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PERIGOSAS NACIONAIS

Juliana Barbosa — 1ª Edição


PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— 2019

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

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PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

COPYRIGHT
Copyright@2019 JULIANA BARBOSA
Capa: Crys Magalhães
Revisão: Mariana Rocha
Diagramação Digital: GiulianaSperandio,
Help — Serviços Literários
Direitos imagens: © pngtree.com.
Está é uma obra de ficção. Seu intuito é
entreter as pessoas. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos são produtos da
imaginação das autoras. Qualquer semelhança entre
esses aspectos é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da nova ortografia
da língua portuguesa.
Barbosa, Juliana
Oráculo, 1ª edição — 2019/286 páginas

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Ficção brasileira
Fantasia
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS.
É proibido o armazenamento e/ou reprodução
de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer
meios — Tangível ou intangível — sem o
consentimento por escrito das autoras.
Criado no Brasil.
A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na lei nº 9610/98 e punido pelo ar​-
tigo 184 do código penal.

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Sumário
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SUMÁRIO
DEDICATÓRIA
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII
CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO IX
CAPÍTULO X
CAPÍTULO XI
CAPÍTULO XII
CAPÍTULO XIII
CAPÍTULO XIV
CAPÍTULO XV
CAPÍTULO XVI
CAPÍTULO XVII

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CAPÍTULO XVIII
CAPÍTULO XIX
CAPÍTULO XX
CAPÍTULO XXI
CAPÍTULO XXII
CAPÍTULO XXIII
CAPÍTULO XXIV
CAPÍTULO XXV
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS.
SOBRE A AUTORA
CONHEÇA SEU TRABALHO
CONVITE

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DEDICATÓRIA

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CAPÍTULO I

Sê para teu melhor amigo aquilo


que desejas ser para ti mesmo.
William Shakespeare
Depois de olhar para o relógio pela décima
vez, Alison Evans sabia que nada justificaria um
atraso de vinte minutos. Não quando se tratava do
senhor Williams. Entre tantas vezes que teve que
encobrir o amigo, ele nunca se atreveu a atrasar
tanto.
Ela já estava fumando o terceiro cigarro e
conferindo o celular dezenas de vezes, esperando
encontrar uma mensagem. Foram vinte minutos
imaginando diversas formas de matar o amigo e
todas elas com muita crueldade. Alison estava
pronta para acender o quarto cigarro quando um
Porsche vermelho conversível entrou no
estacionamento da editora e parou diante dela.
Edward lançou um sorriso cauteloso
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enquanto passava suas pernas por cima da porta,


saltando graciosamente para fora do carro. Ele se
virou para a ruiva se inclinando sobre o carro e a
beijou carinhosamente. O sangue de Alison subiu
para os olhos e ela cogitou matá-lo ali mesmo
diante a ruiva peituda que, neste momento,
acreditava que teria uma segunda noite com
Edward Williams.

— Vinte minutos.

— Eu sei, eu sei, me desculpa. Eu trouxe café


do Du Monde, você pode entregar para ele.

— O quê? Está falando sério?

— Parece que a ruiva ali não pega fila, ela


deve estar dando para o dono do café também. —
Ele acenou para a garota, sorrindo enquanto
caminhavam para a entrada do prédio.

— Ai, que nojo, você poderia me poupar às


vezes! É sério, Edward, esta é a última vez que te
cubro. Você pode ser parente dele e ter algumas
regalias, mas eu preciso desse emprego, mais do
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que isso, eu amo meu trabalho e não vou arriscá-lo


nem por você. — Edward colocou o braço sobre
seu ombro com uma risada acolhedora.

— Ele não seria doido de demitir você, não


se preocupe. Você é ótima no que faz.

— Vai ter que ler meu livro novo para pagar


esse atraso.

— Não mesmo. Por favor, nós já


conversamos sobre isso. Você precisa aceitar que
não nasceu para escrever, e sim revisar o que já foi
escrito e, sinceramente, você é ótima nisso. Por que
se aventurar em uma área que você não domina?

— Nossa, Edward, você está me ofendendo,


sabia? Meus livros não são tão ruins.

— No seu último romance, o cara traiu a


namorada com o melhor amigo dela, gay.

— E daí? Isso acontece no mundo real.

— Mas você a fez correr atrás dele,


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oferecendo perdão igual uma louca obcecada.

— Talvez eu tenha exagerado um pouquinho.


— Alison respondeu envergonhada, retirando o
braço dele de cima do seu ombro. Eles entraram na
editora, indo direto para a sala do Sr. Bernard
Williams.

— Atrasados de novo.

— Gostaria de me desculpar, senhor


Williams, paramos para pegar um café do Du
Monde e eu trouxe um para o senhor. — Ele olhou
para o café, batendo a caneta sobre a mesa.

— Obrigado, Alison, mas da próxima vez


que quiserem tomar café lá, acordem mais cedo.

— Sim, senhor. — Ela disse enquanto olhava


furiosa para Edward, que deu de ombros.

Ela pegou o pen drive com o livro que


começaria a corrigir e seguiu para a sua sala.
Enquanto corrigia o livro, Alison se perguntava o
que ele tinha de superior em sua escrita, parecia tão
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sem graça e ali estava ele, aprovado para ser


publicado em uma das maiores editoras da
Louisiana. Talvez Edward estivesse certo, talvez
ela devesse mesmo desistir de tentar escrever um
livro decente.
Após o almoço, ela encontrou uma rosa
vermelha em sua mesa e, ao olhar através da porta
aberta de sua sala, avistou Edward sorrindo. Ele
mantinha as mãos postas em um pedido de
desculpa, e foi difícil não sorrir de volta.
Edward era um homem lindo, do tipo que se
vê em capas de revistas, o sorriso atraente e a
deselvoltura atrevida davam a ele uma
personalidade única. Eles se criaram juntos, ambos
foram adotados na mesma época. Quando eram
adolescentes, cogitaram a possibilidade de serem
irmãos biológicos, devido à história de como foram
adotados. Alison foi deixada na porta dos Evans na
mesma noite em que Edward foi deixado na porta
dos Williams. A história sempre assombrou a
ambos e se tratavam como irmãos até que
decidiram fazer um exame de DNA. O primeiro
exame deu inconclusivo, o que só aumentou as
suspeitas, mas o laboratório reconheceu o erro e fez
nova coleta, definindo assim que ambos não
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possuíam parentesco. Mas isso não foi suficiente


para apagar os dezesseis anos em que ambos
tinham a certeza do parentesco biológico. Desde
que os pais adotivos de Alison faleceram, Edward
havia se tornado sua única família.
Ela se segurou para não o perdoar de
imediato, ele merecia um castigo, e nenhum
rostinho bonito no mundo tiraria isso dela. Franziu
a testa e, com dor no coração, jogou a rosa no cesto
de lixo. Não era uma rosa que a faria perdoar por
vinte minutos de atraso e uma bronca do senhor
Williams. Não, Alison sabia exatamente o que
queria e há dois meses vinha esperando uma
oportunidade.
Ela ainda encontrou mais três rosas
escondidas em sua sala, sorriu e as cheirou antes de
colocá-las no lixo. É claro que ela as pegaria antes
de ir embora, mas Edward não precisava saber
disso.

— Você está irredutível hoje. — Edward


falou após fechar a porta do Chevrolet Cruze de
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Alison.

— Você mereceu, não pense que flores vão


me fazer esquecer o que você fez hoje.

— Essa era a minha esperança.

— Se quer continuar se atrasando nas


segundas, precisa comprar um carro e aprender a
dirigir.

— Eu prometo que não vai mais acontecer e


dirigir está fora de cogitação.

— Então contrate um motorista, você tem


dinheiro para isso.

— Eu já tenho uma motorista. — Alison


soltou um grunhido, ligando o carro, e Edward
gargalhou.

— Quer o meu perdão? Vai ter que ler meu


livro novo, ou pode pedir para a ruiva te trazer
todos os dias para o trabalho.

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— Não mesmo, ainda prefiro ler seus livros a


ter que dormir com uma mulher duas vezes.
— Ótimo, era essa resposta que eu esperava.

— Vai com calma, porque eu não disse


quando vou ler.

— Então amanhã vai ficar sem carona.

— Eu vou ler, dou a minha palavra. Só quero


protelar um pouco a tortura e sua decepção quando
eu falar que seu livro é ruim.

Alison ligou o som do carro na playlist que


sabia fazer Edward bufar. Ele nunca gostou de
música clássica, e agora seus dias seriam assim,
meticulosamente programados para irritá-lo.
Conhecendo Edward como a si mesma, não seria
difícil executar essa tarefa.

— Você vai mesmo ouvir essa coisa?

— Sim, meu carro, minhas regras, meus


horários.

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— Está bem, eu entendi. Posta no wattpad.

— O quê?

— Posta seu livro no wattpad, quando chegar


a dez mil leituras, eu vou ler.

— Você só pode estar brincando.

— Não estou. Muitos autores começam dessa


forma, vai ser bom para você. Vai poder
acompanhar cada comentário em tempo real de
leitura e lidar com pessoas que vão falar o que
pensam sobre seu livro. Sugiro que esteja
preparada.

— Você nem leu meu livro e já está


criticando. Aposto que as pessoas vão gostar e
serão mais justas que você.
— Se eles comentarem por terem odiado, já
se sinta feliz pela interação. Normalmente seus
romances não valem o trabalho de digitar um
comentário.

— Ed, você está sendo cruel.


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— Me desculpe, eu só não quero mais te ver


se machucar por conta disso, sendo que é tão
talentosa como corretora textual.

— Meu livro novo nem é um romance.

— E o que é?

— Uma fantasia em um mundo que eu criei.


Cheio de criaturas e magia.

Edward segurou a risada, pois sabia que já


havia a magoado e ela o expulsaria do carro no
meio do trajeto para casa. A verdade era que Alison
havia sido péssima escrevendo romances simples,
ele ficou imaginando como seria uma fantasia
escrita por ela, que exigia muito mais de um
escritor.
Não que a escrita de Alison fosse ruim. Não,
ela era muito esperta para conseguir manter uma
boa técnica textual, até perfeita. Mas era só isso.
Suas histórias fugiam do que vendia no mercado e,
em sua maioria, sempre tinham uma problemática
hilária ou um final terrível. Ler esse livro seria seu
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fardo e Edward conhecia bem a amiga para saber


que ela não o perdoaria até que fizesse isso.

— Vou ler quando chegar a dez mil leituras


no wattpad.

— Tudo bem. Sei que meu livro está bom e


vai atingir essa marca logo.

Alison estendeu o dedo mínimo para ele,


tirando a mão do volante. Edward enroscou seu
dedo no dela como faziam desde crianças sempre
que havia um juramento ou um desafio entre eles.
Naquela mesma noite, seu livro estava inteiro
no wattpad e, que Deus a ajudasse, porque Edward
teria que ler e engolir sua arrogância. Ele teria que
pedir desculpas por ter sido um verdadeiro cretino.
Talvez fosse isso que estava faltando, mudar
o gênero e escrever sobre algo que poderia abusar
de sua criatividade e explorar novos caminhos. Lá
no fundo, quando pensava nas dez mil leituras, ela
via um lampejo de esperança.
No dia seguinte, às sete e trinta e cinco da
manhã, Edward já aguardava em frente à sua casa.
Seus cabelos dourados e seu corpo desenhado pelas
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horas em que se exercitava chamavam a atenção de


quem passava pela rua residencial e elegante de
Nova Orleans. Eles eram vizinhos e o fato de ter
Alison tão perto fazia com que ele não desejasse ter
seu próprio apartamento, por isso permanecia na
casa dos pais.
Para Alison, as coisas foram mais difíceis,
devido à morte dos pais adotivos, há cerca de três
anos. Sua condição financeira não era das
melhores. Apesar de a casa estar bem localizada,
era antiga e necessitava de reformas. Esse luxo teria
que esperar, porque seu salário mal dava para
manter a casa e pagar seu crédito estudantil.

— Você está parecendo àqueles caras de


calendários que tiram fotos com roupas justas na
porta de casa. — Alison falou enquanto passava por
ele, indo para o carro.

— Bom dia para você também. Agora é você


quem está me ofendendo, esses caras são apenas
um rosto bonito e eu tenho muito conteúdo a
oferecer.

