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JORNADA DA ALMA: NAS TRILHAS DA DANÇA RUMO À

INDIVIDUAÇÃO

Graziela Susin

Caxias do Sul, 2011.


UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS

CURSO DE PSICOLOGIA

JORNADA DA ALMA:
NAS TRILHAS DA DANÇA RUMO À INDIVIDUAÇÃO

Trabalho apresentado como requisito


parcial para a Conclusão do curso de
Graduação em Psicologia sob a
orientação do Prof. º Dr. Fábio Sager.

Graziela Susin
Caxias do Sul, junho de 2011.
AGRADECIMENTOS

Aos meus ancestrais pela sua força, coragem e bagagem deixada que me auxiliou a estar
concluindo esta formação acadêmica;

Ao meu pai por me permitir sonhar alto e pensar que a vida é um mar de rosas;

À minha mãe, minha companheira, geradora e amiga, pelo amor, pelo apoio, pela força,
pela compreensão e também pelas orações que fazes por mim;

Ao meu noivo, meu companheiro e amigo, pelo amor, pelo apoio incondicional, pelas
horas ao telefone, por enxugar as minhas lágrimas, por me escutar sempre que preciso, e por me
auxiliar sempre e por me fazer sentir bem;

À minha irmã querida, pelo exemplo, pelo auxílio, pelo amor e pelo apoio em mais esta
etapa da minha vida;

Às minhas queridas amigas e futuras colegas de profissão, pelo afeto, amizade e


compreensão, pelo suporte e incentivo, e por exercerem a escuta quando eu mais precisei;

Ao meu orientador Fábio Sager pela autonomia e liberdade na realização do trabalho,


além da paciência e tolerância nos momentos em que queria modificar tudo;

À Michele Trentin, minha mestre na dança do ventre que me iluminou com sua dança e
inspirou com ensinamentos para ser uma pessoa melhor;

À Carla Barcellos, pela oportunidade e incentivo na dança;

Às minhas queridas alunas que a cada aula me ensinam coisas sobre lecionar, sobre a
vida, a dança e sobre o afeto e sobre mim mesma;

A Deus eternamente grata.


“O que dancei antes foi apenas uma oração
para chegar até aqui. O que dançarei no
futuro? É bom não ter muitas teorias quanto a
isso.”

(Isadora Duncan, 1879 - 1927)


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SUMÁRIO

RESUMO.............................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO....................................................................................................................................8
OBJETIVOS.......................................................................................................................................12
Problema de Pesquisa................................................................................................................12
Objetivo geral............................................................................................................................12
Objetivos específicos................................................................................................................12
REVISÃO DA LITERATURA...........................................................................................................13
1. A Dança ...............................................................................................................................14
1.1. O corpo como objeto de arte.....................................................................................15
1.2. Conceituação de dança.............................................................................................21
1.3. A dança e a questão de gênero..................................................................................28
2. Psicologia analítica : conceitos e relações teóricas...............................................................32
2.1. Psicologia Analítica e Psicologia Sócio histórica: A constituição do sujeito e sua
relação com a aprendizagem ...........................................................................................37
2.2. Expandindo conceitos: A meia idade........................................................................41
MÉTODO...........................................................................................................................................45
Delineamento............................................................................................................................45
Fontes........................................................................................................................................45
Instrumentos..............................................................................................................................45
Procedimentos...........................................................................................................................45
Referencial de Análise...............................................................................................................46
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS...............................................................47
1. O sujeito da pesquisa .........................................................................................................48
1.1. O filme e a sua interação com o ouvinte...................................................................48
1.2. O personagem e seu momento de vida....................................................................50
2. À procura de um par: quando o questionamento encontra a dança.......................................57
3. Baile de máscaras: o desvelar da persona e a sombra por trás das máscaras........................65
4. Anima: Aquela dama interior................................................................................................76
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................................83
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................88
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LISTA DE FIGURAS

Ilustração 1: Cena 21 em que Paulina dança e sua voz é escutada na narração da carta entregue a
John. ...................................................................................................................................................61
Ilustração 2: Cena 15 John e Link ensaiam um passo de dança, Link auxilia John no banheiro do
escritório.............................................................................................................................................68
Ilustração 3: Cena 15 Link finge desmaio nos braços de John..........................................................68
Ilustração 4: Cena 8 em que John observa um colega dançar com Paulina.......................................72
Ilustração 5: Cena 8 em que Paulina dança com aluno, afastando a sua mão para acima de sua
cintura.................................................................................................................................................72
Ilustração 6: Cena 12 John dançando com Paulina após ela ter reposicionado suas mãos................73
Ilustração 7: Cena 12 em que John dança com Paulina......................................................................73
Ilustração 8: Cena 16 tango com Paulina...........................................................................................79
Ilustração 9: Cena 16 frente a frente com a anima.............................................................................79
Ilustração 10: Cena 16 o final da dança..............................................................................................79
Ilustração 11: Cena 16 John segura Paulina.......................................................................................79
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ANEXOS

ANEXO 1 : Modelo de ficha catalográfica........................................................................................95

ANEXO 2: Cenas catalogadas em fichas...........................................................................................96

ANEXO 3: Capa do filme americano...............................................................................................114

ANEXO 4: Capa do filme francês....................................................................................................115


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RESUMO

Este estudo tem por objetivo identificar contribuições da dança no processo de individuação do
sujeito por meio da análise do filme Dança Comigo(Weinstein &Weinstein & Chelsom,2004) além
de identificar a relação entre a dança e o feminino, contribuir para reflexões quanto a dança e o
corpo no processo de individuação e identificar as relações do sujeito que dança com o social.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa com referencial de análise de conteúdo baseada no enfoque
proposto por Laville e Dionne (1999) fundamentada teoricamente na Psicologia Analítica.
Verificou-se que as contribuições da dança no processo de individuação do sujeito ocorrem nos
arquétipos descritos como etapas do processo de individuação, assim conclui-se que a dança atua
como meio de escape dos conteúdos inconscientes , fazendo com que o homem entre em contato
com a sua anima, com a sua sombra, e possa tirar sua máscara da persona. A dança integra o sujeito
pela relação corpo e alma e a relação de alteridade, e desta forma, possibilita um contato com mais
estreito com o outro assim como amplia a rede social do sujeito.

Palavras – chave: processo de individuação, dança, psicologia analítica.


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INTRODUÇÃO

Atualmente a dança, e a atividade artística vêm ganhando espaço na mídia e também nos
palcos da região de Caxias do Sul. Isto promove um maior interesse da população pela prática da
dança, assim como abre um olhar para tal área. A dança é uma prática antiga do ser humano, com
datas de surgimento que remontam à pré-história. Neste período era utilizada como culto a deuses e
também como comemoração às colheitas ou caças bem sucedidas. Portanto uma relação intrínseca
aos instintos primitivos do sujeito, abrangendo a sua camada mais básica de sobrevivência em
integração ao meio sociocultural. (Penna, 1993)
Esta integração da dança com o social pode ser observada nos meios sociais, em locais onde
a dança está presente, como festas, boates, bares, escolas de dança e apresentações de dança. Todas
as atividades que promovem a integração do sujeito com o outro e consigo mesmo. Nestas percebe-
se a dança como forma de diversão, e também como forma de relaxamento. Já não é vista como
antigamente, como forma de culto aos deuses ou como agradecimento aos mesmos. Mas o sentido
de comemoração e celebração continua, assim como são agregados outros sentidos, como uma
característica, ou habilidade para a conquista do outro e também o conhecimento de si mesmo.
(Penna, 1993)
Percebo, em diversos programas de televisão com seus concursos de dança, um estímulo
para as pessoas que querem praticar a dança, assim como relatos de pessoas que obtiveram
mudanças em suas vidas com a dança, que passaram a conhecerem mais sobre si mesmas. Dentre
estes programas, pode-se citar a série de televisão Dancing with the stars e a dança dos famosos no
programa do Faustão da rede globo. Há também filmes com este tema, que contribuem para o
entendimento de mudanças no sujeito, dentre eles os filmes: Billy Elliot (Brenman; Finn & Daldry,
2000), No balanço do amor (Cort & Carter, 2001), Flashdance (Jacobson & Lyne, 1983), Vamos
dançar (Argrelo; Sewell; Cange & Knight II, 2005) e Vem dançar (Godsick; Grace; Nabatoff &
Friedlander, 2006).
Existem pesquisas na área da Psicologia que abordam o tema a partir da dançaterapia, por
exemplo, analisando as contribuições da mesma em sala de aula, uma análise multifatorial sugere
um crescimento positivo no pensamento criativo e na compreensão de leitura de crianças, e
correlacionando os dados analisados, há uma relação entre autoconceito, motivação e criatividade
com este crescimento. (Harvey, 1989)
Deve-se diferenciar o tipo de dança a ser pesquisada neste trabalho, da dançaterapia. A dança
como terapia utiliza-se de movimento e corpo combinados com recursos da psicoterapia,
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aconselhamento e reabilitação para o auxílio a pessoas nas suas diferentes necessidades. (Pratt,
2004) Já a dança como arte
...é expressar emoções por meio do corpo... Algumas pessoas não se importam com o
passo correto ou errado e fazem do ato de dançar uma explosão de emoção e ritmo que
comove quem assiste. Superam os entraves emoldurados pela vergonha e invadem as
pistas de dança, mostrando numa expressão corporal todo sentimento gerado por
diferentes ritmos de música. É como se a dança fizesse parte do ser.( Barreto, 2004, p.
1-2)
É este tipo de dança a que se dispõe este estudo, a dança como expressão do corpo e das
emoções, como manifestação artística e cultural.
Outro estudo publicado na área, voltado à dança aeróbica e a autoestima, comprova
mudanças significativas pelas participantes da dança aeróbica em específicas dimensões do humor.
Percebe-se que a estabilidade emocional, o autoconceito de aparência física e o autoconceito geral,
colaboram moderadamente com específicas dimensões do humor. (McIntyre & Berger, 1993) Foi
encontrado um estudo da dança em relação à consciência corporal, que revela a existência de
marcas de representações corporais, que remetem à uma melhoria da consciência corporal e também
são notadas marcas significativas ligadas ao desenvolvimento da autoestima do sujeito. ( Nanni,
2005)
Há outro estudo relacionado ao conceito de autoestima e educação física, que afirma que a
atividade física e esportiva contribui à formação equilibrada e integral da personalidade, assim
como no desenvolvimento biológico, cognitivo, afetivo e relacional, favorecendo assim o
conhecimento e controle de si mesmo. Desta forma, a prática de uma atividade física, favorece o
desenvolvimento da autoestima. (Goñi & Zulaika, 2001) Foi encontrado também um estudo sobre a
dança como técnica de grupo para pacientes laringectomizados, com o objetivo de fornecer
subsídios sobre a importância terapêutica e educativa da dança. Nos resultados da pesquisa
percebeu-se uma diminuição do estresse e envolvimento dos pacientes pela linguagem não verbal e
verbal. (Peto, 2000)
Dos materiais supracitados, nenhum deles observa a dança sob a ótica da Psicologia
Analítica. Para fundamentar teoricamente, os objetivos deste trabalho, busquei o entendimento das
relações da dança com a subjetividade, com o feminino e com o autoconhecimento, todos aspectos
relacionados ao processo de individuação do sujeito.
A relação entre corpo e alma é trabalhada pela psicologia analítica. Esta percebe o
comportamento humano como algo determinado por instintos biológicos que seriam transformados
ou decodificados pela psique em pensamentos, imagens, fantasias, entre outros. Isto faz relação a
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uma totalidade, esta que faz parte da visão de psique abordada pela teoria em questão. (Albertini &
Freitas, 2009) Neste sentido torna-se importante para explicitar os mecanismos psíquicos
relacionados com a dança, pois os fenômenos são percebidos a partir de um todo complexo, que
pressuponha as relações entre corpo e psiquismo.
A individuação é um conceito em que o sujeito passa a dar-se conta do que é, torna-se si
mesmo, inteiro, indivisível e distinto de outras pessoas. Este processo é observado segundo as
experiências do sujeito dentro de uma vivência simbólica, que no caso da arte, ou melhor, da dança,
é valorizado para ser entendido na consciência do indivíduo. (Albertini & Freitas, 2009)
No processo de individuação do sujeito, ele passa a dar-se conta de sua realidade psíquica.
Isto a partir de um gradativo processo de crescimento psíquico, como uma tendência
autorreguladora, em que o sujeito deve tomar consciência deste crescimento para que o mesmo
possa ocorrer de maneira efetiva. (Jung & von Franz, 1964) O desenvolvimento da consciência do
sujeito está intimamente ligado á relação deste com o seu corpo, em vias à uma totalidade.
(Albertini & Freitas, 2009)
O que instigou a escolha do tema de pesquisa foi minha experiência individual. Como
professora de dança do ventre, observei por diversos momentos mudanças nas características de
minhas alunas, tais como uma percepção aumentada a respeito de si mesmas, um aumento no
cuidado estético, relatos de relações sexuais mais prazerosas, maior conforto em relação à estética
corporal, entre outros. Estas percepções me fizeram perceber que existe uma relação no processo de
individuação do sujeito, advinda da dança. Para o estudo de tal relação foi escolhido o filme Shall
we dance? ou “Dança Comigo” na tradução para o Brasil,(Fields; Weinstein; Tyler & Chelsom,
2004).
O filme conta a história de um advogado que trabalha muito, que vive uma vida maçante e
cheia de trabalho, e todos os dias ao retornar do trabalho, enxerga uma bela moça que olha pela
janela de uma escola de dança. Fascinado pelo seu olhar melancólico, uma noite ele decide se
render à escola de dança, na qual aquela mulher dá aulas, afim de a encontrar. Esta decisão muda a
sua vida. (Sinopse retirada da capa do filme, conforme Anexo 3 e Anexo 4) A partir da relação do
filme com o processo de individuação exponho meu objeto de pesquisa, com a seguinte pergunta:
“Quais as contribuições da dança no processo de individuação do sujeito a partir do referencial do
filme Dança comigo?”
Observo uma busca no aprendizado de uma dança por parte das pessoas, umas por simples
aprendizagem, para algum evento, para autoconhecimento, para competir, para cumprir com um
desejo dos pais, como um exercício físico prazeroso, enfim, há uma diversidade de razões para tal
busca. Este é um dos motivos pelo qual inicio a minha pesquisa. Para poder descobrir as
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contribuições da dança no cotidiano das pessoas, na forma como as mesmas se percebem e se a


prática de uma dança modifica esta visão.
A partir da breve pesquisa realizada, foram encontrados poucos materiais a respeito da dança
e a sua relação com o processo de individuação do sujeito. Entretanto, observa-se a importância de
seu estudo, dadas pesquisas já realizadas com resultados significativos e também a procura da dança
pela população como um estímulo para o ser. Cabe aqui relevar a importância da correlação da
dança com teorias psicológicas, o entendimento de sua relação com o sujeito, assim como os seus
efeitos na vida psíquica do mesmo.
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OBJETIVOS

Problema de Pesquisa

Quais as contribuições da dança no processo de individuação do sujeito a partir do


referencial do filme “Dança Comigo” ?

Objetivo geral

Identificar as contribuições da dança no processo de individuação do sujeito a partir do


referencial do filme “Dança Comigo”.

Objetivos específicos

• Identificar relações entre a dança e o feminino;


• Contribuir para reflexões quanto à dança e o corpo no processo de individuação;
• Identificar as relações do sujeito que dança com o social.
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REVISÃO DA LITERATURA

O presente estudo trata da análise do filme “Dança Comigo” (Fields;Weinstein;Tyler &


Chelsom, 2004) em relação ao processo de individuação do personagem principal, e que
contribuições a dança pode dar neste processo. O filme é uma releitura do filme “Dança comigo” de
1996 feito no Japão (Suo & Ikeda) , o original trata de um trecho da história do personagem
principal e a sua descoberta na dança, trata dos preconceitos da sociedade em relação aos homens
que dançam, que no Japão se mostra mais evidente do que na sociedade ocidental. O filme
escolhido para o estudo em questão trata dos mesmos aspectos, porém voltado ao público ocidental.
Pelo filme ser hollywoodiano e seus personagens famosos para o público este tem um valor
comercial que faz com que mais pessoas assistam ao filme, o que o caracteriza como uma mídia de
massa, feita para que todos possam ver.

A produção cinematográfica é definida por Benjamin(1987), como uma obra de arte pós
aurática. Cabe aqui explorar o conceito de aura para esclarecimento, para o referido autor, aura é
algo único transposto na realidade demonstrando uma realidade distante, mesmo que próxima
daquele que a observa. Antigamente, as obras de arte possuíam um caráter único, individual até
mesmo. Segundo Jobim e Souza (1994), hoje, no mundo massificado do capitalismo, a condição
social já não permite somente este tipo de arte, tornando esta também massificada e idêntica.
Destruindo o caráter único do objeto, surge uma percepção voltada à repetição e à reprodução, no
que se trata justamente a obra cinematográfica. Isto se dá justamente pelo caráter elitista da obra
clássica, apresentada somente a uma pequena parcela da população.

A arte pós aurática se apresenta de outra forma, a arte é voltada à massa, condicionada a uma
recepção coletiva. Somente esta arte é capaz de revelar o conteúdo da existência do homem
contemporâneo, refletindo como a sociedade vive, baseada na cultura de choque, ou seja, baseada
na generalização do choque, agindo sobre o público, ditando a este como deve se comportar e
adaptar-se aos perigos que o ameaçam. Porém, o autor apresenta dois lados de uma mesma moeda,
além de ter um caráter manipulador, o cinema também possui um lado transformador e progressista.
Este aspecto se dará dependendo do tipo de obra a que o espectador verá, no caso de uma obra mais
complexa, esta exigirá a concentração, no que que a observa imergirá nas suas profundezas. Do
contrário na diversão a obra é quem penetra na massa. Esta relação dialética propõe que o cinema
pode até ser o meio termo , em um mar de possibilidades, mesmo que submerso na antítese de
valores contemporâneos. (Benjamin, 1987; Jobim e Souza, 1994)

A cultura do choque pode ser entendida como uma vivência de choque pela qual os
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indivíduos estão sujeitos. Esta cultura tem total relação com a teoria estética de Benjamin, pois a
arte pós-aurática está diretamente vinculada à experiência atrofiada, à vivência no lugar da
experiência, ao consumo de massa e à percepção coletiva. A vivência não passa de um exercício
intermitente de proteção aos choques do meio cotidiano, à sua interceptação. Ou seja, a vivência
limita-se em comportamentos reflexos e repetidos, construídos pela demanda da vida social, assim
as coisas se repetem, as ações são irrefletidas e assim as pessoas vivem como se estivessem em
constante choque, sem se dar conta do que realmente estão experimentando. Para ilustrar pode-se
utilizar do exemplo do homem na multidão, que irrefletidamente caminha pelo mesmo local todos
os dias, sem se dar conta do que tem à sua volta, sabe o caminho que tem que seguir, e por meio dos
reflexos, desvia das pessoas à sua volta, atento aos sinais de trânsito e aos transeuntes. Este sujeito
não percebe que está ao meio de um grande aglomerado de pessoas e nem as peculiaridades do
ambiente. Por isso a sua memória consciente é voltada à vivência, e a memória involuntária é
voltada à experiência, sendo esta última algo mais profundo, ultrapassando os limites da superfície.
Quanto maior for a participação da vivência do choque nas impressões cotidianas do indivíduo,
maior será a presença do consciente com o intuito de proteger o homem contra os estímulos
externos.(Tomain, 2004)

Assistir ao filme nesta perspectiva pós-moderna , na realidade atual tem a sua devida
importância, isto porque desta forma o trabalho assume uma característica mais abrangente, voltada
ao público em geral que pode se apropriar dos conhecimentos advindos do estudo em questão.
Outros conceitos são importantes para o entendimento do trabalho, e serão explicitados daqui para
adiante nesta revisão de literatura. Estão apontados aqui os aspectos percebidos como relevantes
para a compreensão da análise do filme, assim como para o cumprimento com os objetivos
propostos do trabalho. A partir disto são aqui descritos conceitos acerca da dança e da psicologia
analítica, que conversam com autores diversos, visando a complexidade dos fenômenos percebidos.

1. A Dança

Muitos são os conceitos que podem definir dança. Estes foram encontrados em livros
escritos por dançarinos ou filósofos. A dança pode ser arte, pode ser terapia, pode ser expressão,
movimento, enfim, diversas definições acerca de uma antiga prática humana. Nesta revisão de
literatura é feita uma viagem pela história da dança, tendo em vista o seu desenvolvimento enquanto
arte e as suas representações na sociedade. Como a dança supõe um sujeito com um corpo também
é analisado visando a arte como pano de fundo ou como expressão deste corpo. Portanto, são
tratados aqui os aspectos relacionados ao corpo em consonância com a arte, a dança e seus aspectos
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históricos, a dança e a questão de gênero.

1.1. O corpo como objeto de arte

Este estudo trata do corpo visto como um objeto de arte na dança, e as suas contribuições
para o processo de autoconhecimento e individuação do sujeito. Para tal explanação são utilizados
conceitos concernentes ao tema, como a conceito de corpo, de dança, os aportes teóricos junguianos
e as ligações entre si. No que tende aos conceitos, utiliza-se uma perspectiva monista, visando o
sujeito como uma unidade macrocósmica, ou seja, compreendendo o sujeito como parte de um todo
universal, sendo uma unidade neste todo, constituindo-se como uma síntese dialética entre natureza
e cultura. Esta é uma visão oposta à perspectiva mecanicista da filosofia e da ciência tradicionais,
voltadas ao dualismo cartesiano e à uma visão de sujeito como unidade microcósmica, cujo
epicentro do conhecimento é a razão. (Nóbrega, 2007; Reis & Zanella, 2007)

Partindo-se do materialismo histórico de Marx tem-se uma visão de corpo como fundante do
sujeito. O corpo é visto como um eixo de relação entre o natural e o social, em que possui um
significado interno e externo. Bakhtin (1929/1981) explica esta relação, dialogando com e
contextualizando o corpo no sentido ideológico, em que este corpo reflete e retrata uma realidade
externa. Quanto ao que é ideológico pode-se afirmar que tudo o que é ideológico possui um
significado e remete a algo situado fora de si mesmo, ou seja é um signo. Já o corpo físico vale por
ele mesmo, mas é percebido como um símbolo, apesar de não se tratar de ideologia. Agora, a
imagem artístico simbólica ocasionada por um objeto físico particular, no caso, pelo corpo, já é um
produto ideológico. Desta forma o corpo é convertido em signo, sem deixar de fazer parte da
realidade material, e ainda passa a refletir e a refratar uma outra realidade.

Desta forma, o sujeito é o corpo, e o eu não é uma instância incorpórea, abstrata e imaterial
que habita ou possui um corpo, mas parte deste todo. O corpo não é uma realidade natural, dada de
imediato ao observador, mas sim, um significante em que cada cultura e sociedade inscreve
variadas significações e, deve ser ser compreendido na trama social de sentidos que o constitui
como realidade simbólica. O corpo é uma realidade cultural, produzida histórica e socialmente nas
práticas sociais em que o sujeito é participante ativo. O ativismo do sujeito dá ênfase à natureza
dialética dessa produção social do corpo, pois é na própria atividade do sujeito que o corpo se
constitui ao mesmo tempo como produtor e produto dos sentidos relacionados aqui. (Le Breton,
1953/2007)

O autor supracitado compreende a corporeidade humana como um fenômeno social e


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cultural motivo simbólico, um objeto de representações e imaginários. O corpo é o local semântico


no qual se evidencia a relação com o mundo, sendo este moldado pelo contexto sociocultural em
que o sujeito está inserido. Esta relação se dá e pode ser percebida em: atividades perceptivas,
expressão dos sentimentos, conjunto de gestos e mímicas, produção da aparência, jogos sutis da
sedução, técnicas do corpo, exercícios físicos, relação com a dor, com o sofrimento, dança, entre
outros. Desta maneira, a forma de se comportar fisicamente do homem depende de um conjunto de
sistemas simbólicos. Estes partem do corpo e se propagam as significações que fundam a existência
individual e coletiva. Assim, o corpo é o meio de relação com o mundo, e é através dele que o
homem apropria-se da substância de sua vida, e, utilizando-se dos sistemas simbólicos
compartilhados pela sua comunidade, o homem traduz esta substância aos outros. ( Le Breton,
1953/2007)
A partir da psicanálise de Freud, esta implicação simbólica torna-se mais evidente, pois
Freud revela a maleabilidade do corpo, a partir do jogo sutil do inconsciente. Destarte, faz do corpo
uma linguagem na qual são expressas as relações individuais e sociais, os protestos e os desejos. O
corpo é visto, portanto, como uma abstração que busca questionar a repressão da razão, enfatizando
os instintos, a vivência mítica e mágica e a ludicidade. Nele são inscritos conteúdos que trazem
diversos significados, fazendo do corpo um nó de significações. (Le Breton, 1953/2007; Nóbrega,
2007)
No conceito junguiano, o corpo é uma parte do indivíduo que deve ser olhada para que se
possa expandir a consciência, experimentando o corpo não só como um corpo simbólico a ser
interpretado, mas também como uma inevitável e presente dimensão da humanidade. O corpo vivo
é uma realidade visível e palpável, que corresponde mais à nossa capacidade de expressão. Por tal
motivo, pode-se admitir que o corpo vivo é um sistema adaptado às finalidades da vida, sendo um
sistema material constituído de um princípio vital. Sendo o fator psíquico aquilo que fará o
indivíduo viver, dito espírito , e a vida, o corpo vivo. (Albertini & Freitas, 2009; Jung, 1927/2000)
O corpo é como um animal com alma, sendo este um sistema vivo, que obedece ao instinto.
A alma humana é individual e coletiva e, seu crescimento só é possível se estes dois lados
aparentemente contraditórios chegarem a uma cooperação natural. Na vida instintiva não há conflito
entre o individual e o coletivo, mesmo que na vida puramente corporal também deva que satisfazer
à exigência individual e à coletiva. Nesta postura natural inconsciente já reside a harmonia, ou seja,
no instinto esta harmonia existe. O corpo possui suas necessidades e capacidades que proporcionam
determinações e limitações que impedem a desmedida e a desproporção. Assim, a atitude
inconsciente e natural é percebida como harmônica, posto que uma função psicológica consciente
tem uma tendência à desproporção, por ser consciente e unilateral. Deste modo, se o corpo é algo
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que torna os indivíduos semelhantes por serem todos da mesma espécie com corpos semelhantes, e
também distingue o indivíduo de todos os demais por suas diferenças individuais. ( Jung, 1916/
2008)
A alma humana vive unida ao corpo, numa unidade indissolúvel. Nesta pode-se considerar a
psique, que é constituída de uma série de imagens, sendo uma rica estrutura de sentido e uma
objetivação das atividades vitais, expressa através de imagens. Mesmo a matéria corporal estando
pronta para a vida, esta só é capaz de viver com a psique que precisa do corpo para que as suas
imagens também tenham vida. O corpo e alma são opostos e constituem uma só realidade.
Externamente, o homem tem um corpo material, mas interiormente, parece constituído de imagens
das atividades vitais que têm seu lugar no organismo. Sendo assim, o homem surge da junção entre
o corpo e a alma. A psique liga-se ao corpo pela fisiologia, sendo estreitamente vinculados. Os
conteúdos conscientes são determinados pelas percepções sensoriais, e a hereditariedade
inconsciente imprime traços de caráter físicos e psíquicos nos sujeitos. Sendo assim, a psique é
constituída de imagens reflexas de processos cerebrais simples,estas imagens assumem um caráter
de consciência. Um fator psíquico só assume a qualidade de consciência quando inicia uma relação
com o eu. (Jung, 1927/2000)
A alma apresenta-se como uma cópia da matéria e do empirismo. Vendo desta forma,
somente quando contempla-se ao espelho da imagem que se tem do mundo, é que pode se enxergar
de corpo por inteiro. O sujeito só aparece na imagem que cria, vendo-se inteiro e completo no ato
criativo. A alma é um complexo psíquico semiconsciente com uma função parcialmente autônoma.
Esta autonomia do complexo psíquico auxilia a representação de um ser pessoal e invisível que vive
em um mundo diferente daquele que os sujeitos vivem. Com a alma, os sujeitos são influenciados
externamente e internamente, devendo ceder a ambas influências. Porém, isto dependerá das
capacidades individuais, que em sua análise devem dizer como o sujeito deve agir. Assim, a alma
humana é tanto individual quanto coletiva, e o seu desenvolvimento somente é possível se os dois
lados puderem cooperar naturalmente. (Jung, 1916/2008)
A alma é o único fenômeno imediato deste mundo percebido pelos indivíduos, e a partir
disto, é também condição indispensável de toda experiencia em relação ao mundo. A alma tem uma
parte consciente, tal que pode ser acessada e experimentada, e outra parte que é a intuição, sendo
esta a percepção das possibilidades inerentes a uma dada situação. Nos estados patológicos pode-se
perceber a atividade inconsciente, e portanto pode-se falar da existência de uma alma inconsciente.
Esta última não é acessível, mas também faz parte da alma. (Jung, 1927/2000)

Um funcionamento inadequado da psique pode causar graves prejuízos ao


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corpo, da mesma forma que, inversamente, um sofrimento corporal


consegue afetar a alma, pois alma e corpo não são separados, mas animados
por uma mesma vida. Assim sendo, é rara a doença do corpo, ainda que não
seja de origem psíquica, que não tenha implicações na alma. (Jung, pp.102;
1917/ 1980)

O corpo e a alma constituem o sujeito e fazem-no se constituir no social. Uma parte


complementa a outra, o corpo e a alma se complementam e o social e individual da mesma forma.
Sendo todos partes de um todo, que visto assim tem as suas contribuições em todos os indivíduos,
de maneira geral, mas individual, dadas as características individuais de cada um.
O corpo, como objeto de arte e produtor de arte, necessita de sua subjetividade para a sua
produção, e somente incorpora os fragmentos da expressividade que vem de fora do sujeito, se há
uma vivência interior que corresponde aos mesmos. Partindo-se desta vivência interna é que se
pode realizar um ato externo, uma ação física. Deve-se levar em conta que o corpo ocupa uma
posição única no espaço concreto. E, sendo assim, um corpo é um corpo interior e o corpo do outro,
o corpo exterior. O corpo interior oferece uma gama de sensações orgânicas, de necessidades e
desejos sentidos internamente. Aquilo que é exterior não é sentido da mesma forma, é registrado de
forma fragmentada, pertence à unidade interna do sujeito por meio de um equivalente interno, não é
autônomo. Portanto, aquilo que se relaciona ao corpo está intrinsecamente ligado aos estados
internos de dor, prazer, satisfação, paixão, entre outros. (Bakhtin, 1997)
Como possibilidade de conhecimento, o corpo experiencia a estética por meio do gesto,
sensibilidade e expressão criadora. Pode-se ver uma relação do corpo com a arte visualizando o
mesmo envolvido por uma esfera poética, o que realça a procura por novas formas de compreender
o mundo além do racionalismo. Nesse sentido, sobre a expressão do mundo, é preciso ver o corpo
como produtor de poesia, ou melhor, que desperte e reconvoque por inteiro o poder de expressar,
para além das coisas já ditas e vistas. (Nóbrega, 2007)

Além das representações individuais, o corpo designa em seu conceito, um fato do


imaginário social. Os conceitos variam de uma sociedade para outra, a caracterização da relação do
homem com o corpo e a definição dos constituintes da carne do indivíduo são dados culturais com
infinita variabilidade. O homem e o corpo são indissociáveis e, nas representações coletivas, os
componentes da carne são misturados ao cosmo, a natureza, aos outros, em uma visão
macrocósmica. Desta forma, o corpo faz emergir de si a própria história humana com suas
peculiaridades, os medos, as privações, a abundância e a opulência, modos de vestir-se ou de ficar
nu, de deslocar-se, de perceber as causas do mal têm no corpo seu ponto de partida e de chegada.
19

Pode-se dizer, que sua materialidade permite a percepção das alterações do padrão real de vida das
sociedades. ( Soares & Terra , 2007; Le Breton, 2007)

A partir dessa compreensão de corpo, é possível entender a dança como atividade especifica
de produção social do corpo, podendo ter diversas finalidades, tais como: modo de expressão,
linguagem, técnica, arte, espetáculo, campo profissional, ritual, terapia, diversão , meios de
comunicação. O corpo se move sob estas múltiplas finalidades, podendo construir algo da ordem
cultural, técnica, estética, religiosa, terapêutica e lúdica. De uma maneira geral, visando a dança
enquanto forma artística de expressão, esta se constitui no diálogo com a cultura e sociedade em
que historicamente emerge e se desenvolve. (Reis & Zanella, 2007)

Para ilustrar este conceito de dança, no sentido de arte, como algo da ordem do social,
baseado nas concepções bakhtinianas, de que aquilo que é arte está no social, será utilizada uma
metáfora. Sendo que o artístico não está localizado nem no artefato, nem nas psiques do criador e
contemplador consideradas separadamente, o elemento artístico encontra-se nos três fatores
interligados. O artístico, portanto, é uma forma especial de inter relação entre criador e
contemplador fixada em uma obra de arte. Ela se torna arte apenas no processo de interação entre
criador e contemplador, como o fator essencial nessa interação. (Bakhtin 1, 1926/1976)

A metáfora que ilustra este conceito, fala de um artista que desprezava a arte, que propõe um
jogo, sendo que um artista que despreza a arte, será mesmo que este poderá ser um artista? Isto faz
uma alusão à produção da arte e também ao conceito que o artista tem da arte. Fazer a arte pode ser
algo muito prazeroso, porém isto só será conseguido se o artista produzir algo, pois assim
conseguirá ver até que ponto ele pode chegar, mesmo que despreze a arte. A sua arte sempre lhe
será válida e desta maneira ele pode enxergar aquilo do que é capaz de fazer.

