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EVOLUÇÃO DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO DE ÁGUAS RESIDUAIS EM MEIO

URBANO E ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS – O caso de Moçambique

Jóni Renato Afonso Alves de Magalhães BARROSO1; José Manuel de Saldanha Gonçalves MATOS2;
António Jorge Silva Guerreiro MONTEIRO3

RESUMO

O desenvolvimento do Plano de Apoio ao Saneamento Urbano na Perspetiva de Redução de


Emissões e Adaptação às Alterações Climáticas, PLASU-AC, é um projeto financiado pelo Fundo
Português de Carbono que tem como entidade beneficiária a Administração de Infra-estruturas de
Água e Saneamento (AIAS), entidade do Governo Moçambicano para a gestão de activos de
saneamento urbano e sistemas secundários de abastecimento de água, e como entidade
implementadora a VISAQUA – Gestão de Infra-estruturas e Serviços Ambientais S.A., empresa
Moçambicana participada pelo Grupo AQUAPOR-Serviços SA em 49%, com a colaboração da Engidro
e Hidra.

Constituem objetivos deste Projeto, o desenvolvimento de um Plano de Apoio à Evolução do


Saneamento em Meio Urbano em Moçambique, numa perspetiva sustentada de conciliação de:
Interesses superiores de saúde pública; Proteção de meios recetores; Mitigação de emissão de Gases
com Efeito de Estufa (GEE), nomeadamente dióxido de carbono, metano e óxido nitroso e Adaptação
das infra-estruturas de saneamento às Alterações Climáticas (AC).

Palavras-chave: saneamento, alterações climáticas, Moçambique, serviços;

1 - Jóni Barroso; AQUAPOR Serviços SA; jrbarroso@aquaporservicos.pt


2 - José Matos; HIDRA; jsm.hidra@gmail.com
3 - António Monteiro; ENGIDRO; a.j.monteiro@engidro.pt

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1. INTRODUÇÃO
As Alterações Climáticas (AC) constituem uma preocupação global, podendo as respetivas
consequências constituir graves ameaças ambientais, sociais e económicas. As principais formas de
combate às alterações climáticas consistem na mitigação, i.e redução das emissões de Gases de
Efeito Estufa (GEE) de origem antropogénica, e na adaptação às novas condições dos diversos
sectores de atividade (nomeadamente serviços de águas e saneamento, transportes, indústria,
ordenamento do território e turismo, entre outros). A adaptação é, sobretudo, importante nos sectores
de águas, saneamento e ordenamento do território.

As emissões antropogénicas de GEE têm origem, fundamentalmente, na queima de


combustíveis fósseis para produção de energia elétrica, no aquecimento ou arrefecimento de edifícios
e na utilização no sector dos transportes. O sector industrial e, em particular as atividades relacionadas
com a construção, têm alguma relevância na emissão de GEE para a atmosfera. Também a operação
de instalações elevatórias e estações de tratamento de águas residuais (ETAR) contribui para a
emissão de GEE.

As soluções e tecnologias utilizadas para mitigação e para a adaptação em sistemas de


saneamento permitem, na generalidade dos casos, melhorar também a sustentabilidade, a resiliência e
a fiabilidade das infraestruturas. Existem metodologias diversas para avaliação das emissões de GEE
em serviços de saneamento, algumas delas já bastante consolidadas e credíveis. É muito consensual a
vantagem de recolha e aproveitamento do biogás, mesmo em pequena escala, em sistemas de
digestão anaeróbia, dado o aumento da independência energética das instalações relativamente ao
fornecimento da rede pública, cuja origem se baseia, em grande parte, na queima de combustíveis
fósseis.

Para que seja possível, fornecer serviços de saneamento às populações, em condições que
garantam a proteção da saúde pública e, ao mesmo tempo, a proteção dos meios recetores, tem sido
necessário que as sociedades estejam dotadas com infraestruturas que constituam o suporte físico dos
serviços, que, em regra, requerem elevados consumos de energia para a sua operação.

Os encargos com a energia tendem a crescer nas atividades de operação das infraestruturas, e
mesmo atendendo ao aumento da produção de energia através de fontes renováveis, a componente da
energia tem tendência a tornar-se progressivamente mais dispendiosa, e com efeitos em termos de
emissões de GEE.

Desta forma, o uso eficiente de energia (e a eco-produção em sistemas de tratamento de


excreta) constitui matéria fundamental, não só em termos ambientais, mas também em termos de
sustentabilidade económica das entidades gestoras, de modo a não tornar os serviços de água e
saneamento demasiado dispendiosos para os utilizadores e a serem mantidas tarifas socialmente
aceitáveis. Esta problemática assume, naturalmente, relevância crescente em sociedades
especialmente carenciadas, como é o caso de vastas regiões de Moçambique.

Em Moçambique, a adaptação às alterações climáticas e mitigação de GEE, em particular no


sector do saneamento, é especialmente relevante dados os efeitos no País (Moçambique foi
considerado o país do Continente Africano mais vulnerável às alterações climáticas no período de 1993
a 2012) e o facto da maioria dos sistemas de tratamento de águas residuais ainda estarem por
construir. Por outro lado, soluções sustentáveis de saneamento, adaptáveis às alterações climáticas,
são frequentemente menos onerosas e consumidoras de recursos em termos de água e energia.

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O PLASU-AC encontra-se na sua segunda fase que inclui a definição de uma “visão” para
evolução dos níveis de serviço em saneamento no país, tendo em conta preocupações múltiplas
(saúde pública, qualidade da água, proteção dos meios recetores, mitigação da emissão de GEE e
adaptação às Alterações Climáticas). Pretende-se ainda definir os requisitos e exigências dos sistemas
e serviços de saneamento face às Alterações Climáticas, bem como produzir matrizes de soluções
tecnológicas e abordagens elegíveis de gestão. Adicionalmente, foram estimadas e classificadas as
emissões de GEE associadas ao setor do saneamento para futuro desenvolvimento do modelo de
simulação de Apoio à Evolução de Sistemas de Saneamento na cidade do Futuro em Moçambique.
Esta integra também o desenvolvimento do Plano Geral de Saneamento da cidade de Xai-Xai,
incluindo a análise técnica e económica das soluções elegíveis, no entanto na presente comunicação
não se faz menção a esta componente.

2. ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS EM MOÇAMBIQUE


2.1. Risco climático e calamidades
Os principais tipos de calamidades públicas causadas por desastres naturais são de origem
climática (secas), meteorológica (ciclones tropicais), hidrológica (inundações) e biológica (epidemias), e
apresentam uma tendência de crescimento associada a ciclos interanuais, mas revelam também um
aumento da vulnerabilidade das populações, conforme apresentado na Figura 1.

Figura 1 – Principais calamidades por desastres naturais por década. Fonte: CRED, 2014; INGC, 2009.