— Sei. Sempre me pergunto por que você


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não dorme mais de uma vez com a mesma mulher.


Deve estar economizando conteúdo.

— Engraçadinha. Não deixo uma segunda


vez acontecer porque elas ficam chatas e
mandonas. Uma segunda vez é como dar um
atestado de posse. Falando nisso, você precisa
transar, anda muito chata.

— Isso não é da sua conta. — Alison falou,


tentando esconder o rubor. Até mesmo Edward
sabia que havia ido longe demais. Ele nunca a viu
namorar e, tirando os caras que ela ficava nas festas
em que frequentavam, ele não sabia de nenhum
caso sério.

— Desculpa.

— Suas desculpas serão bem-vindas quando


eu atingir as dez mil leituras. — Ela sorriu
triunfante enquanto ligava o carro.

— Você já postou? — Ele perguntou


surpreso.

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— Ontem à noite.

— Você não perde tempo.

— Não mesmo. — Ela sorriu.

— Estava pensando, quer dar uma volta hoje


depois do trabalho?

— Você paga?

— Claro.

— Então eu vou, porque ando dura. Quem


sabe consigo transar essa noite e paro de te encher
o saco. — Alison se divertiu ao ver Edward
incomodado.

— Eu estava brincando, você não precisa


transar se não quiser. Se você quiser, ou se
interessar por alguém, me dá dez minutos que
investigo o cara. — Ela segurou uma gargalhada
com muita eficiência, mantendo um silêncio
incomum. — É claro que seria bom você não fazer
isso na primeira vez que conhecer alguém, ele pode
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achar que você é igual a essas mulheres com quem


eu saio.

Alison começou a emitir um som engasgado


que terminou em uma gargalhada, fazendo com que
Edward a encarasse, tentando descobrir se ela
estava sorrindo ou chorando.

— Que foi?

— Você acha mesmo que vou pedir para


você investigar cada cara que eu decidir transar?

— Deveria. — falou aborrecido.

— Quando eu decidir perder minha


virgindade, não vai ser com um cara no bar, muito
menos você vai precisar aprovar e, caso não tenha
percebido, acabou de ser extremamente machista. É
provável que, se eu conhecer alguém, você nem vai
ficar sabendo. O que eu acho muito difícil de
acontecer, já que os homens têm medo de mim.

Edward pareceu respirar aliviado ao saber


que ela ainda era virgem. Não que isso fosse da
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conta dele, mas ela era como uma irmã mais nova e
ele não conseguia imaginar um idiota qualquer a
tocando.

— Babacas têm medo de mulheres bonitas.


— falou com um sorriso.

Edward foi sincero, Alison era uma mulher


linda que mexia com a confiança de qualquer
homem.

— O primeiro elogio do dia, que bela manhã!

— Acho que também pode ser o teu cheiro


que afasta os homens. Você cheira como alguém
que não quer transar.

Ela o encarou até que ambos gargalharam.


Não importava quão chato Edward poderia ser, até
um cretino, na maioria das vezes, mas ela sabia que
sempre poderia contar com ele. Alison não
conseguia lembrar-se de uma única vez em que
sofrera um ralado no joelho em que Edward não
estivesse lá para ajudá-la a levantar.
Poderia ser egoísmo, mas ela gostava que
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Edward não se apegasse a ninguém. Só de imaginar


tendo que conviver com alguma garota com o perfil
pelo qual Edward costumava se interessar, fazia o
nariz dela franzir em protesto.
Mais tarde no final do expediente de uma
sexta-feira cansativa, Alison só conseguia
agradecer por Edward tê-la convidado para um
happy hour. Ela foi ao banheiro retocar a
maquiagem, passou um lenço úmido pelo pescoço e
um desodorante. Não resistiu à tentação de cheirar
suas axilas e seu antebraço, buscando por qualquer
cheiro desagradável, mas tudo que sentiu foi seu
perfume. Ela não conseguia imaginar qual seria o
cheiro de alguém que não queria transar, portanto,
decidiu não pensar mais sobre isso. Hoje queria se
distrair e esquecer todas as suas despesas e
responsabilidades.
Eles se encontraram na porta da editora,
deixaram o carro no estacionamento e caminharam
um quarteirão até o Lafitte's. Alison beberia
quantos drinks sua barriga suportasse, porque
Edward pagaria a conta. O Lafitte's Blacksmith
Shop Bar era perfeito, sempre com boa música e,
como tudo em Nova Orleans, tinha certo mistério.
Antigamente acreditavam que ele era mal-
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assombrado, mas hoje isso era apenas para atrair


turistas.
Alison se sentou, ocupando uma mesa que
encontrou vazia, avaliando os clientes, enquanto
Edward foi comprar um mojito para ela e uma
cerveja para ele. Além das pessoas de sempre, ela
encontrou um rapaz bebendo sozinho escorado no
balcão, virado em sua direção. Alison deu um meio
sorriso e o rapaz fez um cumprimento breve, se
virando para o bar. Ela relutou contra a vontade de
se cheirar novamente. Ele não era lindo, mas com
toda certeza fazia seu tipo.
Ela se perguntou por que aquilo sempre
acontecia, mesmo quando Edward estava
acompanhado com alguma garota, deixando
entender que eles não eram namorados, havia uma
dificuldade incrível em encontrar alguém disposto a
corresponder os sinais que ela tentava emitir, de
que estava pronta para um relacionamento.

— E aí, como está o movimento? — Edward


entregou a bebida para ela.

— Como sempre.

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— Você sabe o que eu quis dizer.

— Tem um cara interessante ali no bar, mas


já deve ter sentido meu cheiro. — Edward sorriu
enquanto bebia sua cerveja na garrafa.

— Você precisa mostrar que está disponível.

— Eu preciso é beber mais cinco mojitos


como este, e depois algumas tequilas.

— Vai com calma, não vou te carregar no


colo até um táxi.

— Talvez eu peça para o carinha do bar me


carregar. — Ela sorriu enquanto tomava a bebida
pelo canudinho. — Eu acho que você pode ter
razão, tem alguma coisa errada comigo.

— Não há nada de errado com você. Você só


é... — Edward ponderou. — bonita demais para
esses idiotas.

— Achei que homens gostassem de mulheres


bonitas.
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— E gostam, mas as que são lindas acabam


assustando. Falta de confiança, com toda certeza.
Você vai encontrar alguém um dia e,
provavelmente, não vai ser aqui no meio desses
babacas. — Alison gargalhou.

— Parou para pensar que se estamos aqui,


bebendo da mesma bebida, somos tão babacas
quanto eles?

— Fale por você, eu estou longe de ser um


babaca.

— Aposto que encontro muitas mulheres que


vão discordar disso.

Edward balançou a cabeça sorrindo.

— Culpado!

Ele se virou na direção de uma mesa onde só


havia mulheres. Alison revirou os olhos com uma
pontada de inveja, pois sabia que, em menos de
vinte minutos, Edward estaria acompanhado de
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alguma peituda. Ela pensou que, de certa forma,


isso poderia ser bom para ela. Talvez o carinha do
bar pudesse entender que ela estava disponível.

— Quem será sua vítima?

— A morena lá no canto.

— Ela não está acompanhada?

— Não, eles são só amigos.

— Como você sabe?

— Porque ela está percorrendo o bar com os


olhos, enquanto finge prestar a atenção no que ele
diz.

— É só isso? Se eu te ignorar e ficar


encarando as pessoas, vão saber que somos só
amigos?

— É claro que não. — Alison bufou.

— Mas foi o que você disse.


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— Babacas, Alison, lembra?

— Você é um babaca. — Ele revirou os


olhos.

— Vou te mostrar que não sou.

Edward se levantou e foi até o bar, Alison


gritou para ele trazer tequila e o rapaz sentado no
bar ousou olhar na direção dela. Desta vez, foi ela
quem virou o rosto, magoada por ter sido rejeitada
anteriormente.
Edward pagou pela tequila e uma nova
cerveja, Alison o viu mostrando a morena para o
atendente, depois ele voltou com a segunda rodada
de bebidas.
O garçom levou um drink para a garota,
apontando para a mesa deles, e Edward levantou a
cerveja em um cumprimento. Alguns minutos se
passaram e ela se levantou com o drink, vindo até a
mesa deles, deixando Alison com as sobrancelhas
erguidas.

— Oi, foi você quem me mandou o drink?


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— Oi, sim, meu nome é Edward e esta é


minha esposa, Alison, nós temos um casamento
moderno e eu adoraria transar com você hoje.

Alison tossiu, parecendo se engasgar e, ao


levantar o olhar, percebeu que a garota estava
avaliando sua reação. Ela pegou a dose de tequila e
virou de uma só vez.

— Tem certeza disso? — A garota perguntou


para ela.

— É claro, um casamento muito moderno. Eu


vou transar hoje com o carinha que está bebendo ali
no bar. — E apontou para o rapaz que havia
cumprimentado antes. A jovem sorriu, avaliando
Edward e Alison pôde jurar que ela estava
mordendo os lábios.

— Vou avisar meu amigo e já volto. —


Alison sacudiu a cabeça afirmando, tentando
parecer natural, enquanto Edward sorria
descaradamente ao ver a amiga constrangida.

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— Eu vou te matar. — ela falou entre dentes,


assim que a garota saiu.

— Isso é por você me fazer sempre ler seus


livros.

— Seu babaca! Agora vou transformar meu


livro em uma trilogia e você vai ter que ler todos.

— Então, na próxima vez, convido uma


mulher para dormir com nós dois e digo que você é
minha irmã, e que cometemos incesto desde seus
quinze anos.

— Você não se atreveria. — Edward deu de


ombros, abrindo um sorriso largo.

— Paga para ver. — Alison bufou.

— Ainda está cedo, vou sair por umas duas


horas e vou deixar a conta aberta para você. Eu
volto para te buscar, esposa linda, não saia daqui.

— E para onde eu iria? Fedo a alguém que


não quer transar. — Ela se afundou na cadeira,
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olhando para o nada.

— Você vai ficar bem?

Alison cruzou os braços.

— Vou, pode ir lá jantar.

— Você fica tão linda quando está


enciumada, minha querida esposa. — ela grunhiu.

— Você tem dois minutos para sair da minha


frente ou eu vou ser presa por violência doméstica.
— Edward gargalhou.

Ele foi até o bar, exatamente do lado do cara


que Alison havia achado interessante. Ela sentiu
todo seu corpo congelar e, naquele momento,
desejou ser uma mosca.
Edward avisou ao atendente que sairia por
duas horas, mas que estava deixando a conta aberta
para a irmã. Pediu para que o atendente ficasse de
olho caso ela bebesse demais e que não permitisse
que Alison saísse do bar com ninguém, pois ele
voltaria para buscá-la.
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O atendente, que já conhecia a ambos, fez um


gesto com a cabeça afirmando e tranquilizando
Edward, que deixou uma gorjeta generosa. Ele
caminhou até a porta do bar, onde a garota o
esperava.
Agora Edward poderia sair tranquilo, após
garantir que o rapaz tinha ouvido que ela era sua
irmã. Ele esperava que o rapaz fizesse companhia
para ela, sabia que ele não se atreveria a convidá-la
para sair do bar. Não depois de ter visto Edward
pagar uma nota de cem dólares para Jon ficar de
olho. Se ele tivesse sorte, o babaca pagaria por
todas as bebidas de Alison durante sua ausência.
Alison se ergueu da cadeira, estarrecida por
ver o rapaz vindo com um drink em sua direção.
Definitivamente ele era um homem bonito, e ela
desejou que ele tivesse uma voz sexy e um bom
papo.

— Oi.

— Oi

— Posso me sentar?

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— É claro.

— Vi que você gosta de mojito e eu trouxe


um para me desculpar por ter sido um idiota. Eu
achei que você estava acompanhada.

— Obrigada, Edward é um amigo.

— Eu o ouvi dizer que era seu irmão. —


Alison sorriu.

— Não somos irmãos biológicos, mas


Edward tem razão, nós fomos criados juntos e, do
jeito que brigamos, acho que isso nos dá o título de
irmãos. — O rapaz sorriu.

— Me chamo Ian Collins

— Eu sou Alison Evans. Nunca vi você por


aqui.