Portanto, antes de virar um artista pode-se desprezar a arte, mas a partir do momento em que
se inicia com os recursos artísticos, aprende-se a realizar um trabalho e principalmente a utilizar do
seu potencial criativo, a arte vai aos poucos tornando-se algo grandioso. Mas mesmo assim o artista
continua a desprezá-la, até que em determinado momento surge um outro e admira esta arte
produzida, e mais outro e aquele sujeito que antes desprezava passa a entender, mas não de todo. Os
anos se passam e o artista passa a dominar a técnica, e especialmente a criar sem limites, ele ama o
que faz, até que um dia lhe questionam: “- Mas não era o senhor que desprezava a arte? Como pode
fazer algo tão belo? E o artista responde: “ - Pode ser que eu domine algo do qual não sei falar e não

1 Este texto foi originalmente publicado em russo, em 1926, sob o título “Slovo v zhizni i slovo v poesie”, na revista
Zvezda nº 6, e assinado por V. N. Voloshinov. A tradução para o português, feita por Carlos Alberto Faraco e Cristovão
Tezza, para uso didático, tomou como base a tradução inglesa de I. R. Titunik (“Discourse in life and discourse in art –
concerning sociological poetics”), publicada em V. N. Voloshinov, Freudism, New York. Academic Press, 1976.
20

entendo do conceito e até o despreze, mas se quiseres compreender tente fazer, pois de nada adianta
contemplar sem ter a vivência do que realmente é a arte. Arte é só um nome, e este eu desprezo,
pois não nomeio como todo, aquilo que é somente meu.” E a pessoa continua: “- mas então quando
tu colocas uma obra exposta, naquele momento ela fará parte de um todo e daí, se não é arte é o
que?” E o artista: “ - É a minha expressão naquele todo, não arte, mas aquilo que as pessoas
sentirem que ela o é.”

Neste pequeno diálogo entre o artista e o observador, o artista percebe que seu desprezo é
sim pela palavra, mas aquilo que faz não pode nomear a não ser que seja nomeado por outrem que
veja a obra e interaja com a mesma. Esta última é uma interação a partir de algo lúdico, que propõe
algo que pode promover uma reflexão e é a partir desta que se dá nome aos significantes,
promovendo um insight ou um dar-se conta de situações. Quanto ao artista, ele só foi se dar conta
daquilo que realmente fazia depois de adentrar-se e vincular-se àquela tarefa, e assim poder
produzir da sua melhor maneira, mesmo que seu conceito continuasse o mesmo, a partir do
momento em que pôde interagir com a arte teve a possibilidade de compreendê-la de forma tão
grandiosa que seu nome já não servia para explicar tamanho significado que tinha para ele. Algo
que é realizado e exposto ao outro, irá gerar um sentido à quele outro, que mesmo que não
compreenda o que o artista quis dizer, mas para si mesmo, aquilo terá algum sentido quando se
interagir com ele e sentir algo relacionado àquilo.

De acordo com Vygotski (1926/2001), a arte é o social nas pessoas, seu efeito é processado
em um indivíduo isolado, o que não quer dizer que as suas raízes sejam individuais. Assim, o social
existe onde há apenas um homem com as suas emoções individuais. As emoções quando fora do
sujeito, estão materializadas e fixadas nos objetos externos de arte, que são instrumentos da
sociedade e que podem levar diversas emoções à diversos indivíduos, m uma relação do social ao
individual. Na metáfora, antes de ser um artista profissional, este aprendeu as técnicas a partir de
outros que viu, e tem a visão destes outros em seu trabalho, e de si mesmo naquilo que reflete das
suas emoções em seu trabalho.

A noção de estética tem a ver com o confronto entre a introversão e a extroversão do


indivíduo, a arte e a beleza são sentidos ou intuídos por seres distintos, que tem pontos de vista
divergentes também. Portanto, a aparência sensível que é demonstrada pelo artista, não só motiva
recordações de vivências afins, como que, ao estar subordinada à exteriorização e aparecendo como
algo de fora, quando é contemplada, projeta-se nela, ao mesmo tempo, os processos íntimos que são
reproduzidos pelo contemplador. Desta forma, o contemplador provê à obra artística, uma animação
estética, ou seja, a atribuição de sentimentos à arte. Já que nesta introjeção dos estados íntimos da
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imagem, não só se tratam de sentimentos, como também de processos íntimos coletivos. (Jung,
1921/1985)

1.2. Conceituação de dança

Definir o conceito da dança é algo controverso, isto posto que existem diversos conceitos
diferentes a respeito da mesma prática, sugerindo-se que a sua definição seja algo necessário no que
se refere a este trabalho. A dança, de acordo com a definição do dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa (2009) é o conjunto organizado de movimentos ritmados do corpo e acompanhados por
música. O verbo dançar é definido como movimentar o corpo com intenção artística, obedecendo a
um determinado ritmo musical ou como forma de expressão subjetiva e dramática, ou executar um
movimento corporal ritmadamente, ou ir de um lado para outro desordenadamente, balançar oscilar.
O dicionário Aurélio(2009) traz uma definição bem semelhante e acrescenta o sacudir e agitar-se,
girar, rodar, mexer-se, movimentar-se. Tal definição de dança é muito ampla para entender o que
realmente é a dança, pois existem outros movimentos que são ritmados e não necessariamente
caracterizam-se por dança, como por exemplo o remar, caminhar, pedalar. Por tal motivo far-se-á
aqui uma explanação acerca da dança e sua evolução até os dias de hoje, visando a compreensão da
palavra e o sentido utilizado no trabalho.

Além destes conceitos e definições de dança advindos dos dicionários em português,


pretende-se ir mais a fundo na etimologia da palavra. Vista a etimologia no dicionário etimológico
Nova Fronteira (Cunha, 1986) e do Nouveau dictionnaire étymologique ( Dauzat, Dubois &
Mitterand, 1964), nota-se se que a palavra dança vem do antigo francês dencier, que atualmente se
fala danser, derivado do frâncico dintjan, traduzido ao português como mover-se de cá para lá. O
termo danser data do final do século XII. Para uma conceituação mais completa, buscou-se
subsídios na própria língua francesa que define a dança como sequência de saltos e passos regrados
por uma cadência e geralmente conduzidos por música. No Dictionaire de la langue française o
conceito de dança é ampliado também para o grupo, sendo definida como a ação de várias pessoas
que dançam. Também refere o sentido da dança como mímica e forma de se exprimir pela
pantomima originada na Grécia. No dicionário tem-se uma breve discrição da dança pantomima
como uma imagem da guerra, geralmente executada com armas nas mãos dos dançarinos. Há uma
referência de que a dança na sua formação inicial seria uma dança de imitação que teria perdido a
sua característica conforme os povos foram se expandindo. (s/d)

Para compreender a dança é importante voltar à sua história e então entender como esta se
manifestou desde o que se tem de relatos a seu respeito. Portinari (1980) apresenta em sua obra
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relatos acerca da dança que datam do período Mesolítico, a partir de uma pintura encontrada na
Espanha que demonstra nove mulheres em torno de um homem despido, induzindo a um ritual de
fertilidade. Esta é a mais antiga imagem da dança encontrada de acordo com a autora. Outras
imagens sobre a dança foram encontradas, com pinturas rupestres representando danças circulares, e
o tocar de instrumentos, com a utilização de peles de animais como máscaras ou acessórios rituais.
(Lommel, 1966).

Wurzba (2009) afirma que estes povos primitivos se cerceavam da dança devido à
impotência frente aos fenômenos naturais, tendo uma necessidade de estabelecer um vínculo maior
com a natureza em busca da compreensão dos fenômenos inexplicáveis da natureza. Sendo assim,
dançar tinha o sentido de trazer a harmonia com as forças do cosmos. A autora refere ainda que nas
tribos de caçadores o homem imitava os animais em sua dança, na crença de que, desta forma,
obteria mais força para capturá-los, do mesmo modo para apropriar-se do poder animal e aumentar
o número de animais comestíveis para a caça.

É provável que o homem primitivo tivesse a consciência de que seus movimentos e gestos
só obteriam um efeito magico ou encantatório se fosse executados dentro de certas regras e
medidas, não necessariamente regulares ou aparentes, mas que os tornavam um conjunto
homogêneo e fluente no tempo. Quando tinham enfim sua duração no tempo dividida em
determinados intervalos, dentro de um ritmo. Este último poderia ser interno ou externo, marcado
de variadas maneiras, ao som ou não de música seria o ponto de partida, uma atividade que se
desenvolve no espaço e num tempo determinado, cuja configuração é o ritmo. ( Mendes, 1985)

Com o advento da agricultura, o homem passou a depender ainda mais do conhecimento


acerca da natureza, tendo um controle dos ciclos lunares, os antepassados e o ciclo das mulheres.
Surgem assim as danças relacionadas à fertilidade da terra, das criaturas e das mulheres. Também
para celebrar as colheitas fartas, e atraí-las com a dança. Seguindo na história, avançando alguns
milênios para as civilizações da antiguidade, percebe-se um desenvolvimento significativo da
dança, também voltada à fertilidade, em cultos à Grande mãe observados nas civilizações do
Oriente Médio tais como a Suméria, com registros de 6500 a.C. e Egito com aproximadamente
4500 a.C. .(Wurzba, 2009 ; Bencardini, 2002)

Na Grécia a dança estava associada ao Olimpo, ou seja, aos deuses, tendo relações com a
fertilidade, nascimentos, contra doenças e morte. É originada, provavelmente, dos ritos extáticos do
culto a Dionísio que datam cerca de 6000 a.C. na região da Turquia. Surge na época dos conhecidos
filósofos gregos, o primeiro registro da filosofia em relação à dança. Para Sócrates, citado em Platão
e Xenofontes, a dança é algo que deve ser aprendido, como uma atividade que daria proporções
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corretas ao corpo trazendo também uma reflexão acerca da estética e da filosofia. Platão refere-se à
dança como algo a ser integrado na educação, diferenciando a dança nobre da dança ignóbil. Sendo
que a primeira seria aquela bela e correta, da nobreza e a segunda algo feio e que deve ser banido,
referindo-se provavelmente às danças folclóricas. (Lommel, 1966 ;Portinari, 1989)

Neste aspecto começa-se a ser feita uma diferenciação da dança, entre a dança dos nobres e
a dança da plebe. Posto que a referência trata da civilização ocidental, na qual já inicia uma
diferenciação acerca dos tipos de dança. A dança é uma comunicação direta do ser humano com o
meio externo. Esta dispensa o uso do verbal, utiliza-se somente da mensagem do não-verbal aliada à
conceitos de estética e rituais. Esta tem a sua função para reverenciar deuses, encorajar guerreiros,
festejar colheitas. Também alia-se do caráter sacro, mantido em culturas e religiões primitivas.
Além disto, integra forças naturais, aguçando os instintos e diminuindo o medo. Também foi
revestida para ser parte de algo real, o que culmina com o nascimento do ballet. Assim, a dança se
divide em duas: uma que admite a origem do homem, vinculada a ela como uma manifestação
espontânea, e outra codificada segundo a aristocracia. As formas de dança foram caminhando
conforme as culturas foram se desenvolvendo. E a dança se divide novamente em sagrada e
profana, uma para os rituais e outra para a diversão. (Bisconsin, 1994)

Antes do nascimento do ballet, cabe descrever um pouco da dança em Roma, realizada por
sacerdotes dançarinos vestidos com capacetes, escudos e espadas na intenção de afastar os espíritos
malignos. Havia outra forma de dança realizada pelos patrícios e pela plebe, que festejavam as
festas saturnais e lupercais, as quais tinham bases religiosas porém com celebrações regadas a
excessos sexuais e de álcool. A dança que era realizada pelos romanos foi banida pelo cristianismo,
sendo provavelmente reintroduzida pelos alemães na Europa.( Dauzat, Dubois & Mitterand, 1964;
Portinari, 1980)

A dança não pôde ser banida da sociedade, que teve que encontrar novas formas de
expressão coletiva. A dança era realizada na Idade Média, inclusive dentro de igrejas, tiveram que
ser adaptadas ao culto religioso e cristão. Neste período surge a dança macabra, que surge do pânico
em relação às doenças epidêmicas e à morte. Esta dança tomou diversas formas, tendo seu período
de expansão por volta do século XII. Algumas são relacionadas à cura, outras para expressar a
morte, outras demonstrando o que causaria o pecado, na insanidade das pessoas e na Ira divina,
outras realizadas como que em uma histeria, realizadas ininterruptamente durante horas em formas
de círculos remetendo às antigas danças pagãs. (Portinari, 1980)

A forma expressiva da dança encontrada nos relatos antigos remete à um uso da dança
voltado aos rituais e ao divertimento mais recente na sua história. Percebe-se que o homem se
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utiliza da dança como forma de chegar ao sagrado, como forma de descoberta daquilo que não pode
compreender. No sentido do divertimento a dança toma outras formas, como meio de celebração,
excessos e voltada ao hedonismo, como percebe-se na sua história em Roma. Com o passar do
tempo e com a diferenciação da dança aristocrática da dança da plebe e folclórica, a dança foi sendo
definida tecnicamente e colocando-se em outro plano além do plano cotidiano que é o plano aéreo
visto no ballet. (Reis & Zanella, 2007; Portinari, 1980)

O ballet surge juntamente com o renascimento, época de refinamento das artes. Com as
festas pomposas e grandes jantares, surgem também as danças requintadas, inspiradas nos temas
dos alimentos, dos astros, das guerras. As vestimentas eram também ostentadas, com plumas,seda, e
pedras preciosas. Para a criação e desenvolvimento destas apresentações, surgem, neste período, os
mestres de dança, contratados para fazer a marcação coreográfica e ensinar os passos baseados no
tema indicado pelo nobre que os empregava. O mais famoso deles foi o italiano Domenico de
Piacenza que escreveu o primeiro tratado de dança conhecido. Neste descreveu uma classificação
sistemática de movimentos a serem realizados, dentre eles o simples, duplo, retomada, parada,
reverência, meia volta, volta completa, elevação e salto. Estes como movimentos naturais. Os outros
são considerados acidentais, ornamentais e complementares , tais, o passo lateral rápido, a batida e a
pirueta. (Portinari, 1980)

Contemporâneo à Domenico, o autor, poeta e dançarino Cornazano, em seu livro “ Livro


sobre a arte de dançar”, descreve a distinção entre a dança popular e a aristocrática, explicando que
a arte nobre se realiza em torno de um enredo ou fábula definida. Dá o nome a esta prática de
balletto. Vão surgindo muitos outros tratados de dança, com mais regras e definições técnicas, até o
surgimento do ballet de corte, com seu apogeu no reinado de Luís XIV. Para o conhecimento desta
história da dança, há um importante documento escrito em 1588, a Orchésographie de Thoinot
Arbeau, em que coloca a dança como uma benção divina traduzida pelo homem em movimentos,
assim como estipula as regras fundamentais para as cinco posições do ballet. Em 1669 foi criada a
Académie Royale de Musique, que tinha uma escola de dança, sendo a futura Ópera de Paris. Entre
esta data e o início do século XVIII Beauchamp, mestre de dança, fixa as posições do ballet, tal
como são realizadas até hoje. (Portinari, 1980)

O ballet foi se desenvolvendo, passando pelo ballet ópera, o ballet d'action, mais
expressivo, ao ballet pantomima, até se tornar o ballet profissional. Assim, da França o ballet é
disseminado por toda a Europa. Com o advento do romantismo, a valsa toma forma e se expande
pelos bailes e salões do século XIX. O pas de deux iniciado pelo ballet toma a sua forma ao público
pela dança de salão, que antes do desenvolvimento do ballet já tinha uma dança de casais que era a
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basse dance( século XIV), base para o ballet. No seu surgimento, a dança de salão era dançada pela
aristocracia, sendo reservada apenas à corte. E é nesta que surge a valsa, dentre outras modalidades
de casal, sendo considerada um grande avanço para a dança, pois permitia as mãos à cintura da
dama pelo cavalheiro. Esta prática foi levada aos países colonizados pelos europeus, tendo suas
misturas em cada um deles, e a criação de novas danças de acordo com as culturas, por exemplo,
no Brasil o samba de gafieira, em Cuba a cumbia, o swing nos Estados Unidos, o tango na
Argentina e muitas outras que tiveram influência desta prática europeia, além das influências
africanas e da própria cultura local. (Portinari, 1980)

Percebe-se que a dança é submetida às implicações culturais, sociais, políticas e econômicas,


isto pela divisão que ocorre neste meio, tendo danças aristocráticas e folclóricas, mas também
quanto ao seu desenvolvimento enquanto manifestação artística. Em todas as culturas em que foi
levada, a dança sempre sofreu modificações de acordo com o momento em que a sociedade se
encontrava, pois trata-se de uma expressão advinda das pessoas participantes deste meio social.
Desta forma, a dança representa muito da cultura do seu povo, mesmo tendo a sua técnica
proveniente de outro país, ela se adapta à realidade, sendo sempre uma arte do presente, do agora,
não importando de onde surgiu a sua técnica ou inspiração. Tendo em vista que a dança é algo
construído no presente, e que representa algo que se quer demonstrar ou dizer que faz parte da
realidade atual.

Na sociedade contemporânea, a dança toma outras formas além das descritas na


historicidade da dança, surgem os grandes nomes da dança contemporânea e moderna, Isadora
Duncan e Martha Graham são alguns destes nomes, a primeira representando a natureza e seus
fenômenos, e a segunda voltada ao homem em seu próprio ritmo natural. A dança contemporânea
tem a sua aplicação na atualidade com diversas vertentes e dissidentes, a todos os momentos coisas
novas são criadas, visando demonstrar o homem em sua realidade cotidiana. Passando por este veio
estilístico, indo de encontro à população em geral, têm-se a dança de salão. Esta que domina os
salões e escolas de dança da atualidade. Esta também como modalidade de dança a que se refere
este estudo. (Almeida, 2005)

A dança de salão possui diversas modalidades e expressões rítmicas, sendo executada


inclusive para fins competitivos. A prática competitiva é diferente da prática nos salões, pois exige
do participante uma alta concentração podendo também elevar os seus níveis de estresse devido ao
alto grau de exigência e cobrança. A dança de salão competitiva, denominada DanceSport em 1980
ganhou seu espaço na cultura americana, sendo reconhecida como um esporte olímpico em 1997. A
autora McMains afirma que a dança competitiva tem seu esplendor e monstruosidades, estas
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advindas da cultura do glamour americano. Referindo-se a este último como uma máquina de
glamour. Muitas pessoas começam a dançar a dança de salão para alcançar este glamour vendido
pela mídia, sabendo que mesmo sendo amadores podem encarar competições para este referido
público. Percebe-se neste sentido, a dança como um produto, manipulado pela economia capitalista.
( Rohleder; Beulen; Chen; Wolf & Kirschbaum, 2007; McMains, 2006)

Além da dança de salão competitiva, existe simplesmente a dança de salão, esta encontrada
nos bailes e festas com este intuito, e também esta aprendida nas escolas de dança para se dançar
com o parceiro, ou parceira, para dançar para algum evento, seja qual for o motivo pessoal que
motiva a pessoa a dançar. A dança de salão, devido aos seus inúmeros estilos, tem uma grande
possibilidade criativa a dois. É uma dança com algumas exigências, tais que necessita de um
parceiro para a sua execução, deve-se perceber o ritmo e a música, dominar os passos, manter a
elegância e a postura enquanto dança e estabelecer uma conexão com o parceiro, para que ambos
entrem em uma sintonia e consigam manter a dança equilibrada. Assim, dependerá das motivações
do sujeito que dança como este quer dançar, se com movimentos acrobáticos e aéreos, mais
exibicionista, ou executando apenas os passos pertinentes à dança de salão. A isto dependerá da
subjetividade de cada um e cada casal que dança. Cada qual pode criar as suas figuras de dança, ou
seja, o seu estilo dentro de cada dança. (Almeida, 2005; Volp, Deutsch & Schwartz, 1995)

A dança de salão é uma atividade, facilmente adaptável às habilidades individuais,sendo


acessível a qualquer gênero, e faixa etária. É uma atividade de dança aos pares que mantém contato
corporal entre si enquanto dançam. São duas as posições básicas de contato, a posição fechada em
que a dama é envolvida pelo cavalheiro que dispõe sua mão direita nas costas dela e suporta a mão
direita da dama em sua mão esquerda, ficando o casal de frente um para o outro, podendo deixar um
espaço livre maior ou menor em seu distanciamento que é bem próximo devido à posição dos
braços. Na posição aberta o casal tem mais espaço entre si, e o maior ponto de contato é uma das
mãos do cavalheiro que segura uma das mãos da dama. Os passos são uma variação do andar
associados a giros de diversas formas. Estes passos desenham o espaço dinamizando a estética e
visualização da dança. ( Volp, Deutsch & Schwartz, 1995)

Nesta repassada histórica , e com o panorama da dança no mundo atual, pode-se perceber
que :

A dança é uma das formas mais antigas de comunicação criativa do homem.


Ela tem uma peculiaridade que a diferencia das outras formas de expressão,
que é o fato de existir sempre no presente. Ela é criada e recriada a cada
instante. Durante a sua execução, não há divisão entre criador e criação.
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Tudo se realiza dentro e através do dançarino. O instante poético da dança


remete a uma vivência de eternidade. Essa dupla natureza da dança que
compreende a fugacidade do instante que passa e que também nos remete a
uma dimensão atemporal, abre a possibilidade de contato com níveis mais
profundos de vivência e visão criativa da existência. (Almeida, p. 15, 2009)

O sujeito que dança entra em contato com a sua presença no mundo composto pela terra,
água, ar, fogo e éter. Neste mundo é aberto um espaço para a experimentação de como se localiza o
corpo, como ele é sentido neste universo de sensações, se ele é pesado, leve, comprido, curto,
flexível, rígido. Também se ele é dilacerado, incômodo, pode então vir a ser o lugar da experiência
de modos diferentes para a percepção do mundo, sendo pela sensação, pensamento, sentimento,
intuição, pela externalização ou internalização, ou mesmo pela completude entre os mais diversos
aspectos do ser humano. Por meio da dança o corpo torna-se poético, fonte de imagens, e inúmeras
sensações. ( Almeida, 2009)

Na dança percebe-se uma atividade passiva do ser humano. É nela que se exterioriza aquilo
que é interior, e isto tende a coincidir com a realidade. Esta exterioridade só é visível ao outro e só
existe para os outros, fundindo-se com a atividade interna orgânica que reconhece a si mesma. Na
dança o sujeito se consolida em sua existência e participa da existência do outro, o que dança no
sujeito é a atualidade, esta validada em seu valor externo, é o outro que dança em si. Desta forma, o
social na dança remete-se à vida de onde o corpo emerge para reinventá-la e expressá-la. A dança é
a estetização do movimento da vida. Viver é movimentar-se, e a dança é uma forma condensada e
estilizada da vida. A dança se alimenta dos movimentos da vida. (Bakhtin, 1979/ 1997; Reis &
Zanella, 2007; Garaudy, 1980)

Na dança todo movimento tem uma intenção. Esta faz da tensão muscular e do seu
relaxamento um movimento de dança, no qual um conteúdo ganha forma. Forma e conteúdo são
instâncias inseparáveis que se concretizam no corpo dançante. Uma dança, mesmo que com a
técnica perfeita, será sempre medíocre se o coreógrafo e o dançarino não tiverem nada a dizer. Um
movimento sem motivação é inconcebível para o dançarino. O aprendizado da técnica objetiva
naturalizar os movimentos construídos, isso é possível através da incorporação pelo sujeito que
dança. Sendo assim, a dança é o corpo transfigurando-se em formas. Aquele que dança transforma
seu próprio corpo, se molda e se remodela, se reconfigura. Quando a dança se manifesta no corpo, a
todo instante transforma esse corpo, multiplicando-o, diversificando-o, tornando-o vários corpos
que se sucedem. ( Garaudy,1980; Dantas citado em Reis & Zanella, 2007)

Porém, a dança não significa reproduzir uma forma. Esta por si só é fria, estática e
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redundante. A técnica existe para limpar o movimento, trazendo clareza e objetividade ao mesmo,
não para reduzir o movimento à técnica, mas para ampliar o seu conteúdo e expressão, aliando o
movimento do impulso vital à técnica. Partindo-se da técnica, a dança é uma utilização de
movimentos e formas inserido em um ritmo pré estabelecido, no qual a dinâmica do movimento e a
energia emanada pelas tensões e contrações musculares faz com que o movimento possa ser forte,
rápido, enérgico e dinâmico. A dinâmica da dança é variável, dependendo da necessidade de
trabalho muscular e da intensidade emocional imbuída no processo. Esta se manifesta no
movimento, no qual é liberado uma força que se distribui nos contornos do corpo, ou pela sua
distribuição no espaço. (Gadens, 2001).