De acordo com os registos da base de dados de calamidades públicas EM-DAT, Moçambique


sofreu 95 desastres naturais que se tornaram calamidades públicas desde 1970. Estas afetaram mais
de 31 milhões de pessoas e causaram a morte de 106.008 pessoas, pelo que também afetaram
seriamente o desempenho económico do país, havendo o registo de um total de 951 milhões de
dólares de prejuízos diretos (CRED, 2014).

2.2. Projeções climáticas


As alterações climáticas poderão afetar Moçambique através de mudanças nos padrões de
temperatura e precipitação, aumento do nível da águas do mar e no aumento, em termos de frequência
e intensidade de eventos, climáticos extremos tais como secas, cheias e ciclones tropicais (MICOA,
2013).

De acordo com o INGC (2009) é previsível que haja um aumento da temperatura média anual
em Moçambique a médio (2046-2065) e a longo prazo (2080-2100), que se fará sentir principalmente

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durantes os meses SON, e que afetará mais as Regiões Centro e Sul, potenciando condições de seca
imediatamente antes do inicio da época agrícola. De igual forma projeta-se um aumento da frequência
de dias e noites quentes, potenciando ondas de calor, que no entanto se sentirão mais na Região
Norte.

No que concerne à precipitação, através da análise combinada de vários estudos conclui-se que
haverá um ligeiro aumento da precipitação média anual e um aumento vincado da variabilidade sazonal
a médio e a longo prazo, que será mais sentido na Região Norte, mas que estará concentrado numa
estação chuvosa mais curta, sendo também esperadas maiores intensidades de precipitação e uma
maior frequência de eventos extremos.

Durante a estação seca, como o aumento da evapotranspiração será maior do que o aumento da
precipitação, espera-se um maior défice de humidade no solo no final desta estação, potenciando
assim condições de seca extrema, em particular no interior da Região Centro e na Região Sul.

2.3. Efeitos em Sistemas de Drenagem Pluvial


O aumento do risco de precipitações intensas e de inundações terá efeitos nos sistemas de
drenagem pluvial. Um dos impactes mais importantes das alterações climáticas sobres os sistemas de
drenagem de águas pluviais, em particular nos sistemas unitários, será o aumento do risco de
descargas de excedentes ("overflows") não sujeitos a tratamento, em tempo de chuva, tanto do ponto
de vista da frequência (número de ocorrências) como da magnitude dos volumes descarregados, com
consequências negativas para a qualidade da água do meio recetor (Matos e Oliveira, 2011). No limite,
esta contaminação do meio ambiente poderá também abranger o solo e as águas subterrâneas.

A concretização dos cenários de aumento do risco de precipitações intensas e de cheias


provocará um incremento dos valores de caudal de ponta pluvial gerado nas bacias servidas que
poderá ultrapassar a capacidade de drenagem dos sistemas de drenagem. Os sistemas costeiros,
situados a cotas baixas, e que descarregam os efluentes para o mar terão, adicionalmente, de contar
com o aumento do nível médio do mar e a consequente redução da capacidade de escoamento dos
troços finais face à menor energia gravítica disponível para o escoamento. A situação poderá ser
agravada com a deposição de resíduos sólidos nas valas de drenagem, causando obstruções e
contribuindo para a contaminação da água.

Em termos de drenagem urbana, a maior variabilidade e incerteza no regime de precipitação


resulta num aumento dos riscos de acontecimentos extremos. Isto é, as fórmulas clássicas de cálculo
com estimativa de caudais de ponta de cheia para períodos de retorno geralmente entre 2 e 10 anos,
devem ser agravadas através de um fator multiplicativo de segurança entre 5 e 10%.

2.4. Efeitos em sistemas de Saneamento de Águas Residuais


O agravamento de fenómenos hidrológicos extremos traduz-se na ocorrência mais frequente e
mais severa de situações de precipitação intensa, de inundações e de secas. As situações de
precipitação intensa podem traduzir-se na afluência de caudais pluviais excedendo a capacidade das
infraestruturas. Durante as cheias, as estações de tratamento serão solicitadas a tratar maiores
volumes de água em períodos curtos, em resultado do aumento do risco de precipitações intensas.
Para eventos extremos, os fenómenos de erosão e os movimentos de terras são acentuados,
provocando danos consideráveis às infraestruturas. É frequente a indisponibilidade de energia, aliada
ao risco de inoperacionalidade de estações elevatórias e ETAR.

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Por outro lado, é comum a inundação, o entupimento e mesmo o colapso de latrinas e fossas
sépticas, com contaminação dos meios recetores (águas superficiais e subterrâneas). De facto, durante
as cheias em Moçambique, em 2000, entre 40.000 e 100.000 latrinas foram destruídas, sendo que em
Chokoé e Xai-Xai cerca de 3.000 fossas sépticas descarregaram indevidamente (Cairncross e
Alvarinho, 2006). A perda de acessibilidade às latrinas afeta sobretudo os mais pobres, que vivem em
bairros densamente povoados, sendo particularmente gravosa para as mulheres, já que a perda de
acesso também se traduz em perda de privacidade para a defecação. A prática de defecação a céu
aberto pode voltar a aumentar, agravando os riscos para a saúde pública e comprometendo ganhos
locais em cobertura de saneamento (Projecto de Desenvolvimento Rural Água de África, 2010, citado
por ICLEI, 2012a).

A alteração do regime de precipitação será também manifestada no aumento da duração dos


períodos secos, o que poderá limitar a disponibilidade de água e caudal nas infraestruturas resultando
em problemas de autolimpeza dos coletores (conduzindo a riscos adicionais no que respeita à
operação e manutenção das infraestruturas). Por outro lado, as situações de seca podem levar a
reduções nas capitações de água que podem traduzir-se no aumento significativo das concentrações
de cargas poluentes nas águas residuais afluentes às ETAR.

Em períodos de seca, os efeitos das alterações climáticas nos sistemas de saneamento podem
também refletir-se na diminuição dos níveis de humidade no solo e na alteração das taxas de
infiltração, podendo dar origem a ruturas nos coletores e restantes infraestruturas em consequência de
assentamentos diferenciais dos solos, conduzindo a problemas de contaminação e a maiores custos de
manutenção. Por outro lado, o aumento da profundidade dos níveis freáticos é favorável em termos de
utilização de latrinas a seco e de fossas sépticas com meio de disposição final no solo.