— Eu sou do Tennessee, estou de férias, vou


ficar mais uma semana.

— O que você faz no Tennessee?


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— Sou advogado criminalista. — Ela ergueu


as sobrancelhas.

— Você não tem cara de advogado


criminalista. — Ian sorriu.

— Como deve ser a cara de um advogado


criminalista?

— Mais velho, eu acho, e com uma gravata,


mesmo estando de férias. — Ian sorriu de novo,
mostrando suas covinhas.

— E você?

— Eu moro aqui.

— Isso eu já percebi. Seu irmão chamou o


atendente pelo nome e você tem o sotaque daqui.

— Na verdade não tenho sotaque, é você o


forasteiro com sotaque.

— Tem razão, você me pegou. No que você


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trabalha?

— Sou escritora.

Ian ergueu a sobrancelha admirado, e ela se


arrependeu de ter dito aquilo no mesmo instante em
que as palavras saíram de sua boca. Agora estava
suplicando para que ele não gostasse de ler.

— Interessante. Você não tem cara de


escritora.

— E como deve ser a cara de uma escritora?

— Deveria usar óculos, mesmo em um bar.

Alison sorriu e tomou um gole do mojito. Ela


achava Ian mais interessante a cada minuto que
passava. Ele contou sobre o stress da sua profissão
e como era bom estar ali de férias e poder relaxar.
Ela falou sobre o emprego na editora em que, além
de escritora, ela mantinha um cargo como corretora
textual. Ela agradeceu aos Deuses por ele não ter
perguntado o nome de seus livros.
Ian tinha cabelos castanhos e um corpo
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malhado sem exageros. Tinha olhos castanhos e


covinhas nas bochechas, o que ela achava
particularmente lindo.
A conversa fluiu de forma agradável e ela se
sentiu orgulhosa por ter desejado alguém tão legal.
Ian era cinco anos mais velho que ela, o que ela
achou ótimo. Eles trocaram telefones e Ian falava
sobre seus irmãos quando Edward chegou.
Como previsto, Alison estava acompanhada e
apresentou Ian para Edward, que foi incrivelmente
gentil. Alison se perguntou se era isso que o sexo
fazia com as pessoas, pois ele sempre voltava dos
encontros sorridente.
Depois de uma breve conversa entre os três,
Edward manifestou a intenção de ir para casa e
perguntou de forma educada se Alison o
acompanharia. Ela confirmou e se despediu de Ian.
Ele prometeu ligar para um segundo encontro,
Alison sorriu, dizendo que aguardaria a ligação.
Alison manteve as notificações do seu celular
desligadas durante o fim de semana, deixando
apenas um toque específico com o volume alto para
o caso de Ian ligar. Ela relutou em olhar sua conta
no wattpad e resolveu começar a ler um livro novo.
Ian não ligou e, apesar de ter gostado dele,
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Alison já estava acostumada com essa atitude e


resolveu que não deveria alimentar esperanças.
A semana seguinte passou tão rápida que ela
só se deu conta que era sexta-feira quando sentiu
exaustão.
Edward não havia se atrasado nenhum dia,
ambos estavam cheios de trabalhos com os três
novos autores aprovados para publicação. Edward,
que trabalhava no marketing da empresa, estava tão
ocupado quanto ela e, naquela sexta, trabalhariam
até tarde.
Quando chegaram a casa, já com o sol se
escondendo no horizonte, Alison se despediu de
Edward e entrou. Ela precisava de um banho
urgente e largou o celular em cima da pia do
banheiro enquanto preparava a banheira.
Quando voltou para pegar uma toalha dentro
do balcão da pia, resolveu tirar o celular do
silencioso. Ela se deitou na banheira com água
quente e relaxou ali submersa quando o celular
começou a apitar descontroladamente.
Alison ficou curiosa e irritada ao mesmo
tempo. Precisava daquele banho para relaxar e
havia se esforçado, colocando óleos e sais na água.
Ela também acendeu uma vela de canela e achou
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perfeita a vista do pôr do sol através da grande


janela do seu banheiro, deixando o céu
avermelhado.
Alison queria ignorar o celular, mas não era
costume receber tantas notificações. Nem mesmo
Edward, que mandava mensagem três vezes ao dia
para saber se ela estava bem ou para pedir cerveja
ou até iogurte de morango, não costumava mandar
tantas mensagens assim.
Seu celular não parava de tocar. As
notificações que entravam ressoavam um bipe
diferente e discreto. Por um momento, Alison
tentou reconhecer o som e associá-lo a um
aplicativo. Quando lembrou que se tratava do
wattpad, deu um pulo na banheira. Ela se levantou
rápido, se enrolando na toalha. Secou as mãos
ligeiro e pegou o celular em cima da pia. Eram
comentários, muitos comentários de leitores que
deixavam suas considerações em tempo real.
Alison percebeu que, naquele momento, havia uma
multidão lendo seu livro e que, durante a semana,
ela já havia atingido a marca de dez mil leituras.
Freneticamente, ela abriu os comentários e, para
sua surpresa, todos que conseguiu ler elogiavam
seu livro. Alison soltou um grito estridente, longo e
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alto. Quando seu fôlego acabou, um barulho veio


das escadas e a porta do banheiro se abriu.

— Você está bem? Escutei seu grito lá do


meu quarto.

— Eu tenho onze mil leituras, onze mil! —


Edward colocou a mão no peito como se quisesse
segurar o coração que saltava.

— Meu Deus, Alison, você quase me matou


de susto!

Alison arrumou a toalha e correu para os


braços do amigo, molhando sua camisa com seus
longos cabelos castanhos encharcados. Edward a
conteve em seus braços, enquanto ela iniciava um
choro de alívio, como se todas as frustrações
saíssem por seus olhos. Ele acariciou suas costas
molhadas e segurou atrás de sua cabeça, mantendo
ela sobre seu peito.

— Está tudo bem, você conseguiu. — Ela se


afastou para olhar seus olhos e, com um biquinho
de choro, falou.
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— Agora você vai ler, não vai? — Edward


sorriu.

— Eu sempre leio seus livros, mas agora vou


ler feliz. — Alison sorriu entre soluços e lágrimas,
voltando a encostar a cabeça no peito de Edward.

— Vou deixar você terminar o banho e vou


pegar seu celular para ir lendo os comentários aqui
na porta para você, ok?

Alison concordou com a cabeça e entregou o


celular para ele. A porta do banheiro ficou
entreaberta e Edward ficou do lado de fora, lendo
cada comentário enquanto Alison, imersa na
banheira, sorria maravilhada.

— Só tem comentários positivos e os leitores


estão empolgados com a leitura. Você escreveu um
livro baseado na mitologia Egípcia?

— Sim. — Alison respondeu sorrindo, pois


sabia o quanto Edward gostava.

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— Isso parece estar muito bom, Ali. Vou


começar a ler amanhã, porque hoje vamos
comemorar seu sucesso.

— Está falando sério?

— É claro, tenho que aproveitar você, pois


logo será famosa e rica. — Alison bufou. — Quer
ir jantar ou sair para beber?

— Beber é claro, hoje você vai ter que me


carregar para casa.

— Tudo bem, hoje a noite é sua. Aonde quer


ir? — Alison deu um sorriso largo porque Edward
já sabia a resposta. — Ok, vamos de Lafitte's de
novo.

— Se você quiser ir a outro lugar, tudo bem.

— E deixar você sem seu mojito preferido?


Não, hoje é seu dia, vamos lá beber todas.

Alison colocou um vestido preto e justo.


Normalmente ela teria escolhido uma calça jeans
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justa e uma regata bonitinha, mas hoje era um dia


especial, e ela queria usar um salto. Ela deu volume
em seu cabelo liso e usou um batom vermelho. O
vestido era simples, mas elegante, e se ajustava nos
lugares certos, valorizando suas curvas.

— Uau, você está linda! Não vai poder beber


até cair com esse vestido curto. — Edward já
olhava para ela com reprovação.

— Deixa de ser ciumento e meu vestido nem


é tão curto.

— Você vai me dar trabalho esta noite.

— É provável. — Alison falou radiante.

— Vamos, o táxi está esperando.

Eles escolheram uma mesa mais reservada.


Edward não estava ali para flertar, hoje a noite era
de Alison. Não que Edward não havia corrido os
olhos pelos clientes fazendo uma avaliação rápida
sobre possíveis alvos, caso Alison acabasse se
interessando por alguém. Eles pediram champanhe
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para brindar. Edward torceu o nariz ao beber do


espumante, não era sua bebida preferida, mas
brindaria com ela e depois compraria uma cerveja.

— No que está pensando? — Alison sorriu,


saindo do estado paralisado que se encontrava.

— Você estava no seu quarto quando gritei,


como conseguiu chegar à minha casa antes de eu
ter terminado de gritar? — Edward gargalhou.

— Anos de prática saindo de fininho quando


os maridos abrem a porta. — Alison bufou. — Não
foi difícil escutar seu grito do meu quarto, já que
fica a poucos metros do teu banheiro.

— Obrigado por sempre vir quando eu grito.


— Edward piscou para ela.

— Quer dançar?

— Aqui?

— É claro, ninguém vai reparar. Vamos, hoje


é a sua noite.
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— Está bem. — Ela estendeu a mão para ele,


que a conduziu no compasso do Jazz.

O bar estava mais cheio que o normal. Eles


dançavam no canto, perto da mesa. Edward olhava
carinhosamente para ela, tentando se lembrar de
quando ela deixara de ser aquela garota magrela
para se tornar uma mulher linda. Ele não quis dizer
a Alison que sentiu ânsia de vômito ao ouvir seu
grito, não quis contar que imaginou as piores
coisas. Que só chegou tão rápido em sua casa,
porque não suportava imaginar que algo de ruim
pudesse acontecer a ela. Alison não era apenas sua
amiga, ela era sua irmã, sua alma gêmea e sua
própria existência. Edward amava Alison de uma
forma tão verdadeira, que não conseguia imaginar
dando sua vida por outra pessoa.

— Não olhe agora. O Ian da semana passada


está aqui e não tira os olhos de você.

— Onde ele está?

— Está no mesmo lugar da semana passada.


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Quando a música acabou, eles sentaram.


Alison decidiu que não olharia na direção de Ian.
Não depois de ele ter feito com que ela passasse
uma semana olhando para o celular, esperando uma
ligação.

— Ele está vindo aqui. — Edward falou.

— O que eu faço? Ele não me ligou.

— Oi, Alison. Olá, Edward, tudo bem? —


Edward o cumprimentou e disse que iria ao bar
buscar cerveja.

Alison olhou para Ian enquanto dava um gole


na taça de champanhe.

— Olha, eu sei que parece que eu fui um


idiota, mas eu fui assaltado naquela noite e levaram
meu celular com seu número. Eu juro que teria te
ligado. Desde então, vim aqui todas as noites com a
esperança de que você voltasse antes de eu ir
embora.

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— Você quer se sentar?

— É claro. — Ian pegou uma cadeira vazia


da mesa ao lado e se sentou perto dela.

— Eu realmente achei que você era um


idiota.

— Eu posso imaginar que sim. — Ian sorriu


constrangido

— Você conseguiu recuperar seu celular?

— Infelizmente não, tive que comprar um


novo e quando voltar, vou tentar recuperar meu
número. Tenho meus clientes e seria uma perda
terrível.

— Eu sinto muito.

— Você está linda e parece comemorar algo.


— Ian apontou para o champanhe que estava dentro
de um balde com gelo.

— Ah, sim, estamos comemorando o sucesso


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do meu livro novo.

— Ah, sendo assim, parabéns, adoraria ler.


Posso pagar outro champanhe?

— Não, obrigada, mas aceitaria um mojito.


— Ian abriu um sorriso largo e se levantou para ir
buscar no bar.

Alison aproveitou para ver onde Edward


estava e o avistou em uma mesa cheia de mulheres
que pareciam estar em uma despedida de solteiro.
Alison sorriu, e Edward levantou a cerveja na
direção dela, deixando claro que estava de olho.
Bastava um grito para ele estar ali ao seu lado. Ela
ergueu o dedo mínimo curvado para ele, propondo
uma aposta que Edward sabia muito bem o que
significava. Ele respondeu com seu dedo mínimo
erguido, aceitando o desafio.
Agora Alison teria de beijar Ian antes que
Edward conseguisse escolher qual das loiras ele
beijaria primeiro. Ela precisava de bebida, queria
ficar mais solta, pois não perderia aquela aposta.
Não com as coisas encaminhadas com Ian.
Ian retornou com um mojito, e Alison bebeu
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como quem bebe um refrigerante, com muita sede.