A dança é a capacidade de transformar qualquer movimento do corpo em arte. A dança


oferece um meio de expressão que envolve todo o ser humano. O movimento produzido por este
intermédio refletem o eu do indivíduo, sendo este o meio mais íntimo do ser humano. É a forma
mais pura de arte lúdica e expressiva passada através de movimentos e gestos. Além de conhecer o
seu movimento próprio, o indivíduo integra-se na cultura, descobrindo a expressão de seu corpo por
intermédio da cultura. ( Bisconsin, 1994) A dança como continuidade orgânica do homem com a
natureza humana em função da técnica, sempre em processo de recriação, de superação de si e das
ordens existentes, exprime as angústias, combates e esperanças do homem. Além disto, expressa a
tragédia, a mística, o heroísmo e a poesia, sendo na dança em que o homem vive no seu plano mais
elevado. (Garaudy, 1980)

1.3. A dança e a questão de gênero

Sob o ponto de visto histórico, a dança sempre foi executada por ambos os sexos, sendo na
antiguidade, compreendida aqui pela Grécia e Roma, banida a participação da mulher em
apresentações públicas, somente retornando no final da Idade Média. Porém enquanto a mulher
dançava no folclore, ou às escondidas com disfarces masculinos, o homem dançava com costumes e
gestos efeminados indicando uma participação feminina interna, da interpretação do próprio homem
que ali se colocava na dança. A dança tem em si uma participação e formação muito forte dos
gêneros e da sexualidade, dado o seu desenvolvimento histórico e cultural. (Santos,& Seffner, 2009;
Portinari, 1980)

Torna-se necessária aqui uma explanação acerca do conceito de gênero e como se aplica ao
corpo do sujeito. O gênero refere-se a qualquer construção social que implique a distinção entre o
masculino e o feminino, incluindo, assim, as construções que separam os corpos femininos de
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corpos masculinos. Sendo assim, observa-se o sexo como uma construção cultural, sendo o corpo
investido de tal forma em sua materialidade pelos contextos em que se encontra . Partindo-se destes
pressupostos de gênero e sexo, percebe-se que a sociedade forma a personalidade , o
comportamento e a forma do corpo. ( Bourdieu, 2002 ; Matos e Lopes, 2008)

A diferenciação entre masculino e feminino é algo cultural, dado pelos poderes investidos no
sistema econômico e na legitimação da dominação masculina na cultura vigente. Pela legitimação,
as coisas assumem um caráter naturalizado, ou seja, como se esta divisão de sexos fosse algo a-
histórico, existente desde sempre. Mas pelo contrário, é algo construído e constantemente
reafirmado pelo social. A diferenciação instalada no corpo é algo criado, percebido pela história da
medicina da mulher por exemplo. Até o período do renascimento, a mulher tinha o seu corpo tratado
como se fosse igual ao do homem, constituído pelos mesmo órgãos, porém com o falo virado para
dentro. Sendo assim, a visão da mulher fica como o polo negativo, o baixo, o dentro, o interno, o
úmido. E estes termos, dentro, fora, alto, baixo, mole e duro entram na linguagem corriqueira como
outra forma de dominação. ( Bourdieu, 2002)

Na dança as questões de gênero são colocadas em cena, já que o gênero é algo externo ao
corpo, ou seja, não é uma experiência interna, mas construída a partir de um rito constituído por um
conjunto de ações normatizadas culturalmente. Sendo assim, a dança é uma forma de aplicação das
normas do gênero, explicitando como deve ser usado o corpo dos indivíduos dançantes, se
femininos ou masculinos. Como no caso da dança de salão, os papéis são explicitados e definidos
conforme a norma de gênero. Fixada no corpo, esta diferenciação aparece de maneira muito clara na
dança de salão, em que as mulheres posicionam-se aos braços dos homens que as carregam pelas
suas cinturas. Sendo a regra fundamental da dança de salão que quem domina é o homem, é ele o
encarregado de levar a mulher e de conduzi-la pelo salão. Ele decide para onde vão e que passos
farão a partir da sua intenção de corpo. Assim, a ordem masculina inscrita nas coisas cotidianas
aparece, assinalando um lugar de obediência e submissão por parte da mulher. Isto pelo sentido
biológico de que o homem seria mais forte e por isso dominante, de que este deve ser viril e por isso
aquele que comanda. Sendo a dança parte da linguagem, é passível também a sua interpretação
como um discurso fixado no corpo, transmitido e recebido por este. (Bourdieu, 2002; Zamboni &
Carvalho, 2007; Andreoli, 2010)

Nos dias de hoje, a dança é predominantemente feminina, tendo restritas práticas de dança
possíveis aos homens. Parafraseando Santos e Seffner (2009), a dança possui muitos movimentos
que são considerados femininos, tais como o rebolar e os movimentos leves. Para os padrões
femininos e masculinos atuais, estes movimentos são predominantemente femininos e descrevem a
30

mulher como portadora deste conjunto de movimentos. Desta forma,como a dança trabalha com
movimentos corporais, em sua grande parte, exigindo leveza do corpo, isto traz uma exigência
daquele que dança, para que tenha uma suavidade nos movimentos, assim como uma postura firme
além da dedicação à atividade. A crença é de que a dança levará a um corpo leve, suave e feminino,
contrário ao corpo musculoso, viril e forte desejado e impelido pela cultura atual. ( Assis, 2008)

Bourdieu(2002) afirma que a maior humilhação para o homem é ser comparado à uma
mulher, assim surgem diversas manifestações de virilidade, coragem e força. A força particular
masculina advém deste acumular e condensar a legitimação da relação de dominação, inscrevendo-a
em uma natureza biológica que é uma construção social naturalizada. Este dito privilégio
masculino, pode ser percebido como uma cilada para o homem, em que impõe a ele o dever de
afirmar em toda e qualquer circunstância a sua virilidade. Sendo esta última a capacidade
reprodutiva, social, sexual e uma aptidão ao combate e exercício da violência, podendo desta forma
ser entendida como uma carga psíquica carregada pelo homem. Assim, existem coisas “não
permitidas” ao homem, como este demonstrar o seu lado feminino, por exemplo. Desta forma, toda
e qualquer atividade que for considerada pela sociedade como feminina, não é executável pelo
homem, isto em uma reação ao medo do feminino, ou da feminização. A coragem encontra o seu
princípio, portanto, “no medo de perder a estima ou consideração do grupo e se ver remetido à
categoria dada como tipicamente feminina dos “fracos”, “delicados”, “mulherzinhas” e
“veados”.”(p.33, 2002) Percebe-se que a coragem está mais para covardia do que para valentia, já
que tem a sua base no medo da exclusão do mundo viril, do mundo dos homens sem fraquezas.

Percebe-se que o corpo é atualmente percebido apenas em sua natureza biológica construída
simbolicamente pelo social. Tal construção apela ao consumo estético encontrado nas relações de
gênero dadas inclusive pela dominação. Destarte as pessoas agem de maneira automática, sem se
darem conta de seus valores preconceituosos e de sua afirmação em malefício próprio. Isto porque
as inscrições nos corpos dadas pelo meio social, estão enraizadas de tal forma no interior das
pessoas que estas têm uma grande dificuldade em se dar conta deste processo. E como Bourdieu
(2002) reforça que, mesmo que as pessoas se deem conta, continuarão com a legitimação da
dominação graças às suas defesas já predefinidas pelos próprios dominantes aos dominados. Assim
parece ser um circuito sem fim, o que é próximo disto já que a conscientização coletiva é algo
praticamente utópico nos dias de hoje. (Giuseppe & Romero, 2004)
Nesta breve explanação acerca de gênero, dança e sua construção social, percebe-se que o
corpo que dança não é algo individualizado, mas que está dado nas relações com um outro. Na
dança de salão isto fica bem claro, primeiramente pelo fator de que exige um contato constante de
31

dois corpos, geralmente do sexo oposto. Assim, o homem constrói uma relação dialógica com o
outro, promovendo pela dança um espaço de discursividade em que emergem os sentidos do corpo.
Este espaço advindo da dança pode permitir a construção de novos sentidos e diferentes formas de
comunicação ou de discurso, isto porque deixa um espaço livre na relação com o outro para que um
interfira no outro com o seu corpo. (Zamboni & Carvalho, 2007)
O sujeito se constituindo na relação remete ao conceito implicado por Bakthin o sujeito é
para o outro e por meio deste absorve sentido para si mesmo. Sendo assim, para o sujeito enxergar a
si mesmo, observa como é refletido nas reações das outras pessoas, agindo conforme estas esperam
e conforme isto possa ser afirmado socialmente. A isto aplica-se o dançar, que muitas vezes não é
feito pelo homem, justamente pela sociedade recriminar este feito ou dizê-lo como algo da ordem
do feminino. Também aplica-se ao próprio momento da dança em que o sujeito está dependente das
reações do outro e assim sente-se afirmado também pela reação deste, sabendo , desta forma se está
se saindo de forma efetiva ou não. (Bakthin citado em Jobim e Souza, 2005; Giusepp & Romero,
2004; Zamboni & Carvalho, 2007)
Na prática social da dança é permitida a interlocução entre os corpos dançantes, uma troca
entre conceitos que produz efeitos ideológicos e sociais que atravessam os sujeitos na relação.
Sendo uma possibilidade de linguagem, a dança, mais especificamente, a dança de salão, é um
espaço para a emergência de sentidos, viabilizando a construção do sujeito por intermédio da
relação dialógica. Assim, na dança de salão podem ser encontrados os aspectos de alteridade,
especularidade e complementaridade encontrados na análise do discurso. Portanto, a dança de salão
pode proporcionar um espaço de convivência em grupo, ou ao menos a dois ou três, a partir desta
convivência a dança pode minimizar a angústia e o medo de ficar só, também contribuindo para a
construção da imagem própria e do outro, trazendo com isto maior respeito pelo outro, podendo ir
além desta relação, superando paradigmas sociais formadores de preconceitos e valores acerca de si
mesmo e do outro. ( Zamboni & Carvalho, 2007)
Resumindo, a dança na questão de gênero possui diversas possibilidades, encontra-se nesta a
segregação dos sujeitos, assim como a sua aproximação e significação de valores sociais a partir de
sua prática. A segregação dentro da prática da dança encontra-se no próprio meio social em que é
afirmado o poder hegemônico masculino, como em danças específicas, voltadas ao ballet, jazz,
dança contemporânea, em que é refutada a participação masculina, assim como no que se diz
respeito à dança de salão e hip hop. A segregação não ocorre da mesma forma, pois nestas últimas o
homem se afirma como masculino em sua progressão de movimentos que demonstram força,
virilidade, destreza e coragem. São nestas que o homem consegue se afirmar e confirmar a
hegemonia e nas outras que ele aponta e humilha o outro segregando os grupos de homens que
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dançam masculino dos homens que dançam feminino. (Andreoli, 2010)


Por fim, percebe-se que a questão de gênero na dança é algo que está muito além da
problemática sexual, indo para a segregação, o preconceito e a afirmação do poder. Por exemplo,
quando dançada por alguns homens, a utilizam como forma de sedução das mulheres e como
afirmação de seu poder exercido sobre elas. Quando um homem dança com movimentos leves e
suaves este é tido como efeminado e este sai do mundo da virilidade sendo apontado de maneira
vergonhosa pelos outros homens. Neste jogo de relações e valores sociais, o homem não consegue
perceber o seu lado feminino, escondendo-o com todas as suas forças, tornando-se rude consigo
mesmo e com os outros que o cercam. Assim a dança diz respeito a muitas outras áreas do
conhecimento, como a pedagogia, a psicologia , a sociologia e a antropologia, todas estas áreas que
auxiliam na compreensão deste fenômeno que ocorre no mundo de maneira geral. Não é só na
dança que existe a segregação e o preconceito , isto ocorre em todas as áreas da vida. È importante
perceber isto na dança com o meio de estudar estes fenômenos, auxiliando na sua compreensão, e
quem sabe, propondo uma reflexão acerca do assunto para que surjam soluções para a
conscientização do todo.

2. Psicologia analítica : conceitos e relações teóricas

A Psicologia Analítica apresenta diversos conceitos que devem ser explorados para o seu
entendimento, tais como os de energia psíquica, inconsciente, consciente, self, individuação,
arquétipos, sombra, persona, anima e animus, alma e corpo. Todos estes conceitos são relacionados
e serão brevemente explorados nesta revisão. Não cabe a este estudo apresentar os conceitos
esgotando-os, mas sim fazer uma relação entre a obra de Jung e os objetivos propostos na pesquisa.

A teoria junguiana possui conceitos divergentes dos da psicanálise, sua predecessora, porém,
muitos possuem uma nomenclatura idêntica que deve ser diferenciada para não haver confusões em
seu entendimento. Um dos conceitos distinto em sua concepção é o conceito de libido, ou energia
psíquica. Libido é o instinto permanente da vida, é manifestado pela fome, sede, sexualidade,
agressividade e interesses e necessidades das mais diversas. Esta energia é a intensidade do
processo psíquico. Esta libido da qual fala Jung, não é apenas não concreta, ou algo da ordem do
desconhecido, mas sim uma expressão para falar a respeito do ponto de vista energético. (Jung,
1928/2002; Silveira, 1981)

É importante ter em mente o conceito de energia psíquica para a compreensão do psiquismo,


sendo este concebido por Jung como um sistema enérgico fechado, que possui um potencial que
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permanece o mesmo em quantidade por meio de suas manifestações no decorrer da vida dos
indivíduos. Para entender o dinamismo da energia psíquica, deve-se pensar que a mesma é
constante, o que varia é a sua distribuição, ou seja, ela cessa o investimento um conteúdo para
aparecer novamente em outra forma ou conteúdo. Isto ocorre em diversas expressões da energia que
sofre metamorfoses nos fenômenos psíquicos. Sendo que todos os fenômenos psíquicos são de
natureza energética. Há uma parte da energia psíquica que fica à disposição da consciência, esta
denominada vontade, tendo esta liberdade em realizar escolhas, o ego deve considerar a própria
situação, a do outro e do contexto, devendo se responsabilizar por suas decisões. Assim, a vontade
necessita de uma consciência de si mesmo, diferenciando-se assim do instinto puro e cego. A
relação entre este último com a vontade gera um conflito essencial constituinte da psique, o conflito
entre o instinto e a liberdade de escolha. (Albertini & Freitas, 2009 ; Jung, 1927/2000; Silveira,
1981)
A psique é estruturada pelo inconsciente e o consciente, sendo esta representante de todos os
conteúdos psíquicos. “Poder-se-á representar a psique como um vasto oceano (inconsciente) no qual
emerge pequena ilha (consciente).” (Silveira, p. 61, 1981). O consciente é uma parte da psique
ligada ao ego. Este é como uma superfície com limites dados por uma circunferência. Esta
superfície pode ser considerada como o campo da consciência, com um centro a que é apresentado
tudo aquilo que integra a consciência, sendo este denominado ego ou eu. Sendo uma superfície
limitada por uma circunferência, esta recebe conteúdos dos lados internos e externos. Sendo assim,
a consciência pode ser aumentada por conhecimento das coisas externas, sendo limitada pelo
inconsciente, pelo desconhecido, o qual pode ser parcialmente conhecido no processo de
desenvolvimento do sujeito. (Silveira, 1981; Santos, 1976)
Na superfície do psiquismo encontra-se a parte consciente, na qual localiza-se a persona.
Para integrar-se no coletivo, o homem utiliza-se da persona, sendo esta uma máscara utilizada pelo
homem no meio social . O homem assume uma aparência divergente daquela do seu modo autêntico
de ser, isto para adaptar-se às exigências do mundo exterior. Veste, portanto uma máscara, uma
aparência artificial, apresentando-se como os outros esperam que este sujeito seja, ou da forma
como gostaria de ser visto. Nas profissões, por exemplo, os sujeitos mantém uma fachada de acordo
com as suas exigências profissionais vistas as convenções coletivas. Portanto, a persona tem o seu
molde a partir da psique coletiva. (Jung, 1916/2008; Silveira, 1981)
A persona é um sistema que relaciona o consciente individual com a sociedade. É uma
máscara, vestida no teatro da vida, provocando um efeito sobre o outro e escondendo a verdadeira
natureza do sujeito. A persona se faz necessária ao meio social, visto que as exigências do meio
fazem com que ela exista. Jung exemplifica que a sociedade quer que o sapateiro seja somente um
34

sapateiro, posto que somente um sapateiro que não seja poeta fará com perícia bons sapatos. Isto
quer dizer que a sociedade tem expectativas quanto ao desempenho dos sujeitos participantes dela.
Esta espera que todo o indivíduo tenha o melhor desempenho possível na tarefa que realiza. Mas
para tal, nem sempre as características individuais vão lhe conferir a verdadeira realização destas
expectativas, destarte, o indivíduo cria uma falsa personalidade. A consciência é separada então, em
duas figuras distintas, mas necessárias à boa convivência, feita uma concessão e um auto sacrifício
ao meio em que se vive. Porém, muitas pessoas podem se identificar com a persona, o que as leva a
crer que são aquilo que imaginam ser. No inconsciente esta máscara é compensada por uma vida
íntima e privada. (Jung, 1916/2008)
Para que o sujeito identifique-se com a persona, este deve ter influências do meio social,
assim como influências internas. É “(...) como se o inconsciente oprimisse o eu, com o mesmo
poder que a persona exerce sobre ele. A falta de resistência exterior contra a sedução da persona,
corresponde uma fraqueza interior relativa às influências do inconsciente.”( Jung, p. 81, 1916/2008)
As forças externas, e o papel desempenhado no meio em que o homem vive, toma força e lugar
internamente e ali vai se desenvolvendo uma fraqueza feminina, e se externamente o homem
desempenha um papel de forte e masculino, internamente, esta imagem ideal é compensada por esta
fraqueza, denominada anima. E contra estas influências do inconsciente surgem diversas
manifestações como mudanças de estado de espírito momentâneas, caprichos, angustias e uma
sexualidade efeminada, culminando na impotência sexual. (Jung, 1916/2008)
Mais profundamente e ocupando a maior parte do psiquismo têm-se o inconsciente. O
inconsciente compreende o inconsciente coletivo e o pessoal. O inconsciente pessoal refere-se às
camadas mais superficiais do inconsciente, neste estão incluídas as percepções com carga energética
insuficiente para atingir o consciente, também ideias ainda indiferenciadas, acontecimentos
ocorridos na vida que são perdidos pela memória, recordações penosas de serem relembradas,
grupos de representações carregados de forte potencial afetivo, incompatíveis com a atitude
consciente, e a sombra. (Silveira,1981)
A sombra inclui tudo aquilo de sombrio, de tenebroso que habita nos sujeitos. Esta forma-se
à medida em que se formam o ego e a persona, sendo portanto relacionada ao consciente. Os
conteúdos presentes na sombra são aqueles rechaçados na formação da persona. Não são admitidos
pela sociedade, visto que a sociedade intende que os sujeitos sejam perfeitos, sem falhas e defeitos.
A sombra dá conta destes conteúdos não assimilados pelo ego, podendo estes retornarem à
consciência no futuro. Sendo assim, a sombra tem uma relação dinâmica com o ego e esta relação
se faz presente ao longo de toda a vida do indivíduo. O que ocorre com o desconhecimento da
sombra, é a sua projeção nos outros. Os indivíduos podem se identificar com a sombra, e quando
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isto ocorre, a consciência assume a si proporções maiores do que as reais, o que leva o indivíduo a
um estado psíquico precário e com falta de limites pessoais. A sombra também está presente nas
profundezas do inconsciente, sendo o lado negativo do indivíduo, representado pelo arquétipo da
sombra. ( Albertini & Freitas, 2009; Santos, 1976)
O inconsciente coletivo corresponde a camadas mais profundas do inconsciente, aos
fundamentos que estruturam a psique e que são comuns a todos os homens. Traz a herança comum a
todos os seres humanos, ou seja, disposições latentes para reações idênticas a todos os humanos.
Desta forma, o inconsciente coletivo transcende o indivíduo e independe de particularidades
individuais. Em sua estrutura o inconsciente coletivo é composto por arquétipos que são os resíduos
arcaicos, ou imagens primordiais presentes em todos os indivíduos. (Albertini & Freitas, 2009 ;
Silveira, 1981)
O arquétipo é visto como uma tendência para formar representações acerca de um motivo,
podendo ter diversas variações sem que se perca a sua configuração primordial. Nota-se que o
arquétipo é uma tendência instintiva, sendo também uma manifestação que revela a sua presença
por meio de imagens simbólicas que possuem uma repetição observada em diversos locais do
mundo. O arquétipo funciona como uma rede de concentração de energia psíquica. Quando esta
energia atualiza-se, toma forma de imagem arquetípica. O arquétipo permite se compreender o
porquê da existência de um mesmo tema em diversas culturas, repetindo-se em contos de fadas,
mitos, artes, dentre outros elementos da cultura e inconsciente humanos. (Albertini & Freitas, 2009 ;
Jung, 1964; Silveira, 1981)
O homem possui em seu inconsciente uma feminilidade, esta denominada anima. Esta é a
representação psíquica dos genes femininos presentes no corpo do homem. Esta é composta por um
aglomerado hereditário inconsciente, um resíduo arquetípico das impressões acerca da mulher. Esta
parcela do homem é frequentemente rechaçada, permanecendo no interior do homem, e sendo
manifestada de forma negativa, como se colocou no parágrafo anterior. E quando ela deixa de ser
projetada no outro, ou seja, quando o consciente passa a se relacionar com este arquétipo, há uma
confrontação com o ego, as suas personificações são desfeitas, e assim a anima torna-se uma função
psicológica importante. Isto implica na evolução da anima no homem, e portanto esta se dispõe
como uma função de relacionamento com o mundo interno, fazendo um meio de campo o
consciente e o inconsciente, na função de relacionamento com o mundo exterior, como um
sentimento conscientemente aceito pelo homem. (Santos, 1976; Silveira, 1981)
Assim como existe uma parcela feminina no homem, existe também uma parcela de genes
masculinos na mulher. Esta parcela masculina e inconsciente da mulher é denominada animus. É
manifestada por uma intelectualidade mal diferenciada e simplista, podendo resultar também em
36

quebra de laços amorosos. O animus carrega em si as experiências hereditárias acerca do masculino,


ou seja, carrega em si o arquétipo masculino. O animus é susceptível de evoluir,e de se transformar
e se integrar na consciência da mulher. Neste processo, o animus assume uma função de mediador
entre o inconsciente e o consciente, e faz com que a mulher tenha a capacidade de reflexão, busca
pelo auto conhecimento e gosto pelas coisas do espírito. (Silveira, 1981)
Nas profundezas do inconsciente coletivo habita um centro ordenador chamado de self, do
qual é emanada uma inesgotável fonte de energia. Este equivale ao superego de Freud quando
ocorre a renúncia dos desejos egoístas por temor à opinião pública, assim, o self permanece
inconsciente e projeta-se ao exterior acatando à consciência moral e coletiva. Outra função do self,
contrária à ação do superego, ocorre quando o self torna-se perceptível como um fator psíquico
determinante, assim as renúncias feitas em prol do coletivo não são mais motivadas pelo coletivo,
mas sim pelas leis internas do sujeito. O self compreende muito mais do que o ego, isto é percebido
pela forma como é representado, em mandalas ou outros simbolismos. (Albertini & Freitas, 2009 ;
Jung, 1927/2000; Silveira, 1981)
Todo indivíduo tem uma potencialidade a ser alcançada, para chegar a este ponto deve-se
passar por um processo, sendo este chamado de processo de individuação. É um processo de
integração entre aquilo que é consciente com o que é inconsciente. Corresponde ao curso natural da
vida, em que o indivíduo se torna aquilo que é e o que sempre foi. A tomada de consciência dos
conteúdos inconscientes constelados é um processo árduo, por vezes doloroso, que deve ser
integrado com a consciência por meio do ato cognitivo. (Albertini & Freitas, 2009)
O self é também chamado de si mesmo, sendo uma circunferência que engloba a consciência
e o inconsciente de maneira geral. É o centro desta totalidade, assim como o eu é o centro da
consciência. Todo o indivíduo busca esta totalidade, tendendo sempre a se realizar. O processo de
individuação “significa tornar-se um ser único, na medida em que por "individualidade"
entendermos nossa singularidade mais íntima, última e incomparável, significando também que as
pessoas se tornam o próprio si mesmo. Pode-se pois traduzir "individuação" como "tornar-se si
mesmo"(Verselbstung) ou "o realizar-se do si mesmo"2 (Selbstverwirklichung).” ( Jung, p.60,
1916/2008)
O processo de individuação é o eixo da psicologia junguiana. A individuação significa uma
realização que busca a completude das qualidades coletivas do ser humano, ou seja, o indivíduo
busca diferenciar as funções e faculdades universais, dada a variabilidade destes fatores, que
possibilita ao sujeito ter as suas características individuais. Este é um processo de desenvolvimento
psicológico que faz com que o sujeito possa realizar-se em suas qualidades individuais existentes.

2 “ (...)” Grifos do autor.


37

Neste, o homem torna-se único, compreendendo e diferenciando-se do outro. Os fatores universais


que fazem parte do homem, são de toda a forma coletivos, e o processo de individuação busca a
cooperação destes fatores, o homem como ser único e integrado na coletividade. (Jung, 1916/2008)
A individuação é um processo de diferenciação que tem como meta, desvincular o ego da
falsa persona e do poder sugestivo das imagens primordiais, o desenvolvimento da personalidade
individual. Este não é processo que leva ao isolamento ou individualismo, mas sim a um
relacionamento coletivo mais produtivo e intenso. Este processo tem um desenvolvimento que
conduz a um novo centro do psiquismo, quando o inconsciente e o consciente ordenam-se ao redor
do self, a personalidade é completada. (Jung, 1916/2008; Silveira, 1981)
O processo de individuação compreende várias fases. A fase preliminar é o desvestimento
das falsas roupagens da persona. Após, trava-se conhecimento com a sombra, e somando-se a isto
confronta-se com a anima/animus. Passado este processo, o self (si mesmo) passa a se revelar além
das personificações humanas. O reconhecimento da própria sombra, a dissolução de complexos,
liquidação de projeções, assimilação de aspectos parciais do psiquismo, a descida ao fundo dos
abismos, em suma o confronto entre consciente e inconsciente, produz um alargamento do mundo
interior do qual resulta que o centro da nova personalidade, construída durante todo esse longo
labor,não mais coincida com o ego. O centro da personalidade estabelece-se agora no self, e a força
energética que este irradia englobará todo o sistema psíquico. A consequência será a totalização do
ser, e assim o indivíduo não estará mais fragmentado interiormente. O mundo do sujeito agora
alcança mais longe, prazeres e sofrimentos serão vivenciados num nível mais alto de consciência. O
homem torna-se ele mesmo, um ser completo, composto de consciente e inconsciente incluindo
aspecto claros e escuros, masculinos e femininos. ( Silveira, 1981)

2.1. Psicologia Analítica e Psicologia Sócio histórica: A constituição do sujeito e sua relação
com a aprendizagem

É importante a compreensão da formação da personalidade do indivíduo, assim como a sua


constituição como sujeito. Isto porque para compreender o processo em que o personagem do filme
se encontra deve-se levar em conta a fase de desenvolvimento, o momento no ciclo vital e também
as relações com a aprendizagem do sujeito. Para Vygotsky, que toma como base o desenvolvimento
do indivíduo como resultado de um processo histórico-social, existe uma estreita conexão entre
aprendizagem e desenvolvimento. Na experimentação com o ensino pode-se investigar a
formulação e o desenvolvimento dos aspectos conscientes das relações do homem com o mundo.
Assim como ocorre na presente pesquisa, em que parte do processo de individuação se dá nas
38

relações de ensino e aprendizagem.


Quando se fala em desenvolvimento pode-se pensar em progresso, crescimento ou até
mesmo ampliação, no que se refere ao desenvolvimento do homem. Para visualizar tal processo
pode-se seguir uma via pelos processos biológicos evolutivos ou pelas concepções da antropologia
cultural que buscam compreender o homem pela sua interação com a sociedade, como um ser
social. Ambas as teorias visualizam o desenvolvimento como um processo linear. O presente
trabalho busca ampliar esta visão, por isto, baseia-se nas teorias interacionistas, que possuem uma
visão de homem complexa, relacionando os aspectos biológicos e sociais. O desenvolvimento
humano é um processo dinâmico, que pode avançar ou retroceder dependendo da configuração de
diversos fatores relacionados. Este é um processo dialético complexo, que tem por características a
periodicidade, a irregularidade no desenvolvimento das funções superiores e inferiores, a
transformação qualitativa e claro, a inter relação de fatores internos e externos e por fim os
processos de adaptação às condições apresentadas pelo ambiente. (Lobo e Negrine, 2000)
Para Vygotsky o sujeito não se constitui de fenômenos internos e nem se reduz a um reflexo
passivo do meio. Este desenvolve-se nas relações sociais, nas quais a sua consciência é de natureza
social e cultural. O indivíduo possui um papel ativo nesta relação na qual constrói-se como sujeito,
transformando as relações sociais em funções psicológicas superiores. O autor rompe com o
paradigma de que o homem ou é controlado pela sociedade ou pela bagagem hereditária, trazendo
uma outra visão de homem, que possui funções psíquicas elementares, ditas como biológicas e
inconscientes e as superiores, conscientes como sociais. Considera desta forma, o homem como um
sujeito da sua vida e como um processo social, cultural e histórico. (Fichtner,1997; Vygotsky, 1991)
As funções psicológicas superiores são ações conscientemente controladas, como a atenção
voluntária, a memorização ativa, o pensamento abstrato e a ação intencional. As funções no
desenvolvimento da criança aparecem primeiramente no plano social e depois no plano psicológico,
sendo percebido inicialmente entre as pessoas e secundariamente no interior da criança. Assim , o
sujeito cria-se a si mesmo no interior das relações sociais. Sendo a consciência de natureza social e
cultural. Para Fichtner(1997) “ a consciência é no fundo um contrato social do indivíduo com si
mesmo e com a realidade.” (p. 153) Um sujeito é portanto o resultado da sua própria atividade, que
por meio de instrumentos e signos é histórica, social e cultural, sendo estes aspectos que separam
aquilo que é individual e social.
A constituição do sujeito se dá por esta interação com a sociedade e o indivíduo. A relação
entre sujeito e objeto é uma interação ativa do sujeito sobre este. Todas as formas de
desenvolvimento superiores se dão graças à interação social, ao contexto cultural. É fundamental a
mediação das formas superiores dos processos psíquicos, porque a vontade e a consciência precisam
39