A maior variabilidade das temperaturas, quer sazonal quer diária, afetará os processos
biológicos de tratamento, uma vez que a temperatura é um fator ambiental predominante para estes.
Embora temperaturas mais elevadas afetem positivamente as cinéticas de reação dos processos
biológicos, os impactos desta variabilidade nem sempre serão positivos. Por um lado, este efeito
acelerador pode ser negativo, quando afeta processos biológicos que se pretendem lentos (como é o
caso de processos biológicos conduzindo à depleção de oxigénio dissolvido em meios que,
desejavelmente, deveriam ser aeróbios, ou de processos biológicos cujo desenvolvimento mais
acelerado é nefasto aos processos de tratamento de águas residuais). Por outro lado, a variabilidade
diária da temperatura dificulta o controlo dos processos biológicos de tratamento, aumentando a
necessidade de ajustes aos processos, com impactos na eficiência. Face ao exposto, pode ser
necessário um nível mais elevado de tratamento para manter a qualidade do efluente final e cumprir os
objetivos de qualidade da água do meio recetor (Sinisi e Aertgeerts, 2010; Charles et al., 2010; Ofwat,
2008).

Adicionalmente, o incremento da atividade biológica nos coletores poderá conduzir a problemas


de septicidade, à libertação de mau odores, à criação de atmosferas tóxicas no interior das
infraestruturas e a um risco acrescido de corrosão.

A subida do nível do mar pode ter impactos negativos nos sistemas de águas residuais que
servem zonas costeiras de cotas baixas. Estes impactos podem manifestar-se de duas formas:
• Agravando a intrusão de águas salinas nos sistemas de drenagem, com consequências negativas
em termos do agravamento das condições de septicidade das águas residuais ao longo do seu

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transporte até à ETAR, da afetação dos processos biológicos de tratamento em ETAR e da
eventual inviabilização da reutilização das águas residuais tratadas;
• Comprometendo o funcionamento hidráulico da ETAR, por via da cota mais elevada do nível de
água na descarga das águas residuais tratadas.

3. OBJETIVOS E METAS DE EVOLUÇÃO DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO DE ÁGUAS


RESIDUAIS
3.1. Exigências Sanitárias e Requisitos Ambientais
A Política de Águas (Agosto de 2007) traçou os seguintes objetivos a alcançar, a médio (2015) e
longo prazo (2025): a satisfação das necessidades básicas do consumo humano de água, com base
num abastecimento de água potável, seguro e fiável; o melhoramento do saneamento como ferramenta
essencial para a prevenção de doenças de origem hídrica (malária, cólera, diarreia), melhoria da
qualidade de vida e conservação ambiental; o uso eficiente da água para o desenvolvimento
económico e para a conservação ambiental; a redução da vulnerabilidade a cheias e secas; a
promoção da paz e a integração regional.

A Política de Águas obriga também ao controlo da descarga de efluentes e refere a necessidade


de, nos principais centros urbanos, ser também dada prioridade a infraestruturas de drenagem pluvial.

No que concerne aos requisitos ambientais o Decreto nº 30/2003, de 1 de Julho, Regulamento


dos Sistemas Públicos de Distribuição de Água e de drenagem de Águas Residuais, define os
parâmetros de descarga de águas residuais domésticos em meio recetor.

3.2. Objetivos e Metas para os Níveis de Serviço


Tendo em conta as condições socioeconómicas, de desenvolvimento humano e mesmo aos
índices de pobreza registados em Moçambique, não será viável a curto/médio prazo a garantia de
todos os requisitos ambientais e de qualidade mencionados anteriormente, esperando-se, no entanto, a
sua aplicação a longo prazo. Será igualmente expectável que as aspirações, e mesmo as exigências,
da população aumentem, não só em termos das condições e qualidade do abastecimento de água e do
saneamento propriamente ditos, mas também da proteção ambiental, da preservação dos recursos
naturais e da promoção de um desenvolvimento sustentável, acompanhando o crescimento económico
previsto em Moçambique.

De acordo com a visão da AIAS e do Governo, estabeleceram-se objetivos e metas para a


evolução dos requisitos sanitários, de forma a satisfazer as exigências ambientais. Os objetivos
estratégicos que foram traçados consistem nos seguintes:

• Universalidade e qualidade de serviço, de forma a promover a saúde pública;


• Sustentabilidade do sector, que se associa à necessidade de recuperação dos custos dos
serviços, à otimização da gestão operacional e à dinamização do tecido empresarial local e
nacional;
• Proteção dos valores ambientais, que traduz a preocupação de ecoeficiência das soluções, de
abordagem integrada, de proteção das origens de água e da qualidade dos meios recetores, em
cumprimento da legislação, nas condições atuais e em cenários de alterações climáticas.
Quadro 1 – Metas de Taxa de Cobertura dos Serviços de Água e Saneamento. Fonte: DNA, 2013.

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Quanto às metas dos objetivos do Milénio, para a população servida com acesso a fonte de água
melhorada estima-se que estará próxima do cumprimento para meio urbano e rural. Para a população
servida por solução de saneamento melhorado a meta estima-se que poderá estar próxima do
cumprimento para o meio rural mas ainda longe do cumprimento para o meio urbano.

4. SOLUÇÕES TECNOLÓGICAS DE SANEAMENTO


4.1. Soluções de Saneamento Elegíveis
O tratamento de efluentes domésticos em Moçambique é usualmente efetuado de forma
descentralizada, em latrinas e em fossas sépticas individuais. A gestão de lamas fecais assume, assim,
um carácter especialmente relevante em Moçambique. De acordo com Muximpa e Hawkins (2013), a
cadeia de serviços de gestão de lamas fecais (Figura 2) é composta por três etapas principais:

• Captação e armazenamento: as excreções são captadas na sanita ou latrina, sendo armazenadas


em fossas sépticas ou latrinas (onde parte do conteúdo líquido é descarregado (usualmente no
solo) e o remanescente passa por um processo de digestão parcial durante o período de
armazenamento);
• Esvaziamento e transporte: as opções de esvaziamento e transporte dependem fortemente das
características das infraestruturas de saneamento e das dificuldades locais de acesso. Os serviços
de esvaziamento são, na sua maioria, prestados por pequenos operadores privados - desde
esvaziadores manuais a pequenas empresas que combinam o esvaziamento e transporte de
lamas. Em casos extremos (mas não pouco frequentes), o esvaziamento manual é o único
procedimento possível, dada a localização e características das latrinas ou fossas e do seu
conteúdo;
• Tratamento e disposição: em Maputo, grande parte das lamas proveniente de latrinas é enterrada
nos quintais ou depositada nas valas de drenagem ou em contentores públicos de lixo, e somente
uma pequena parte é conduzida a estação de tratamento de águas residuais. Também apenas
parte das lamas fecais provenientes de fossas sépticas é rejeitada na ETAR.

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Figura 2 – Cadeia de serviços de saneamento (Muximpa e Hawkin, 2013)

Com o objetivo de mitigar os efeitos da intervenção humana nos sistemas naturais de drenagem,
conciliando-o com aceitáveis padrões de qualidade de vida, são necessárias intervenções que
aumentem a resiliência a efeitos exteriores, incluindo as AC. Neste contexto, são propostas soluções
tecnológicas mais adequadas para fazer face aos problemas de drenagem e saneamento, que devem
ser viáveis tanto a nível técnico como económico e social. No que se refere ao saneamento, devem ser
consideradas soluções on-site ou off-site consoante as características urbanas e populacionais de cada
local e o volume de água consumida per-capita (Figura 3). A solução off-site implica a construção de
ligações à rede de drenagem da cidade e justifica-se quando a capitação e a densidade populacional
forem suficientemente elevadas. Nos restantes casos, são privilegiadas soluções on-site, com latrinas e
fossas.