O rapaz sorriu para ela ao perceber que ela secava o
copo.

— Você estava com sede.

— Me desculpa, eu estava mesmo.

— Você quer mais um? — Alison afirmou


com a cabeça.

— Você tomaria tequila comigo? — Ian


avaliou o pedido de Alison por um instante.

— Só se você estiver disposta a uma


competição. — Alison sorriu curiosa e Ian
explicou. — Podemos tentar adivinhar algo
importante sobre nós, quem errar bebe uma dose.
— Alison assentiu.

Ótimo, agora ela estava em duas competições


e, para vencer a primeira, tinha que ganhar bebidas,
então precisava perder a competição com Ian.
Alison chegou a questionar em pensamento porque
sua vida nunca era simples. Ian retornou com a
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garrafa de tequila e dois copos. Foi dado a ela o


direito de começar e Alison sabia que precisava
perder.

— Você é casado. — Ian tossiu em uma


risada.

— Por que pensa isso? Eu jamais estaria aqui


de férias sozinho se fosse casado. Pode beber.

Alison virou uma dose. Essa foi fácil, pois


Ian não tinha marca de aliança e parecia sincero
quando falou sobre o assalto.

— Sua vez.

— Você não teve muita sorte no amor, até


agora. — Ian sorriu confiante.

— É tão obvio assim? — Ian deu de ombro.

— Seu irmão não tira os olhos de você e


quando sai, deixa alguém de olho. Então imagino
que o fato dele ser tão protetor pode estar
relacionado a alguma experiência ruim.
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É claro que Alison gostaria de dizer a


verdade. Ela nunca teve qualquer experiência que
passasse de uns beijos e carícias, mas não queria
que Ian saísse correndo antes de beija-la.

— Ok, você venceu.

— Sua vez.

— Levando em consideração a sua profissão,


você é um homem organizado. — Ian gargalhou.

— Sou um desastre no quesito organização.


O que me salva é uma agenda eletrônica.

— Droga, vou ter que beber de novo! —


Alison fez uma cara de desapontada e olhou na
direção de Edward, que já estava com o braço sobre
o ombro de uma das loiras. Alison xingou baixinho,
sabendo que precisava agir, então virou a dose
fazendo uma careta. Ian sorriu triunfante.

— Você está bem?

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— Claro. Só um pouco tonta.

— Eu vou ao banheiro, assim damos um


tempo antes que você fique bêbada demais.

Alison se obrigou a sorrir quando, na


verdade, sentiu o gostinho da derrota. Logo agora
que ela estava pronta para vencer os dois desafios.
Ela bufou assim que Ian se virou e começou a
atravessar o bar.
As mãos de Edward faziam movimentos
circulares no ombro da loira sentada ao seu lado.
Ela não era a mais bonita dentre as cinco, tampouco
ele se lembrava do seu nome. Edward soube, assim
que começaram a conversar, que ela era a mais
fácil de todas.
O desafio lançado por Alison a tornava a
melhor escolha. Em outra ocasião, ele teria
escolhido a noiva, que possuía um corpo lindo e um
rosto angelical. Edward olhou para Alison e a viu
derrotada ao ver que Ian se levantava da mesa. Ela,
com toda certeza, não conseguiria ganhar agora que
o babaca havia quebrado o clima indo ao banheiro.
Edward sorriu para ela, erguendo o dedo mínimo
em lembrança e Alison mostrou a língua para ele.
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Edward, sorrindo, voltou a atenção para a mulher


ao seu lado, que parecia excitada com o movimento
sutil em seu ombro. Ele não jogaria sujo, esperaria
Ian retornar do banheiro. Eles já haviam feito esse
desafio antes e todas as vezes Alison perdera.
Ela pensou em mil formas de beijar Ian.
Diante da urgência da aposta, não podia esperar
pela boa vontade dele. Ela precisava agir e tinha
que ser logo. Sua única saída seria encontrar Ian
quando estivesse a caminho da mesa e beijá-lo no
meio do bar, assim do nada. Por mais que isso fosse
improvável, e até ridículo, Alison não estava pronta
para perder novamente. Depois pensaria em uma
desculpa qualquer.
Quando ela o avistou retornando, se levantou
para ir ao seu encontro. Só então percebeu o efeito
da bebida, tendo que se segurar em uma cadeira por
um momento até se recuperar da tontura. Quando
ergueu o olhar, viu Ian indo em direção à porta de
saída.

— Droga. — Ela xingou baixinho.

Ela estava decidida a entender a situação. Por


qual motivo ele estava indo embora sem se
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despedir? Ela foi até a porta e viu Ian caminhando


devagar na direção da esquina. Alison se escondeu
na marquise para observar, avançando sempre que
ele se afastava. Ian parou na esquina em uma parte
escura da rua, parecia conversar com alguém.
A situação só alimentou a curiosidade de
Alison, fazendo com que ela chegasse mais perto,
até que ela o viu.
Ela não se lembrava de sentir um terror tão
grande percorrer sua espinha e o ar pareceu
congelar em seus pulmões. Sua respiração ficou
lenta como se, por instinto, evitasse fazer barulho.
Uma confusão passava agora por sua mente,
tentando achar uma explicação para o que estava
diante de seus olhos.
Um guerreiro Anúbio segurava os ombros de
Ian, que parecia inerte em suas mãos. Ela viu o
guerreiro, o mesmo que descreveu em seu livro,
bem diante de seus olhos. Suas pernas perderam as
forças e uma voz gritava dentro dela. Saia, saia
daí!
Alison viu quando o guerreiro se desfez em
uma névoa negra, se desintegrando e entrando
pelos olhos, ouvidos e pela garganta de Ian. Ela
sabia o que aquilo significava, ela havia escrito
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sobre seu clã e descrevera muito bem o que aqueles


guerreiros da morte podiam fazer.

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CAPÍTULO II

Longas amizades continuam a


crescer, mesmo a longas distância.
William Shakespeare

Edward percorreu a ponta dos dedos pelo


pescoço da jovem sentada ao seu lado. Ele viu
quando o braço dela se arrepiou, indicando que o
queria. Edward soube que era o momento certo,
então a beijou erguendo o dedo mínimo na direção
da mesa de Alison. Quando ele abriu os olhos,
buscou com um olhar rápido verificando se Alison
estava contemplando sua vitória, mas ela não
estava lá.
Edward voltou sua atenção para cada canto
escuro do maldito bar, atrás de qualquer vestígio de
Alison ou de Ian e um frio percorreu sua espinha.

— Com licença, meninas. Eu preciso


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encontrar minha irmã.

— Ainda está muito cedo, fica mais um


pouco. — Edward sorriu para a jovem, mas seu
sorriso não subiu aos olhos.

— Sinto muito, assim que eu a encontrar, eu


volto.

Ele caminhou até a porta do banheiro


feminino e permaneceu ali até a porta se abrir para
duas mulheres saírem. Ele invadiu o banheiro
feminino apenas para descobrir que ela não estava
lá.
Ele procurou por Alison em cada canto do
bar e, quando se certificou de que ela nem Ian
estavam mais ali, saiu discando o número de
Alison.
Cada chamada fazia seu coração palpitar de
ansiedade. Quando caiu na caixa, ele xingou,
passando as mãos sobre os cabelos, pensando qual
seria seu próximo passo. Ele precisava entrar no bar
e descobrir se alguém havia visto Alison. Foi até a
banda que tocava Jazz e, com toda falta de
educação, pegou o microfone produzindo um ruído
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agudo, fazendo os músicos pararem.

— Sinto muito, pessoal. Me chamo Edward e


entrei neste bar com minha irmã Alison. Ela tem
cabelos longos e castanhos e estava sentada com
um cara bem ali naquela mesa. Alguém viu para
onde eles foram?

— Ela saiu do bar. Foi atrás do cara. — Um


rapaz falou erguendo a cerveja.

— Obrigado. — Edward devolveu o


microfone e, antes que ele pudesse chegar à porta
de saída, a música já tocava novamente.

Caminhou até a esquina, músicos tocavam ao


longo da rua e pessoas desciam e subiam a Bourbon
St. Ele parou algumas pessoas mostrando a foto de
Alison que guardava na carteira. Sem qualquer
informação, retornou para o bar. Desta vez,
procurou Jon.

— Jon, não estou encontrando ela. Se por


acaso ela voltar, diga para me ligar imediatamente,
ok?
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— Pode deixar, cara, vou ficar de olho. —


Edward lançou um olhar agradecido para Jon e saiu
novamente do bar.

Ele foi na direção oposta até chegar na


esquina escura onde o movimento era escasso. Era
quase como se pudesse sentir o cheiro dela ali.
Seguiu pela rua transversal, deixando o movimento
para trás. A cada passo, seu desespero aumentava.
A rua ficava cada vez mais deserta e escura.
Se isso fosse uma brincadeira de Alison, eles teriam
uma longa conversa. Edward sempre confiou em
seus instintos, mas eles agora o mandavam de volta
ao bar e seguir na direção oposta, porém, ele podia
jurar que sentia o cheiro de Alison ali. Não era o
perfume cítrico que ela usava sempre e que ele não
sabia o nome, mas era o cheiro inconfundível que
ele sempre sentia nela, desde que eram crianças.
Levado por sentimentos inexplicáveis que ele
mal compreendia, caminhou adiante e se
questionou diversas vezes se estava fazendo a coisa
certa. Discando repetidas vezes para o celular de
Alison enquanto caminhava, ele decidiu parar para
organizar seus pensamentos. Alison não iria tão
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longe por vontade própria, não sem o avisar.

— O que não estou vendo? — ele sussurrou.

Ele virou a esquina, ainda lutando contra seus


instintos, cada passo que dava parecia perder o
rastro. Observava cada canto, cada beco. Vasculhou
lixeiras e procurou pelas ruas, qualquer sinal que
pudesse indicar que Alison poderia ter sido levada
a força.

Vamos, raciocina, ela é uma garota esperta.


Teria deixado algum sinal.

Edward lutou contra a vontade de gritar por


ela no meio da rua. Se Ian tivesse alguma coisa a
ver com isso, ele o mataria. Foi quando percebeu
que sabia muito pouco sobre ele. Edward decidiu
voltar para o bar e tentar qualquer informação sobre
Ian. Ele sabia que voltar ao bar e manter a calma,
colhendo o máximo de informações, era o correto a
se fazer. Entrou no bar indo até Jon, que fez um
sinal negativo, indicando não ter visto Alison.

— Jon, o que sabe sobre o Ian?


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— Só sei que ele está de férias e que mora no


Tennessee. Parece que é advogado.

— Você sabe o sobrenome dele?

— Ele pagou com cartão, se você esperar até


o bar fechar, posso procurar o recibo. — Edward
deu um soco no balcão.

— Jon, é a Alison, cara! Não posso esperar


até o bar fechar. Eu ajudo com os clientes e você
vai lá procurar o recibo. — Jon concordou sem
jeito.

— Desculpa, cara, foi mal. Eu vou ver se


encontro.

Edward pulou por cima do balcão e começou


a atender as pessoas, mas sua atenção estava em
Jon, que verificava cada recibo em uma caixa.

— Achei, está aqui! Ian Collins

— Valeu, Jon, preciso de mais um favor.


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Preciso olhar as câmeras.

— Vai lá na sala, fica tudo gravado. Você


consegue se virar sozinho?

— Sim, eu me viro.