de respostas, e de pessoas que as deem. Sendo estas respostas instrumentos psíquicos materializados
em forma de signos, e meios elaborados pela sociedade na sua história. Cada indivíduo transforma
no seu individual essas respostas em instrumentos para construir as suas próprias perguntas.
(Fitchner, 1997)
Ao representar a realidade, o homem opera de acordo como grupo cultural e com os signos
utilizados pelo seu grupo social em que se insere, e o símbolo básico para todos os grupos humanos,
é a linguagem, que é sistema simbólico de todos os grupos humanos e é vista por Vygotsky como
uma função social de intercâmbio, possibilitando ao homem a comunicação com seus semelhantes
indo além dos sons, gestos ou expressões. (Vygotsky, 1998; Fichtner, 1997)
Partindo da perspectiva vygotskyiana, o processo de transformação dos significados não se
extingue durante o desenvolvimento do indivíduo, pois há uma continuidade que tende a diminuir a
partir das experiências vivenciadas e estas são enriquecidas e influenciadas pelos conceitos
adquiridos na cultura e na aprendizagem em geral. A transformação dos significados das palavras
está relacionada ao significado propriamente dito e ao sentido, sendo que o significado é a
compreensão das palavras de forma objetiva, enquanto que o sentido varia de acordo com as
experiências vivenciadas por cada indivíduo. ( Vygotsky, 1998; Fichtner,1997)
No sentido da aprendizagem, o mundo social e as suas atribulações não são simplesmente
entregues ao homem, mas se apresentam a ele em forma de desafios que devem ser superados para
haver a sua compreensão, assim, o processo de apropriação do conhecimento é sempre ativo, como
algo que impulsiona o desenvolvimento humano. Este processo de apreensão, interiorização e
compreensão dos conhecimentos é parte da aprendizagem efetiva, na qual o sujeito tem a
necessidade de uma ação cognitiva em em relação ao conteúdo e ao significado da objetivação,
elaborando-o mentalmente, reproduzindo-o no nível do pensamento e, dessa forma, tornando-o
parte integrante de seu psiquismo, extensão de seu próprio ser. (Oliveira, 1991; Fichtner, 1997)
Para Jung, este processo de aprendizagem se dá na relação com os objetos, sendo que o
autor distingue dois tipos de atitudes em relação a estes: a extrovertida e a introvertida. Na atitude
extrovertida o foco de atenção está voltado ao objeto, a libido flui sem embaraços ao encontro do
objeto. Na atitude introvertida a atenção esta voltada para o mundo inteiro, a libido recua diante do
objeto, pois este parece ter sempre em si algo ameaçador que afeta o indivíduo. Esta relação com o
mundo externo em ambas as atitudes se dá por meio da consciência, sendo esta a função que
mantém a relação entre os conteúdos psíquicos e o eu. Se um objeto não está associado ao eu, esse
objeto é inconsciente. Portanto, qualquer conteúdo psíquico para se tornar consciente terá que ter,
necessariamente, relação com o eu. (Jung, 1921/1985)
Esta relação se dá pelos tipos psicológicos propostos por Jung, que considera que o processo
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de aprendizagem é uma experiência ímpar, construída sobre uma base que recebe influências
diversas. Jung( 1921/1985) descreve as funções da personalidade, em sensação, pensamento,
sentimento e intuição. Para o autor, o objetivo do desenvolvimento humano é a globalidade e o
equilíbrio das quatro funções que serão descritas mais especificamente logo abaixo.
A sensação como função psíquica é fundamentalmente irracional, refere-se à percepção
sensorial. Tendo constatado a presença do objeto na proximidade do sujeito, uma segunda função
traz a informação do que é esse objeto. Essa função de conhecimento, de conclusões intelectuais, é
o pensamento e constitui uma função racional. A impressão sentida no momento de contato com o
objeto é a intuição, uma função irracional pela percepção espontânea de vagas possibilidades,
caracteriza-se por ser uma percepção via inconsciente. A função do sentimento dita o valor do
objeto, é uma função racional que formula um juízo de valor acerca do objeto. (Santos, 1976; Jung,
1921/1985)
As funções racionais e irracionais excluem-se mutualmente no seu exercício: pensamento e
sentimento se opõem, assim como sensação e intuição. Cada pessoa utiliza de preferência uma
função que se torna dominante, deixando a sua função oposta numa indiferenciação próxima do
inconsciente. Sendo que cada sujeito é orientado por essas quatro funções para estabelecer relações
com o mundo exterior. (Santos, 1976)
Na obra “ O desenvolvimento da personalidade” (1910/1986), Jung afirma que a criança
possui uma psique extremamente influenciável e dependente, que se movimenta por completo no
círculo de pensamento advindo da psique dos pais, e que somente mais tarde, no decorrer de seu
desenvolvimento irá conseguir sair deste círculo e libertar-se. Este processo constitui a
individualidade do sujeito, sendo esta uma combinação de fatores coletivos, os quais na psique dos
pais se encontram potencialmente presentes. Não apenas o corpo da criança, mas também sua alma,
provêm da série dos antepassados, no sentido de que ela pode ser distinguida individualmente da
alma coletiva da humanidade. Ao referido, Jung fala dos arquétipos existentes na formação da
psique e a sua distinção no inconsciente coletivo.
A formação da consciência para a psicologia analítica ocorre de maneira semelhante à
formação desta para a psicologia sócio histórica A consciência vai sendo formada nos primeiros
anos de vida por um agrupamento de fragmentos, sendo este um processo que nunca se encerra no
desenvolvimento do sujeito. Esse desenvolvimento se dá pela relação de um processo inconsciente
com um processo consciente. A cultura é a consciência, sendo que inicialmente o sujeito possui uma
consciência primitiva seguindo para uma consciência civilizada. Neste aspecto nota-se uma
percepção de homem em seu estado natural e em seu estado modificado pela cultura, admitindo-se
as duas visões na constituição do sujeito. (Jung, 1910/1986; Albertini e Freitas, 2009)
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Na visão da psicologia analítica o ser humano já nasce com uma certa estrutura psíquica,
algo herdado pela humanidade, a esta estrutura chama-se arquétipos que contém em seu interior o
potencial do processo de individuação. Os arquétipos são expressos desde a concepção do sujeito
por meio de imagens primordiais advindas do inconsciente coletivo, sendo este último
primordialmente criativo. O sujeito, portanto, desenvolve-se a partir desta matriz inconsciente
arquetípica. ( Albertini & Freitas, 2009)
Quanto às funções superiores indicadas por Vygotsky, Jung comenta acerca de conteúdos
psíquicos que são produzidos ou causados por um ato de vontade, sendo produtos de uma atividade
que parte de uma intenção , portanto consciente. Porém, a vontade não está fundamentada apenas na
consciência, já que é um fenômeno próprio do sujeito que deseja, lembrando que este sujeito tem
uma base inconsciente e que a consciência é uma função da psique inconsciente. “O sujeito da
consciência, denominado "eu", é constituído, em parte, das disposições herdadas (os constituintes
do caráter) e, de outra parte, das impressões adquiridas inconscientemente, bem como de suas
manifestações subsequentes.” (Jung, p.86, 1910/1986)
Condensando os conceitos aqui discutidos acerca da constituição do sujeito e suas relações
de aprendizagem, nota-se que há uma complementaridade entre Vygotsky e Jung, observando que
ambos percebem a aprendizagem de maneira complexa. Isto porque entendem esta última como um
processo contínuo que se relaciona com a parte biológica e social dos indivíduos, sendo um sistema
de relações que dependem de fatores diversos. Tais fatores podem ser conscientes, inconscientes,
internos, externos, sociais, individuais, familiares, temporais, enfim, uma série de aspectos
correlacionados para uma aprendizagem efetiva, processo propulsor do desenvolvimento humano
que aprende com a relação com o mundo externo a partir de seus conteúdos internos e vice e versa.

2.2. Expandindo conceitos: A meia idade

Após a compreensão de como se dá o processo de aprendizagem e de constituição do


sujeito, é importante verificar em que momento de vida este se encontra, contextualizando-o de
acordo com o período do ciclo vital que está passando. Como este trabalho foca-se no processo de
individuação, e levando em conta que este processo ocorre na segunda metade da vida, cabe aqui
caraterizá-la e comentá-la nas visões sistêmica, junguiana e eriksoniana. Foram escolhidas estas
linhas de pensamento devido à convergência de informações e conhecimentos que juntos
enriquecem a compreensão acerca desta fase da vida.
A idade madura é a fase mais longa do ciclo vital, conforme afirmam Cerveny &
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Berthoud(2002), pois envolve diversas transformações nos membros da família, os filhos vão tendo
uma autonomia maior, começam a sair de casa, novos membros entram na família. Estes são apenas
alguns aspectos citados por alto, referentes ao que ocorre na família neste período. As autoras
referem que neste período são encontrados quatro fenômenos psíquicos que podem ser observados
na família . O primeiro deles é a remodelação das relações.
Neste fenômeno há uma modificação na relação com os filhos e com o cônjuge. Com os
filhos ou porque estes já estão adultos, ou estão na adolescência. A atitude com ambos é diferente e
influi certamente nesta relação. Para os filhos, passam a estabelecer novos objetivos na vida, vão
passando para a vida adulta com suas atribuições e responsabilidades. Para os pais, passam a rever a
parentalidade, fazem um balanço daquilo que deu certo, de como agiram com os filhos e
dependendo, surge um sentimento de gratificação, de dever cumprido. Porém surge uma nova forma
de exercer a parentalidade, sendo esta mais à distância, mais livre. Podem surgir sentimentos de
saudade, sensação de vazio e de desintegração da família. (Cerveny & Berthoud, 2002)
Quanto ao casal, cria-se um novo sentido da relação advinda da maturidade, dos
acontecimentos com os filhos, os valores são diferentes, e a vida tem um novo sentido. Neste
processo avalia-se o casamento, verificando os erros e os acertos, há uma maior liberdade de ação, a
redescoberta do outro, o prazer ou não de estar com o cônjuge, havendo uma maior atenção em
relação ao outro. Pode haver ainda a transformação do ideal romântico inicial em um
relacionamento maduro baseado na cumplicidade, companheirismo, no reconhecimento dos defeitos
e das qualidades, respeitando a liberdade do outro, sendo mais flexível, cedendo, dentre outros
aspectos. A partir disto alcança-se uma consolidação do casamento. Claro que, se o casal se dá conta
do contrário, com os conflitos evidenciados , divergências de ideias, falta de comunicação, mundos
muito diferentes e grande afastamento, o casal acaba por romper com o laço conjugal. (Cerveny &
Berthoud, 2002)
O segundo fenômeno observado na família nesta fase da vida é a adaptação às mudanças.
Todos incorporam novos papéis, tomam consciência da finitude, das fragilidades, dos limites da
vida e da parentalidade. Há uma mudança de rotina, de realidade. Pode haver também a ampliação
ou a consolidação do grupo de amigos. O terceiro fenômeno caracteriza-se por enfrentar desafios,
buscando aqui finalizar uma missão, encaminhando os filhos, dando apoio a estes. Para o
entendimento desta fase, os pais passam a buscar recursos internos para um maior diálogo,
cooperação e união, e externos em outras atividades, auxílio profissional ou religião. (Cerveny &
Berthoud, 2002)
No quarto fenômeno passa-se a olhar para o futuro, rumo à próxima fase do ciclo vital.
Busca-se então uma maior qualidade de vida, cuidando da saúde, dos hábitos, buscando
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tranquilidade e curtindo a vida de outra maneira. Busca-se novos objetivos na vida, há também o
sentimento de fortalecimento, devido à liberação das pressões, podendo ativar a energia para as
coisas que realmente importam. Na fase madura, muitas recordações passadas retornam ao presente,
via escolhas não realizadas, ou sentimentos que são retomados. Por isso, as pessoas buscam coisas
para fazer diferentes daquilo que faziam, mudam de atitudes, tentam consertar as coisas para não
ficarem perdidas. (Cerveny & Berthoud, 2002)
Por volta dos quarenta anos de idade, entende-se que o adulto chegou a uma fase
intermediária do ciclo vital, sendo considerado portanto, como adulto de meia idade. Neste
momento de vida, o adulto apresenta uma diminuição na sua capacidade física e uma grande carga
de experiências vividas. Este período é caracterizado também pela introspecção, como um preparo à
fase posterior que é a velhice. Assim, o sujeito passa a analisar as suas experiências, escolhas e
também o controle de sua vida. ( Bee, 1997)
Seguindo a categorização de Erikson acerca do desenvolvimento psicossocial do indivíduo,
correlacionando com a meia idade, caracteriza-se a relação entre geratividade versus estagnação.
Esta é a sétima crise normativa pela qual a pessoa é submetida pela vida. A geratividade é a
preocupação com a geração posterior, em estabelecê-la e guiá-la. Ao homem há uma necessidade de
sentir-se útil, por isso deste interesse no outro. Outra forma de geratividade é o olhar para si mesmo,
fazendo algo produtivo para o autodesenvolvimento. Esta produtividade pode se estender ao
trabalho, às artes, estudos, política, música, dentre outros, o que dependerá da criatividade do
sujeito. (Papalia, Olds & Feldman, 2006; Erikson, 1976)
Quando o indivíduo deixa de ser produtivo, e ao invés de desenvolver estas necessidades
fica acomodado, chama-se de estagnação. O indivíduo passa a se dar conta daquilo que não fez, das
coisas que não valeram a pena, enfim chegam os arrependimentos. Então o indivíduo passa a ficar
absorto em si mesmo, ou entregue aos próprios prazeres ou inerte ou inativa. Por isso a cultura no
geral incentiva as pessoas a manterem-se ativas para que justamente possam passar por este período
de maneira produtiva e enriquecedora, também para a manutenção da cultura em que se repassam
valores e cria-se um sentimento de cuidado maior. (Papalia, Olds & Feldman, 2006; Erikson, 1976)
Ao contrário de Erikson, que compreende este período como um voltar-se ao exterior, Jung
entende o período da idade madura como um voltar-se ao interior. Para que o indivíduo tenha um
desenvolvimento saudável neste período, deve passar pelo processo de individuação, ou seja,
integrar ou equilibrar as partes conflitantes de sua personalidade para a emergência do verdadeiro
self. Este é um processo doloroso, pois deve-se entrar em um conflito, uma transição que exige
esforço do indivíduo, pois antes desta fase o sujeito está preocupado com outras questões, no caso
do homem está mais voltado às suas realizações. Assim passa por um questionamento, podendo
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mudar de postura e até perder a referência por um dado momento, algo necessário para o
crescimento pessoal e desenvolvimento da personalidade. Nesta integração das partes, o homem
torna-se mais introspectivo devido ao surgimento da noção de mortalidade, sendo este o input de
toda a dita crise de meia idade. (Papalia, Old & Feldman, 2006)
Para o adulto maduro, a expansão da vida não é mais evidente, esta já volta-se para o fim,
tendo portanto que encontrar novas formas de se viver, algo que exige do sujeito a simplificação,
limitação e a interiorização, exigindo uma cultura individual. A sociedade não pretende a educação
desta população, que deve, sozinha, encontrar aquilo que lhe supra as necessidades. Isto porque já
não tem necessidades prioritariamente biológicas, mas principalmente culturais, a energia disposta
passa a sair para a via cultural. ( Jung, 1928/2002)
Jung explica o processo que ocorre com o sujeito em duas maneiras. Uma voltada às
necessidades externas e biológicas e outra voltada às necessidades internas e culturais. A progressão
é um processo contínuo de adaptação às condições do meio externo, e está relacionada à
necessidade vital de adaptação a este meio. Esta necessidade faz com que o indivíduo oriente-se
para as condições do meio, reprimindo as tendências que servem ao processo de individuação. Já o
processo de regressão, é voltado ao mundo interno, uma adaptação às condições interiores, tendo
como necessidade vital a de satisfazer as exigências da individuação. Jung refere que:
O homem não é uma máquina, no sentido de que poderia manter
constantemente a mesma produção de trabalho; pelo contrário, só poderá
corresponder plenamente às exigências da necessidade exterior de maneira
ideal, se se adaptar também a seu próprio mundo interior, ou seja: se entrar
em harmonia consigo mesmo. E, inversamente, só poderá adaptar-se ao seu
próprio mundo interior e estar em harmonia consigo mesmo, se se adaptar
também às condições do mundo exterior. (p. 28, 1928/2002)
A sociedade apresenta ao sujeito alguns símbolos que representam os sistemas e
organizações na sociedade. Estes símbolos auxiliam na transformação da libido que opera através
do símbolo. Este capacita o homem a ter uma posição espiritual, oposta à sua natureza instintiva,
sendo este um exemplo de atitude cultural. A atitude cultural refere-se ao investimento da energia
excedente da libido, que encontra formas criativas ou de simbologia coletiva para a sua expressão.
Um avanço cultural advém de uma ampliação da consciência, um dar-se conta realizado apenas pelo
advento de uma diferenciação. Sendo assim todo avanço inicia-se com a individuação, ou seja, com
o dar-se conta da diferenciação, para tal o sujeito deve retornar a si mesmo e tomar consciência
deste processo.
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MÉTODO

Delineamento

Na pesquisa que investiga as contribuições da dança para o autoconceito do sujeito, optou-se


por um delineamento qualitativo, em uma pesquisa descritiva e exploratória. Esta escolha justifica-
se por buscar uma descrição dos fenômenos relacionados à dança em uma perspectiva junguiana, de
acordo com os objetivos da pesquisa, em material científico disponível. Visto que não foi
encontrada uma boa quantidade de material desta temática, far-se-á uma exploração deste campo de
investigação, caracterizando, portanto, uma como uma pesquisa exploratória.

Fontes

Foi analisado o filme Shall we dance (Weinstein &Weinstein & Chelsom,2004), o qual conta
a história de um homem bem sucedido, que começa a dançar motivado por uma professora de
dança, pela qual, aparentemente apaixona-se. Começa a fazer as aulas de dança e se descobrir, passa
a relaxar e aprender a dançar, com o intuito de conquistar a professora. A escolha deste filme se deu
devido a mudança realizada pelo personagem, o que faz com que este se descubra e possa, desta
forma sentir-se bem consigo mesmo, melhorando diversos aspectos em sua vida pela dança. Isto
mostra que há uma contribuição da dança no autoconceito do sujeito, ou melhor, que isto auxilia em
seu processo de individuação, aspecto que foi analisado no filme em questão.

Instrumentos

Neste trabalho, que busca identificar as contribuições da dança no processo de individuação


do sujeito, visualizadas por meio de análise do filme Dança Comigo (Fields; Weinstein; Tyler &
Chelsom, 2004). Os dados presentes no filme, foram tabulados em uma ficha catalográfica com os
seguintes itens: a)tempo do filme; b) descrição do cenário; c) descrição dos personagens; d) ações
dos personagens; e) falas principais. ( Ficha em Anexo 1 e cenas catalogadas em Anexo 2)

Procedimentos

1) Visualização do filme Dança comigo (Fields; Weinstein; Tyler & Chelsom, 2004); 2) Seleção das
partes mais relevantes para responder ao problema de pesquisa; 3) Seleção das cenas, das falas e
momentos mais relevantes; 4) Seleção do(s) personagem(s) mais relevante(s); 5) Seleção das
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imagens mais relevantes ; 6) Preenchimento das fichas catalográficas com os dados coletados; 7)
Transposição dos dados contidos nas fichas catalográficas para a planilha eletrônica; 8) Verificação
da relevância dos aportes teóricos ; 9) Reformulação da análise; 10)Organização dos resultados em
categorias; 11) Interpretação dos dados tendo por base o referencial de análise escolhido; 12)
Discussão dos resultados e elaboração das considerações finais do trabalho; 13) Conferência e
adequação às normas da American Psychologycal Association.

Referencial de Análise

O referencial de análise escolhido é a análise de conteúdo, baseada no enfoque proposto por


Laville e Dionne (1999). Seguindo o conceito de que a análise de conteúdo é uma atividade
interpretativa na qual o pesquisador busca, extrair do texto, sentidos que também o transcendem,
observando os aspectos imagéticos e miméticos além do texto. No caso do presente trabalho, o tema
fundamental foi a vivência de dança pelo personagem principal do filme “ Dança comigo”. A partir
do discurso transcrito do filme, de suas cenas , realizou-se uma seleção das cenas de acordo com
os objetivos do trabalho, sendo esta uma dimensão teórica, atenta aos conteúdos explicitados no
discurso, mas também aos aspectos presumidos. Os resultados e a sua discussão são apresentados
conforme aparecem no filme, de acordo com as etapas do processo de individuação junguiano, os
dados são analisados a partir da Psicologia Analítica e de uma compreensão construída a partir da
intertextualidade entre o discurso dos personagens do filme, a escrita da acadêmica e os textos de
teóricos com os quais aqui dialoga, entendendo que na tarefa analítica, toda interpretação é o
correlacionamento de dado texto com outros textos.
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APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O filme trata da história do personagem principal John , e dos personagens coadjuvantes na


história quanto às suas relações com a dança de salão. Apresenta mudanças na vida dos
personagens, e nele pode-se encontrar diversas cenas e falas que respondem ao problema de
pesquisa. Encontrar as contribuições da dança no processo de individuação do sujeito é uma tarefa
longa, que exige um caminho definido para tal. Um pequeno trecho deste caminho é aqui definido
pelas categorias construídas a partir do filme, correlacionando com os aportes teóricos, ou seja, com
aquilo que já é presumido pelo pesquisador.
As categorias são definidas aqui de acordo com a teoria junguiana em consonância com as
etapas do processo de individuação. Tendo o sujeito como base de análise, deve-se perceber a
história do sujeito de pesquisa. No caso do filme, foi estudado mais aprofundadamente a história
que se passa com o personagem principal do filme, por ter mais dados a serem verificados. Para
observar um processo de mudança, é necessário conhecer a história anterior de um indivíduo, assim
como acompanhar o processo e verificar o resultado final para fazer um comparativo dos resultados.
Assim, apresenta-se a primeira categoria a ser analisada que é o sujeito de pesquisa. O sujeito da
pesquisa trata-se de um filme, cujo personagem principal trata-se do que Baktin chama de herói,
aquele que irá contar a sua história. A categoria aqui disposta também analisa o filme como um todo
verificando a sua relação com o ambiente externo ao qual se encontra, ou seja, com o expectador e a
sociedade contemporânea. Este primeiro momento, trata-se portanto de uma contextualização do
objeto de pesquisa.
A segunda categoria é o estopim do processo de individuação. Quando se percebe o seu
início? No princípio da história apresentada pelo filme e nos discursos dos personagens, este é um
aspecto que começa a tomar forma logo ao conhecer o personagem principal. Este aspecto inicia a
correlação básica da pergunta de pesquisa com a dança. Chama-se à procura de um par – quando o
questionamento encontra a dança. Esta categoria busca identificar de que forma a dança está
relacionada com o processo criativo do personagem principal correlacionando com seu processo
interno de questionamentos acerca de si mesmo e daquilo que o cerca.
A terceira categoria trata-se das máscaras vestidas pelos personagens e a sua descoberta.
Chama-se Baile de máscaras: o desvelar da persona e a sombra por trás das máscaras. Esta
categoria inicia o processo de individuação propriamente dito, visto que trata-se de um processo,
contínuo e atravessado por etapas, esta é uma das que se encontra na primeira camada das relações.
A palavra persona é designada por ser como uma máscara, utilizada antigamente por atores para
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identificar e assinalar o papel representado na peça. Assim é algo que é identificado pelo outro, uma
veste que dá uma certa identidade ou identificação para outrem. A persona tem dois lados, um da
ordem coletiva e outro da ordem individual. Ela é uma máscara que somente aparenta uma
individualidade, na tentativa de convencer aos outros e a si mesma que é individual, quando não
passa de um papel desempenhado por meio do qual a psique coletiva é reproduzida. Destarte, a
categoria em questão faz uma correlação desta parte do processo com a coletividade do sujeito e as
implicações da retirada desta máscara em seu meio social. Lembrando que “A meta da individuação
não é outra senão a de despojar a si-mesmo dos invólucros falsos da persona, assim como do poder
sugestivo das imagens primordiais.”(Jung, p. 61, 1916/2008) O desvelar da persona deixa com que
o indivíduo entre em contato com o seu lado negativo, com o rosto que ainda não havia visto sem as
máscaras, trata-se do que Jung chama de sombra. Este é outro aspecto importante no processo de
individuação, percebido em alguns momentos do filme, em que aparecem faces do personagem
desconhecidas por ele mesmo, que demonstram parte de sua sombra e como se dá a relação deste
com esta camada de seu inconsciente.
A quarta categoria trata do sujeito e a sua relação com o feminino. Chama-se Anima:
Aquela dama interior. Esta categoria aparece no filme nas relações do personagem consigo, com o
feminino e as suas projeções realizadas. A partir da relação com a anima percebe-se todo o processo
do personagem, a sua evolução e como este confronto aparece na vida de John, o que modifica em
sua pessoa. Esta categoria discute além disto como a dança influi nesta relação.

1. O sujeito da pesquisa

Cabe iniciar esta análise contextualizando o sujeito de pesquisa, na compreensão e


entendimento deste como um todo complexo. Desta forma, para a compreensão da escolha do
sujeito, assim como as suas implicações no meio social, a presente análise correlaciona o filme com
a realidade em que se encontra e o personagem nesta inserido. Parte-se então da relação do filme
com a realidade atual, seguindo para a análise do personagem em seu momento de vida, partindo
das suas relações com o social no sentido dos seus relacionamentos conjugais, organizacionais e
familiares, assim como a relação com a sociedade no geral. São aqui apresentadas as características
do personagem de acordo com os pressupostos teóricos junguianos.

1.1. O filme e a sua interação com o ouvinte

O filme em questão encontra-se em um meio termo, entre diversão e a concentração, sendo


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mais voltado à diversão do que propriamente à concentração, assim é algo que parte da expressão
atual, e que principalmente atinge a todos os públicos. O que se pode notar no filme, e que será
discorrido mais adiante, é que muito do que se encontra ao fundo dos diálogos produzidos e até
mesmo na própria figuração de cena, é aquilo que está na realidade das pessoas, no seu cotidiano,
que traz à tona aquilo em que se está submerso. O real é visualizado, trazendo a sensação de
normalidade, algo plantado pelo sistema econômico em que se está inserido, e que faz com que o
público permaneça em seu estado de dispersão, mas que no discorrer pode se dar conta de outras
coisas se conseguir olhar para fora deste estado, concentrando-se na trama.

Para compreender a escolha do filme e mesmo do personagem, pode-se utilizar da definição


de romance bakhtiniana que sugere diversos tipos de romance. Dentre estes está o romance de
provas que é construído como uma série de provas às quais o protagonista é submetido. Sendo
postos à prova aspectos do seu caráter, virtudes, dentre outros. Neste tipo de romance o mundo é um
pano de fundo para os acontecimentos que se passam na vida do herói, sendo estes os principais
aspectos do romance. O herói é sempre dado com uma imagem rígida com qualidades que são
verificadas e postas à prova no decorrer da história. São três as tipologias dos romances de provas,
de influência grega, do cristianismo e por fim barroco . Este último é o estilo do qual se trata o
filme analisado, que se enquadra em uma evolução do romance barroco chamada de romance
sentimental patético psicológico que heroifica a pessoa simples que vive no cotidiano comum.
Sendo o romance barroco a mais pura variante do romance de provas, tendo as características
supracitadas bem definidas em seu enredo. No filme percebe-se a heroificação da pessoa comum
como o caso do personagem principal, um sujeito de meia idade, casado, com filhos, que de repente
inicia questionamentos quanto a si mesmo e demonstra aquilo que ele pode fazer para descobrir-se.
Sua vida demonstrada na história é perpassada por provas que o confrontam a questionamentos
quanto aos seus valores, princípios e aquilo que ele é. (Bakthin, 1997 )

O enredo do filme constitui fatores que fogem à normalidade daquilo que o personagem
principal estava habituado a viver. Parte de um desvio em uma parte de sua vida para mais adiante
retornar à vida cotidiana com a qual estava habituado a viver, claro que com as mudanças advindas
deste desvio. Como refere Bakthin(1997), que o enredo, neste tipo de romance, é sempre construído
sobre um desvio em relação ao curso normal da vida dos heróis, acerca de acontecimentos
excepcionais e situações tais que não existem na biografia típica, normal e habitual dos homens.
Estes acontecimentos servem, na realidade, para demonstrar uma distância entre momentos da
biografia do herói, para refrear o desenvolvimento normal da vida sem uma grande modificação.
Por isso percebe-se no filme acontecimentos inesperados e inéditos, difíceis de acontecer na vida
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real. O filme e a categoria em que se enquadra de romance, inicia onde o desvio começa e termina
onde a vida retoma o seu curso.

