mesmo com
os olhos da outra pessoa, e pode ser muito útil
para o seu autoconhecimento. Em vez de reagir,
você pode tentar avaliar seus sentimentos a par-
tir daquilo que ouviu e, talvez, até concordar com
o que o outro disse.

Sugestão: Nesse momento eu discordo de


você, mas posso pensar sobre isso.

322
Exercício 6

- Toda vez que saímos, vamos para a


mesma churrascaria. Eu só vou porque eu sei
que você gosta de carne, mas eu acho que você
não está nem aí para como eu me sinto ou para
as minhas preferências.

Comentário: Você tem o direito de ter


uma opinião diferente do outro e pode dizer isso
de maneira assertiva, sem manipulação. Além
disso, acusar o outro de não ligar para o que você
sente antes de ouvir o que ele pensa a respeito,
pode acabar em afastamento. Falar assertiva-
mente é focar na solução.

Sugestão: Quero ir para outro restaurante


essa noite. Talvez algum lugar que também sirva
carne, porque você gosta, mas quero comer

323
outras coisas. Atualmente muitas churrascarias
oferecem outras opções. Tudo bem, para você?

Exercício 7

- Você sabe que eu não gosto de ir para o


cinema, mas insiste e eu vou; depois você ainda
espera que eu fique satisfeita?!!

Comentário: Essa forma de falar parece


manipulativa como se estivesse cobrando. Uma
relação casal demanda negociações. Muitas ve-
zes, coisas que um gosta de fazer, o outro detesta.
Quando isso acontece em uma relação, pode ser
utilizado como fonte de crescimento. Negociar
pode ser o caminho para praticar aceitação das
diferenças.

Sugestão: Nós podemos negociar a minha


ida ao cinema, apesar de eu não gostar de ir.
324
Uma vez você vai sozinho, e outra, eu vou com
você, mas peço que aceite o fato de eu não gostar.
Não tem nada a ver com você.

Exercício 8

- Achei que você ficou zangado demais co-


migo ontem. Será que o que eu disse foi tão ruim
assim ou você já estava aborrecido com alguém
e acabou sobrando para mim?

Comentário: Essa parece uma tentativa


de reconciliação que, provavelmente, não funci-
onará. É muito importante que quem foi inade-
quado reconheça que feriu o outro, admitindo
que sente muito por isso (se o que disser estiver
sendo verdadeiro). Usar o jargão me desculpe
não funciona tão pouco. É preciso declarar sua
tomada de consciência, sendo empático, ou seja,

325
colocar-se no lugar do outro, sem julgamentos,
para ter uma ideia de como o outro pode ter se
sentido. Quando você faz isso e se sensibiliza,
você é capaz de comunicar ao outro sua posição
de tal forma, que pode contribuir para que ela se
livre do próprio ressentimento.

Sugestão: Só um tempo depois, eu me dei


conta do que fiz a você ontem; quero que saiba
que sinto muito (se for verdadeiro).

Exercício 9

- Você me deixa muito mal, chegando do


trabalho tarde em casa todo dia. Eu vou acabar
tendo um enfarte!!

Comentário: Ainda que seja uma fala co-


mum, isso é manipulação; em se tratando de ma-
nipulação rotineira, o outro, provavelmente, não
326
presta atenção aos seus sentimentos. Talvez seja
bom verificar o que sentir-se tão zangada tem a
ver consigo mesmo, seu funcionamento e sua
história. É igualmente importante, avaliar as re-
ais necessidades do outro para chegar tarde: Ele
está envolvido em algum projeto, que o obriga a
fazer isso?, Pode ser a maneira dele se livrar de
algum desconforto que sente, quando está em
casa?, Seria esse seu jeito de denunciar seu des-
contentamento?

Sugestão: Toda vez que você chega tarde


do trabalho, eu fico muito zangada. Imagino que,
da minha parte, eu também possa rever isso po-
rém, mesmo assim, gostaria que você me avise
que vai demorar. Além de ficar zangada, eu tam-
bém sinto sua falta, pois você tem trabalhado
muitas noites seguidas. Será que daria para al-
ternar, noite sim, noite não?
327
Exercício 10

- Vamos falar de outra coisa; esse assunto


vai acabar fazendo a gente brigar.

Comentário: Deixar de falar sobre um as-


sunto que incomoda, só faz piorar a relação. Os
sentimentos a ele relacionados vão se acumu-
lando. É conveniente combinar um momento em
que os ânimos tenham se acalmado, para conver-
sar. Se a questão é muito difícil, é recomendável
conversar em outro ambiente, em vez de em
casa. A cama está descartada como local de con-
versas sérias; ela deve ser preservada para prazer
e para dormir. Também não é prudente ter con-
versas importantes, no carro, enquanto estão
indo a algum lugar; a pessoa que ouve pode se
sentir oprimida, como se não pudesse sair dali,

328
além de que, é necessário olhar nos olhos e dedi-
car um tempo para esse tipo de diálogo.