Ele começou a procurar na gravação até


chegar o momento onde viu Ian ir em direção à
saída. Alison se levantou da mesa e seguiu na
mesma direção. Não adiantaria chamar polícia,
tudo o que aquela gravação mostrava era uma
jovem saindo por livre espontânea vontade. Mas
Edward sabia que Alison não sairia dali sem avisá-
lo. Tinha que ter algo a mais. Ele procurou na
câmera que ficava no caixa voltada para os clientes
e viu o momento em que Ian retornou do banheiro,
parou por um instante e olhou para a câmera
fixamente por alguns segundos.
Edward teve um sobressalto e voltou a
gravação várias vezes. Seus sentidos em alerta
máximo fervilharam em seu sangue. Ele posicionou
a gravação naquele trecho mais uma vez,
observando os olhos de Ian, que pareciam negros
como a noite. Quando Edward pegou o celular,
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percebeu que sua mão estava tremendo ao buscar


por Ian no Google. Uma lista surgiu com
reclamações e insatisfações devido seu trabalho. No
geral, pessoas descontentes por Ian representar
criminosos. A lista de clientes de Ian era extensa,
estupradores, traficantes, gente da pior espécie.
Porém, nada ilegal até o momento.
Edward cruzou as mãos atrás da cabeça,
respirando fundo enquanto afastava o desespero.
Tentou se manter calmo e pensar de forma
coerente. Agora fazia uma hora e meia desde que
percebeu o sumiço de Alison e ele sabia que seria
inútil avisar as autoridades. Não com as imagens
das câmeras mostrando Alison sorrindo ao sair do
bar. Ele se levantou e foi até o balcão do bar, sua
respiração era pesada, cada passo, cada minuto, o
fazia se sentir mais distante dela.

— Jon, eu vou dar mais uma volta, se ela


aparecer, me liga, eu volto em uma hora. — Jon
concordou.

Ele saiu na rua e olhou para a escuridão no


final daquela esquina à sua esquerda. Olhou para a
direita onde o movimento era contínuo e iluminado
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pelos bares e pubs que formavam uma sequência,


era para lá que ele iria. Caminhou devagar, ouvindo
e sentindo cada cheiro, vendo cada rosto. Por mais
improvável que pudesse parecer, ele nunca se
arrependera de ouvir seus instintos antes.
Cada grito chamava sua atenção. Era difícil
discernir as vozes em meio à diversidade de
músicos tocando ao longo da rua. Aquela era Nova
Orleans, agitada e barulhenta como sempre. Tudo
que Edward sempre amou na cidade, agora, se
tornou seu pesadelo. Turistas demais, barulho
demais, movimento demais. Muitas coisas a se
considerar em meio ao caos quando se está
procurando por alguém que acabou de ser
sequestrada. Ele se encolheu diante do pensamento,
mas era isso que havia acontecido com Alison. Ele
não esperaria pelas quarenta e oito horas exigidas
pelas autoridades, sabia que cada segundo contava.
Edward parou diante da banda que tocava
Jazz, era uma banda antiga que ele sempre
encontrou ali. Os músicos estavam rodeados por
jovens bebendo. Ele olhou para cada pessoa, para
cada músico que conduzia seu instrumento com os
olhos fechados. Viu quando um jovem jogou o
filtro do cigarro ainda aceso em uma depressão
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próxima ao meio fio. Edward caminhou até chegar


próximo do rapaz e encarou aquela grade fixa no
paralelepípedo de forma retangular.
— O que é isto?

— Meu cigarro. — O rapaz respondeu.

— Não o cigarro, essa grade, não parece ser


um bueiro.

— Ah, isso? É um respiro nos diques. Nova


Orleans fica abaixo do nível do mar e esses diques
bombeiam água para o lago.

— Onde fica a entrada? — A respiração de


Edward voltou a se intensificar.

— A alguns quarteirões daqui, naquela


direção. — O jovem apontou para a direção onde
ele havia procurado, naquela esquina escura que ele
havia sentido o cheiro dela. — Mas você não vai
conseguir entrar, só entra o pessoal autorizado.

Ele já estava correndo quando o rapaz


terminou a última frase. Nem mesmo quando viu a
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cidade ser destruída pelo furacão Katrina sentiu


tanto medo. Ele havia se voluntariado na época,
mas tudo o que conseguiu foi uma mão bagunçando
seus cabelos. Edward era apenas uma criança, mas
ficou profundamente ofendido ao ser recusado.
Durante a evacuação, ele havia se escondido e,
quando não podia mais ser retirado da cidade, se
apresentou aos homens que o haviam recusado,
forçando-os a mantê-lo na equipe. Ele viu o vento
destruir tudo e depois viu o mar e o lago invadir a
cidade, deixando tudo embaixo d'água. Ele corria
com passos firmes e ágeis, se desviando de
pedestres e não ousou olhar na direção do bar
quando passou na frente. Ao chegar à parte sem
vida de Nova Orleans, aumentou sua velocidade,
buscando a entrada para os diques.
A adrenalina percorria em seu sangue e ele
manteve a respiração regular e constante. Mal
sentia suas pernas ao virar mais uma esquina.
Deveria estar perto, segundo a explicação rápida do
rapaz. A rua era ainda mais escura. Não era um
lugar onde ele estava acostumado a caminhar,
tampouco fazia parte de seu trajeto diurno. Quando
Edward entrou em uma rua comercial, passando
por prédios antigos, avistou um duto. Uma
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plataforma quadrada que levava possivelmente ao


subsolo. A construção era moderna demais
comparada à arquitetura centenária que
predominava ali. Ele apoiou a mão no muro de
entrada tomando fôlego. Logo a sua frente, coberto
pelas sombras, havia uma grande porta dupla,
Edward xingou se amaldiçoando por não ter pedido
uma ferramenta a Jon. Ligou a lanterna do celular e
percebeu que a porta estava destrancada.
No chão, próximo a porta, havia um cadeado
partido e retorcido junto a uma corrente. Edward
agradeceu por ter encontrado a porta aberta e
desceu pelas escadas avistando um longo corredor
coberto por água. Na lateral, havia um elevado
contínuo que servia de passarela, provavelmente
para as constantes manutenções. Colocou no GPS o
endereço do bar, tirando um print da tela, para o
caso de ficar sem internet.
Conforme Edward caminhava em total
silêncio, sentia o cheiro de sal, era certo que aquela
água era salobra. Ele não quis imaginar qual seria
sua profundidade. Havia avançado poucos metros
quando seu celular vibrou. A simples vibração
ecoou pelo corredor e Edward xingou.

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— Alô

— Edward Williams?

— Sim.

— Aqui é a policial Miller, qual seu


parentesco com Alison Evans?

— Graças a Deus, eu sou irmão dela. Vocês a


encontraram? Ela está bem?

— Na verdade, encontramos o senhor Ian


Collins. Ele estava com a bolsa de Alison e o
celular dela. Você o conhece?

— Bom, sim. Nos conhecemos na semana


passada no bar. Hoje minha irmã estava bebendo
com ele no Lafitte's até que percebi que tinha
desaparecido. Estou procurando por eles
aproximadamente por umas duas horas.

— Senhor Williams, preciso que venha até a


delegacia. Não posso dar informações por telefone.

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— Estou indo agora mesmo.

Edward olhou para o corredor escuro a sua


frente e trincou os dentes. Ele jogaria Ian na parede
e o torturaria até a morte, mas não saíria de lá sem
informações sobre Alison.

— Senhor Williams, por favor, se sente.

— Onde está o Ian? Eu gostaria de falar com


ele.

— Senhor Williams, eu gostaria de fazer


algumas perguntas que podem ajudar a encontrar
sua irmã. — Edward confirmou com um gesto de
cabeça. — Por que vocês têm sobrenomes
diferentes?

— O quê? No que isso pode ajudar a minha


irmã?

— Por favor, responda a pergunta. —


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Edward soltou uma risada nervosa, todo seu corpo


tremia. Era uma perda de tempo estar ali.

— Nossas famílias são vizinhas, somos


adotados e crescemos juntos, acreditando que
éramos irmãos biológicos. Um dia decidimos fazer
um exame de DNA. — Edward sorriu, mas havia
tristeza em seus olhos. — O resultado deu negativo,
mas isso não mudou o que sentíamos. Alison
continuou sendo a minha irmã e, mais do que isso,
somos amigos e muito próximos.

— Quando conheceram Ian Collins?

— Na sexta-feira passada. Fomos beber


depois do trabalho e a Alison conheceu ele lá. Eles
trocaram telefones, mas não se falaram até hoje.

— Ian Collins foi encontrado morto a quatro


quarteirões do Lafitte's. Ele estava com a carteira
no bolso intocada. A bolsa da Alison estava ao lado
do corpo com celular, cartão de créditos e dinheiro.
Nada foi mexido. — Edward se levantou, passou as
mãos nos cabelos, havia terror em seus olhos.

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— Não a encontraram? — Sua voz saiu


embargada.

— Não, mas acreditamos que sua irmã esteja


em perigo. Por favor, se sente, o melhor a fazer é
colaborar com a polícia.

— Colaborar com a polícia? Vocês estão aqui


me interrogando ao invés de estarem procurando
por ela.

— Nesse momento, têm policiais lá fora


procurando por ela. Qualquer informação que possa
nos dar pode ser útil para a encontrarmos. —
Edward sacudiu a cabeça.

— Eu sei como funciona, sei o que está


acontecendo aqui. Sei que, nesses casos, as pessoas
mais próximas se tornam suspeitas. Alguém está
com ela nesse exato momento e você sabe que cada
minuto conta. Então, policial Miller, ou você me
acusa de algo e me mantém aqui preso, ou saia da
minha frente.

— Eu posso te prender por quarenta e oito


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horas, senhor Williams. Basta eu acreditar que o


senhor é um suspeito. Eu sugiro que se sente e
responda as minhas perguntas, e eu prometo que
em menos de vinte minutos o senhor será liberado.
— Edward se sentou, mas não conseguia parar de
pensar naquele corredor escuro dos diques e no
quanto havia sido um idiota vindo até ali. —
Quando percebeu que a Alison havia sumido?

— Fizemos uma aposta. Sempre apostamos


coisas idiotas, porque Alison é muito competitiva.
Às vezes apostamos quem beija primeiro em uma
festa. Alison estava chateada porque Ian não tinha
ligado, eles tinham trocado os números na semana
passada, mas ele não ligou. Então Ian apareceu e os
dois começaram a conversar, pareciam estar se
entendendo e eu fui me sentar em outra mesa. A
Alison fez o sinal, levantando o dedo mínimo, é a
forma como faz para me desafiar. Depois disso, me
concentrei na garota ao meu lado até beijá-la, então
olhei para a mesa dela, mas eles não estavam mais
lá.

— O que você fez em seguida?

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— Fui procurá-la no banheiro feminino.


Quando eu vi que ela não estava mais no bar,
peguei o microfone da banda e pedi ajuda. Um
rapaz tinha a visto sair atrás do Ian. Eu fui para rua
e comecei a procurar. Mostrei a foto dela para as
pessoas e perambulei pelos quarteirões ao redor do
bar. Quando voltei, Jon me deixou olhar as câmeras
e eu vi quando ela saiu do bar atrás dele.

— Por que não procurou a polícia?

— Alison saiu do bar sorrindo, seguindo um


cara que tinha acabado de conhecer. Acha que eu
não sei o que vocês diriam?

— Como você soube que ela não tinha saído


apenas para se divertir?

— Porque eu conheço a Alison, ela não sairia


sem me avisar. Ela nunca fez isso.

O som estridente do celular da policial tocou.


Edward se perguntou sobre aquele toque, se não
seria proposital com intuito de assustá-lo. Ele havia
assistido inúmeros filmes policiais e sabia o
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suficiente para acreditar que, nesse momento, ele


era o maior suspeito. A policial saiu da sala e
Edward se amaldiçoou por cada minuto perdido.
Após longos dez minutos, ela retornou. Desta vez
trazia um semblante compassivo.

— Sua história foi confirmada, quero que


saiba que estamos fazendo o possível para
encontrá-la. Você pode ir se quiser, mas mantenha
seu celular ligado.

— Obrigado. — Edward se levantou e


caminhou até a porta, voltando o olhar para a
policial. — Quais as chances dela ainda estar viva?

— Não encontramos sangue no local,


acreditamos que quem matou Ian também
sequestrou a sua irmã. Sua família possui muito
dinheiro e podem pedir um resgate a qualquer
momento. Se isso acontecer, nos comunique
imediatamente. Se não houver um pedido de
resgate, podemos estar lidando com um agressor de
mulheres. Nesse caso, as chances dela diminuem a
cada hora.

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— Como Ian morreu?

— Ainda não sabemos, mas não apresentava


nenhum ferimento externo. — Edward se encolheu
ao lembrar-se dos olhos negros e vazios de Ian no
vídeo da câmera de segurança.

