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Estratégias para adaptação e combate às mudanças climáticas em cidades urbanas

A atual gestão hídrica nas cidades envolve, frequentemente, a transferência de água


entre bacias hidrográficas, para um único uso e descarte. Este cenário de transporte e descarte
desenvolveu-se num período de pequenas populações e capacidade de tratamento de água
limitada, quando o saneamento básico e a proteção da saúde pública ofuscavam a necessidade
do uso eficiente da água e energia. No entanto, atualmente, 55% da população mundial vive em
áreas urbanas e a expectativa é de que esse valor aumente para 68% até 2050, o que contribui
para o aumento da insegurança hídrica e da pressão sobre os recursos hídricos tanto em termos
quantitativos quanto qualitativos (UN-Habitat, 2022).
Soma-se a isso a crise climática, com eventos extremos, como enchentes e secas, cada
vez mais comuns. Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), nos últimos 50 anos,
desastres hídricos ou relacionados ao clima ocorreram praticamente todos os dias, matando, em
média, 115 pessoas diariamente e custando 3,64 trilhões de dólares em perdas totais.
As cidades são caracterizadas por uma grande variedade de recursos naturais,
econômicos, condições sociais, instituições, infraestruturas urbanas e ambientes construídos.
Elas também enfrentam diferentes riscos climáticos e têm níveis variados de vulnerabilidade,
pois o ambiente construído pode exacerbar os riscos climáticos e estes, por sua vez, podem
exercer pressão sobre os sistemas urbanos. Edifícios e estradas, por exemplo, absorvem e
reemitem o calor do sol, causando o que é conhecido como efeito de ilha de calor urbana.
Infraestrutura mal planejada, como córregos canalizados, pode interferir na drenagem da água.
Além disso, a infraestrutura urbana e seus sistemas operacionais estão intimamente conectados.
Uma falha em uma parte de uma rede pode afetar outra parte, multiplicando os danos (McKinsey,
2021).
Fazem-se necessários, portanto, paradigmas mais sustentáveis para o gerenciamento
das águas, com infraestruturas mais resilientes e adaptadas, frente aos desafios atuais. A
resiliência urbana, de acordo com Meerow et al. (2016), se refere à capacidade de um sistema
urbano e todos os seus componentes, ao longo de escalas temporais e espaciais, de se manter
ou rapidamente retornar às funções desejadas em face de alguma perturbação, de se adaptar à
mudança e rapidamente transformar sistemas que limitem a atual ou futura capacidade
adaptativa. Há uma necessidade premente de se repensar a infraestrutura urbana existente para
enfrentar esta nova realidade, sendo necessárias soluções mais resilientes, adaptadas para
consumir menos água e com capacidade de absorver a água pluvial e liberá-la mais lentamente
em lagos e rios, ajudando a evitar enchentes, neutralizando os impactos ocasionados pela água
no entorno e na bacia.
Para a construção de cidades resilientes, pode-se adotar uma série de ações de
infraestrutura, como medidas de resiliência a inundações e tempestades para edifícios em
regiões costeiras, ações comportamentais, como incentivar a conservação da água durante as
secas, que, de forma isolada ou em conjunto, possuem o potencial de redução de risco, custo,
com viabilidade e complexidade distintas.
É válido, também, destacar que algumas opções de adaptação que são eficazes na
maioria das cidades podem não ser viáveis em outras, dadas as condições do solo, topografia,
elevação, composição de energia, infraestrutura existente, idade dos edifícios e outros fatores.
Essa complexidade significa que existe uma gama de soluções para adaptação, dificultando,
muitas vezes, a definição de prioridades e a priorização das ações (McKinsey, 2021).

Figura 1- Cinco principais impactos nas cidades causados pelas mudanças climáticas e suas
respectivas ações para combate e adaptação, adaptado McKinsey, 2021.

Compromissos Net-Zero têm se tornado comuns entre empresas e governos conforme as


preocupações com as mudanças climáticas e meio ambiente aumentam e, embora muito do que
esteja sendo feito tenha por foco o refreamento das emissões de gases do efeito estufa, visando
atingir Net Zero Emissions (Emissões Líquidas Zero), a água tem se tornado a nova meta
ambiental, com compromissos Net Zero Water ganhando espaço.
O principal objetivo do Net Zero Water consiste na preservação, quantitativa e qualitativa,
dos recursos hídricos. Construções que implementam a metodologia Net Zero Water promovem:
a redução da demanda hídrica tanto por meio da implantação de tecnologias que consomem
menos água quanto por meio da redução de perdas no sistema hidráulico predial; a
diversificação da matriz hídrica pelo uso de fontes alternativas de água como, por exemplo, água
de reúso, água de chuva, água de rebaixamento de lençol, entre outros; o tratamento dos
efluentes residuais in loco, seu reuso e/ou devolução para o manancial explorado; e, por fim, a
implementação de infraestruturas verdes para manejo das águas pluviais do local.
A indústria da construção civil tem um papel importante no desenvolvimento urbano das
cidades, fazendo uso intensivo da água, direta ou indiretamente, através das várias atividades
relacionadas ao uso da água na edificação, desde a concepção do produto, com a seleção e
aquisição de materiais e processos construtivos, com a execução e com o projeto do uso da
água na edificação. A construção civil influencia a infraestrutura urbana, o saneamento
ambiental, o transporte e os serviços públicos, de forma que as ações desse setor impactam o
entorno e trazem reflexos importantes para a gestão de água das cidades. Desta forma, é
importante destacarmos que é de fundamental importância um olhar amplo do setor para a
adoção de soluções mais resilientes para a gestão da água urbana, contribuindo para
neutralização dos impactos causados pelo clima, sendo uma questão de urgência e
sobrevivência dos negócios. Edifícios verdes auxiliam investidores e proprietários na gestão dos
riscos associados à transição para uma economia de baixo carbono, tendo em vista que essa
transição trará mudanças regulatórias e econômicas, fazendo com que alguns ativos ineficientes
em termos de água e energia deixem de ser lucrativos.
O governo e todos os setores precisam estar engajados para uma gestão participativa
da água na bacia, ampliando o olhar para fora dos sites da construção, como uma forma de
garantir a continuidade dos negócios, frente as atuais mudanças climáticas.
Referências Bibliográficas

Meerow, S.; Newell, J. P.; Stults, M. (2016). Defining urban resilience: A review. Landscape and
Urban Planning, 147(2016), 38-49.
Organização Meteorológica Mundial (OMM). (2021). Atlas da OMM sobre mortalidade e perdas
econômicas devido a fenômenos meteorológicos, climáticos e hidrológicos extremos (1970-
2019). 88p. Disponível em: < https://library.wmo.int/doc_num.php?explnum_id=10989>.
United Nations Human Settlements Programme (UN-Habitat). (2022). World Cities Report 2022
– Envisaging the Future of Cities. 387p. Disponível em:
<https://unhabitat.org/sites/default/files/2022/06/wcr_2022.pdf>.

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