Sugestão: Acho importante conversar-


mos, mas prefiro combinar com você um outro
momento. Que tal irmos jantar essa sexta?

Exercício 11

- Não se preocupe! Com o tempo a gente


resolve isso.

Comentário: Uma vez ou outra dizer isso,


tudo bem, mas fazer disso uma prática, pode fra-
gilizar o outro, em vez de apoiar. O comentário
sobre o item anterior cabe aqui.

Sugestão: Não se preocupe. Vamos con-


versar sobre esse assunto e encontrar, juntos,
uma solução.

329
Exercício 12

- Se eu fosse você, eu tiraria seu filho dessa


escola, e, assim, os problemas acabariam.

Comentário: Dizer ao outro o que fazer,


ou dar conselhos do nada (especialmente sem
um pedido do outro) pode ocasionar dificulda-
des na relação, mesmo que o outro não diga nada
depois de lhe ouvir. Uma alternativa é perguntar
o que o outro pensa sobre o assunto, mas,
mesmo assim, vale a pena verificar se o outro
está interessado em sua opinião.

Sugestão: Você está falando sobre essas


questões da escola do seu filho para mim por que
quer saber a minha opinião? Se a pessoa admitir
que está, você pode fazer outra pergunta, como:
Que outras maneiras de lidar com isso você já
considerou? Se você realmente acha que tirar a

330
criança da escola é a melhor solução, depois de
verificar todas as possibilidades que a pessoa já
imaginou, você pode perguntar: Você já pensou
em tirar seu filho desta escola?

Exercício 13

- Olha aqui! Se você continuar agindo as-


sim, eu vou embora.

Comentário: Ameaçar é uma forma de


manipulação, por poder. Uma frase dessa pode
estar deixando claro que a relação está preci-
sando de uma revisão.

Sugestão: Eu me sinto tão exasperado in-


comodado com tudo isso que está acontecendo
entre nós, que prefiro dar um tempo nesse as-
sunto agora e conversar sobre isso em um outro
momento. Esse sábado está bom para você?
331
Exercício 14

- Aposto que você acha que eu não sei fazer


esse tipo de trabalho.

Comentário: Inferir sobre o que a outra


pessoa pensa é muito desagradável para quem
ouve, e não adianta nada.

Sugestão: A opção pode ser perguntar o


que faz o outro pensar assim e estar preparado
para o que o outro possa dizer

Exercício 15

- Olha! Como eu sei que você não fala bem


inglês, apesar de já ter terminado seu curso, eu
trouxe o texto já traduzido. (Contexto: é um tra-
balho em equipe que depende de um artigo em
inglês).

332
Comentário: A pessoa que ouve algo as-
sim, mesmo que não perceba a crítica velada,
provavelmente tem a sua autoestima minada.
Essa pode ser uma forma disfarçada de desqua-
lificar. A atitude boazinha só mascara a desqua-
lificação, mas ela pode ser ferina. A pessoa que
ouve, provavelmente, pode até se sentir impossi-
bilitada de achar ruim, uma vez que parece que o
outro só está ajudando.

Sugestão: (para o caso de você não conse-


guir dar um feedback, sobre capacidade do outro
ler em inglês e esse trabalho for algo realmente
importante para você, diga apenas...) Eu preferi
trazer o texto já traduzido.

333
Exercício 16

- Sempre foi assim. Você chega atrasado


toda vez que combinamos alguma coisa, por
isso hoje eu não esperei por você e fui logo em-
bora.

Comentário: Aproveitar um evento para


se vingar de outros anteriores, só agrava a ques-
tão. Cada situação deve ser resolvida no mo-
mento em que acontece ou o quanto antes.

Sugestão: Quando combinarmos fazer


algo juntos, você poderia enviar uma mensagem
para me informar se algo der errado e você vai se
atrasar? Vamos deixar combinado que eu estarei
liberado para ir sozinho se não receber notícias
suas a tempo, pode ser?

334
Exercício 17

- Não é nada disso que você está falando.


Eu não fui nada ríspido com você... Esse é meu
jeito de falar e você já sabe disso, além do mais,
eu estava zangado com meu vizinho, que tinha
prendido meu carro com o dele. Não mandei
você vir falar comigo, bem naquela hora...

Comentário: Uma pessoa que não conse-


gue enxergar a sua própria contribuição para um
evento, não poderá utilizar a nova comunicação
aqui proposta. Quando ouvir algo que o outro diz
sobre você, experimente levar em conta e analise
sua conduta. Se depois ficar claro que foi o outro
que viu demais, tudo bem, mas quem sabe, a fi-
cha cai e você concorda ou vê algum sentido no
que ele disse...

335
Sugestão: Agora eu não concordo com você.
Talvez depois, quando minha cabeça esfriar, eu
possa lhe escutar.

336
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