Apesar de não compreender aquilo, não


queria perder tempo pensando sobre o que era
aquela coisa. Edward se perguntou se os policias
também haviam percebido ao assistir o vídeo.

— Vá para casa e fique próximo ao telefone.

— Vou ajudar nas buscas, não posso ficar


parado.

— Quem a levou não deve estar pelas ruas


mais. — Edward assentiu, não queria prolongar
mais aquela conversa.

Ele desceu as escadas do dique correndo, não


havia mais tempo para dúvidas. Manteve a lanterna
baixa para evitar que a luz denunciasse a sua
presença. Se alguém mantinha Alison ali, ele não
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queria alertá-lo. Ele levou a corrente que havia


encontrado no chão próximo a porta do dique. A
embrulhou de tal forma para que não fizesse
barulho enquanto ele corria. Não era exatamente
uma arma, mas não chegaria de mãos abanando
agora que sabia que lidava com um assassino. O
túnel se abriu em um cruzamento e ele parou diante
das três possibilidades, fechou os olhos e deixou
seus instintos o guiarem. Não ousaria relutar contra
eles mais uma vez. Edward pegou o túnel do meio e
seguiu de forma lenta e atento aos sons. A
passagem era estreita, mas ainda conseguia
caminhar sem que fosse necessário se curvar.
Ele ouviu uma voz masculina distante, que
falava em uma língua que ele não conhecia. O
corredor dobrava em uma esquina à esquerda, a uns
trinta metros à sua frente. Após memorizar a
distância, desligou a lanterna do celular. A voz
parecia questionar alguém, então ouviu um gemido
de dor, como se alguém estivesse se afogando.

— Alison. — Edward falou mais alto do que


gostaria, sentindo seu corpo inteiro se arrepiar.

Era Alison ali, sendo torturada por algum


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maluco. Ele pensou em ligar a lanterna para


caminhar mais rápido quando uma luz azul intensa
brotou além daquela esquina a sua frente. Edward
correu e se deparou com um homem colocando
Alison nos ombros. O homem caminhou na direção
da luz azul que flutuava na parede do corredor de
forma intensa.

— Largue-a agora!

O homem parou, mas não se virou para ele.

— Mandei você largar a minha irmã agora,


seu covarde. Por que não vem pegar alguém do seu
tamanho?

O homem inclinou levemente a cabeça para o


lado. Seus cabelos negros e longos oscilavam como
uma névoa negra que parecia percorrer todo seu
corpo. Alison ainda estava viva, suas mãos
mexiam sem força, tentando lutar. Edward correu
na direção daquele homem, segurando a corrente
em suas mãos. Ele o estrangularia.
O homem apenas deu mais dois passos
entrando naquela luz, que desapareceu em seguida.
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O mundo de Edward escureceu e ele se chocou


contra uma parede de concreto. Ele esmurrou a
parede e gritou com toda a sua força. Chamou por
Alison até que sua voz se tornasse rouca e falha,
então buscou o celular no bolso com as mãos
sangrando e acendeu a lanterna.
Não havia nada ali, nenhum vestígio, nenhum
cheiro, nenhuma presença. Quando seu choro e
seus gritos cessaram, ele pôde ouvir distante o som
do Jazz que ainda tocava sobre ele. Reconheceu o
som daquela banda que tocava seguidamente no
mesmo lugar da Bourbon. No mesmo lugar onde
havia visto o jovem jogar o cigarro perto do respiro
do dique.
Edward soube que havia muito mais que sua
mente era capaz de compreender, aquilo era
sinistro, obscuro. Ele soube que estava diante do
inexplicável.

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CAPÍTULO III

Todo mundo pode dominar uma


dor, exceto quem a sente.
William Shakespeare.
Alison retirou os sapatos de salto agulha que
estava usando, segurando um em cada mão. Sua
cabeça girava não apenas pela bebida alcoólica que
havia ingerido, mas se encontrava em choque
devido ao que presenciara.
Ela posicionou os saltos como duas possíveis
armas. Sabia que não poderia fazer nada com
aquilo, mas lutaria por sua vida, não se renderia
facilmente.
Ian caiu de joelhos no chão e, por um
momento, pareceu lutar contra aquilo que estava
agora dentro dele. Ela soube que era a sua única
chance de sair dali viva e correu na direção do bar,
e não ousou olhar para trás.
Ela sentiu quando seu vestido curto e justo
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subiu até a metade do seu quadril, libertando ainda


mais suas pernas que pareciam esticar com vontade
própria e de forma ágil. O bar ficava cada vez mais
perto e um brilho de esperança palpitou em seu
coração. Lutaria com os sapatos outro dia, no
momento, só pensava em sair dali.
O pequeno trajeto até o bar ficava cada vez
mais iluminado, ela estava pronta para entrar no bar
correndo quando sentiu um puxão em seus cabelos.
Ian a puxou com tanta força que ela gemeu ao cair
no chão. Ela esboçou um grito e filetes de névoa
negra saíram das mãos de Ian e entraram por sua
garganta, a sufocando. Ela segurou seu pescoço
com ambas as mãos se contorcendo, buscando por
ar.
Morte, foi o que ela viu diante de si. Sentiu
seu cheiro, sentiu seu gosto, enquanto lutava se
segurando naquele fio frágil que se tornara sua
vida.
O guerreiro invadiu seu corpo, tateou sua
mente e ela lutou para expulsá-lo. Lutou para levar
ar aos seus pulmões e quando a consciência estava
prestes a abandoná-la, o guerreiro recuou.

— Você vai fazer o que eu mandar, se abrir a


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boca para gritar, se tentar correr de novo, vou matá-


la. — A voz ainda era de Ian, o mesmo sotaque e o
mesmo corpo, mas ela sabia que havia muito pouco
de Ian ali.

Alison respirava ofegante ainda sentada na


calçada, tentando recuperar o fôlego. Ela ergueu o
olhar até encontrar os olhos de Ian. O castanho
dourado de antes havia desaparecido, agora seus
olhos eram como ébano. Ela desejou que tudo não
passasse de um pesadelo, desejou acordar em sua
cama quente e segura. Não poderia se deixar levar
pelo desespero, seu corpo entrava em modo de
sobrevivência, na tentativa de encontrar uma forma
de sair daquela situação.
A coisa dentro de Ian a ergueu do chão, as
mãos dele a seguraram pelo braço, fazendo com
que caminhasse ao seu lado. Para quem avistava
ambos caminhando, poderia jurar que eram
amantes e Alison duvidara que tivesse qualquer
chance de pedir ajuda antes de ser sufocada
novamente.

— O que você é? — falou apavorada.

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Aqueles olhos negros voltaram-se para ela.


Um predador avaliando sua presa. Ele permaneceu
em silêncio, carregando ela por quarteirão após o
outro. Ela retirou o anel que era de sua mãe e
jogou-o no chão. A coisa parou.

— Volte e junte, se deixar algo para trás


novamente, vou matar qualquer um que seguir seu
rastro. — Alison engoliu seco.

Caminhou até onde havia jogado o anel e


olhou para além da rua onde estavam. Fugir não era
uma opção, olhou para o chão e viu o brilho do anel
que refletia sob a fraca luz. Ela o pegou, colocando
em seu dedo novamente. Uma angústia envolveu
seu peito, jamais veria Edward novamente. Lutou
contra a vontade de se esparramar no chão e chorar.
Controlando a respiração, ela se levantou e olhou
aquela coisa nos olhos, respirou fundo para afastar
o terror e caminhou até ela. A mão de Ian ameaçou
segurar seu braço, mas Alison se esquivou.

— Eu sei que não posso fugir, não precisa me


arrastar.

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A coisa voltou a caminhar e ela o seguiu


mantendo um passo atrás. Eles caminharam por
mais dois quarteirões e ele parou novamente em um
lugar escuro. A coisa se afastou para o beco e ela
ouviu quando o corpo de Ian estalou. Viu quando
uma névoa negra deixou seu corpo quebrado, que
caiu no chão, sem vida.
Alison tremeu, seu autocontrole beirou a
insanidade ao ver aquela névoa tomar a forma de
um homem. Um assassino poderoso que havia
saído do seu livro, da sua história. Ela não estava
em um pesadelo, aquilo era real e Ian caído naquele
beco era a prova disso.
Alison caiu de joelhos e as lágrimas
escorreram pelo seu rosto. Ela havia feito isso. De
alguma forma, sua história ganhara vida e agora
existia um monstro à solta.
O guerreiro saiu do beco e olhou em seus
olhos petrificados, ele a pegou pelo braço, a
colocando em pé. Caminhou seguro, sabia que ela
era impotente diante o seu poder.
Eles pararam diante de uma entrada escura,
ela viu quando a corrente se retorceu e caiu no chão
como um barbante. Alison se encolheu.
Ele entrou na escuridão e ela sentiu sua
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respiração ficar pesada. Era a própria morte quem a


aguardava cruzar aquelas portas. Ela olhou para
trás por um instante, como se despedisse de algo, e
tão logo voltou para escuridão e entrou.
A coisa fechou as portas, deixando-os na
escuridão. Ele a conduziu pelas escadas e
caminharam por corredores. Ela registrou em sua
mente o caminho, contando cada esquina em que
viravam até chegarem ao fim de um corredor. Uma
leve luz azul brotou da mão do guerreiro, subindo
pelo ar como uma pequena esfera iluminando o
ambiente. Alison ouviu barulho de água, mas sentiu
ainda mais medo ao ver aquele túnel coberto por
ela.

— Por favor, seja rápido. — O peito subia e


descia.

O homem se aproximou a contornando, ela


não passava de uma presa e ele brincava com sua
comida. Ele pronunciou palavras em uma língua
antiga enquanto a cercava. Ela se assustou com a
voz grave e humana.

— Não consigo entender. — falou entre


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soluços.

— Como sabe sobre Thórun? — disse com


sotaque arrastado, falando na língua dela.

— Eu criei Thórun, é tudo o que eu sei. – O


guerreiro a avaliou estreitando os olhos. A névoa ao
redor do seu corpo ficou mais intensa.

— Como sabe sobre Thórun? — Ele repetiu.


Ela caiu sobre os joelhos, seu corpo tremia.

— Eu falei a verdade, apenas tirei toda a


história da minha cabeça e escrevi um livro. Não
sei por que você é real, ou se Thórun realmente
existe.

Um filete de névoa saiu da mão do guerreiro,


tão negra como a escuridão daqueles corredores,
desceu até o rosto de Alison e entrou pelo seu nariz,
roubando-lhe o ar. Aquilo tateou novamente sua
mente enquanto ela se contorcia no chão. O
guerreiro se afastou pronunciando uma palavra em
sua língua que parecia um xingamento. Alison
tossiu.
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— Humana burra, não sei como me repele da


sua mente, mas sei como posso arrancar a verdade.

A névoa voltou a entrar em Alison, desta vez,


não lhe impediu de respirar. Ela sentiu a presença
em seu corpo, como se a escuridão nadasse em seu
sangue, percorrendo suas veias até sua perna
direita. Uma garra lhe rasgou o músculo da coxa
produzindo uma dor terrível. Ela gritou.

— Eu não sei, eu juro que não sei nada sobre


Thórun. Por favor, pare.

O guerreiro caminhou a sua volta subindo sua


magia até seus braços e, como agulhas, raspou seus
nervos e tendões, a fazendo se contorcer no chão.

— Já falei que não sei, seu idiota covarde! —


ela falou entre soluços.

O guerreiro parou diante dela. Seu rosto, que


oscilava pela névoa envolta, parecia inexpressivo.

— Se quer que a dor pare, me deixe entrar


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em sua mente. — ele falou enquanto se abaixava


para olhar de perto seus olhos, como quem tentava
compreender ou estudá-la.

Alison percebeu que possuía uma vantagem,


talvez a única, e ela a usaria ao seu favor. Quando o
guerreiro movimentou a magia, Alison o
interrompeu.

— Por favor, espere. Vou abrir minha mente


para você, mas quero que me dê a sua palavra de
que vai poupar minha vida. — Se Alison estivesse
com sorte, o guerreiro teria honra suficiente para
não quebrar seu juramento.

Ela se lembrou de como foram forjados.