È importante observar que este enredo não admite uma grande modificação no curso da
vida. Claro que ocorrem modificações, mas nada que altere a vida, não é criado um novo tipo de
vida, podem ser modificados aspectos da personalidade que trazem uma mudança sim, mas não algo
que traga um fator limite determinado por condições modificadas de vida. Transpondo este conceito
ao filme, entende-se que neste o personagem inicia um processo de olhar para si mesmo, que
psicologicamente traz modificações na forma de pensar, de agir. Este trata-se de um processo que
vai ocorrendo naturalmente a partir de uma busca deste personagem.
O filme gira todo em torno do personagem John. Nota-se que o mundo que o cerca, as
pessoas e histórias ocupam um lugar de pano de fundo, em que se percebe o ambiente e as pessoas,
mas sem ênfase em suas histórias, sempre para contrastar com a vivência do herói. O tempo
retratado não obedece à forma natural, os acontecimentos ocorrem e não se percebe quanto tempo
se passou, pois este é dotado de uma percepção subjetiva e de duração curta. O papel do herói neste
tipo de romance é restrito às provas das quais ele têm de aguentar, sendo assim, este não modifica a
face social do mundo, até porque não o pretende. Assim, o filme enfoca em um trecho da vida do
personagem, sendo esta uma força organizadora que permite tratar com profundidade aquilo que o
rodeia, associando aos aspectos cativantes da aventura os problemas internos e as complexidades
psicológicas do personagem. (Bakhtin, 1997)

1.2. O personagem e seu momento de vida

A prova principal do filme é a de conhecer a si mesmo, saber o que lhe faz falta e alcançar a
isto, ou ao menos buscar aquilo que lhe faz falta naquele momento de vida. Trata-se de uma busca a
partir do externo de algo interno. Subjacentes a esta busca, são postos à prova os aspectos de pureza
ideal do herói e de fidelidade no amor, o personagem demonstra uma firmeza de caráter, sendo este
praticamente imutável, ou seja, a sua essência não é modificada, mas despertada em alguns
momentos do filme. Por tal motivo é importante frisar que o filme se enquadra na pergunta de
pesquisa no sentido que o processo de individuação é um vir a ser, uma descoberta de si mesmo,
daquilo que realmente é. E isto em um dado momento da vida do sujeito que se dá a partir da
segunda metade da vida, justamente a faixa etária em que o personagem principal do filme se
encontra.“Todos aqueles momentos da vida individual em que as leis gerais do destino humano
rompem as intenções, as expectativas e concepções da consciência pessoal são, ao mesmo tempo,
51

etapas do processo de individuação.” (Jung, p. 116, 1927/2000) Sendo o romance de provas


apresentado por um trecho de vida do personagem, e, entendido este trecho como uma etapa do
processo de individuação, pode-se perceber discretamente, as diversas etapas deste processo e como
ocorrem na vida do personagem, assim como as contribuições da dança no decorrer deste processo
como um todo.
No decorrer deste processo, a idade do personagem também foi observada, sendo que na
força da idade, o homem ainda se sente jovem e longe da velhice e da morte. Mas, a partir dos trinta
e seis anos ele ultrapassa a suposta metade de sua vida, sem tomar consciência da sua importância.
Se é um homem cuja disposição íntima e cujos dotes não toleram um grau muito acentuado de
inconsciência, pode ser que o reconhecimento da importância deste momento lhe advenha sob a
forma de uma imagem arquetípica. Poderá procurar entender o sentido desta imagem, sendo que
esta serve de figura coletiva pois tem a finalidade de exprimir um problema que se repete
eternamente e não um desequilíbrio pessoal. (Jung, 1927/2000)
No sentido arquetípico, o que observa-se no filme é uma reiteração do herói transposto para
o sujeito do cotidiano, representado pelo personagem John. Trata-se do mito do herói e sua
significação no contexto atual. O personagem representa um herói que tem em seu fundamento um
mito, dado como uma figura arquetípica presente no imaginário de todos os seres humanos,
independente da cultura a que pertencem. Trazendo a cultura atual, o personagem representa este
mito na contemporaneidade, pois sai de uma visão tolhida e alienada da vida para uma visão
amplificada, vencendo seus preconceitos e temores. Como sujeito, o personagem, quando
defrontado com esta figura arquetípica trata de esforçar-se para afirmar a sua personalidade no meio
em que vive. Isto ocorre também no sentido do espectador, que ao identificar o mito representado
pelo personagem, esforça-se para estabelecer uma identidade coletiva. Este aspecto envolve o
espectador no sentido que o desperta a desenvolver em si o conhecimento de suas fraquezas e forças
de uma maneira geral, para que este esteja preparado às atribuições e difíceis tarefas impostas pela
vida. ( Henderson, 1964)
Na cena inicial começa-se a conhecer o personagem e a realidade em que este está inserido.
Nesta cena aparece John ao meio de uma multidão, trafegando nas ruas, indo para o trabalho,
chegando no prédio, cumprimentando as pessoas do trabalho, depois, sentado em uma mesa de
escritório, depois descendo uma escada rolante e logo aparece dentro do trem retornando do labor
ao meio de muitas pessoas. Percebe-se nesta a vivência em forma de choque, em que as pessoas
automaticamente dirigem-se aos seus trabalhos, casas, compromissos de modo autômato, rápido,
corriqueiro. Na esfera do cotidiano, o choque é uma realidade sem escapatória para o homem que
enfrenta as multidões nas grandes cidades. Os gestos repetitivos, carentes de sentido aparecem na
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rua, assim como aparecem dentro das empresas. A cidade exige do transeunte uma atenção bastante
aguçada, pois somente desta forma ele pode se proteger dos perigos e ameaças a que está sujeito. O
homem imerso na multidão não consegue refletir , pois está concentrado na interceptação do choque
e atento aos perigos imediatos que o circundam, ele reage como um autômato, privilegiando a
vivência em detrimento da experiência. Deixando-se conduzir pelo ritmo de massa, o homem
moderno é obrigado a caminhar por um tempo que está reificado e que faz dele um objeto sem
memória e sem história, utilizando-se aqui o conceito de reificação como a representação do ser
humano em um objeto físico privado de qualidades individuais, como uma despersonalização .
(Jobim e Souza, 1994)
Sendo assim, o mundo em que o personagem John está inserido supõe a alienação do sujeito
que concentrado em seu trabalho e compromissos, submerso na multidão, não consegue olhar para
fora, ou para si mesmo, não consegue refletir sobre o que se passa consigo e com os outros ao seu
redor. Isto não ocorre somente com ele, mas mostra-se em todos os personagens que estão imersos
na mesma realidade. Destarte, o enunciado do personagem parte de um ambiente que possui
características já dadas e formatadas na realidade. Percebe-se em que meio econômico e social o
personagem está inserido, podendo-se relacionar com o mundo atual em que o espectador está
também submerso. Segue a narrativa que se passa:
1 milhão e meio de pessoas andam de trem todos os dias. Em mais de 20
anos já escrevi testamentos para umas 8 mil dessas pessoas. Sentava com
elas enquanto falavam de seus bens, imaginando que filho ficaria com o
quadro da lareira, quem levaria a coleção de colheres antigas. Últimos
agradecimentos, partilhas, confissões... As pessoas tentam resolver tudo.
Quando eu termino, outra vida é recapitulada, bens e dívidas calculados, e,
depois, zerados. Rubrica aqui e ali e assinatura embaixo. Depois, como com
a maioria dos clientes, você sorri e ele faz a pergunta que ouço há 20 anos:
"Então, É só isso?" Eu digo que com a papelada sim. O resto é com você.
(cena 1)
Na fala do personagem este traz uma percepção do seu trabalho, demonstrando o que ele
faz e há quanto tempo faz o mesmo trabalho, semelhante ao estar ao meio da multidão, onde as
coisas se repetem e não se detém a pensar naquilo que está fazendo devido ao modo automático em
que as pessoas estão colocadas. Assim, pode-se analisar que o discurso do personagem advém da
cultura e do meio em que está inserido, demonstrando a sociedade capitalista que nega a mediação
humana entre o sujeito e o objeto. O trabalhador tem uma relação com o seu trabalho como se lhe
fosse algo externo, isto é, o trabalho torna-se algo como que coisificado, transformado em uma
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alienação à vida, ao invés desta propriamente dita. Este trabalho alienado transforma o homem
social em um ser alheio a este meio, sendo esta uma forma de existir individualmente. O que indica
o culto ao individualismo, em vias opostas ao coletivo e ao homem social. A liberdade tomada
pelos indivíduos aparece como algo natural e os laços sociais parecem artificiais, impostos de fora.
Este modo de vida do capitalismo enfatiza cada vez mais a privacidade, esta em que o indivíduo se
refugia no seu mundo privado autônomo. Este culto ao eu, equivale ao culto de um eu alienado,
simplista porque o verdadeiro eu do ser humano é um eu social, definido em termos de relações
interpessoais, sociais, imensamente complexas e específicas. A alienação discorrida no presente
surge como um divórcio entre o individual e o social, o natural e o autoconsciente. (Jobim e Souza,
1994; Benjamin, 1987)
O personagem está inserido nesta realidade descrita por Benjamin(1987) como alienada, que
tem por características principais o não-pensar, o falso e o artificial. O que seria de uma realidade
não alienada portanto, seria a integração do individual e social, o natural e o autoconsciente, ou seja,
elementos integrados que formam uma unidade complexa. Algumas pessoas na sociedade
conseguem se dar conta da realidade do choque, tendo uma capacidade de reagir à atrofia da
experiência, geralmente por meio da arte. Posto que o homem comum não tem energias para a
reflexão, este sujeito, a princípio, não toma consciência de nada , e está em uma posição de saber
em que nem precisa fazê-lo, pois supõe que o único que pode realmente cometer faltas é o grande
anônimo, ou seja, a sociedade ou o estado em um âmbito maior e alheio ao sujeito. Tem o
privilégio, desta forma, de nunca ser apontado como culpado das grandes catástrofes políticas e
sociais em que o tudo a sua volta se encontra submerso. Assim, cada vez mais o homem está sujeito
à reificação, abrindo um abismo entre o homem social e o homem alienado. (Jobim e Souza, 1994;
Jung, 1927/2000)
Outro aspecto interessante neste discurso inicial é a forma com que o personagem
caracteriza e formaliza o seu trabalho, definindo a ele uma categoria e um procedimento, como se
ele trabalhasse com uma máquina ou algo do gênero. Há um padrão e uma repetição naquilo que ele
faz. As vidas de seus clientes são coisificadas e guardadas em um monte de papéis, sentimentos e
bens são arquivados juntos , sendo a vida resumida a um singelo monte de papel. As oito mil
pessoas de quem o personagem fala, aparecem como dados de uma produção, transformando em
número o seu trabalho, coisificando-o, assim como o meio faz com ele. Este aspecto demonstra
claramente a realidade contemporânea do personagem. Ao meio da vida em papel e dos
procedimentos, o personagem tem algo de criativo, por mais que ele ouça sempre a mesma pergunta
e responda sempre o mesmo, ele tem algo a dizer ao seu cliente, o que pode gerar algo novo no
outro. Mas pelo discurso, percebe-se inicialmente que o personagem não se dá conta desta
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possibilidade.
Em suma, o personagem encontra-se em uma realidade de choque da qual não se dá conta,
submerso em um mundo no qual o trabalho é algo repetitivo assim como a sua vida em família, as
pessoas tem pouca relação entre si, sendo esta uma relação artificial. Este último aspecto é
representado pela cena 5 em que John pede à Beverly se podem ir ao cinema, esta lhe responde que
talvez possam ler as sessões do jornal juntos ao menos. Ou seja, o casal mal tem tempo para curtir a
presença um do outro. Aqui percebe-se claramente algo rotineiro na relação do casal assim como
aspectos de desgaste do casal. Segundo Jung(1986), a mudança passa a decorrer com a segunda
metade da vida, sendo este um período de grande importância psicológica. A vontade do indivíduo
vai se identificando mais e mais com os motivos inconscientes, a pessoa começa a introduzir a vida
nas coisas até que estas a ultrapassem, havendo um sentimento de ser ultrapassado pelos filhos e
pelas suas criações.
Na cena 2 em que o personagem John está de aniversário celebrando com a família, esse
aspecto fica claro pois nota-se que cada um dos membros fica fazendo as suas coisas, a celebração é
algo simples, rotineiro sem uma grande festa.. Ali a filha está ao telefone e todos pedem que ela o
desligue, pois é hora de cantarem os parabéns para o pai. John canta os parabéns e refere não
compreender o porquê do comportamento da filha. Outra cena que pode ilustrar o sentir-se
ultrapassado pelos filhos, é quando John está em casa e sua filha está brincando com as amigas na
cozinha, de fazer magias e estas coisas. O personagem é rechaçado pelas meninas que lhe atiram
almofadas. Ele brinca com isto, mas isto ocorre logo depois de ele despedir-se da mulher que tem
uma reunião para ir, fica portanto sozinho.
Mais uma cena que ilustra este aspecto é a cena 13 em que John encontra o seu filho na rua
quando está decidindo ir ou não para a escola de dança, e o filho o convida a ir a uma festa para
apresentar-lhe a namorada. John decide ir e lá o filho dança com a sua namorada e quando ele é
convidado a dançar ele responde que sim e vai para a escola de dança. Aqui também percebe-se que
o filho supera o pai, o filho está dançando com a sua namorada, quando também o que John queria
era dançar, mas à sua maneira.
Na cena 4 John percebe algo de diferente em seu caminho, algo que lhe foge a rotina, uma
novidade lhe aparece agora. Antes disto nada lhe havia surgido de novidade, as coisas seguiam o
seu caminho, a rotina sempre a mesma, como percebe-se nas cenas citadas em parágrafos
anteriores. Jung (1910/1986) ilustra este aspecto dizendo que o meio da vida é um tempo de
desenvolvimento máximo em que a pessoa está trabalhando com força total e com vontade ainda,
mas aí começam os questionamentos. A paixão muda o seu aspecto de novidade e passa a ser um
dever, aquilo que antes era um querer torna-se uma obrigação, as ruas, os caminhos, o trabalho
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nada mais são do que rotina. Assim desenvolvem-se tendências conservadoras e ao invés de olhar à
frente olha-se para trás, para o passado visualizando o que fez para que a sua vida restasse até
aquele momento em que se encontra.
É nesse momento que o personagem aqui analisado se encontra, olhando para a sua vida,
questionando as rotinas e quem sabe o seu próprio casamento. Jung refere em sua obra do
desenvolvimento da personalidade (1910/1986) , que a partir deste instante a pessoa passa a buscar
as suas verdadeiras motivações na vida e aí começam as descobertas. Passa a conhecer as coisas que
tem de diferentes a partir de uma consideração crítica acerca de si mesmo. Mas ele só chega a esta
consideração se passar por um abalo, uma desunião interna, um descontentamento. Muitas vezes
este aspecto é projetado no outro pois não há consciência do seu estado, pensando-se que ele é o
motivador deste processo de descontentamento. Aparece aí uma atmosfera crítica que é condição
indispensável para a tomada de consciência. Tal estado não ocorre simultaneamente casal. Percebe-
se no filme que este processo incia com John, o que gera um descontentamento em sua esposa
Beverly.
Este clima de descontentamento, de reavaliação é descrito por Cerveny e Berthoud(2002)
como parte do ciclo vital na fase madura. O olhar volta-se ao casamento pois os filhos já tem
autonomia suficiente e não os pais já não precisam dispender tanta energia com eles. Assim passa-se
a perceber as qualidades e defeitos do outro, evidenciando-se os conflitos, as dificuldades, do
mesmo modo com as coisas positivas do outro, o companheirismo, os agrados, a amizade. No filme
é bem claro este estado de conscientização quando no enunciado de Beverly na cena 3 :
Beverly – Desculpe pelo roupão
John – Como assim?
Beverly – Foi difícil achar um presente para você.
John – Adorei este roupão
Beverly - O problema é que você nunca quer nada.
John – Não é verdade.
Beverly – É verdade, diga uma coisa que você quer.
John – o que você me deu esta noite. Evan vindo em casa, todos jantando
juntos, o bolo que você fez.
Beverly – Diga uma coisa que queira mas que venha em uma caixa.
John (suspira)
Beverly – Assunto encerrado.
Percebe-se que Beverly fala com conhecimento acerca do que o marido irá dizer, ou seja ela
prevê as suas reações e gostos, dada a rotina em que se encontram e o ponto de estagnação em que
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estão no momento. Beverly prova para John que o conhece, e que as suas reações e gostos são
previsíveis, mas que existe algo que ela não conhece nele que ele não demonstra. Isto pois ela
insiste em saber o que poderá lhe dar que venha em uma caixa, ou seja, algo do seu individual.
Neste trecho do filme pode-se perceber, além do relacionamento do casal e a fase em que se
encontram, um aspecto da cultura pós-moderna, de que deve haver algo que possa ser comprado
para agradar alguém, quase como o dito popular da época: “ Todo mundo tem um preço”. Cabendo
a isto um incentivo à individualização, ao conhecer-se para servir ao consumo, para reproduzir e
produzir podendo assim ter um ganho irrisório com algo que venha dentro de uma caixa. É
importante ressaltar que a individualização diverge completamente da individuação proposta por
Jung. A individualização é direcionada ao egocentrismo e isolamento voltados às leis do consumo,
com um processo de conscientização apenas do eu e da persona, ou seja, voltados apenas ao mundo
externo. Já a individuação, pelo contrário, tem como meta a integração do sujeito com o social, com
o todo, é o si mesmo cooperando com o todo a partir de suas imagens primordiais advindas do
inconsciente coletivo, integradas com o consciente em relação com o outro no meio. Assim percebe-
se que um processo nada tem a ver com o outro, sendo a individualização um processo semelhante à
identificação com a persona, ou seja, a utilização de uma máscara no social que passa a integrar o
sujeito de forma que este desfoque de si mesmo, da completude. (Jung, 1916/2008)
Partindo-se pela análise realizada por Benjamin( citado em Jobim e Souza, 2005), este
trecho representa exatamente as regras do consumo, em que cada um deseja ser equiparado ao outro
por vias do consumo, ser feliz por vias deste. Isto distancia o homem das suas reais necessidades,
que na cena foram citadas pelo personagem John que em seu enunciado refere que o presente que
precisava era o que ele ganhou naquela noite, a janta com os filhos e a família reunida. Aqui a
esposa representa a cultura falando com John, até quando ela se desculpa pelo roupão, sem perceber
que na janta e na reunião com os filhos estavam contidas as coisas mais importantes para o esposo,
apenas visualiza o bem de consumo.
Ambos estão submersos na cultura de choque, porém John inicia um processo de
questionamento advindo justamente desta simples conversa com a sua esposa. O que demonstra
aquilo que Bakhtin afirma, que “ser significa para o outro e, por meio do outro, para si
próprio.”(citado em Jobim e Souza, p. 66, 2005) Assim, é com o olhar do outro que o indivíduo se
comunica com o seu interior. Quando Beverly afirma que John não quer nada, instiga-o a procurar
algo que ele queira, o que dá início à segunda categoria encontrada no filme.
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2. À procura de um par: quando o questionamento encontra a dança

O momento de busca é um período importante a ser analisado quando se trata do processo


de individuação e as contribuições da dança neste processo. A categoria encontrada sugere que a
dança tem uma interferência no estopim do processo de individuação, tal processo necessita de uma
via de descarga dos conteúdos inconscientes para que estes possam vir à tona no consciente. Nesta
categoria discute-se a dança como instrumento ou meio para o encontro do sujeito consigo mesmo e
o momento em que o sujeito apropria-se da dança como tal.
A vivência no mundo contemporâneo submete o sujeito a um ato de consciência constante,
ou seja, este vive apenas em sua função egoica, voltada ao egoísmo e individualismo, tendo a
atenção voltada somente aos estímulos dados pelo mundo em uma junção com os seus desejos
próprios. A questão em voltar-se para si mesmo, a um primeiro olhar parece permitir o advento do
individualismo, isto se for observado apenas no âmbito dos desejos materiais. Mas existe todo um
outro campo dentro do si mesmo, que são aqueles desejos não ditos, as coisas que não possuem
nome, mas uma forma, uma imagem, um sentimento. Também, nas outras funções inconscientes
presentes no si mesmo. São nestes aspectos nos acontecimentos na vida do personagem John que
este trabalho se foca.
Para começar a olhar para si, o sujeito deve se dar conta de muitas coisas. O dar-se conta
pode ser visto como um processo de insight, ou de conscientização de coisas que estão contidas no
inconsciente ou coletivo ou individual, de acordo com os conceitos junguianos. De acordo com
estes conceitos, este processo se dá ao longo da vida, em diversos momentos, períodos, cada qual
com as suas peculiaridades de acordo com o desenvolvimento de cada indivíduo. O momento de
vida permitirá uma maior ou menor profundidade nas reflexões. No caso do personagem John, trata-
se do momento da meia idade, o qual este começa a se dar conta daquilo que viveu, do que ainda
tem para viver, e inclusive da sua finitude. É um meio, como meio da vida em que se viveu até um
ponto e agora deve-se identificar o que quer viver dali para adiante.
No filme este processo é percebido já na cena 4 em que John está retornando do trabalho e
percebe algo de diferente no seu caminho, passa a experienciar o momento em que ali se encontra.
Contempla e faz referência a si mesmo pelo olhar do outro. Reflete acerca de suas angústias, sobre
aquilo que não está bom no momento. Na cena 16, John, em seu diálogo com Paulina:
Paulina: - (…) O que te levou a dançar?
John: - Você.....olhando daquela janela bem ali.( apontando para a janela da
escola) Eu podia ver do trem. Todo dia eu voltava para casa do trabalho
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e....procurava por você. Pelo seu rosto. Sua aparência exterior parecia
refletir o que eu sentia no meu interior.
Percebe-se nesta cena que John, a partir do contato visual com Paulina, identificou-se com
ela, no sentido de sentir que ela refletia aquilo que ele sentia dentro de si mesmo, demonstrando um
processo já referido por Bakhtin( citado em Jobim e Souza, 2005) que trata do processo de espelho
em que o sujeito se identifica a partir do outro com as suas próprias coisas. Como é referido no
trabalho de Giusepp e Romero(2004), citando os autores Laing, Phillipson e Lee, acerca da teoria
do espelho relativa ao self, em que os sujeitos tratam de se observar como são refletidos nas ações
dos outros. Ou mesmo identificando-se com o outro pela alteridade, ou seja, o sujeito é pelo outro.
O enunciado de John referindo a sua identificação pode ser entendido no âmbito da teoria
junguiana como uma identificação com a sua anima, aqui representada por Paulina, representando o
arquétipo e sua função de anima em todo o decorrer do filme, como será descrito mais adiante. Esta
relação é mediada pelo arquétipo da Alteridade, conceito definido por Byington(2008) sendo um
padrão arquetípico de relacionamento dialético entre as polaridades ego/outro, capaz de coordenar a
expressão dos pares opostos com equidade. Assim, John inicia o seu processo de individuação
baseado na identificação de sua anima projetada na personagem Paulina, a professora de dança que
o motiva a dançar em uma relação de alteridade.
Dado o impulso inicial, John começa uma busca por aquilo que sente falta, por seus
questionamentos, e enxerga em Paulina aquilo que realmente sente. Neste processo começa-se a
perceber também uma saída da vivência e a entrada na experiência, na cena 4 em que ao invés de
proteger-se do meio, deixa-se envolver percebendo algo de novo em seu caminho, algo que o intriga
e faz com que ele se identifique e questione. Esta cena vem logo após a cena de seu aniversário, em
que John está comemorando com a família e a esposa questiona quanto aquilo que ele quer( cena 3),
e afirma que ele não quer nada, ele em seu consentimento calado confirma isto. Mais adiante, após a
experiência no trem, em que percebe algo novo em seu caminho, John chega em casa, nota-se só e
busca na internet por dança de salão, conforme percebe-se na cena 6:
John está em casa em frente ao seu laptop procurando sobre dança de
salão. Logo entra em um site que toca automaticamente uma música de
fundo, como um tango, rapidamente, fecha a tampa de seu laptop e suspira
sorrindo, como que em um alívio. Logo, senta-se na cama e fala: Bev? Não
é verdade que eu não queira nada. Bev? (Sem resposta, vira e chama
novamente pela esposa, que não responde por possivelmente estar
dormindo) .
É neste momento que a dança começa a entrar no processo de individuação de John. A partir
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de uma motivação proporcionada pela identificação com o arquétipo, somada ao momento de vida
em que John se encontra, de buscar coisas novas, além de também estar conseguindo olhar para fora
daquilo que vinha vivenciando até o momento. É importante afirmar que a individuação não é um
processo que ocorre de maneira consciente, até porque nem seria possível, dadas as intervenções do
meio neste processo consciente. Pelo contrário, o início da assimilação destes conteúdos
inconscientes leva a um processo de desenvolvimento em que o sujeito não compreende muito bem
porque está fazendo algo, o faz para depois dar-se conta do si-mesmo.
John dispõe-se a falar para Beverly aquilo que sente, as coisas que gostaria, porém, na cena
descrita anteriormente isto não é possível, pois o casal não tem tempo para conversar. Encontram-se
apenas para dormir e ficar um tempo juntos apenas com os corpos, dissociados como que em uma
vivência dualista, repartida. Percebe-se que a relação do casal também está no nível da vivência,
superficial e automatizada. John faz um movimento para uma mudança, ou mesmo uma discussão
para rever conceitos do casal, que neste caso é mostrar que ele quer algo, refutando a afirmação de
Beverly na conversa da cena 3 em que ela diz que ele não quer nada. O que se percebe é que o
movimento até então é de apenas um dos membros do casal, o outro ainda não se deu conta, até este
momento.
O personagem John está em busca de algo diferente, porém, por mais que tivesse feito uma
tentativa de falar algo para a esposa, que não se sabe bem o quê, o personagem esconde o seu desejo
de dançar, relacionado intrinsecamente com a personagem da janela, a professora Paulina. Até que
decide dar o primeiro passo, ilustrado aqui pela cena 7:
John está sentado no trem segurando a sua pasta. A música de fundo do
filme é inquietante, o que dá a sensação de inquietude de John. John passa
pela escola de dança e enxerga pessoas dançando lá. No trem escuta-se uma
voz que orienta para a próxima parada, que seria muito próxima á escola de
dança. Ouve-se: - As portas abrem-se á direita. John vira-se para trás,
retorna o olhar à escola de dança. Anuncia-se então a próxima parada. John
pede licença e desce do trem. Caminha em direção à escola e diz:- Meu
deus, o que está fazendo?
Olha para cima, enxerga a professora novamente e diz: - Eu só vou subir.
Entrando no prédio diz: - Meu Deus!!
Na entrada do prédio está o cartaz da escola indicando o andar em que se
encontra e escrito: Sinta-se a vontade em assistir. Duas mulheres seguem
descendo a escada do prédio dizendo : - Foi ótima a aula.
John segue subindo as escadas, nisso entra uma mulher, a personagem
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Bobbie. John para no meio da escada enquanto Bobbie vêm subindo atrás
rapidamente e dizendo: Vamos!!Enquanto John se vira e esbarra nela, ela lhe
entrega uma de suas sacolas e ele a segue subindo.
Esta cena retrata claramente John em um impasse para ir atrás daquilo que deseja,
demonstrada a sua inquietação, primeiramente pelo efeito sonoro do filme, passando pela sua
expressão e reações posteriores. Mas John vai até a escola, começando a tornar real aquilo que antes
estava apenas em seu imaginário visto pela janela do trem. A placa na entrada da escola conforta,
quando diz para o sujeito sentir-se a vontade para assistir uma aula. Mas algo de inesperado
acontece quando surge a personagem Bobbie, John é pego de surpresa, e então não pode mais
escapar, tem que subir, ao menos para ajudá-la. Este é um efeito do romance de provas patético
-sentimental, tendo cenas inesperadas, cômicas e que demonstram algumas das fraquezas do herói.
Neste caso, o que se percebe em John é o impasse, e a insegurança, um movimento retraído frente a
algo novo que pode causar alguma mudança.
Nesta cena percebe-se também, como é o contato de John com o religioso, em suas
expressões referindo Deus quando não compreende quando aquilo que faz tem uma parte da ordem
do mistério. É neste contato com os mistérios que o inconsciente traz a religiosidade, e
simbolicamente é trazido ao consciente, como uma compensação daquilo que é inconsciente por
meio de figuras arquetípicas, neste caso por meio de Deus pai. Este arquétipo de Deus pai alivia o
peso em procurar algo escondido da esposa, fortalece para o enfrentamento de um impasse, ao
mesmo tempo mantém a ideia de pecado e castigo fornecida pela cultura cristã. (Jung, 1916/2008)
Esta cena em que John traz em seu enunciado aspectos da cultura religiosa em que está
inserido, nota-se que o faz de forma inconsciente, ilustrando o processo que o personagem vivencia
no filme. Mesmo que dito na linguagem, este traz em seu discurso aspectos da ordem do
inconsciente coletivo. Isto posto que John está em um momento de dúvida, em que necessita de algo
que possa fortalecê-lo, busca isto internamente e surge o arquétipo de deus pai, colocado como
aquele que conforta mas também o pune, configurando a ideia das regras sociais, admitidas aqui via
arquétipo. Este arquétipo traz uma influência em John, sendo algo que também o move, sabendo-se
que os conteúdos inconscientes influenciam na vontade do indivíduo. Ou seja, um dos aspectos que
o moveu até a escola foi inconsciente, demonstrada pela expressão do divino em seu discurso.
Assim nota-se que mesmo com um material escasso sobre os conteúdos inconscientes de John, estes
aparecem ao meio do discurso de modo sutil, em que pode-se identificar o processo de individuação
em andamento, visto que este não ocorre de forma apenas consciente, mas predominantemente
inconsciente, com um jogo de forças visando a ampliação da consciência do indivíduo. (Jung,
1927/2000)
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A influência do arquétipo do deus pai é intrinsecamente relacionada com o arquétipo do


grande tempo, da imortalidade, assim como os outros arquétipos. Isto é inteiramente relacionado
com a busca do personagem John pela dança. Isto posto o momento em que se encontra, em busca
de algo novo que lhe dê uma nova sensação, em correlação com os conteúdos inconscientes que
passam a emergir no personagem. A dança é representativa de diversos aspectos arquetípicos, tais
como a imortalidade, a intemporalidade , a relação com o outro , sendo assim, ela é considerada tal
como um símbolo, que possibilita ao indivíduo a vivência do numinoso, daquilo que afeta e domina
o sujeito sem que haja uma intenção devida para tal, algo até mesmo da ordem do religioso,
responsável pela observação esmerada e conscienciosa deste tipo de efeito numinoso. Considerando
numinoso, segundo o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2009) como um adjetivo que
significa influenciado ou inspirado por qualidades transcendentais da divindade. Este termo foi
utilizado por Eliade, citado em Wurzba, como um efeito dinâmico não causado por um ato
arbitrário. Assim, numinoso tem a ver com transcendente, uma existência divina. (Wurzba, 2009)