Figura 3 – Exemplo de abordagem para evolução do tipo de serviço de saneamento em função da


densidade populacional e da capitação (Tipo I a IV)

Ou seja, no caso de densidades de ocupação elevadas (superiores a 200 hab/ha) e capitações


médias superiores a 30 a 50 L/(hab.dia) a solução típica mais adequada, em termos económicos, é a
rede de coletores gravíticos com drenagem dos efluentes domésticos até ETAR (Tipo IV).

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Em zonas com fossas sépticas individuais e com tendência para aumentar os consumos de
água, pode recorrer-se a sistemas de coletores gravíticos de pequeno diâmetro (esgotos decantados)
ou a redes condominiais (gravíticas com menor diâmetro que os sistemas convencionais). As redes
condominiais, conjugadas com fossas sépticas coletivas ou ETAR compactas a jusante, poderão
constituir uma solução eficiente e económica para a drenagem e tratamento de águas residuais
domésticas em zonas onde a execução de uma rede de drenagem e tratamento convencional onera
muito a solução. Este tipo de abordagem permite uma evolução para uma solução convencional,
passando as fossas sépticas coletivas/ETAR compactas a constituir os pontos de recolha de efluentes
da rede pública (solução tipo II da Figura 3).

No entanto, quando os consumos de água são elevados mas a densidade de ocupação ainda é
muito baixa deve, em regra, manter-se o uso de fossas sépticas. Para baixos consumos de água,
vigoram as soluções de latrina, sem esvaziamento ou com esvaziamento e transporte de bio-sólidos
(lamas) a tratamento, em função da densidade de ocupação do território (soluções tipo I e II da Figura
3). Em zonas sem acessibilidade a veículos pesados para recolha de lamas, a recolha primária das
lamas das fossas sépticas e latrinas deverá ser realizada por micro-operadores dotados de um tanque
do tipo VacuTug ou equivalente (sistema totalmente mecanizado de recolha de lamas fecais). As lamas
serão depositadas provisoriamente numa estação de transferência de lamas (ETL), cuja localização
deverá ser acessível a veículos motorizados pesados. Posteriormente será efetuada uma recolha
secundária das lamas da ETL até às estações de tratamento de lamas fecais (ETLF).

4.2. Gestão das lamas fecais


4.2.1. Captação e Armazenamento de Lamas Fecais
Como soluções de captação e armazenamento de lamas fecais, propõe-se a adoção dos
seguintes sistemas elegíveis de saneamento individual, a selecionar em função das condições
específicas locais:

• Latrinas a seco, melhoradas e ventiladas, em zonas onde a água é escassa, eventualmente com
separação entre fezes e urinas (latrinas ecológicas, atualmente utilizadas em algumas zonas em
Moçambique);
• Instalações sanitárias, com sanita e banho, instaladas no interior ou no exterior das habitações
(em locais com água abundante e sistemas domiciliários de abastecimento de água), ligadas a
fossas sépticas ou a sistemas de drenagem de águas residuais.

4.2.2. Esvaziamento, Transporte e Tratamento de Lamas Fecais

A recolha de lamas fecais, a partir dos poços das latrinas e das fossas sépticas, debate-se,
normalmente, com as seguintes dificuldades técnicas:

• Dificuldades de acesso aos locais de coleta;


• Desconhecimento da localização das tampas de acesso aos pontos de recolha;
• Extração muito difícil das lamas secas em poços de latrinas sem água;
• Possibilidade de colapso dos poços ou das fossas séticas após o esvaziamento.

Genericamente, a recolha de lamas fecais poderá ser classificada em três classes ou tipos
(Linda et al., 2014):

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• Recolha Manual, neste caso podem ser utilizadas duas técnicas: a recolha para um dispositivo
contentor localizado sob a latrina, permitindo uma recolha sem contacto direto do operador com as
lamas fecais (ver Figura 4); e a recolha com contacto, utilizando baldes, pás e outras ferramentas
por forma a permitir a colocação das lamas em contentores montados sobre veículo de transporte.

Figura 4 - Dispositivo para recolha de lamas fecais sem contacto (Linda et al, 2014)

• Recolha Mecanizada Operada Manualmente, onde são correntemente utilizados os seguintes


dispositivos que de seguida de caracterizam no quadro seguinte.

Quadro 2 – Processos de recolha mecânica de lamas fecais (operação manual) (adaptada de Linda et
al, 2014)
Es timativas de custo
Sis tema de recolha de lamas fecais Aplicabilidade/vantagens Dificuldades de aplicação
de investimento
- dific uldade em s ervir ins talaç ões de
Bomba manual de des locamento
g ra nde dimens ão, devido à s lim ita ções de
pos itivo
c audal;
- la mas de ba ixa vis cos idade;
- entupimentos com res íduos ; 40 a 1400 US D
S is tema Gulper, des envolvido em - c audal a elevar a té 30 L/min
- perda de la mas líquida s durante a
2007 pela London S chool of Hyg iene
opera ção;
and Tropic al Medic ine (LS HTM)
- deteriora ção do tubo de P VC c om o us o
- entupimentos com res íduos ;
- lama s de baixa vis c os ida de; - dific uldades de s ela gem na s ligaç ões dos
Bomba de diafrag ma manual - c audal a elevar a té 100 L/m in; tubos ; 300 a 350 US D
- a ltura de eleva çã o má xima de 3.5 a 4.5 metros - dific uldades eventua is na obtençã o de
peç as de s ubs tituiç ão
- eventuais dific ulda des de func ionamento
c om la mas com eleva da percenta gem de
S is temas ba s eados em eleva çã o por
- aplicá vel a lam as de elevada vis cos ida de a téria inerte; des conhecido
correntes ou pa ra fus o vertic al
- eventuais dific ulda des na obtençã o de
peç as de s ubs tituiç ão
- c audal má ximo a elevar de 10 a 40 L/min função da
vis c os ida de da s lama s e da altura de eleva ção; - exig ente em termos de s erviç o de
S is temas de vác uo de operaçã o
- a ltura má xima de eleva ção de 3 metros ; a s s is tência técnic a; 3000 US D
manual
- embora pes ado, o equipa mento pode a ceder por - poderá implica r a importaçã o de peç as
c aminhos de reduz ida la rg ura

Figura 5 - Utilização da bomba manual de deslocamento positivo, à esquerda (McBride, 2012) e


utilização da bomba manual de diafragma (Linda et al, 2014) e Sistema de Vácuo de Operação Manual,
MAPET (EAWAG/SANDEC, 2008), à direita.