Assim como possuíam a letalidade, possuíam um
senso de justiça. Mentir para um guerreiro Anúbio
era o mesmo que assinar uma sentença de morte.
Mas, se pudesse abrir sua mente e mostrar que
falava a verdade, isso poderia representar sua
liberdade. Só precisava convencê-lo de aceitar o
acordo. Ela usaria a única vantagem que possuía,
porque, diferente do guerreiro, ela o conhecia.

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— Por que eu faria um acordo quando posso


arrancar a verdade através da dor?

Apesar das palavras, ele não parecia se


divertir quando cravou as garras em suas costelas,
fazendo com que ela quase desmaiasse.

— Por favor, pare, eu imploro.

— Alguém contou a você sobre o meu povo,


sobre o meu mundo. Você escreveu em um livro e
espalhou livremente pelo seu planeta, despertando
o interesse de forças que não pode compreender.
Muito antes que eu pusesse meus pés em seu
mundo, sua vida já havia sido reivindicada. Agora
lhe dou uma escolha, pode me contar a verdade e
morrer com honra ou tomarei a verdade de você à
força. Não prolongue seu sofrimento.

Ela deixou seu corpo fraco cair ao chão


novamente, se virou de lado, olhando para aquela
esfera que brilhava acima das águas do túnel. A luz
tênue e tranquilizante era diferente de toda
escuridão que saía do guerreiro. Ela chorou, não
por causa da dor que latejava em suas costelas e
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que percorria seus nervos e músculos rasgados,


Alison chorou por se sentir impotente diante do que
lhe aguardava, por não ter esperança, aquele
certamente era seu fim.

— Escolho morrer com honra. — Alison


falou com a voz embargada pelo choro. — Mas,
por favor, não me torture mais, entre na minha
mente e veja tudo o que quiser.

O guerreiro se aproximou se curvando sobre


ela. Ele segurou sua cabeça e a névoa a invadiu,
sondando aquela barreira que o impedia de entrar.
A magia empurrou e arranhou tentando transpor.
Alison gritou de dor.

— Por favor, pare! — Ela se encolheu diante


da dor que a presença dele lhe causava. — Quando
me causa dor, tudo o que desejo é que saía.

— Não conheço outra maneira de invadir sua


mente.

— Então não invada, apenas encontre um


jeito de entrar.
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O guerreiro olhou em seus olhos, erguendo-a


ainda mais. Seus cabelos negros oscilavam entre a
névoa que o rodeava. Mesmo diante da letalidade
que ele representava, havia certa graciosidade. Ela
percebeu que aqueles olhos eram mais antigos do
que ela poderia imaginar. Quantas vidas humanas
seriam necessárias para enumerar sua existência?
Ela queria juntar forças e lutar por sua vida,
mas o simples fato de se mexer era quase
insuportável. Ainda sentia o eco da presença dele.
Aquela escuridão que estivera ali a rasgando por
dentro. Ela se lembrou de Ian, do barulho do seu
corpo sendo esmagado e do som quando caiu no
chão sem vida. Alison se encolheu diante daquela
imagem que vinha em sua mente. Talvez ela
estivesse errada e não havia justiça alguma na
conduta do guerreiro, conforme contara em seu
livro.

— Qual é o seu nome?

— Por que quer saber?

— Se vai me matar, que diferença isso faz?


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— O guerreiro parecia ponderar.

— Anpu. — Alison gargalhou produzindo


um gemido de dor enquanto seu corpo chacoalhava.
Ela sentiu a presença da magia do guerreiro
avaliando-a e se encolheu.

Se o homem diante dela era um guerreiro


Anúbio, conforme descrevera em seu livro, Anpu
era um nome previsível para um guerreiro da
morte. Ele a observou, estreitando os olhos,
sondando suas atitudes e palavras.

— Tudo o que eu escrevi em meu livro é


real?

— Não tudo, mas tem muita informação que


não era para você saber ou qualquer outro ser
humano.

— Como sabe falar meu idioma?

— Não te interessa. Não sou eu quem deve


explicações.

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— Você está errado, ninguém me contou


sobre seu mundo, mas isso não faz diferença para
você, não é mesmo? — Sua voz saiu como um
gemido de dor.

— Não, não faz. — Ele colou as mãos sobre


a cabeça dela, segurando em cada lateral de seu
rosto. Alison se encolheu esperando a dor que não
veio. A magia chegou suave como uma brisa fresca
e percorreu a barreira em sua mente, acariciando
como quem pedia com gentileza para entrar.

Não era mais algo escuro, mas uma magia


tranquilizante como aquela esfera de luz que
plainava sobre as águas. A barreira começou a
ceder lentamente, abrindo pequenas lacunas.
Conforme a magia demonstrava gentileza, mais
espaço ele encontrava para se infiltrar.
Anpu havia conseguido enviar parte de si
para dentro da mente dela, sondando com cuidado
suas memórias. Ele ainda não compreendia como
um humano poderia bloquear seu poder. Em toda
sua existência, nunca encontrara alguém capaz de
impedi-lo e não sabia o que pensar daquilo.
Ele buscou por memórias com cuidado, não
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desejava despertar a força que o impedira antes.


Viu o medo, decepção, e se manteve gentil, abrindo
espaço para seguir em frente.
A mente da humana não era como uma porta
aberta onde ele poderia vasculhar e encontrar
rapidamente o que precisava. Ela havia permitido
pequenos acessos, pequenas lacunas que iam se
abrindo, conforme ele passava. Poderia levar horas
até que ele encontrasse o que buscava. Sua magia
acariciou aquele medo, confortou aquela sensação
de pavor. Ele encontrou seu nome e soube que
estava no caminho certo.

— Respire fundo. — o guerreiro falou suave


e ela inspirou profundamente. — Agora me mostre
como sabe sobre Thórun?

Ele viu sua frustração enquanto escrevia


centenas de palavras e depois as apagava. Ele viu a
dor e a decepção quando todo seu trabalho foi
rejeitado uma, duas, três vezes, então a viu sentada
diante do seu computador, ouvindo uma voz antiga
que sussurrava em seu ouvido. Sua magia sondou
aquela lembrança, se aproximando mais. A voz lhe
contava sobre Thórun e sobre seu povo. A magia de
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Anpu sondou aquela voz sentindo seu eco, sentindo


seu gosto e ele soube que não havia nada de
humano naquilo.
Anpu acariciou com seus polegares a testa de
Alison enquanto sondava aquele poder antigo. Se
ao menos ele estivesse inteiro em sua mente,
poderia seguir o rastro daquela voz, daquela força
que compartilhava informações com uma mortal.
Viu quando ela digitou palavra por palavra
daquele livro, guiada pela voz que lhe contava em
sua mente, como uma lembrança antiga. A jovem
havia dito a verdade, ninguém havia lhe contado
sobre Thórun. Ao menos, não era alguém que ela
pudesse compreender.
Que Anúbis o ajudasse, porque ele
descobriria o responsável por envolver uma
inocente, fazendo com que o sangue dela fosse
reivindicado injustamente.
Anpu escutou que alguém se aproximava
pelo túnel. Ele seria rápido, a mataria de forma
misericordiosa. Agora que vira a verdade, não
prolongaria seu sofrimento. O guerreiro começou a
retirar a magia da mente da jovem rapidamente, se
esgueirando para fora quando percebeu que a
barreira fechava as lacunas abertas. Um símbolo
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que nem mesmo ele era capaz de decifrar brilhou


na testa de Alison, forjando uma marca.
Tentou ser rápido, conforme a muralha se
erguia novamente, até que a barreira se fechou por
completo, prendendo parte dele lá dentro. Anpu
xingou cravando as garras naquela barreira,
tentando sair.
Alison gemeu de dor, mas a barreira não
cedeu, seus olhos estavam ocultos no globo ocular
e seu corpo frágil tremia. O guerreiro preso a ela
não teve escolha se não abrir o portal. Ele a colocou
nos ombros e, antes que pudesse partir, foi
confrontado por um jovem. Ele cogitou matar o
humano que vinha em sua direção. Sentiu o seu
cheiro e buscou informação sobre ele na mente de
Alison. Quem quer que fosse, era importante para
ela, então o guerreiro partiu sem olhar para trás.
Anpu colocou Alison sobre a relva diante de
Amut, que o aguardava desde sua partida. O animal
encarou a jovem que permanecia inconsciente e,
voltando o olhar para Anpu, parecia o questionar.
Ele se colocou sobre as quatro patas e aproximou
uma passada, farejando seus cabelos, depois suas
mãos e então farejou aquela marca, que ficara ainda
mais evidente em Thórun.
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Alison abriu os olhos se deparando com um


animal enorme em cima dela. Ela soltou um grito
agudo e estridente, fazendo com que Amut lhe
mostrasse todos os dentes e, motivada pelo
desespero, desferiu um soco no focinho do animal.

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CAPÍTULO IV

Em tempos de paz, convém ao


homem serenidade e humildade;
Mas, quando estoura a guerra,
deve agir como um tigre.
William Shakespeare.
Nem mesmo Anpu ousou desferir um golpe
em Amut no dia em que o encontrou nas
profundezas, pronto para transformá-lo em comida,
mas, ali estava ela, desmaiada, após o esforço de
golpeá-lo.
Seus pulmões respiravam com dificuldade,
provavelmente estranhando a diferença no ar de
Thórun. Ele mesmo se sentira mais fraco ao
respirar na Terra e precisou de algumas horas para
se acostumar com a densidade do ar.
Estranhamente, Amut não revidou ao golpe e
permanecia farejando o corpo estirado de Alison.
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Ele fungou em sua testa, sentindo aquela marca que


sumia conforme os minutos passavam. Fungou em
seus cabelos, tentando reconhecer o que estava
diante dele. Cada movimento mínimo de Alison,
que mais parecia dormir de exaustão, fazia com que
Amut recuasse em um salto.

— Que bom ver que não sou o único


intrigado com ela. — Amut ergueu o focinho para
olhar Anpu e piscou. — Você não foi o único que
levou um golpe hoje. Ela trancou parte da minha
magia dentro da própria mente. Consigo acessá-la,
mas não consigo retirá-la de lá.

Amut voltou a farejar a testa de Alison,


deixando um rastro de baba. Anpu observou como
ela parecia ainda menor e frágil diante do tamanho
do animal.

— Vamos acampar aqui esta noite. Assim


que ela acordar, vou tentar retirar minha magia e
terminar o que comecei. — Amut bufou em
protesto e Anpu ergueu as sobrancelhas. — Não sei
por que está reclamando, talvez não precise caçar o
jantar. — Amut olhou preguiçosamente, se
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afastando de Alison.

Ele se deitou no chão, demonstrando


desinteresse na refeição oferecida. O guerreiro saiu
para fazer o reconhecimento do perímetro, e usou
sua magia para proteger o lugar. Embora seu poder
ainda fosse letal, sentia que lhe faltava parte de
suas forças e não desejava que o cheiro da humana
atraísse alguma criatura curiosa. Podia sentí-la
mesmo de longe como um fio fino que se esticava
entre os dois.
Era estranho ver seus sonhos, sentir sua dor,
conforme ela recobrava e perdia a consciência.
Mesmo a alguns metros de distância, ele podia
ouvir seus gemidos, enquanto ela oscilava entre a
inconsciência.
A luz de Thórun estava prestes a se apagar.
Junto com ela, iria o calor que aquecia o planeta.
Quando a escuridão caía sobre Thórun, cada ser
dependia unicamente de sua própria magia para se
manter aquecido. O guerreiro estava incerto de que
a humana sobreviveria. Talvez sua morte fosse a
solução para reivindicar a magia roubada, ou talvez
parte dele se perdesse para sempre, mas saber que a
morte dela não viria por suas mãos era um alívio.
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Anpu se sentou próximo de Amut, havia um


silêncio na floresta, cada criatura daquele mundo
buscava abrigo, esperando pela noite fria.
Perdido em seus pensamentos, ele
questionava as ordens do seu Rei. Sabia que
deveria matá-la, mas as coisas haviam saído do
controle quando ele se deparou com uma força que
não compreendia. Ele precisava de mais tempo
antes de retornar e entregar seu relatório.
A luz deixou Thórun, fazendo com que a lua
vermelha brilhasse ao céu. Se a humana
sobrevivesse até o dia seguinte, traçaria um plano.
O guerreiro se deitou na relva, cobrindo-se
com magia. Dentre tantas coisas boas que Thórun
podia oferecer, a noite não era uma delas.