Ilustração 1: Cena 21 em que Paulina dança e sua voz é escutada na


narração da carta entregue a John.
A escolha da dança como via do simbólico, pode ser compreendida pela relação com o
arquétipo de Deus, isto pelo seu caráter ritual, que permite ao sujeito a livre expressão de conteúdos
do inconsciente coletivo, trazendo à tona o simbólico do sujeito. Esta relação traz o sagrado em si,
levando-se em conta que a dança deve ser executada em um ambiente apropriado, definido para tal
expressão. Isto pode remeter ao culto realizado nas igrejas por exemplo, em que as pessoas
frequentam para entrar em contato com o sagrado, e é lá neste ambiente específico com seus rituais
definidos é que o sujeito encontrará um momento com o divino, uma sensação numinosa que o fará
entrar em contato com seus arquétipos, e imagens primitivas. (Wurzba, 2009)
Esta relação com o sagrado está em contraponto com a relação com a diversão, com os
aspectos dionísicos, também presentes na busca pela dança. O prazer e a sua busca na dança é uma
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forma de dispender a energia libidinal para algo externo que possa auxiliar o personagem em outros
aspectos, os quais são demonstrados pelos questionamentos acerca das projeções da vida do
personagem, a sua insegurança e possível insatisfação. A dança funciona aqui em vários sentidos,
auxiliando o sujeito a sentir-se mais seguro consigo, aprendendo algo de novo que dispõe o
personagem a ter novas habilidades para sentir-se bem consigo e com o outro. A dança pode ser
vista como os rituais primitivos em que os indivíduos louvavam os deuses em dança para
conseguirem o que queriam, por meio das reações que tinham no momento da dança podiam sentir
um bem-estar advindo do próprio ato de dançar combinado com todo o processo que gerava uma
sensação do divino. Para o personagem John a reação com o divino não é assim clara, é sim
experimentada como algo prazeroso. ( Jung, 1928 / 2002)
No filme o lugar da dança fica muito claro, pois grande parte do filme se passa na escola de
dança. Este é um local diferente daquele que o personagem participa em sua vida cotidiana, é um
local no qual experiencia uma outra realidade. É como se fosse uma igreja em que a pessoa vai para
entrar em contato com o divino. Dentro da escola são realizados os rituais, como se observa na
Ilustração 1 em que Paulina dança, com gestos feitos ou em espetáculos, apresentações ou na escola
de dança. Estes movimentos e gestos realizados na dança, ocupam o espaço de uma forma diferente,
imaterial e ilimitada, como se neste local de dança o personagem pudesse criar um outro mundo. Na
escola o divino pode ser representado pela totalidade, isto porque para dançar deve-se fazer uma
conexão entre corpo e alma para que ele faça os movimentos de acordo com a técnica e o
sentimento integrados em um só. (Wurzba, 2009)
Na dança há a sensação de completude, advinda dessa integração entre corpo e alma, esta
traduz a busca pela totalidade em si e no mundo. Um dos aspectos presentes na figura 1, acerca do
ambiente, são os espelhos, que fazem o sujeito confrontar-se consigo mesmo o tempo todo. No caso
da dança de salão, o espelho é retratado pelos olhos do outro na relação dual por meio do contato e
da linguagem. Tal experiência ultrapassa os limites da consciência, pois o sujeito experiencia algo
numinoso, irracional, por meio de técnicas de concentração, relaxamento e entrega na dança.
(Wurzba, 2009)
O primeiro impulso é dado, a partir daqui John entra em um processo sem retorno, pois
inicia uma viagem para o interior de si mesmo. Claro que isto não ocorre de maneira imediatista ou
rápida, são pequenos passos dados pelo personagem, e que analisados com clareza podem remeter
ao processo pelo qual o indivíduo está passando no momento. Na próxima cena (cena 8) John entra
na dança, pois no dia em que foi à escola era justamente o dia em que começavam as aulas para
iniciantes na escola de dança. John decide ficar e fazer uma aula, conhece os seus colegas e a
professora, a Sra. Mitzy, a dona da escola, também tem o seu primeiro contato com a moça da
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janela, descobrindo que esta também é professora da escola, mas não a sua professora. Na primeira
aula são apenas os homens que dançam, estes se conhecem, apresentam-se e depois da aula saem
para jantar, onde acabam se conhecendo um pouco mais.
Depois da primeira aula de dança, John e seus colegas de aula Vern, Chic e
Bobbie vão jantar em uma lanchonete próxima à escola. Bobbie pergunta a
eles:
– Por que querem aprender a dançar?
Vern: - Vou casar em setembro.
Outros: - Legal!!
Vern: - Minha noiva quer que eu emagreça. Ela acha que dançar ajuda, eu
não acho.
John: acho que vai ganhar a aposta ( fala rindo e olhando para o prato cheio
de Vern.)
Chic: - Quero impressionar as mulheres. Sabem o que dizem dos caras que
sabem dançar?
Bobbie – Que são ótimos na cama.
Chic – Yeah.
Bobbie – De onde você tirou esta ideia estúpida?
Chic – De todo o lugar, todo mundo sabe que um homem que sabe se mexer
no salão sabe se mexer na cama. A maioria dos homens não sabe dançar. Os
que sabem podem escolher as garotas. Quando eu aprender elas vão cair aos
meus pés.
[...]
Bobbie – Só restou você( apontando para John)
John – O que?
Bobbie - Você é o único que não disse porque veio aprender a dançar.
John – Para me exercitar que nem o Vern.
Bobbie -Mentira.
John – Porque eu sou ruim de cama que nem o Chick. Pronto, já disse.
Chic – Eu não disse que sou ruim de cama.
Bobbie – Nem precisava dizer. Vamos lá, por que?
John – (olha para a garçonete e pergunta) : Tem pimenta aí? Pode me
passar?
Bobbie – Foi o que eu pensei. Ela foi finalista em Blackpool.
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Chic – Quem?
Bobbie – A princesa, a outra professora, Paulina.
( Cena 9)
No enunciado dos personagens percebem-se três diferentes motivações para dançar. O
personagem Vern refere que dança para emagrecer indicado pela sua namorada, isto em seu discurso
direto, mas indiretamente ele quer maiores condições para conquistá-la por meio de sua autoestima
mais elevada. O personagem Chic quer comprovar a sua masculinidade em seu discurso direto, mas
indiretamente ele quer aproximar-se de outros homens. Todos estes são demonstrados nas cenas
finais do filme, em que aparece um trecho da vida dos personagens depois do período do curso de
dança. Já o personagem John não consegue dizer porque iniciou a dança, servindo como
desconfiança para Bobbie que deduz que John está dançando por causa da professora Paulina, a
moça da janela. Algo que parece estar subentendido no discurso de John, porém que indiretamente
reflete a sua busca pela auto descoberta, algo que não podia ser nominado naquele momento inicial
de contato com a dança.
Na cena 8 aparecem outras motivações embutidas no desejo de dançar de John. Quando este
se apresenta para Vern que o questiona se ele dança bem, John responde que dançou em seu baile de
formatura, fala a música que dançou. Isto remete a uma lembrança remota de algo que vivenciou no
passado relacionado à dança. Dependendo da experiência que obteve, isto pode lhe trazer algo
prazeroso advindo de uma memória, ou talvez algo que possa ser feito de outra forma no presente,
diferente do passado, refazendo aquilo que possa ter lhe incomodado. Como no caso de Vern que
refere que não foi ao seu baile de formatura, não se sabe bem o porquê, mas nota-se que pode ter
sido algo não prazeroso e que agora o fato de dançar e estar em um curso lhe traga aquilo que ele
quer, no caso pedir a sua noiva em casamento e perder peso, sentido-se melhor consigo mesmo.
Lima e Vieira (2007) referem que a dança para adultos, especialmente idosos, faz com que se
expressem por meio das memórias do passado, dividindo experiências e risadas, o que traz
sentimentos de paz e juventude. Estes sentimentos podem advir tanto do exercício físico que auxilia
na forma física, quanto também de sentir-se capaz de realizar algo que antes não era possível por
não se possuir este conhecimento.
Outro aspecto importante nas motivações de John para dançar é a socialização, que, nos
termos de Volp, Deutsch e Schwartz(1995) é um dos principais motivos para a pessoa começar a
dançar , sendo uma busca pela experiência social. Entrar em um curso de dança é uma oportunidade
de expandir relacionamentos, pois cria um espaço saudável de convivência no grupo, auxiliando na
comunicação por ser um espaço de textualização da discursividade devido à emergência de sentidos
no espaço e para os sujeitos partícipes da relação. (Zaniboni & Carvalho, 2007) Esta emergência de
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sentidos é percebida nos discursos dos personagens na cena 9 em que conversam sobre o que os
motivaram a dançar. Após a aula de dança, todos os colegas saem para jantar juntos, algo que
demonstra a entrada em um novo grupo de pessoas, além do atual do cotidiano, ilustrando a
socialização advinda pela dança.
Em suma, o questionamento de John advém de seu momento de vida, da fase em que está
passando na idade madura, como parte de um rito de passagem, John encontra na dança uma forma
de utilizar-se de um recurso simbólico para passar por este processo. Isto se dá por meio dos afetos
que se expressam de maneira numinosa, o que indica a atuação arquetípica nesta relação. As outras
motivações subjacentes que o fazem buscar a dança como via de expressão advém de suas buscas
internas posto que o homem na idade madura busca a adaptação ao seu mundo interno, mais do que
ao externo, havendo uma sobreposição dos problemas existenciais aos problemas objetivos. O
personagem busca a dança justamente por encontrar nesta a relação de completude que estava
buscando, dado que seu questionamento inicia a partir daquilo que ele gostava e queria, assim
identifica-se com a sua anima, representada pela professora, para se aproximar dela e socializar-se
acaba por encontrar na dança justamente aquilo que vinha buscando. A dança funcionando como
uma via de descarga para John. (Wurzba, 2009; Boechat, 1997)
Dado o primeiro passo, John inicia um processo de autodescoberta, tudo isto em relação
com o social, com o outro e principalmente consigo mesmo. A partir de suas vivências internas e
externas John começa a integrar-se de outra forma, assumindo a sua verdadeira identidade e
livrando-se daquilo que já não lhe cabe, neste caso, dos falsos invólucros da persona. Segue-se
então para a terceira categoria, quando o personagem começa a sua descoberta.

3. Baile de máscaras: o desvelar da persona e a sombra por trás das máscaras

“Quem me vê sorrindo pensa que estou alegre, o


meu sorriso é por consolação, porque sei conter
para ninguém ver, o pranto do meu coração...”
(Cartola, 1974)

A presente categoria foi definida a partir das etapas do processo de individuação e das
considerações acerca do personagem principal no processo. Baseado nas considerações de Nise da
Silveira (1981), pode-se dizer que no meio social as pessoas devem vestir máscaras o tempo todo,
como se estivessem em um baile de máscaras, em cada uma deve esconder o seu rosto,
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demonstrando um corpo sem um rosto definido, ou melhor, mascarado de acordo com as suas
necessidades. Em um baile veneziano por exemplo, algumas pessoas vestem máscaras de sóis, luas,
de tristeza, de felicidade, de animais, dentre outras. Na vida real as pessoas vestem máscaras de
advogados, psicólogos, médicos, operários, donas de casa, oprimidos, vítimas, imponentes, e assim
por diante. As manifestações sociais sempre demonstram aquilo que se vivencia no real, assim
como no baile de máscaras, que representa justamente o comportamento da sociedade atual, em que
as pessoas aparentam aquilo que gostariam de ser para si mesmas e para o meio, deixando de lado a
sua autenticidade.
As pessoas seguem escondendo aquilo que não querem enxergar, fazendo isto de maneira
inconsciente, vão reprimindo aquelas coisas que não aceitam em si mesmas, que as repugnam,
projetam no outro aquilo que é seu e que não gostam em si. E quanto mais estes aspectos forem
reprimidos mais se torna espessa e negra a sombra do indivíduo se torna. Portanto, para que o
sujeito se dê conta de seu lado negativo deve primeiramente retirar a máscara vestida pela persona,
e assim poderá enxergar a sombra existente por trás desta máscara. Isto porque a sombra é formada
a partir da formação do ego e da persona, daquilo que foi reprimido, deixado de lado na constituição
da persona. (Silveira, 1981)
No filme esta categoria aparece de maneira sutil nas falas dos personagens, lembrando que o
processo de individuação tem como meta deslindar as falsas máscaras da persona e despojá-las do si
mesmo, despojando-o do poder sugestivo das imagens primordiais(Jung, 1916/2008), para que o
sujeito se dê conta da sua real identidade podendo assim ser autêntico. Durante todo o filme o
personagem John se questiona acerca de si mesmo, tendo em seus questionamentos o seu papel de
marido, de advogado, de pai em todo este processo. Quanto à sua profissão, percebe-se que John
fala de seu trabalho em diversos momentos do filme, momentos em que precisa decidir coisas
importantes e que seus questionamentos ficam mais evidentes.
Já na cena 1 isto aparece, em que John contextualiza a sua vida de acordo com aquilo que
vive no seu trabalho. Aquilo que ele vivencia em seu trabalho diz respeito à máscara que ele veste
para sociedade, demonstra o seu processo de trabalho, o modo como se comporta com seus clientes
e as coisas que diz para eles. Diz respeito, portanto à sua persona. Visto todo o questionamento já
mencionado nas categorias anteriores, John está em uma situação de desespero, busca e indecisão,
tais momentos podem ser ilustrados pelas cenas 1, 2, 3 , 4, 5, 6 e 7 em que o personagem se
questiona para tomar uma decisão e uma posição em sua vida. Isto mostra que a muralha construída
por John para a sociedade está desmoronando, ou seja, a sua persona já não faz tanto sentido para si
mesmo, podendo-se perceber aqui que o personagem não adere à sua persona como algo parte de
seu ser, percebendo-a como algo superficial de sua personalidade. Sendo assim, parte do processo
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já está sendo ultrapassada, no que o personagem percebe os falsos invólucros de sua persona, aquilo
que foi construído apenas para a convivência social. ( Jung, 1916/2008; Silveira, 1981)
Na cena 11, John conversa com seu colega de trabalho Link, após descobrir que ele dança na
mesma escola que ele. Vão tomar um drinque depois da aula e conversam conforme o que se segue:
Link: - Calça frouxa, maricas...É isso que ouço desde os 8 anos quando
dançava com os discos de rumba da minha mãe. E sabe o que é pior?Eu não
sou gay. Minha vida seria muito mais fácil se eu fosse .Um heterossexual
que gosta de dançar assim é muito raro. Não vai comentar no escritório, vai?
John: - Não, não! Eu não faria isso! Eu estou no mesmo barco.
Link: - Não está.
John: - Por que não?
Link: - Porque gostam de você .Você é encantador. Me crucificariam se
descobrissem. Eu sei tudo sobre esportes,sou fã de esportes, entende?
John: - Você não curte futebol americano?
Link:- É só correr e se amontoar, correr e se amontoar. 4 meses disto e dá
vontade de se matar.
John:- Você me enganou.
Link: - Eu sei, enganei todo mundo. Sabe qual é o meu sonho?
John: -Qual?
Link:- É poder dançar livre e com orgulho usando meu nome verdadeiro
para todo mundo ver. Este é o meu sonho.
Neste discurso da cena 11 podem-se perceber diversos elementos interessantes para a
compreensão do processo de John. Primeiramente quando ele fala que está no mesmo barco que
Link, notando-se que Link está referindo o preconceito vivido por dançar, e John comparando a sua
vivência com a dele. Ambos estão falando aqui do preconceito que a sociedade tem quanto aqueles
que dançam, neste caso dos homens. Falam, neste caso de uma regra social, em que o homem que
dança deve ser masculino, ou pelo menos demonstrar este aspecto nos atributos definidos como
masculinos na prática da dança, ou mesmo na prática social. ( Andreoli, 2010)
No enunciado de Link percebe-se também como a questão de gênero está implicada em sua
vida, até mesmo colocando em confluência a dança e o fato de ser homossexual, que não é o seu
caso. E por isso que ele sofre, pela sociedade definir que quem dança tem de ser efeminado ou
homossexual, o que gerou diversos conflitos em sua vida. Ocorre que no caso de Link, a sua
persona lhe é prejudicial pois vive infeliz com as coisas que tem que fazer para esconder quem ele
realmente é, o que ele quer mesmo é afirmar a pessoa que é para todos, sem utilizar-se da máscara
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do que gosta de futebol e outros esportes, mas de alguém que gosta mesmo é de dançar.
Jung (1934/2000) refere que a persona pode ser prejudicial ou não, depende de como o
sujeito se utiliza dela. Há indivíduos que identificam-se com a sua persona e a vestem em todos os
momentos da vida. Dependendo da forma com que o indivíduo lida com a sua persona, esta pode
lhe servir de proteção ao meio, ou mesmo uma forma de se sustentar no trabalho, deixando a este a
máscara de profissional. (Silveira, 1981) Ao exemplo de Kafka, que mantinha a sua persona de
bancário de dia, a qual referia detestar e à noite produzia seus escritos, mantendo-se como outro
voltado aos seus prazeres criativos. Assim faz Link no filme, durante o dia um advogado sério e à
noite um dançarino excêntrico.(Hall & Nordby, 1980)
O personagem Link fala claramente da persona vestida em seu trabalho, em que fala de
esportes, de futebol para os colegas de trabalho, mas na realidade ele não gosta de futebol ou de
esportes, mas sim de dançar e de confeccionar novos figurinos para dançar. O personagem para ser
quem é tem de dançar com outro nome, utilizando-se de um disfarce, uma peruca e dentes postiços
que o fazem parecer ser outra pessoa. O problema é que para que ele seja ele mesmo tem de usar
um disfarce para não ser humilhado pelos colegas como era na escola. Link demonstra neste
enunciado o quanto a sua persona é a sua proteção, sua muralha para que a sociedade não o
descubra, não desvende quem ele realmente é. Porém, ele tem um desejo de poder demonstrar isto
aos outros, de ser ele mesmo e de tirar esta máscara.

Ilustração 2: Cena 15 John e Link ensaiam um passo de


dança, Link auxilia John no banheiro do escritório. Ilustração 3: Cena 15 Link finge desmaio
nos braços de John.

John identifica-se com Link, tendo que se esconder atrás do homem encantador e charmoso
que é, para que as pessoas não percebam o seu gosto pela dança e a pessoa que ele realmente é. Este
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é um dos invólucros de sua persona, que aparece naquilo que ele busca esconder da sociedade. Este
aspecto fica claro na Ilustração 2 retirada de uma cena em que o personagem está no trabalho e
treina com Link um dos passos aprendido nas aulas. Ambos estão em um local velado, mas que
podem ser descobertos, e é isto mesmo que acontece, personagens estão dançando no que entra um
colega no banheiro. Link finge desmaio para explicar o fato de estar nos braços de John.( Ilustração
3) Percebe-se que os personagens não se sentem retraídos em dançarem entre si, mas sim com o fato
de que alguém os veja . Sendo assim, aceitam a sua identidade como ela é, mas não conseguem ser
autênticos o suficiente para a sociedade.
A persona é parte do eu, parte consciente e inconsciente do sujeito, por estar em camada mais
superficial, geralmente é a primeira da qual o sujeito passa a se dar conta, dada esta natureza
consciente. No filme, John assume a persona de pai, advogado e marido que gostaria de ser, e age
assim perante todos estes setores de sua vida. A partir de seus questionamentos, começa a se dar
conta de que aquilo não é necessariamente o que sente, pensa ser feliz, mas no fundo não o é e passa
a buscar esta felicidade em algo. Este é o momento em que começa a se dar conta de quem ele
realmente é, de seus anseios e vontades reais. Até o momento o personagem era influenciado pelo
mito do herói para a formulação de sua persona, aquele que vence os obstáculos, e consegue
interagir amplamente com o meio em que vive. Isto é claramente exemplificado pelo discurso de
seu colega Link na cena 11 em que refere que John é uma pessoa encantadora, sendo este um
aspecto atribuído do herói arquetípico. (Henderson, 1964; Santos, 1976)
John, justamente por atribuir a si mesmo algumas características de herói em sua persona,
busca em sua vida encontrar e afirmar a sua personalidade perante o todo. Percebe-se que o
personagem consegue dividir claramente o seu papel de pai, de marido e de advogado, não
aparentando ter conflitos em relação à sua persona. Utiliza-se dela como uma defesa ao social,
tendo inclusive ações de heroísmo em sua vida, quando resolve, por exemplo, investir na esposa
após o conflito passado consigo e com ela, com a professora Paulina, quando a auxilia a enxergar
aquilo que lhe faltava, a motivação para voltar a dançar. (Cenas 16 e 23) É importante afirmar que
somente parte de sua persona advém de um arquétipo, neste caso relacionado com o de herói, a
outra parte é formulada pelas outras relações com o social, com aquilo que as pessoas esperam dele.
( Hall & Nordby, 1980) John demonstra em suas ações durante o filme que consegue fazer aquilo
que esperam dele, até seu outro lado ser descoberto.
John esconde da esposa que dança, que tem outros amigos e que não é tão feliz quanto
gostaria com ela. Esta é uma outra face de sua persona, algo que deixa escondido e que pode
demonstrar a sua sombra. No enunciado da cena 14 isto fica bem claro, enquanto John divaga em
frente à loja de eletrodomésticos: “Tudo o que o cliente disser no escritório do advogado é
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confidencial. Por isso sei guardar segredos há anos. Geralmente não é nada incriminador. Mas
muitas pessoas têm coisas guardadas dentro delas. Coisas que elas não estão prontas para dividir.”
Aqui John fala de sua habilidade contida em sua persona, o quanto consegue esconder coisas
suas, e deixar a sua outra face para outras pessoas enxergarem, sem mostrar a outra. Ou seja, John
mostra à esposa o marido dedicado e pai atencioso. Aos colegas da escola ele mostra-se uma pessoa
aparentemente apaixonada pela professora Paulina, um senhor de meia idade em busca de alguma
motivação. Em momento algum fala que é casado, que tem filhos, não expõe-se aos colegas. Porém,
ambos os lados de suas relações percebem que ele esconde algo. Principalmente a filha e a esposa
que percebem que ele está diferente. A esposa, a partir de suas vivências passa a questionar se ele
não a está traindo, sabendo que ele está escondendo-lhe algo importante. Esta percebe um cheiro
diferente em suas roupas, os horários que John chega em casa começam a ficar mais tarde, e ele
aparenta estar mais feliz segundo comentários da filha Jenna, que também observa esta mudança.
Outro aspecto observado no discurso de John é que ele mesmo retira de si a culpa de estar
fazendo algo de errado. Nota-se que ele consegue visualizar exatamente o que está fazendo,
percebendo que não há culpa ou algo de pecaminoso no que faz, quando diz que não é nada
incriminador. Porém é algo que não está ainda pronto para dividir, o que na verdade não passa de
uma racionalização, pois o personagem culpa-se de certa forma por esconder isto tudo. Sendo que
neste momento o personagem está preparando-se para uma competição, local onde irá se expor e
correr o risco de ser descoberto pela esposa. Sendo assim está preparando-se também para dividir
alguns de seus segredos com ela e com a filha. Neste enunciado pode-se observar que os aspectos
apreendidos pelo uso da persona são-lhe favoráveis no que se refere às suas habilidades sociais e
individuais, neste caso de guardar segredos dos outros e de si mesmo. Percebe-se portanto, que o
personagem não engana a si mesmo, mas necessariamente o outro na relação com a sua persona.
Na cena 19 percebe-se que John e Link conseguem assumir quem realmente são para os
colegas de trabalho, cansados de se esconder e Link desmascarado pela reportagem em revista com
a sua história, tomam uma atitude frente aos colegas.
Colega 1: Vocês não vão acreditar, pessoal! Louie! Louie! Link começou a
dançar em 1985. Logo se transformou em sua paixão"e ele começou a
dançar 6 dias por semana. Advogado de dia, dançarino à noite,ele varre o
chão com sua energia. "
Colega 2: - Eu sabia! Falei que ele era esquisito.
Colega 3: - Acho que ele joga em outro time!
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Colega 4: - Vejam que calças apertadas! Alguém arranje uma lupa!


John: - Não há nada errado com dança de salão!
Link ouve os cometários, sai de sua sala e tira uma das colegas para dançar,
dá uns giros com ela e logo a retorna à sua posição inicial. Após isto, ela
fica com a boca entreaberta o olhando como se em choque.
Link: - Vão se ferrar. E futebol é uma porcaria.
(Cena 19)
O enunciado dos colegas reforça um comportamento preconceituoso de que homens que
dançam são efeminados, da dominação masculina e de sua hegemonia de poder reforçada pela
mulher que faz o comentário das calças de Link, e dos conceitos tribais acerca da sexualidade de um
homem que aceita e demonstra o seu lado feminino (Bourdieu, 2002). Link prova aos colegas,
tirando uma de suas colegas para dançar que ele sabe muito bem o que está fazendo e que não
importa o que digam ele é o que ele é, masculino e heterossexual. A cena demonstra que John
também pode assumir-se como alguém que dança para os colegas de trabalho, colocando-se na
defesa de Link devido à identificação com o amigo.
As máscaras caem e os personagens John e Link podem ser eles mesmos, no trabalho, na
vida familiar e consigo mesmos. John descreve em seu discurso, parte do processo que se deu até o
momento, falando o seguinte:
A leitura de um testamento pode vir como um alívio. Depois do choque
inicial de que o dinheiro vai para o cão, o resto para o jardineiro, tem-se a
sensação de que finalmente as coisas estão claras. (Cena 18)
Assim John percebe o quanto as coisas quando clarificadas advém de um processo doloroso
pelo qual passou durante o filme. Ou seja, que o processo de conscientização exige muito do
sujeito, devido às relações consigo e com o outro, referindo-se aqui à sua esposa e filha. Este
enunciado pode ser percebido também como uma forma de alívio por finalmente poder ser quem ele
é, não quem os outros esperam. Mais adiante esta cena é retomada na analise, de acordo com as
outras categorias subsequentes, levando-se em conta que nela contém aspectos importantes que
indicam o processo de individuação de John.
O quanto o deslindar das máscaras da persona foi influenciado pela dança para John é a
pergunta que deve-se fazer para resumir os resultados encontrados. Pode-se iniciar a resposta
lembrando que antes de dançar John não tinha se dado conta de seu papel em seu trabalho, em sua
vida afetiva ou em sua família. Quando começa a dançar começa também a perceber os papéis
desempenhados na sociedade, também o quanto escondia coisas das pessoas que eram dele, e que
ele não conseguia revelar. Assim, John passa a conhecer a sua máscara, como se pudesse retirá-la e
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olhar-se no espelho com ela e sem ela, e compreender quem vai na máscara e quem fica no rosto.
A jornada do herói compreende que ele possa descobrir os seus aspectos negativos e utilizar-
se deles para vencer em sua jornada. Esta é a luta travada com a sua sombra, seus aspectos
reprimidos, nefandos e desfavoráveis. ( Henderson, 1964)É deste aspecto que se trata esta categoria,
a descoberta da sombra, o revelar para si e as confluências na relação com o outro do mesmo sexo.
A sombra representa algumas das qualidades e atributos desconhecidos do ego, assim aparece nas
coisas que as pessoas não gostam e projetam nas outras, nos pequenos pecados capitais ou em atos
inadvertidos ou impulsivos. Quando a pessoa se dá conta deste lado negativo, geralmente a reação
não é boa, pois são coisas que desgostam o sujeito a saber que não é perfeito como imaginava. (von
Franz, 1964)
É importante ressaltar que somente percebe-se a sombra em indivíduos ou figuras do mesmo
sexo, ou seja, projeta-se esta em indivíduos do mesmo sexo, ou mesmo pode-se identificá-la em
figuras míticas, ou em outros sujeitos. ( von Franz, 1964) No caso do filme, como não se tem muito
material acerca dos conteúdos inconscientes de John, utiliza-se a relação com o outro para perceber
este contato com a sombra. Na análise de conteúdo das falas dos personagens, em seus enunciados,
entendendo-se aqui enunciado como forma de comunicação, inclusive gestual e imagética,
percebem-se alguns aspectos que podem sugerir a percepção da sombra.
Na cena 8 pode-se perceber este contato de John com a sua sombra. Na sua primeira aula de
dança, enquanto aguarda a aula da Sra. Mitzy, John observa Paulina dar aulas para um outro aluno,
que enquanto dança com a professora deixa a sua mão bem próxima à região dos glúteos de Paulina.
Esta delicadamente retira a mão do aluno, posicionando-a no meio de suas costas. John observa e dá
um pequeno sorriso, fechando os olhos após isto. Há a possibilidade de uma identificação com a
sombra surgindo, John enxerga no outro aquilo que é do masculino e que é desrespeitoso com a
mulher. Algo do qual ele se envergonharia em fazer. Aqui está projetando no outro algo que também

Ilustração 5: Cena 8 em que Paulina dança com


aluno, afastando a sua mão para acima de sua
Ilustração 4: Cena 8 em que John cintura.
observa um colega dançar com Paulina.
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é seu, sendo que está ali por um desejo inicial pela professora. Atrapalha-se na presença dela, e ali
está por ela e para vê-la. Assim, isto o incomoda de certa forma, quando a vê sendo praticamente
abusada pelo aluno. Mas a atitude dela o repele, e John apenas observa a situação absorto em seus
pensamentos, retornando para a conversa com os novos colegas.
John aparentemente tem uma tendência em retirar-se do mundo exterior, por isso a sua
sombra será representada por alguém oposto a isto, neste caso algo visto em seu colega Link , por
exemplo. Link dança as danças opostas a John, as danças latinas que exigem do dançarino mais
rebolado e pegada da dançarina. John prefere as danças mais clássicas como a valsa e o passo
rápido, gosta destas e pretende dedicar-se a estas também. Em Link enxerga muito de seu oposto, o
personagem assume características diferenciadas quando dança, é agressivo e expressa-se de forma
expansiva, ao contrário de John que dança de maneira mais clássica e contida. (Jung, 1934/2000)
Cabe dizer aqui que este estudo não enseja estabelecer os tipos psicológicos dos personagens
em questão, mas sim as características encontradas acerca do processo de individuação no
personagem John. Isto posto, sabe-se que a função inferior de um determinado sujeito está
localizada em sua sombra pessoal, constituindo parte daquilo que o sujeito não deseja. Pode-se dizer
que parte desta é encontrada e refletida no personagem John por Link, o seu oposto no filme.
Também representado pelo outro colega que dançava com a professora Paulina. (Santos, 1976)
Quando visto no outro a ação era uma, mas e consigo mesmo? John quando foi dançar com
a professora agiu de modo semelhante ao colega que observava na sua primeira aula. Isto pode ser
melhor compreendido analisando e comparando os enunciados das cenas 8 e 12.

Ilustração 7: Cena 12 em que John dança Ilustração 6: Cena 12 John dançando com
com Paulina. Paulina após ela ter reposicionado suas mãos.

Nesta cena, comparando-se à cena 8, John tem uma expressão semelhante quando Paulina
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reposiciona as suas mãos, assim como fez com seu colega que dançava com ela. Assim John
percebe-se nos mesmos passos daquele que pode ter desaprovado, desrespeitando a sua professora
Paulina. Naquele é como se recriminasse o feito e consigo também, porém mais doloroso, pois o faz
consigo mesmo. Fazendo isto consigo mesmo, quer dizer que está tomando consciência de sua
sombra, dos aspectos negativos que enxerga em si mesmo a partir do olhar para o outro. É como se
comparasse a sua atuação com a do outro colega que faz algo que ele reprova, então ele o faz de
maneira semelhante, querendo dizer que pouca coisa o difere daquele que ele criticou, mesmo que
com o olhar, até então. (Monick, 1929/1993; Jung, 1934/2000)
Assim, John começa a integrar ao seu ego a noção de mal que existe dentro de si mesmo,
como se aceitasse ou compreendesse a existência do estuprador que existe dentro de si , admitindo a
sua feiura e brutalidade. Monick(1929/1993) admite que existam dois tipos de arquétipos do
masculino, cada qual com a sua sombra, isto posto que todo o lado positivo possui um negativo, e
assim sucessivamente. Estes arquétipos são denominados de falo ctônico e falo solar. O primeiro
refere-se à natureza masculina, à parte instintiva responsável pela parte feminina do homem, pelas
transgressões pelo irracional. Ao segundo arquétipo dá-se o nome de falo solar, voltado à
paternidade, aos papéis sociais desempenhados pelo homem. Como já referido, ambos possuem a
sua sombra, sendo este o aspecto que interessa neste ponto do trabalho. A sombra do falo solar
caracteriza-se pelas atitudes destruidoras advindas do logos, do conhecimento, pertence à
superioridade patriarcal, ao dominante.
A sombra do falo ctônico é admitida como sendo o outro lado sombrio do masculino,
caracterizado pela rudeza, brutalidade, falta de cuidados consigo, também pelo desejo insaciável,
possessividade, necessidade de poder , impulsos jocosos, gosto pela guerra e pela competição. No
personagem estes aspectos são percebidos apenas em alguns momentos do filme, como nas cenas
citadas, na cena 12 e na cena 8. O que aparece são alguns impulsos jocosos e o desejo insaciável,
quando John convida a professora para comer, um convite recebido por ela como ostensivo e
sedutor no seu sentido de desrespeito. Assim, Paulina coloca John em seu lugar dizendo-lhe que não
se socializa com alunos e que se ele busca ela como troféu pela dança que deixe de dançar. John
recebe esta resposta e fica pensativo. Um choque com a sua sombra. Esta é admitida em seu
discurso mais adiante, no enunciado da cena 16 quando John diz à Paulina : “Eu não queria voltar.
Todas as acusações que fez contra mim eram verdadeiras. Mas eu comecei a gostar de dançar, me
fazia feliz.”(Monick, 1929/1993)
Desta forma, John começa a tomar consciência de sua sombra e passa a integrá-la a seu ego.
Inicialmente John apenas admite em si a sua sombra no sentido de perceber as vicissitudes que a
descoberta desta provoca em si. No caso pode advir a culpa, um sentimento de maldade interna, ou
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também uma satisfação, no caso da identificação com a sombra, ou mesmo como algo que devia vir
à tona. Para John, quando percebe a existência de sua sombra, regride inicialmente, o que é
ilustrado pela cena 13 em que John começa a subir as escadas e retorna à rua. Este comportamento
demostra uma certa covardia, pois John foge ao enfrentamento, apenas deixa com que pensem
aquilo que queiram, assumindo um papel à sociedade e privando-se de ser quem realmente é. Porém
algo o faz mudar, ou seja, John começa a refletir e percebe que deve enfrentar aquilo que passou.
(Monick, 1929/1993)
O encontro com o filho o faz refletir acerca da importância da dança para si, mas além disto,
a importância de assumir a sua sombra e entrar em contato com ela pela dança. Quando a amiga de
Evan pergunta se John quer dançar e ele responde que sim, saindo correndo em direção à escola de
dança, quer dizer que lá é o local onde ele pode se expressar e lidar com aquilo que não está bem.
Isto porque é lá o local em que a sua sombra foi exposta, onde a sua ferida está aberta e lá o local
em que ele deve fechá-la. Assim, John retorna à escola e mostra que quer dançar para si e para os
outros. Além disto, como já referido anteriormente, John assume que teria intenções com a
professora em seu discurso da cena 16.
Nota-se que John é bem asseado, cuidado, sempre perfumado ,educado isto demonstra que a
sombra de John é bem guardada em seu invólucro da persona. Isto torna mais difícil a sua
integração com o ego e a sua aparição. Para o personagem John, este processo se dá pela percepção
a partir do outro e pela sua relação com a sua anima, que será discutida na categoria a seguir. Sendo
assim, o processo de John de dissolução da persona e desvendar da sombra é percebido de forma
clara mesmo que em sutis ações do personagem, isto tudo ocorre a partir de seu contato com a sua
anima, que é a alavanca do processo, mesmo sendo a camada mais profunda dentre as outras,
quando John começa a entrar em contato com a sua parte feminina, entra em contato também com
os outros arquétipos presentes no seu inconsciente. (Monick, 1929/1993; Jung, 1934/2000)
John tem o auxílio da dança em sua busca por autoconhecimento, nominada por ele de
felicidade. Pela dança, o personagem entra em contato com outros homens, podendo-se enxergar
neles inclusive frente a frente, pois em diversos momentos do filme John dança com um colega do
mesmo sexo. Nos olhos do outro John se enxerga e a partir disto começa a descobrir coisas em si as
quais desconhecia, ou mesmo que deixava escondido e resguardado em algum lugar da sua psique.
Sendo a sombra o lugar destas coisas indesejáveis, foi ali que John as guardou, abrindo agora o seu
baú de conteúdos sombrios, a partir do contato com o outro. Parafraseando Jung (1934/2000), pode-
se dizer que o homem sem entrar em uma batalha contra o orgulho fálico não conseguirá atingir
sabedoria alguma, pelo contrário, ficará na ignorância.
A problemática advinda do confronto com a sombra, do seu reconhecimento e posterior
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conscientização é resolvida na ordem dos relacionamentos, ou seja, será respondida em nível de


anima. ( Jung, 1934/2000) Este aspecto é percebido no filme com o personagem John que entra em
contato com a sua sombra devido contato com a anima que faz com que também observe em si
aquilo que o importuna, seus traços inferiores de caráter e algumas outras tendências incompatíveis
com a sua persona. Assim dá-se início à quarta categoria a ser discutida neste trabalho, o confronto
com a anima.