• Recolha Totalmente Mecanizada, recorre correntemente à utilização dos seguintes dispositivos que
se caracterizam no Quadro 4.

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Quadro 3 – Processos de recolha de lamas fecais totalmente mecanizada (adaptada de Linda et al,
2014)
Es timativa de custo
Sis tema de recolha Aplicabilidade/vantagens Dificuldades de aplicação
de investimento
- podem elevar lama s líquidas e partículas s ólidas de
dimens ão máxima até 40 a 60 mm; - pos s ibilidade de entupimentos ;
Bomba s de dia fragm a motoriz a das - a dmitem ca udais má xim os até 300 L/min; - dificuldade na obtençã o de peç as de da ordem de 2000 US D
- a dmitem altura s m áximas de elevaç ão da ordem de s ubs tituiçã o
15m, adaptando-s e a altura s variáveis
- c apacidade pa ra eleva r la mas líquida s e pa rtíc ulas
s ólidas de dimens ã o m áxima a té 20 a 30mm; - dificuldade na a quis içã o de peç as de
- elevaç ão de um c audal má ximo da ordem de s ubs tituiçã o;
Bomba s c entrífugas com tritura ção 1200L/min; - implic am a dis ponibilida de da ordem de 1800 US D
- a ltura m áxima de elevaçã o da ordem de 25 a 30m, contentoriz açã o;
a da pta ndo-s e fac ilmente a a lturas de eleva ção - vulnera bilidade a entupimentos
va riá veis
- a altura fixa do equipa mento dific ulta as
operaç ões ;
- c apacidade pa ra eleva r la mas com pequenas - nã o a plic ável para la mas s ecas ou com
qua ntida des de res íduos não biodegra dáveis ; gra ndes qua ntida des de res íduos não
Tra s portador vertica l de correntes
- c audais de elevaç ão até 50L/min; biodeg ra dá veis ; da ordem de 1200 US D
acionado m eca nica mente
- a lturas de eleva ção má xima s de 3m; dific uldades de - dificuldades de limpez a após operaçã o;
opera çã o c om a lturas de eleva ção variáveis - dificuldades de manobra, devido a o
eleva do pes o e à dimens ã o do
equipa mento
- bloqueia fac ilmente por ac umula ção de
detritos ;
Tra ns porta dor vertic al de pa rafus o, - fa bric aç ão com plexas e elevado número
a ltura de elevaç ão mínima de 3m cerc a de 700 US D
motoriz ado de peça s ;
- pes o elevado;
- impos s ibilidade de a jus te da altura
- facilidade de elevar lama s de baixa vis cos ida de, com
a lguma ma téria não biodegra dável; - dificuldades de aces s o a área s de
E quipam ento de c oleta por vácuo - - ideal para tra nporte de g randes quantidades de la mas oc upaçã o urbana intens a;
Muito variá vel
Tanque convencional a dis tâncias long as ; - exigência de manutenç ão cmplexa e
- a lturas de eleva ção variáveis em funç ão da s peça s muito c aras
es pecifica ções do equipam ento
- trans porte m oros o;
- elevaç ão de la mas de ba ixa vis cos idade, podendo - dificuldade na eleva çã o de lam as de
E quipam ento de c oleta por vácuo - c onter a lg uma matéria nã o biodegradável; eleva da vis cos idade;
S is temas B R E VAC. VACUTUG. - ideal para loc ais de limitada a ces s ibilidade; - pequeno volume de contentoriz aç ão (500 10000 a 20000 US D
MAQUINE TA de Maputo - a lturas máxima s variáveis , em funçã o do tipo e a 2000L);
m odelo utiliz ado - dificilmente viabiliz ável para long as
dis tânc ias de tra ns porte

A maior parte dos sistemas de recolha manual de lamas fecais descritos e alguns sistemas de
coleta mecanizada não têm capacidades/condições para transportar as lamas recolhidas, tornando-se
necessário prever um sistema de transporte destas lamas até aos locais de tratamento/deposição
(alguns movidos por ação humana ou por tração animal, outros motorizados). Assim, o transporte das
lamas pode ser dividido em duas fases: transporte primário, que compreende os circuitos entre os
pontos de coleta e as estações de transferência; e transporte secundário, entre as estações de
transferência e os locais de tratamento/deposição. Os equipamentos de transporte de lamas fecais
deverão estar de acordo com as condições de entrada/ligação aos dispositivos previstos ou existentes
nas estações de transferência e na estação de tratamento. Destacam-se as seguintes alternativas:

• Transporte manual de lamas fecais, efetuado recorrendo a carros de mão ou triciclos tracionados
por ação humana ou através de carros de duas ou quatro rodas tracionados por força animal. Este
tipo de transporte está limitado, normalmente e por razões de ordem prática, a um raio da ordem
dos três quilómetros e a uma capacidade dos contentores de 200 litros (Linda et al., 2014). Será
aplicável nos casos onde o transporte mecanizado se afigura inviável, por razões económicas ou
de acessibilidade.

• Transporte mecanizado de lamas fecais, efetuado através dos seguintes meios: triciclos
motorizados (sistema desenvolvido por Steven Sudgen); tratores mecanizados de duas rodas com
reboque; sistemas de transporte integrados com os sistemas de coleta (Maquineta de Maputo e
VACUTUG) que, para além da coleta, promovem o transporte das lamas fecais até às estações de

11/20
transferência ou outros pontos de deposição; pequenos reservatórios de vácuo montados sobre
veículo do tipo pick-up, ou sobre chassis rebocados por trator de quatro rodas, estes equipamentos
viabilizam distâncias de transporte superiores, funcionando normalmente associados a sistemas de
coleta por vácuo (usando por exemplo o eVac) com capacidades que podem variar entre 2000 e
5000 kg (Linda et al, 2014); tanques de vácuo de grandes dimensões para transporte secundário
de lamas fecais.

No quadro seguinte são apresentadas algumas estimativas das emissões de GEE geradas com
o transporte de lamas fecais por quilómetro percorrido.

Quadro 4 – Avaliação de emissões de GEE associadas ao transporte de lamas fecais.


Tipo de veículo motorizado Capacidade de Intensidade de emissão
Consumo típico de
utilizado no transporte de transporte típica Combustível do transporte
combustível (L/100km)
lamas fecais (t) (kgCO2e/(t.km))

Triciclo motorizado 0.1 5 gasolina 2.31


Trator de duas rodas rebocando
1 20 gasóleo 1.08
atrelado
Pequenos reservatórios de vácuo
montados sobre veículo do tipo 2 20 gasóleo 0.54
pick-up
Pequenos reservatórios de vácuo
montados sobre chassis rebocado 5 30 gasóleo 0.324
por trator
Tenques de vácuo de grandes
12 50 gasóleo 0.225
dimenões

A utilização eficiente de estações de transferência criteriosamente implantadas, enquanto parte


integrante de um sistema de transporte de lamas fecais, pode reduzir custos de forma significativa (Still
et al, 2012). As estações de transferência podem ser:

• Estações de transferência fixas

o Tanques permanentes, construídos em betão, para armazenamento de lamas durante


um determinado período de tempo, sem qualquer capacidade de tratamento;
o Contentores modulares móveis de pequena capacidade (até 500 litros), de média
capacidade (de 500 a 3000 litros) ou de grande capacidade (acima de 3000 litros),
servindo de armazenamento temporário;
o Tanques multifuncionais que, para além da sua função de armazenamento, podem
promover algum tratamento parcial (desidratação e, ou digestão anaeróbia);
o Estação de transferência idêntica à descrita na alínea anterior, dispondo contudo de
uma ligação à rede de saneamento, sendo as lamas fecais pré-tratadas lançadas para
condução a tratamento secundário numa ETAR;
o Utilização de geotubos ou geobags para armazenamento e secagem de lamas fecais,
solução que está a ser avaliada na Malásia (Chowdry et al., 2012). O geotubo é
fabricado em material poroso e o seu enchimento é efetuado diretamente a partir dos
veículos de transporte, normalmente de forma gravítica.

• Estações de transferência móveis compostas, essencialmente, por contentores facilmente


transportáveis e que permitem um armazenamento temporário das lamas fecais, nas proximidades
dos pontos de coleta (reduzindo os custos do transporte primário), por forma a permitir uma
otimização do transporte secundário a jusante.

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O tratamento de lamas fecais pode assumir os seguintes formatos:

a) Tratamento por separação sólido/líquido. Este tratamento pode ser implementado, com vantagens,
de forma integrada numa estação de transferência, permitindo uma elevada redução dos volumes
de lamas fecais a transportar a jusante e dos respetivos custos associados. Por cada metro cúbico
de lamas fecais sujeitas a este tratamento obtêm-se cerca de 0,10 a 0,15 m3 de lamas após
tratamento (Montanegro et al, 2004).
b) Tratamento final numa estação de tratamento de lamas fecais (ETLF) destinada exclusivamente a
tratar as lamas fecais recolhidas nas zonas urbanas e periurbanas servidas por sistemas
individuais de saneamento.
c) Tratamento das lamas fecais em conjunto com as lamas resultantes do tratamento de águas
residuais na (s) ETAR que serve (m) as zonas urbanas que dispõem de redes de saneamento.
d) Tratamento das lamas fecais em conjunto com as águas residuais na (s) ETAR que serve(m) as
zonas urbanas que dispõem de redes de saneamento.

A fase líquida resultante das opções a) e b) anteriores poderão ser objeto dos seguintes destinos
e tratamentos complementares:

• Descarga no meio recetor, se ambientalmente aceitável (situação improvável);


• Lançamento na rede de saneamento, se disponível, ou transportada por outros meios para a
ETAR;
• Tratamento local, por forma a atingir o nível de qualidade requerido para a sua descarga nos
meios recetores locais.

Na 6 adaptada de Montanegro et al., (2004), está representada, a título ilustrativo,


esquematicamente a linha de tratamento de uma ETLF construída em 1989-1990 em Accra, Achimoto,
no Ghana, destinada a tratar as lamas fecais de uma população de cerca de dois milhões de
habitantes.

Figura 6 - Linha de tratamento da ETLF de Accra (Montanegro et al, 2004)

A conceção global proposta para o tratamento das lamas fecais é apresentada na figura 10.

13/20
Lagoas de
maturação
LAMAS Reatores biológicos
FECAIS Biomassa fixa ou Reutilização
suspensa
Leitos de
Decantação Lagunagem macrófitas
Lagunagem
Espessamento anaeróbia facultativa

Meio recetor (3)


Desinfeção com
hipoclorito (1)
Transporte para ETAR
(co-tratamento com
águas residuais)
NOTAS:
1 - Operação a ponderar no caso de o efluente dos
Aplicação no solo
leitos de macrófitas não garantir a qualidade
(valas profundas)
microbiológica requerida
2 - A ponderar se as lamas provenientes dos leitos
de secagem não tiverem a qualidade requerida
para a sua valorização
Co-compostagem 3 - Esta descarga só será aceitável se a
Valorização reutilização não for viável
(agrícola ou florestal) 4 - Esta deposição só será aceitável se a
valorização não for viável
Leitos de secagem
( com ou sem plantas)

LEGENDA:

Estabilização química Deposição final (4)


Fase líquida
com cal (2)
Fase líquida

Figura 7 - Linhas processuais elegíveis

O destino final das lamas fecais deve contemplar soluções que permitam valorizar as lamas
produzidas ou seja, recomenda-se que as lamas sejam valorizadas agricolamente, contribuindo para a
fertilização dos solos, promovendo um aumento de produtividade agrícola destes solos. De salientar
que antes da sua aplicação final, as lamas devem ser estabilizadas. Atendendo aos tempos de
permanência nas ETLF e dado que as lamas fecais afluentes são provenientes de fossas sépticas ou
latrinas, é provável que já se encontrem estabilizadas. No entanto, e por razões de higienização, pode
haver necessidade de tratamento adicional, por compostagem, um dos métodos empregues para a
estabilização das lamas, ou com recurso a cal (estabilização química).

4.3. Drenagem e Tratamento de Águas Residuais


4.3.1. Drenagem de Águas Residuais
A drenagem de águas residuais é composta por rede coletores de drenagem de águas residuais,
i.e. conjunto das canalizações e acessórios que asseguram o transporte das águas residuais para as
ETAR ou para destino final. O dimensionamento hidráulico-sanitário de coletores gravíticos deverá ser
efetuado de acordo com os critérios dispostos no Regulamento dos Sistemas Públicos de Distribuição
de Água e de Drenagem de Águas Residuais (Decreto n.º 30/2003, de 1 de Julho da República de
Moçambique).

4.3.2. Tratamento de Águas Residuais


Na avaliação de alternativas elegíveis para tratamento primário e secundário de águas residuais
são considerados dois grupos de alternativas: um assente na utilização de tecnologias de baixo custo e
de baixo consumo energético e outro baseado na utilização de tecnologias convencionais baseadas em
oxidação biológica em lamas ativadas ou em leitos percoladores. No primeiro caso, de tecnologias de
baixo custo, admitiram-se as seguintes linhas processuais alternativas:

• Tratamento Preliminar (TP) + fossa sética coletiva + leito de macrófitas;


• TP + tanque Imhoff + leito de macrófitas;

14/20
• TP + lagoas (anaeróbia + facultativa + maturação);
• TP + reator anaeróbio de fluxo ascendente (RAFA) + leito de macrófitas;
• TP + RAFA + lagoa facultativa + lagoa de maturação;
• TP + RAFA + filtro anaeróbio;
• TP + RAFA + filtro arejado;
• TP + RAFA + filtro anaeróbio + flotação;
• TP + RAFA + lagoa arejada;
• TP + leito percolador de funcionamento gravítico;
• TP + decantação primária avançada + lagoas (facultativa+maturação);
• TP + decantação primária avançada + filtro arejado;
• TP + decantação primária avançada + reservatório de estabilização;
• TP + reservatório de estabilização.