4. Anima: Aquela dama interior


“Tudo acabado e o baile encerrado, atordoado fiquei,
eu dancei com você divina dama, com o coração
queimando em chamas...”
(Cartola, 1970)

A anima é aquela dama provocante que cruza o caminho do homem das mais diversas
formas e pelos mais variados caminhos. O homem por ela se encanta, mal sabendo por quem.
Atordoado, não sabe o que fazer com aquilo que esta figura feminina movimentou dentro de si e
assim enfeitiçado o homem entra em contato com uma profunda parte de seu inconsciente, o
arquétipo feminino, a anima. Jung utiliza-se da metáfora do pescador para explicar o contato com os
arquétipos, com a sombra pelo reflexo no rio e com a anima pela sereia que surge deste reflexo e
encanta o pescador. Por encantador entende-se numinoso, sendo esta uma característica deste
arquétipo, que seduz o homem ao irracional. (Jung, 1934/2000)

Paulina, a professora de dança pode ser vista aqui como a projeção da anima de John. O
personagem apaixona-se pela imagem da professora, fixa-se nela e vai atrás de algo que ela pode
lhe dar. Ao conhecê-la esta deixa bem claro o seu lugar e que as chances dos desejos de John se
tornarem realidade são nulas. Isto torna-se claro na cena 12 em que Paulina diz a John para não
dançar se estiver atrás dela, pois perderá o seu tempo. Jung (1934/2000)refere que o homem projeta
a anima em diversas mulheres, a iniciar pela sua mãe, porém com o tempo segue projetando nas
outras mulheres de sua vida, nas paixões, até encontrar com a sua anima de verdade, com a sua face
feminina interior. (Hall & Nordby, 1980)

A função arquetípica da anima advinda pela relação materna pode ser percebida no discurso
de Link : “Calça frouxa, maricas...É isso que ouço desde os 8 anos quando dançava com os discos
de rumba da minha mãe. E sabe o que é pior? Eu não sou gay. Minha vida seria muito mais fácil se
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eu fosse .Um heterossexual que gosta de dançar assim é muito raro.” Nota-se aqui uma
identificação com o arquétipo feminino, trazendo traços efeminados ao personagem no momento
em que dança, com rebolados e gestos escandalosos. Cabe aqui afirmar que as projeções se dão
quando os conteúdos ainda estão inconscientes, e são ativadas sempre que um aspecto vital da
personalidade é acessado, mesmo que inconscientemente. (Jung, 1964; Sanford, 1986)

Em relação ao sentimento advindo das projeções pode-se ilustrar aqui a cena 14 em que a
Miss Mitzy afirma, em relação à Bobbie: “- Ela gosta de você e a dança começa com os sentimentos
dos dançarinos.” A partir desta fala pode-se afirmar que a partir das projeções feitas pelos
componentes de uma parceria é que se definirá se poderão formar um par de dança efetivo ou não.
Por exemplo, Paulina na cena 21, em sua carta fala de seu último parceiro de dança, que porventura
era também seu namorado:

Quando meu par e eu fomos para a Blackpool ano passado, estávamos


ansiosos para chegar às finais. Todos estavam convencidos de que
venceríamos e queríamos confirmar isso. Éramos um casal desde o
momento em que viramos parceiros. Mas começamos a treinar muito,
cobrando demais um do outro. Esperando demais. Nós não vencemos. Nem
chegamos perto. Eu voltei sem troféu e sem parceiro.

Por este exemplo, nota-se o quanto as projeções podem ser também prejudiciais. Neste caso,
um exigindo muito do outro, de acordo com aquilo que queriam para si mesmos. Este é o problema
de muitos casamentos, em que as pessoas casam-se com aquilo que advém delas mesmas, ou
melhor, casam-se com as suas projeções. Não que inicialmente isto não possa ocorrer, pois é o que
geralmente ocorre quando se conhece alguém, o problema é quando isto começa a crescer, como no
caso de Paulina, em que ao invés de se dar conta daquilo que era seu projetado no outro, as
projeções aumentaram e o casal já não se suportou visto que os objetivos não foram cumpridos de
acordo com as suas ambições. Assim, dependendo da maturidade do casal, pode superar a fase das
projeções ou não. No caso dos parceiros de dança isto funciona da mesma forma, quando um espera
muito do outro, conforme aquilo que gostaria e o outro não corresponde, a dança não flui e a
parceria se desfaz. Um exemplo disto pode ser destacado na cena 15 em que Paulina diz à John,
referente à Bobbie: “Você é a moldura...ela é a pintura que se encaixa na sua moldura. Você deve
fazer de tudo para exibi-la.” Isto remete à complementaridade, para a relação funcionar um deve
complementar o outro, cada qual com suas forças e fraquezas suprindo as dificuldades do outro.
( Jung, 1910/1986; Sanford, 1987)

A partir da cena 4 é que se pode perceber a relação de John com a sua anima, quando se
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encanta pela professora na janela, e a partir dali passa a ficar cada vez mais intrigado consigo
necessitando tomar alguma atitude em relação a isto, quando decide entrar na escola de dança. (cena
7). Devido ao momento em que John se encontra, de questionamentos e indagações, este abre-se ao
conhecimento de sua anima, saindo do seu mundo consciente e externo para embrenhar-se nas
profundezas do desconhecido. (Henderson, 1964; Jung, 1934/2000)

Esta parte da anima com quem John se depara seria a parte negativa da anima, que seduz,
atordoa e provoca fantasias no sujeito. A personagem Paulina, deixando claro o seu papel
distanciado de John de professora, cumpre com o papel de demonstrar a John a sua própria sombra,
fator discutido anteriormente, por outro viés. Aqui pode-se pensar na representação de Paulina
como aquela que seduz e aponta as falhas refugando o homem após seduzi-lo. Quando o homem se
depara com a sua anima negativa, isto é arrebatador, como se percebe no filme, John dispõe-se a
esconder que dança e a deixar de lado algo para a sua família por causa de uma paixão não
correspondida. (Henderson, 1964)

John embrenha-se em seu encontro com a anima, ele modifica muitas coisas em si mesmo a
partir deste encontro, mesmo sem perceber o que mudou. John ganha vida, fica mais feliz. Isto
ocorre porque a ativação deste arquétipo tem a ver com a vida, com aquilo que impulsiona o sujeito
para algo, por isso John animou-se tanto com algo. (Jung, 1934/2000).Paulina é a pessoa que
consegue perceber as mudanças em John, pois ela refere na cena 16: “Você parece emocionado com
algo como há muito tempo não ficava”. E assim John admite que na verdade está aterrorizado com a
competição que será no dia seguinte. Neste trecho é possível notar que John consegue admitir as
suas falhas para Paulina, a partir dos aspectos percebidos da sua sombra, e também é ajudado por
ela para que tenha mais vida e se entusiasme ainda mais com o prosseguimento da cena.

A anima se apresenta no filme também no seu lado positivo. Em um primeiro momento,


percebe-se que John não consegue lidar com o aparecimento de sua anima como algo interno seu,
isto, claro devido à projeção feita na professora. Deve-se lembrar que a projeção é necessária neste
processo para haver um contato com o arquétipo, mesmo que depois isto tenha que ser corrigido.
Porém, John passa a tratá-la como inalcançável, como uma pessoa além daquilo que ele poderia ter ,
consegue então notar que na verdade as coisas que o fizeram se aproximar dela foram as suas
próprias angústias. Este aspecto é demonstrado pela cena 16 em que John fala para Paulina acerca
de suas motivações para dançar: “-Sua aparência exterior parecia refletir o que eu sentia no meu
interior.” Isto remete exatamente à projeção feita por John de sua anima na professora. E que neste
momento John percebe que o que ele via nela era na realidade o que sentia. Assim, a sua anima que
estava se manifestando projetada na mulher ideal que John encontrou.
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Ilustração 9: Cena 16 frente


Ilustração 8: Cena 16 tango com Paulina. a frente com a anima

Ilustração 11: Cena 16 John segura


Ilustração 10: Cena 16 o final da dança Paulina

Paulina cumpre com a sua função de anima, percebendo o ponto fraco de John, ela
posiciona-se em sua fraqueza e o ajuda a levantar-se para ganhar força. A personagem decide dançar
com John, à sua maneira, demonstrando na dança coisas que não poderia falar em palavras e nem
mostrar-lhe com gestos, isto porque ela permanece no lugar do inatingível do mito. A cena da dança
é descrita nas ilustrações para uma análise mais detalhada destes conteúdos imagéticos, além do
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dito e transpostos na dança. (Henderson, 1964)

Na cena 16 referida pelas imagens, fica claro o confronto com a anima, a necessidade de
coragem para enfrentá-la e também para lidar com as suas forças internas e morais. Paulina provoca
o caos em John, na verdade causado internamente pelo próprio inconsciente dele. Ela o confronta
frente a frente, como pode-se notar na Ilustração 9. John deve enfrentá-la para poder sair deste
conflito em que se encontra. Na dança ele tem a chance para tal. Esta apresenta-se aqui como um
ritual em que o personagem tem a possibilidade de se dar conta de mais um de seus aspectos
inconscientes que emerge neste momento de sua vida.

Antes de iniciar a dança com John, na mesma cena, Paulina lhe dá as instruções do que irá
acontecer, pede-lhe que deixe as luzes apagadas dizendo-lhe: “- Deixe apagada. Não diga nada e
não pense. E não se mexa a não ser que sinta.” Esta fala dá início ao ritual e ao que pode aparecer
de numinoso na relação entre John e Paulina. A partir deste momento John passa a lidar com a sua
parcela instintiva, com as camadas mais instintivas de sua anima e sua persona fica abalada,
deixando transparecer traços de sua sombra e o contato com a sua anima, representada a sua frente
querendo integrar-se internamente. A música se inicia e Paulina aproxima-se de John e provoca-lhe
algum tipo de reação a partir de sua intenção de movimento. John reage e dá o primeiro passo.
Percebe-se que Paulina o conduz em quase todos os momentos da dança, ela o segura é ela quem se
move com maior agilidade e precisão. Porém John recebe os comandos e obedece, seguindo pelas
intenções dadas pela professora. (Henderson, 1964)

Paulina obriga-o a lidar com o feminino em si em contraponto com a sua sombra. Na


Ilustração 8, a personagem vira-se e solicita corporalmente que John a domine na pista. O
personagem deve se manter e reagir. A força integrativa representada por esta dança faz com que
John lide com diversas facetas de sua anima, desde a mais primitiva àquela voltada à sabedoria e
integração. Na dança surgem diversos elementos sexuais que são ativados no contato corporal, e
John deve conter os seus impulsos, a sedução e o elemento jocoso também estão presentes , John
deve assimilá-los. A anima além de tudo mostra as fraquezas de John em relação à mulher, que ele
não tem o domínio e que ele atordoa-se em contato com a mulher. (Henderson, 1964)

Na Ilustração 10 John segura Paulina, o que sugere o seu posicionamento em relação a ela,
ou seja, que John pode-se usar de seus recursos masculinos para entrar em contato com a sua anima,
pois isto verdadeiramente é uma forma integradora de lidar com o seu lado feminino. Isto quer
dizer que o personagem leva a sério os seus sentimentos, humores, expectativas e fantasias enviadas
pela sua anima. Reage a elas e as fixa na dança. Este processo de fixar na dança é extremamente
positivo, pois desta forma o personagem consegue integrar de maneira ampla a sua anima, isto
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porque facilita o entendimento do real no processo. John entra em contato com sua anima pela
dança, e nela compreende as suas fantasias, expectativas, ambos sentimentos reais que estão
acontecendo naquele momento em que dança. (Henderson, 1964)

Quando Paulina, na Ilustração 11, pede a John que mantenha isso vivo, ela se refere ao
impulso que deu no aluno, ou seja, à vida ativada pela anima, algo que coloca em funcionamento o
processo de individuação, que o faz seguir em diante o seu desenvolvimento psíquico. Neste
momento do filme é como se mediante o caos interno a integração surgisse. Mais ou menos desta
forma que se dá o processo integrador da anima. Nota-se ainda que Paulina percebe este poder
sobre o personagem e o garante a si mesma para integrar o personagem e fortalecê-lo. Com as cenas
seguintes a integração da anima se torna ainda mais evidente. ( Henderson, 1964; Sanford, 1987)

A partir deste contato com a anima e dos acontecimentos que se sucedem, percebe-se que
John passa a ficar mais tranquilo em relação a si mesmo, ou seja, os conflitos começam a dar frutos,
o personagem passa a se utilizar dos recursos que possui em todos os sentidos de sua vida. Na cena
19 em que John posiciona-se frente aos colegas afirmando que não há nada de errado com a dança
de salão, está assumindo uma postura em seu trabalho, utilizando-se da anima como força para tal .
Em sua família, percebendo os momentos em que estava infeliz, mas valorizando as coisas boas de
seu casamento, John passa a investir na esposa, também utilizando-se de sua anima interior para tal.
Na cena 22 isto fica evidente no discurso de John, quando consegue falar de seus sentimentos em
relação ao casamento.

Na cena 23 John mostra-se amoroso, quando surpreende a esposa em seu local de trabalho,
vestindo um smoking e levando-lhe uma rosa vermelha. Nesta cena percebe-se John confiante,
disposto e amoroso. Todas consequências do seu processo de individuação, de sua integração com a
anima, da descoberta de sua sombra e do desmascarar de sua persona. John está então pronto para
retomar seu casamento e reencontrar pela última vez a personificação de sua anima. Beverly parece
emocionada em ver o marido lhe agradar da forma que aparece em seu local de trabalho. John pode,
desta forma corrigir e recomeçar as coisas com a sua esposa, agora que está mais integrado consigo
mesmo, pode agir de maneira mais integrada com os outros também.

A última dança com Paulina é bem diferente das outras, nesta ambos estão mais
descontraídos. Paulina faz uma menção de retirar John de sua esposa, para dançar e depois devolvê-
lo aos seus braços. Isto pode simbolizar o processo pelo qual John passou consigo, em que ela o
auxiliou a integrar a sua anima, e ele a auxiliou com o seu animus, deixando com que ela pudesse ir
embora em busca daquilo que ela treinou a vida toda para fazer que é dançar. O efeito causado nela
é de decisão. Paulina deixa de se esconder atrás de uma persona, assumindo os seus erros e entrando
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em contato com suas expectativas e planos de vida. Tudo isto fica claro na carta escrita por ela
endereçada a John na cena 21. Paulina escreve: - “Você estava tão gracioso e corajoso
dançando...Era uma pessoa diferente de quando chegou na escola da Miss Mitzy. Mas muita coisa
mudou para nós dois nos últimos meses.” Neste momento, a personagem se dá conta de que
também teve mudanças e o quão significativa foi a relação dela com John, ativando em si
mecanismos que estavam já estagnados pela frustração. E ela continua: “-Todo esse tempo eu me
escondi na Miss Mitzy ,com raiva de mim mesma. Frustrada, envergonhada. Mas depois que treinei
você e Bobbie e vi como estavam vivos, eu percebi o quanto tinha abandonado. E agora, pela
primeira vez em muito tempo, quero dançar novamente.” Assim, Paulina fecha a sua vivência com
John, tendo compreendido a relação de ambos e o quanto esta influiu no desenvolvimento dos dois.
Ambos cresceram e conseguiram ir em busca daquilo que procuravam, não que o processo se
encerre aqui, mas que foram dados grandes passos em busca da realização.
83

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nota-se que o processo de individuação envolve muitos atores, não se trata de um processo
isolado em si mesmo. O indivíduo entra em contato consigo pelo outro, pelo olhar do outro e as
suas projeções no outro. No filme o processo de John causa interferência na vida de muitas pessoas
ao seu redor, na sua projeção de anima, na sua descoberta da sombra, no retirar da sua persona, em
todas estas fases John afetou algumas pessoas. A sua esposa sofre mudanças, assim como a
professora e os colegas. Todos que mantiveram estreitas relações com John tiveram de alguma
forma as suas vidas afetadas. Por isso trata-se de um processo complexo em que tudo está
relacionado e interligado nas redes de relacionamento social e interno.

Os resultados encontrados comprovam que a dança exerce influência no processo de


individuação do sujeito e demonstra qual o papel exercido por esta prática dentro do processo.
Entende-se, portanto que a dança auxilia o sujeito a integrar-se a partir das relações consigo e com o
outro. Assim, este processo só existe na presença do outro, pois é pelo olhar do outro que o
indivíduo enxerga a si mesmo. É um processo de introspecção que admite e pressupõe uma relação
de alteridade implícita. Diz-se implícita, pois existem diversas maneiras de se passar pelo processo
de individuação. No caso do filme estudado, a pressuposição do outro aparece devido às projeções
realizadas pelo personagem e que só pela percepção destas os resultados puderam ser encontrados.

A dança é aqui percebida como um meio pelo qual o sujeito consegue expressar seus
conteúdos inconscientes. Auxilia o sujeito, no caso do filme , e por ser dança de salão, auxilia o
sujeito a entrar em contato com a sua anima, o feminino, e no caso das mulheres com seu animus.
Esta relação ocorre pela forma de dança, reações à dança e sentimento na dança. Todos estes
aspectos foram encontrados na última categoria analisada. Assim, pela forma de dança, o
personagem encontrava-se frente a frente com a sua projeção da anima, com esta materializada e
assim tinha um confronto com a sua anima. As suas reações à dança advém deste contato com o
feminino, não só pelo contato com o par, mas consigo mesmo, ou seja, quando dança o sujeito passa
a conhecer um pouco mais de si mesmo, conhece outros prazeres do corpo descobertos por meio da
dança. O sentimento entra neste processo no sentido que abre caminho para a entrada do outro. É
também uma porta de entrada para conhecer o outro e consequentemente a si mesmo. Isto é
claramente percebido no filme, que quando o sentimento é nulo ou insuficiente o par não funciona,
este precisa de uma mínima conexão que irá depender de cada um do par que dança.

Pela dança também conhece-se a sombra, que é mostrada ao sujeito pelo outro. Pelos atos
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realizados no momento em que se dança, ou seja, quando se dança se está suscetível a cometer
diversos erros, estes muitas vezes não levam o sujeito descobrir a sua sombra, para tal necessitará
de outras condições que são percebidas no filme. Neste as condições advém do ambiente em que se
dança, e novamente pela forma de dança. Pelo ambiente porque o personagem tem a necessidade de
dançar com outros homens, o que o faz entrar em contato com coisas que não gosta no outro, e que
muitas vezes fazem parte de si mesmo. Ou seja, entra em contato por meio da projeção de seus
conteúdos no outro, o sujeito se dá conta de que as coisas são suas devido aos seus movimentos
corporais que o denunciam. Isto pode ser pelos erros ou gafes cometidas durante a prática de dança.
Pela forma de dança se percebe que a dança de salão propicia um contato em direção ao outro mais
aproximado e livre. Assim, os homens se avaliam conforme os outros estão indo para que ele veja
como está. Entra em contato com o seu obscuro também pelo sentimento que tem quando percebe
suas partes negativas e obriga-se a lidar com elas.

Na dança pode-se vestir a máscara que quiser, porém o corpo dirá quem é o sujeito que está
dançando. Por este motivo a relação com a persona aparece na pista de dança e é também
influenciada pela dança em seu deslindar. As contribuições da dança neste aspecto abrangem um
espaço ainda maior pois têm estreita relação com o social. Isto porque o sujeito deve passar a
assumir aquilo que é para poder dançar livremente, do contrário o faz às escuras para que ninguém
saiba. Isto porque sabe-se do preconceito existente em relação ao homem que dança, que é
efeminado ou que dança é uma prática feminina. Mesmo na dança de salão que exige do homem
uma postura bem masculina. Na verdade este preconceito está inteiramente relacionado com o
contato com a anima, que de qualquer forma é ativado pela dança, e que no decorrer dos séculos
tem sido demonstrado, erroneamente, como algo a ser evitado pelo homem. No filme o personagem
consegue diferenciar a sua persona do si mesmo. Algo que mostra-se como uma habilidade do
personagem, assim como um desenvolvimento psíquico mais evoluído neste sentido.

Em suma, as contribuições da dança para o processo de individuação do sujeito são as


seguintes:

• A percepção do lado desconhecido por meio do sentimento, forma de dança e projeções


realizadas nos colegas de dança;

• A sombra aparece nos erros e gafes cometidos na dança;

• Pela dança o homem entra em contato com o seu lado feminino;


• Na dança o homem pode encontrar a projeção de sua anima e a partir dela integrá-la ao ego;
• No momento em que se dança, o sujeito pode ser ele mesmo, pode soltar-se de sua persona;
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• A dança faz com que o sujeito entre em contato com seus arquétipos, sendo eles a persona, a
anima, a sombra, da alteridade, do tempo, dentre outros aqui não discutidos;
• A dança serve como via de escape para os conteúdos inconscientes;
• A dança integra o sujeito pela relação corpo e alma e a relação de alteridade;
• A dança possibilita um contato com o outro mais estreito assim como amplia a rede social
do sujeito.
A partir desta pequena lista que resume os resultados encontrados, pode-se perceber que as
contribuições da dança para o processo de individuação do sujeito são relativamente relevantes,
principalmente, no que se percebe que a dança serve como um meio para que o indivíduo entre em
contato com seus conteúdos inconscientes. Quanto à via de escape, qualquer que fosse a arte
poderia ser inclusa neste processo com resultados relevantes, pois por meio da arte a expressão do
inconsciente é comprovada pelos autores da Psicologia Analítica. Poderia ser por meio do trabalho
com os sonhos, com as imagens surgidas nestes, em pinturas, esculturas. Porém, pela dança o
processo não funciona da mesma forma. A dança acaba, ela só existe no presente, depois deste
momento, ela já não é, foi. O relato de uma dança nunca será o mesmo, pode-se repetir inúmeras
vezes e sempre sairá diferente. Isto porque a dança é um elemento de uma complexidade
considerável. Posto que a dança depende de como se maneja com o corpo, com os sentimentos do
momento, com as pessoas envolvidas, o público, e o corpo não possui tantos entraves para
expressão quanto à mente, este fala muitas vezes pelo inconsciente sem que o sujeito perceba a sua
invasão.
O que se percebe, portanto, é que o diferencial da dança em relação às outras práticas
artísticas é o contato com o corpo e com o social ao mesmo tempo. Mesmo sabendo que as outras
artes também supõem um social nas relações estéticas ou semióticas, na dança esta se dá na ordem
dos relacionamentos. A pessoa obriga-se a lidar com o outro por meio da dança e também obriga-se
a lidar com o seu corpo, com as partes que não se movimentam, com as suas limitações e com as
partes que se destacam. Por isso a dança é integradora do sujeito, faz com que este se perceba em si
mesmo e na relação com o outro. Isto não quer dizer que a pessoa que dança chega à perfeição, mas
passando pelo processo de individuação e utilizando-se da dança como recurso, o sujeito consegue
se integrar e ser quem ele realmente é. Esta é uma confusão comum, em pensar que o processo de
individuação leva à perfeição. Isto não existe, cada qual será da forma que é, e integrado pode
melhorar as suas relações com o outro à sua maneira, lidando com as projeções de maneira
esclarecida, podendo se dar conta daquilo que é seu e o que é do outro.
Este estudo me fez perceber que a dança exerce uma diferença no processo de individuação
86

e que este processo perpassa por toda a vida do sujeito. Durante a produção deste texto me dei conta
de muitas coisas acerca de mim mesma, a partir das projeções realizadas nos próprios personagens
do filme, o que me fez perceber o quanto observar o desenvolvimento de outrem pode trazer ganhos
a quem o assiste ou observa. No caso do filme sabe-se que é uma ficção, que tudo é montado para
transmitir sensações e ideias aos expectadores. E nisso surgiram diversos questionamentos,
baseados nas teorias bakhtinianas e benjaminianas, que me fizeram refletir acerca da mídia, da
produção de cinema, da arte e da cultura atual. O que a cultura de massa pretende, a quem ela atinge
e por que transmite determinadas sensações ainda pode ser descoberto, a partir de uma outra
pesquisa, pois esta dúvida ficou e espero poder saciá-la brevemente. Não foi possível, neste trabalho
refletir acerca desta problemática, dados os objetivos do trabalho e o tempo para a realização do
mesmo.
As limitações que surgiram na realização deste trabalho foram externas e internas. Externas
no sentido do tempo, da delimitação do tema e dos conhecimentos transmitidos pela própria
universidade. Ao meio do trabalho, me dei por conta de que a análise que estava realizando não era
própria ao trabalho que estava fazendo, até poderia ser aplicada, porém exigiria o dobro do tempo
para realizá-la e o dobro do trabalho em seu conteúdo. Esta dúvida somente apareceu por não ter
subsídios suficientes para a reflexão do que era melhor ser utilizado como análise neste tipo de
trabalho. Pretendia realizar uma análise de discurso baseada nos preceitos bakhtinianos acerca do
discurso e do romance, porém para tal, necessitaria de uma correlação entre os conceitos deste autor
com os conceitos junguianos. Isto torna-se complicado de realizar pelas divergências teóricas entre
os autores, no entanto acredito que é possível de ser feita devido às relações arquetípicas existentes
no inconsciente coletivo, o que poderia ser um gancho importante na relação entre as teorias. Deixo
aqui uma sugestão para uma próxima pesquisa: Uma conversa entre Bakhtin e Jung: os arquétipos e
as relações sociais.
Internamente ,das limitações que encontrei, grande parte referem-se ao embasamento
teórico, no que diz respeito a Jung, a Bakhtin, Benjamin, à Psicologia Analítica em geral. Deixando
claro que todo o embasamento veio de busca própria, a partir de uma pequena base dada pela
universidade. Sendo que nesta os autores citados são pouco vistos, quando nunca vistos. No caso de
Jung, recordo que tive duas disciplinas básicas que tratavam do autor e não há nenhum professor
especializado na área. Isto dificulta a ampliação das teorias no âmbito acadêmico, podendo ser vista
como uma proposta reacionária de ensino, que contempla apenas algumas linhas de pensamento e
não contempla as outras. Este trabalho tem, intrinsecamente, a pretensão de introduzir no meio
acadêmico o pensamento junguiano, podendo abrir espaço para outras linhas que também não
possuem tanta expressão na universidade.
87

Para encerrar este trabalho sugiro outras pesquisas que podem ser realizadas a partir deste. A
partir do material teórico revisado e de estudos pesquisados, percebo que existem poucos estudos a
respeito da dança em relação à psicologia. Todos os que existem acerca da dança levam em conta os
aspectos psíquicos do sujeito , porém no que concerne à compreensão dos fenômenos inconscientes
pela dança, ou seu estudo pela observação da prática na arte, não foram encontrados estudos que
aprofundassem tanto. A dança poderia ser estudada como via de encontro com os conteúdos
inconscientes, não só como dançaterapia, ou dança movimento terapia, mas também como prática
social visando os aspectos do inconsciente coletivo.
Por fim, em um âmbito geral, acredito que o trabalho realizado deixa uma abertura para
novas pesquisas na área, instigando ao leitor ou expectador que reflita acerca do processo de
individuação e a dança intrincada neste processo. Este trabalho também valoriza a dança como
prática social, auxiliando no desenvolvimento e crescimento desta prática para a população. Isto
porque, a partir dos resultados deste trabalho, pode-se perceber que a dança traz benefícios ao
sujeito, tanto no que diz respeito ao processo de individuação quanto no que se refere à
socialização, desenvolvimento de aptidões e maior integração entre corpo e mente.
88

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95

ANEXO 1

Modelo de ficha catalográfica

TEMPO DO DESCRIÇÃO DO DESCRIÇÃO AÇÕES DOS FALAS


FILME CENÁRIO DOS PERSONAGENS PRINCIPAIS
PERSONAGENS
Ex. : 1'22” No interior de um Personagem C., Observa uma (Não há falas na
trem a caminho de aprox. 45 anos mulher na janela. cena)
casa. casado, dois
filhos.
96

ANEXO 2

Cena 1:
Tempo : 00'31” - 1'32”
Descrição do cenário: Ruas de Chicago, interior de trem, multidão nas ruas, prédio com escadas
rolantes e sala de escritório. Trem lotado.
Personagens: John
Ações: Nesta cena aparece John indo para o trabalho, chegando no prédio,
cumprimentando as pessoas do trabalho, depois, sentado em uma mesa de
escritório, depois descendo uma escada rolante e logo aparece dentro do
trem retornando do labor ao meio de muitas pessoas.
Falas: Narrativa que se passa: 1 milhão e meio de pessoas andam de trem todos
os dias. Em mais de 20 anos já escrevi testamentos para umas 8 mil dessas
pessoas. Sentava com elas enquanto falavam de seus bens, imaginando que
filho ficaria com o quadro da lareira, quem levaria a coleção de colheres
antigas. Últimos agradecimentos, partilhas, confissões... As pessoas tentam
resolver tudo. Quando eu termino, outra vida é recapitulada, bens e dívidas
calculados, e, depois, zerados. Rubrica aqui e ali e assinatura embaixo.
Depois, como com a maioria dos clientes, você sorri e ele faz a pergunta
que ouço há 20 anos: "Então, É só isso?" Eu digo que com a papelada sim.
O resto é com você.