No segundo caso, consideram-se as seguintes linhas processuais:

• TP + RAFA + filtro anaeróbio + flotação + filtração em membranas;


• TP + decantação primária (DP) + lamas activadas em alta carga;
• TP + DP + lamas activadas em média carga;
• TP + lamas activadas em baixa carga;
• TP + DP + leitos percoladores com bombagem.

4.4. Matrizes de Soluções


Com o objetivo de resumir, de forma sistematizada, o conjunto de soluções elegíveis
consideradas neste estudo, bem como o conjunto de orientações propostas para efeito de avaliação
dessas soluções, são apresentadas, neste capítulo, algumas matrizes esquemáticas de opções e
soluções. Como se ilustra na Figura 8, quando se inicia o estudo das soluções a adotar para o
saneamento de uma zona, a primeira avaliação a efetuar será a viabilidade da implementação de redes
de drenagem de águas residuais, em função das características do povoamento urbano da zona,
designadamente da densidade das habitações e das características dos arruamentos para instalação
das redes.

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REGIÃO A ESTUDAR

não A execução de rede de sim SOLUÇÕES


SOLUÇÕES
drenagem é viável ? CENTRALIZADAS
DESCENTRALIZADAS

Soluções descentralizadas MATRIZ A Soluções descentralizadas MATRIZ A


Preparação de dados de base Preparação de dados de base
Identificação, tipificação e localização de Redes, bacias, populaçoes, caudais e car-
latrinas e fossas séticas gas a tratar, qualidade requerida para o eflu
ente tratado e para as lamas

Soluções descentralizadas MATRIZ B


Soluções descentralizadas MATRIZ B
Gestão de lamas fecais
- Definição do sistema Tratamento de águas residuais
- Identificação de infraestruturas e - Avaliação de soluções elegíveis
equipamentos - seleção de soluções a adotar

Soluções descentralizadas MATRIZ C


Tratamento de lamas fecais
- Avaliação de soluções elegíveis
- seleção de soluções a adotar

Figura 8 - Apresentação esquemática das matrizes de soluções e opções

Na Figura 9 é apresentada a Matriz A para as soluções descentralizadas, ou seja o conjunto


de soluções (latrinas e fossas) e opções consideradas como soluções individuais (descentralizadas) se
revelam mais adequadas face às suas características do povoamento e do tecido urbano.

SOLUÇÕES
DESCENTRALIZADAS

sim Escassez não abasteci- sim Execução de sim


de água? mento domic pequenas redes
de água? viável?

não
não IS
IS IS

Latrinas ecológicas Latrinas ecológicas Fossas séticas Fossas séticas


individuais a seco individuais com água individuais coletivas

Fossas séticas
individuais IS

LAMAS FECAIS - Identificação, tipificação e localização de latrinas e fossas séticas

LEGENDA

utilização individual (pelas pessoas de uma


habitação)
IS habitações dispondo de instalação sanitária

Figura 9 - Soluções descentralizadas. Matriz A

Na Figura 10 é apresentada a Matriz B – Soluções descentralizadas com soluções a


equacionar na definição de um sistema de gestão de lamas fecais, para servir zonas de povoamento
disperso onde as soluções descentralizadas e individuais se revelam mais adequadas.

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- Recolha totalmente manual
COLETA DE - Recolha com meios mecânicos operados manualmente
LAMAS FECAIS
- Recolha totalmente mecanizada

TRANSPORTE DE - Transporte manual


LAMAS FECAIS - Transporte mecânico

- Tanques premanentes construídos em betão


ESTAÇÕES DE - Contentores modulares
TRANSFERÊNCIA
- Tanques multifuncionais
- Geotubos ou geobags
TRANSPORTE
SECUNDÁRIO

Estação de tratamento não Existe ETAR sim Existem cond para não ETAR
desc fase líquida
de lamas fecais ETLF próxima ? no local ? Fase sólida

sim

SELEÇÃO DA PRE-TRATAMENTO
LINHA PROCESSUAL

DESCARGA
LOCAL

Figura 10 - Soluções descentralizadas elegíveis. Matriz B. Soluções e opções para o SGLF

Na Figura 11 é apresentada a Matriz C – Soluções descentralizadas de tratamento de lamas


fecais, com resumo das opções e das soluções alternativas elegíveis para a definição e conceção da
linha processual de tratamento de lamas fecais.

Figura 11 - Soluções descentralizadas elegíveis. Matriz C. Soluções e opções para a ETLF

Na Figura 12 é apresentada a Matriz A – Soluções Centralizadas, esquematizando a


informação principal que é necessário recolher e tratar para efeito de seleção e conceção da linha
processual de tratamento de uma ETAR.

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Figura 12 - Soluções centralizadas elegíveis. Matriz A- Preparação da informação de base

Na Figura 13 é apresentada Matriz B – Soluções Centralizadas com um resumo esquemático


das soluções e opções consideradas para efeito de definição e conceção da linha processual de
tratamento de uma ETAR.

ETA R
FA SE S E L E Ç Ã O D A L IN H A FA SE
L ÍQ U ID A PR O C ESSU A L S Ó L ID A

TR A TA M EN TO T R A T A M E N T O P R IM Á - TR A TA M E N TO
P R E L IM IN A R R IO E S E C U N D Á R IO T E R C IÁ R IO
- G ra g a g e m m a n u a l
- S o lu ç õ e s d e r e d u z id o c o n s u m o e n e r g é tic o :
- G r a d a g e m m e c â n ic a (ta m b o r ro ta -
- F o s s a s é t ic a o u t a n q u e H im h o f f + le it o s d e m a c r ó fit a s
t iv o )
- Lagunagem
- d e s a re n a ç ã o ( c a n a l g r a v ít ic o o u - R A F A + p r o c e s s o b io l ó g ic o c o m p le m e n t a r
a p a r e l h o c o m b in a d o ) - D c e c a n t a ç ã o p r i m á r ia a v a n ç a d a
- r e m o ç ã o d e ó le o s e g o r d u r a s ( ta n -
q u e g r a v í t i c o o u a p a r e l h o c o m b in a d o )
R EM O Ç Ã O D E R E U T IL IZ A Ç Ã O
- S o lu ç õ e s d e e le v a d o c o n s u m o e n e r g é tic o : D E S IN F E Ç Ã O N U T R IE N T E S
- P r o c e s s o b io ló g i c o + f l o t a ç ã o + m e m b r a n a s ;
- L a m a s a t iv a d a s