Cena 2:
Tempo : 1'41” - 3'07”
Descrição do cenário: Pátio de casa, sala de jantar com algumas cadeiras e mostra um pedaço da
cozinha da casa.
Personagens: John, Beverly, Evan e Jenna
Ações: A cena inicia-se com John chegando em casa, e logo aparece ele sentado na
ponta da mesa e Beverly chegando com um bolo cheio de velinhas de
aniversário.
Falas: John: - Que lindo!
Beverly: - Faça um pedido.
O telefone de Jenna toca e ela: - Desculpe, preciso atender. ( Falando ao
97

telefone): Você ganhou?


John: Ela só tem 14, que história é essa de receber ligações?
Beverly: - Jenna, agora não.
John: - Por que demos o telefone?
Beverly: - Para emergências.
Evan: - E deve ser uma emergência séria.
Beverly:- Desligue, Jenna. Vamos.
Jenna: - Ta bom!
Beverly: - Desligue.
Jenna: - (falando ao telefone) Meu pai vai soprar 1 milhão de velas.
( Desliga o telefone) Estão felizes agora?
John: - Sopra as velinhas enquanto os outros aplaudem e diz: - Obrigado.
Obrigado. Muito obrigado.

Cena 3
Tempo : 2'29” - 2'54”
Descrição do cenário: Banheiro da suíte do casal
Personagens: John e Beverly
Ações: Depois de celebrar o seu aniversário com a esposa e os filhos, no banheiro,
o personagem John e sua esposa conversam após escovarem os dentes.
Falas: Beverly – Desculpe pelo roupão
John – Como assim?
Beverly – Foi difícil achar um presente para você.
John – Adorei este roupão
Beverly - O problema é que você nunca quer nada.
John – Não é verdade.
Beverly – É verdade, diga uma coisa que você quer.
John – o que você me deu esta noite. Evan vindo em casa, todos jantando
juntos, o bolo que você fez.
Beverly – Diga uma coisa que queira mas que venha em uma caixa.
John (suspira)
Beverly – Assunto encerrado.
98

Cena 4
Tempo : 2'54” - 3'05”
Descrição do cenário: John no interior do trem
Personagens: John e Paulina
Ações: No dia seguinte ao aniversário, John observa a professora de dança na
janela da escola de dança, pela janela do trem. Na cena seguinte, John a
enxerga novamente, enquanto retorna para casa no trem, faz um gesto no
ar, como se fosse tocá-la ou cumprimentá-la. Segue olhando pela janela do
trem. Dá um leve sorriso.
Falas: Não há falas na cena.

Cena 5
Tempo : 3'52” - 5'07”
Descrição do cenário: Cozinha da casa de John.
Personagens: John, Beverly, Jenna e as amigas
Ações: O personagem John chega em casa e encontra a sua esposa na cozinha, a
sua filha está com as amigas na sala.
Falas: John: - Olá! Cheguei!
Beverly: - Está rolando um ritual feminino.
John: - Eu sei. O que elas estão fazendo lá?
Beverly: - Vendo os piercings que colocaram na barriga.
John: - O que acha disto?
Beverly: - Só digo para terem cuidado com infecções.
John: - Me preocupo com Jenna, ela é muito bonita. Culpa sua.
Beverly: - Assine aqui.
John: - O que é isso?
Beverly: - Cartão de aniversário para sua mãe.
John: - Nossa, obrigado.
Beverly: - Como foi a malhação?
John: - O de sempre. E você, como está?
Beverly: - Estou bem. Encomendei a linha primavera na loja. Agora tenho
que sair.
John: - Não acabou de chegar?
Beverly: - É angariação de fundos na escola. Seu jantar está no forno. As
99

garotas já comeram.
John: - Podemos ir ao cinema qualquer hora dessas?
Beverly: - Sim. Ou pelo menos podemos ver as sessões no jornal juntos.
Como você está?
John: - Estou bem.
Beverly: - Cheque as garotas de vez em quando. Não precisa me esperar.
Jenna: - Sai daqui, pai!

Cena 6
Tempo : 05'24” - 6'35”
Descrição do cenário: Escritório na casa de John.
Personagens: John e Beverly
Ações: John está em casa em frente ao seu laptop procurando sobre dança de salão.
Logo entra em um site que toca automaticamente uma música de fundo,
como um tango, rapidamente, fecha a tampa de seu laptop e suspira
sorrindo. Logo, senta-se na cama e fala com a esposa.
Falas: John: - Bev? Não é verdade que eu não queira nada. Bev? (Sem resposta,
vira e chama novamente pela esposa, que não responde por possivelmente
estar dormindo) .

Cena 7
Tempo : 06'55” - 08'01”
Descrição do cenário: John está sentado no trem segurando a sua pasta. A música de fundo do
filme é inquietante, o que dá a sensação de inquietude de John. John passa
pela escola de dança e enxerga pessoas dançando lá. No trem escuta-se
uma voz que orienta para a próxima parada, que seria muito próxima à
escola de dança.
Personagens: John
Ações: Ouve-se: - As portas abrem-se á direita. John vira-se para trás, retorna o
olhar à escola de dança. Anuncia-se então a próxima parada. John pede
licença e desce do trem. Caminha em direção à escola
Falas: John: - Meu deus, o que está fazendo?
Olha para cima, enxerga a professora novamente e diz: - Eu só vou subir.
Entrando no prédio diz: - Meu Deus!!
100

Na entrada do prédio está o cartaz da escola indicando o andar em que se


encontra e escrito: Sinta-se a vontade em assistir. Duas mulheres seguem
descendo a escada do prédio dizendo : - Foi ótima a aula.
John segue subindo as escadas, nisso entra uma mulher, a personagem
Bobbie. John para no meio da escada enquanto Bobbie vêm subindo atrás
rapidamente e dizendo: Vamos!!Enquanto John se vira e esbarra nela, ela
lhe entrega uma de suas sacolas e ele a segue subindo.

Cena 8
Tempo : 10'22” a 11'13”
Descrição do cenário: Sala da escola de dança
Personagens: John, Vern, Chic, Bobbie.
Ações: Os personagens estão sentados aguardando o início das aulas.
Falas: Vern: - Olá, sou o Vern.
John: - John.
Vern: - Vai começar na dança de salão?
John: - Parece que sim.
Chic: - Chic. Olá.
John: - Olá.
Vern: - Você dança muito?
John: - No baile de formatura. Stairway to Heaven. E você?
Vern: - Eu nem fui na formatura.
Chic: - Alguém está vendo mulher aqui? Estou aqui atrás de garotas.
Vern: - Achei que estivesse cheio delas.
Chic: - Não curto dançar com outros caras, sacou? Sem querer ofender,
senhor.
John: - Sem problemas.

Cena 9
Tempo : 15'55”- 17'47”
Descrição do cenário: balcão de lanchonete
Personagens: John, Vern, Chic e Bobbie
Ações: Depois da primeira aula de dança, John e seus colegas de aula Vern, Chick
101

e Bobbie vão jantar em uma lanchonete próxima à escola.


Falas: Bobbie pergunta a eles: - Por que querem aprender a dançar?
Vern: - Vou casar em setembro.
Outros: - Legal!!
Vern: - Minha noiva quer que eu emagreça. Ela acha que dançar ajuda, que
não acho.
John: acho que vai ganhar a aposta ( fala rindo e olhando para o prato
cheio de Vern.)
Chic: - Quero impressionar as mulheres. Sabem o que dizem dos caras que
sabem dançar?
Bobbie – Que são ótimos na cama.
Chic – Yeah.
Bobbie – De onde você tirou esta ideia estúpida?
Chic – De todo o lugar, todo mundo sabe que um homem que sabe se
mexer no salão sabe se mexer na cama. A maioria dos homens não sabe
dançar. Os que sabem podem escolher as garotas. Quando eu aprender elas
vão cair aos meus pés.
[...]
Bobbie – Só restou você( apontando para John)
John – O que?
Bobbie - Você~e é o único que não disse porque veio aprender a dançar.
John – Para me exercitar que nem o Vern.
Bobbie -Mentira.
John – Porque eu sou ruim de cama que nem o Chick. Pronto, já disse.
Chic – Eu não disse que sou ruim de cama.
Bobbie – Nem precisava dizer. Vamos lá, por que?
John – (olha para a garçonete e pergunta) : Tem pimenta aí? Pode me
passar?
Bobbie – Foi o que eu pensei. Ela foi finalista em Blackpool.
Chic – Quem?
Bobbie – A princesa, a outra professora, Paulina.

Cena 10
Tempo : 18'50” - 20'15”
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Descrição do cenário: Escritório de John, sala de dança da escola. Música de fundo lenta quando
John fica olhando para Paulina.
Personagens: John, Vern, Chic, Ms. Mitzy e Paulina
Ações: Todos dançam na aula e conseguem realizar os passos dados pela Sra.
Mitzy, comemoram. John fica parado por um momento observando
Paulina enquanto esta ensaia na sala ao lado.
Falas: Miss. Mitzy: - Ótimo, Vern. Mais devagar.
Chic: - Se colocar sua mão abaixo da linha do Equador te arrebento.
(referindo-se a John que o está conduzindo na dança)
John: - Vamos esclarecer algo. Também não gosto das partes baixas, falou?
Miss. Mitzy: - Cruzando os pés! Mais uma vez dando uma voltinha!
John: - Vejam só!( Referindo-se ao passo que realizou bem feito)
Miss. Mitzy - Foi ótimo! Muito bom!

Cena 11
Tempo : 24'03” - 25'13”
Descrição do cenário: Mesa de um bar escuro com bebidas em cima da mesa.
Personagens: John e Link
Ações: Após descobrir que seu colega de trabalho dança na mesma escola que
John, este vai em um bar e segue conversando com o colega Link.
Falas: Link: - Calça frouxa, maricas...É isso que ouço desde os 8 anos quando
dançava com os discos de rumba da minha mãe. E sabe o que é pior?Eu
não sou gay. Minha vida seria muito mais fácil se eu fosse .Um
heterossexual que gosta de dançar assim é muito raro. Não vai comentar no
escritório, vai?\N- Não, não! Eu não faria isso!
John: - Eu estou no mesmo barco.
Link: - Não está.
John: - Por que não?
Link: - Porque gostam de você .Você é encantador. Me crucificariam se
descobrissem. Eu sei tudo sobre esportes,sou fã de esportes, entende?
John: - Você não curte futebol americano? É só correr e se amontoar,\correr
e se amontoar. Dá vontade de se matar.
John:- Você me enganou.
Link: - Eu sei, enganei todo mundo. Sabe qual é o meu sonho?
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John: -Qual?
Link:- É poder dançar livre e com orgulho\usando meu nome verdadeiro
para todo mundo ver. Este é o meu sonho.

Cena 12
Tempo : 38'17” - 40'14”
Descrição do cenário: Rua da frente da escola de dança, próxima à entrada do metrô.
Personagens: John e Paulina
Ações: Após ter seu casaco sujo pelo acidente causado por Bobbie que derrubou a
sua comida no casaco de Paulina, ela e John estão saindo da escola.
Paulina aparece triste pelo casaco que sujou e John conversa com ela a
respeito.
Falas: Paulina: - Parece besteira, mas é meu casaco favorito.
John: - Sinto muito.
Paulina: - É de ótima qualidade. Essa parte manchou. Está arruinado.
John: - Tem certeza? Deve dar para arrumar.
Paulina: Não dá, eu conheço manchas.
John: - Eu não entendo. As vacas se sujam o tempo todo e não mancham.
Sujam aquele couro todo na lama e não mancham. Como pode?
Paulina: - Exatamente.
John: - É só cair um pouco de molho no seu casaco e veja só.
Paulina: - Por que será? Eu não sei.
John:- Perguntaremos a próxima vaca que passar.
Paulina: - Quanto ao lenço... nossa, eu nem sabia que ainda se faziam
lenços.
John: - Eu ainda não comi. Se quiser...podemos comer algo. Eu vi um
chinês aqui perto. Poderíamos usar palitinhos e.....misturar um monte de
coisas...
Paulina: - Sinto muito, prefiro não me socializar com alunos.
John: - Tudo bem.
Paulina: - Eu não deveria ter aceitado o lenço. Vou comprar outro para
você.
John: - Eu não pretendia nada com isso.
Paulina: - Eu comprarei um novo. Com licença. Sr. Clark, levo a dança
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muito a sério. Miss Mitzy é uma escola, não uma boate. Espero que não
esteja lá por minha causa, pois perderá seu tempo. Não dance se estiver
atrás disso.

Cena 13
Tempo : 42'06” - 45'35”
Descrição do cenário: Rua da frente da escola de dança e boate lotada de jovens dançando em
pista de dança, mesa com bebidas.
Personagens: John, Evan, namorada de Evan e amigos de Evan
Ações: John desce do trem na parada da escola de dança, mas não entra na escola,
continua caminhando. Encontra seu filho, vai à um bar com ele e depois
retorna à escola de dança chegando atrasado na aula. Paulina observa John
pela janela que dança na plataforma do trem.
Falas: John: - "O resto é com você. "É o que digo para os meus clientes. Depois
de uns anos eles voltam e eu aí eu vejo como eles mudaram. Os que
mudaram mais,finalmente compraram aquele barco, se mudaram para
aquela ilha, os que não mudaram......acho que se confortam sabendo em
que pé está a vida deles. Gostam de acreditar que sabem o que os aguarda
adiante.
John: - Droga!( quando vê o seu filho)
Evan: - Pai!
John: - Evan! O que faz aqui?
Evan: - Vim encontrar uns amigos. E você?
John: -Estou trabalhando, vim visitar um cliente.
,Evan: - Que estranho!
John: - Você acha?
Evan: É que eu vou encontrar uma garota e estou louco por ela. Vai ser
agora, em uma festa com meus amigos.E então, quer ir?
John: - Claro. Mostre o caminho, filho.
Evan: - Venha, vamos sair daqui!
Garota: - O seu pai não quer dançar?
Evan: Faz quanto tempo que não dança, pai? Uns 90 anos?
John: - Podem ir vocês dois, eu tive um dia cheio.
Amiga Evan: - Sr. Clark? Sr. Clark? Quer dançar?
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John: - Sim. Quero sim! Pode se despedir do Evan para mim?


Amiga Evan: - Claro!
John vai para aula, chegando atrasado.
[…]
John dança na plataforma enquanto Paulina o observa pela janela.

Cena 14
Tempo : 49'01” - 50'11”
Descrição do cenário: A turma está parada em frente a uma loja de eletrodomésticos na qual
estão expostas diversas televisões em que passa um filme de dança de
salão. Ms. Mitzy conversa com John.
Personagens: Ms. Mitzy, John, Vern, Chic e Paulina.
Ações: Ms. Mitzy conversa com John após Bobbie ter passado mal e a turma ter
visitado ela no hospital.
Falas: Miss Mitzy - Bobbie precisa de um par para a competição. Por que não
você, John?
John:- Eu? Competição? Não posso... Ela não aceitaria, esqueça.
Miss Mitzy: - Como não? Não ouviu a filha dela? Ela gosta de você e a
dança começa com os sentimentos dos dançarinos.
Miss Mitzy: - Ensaiarei com vocês dois durante duas horas depois das
aulas.
[…]
John fica parado em frente a loja de eletrodomésticos olhando a dança na
televisão pensando o seguinte: - Tudo o que o cliente disser no escritório
do advogado é confidencial. Por isso sei guardar segredos há anos.
Geralmente não é nada incriminador. Mas muitas pessoas...têm coisas
guardadas dentro delas. Coisas que elas não estão prontas para dividir.

Cena 15
Tempo : 57'49” - 1 00'31”
Descrição do cenário: Sala de dança da escola de dança e banheiro do escritório.
Personagens: Link, John, Paulina e Bobbie
Ações: Paulina está passando a coreografia para John e Bobbie, segue corrigindo-
os durante o ensaio. No meio da cena aparece John ensaiando no trabalho,
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no banheiro com o colega Link, que finge desmaio quando outro entra no
banheiro. Volta a cena da escola em que John ensaia com Bobbie.
Falas: Paulina: - Você é a moldura.
John: - Sou a moldura.
Paulina: - Ela é a pintura...
John: - É uma pintura...
Paulina: - ...que se encaixa na sua moldura. Você deve fazer de tudo para
exibi-la.
Bobbie – Entendeu?
Banheiro do Escritório:
Link( fazendo o papel de dama): - Muito bem. Isso, convide a dama para
entrar. Faça a conexão. Projete-se para o balcão...
Entra um outro colega no banheiro;
John(com o colega Link nos braços que finge desmaio): - Ligue para a
emergência! Rápido, ligue para a emergência!
Sala de dança:
Paulina: (demonstrando coreografia no quadro) - Começam aqui com uma
passagem inicial pela plateia. Observem. (dançando) E contrapasso!
Paulina: - Excelente! (referindo-se à Bobbie e John)
Bobbie: - Não foi nada demais. Você está bem?
John acena com a cabeça que sim.
Bobbie: - Tem certeza?
John: - Estou bem.
Bobbie: - Você está exausto.
[…]
Paulina: - Eu esqueço da hora ensaiando com vocês dois.
John: - Eu gosto, me sinto bem.
Paulina: - Eu também.

Cena 16
Tempo : 1 00'33” - 1 07'59”
Descrição do cenário: Escola de dança e rua da frente da escola
Personagens: Paulina e John
Ações: Os personagens conversam, saem para comer e voltam à escola de
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dança para dançar.


Falas: John: - Certo, vou para casa.
Paulina: - Espere .Queria conversar sobre aquela noite que me convidou
para jantar. Sinto muito pela maneira como te tratei. É que as pessoas
fazem uma ideia errada de mim.
John: - Paulina, não precisa se explicar para mim.
Paulina: - Eu sei disso, pois não ligo sobre o que pensam de mim.
John: - Ótimo.
Paulina: - É sério!
John: - Ótimo! (Chorando)....
John: - Sinto muito, eu não deveria ficar aqui...
Paulina - Não, tudo bem.
Paulina: Acho que estou com fome, é isso.
John: Com fome?
Paulina: - Muita. Que idiotice!
John: - Não! Eu também choro quando sinto fome. Por batatas fritas. E
você?
Paulina: - Bolo.
John: - Cuidado para não derramar no seu casaco novo.
Paulina: - É o mesmo, eu mandei tingir. Meu pai tingiu, ele tem uma
lavanderia. Minha mãe, meu irmão, minhas duas irmãs mais velhas...
todos trabalham lá. Até eu trabalhei.
John: - Já trabalhou na lavanderia?
Paulina: - Já. Até os 8 anos. Foi quando eu comecei a dançar. Eu estava
lá ajudando depois da escola, quando minha mãe pediu para eu ir pegar
um pedido. Era um vestido lindo e delicado, costurado com linha
dourada. Carreguei o traje como se fosse quebrar. E então eu vi a
cliente. Era a mulher mais bonita que eu já tinha visto. Ela nos convidou
para vê-la dançando naquela noite. Minha mãe aceitou. Foi como se o
mundo ficasse colorido de repente.
A linda mulher e seu par pararam bem na nossa frente ,e fizeram uma
pose de valsa. Ela inclinou a cabeça e piscou para mim. Foi como se ela
quisesse me dizer algo. Tomei como um sinal de que dali em diante a
108

dança de salão seria minha vida. Não era o tipo de sonho que meus pais
tinham em mente. O que te levou a dançar?
John: - Você.....olhando daquela janela bem ali. Eu podia ver do trem.
Todo dia eu voltava para casa do trabalho e....procurava por você. Pelo
seu rosto. Sua aparência exterior parecia refletir o que eu sentia no meu
interior.
Paulina; - Eu também estava te olhando. Eu te vi dançando na
plataforma. Na noite em que te falei todas aquelas coisas ,pensei que
nunca mais veria você. Mas você continuou voltando.
John: - Eu não queria voltar. Todas as acusações que fez contra mim
eram verdadeiras. Mas eu comecei a gostar de dançar, me fazia feliz.
Paulina: - Dá para perceber. Você parece emocionado com algo como há
muito tempo não ficava. Não está?
John: - Emocionado?
Paulina: - Com a competição de amanhã!
John: - Não! Estou petrificado!Vou esquecer tudo e nem conseguirei pôr
um pé na frente do outro.
Paulina: - Não!
John: - Sei lá, eu...
Paulina: - Me dê uma hora.
John: - Deixe assim!
Paulina: - Deixe apagada. Não diga nada e não pense. E não se mexa a
não ser que sinta.
( Os dois dançam uma música, um tango)
Após a música Paulina diz: - Esteja vivo assim. Esteja vivo assim
amanhã. Obrigada.

Cena 17
Tempo : 1 20'39” - 1 23'21”
Descrição do cenário: Salão de competição de dança com arquibancada e estacionamento do
local.
Personagens: John, Bobbie, Beverly e Jenna.
Ações: Na cena John acabou de dançar na competição, na qual se atrapalhou
quando enxergou sua mulher e filha na plateia, pisando no vestido de
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Bobbie, rasgando-o. A competição é parada, Bervely sai correndo e John


vai atrás dela, encontrando-a no estacionamento do local.
Falas: John: - Beverly, como soube?
Beverly: - Porque contratei um detetive. Pensei que estivesse tendo um
caso.
John: - Sei que é ridículo, me sinto...
Beverly: - Que falta de sorte.Mas ano que vem tem mais.
John: - Que bom! Tenho um ano inteiro para me preparar. Beverly, por
favor...
Beverly: - Não temos nada para conversar.
John: - Pode ficar aqui, por favor? Bev... Pare! Pode conversar comigo,
por favor?
Beverly: Então explique o que foi\Naquilo que eu vi lá dentro.
John:- Não estou tendo nenhum caso...
Beverly: - O que está havendo? Vamos lá!
John: - São novos amigos
Beverly:- Podia ter me contado. Responda por que me excluiu, você podia
ter me contado!
John: - Eu estava envergonhado.
Beverly: - De dançar?
John: - Não!
Beverly: - Então de quê?
John: - De querer ser mais feliz. Nós podemos ser muito mais. Não é culpa
sua.
Guarda do estacionamento: Ei, Fred Astaire! Está bloqueando o trânsito!
Motorista atrás do carro: Até que enfim! Obrigado!

Cena 18
Tempo : 1 23'37” - 1 23'57”
Descrição do cenário: Escritório de John
Personagens: John
Ações: John em seu escritório, sentado atrás de sua mesa.
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Falas: John: - A leitura de um testamento pode vir como um alívio. Depois do


choque inicial de que o dinheiro vai para o cão, o resto para o jardineiro,
tem-se a sensação de que finalmente as coisas estão claras.

Cena 19
Tempo : 1 23'59” - 1 25'02”
Descrição do cenário: Hall escritório, algumas pessoas em pé e uma sentada.
Personagens: John, Link e colegas de escritório
Ações: No trabalho, os colegas de trabalho de Link e John estão lendo uma
revista. Link ouve os cometários, sai de sua sala e tira uma das colegas
para dançar, dá uns giros com ela e logo a retorna à sua posição inicial.
Após isto, ela fica com a boca entreaberta o olhando como se em choque.
Falas: Colega 1: Vocês não vão acreditar, pessoal! Louie! Louie! Link começou
a dançar em 1985.Logo se transformou em sua paixão"e ele começou a
dançar 6 dias por semana. Advogado de dia, dançarino à noite,ele varre o
chão com sua energia. "
Colega 2: - Eu sabia! Falei que ele era esquisito.
Colega 3: - Acho que ele joga em outro time!
Colega 4: - Vejam que calças apertadas! Alguém arranje uma lupa!
John: Não há nada errado com dança de salão!
Link: Vão se ferrar. E futebol é uma porcaria.

Cena 20
Tempo : 1 25'16” - 1 26'22”
Descrição do cenário: John está em casa, lavando o carro, ele, a esposa e a filha, quando aparece
um carro chegando com Bobbie e Link.
Personagens: John, Beverly, Jenna, Bobbie e Link
Ações: John conversa com Bobbie e Link
Falas: Bobbie: - Ei, como vai? Surpresa!
John: - Que maravilha!
Link: - É, o lugar é lindo.
John: Obrigado.
Link:- Só queremos conversar um minuto.
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Bobbie: - Não quero que se afaste das aulas por minha causa. Não fiquei
com raiva por ter rasgado meu vestido. Sei que sempre quis ver meu
traseiro e escolheu a pior hora. Mas eu te perdoo Sinceramente.
John: - Obrigado.
Bobbie: - Podemos falar para a Sra. Mitzy que vai voltar?
John: - Lamento, mas eu não vou voltar. Pra mim chega. Mas fico
agradecido por terem vindo até aqui.
Link: John, Paulina vai para a Inglaterra estudar dança e daremos uma
festa. Adoraríamos que viesse. Ela mandou isso para você. Esperamos vê-lo
por lá, está bem? Vamos.(Puxando a Bobbie para o carro)
Bobbie: Tchau, John.
John: - Tchau.

Cena 21
Tempo : 1 26'29” - 1 28'51”
Descrição do cenário: Nesta cena, John está lendo a carta, aparece cenas dele e da Paulina, ela
dançando e revivendo memórias do passado que ela relata na carta.
Personagens: John e Paulina
Ações: John lê a carta que Paulina escreveu enquanto aparece ela dançando.
Falas: Segue a narrativa de Paulina:
"Espero que não esteja chateado com o que aconteceu com você e
Bobbie ,pois vocês estavam maravilhosos naquela noite. Odeio pensar que
por causa disso você pode desistir de tudo. Você estava tão gracioso e
corajoso dançando...Era uma pessoa diferente de quando chegou na escola
da Sra. Mitzi. Mas muita coisa mudou para nós dois nos últimos meses.
Quando meu par e eu fomos para a Blackpool ano passado, estávamos
ansiosos para chegar às finais. Todos estavam convencidos de que
venceríamos e queríamos confirmar isso. Éramos um casal desde o
momento em que viramos parceiros. Mas começamos a treinar muito,
cobrando demais um do outro. Esperando demais. Nós não vencemos. Nem
chegamos perto. Eu voltei sem troféu e sem parceiro. Todo esse tempo eu
me escondi na Miss Mitzy ,com raiva de mim mesma. Frustrada,
envergonhada. Mas depois que treinei você e Bobbie e vi como estavam
vivos, eu percebi o quanto tinha abandonado. E agora, pela primeira vez
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em muito tempo, quero dançar novamente. Por isso tenho que lhe
agradecer por ter me ajudado a enxergar isso. Espero poder te ver e dançar
com você mais uma vez antes de partir. "Paulina" , Obrigada.

Cena 22
Tempo : 1 29'08” - 1 31'58”
Descrição do cenário: Estão no pátio de casa e depois na cozinha.
Personagens: John, Beverly e Jenna.
Ações: Beverly aparece terminando de ler a carta que John recebeu de Paulina, e
entrega a carta a ele.
Falas: John: E a propósito, eu não vou à festa.
Beverly: Tudo bem. Mas não vai parar de dançar, vai? Você poderia me
ensinar.
John: ,Beverly, eu não vou mais dançar.
Jenna: - Por que não, pai? Por que não ensina a mamãe a dançar? ( Sai
correndo suspirando)
John: - (Falando com Beverly a sós na cozinha) O motivo de maior
orgulho na minha vida,é de que você seja feliz comigo. Se nunca falei que
às vezes me sentia triste, foi para não magoar.....a pessoa que mais amo. Eu
sinto muito.( Beverly permanece calada, olhando para John com um leve
sorriso no rosto).
Logo, John encontra um bilhete em cima da mesa da cozinha : "Vá à festa
hoje. Trabalharei até tarde. "P.S. Finalmente achei um presente que você
queira. Te vejo na festa, John.”
John olha em cima da mesa e encontra um terno estilo smoking, e um
presente na sacola, ele abre e vê um sapato de dança de salão.

Cena 23
Tempo : 1 33'24” - 1 36'38”
Descrição do cenário: Loja em que Beverly trabalha e baile de despedida de Paulina
Personagens: Beverly, John, Paulina, Link, Bobbie, e os outros colegas de dança
Ações: Nesta cena, Beverly está trabalhando na loja, coordenando a arrumação
de manequins e John aparece com uma rosa nas mãos , vestindo o
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smoking e o sapato de dança, subindo a escada rolante, assim Beverly e


suas funcionárias o enxergam. Na cena seguinte ambos vão a festa, são
recepcionados por todos com palmas e depois John dança com Paulina e
segue mostrando os acontecimentos posteriores.
Falas: Beverly: - Por que não está na festa?
John: - Porque é para dançar, e preciso de um par. E meu par está bem
aqui. Beverly, quer dançar comigo?
Beverly: - Não sei dançar...
John: - Sabe sim. Tem dançado comigo há 19 anos.
Beverly - Mas não sei os passos...
John: - Eu te ensino.( aproximando-se de Beverly, fazendo menção com o
corpo para dançarem juntos)
Beverly - Aqui?
John: - Agora. (Os dois terminam a cena dançando juntos)
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ANEXO 3
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ANEXO 4

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