- L a g o a s d e m a tu ra ç ã o ; - P r o c e s s o b io ló g ic o d e n itr ifi-
- R a d ia ç ã o u v ; c a ç ã o (re m o ç ã o d e a zo to )
- C lo r a g e m (h ip o c lo rit o ) - P r o c e s s o fís ic o -q u ím i c o (p re -
c ip it a ç ã o d e f ó s f o r o )
- P r o c e s s o b io ló g ic o a n a e ró b io
( r e m o ç ã o d e fó s f o r o )

E SPE SSA M EN TO
G R A V ÍT IC O

C O - D IG E S T Ã O
C O M P O STA G EM A N A E R Ó B IA - E f e t u a d a n a f a s e líq u id a :
- f o s s a s é t ic a
- t a n q u e h im h o ff
- la m a s a t i v a d a s e m a r e j a m e n t o p r o lo n g a d o
- E f e t u a d a e m d ig e s to r a n a e r ó b io
d e l a m a s ( a f r io )
L E IT O S D E
L E IT O S D E S E C A G E M
SE C A G EM

Q u a lid a d e
c o n fo rm e ?

E S T A B IL IZ A Ç Ã O
Q U ÍM IC A ( c o m c a l)
LEG EN D A
F a s e líq u id a
F a s e s ó lid a
V A L O R IZ A Ç Ã O A G R ÍC O L A O U F L O R E S T A L

Figura 13 - Soluções centralizadas- Matriz B. Linha processual da ETAR. Soluções e opções

5. MITIGAÇÃO DE EMISSÕES DE GEE E ADAPTAÇÃO ÀS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS NO


TRATAMENTO DE ÁGUAS RESIDUAIS – ESTIMATIVA E CLASSIFICAÇÃO DE EMISSÕES
No conjunto de princípios orientadores e de apoio à decisão para a definição, conceção e gestão
dos sistemas de saneamento sustentáveis e em regiões em desenvolvimento, consideram-se pilares

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fundamentais: contenção de custos, faseamento das infraestruturas, consonância da complexidade das
soluções com as capacidades das entidades e dos mercados locais, consumos energéticos
sustentáveis face aos custos e à disponibilidade das fontes energéticas disponíveis, redução das
emissões de GEE e resiliência aos impactos das alterações climáticas. As emissões de GEE
associadas ao tratamento de águas residuais relacionam-se com as atividades referidas na seguinte
figura:

Figura 14 - Principais emissões de GEE associadas ao tratamento de águas residuais

De acordo com as metodologias de classificação estabelecidas, designadamente no âmbito do


Protocolo de Quioto, as emissões de GEE devem ser classificadas nos seguintes campos ou domínios
ou scope (Figura 15):

Scope 1 – emissões directas geradas na ETAR, resultantes de queima de combustíveis ou de


processos de tratamento das águas residuais (biológicos ou físico-químicos);
Scope 2 – emissões indirectas associadas à produção, no exterior, da energia consumida na
ETAR (energia eléctrica comprada);
Scope 3 - emissões indirectas associadas a actividades desenvolvidas no exterior e sem nenhum
controlo ou influência por parte da entidade gestora da ETAR.

CLASSIFICAÇÂO
GEE PROCESSOS Diretas Indiretas Indiretas
Scope 1 Scope 2 Scope 3
Processos biológicos aeróbios (origem biogénica) ●
Consumo de energia elétrica comprada ●
CO2
Utilização de combustíveis fósseis ●
Consumo de materiais e reagentes ●
CH4 Processos biológicos anaeróbios ●
N2O Processos biológicos envolvendo o ciclo do azoto ●
Figura 15 - Classificação das emissões de GEE associadas ao tratamento de águas residuais

As emissões de CH4 e N2O são transformadas em emissões equivalentes de CO2 (CO2e),


utilizando como fatores de transformação as relações entre os potenciais de aquecimento global destes
gases estabelecidos no quarto relatório do IPCC e apresentados no Quadro 6.

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Quadro 5 - Potenciais de aquecimento global dos principais GEE
Potenciais de aquecimento global (horizonte de 100 anos)
GEE Segundo relatório Terceiro relatório Quarto relatório
IPCC IPCC IPCC
dióxido de carbono 1 1 1
metano 21 23 25
óxido nitroso 310 296 298

As emissões de GEE associadas ao funcionamento de ETAR (emissões operativas) são


avaliadas por operação e processo unitário de tratamento (OPU), e são expressas em quilos de CO2
equivalente por metro cúbico de águas residuais tratadas (kgCO2e/m3). Com base nos volumes anuais
de águas residuais tratadas, as estimativas em kgCO2e/m3 podem ser transformadas em valores
anuais, em quilos de CO2 equivalente por ano (kgCO2e/ano).

A construção/instalação de novas ETAR, ou a implementação de medidas de redução de


emissões em ETAR existentes, incorpora emissões pontuais no (s) ano(s) de construção/instalação.
Contudo, dada a dimensão das instalações de tratamento a construir, estas emissões incorporadas
podem, no caso em estudo, ser consideradas negligenciáveis.

BIBLIOGRAFIA
Chowdhry, S.; Kone, D. - Business Analysis of Fecal Sludge Management: Emptying and
Transportation Services in Africa and Asia. Draft Final Report. Sponsored by The Bill & Melinda Gates
Foundation. September 2012 http://saniblog.org/wp-content/uploads/2012/12/10-country-FSM-Final-
Report_September-2012-1-2-copy.pdf. (acedido em 30.08.2015)

EAWAG/SANDEC (Editor) (2008): Faecal Sludge Management. Lecture Notes. Duebendorf: Swiss
Federal Institute of Aquatic Science (EAWAG), Department of Water and Sanitation in Developing
Countries (SANDEC). http://www.susana.org/images/documents/07-cap-dev/c-training-uni-
courses/available-training-courses/sandec-tool/05_fsm/index_05.htm (acedido em 22.05.2015)

Linda, s.; Marisk, R.; Brdjanovic, D. (2014). Faecal Sludge Management. System Approach for
implementation and Operation. IWA Publishing.
http://www.eawag.ch/forschung/sandec/publikationen/ewm/dl/fsm_book.pdf (acedido em 20/04/2015)

McBride, A. (2012) The eVac in Malawi. Engineers without borders UK. Consulting Engineers Project
Managers. June 2012. http://www.adventurousengineer.com/downloads/eVac%20in%20Malawi.pdf
(acedido em 30.08.2015)

Montanegro, A.; Strauss, M. (2004). Faecal Sludge Treatment. EAWAG, Suiss Federal Institut of
Aquatic science and Technology. SANDEC Dept. of Warer and Sanitation in Developing Countries
2004.

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