Alison acordou, mantendo seus olhos


fechados e seus sentidos atentos. Ela lutou para não
gemer diante da dor que sentia. Ouviu os sons ao
seu redor. Sentiu o frio que congelava seus ossos e
fazia trincar os dentes. Ouviu barulhos de galhos,
do vento uivante rodopiando ao seu redor e
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percebeu nenhum movimento de vida. Ela sentiu a


grama abaixo de seu corpo frio e soube que estava
em um local aberto.
Buscou por algum sinal do guerreiro ou
daquele animal, mas tudo parecia calmo, então
abriu uma fresta entre os longos cílios e viu uma
luz vermelha que transpassava os galhos das
árvores acima dela. Seu corpo tremia fazendo com
que seus dentes batessem uns nos outros
involuntariamente. Virou sua cabeça lentamente
para o lado e reparou no animal enorme dormindo a
poucos passos dela. O guerreiro estava deitado ao
lado e ambos estavam cobertos por uma luz azul
que emanava calor. Ela se encolheu diante do
tamanho do animal.
Alison se sentou com dificuldade, a luz
vermelha no céu clareava o local apenas para que
ela enxergasse alguns metros à frente. Se ela tinha
uma chance de fugir, seria agora.
Tentou reconhecer o lugar, mas sua mente
confusa não lhe permitia. Ela se levantou com
cuidado, abaixando seu vestido. Cruzou os braços
com o frio cortante e caminhou lentamente para
dentro da floresta. As árvores eram estranhas, com
as copas voltadas para o chão, formando camadas
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como um telhado. O ar condensava, conforme ela


respirava e ela seguiu na direção de uma clareira
próxima, onde a intensidade da luz era maior.
Alison olhou para o céu e viu uma enorme
lua vermelha, muito maior do que qualquer lua de
sangue na Terra. Deveria estar no inferno. Ela
caminhou alguns passos indo além da clareira, a
mata parecia ganhar vida, conforme ela passava,
como se tudo ali estivesse curioso com sua
presença.

— Aonde você vai? — Alison estremeceu, se


virando na direção do guerreiro. — Você está quase
fora do meu perímetro de segurança. Sugiro que
deixe para fugir durante o dia, a noite em Thórun
costuma ser letal. — Um terror percorreu o corpo
dela, estava mesmo em Thórun.

— Não estava fugindo, só queria fazer xixi.


— Anpu a encarou por um estante.

— Não passe da árvore. — Ele apontou para


uma árvore frondosa diante dela. — Isso se quiser
viver.

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O guerreiro caminhou na direção do


acampamento. Ela não o ouvira chegar, tampouco
ouviu qualquer barulho, enquanto ele caminhava de
volta.
A jovem olhou na direção da árvore que
Anpu indicara, mesmo que ele estivesse mentindo,
ela não teria qualquer chance de escapar naquela
floresta. Ela voltou para o acampamento e o
guerreiro estava sentado ao lado do animal que
parecia ainda dormir. A luz azul voltara a refletir
em seu corpo.

— Ele não vai me atacar se eu me


aproximar? — Ela apontou para o animal
enroscado no próprio corpo.

— A pergunta correta é: Você não vai atacá-


lo ao se aproximar? — O animal movimentou as
orelhas para trás e Alison recuou um passo.

— Me desculpe. Eu só estava apavorada, não


tive a intenção.

— Você não deve desculpas a mim, mas


Amut costuma guardar mágoa. Se eu fosse você,
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pediria desculpas a ele. — Anpu apontou para


Amut em um gesto com a cabeça.

— Quer que eu peça desculpas ao seu


cachorro gigante? — Alison falou entre dentes,
tremendo seu corpo dolorido com frio.

— Você sabe que ele não é um cachorro e


sabe que não se deve enfrentar um Neteru a menos
que possa vencê-lo. Se fosse qualquer outro, já
estaria morta. — O guerreiro voltou a se deitar.

De fato, Alison sabia sobre os Neterus, havia


escrito sobre eles em seu livro. O que ela não sabia
era que o animal diante dela era um. Ela se lembrou
das horas em que tentou imaginar como descreveria
um Neteru e todas as formas possíveis lhe vieram à
mente, menos a de um cachorro gigante.
Ela se aproximou um passo e depois outro,
entrando embaixo da copa da árvore que servia de
abrigo. As orelhas de Amut se levantaram,
demonstrando estar ciente de sua presença. Alison
juntou um galho seco do chão e caminhou
lentamente até ficar entre o guerreiro e o animal.
Anpu a observava com um olhar de soslaio e Amut
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abriu os olhos sem sair de sua posição. Ela se


abaixou lentamente e depositou o galho próximo da
cabeça enorme do animal.

— Me desculpe, eu não queria te machucar.


— Amut soltou uma bufada e voltou a fechar os
olhos. A jovem voltou a respirar aliviada.

— O que acha que ele vai fazer com um


galho? — Ele comprimiu os olhos.

— Cachorros gostam de galhos. — Anpu


suspirou.

— Ele não é um cachorro.

— Eu sei, mas se parece com um, ou talvez


com um lobo gigante com cara de cachorro. Ainda
assim pode gostar de galhos. — Ela deu de ombros.

Amut não voltou a abrir os olhos e Alison


agradeceu por isso. Ela se sentou lentamente entre
os dois. Seu corpo ainda tremia de frio e ela
desejou estar com roupas quentes e não com aquele
vestido idiota. Aproveitando o calor que emanava
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de ambos, se deitou gemendo baixinho com o


movimento.
O corpo de Alison tremia a cada rajada de
vento. Seus dentes batiam em protesto ao frio.
Horas já haviam passado e a noite parecia uma
eternidade. Ela não sabia quanto mais poderia
aguentar caso demorasse a amanhecer.
Alison sentiu o animal se levantar atrás dela e
tentou permanecer imóvel. Amut se ergueu sobre as
quatro patas e se espreguiçou, esticando a coluna,
depois caminhou até a jovem e farejou seus
cabelos, sua testa. Ele se deitou cuidadosamente ao
seu lado, colocando suas patas sobre ela. O animal
se aninhou ao redor do corpo gelado da humana,
cobrindo ambos com magia quente e reconfortante.
Alison sentiu pavor ao perceber que o animal
lhe farejava, mas, quando Amut deitou ao seu redor
lhe oferecendo proteção contra a noite fria de
Thórun, ela soube que seu pedido de desculpas
havia sido aceito. Não havia espaço para o medo,
sua vida dependia daquele gesto inesperado e não
demorou muito para que ela adormecesse.
Quando recobrou a consciência, abriu os
olhos sentindo o desconforto da claridade que
transpassava os galhos da árvore. Amut e o
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guerreiro não estavam por perto e Alison se


levantou sacudindo a sujeira de seu vestido. Seu
corpo parecia melhor, apesar de ainda sentir dores e
a presença daquela magia dentro da sua mente.
Ela caminhou até a clareira, e viu um céu
azul repleto de pássaros enormes que dançavam
uma coreografia linda. Eles giravam pelo céu
formando um círculo, descendo em uma espiral,
como um gigantesco bando. A lua havia se tornado
branca e ela não avistara o sol, apesar de senti-lo
aquecer a pele.
Thórun era lindo a luz do dia e Alison
aspirou aquele ar pesado, dilatando seus pulmões.
A mata assustadora de horas antes não
parecia a mesma. Ela caminhou para além da
clareira, avistando um campo aberto. Amut estava
sentado ao lado do campo, próximo ao que parecia
ser um desfiladeiro. Seus pêlos escuros refletiam a
luz do dia como um azul cobalto. No dorso do
animal, se projetavam enormes espinhos, logo
abaixo do pescoço.
Amut não se virou quando ela se aproximou e
sentou ao seu lado. Ele olhava para o horizonte
como alguém que se perde em seus pensamentos.
Não importava sua aparência, ele estava longe de
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ser um cão ou um lobo. Amut era um Neteru,


repleto de consciência e inteligência, que iam além
da compreensão humana.

— Obrigada por salvar minha vida. — Amut


se abaixou pegando com a boca o galho seco,
largando ao lado dela. Ela sorriu. — Aposto que
Anpu nunca jogou um galho para você buscar. —
Amut a olhou por um instante e bufou indiferente,
voltando a olhar o horizonte. — Me desculpe, eu
sei que você não é um cachorro e que compreende
o que eu falo, o que é ótimo. Esquisito, devo
admitir, mas é incrível. Por acaso você fala
também?

Amut a olhou intrigado para a humana, que


deu de ombro.

— Onde ele está? — O animal olhou para a


floresta atrás deles. — Você precisa me ajudar,
Anpu vai me matar assim que conseguir retirar
aquela fumaça preta da minha cabeça. Eu sou
inocente, eu juro. — O animal a encarou. — Por
favor, Amut, eu vi aquela luz azul em você. Preciso
que abra um portal para a Terra antes que ele volte
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e me mate.

O animal se levantou, suas patas dianteiras


eram mais compridas que as traseiras, deixando um
aspecto estranho em suas proporções, mas, ainda
assim, era um animal lindo e imponente. Ele
começou a caminhar para a floresta, então parou,
olhando para ela, como quem a convidava a segui-
lo.
Alison juntou o galho seco e o seguiu
animada. O animal voltou ao acampamento e se
deitou no chão, lambendo uma das patas.

— Não, Amut. Por-tal. — Ela fazia um


círculo no ar com as mãos. O animal piscou,
voltando a lamber a pata. — Portal, Amut, grande,
azul e brilhante. Vamos, você sabe o que é. —
Amut bufou. — Por favor, eu coço as suas costas.
— Alison se aproximou, passando as mãos sobre
seus pêlos, fazendo-lhe carinho no dorso.

Ela se ajoelhou ao seu lado e sentiu o corpo


do animal enrijecer quando tocou os espinhos, que
pareciam ossos de sua coluna.

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— Está tudo bem, isso se chama cafuné. —


Amut começou a relaxar, conforme ela
intensificava o movimento. — Não quero morrer,
preciso voltar e sei que você pode me ajudar. —
Alison subiu suas mãos até chegar próximo das
orelhas do animal.

— Eu saí por duas horas e você tenta


subornar meu Neteru? — Ela se pôs em pé, vendo
Anpu recostado em uma árvore.

— Há quanto tempo você está aí?

— O suficiente para ver você pulando e


pedindo que Amut lhe abra o portal.

O guerreiro se levantou passando por ela com


um animal morto pendurado em sua mão. Ele
largou a coisa asquerosa no chão. Alison encarou o
animal que mais parecia um verme gigante. O
guerreiro fez uma fogueira e preparou o animal
usando uma faca que trazia na bota. Ele espetou sua
carne em um galho verde e enfincou próximo ao
fogo. O estômago de Alison se revirou.

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— Não vou comer essa coisa, parece um


verme. — Anpu deu de ombro.

— Sobra mais.

— Estou com sede. — Ele jogou um cantil


para ela. — Vocês são tão poderosos, cheios de
magia, mas vivem como neandertais.

— Como quem?

— Neandertais. — Anpu parecia não


compreender. — Os homens das cavernas.

— Há muito sobre Thórun que você não


conhece ou compreende, e é melhor que continue
assim. Só por isso ainda está viva.

— Não, estou viva porque prendi você na


minha cabeça. Você pode me sentir e saber meus
pensamentos, mas não é o único. Eu sinto você e
sei o que fará comigo assim que recuperar sua
fumaça idiota.

— Primeiro que não é fumaça, é magia.


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Segundo que não escondi de você minhas inteções.


Eu cumpro as ordens do meu Rei e fui enviado até
seu planeta porque sou o melhor. — Alison revirou
os olhos.

— Você pode até se achar o melhor, mas não


passa de um sádico se escondendo atrás de ordens
de um Rei ET idiota. Eu vi o que você fez com Ian,
ele não merecia aquilo. — Alison falou com a voz
embargada. — Não vou devolver sua magia e,
quando eu morrer, vou levá-la comigo.

— Pode ser, mas, se não comer, vai morrer


antes do que imagina. E mesmo que o Amut se
deite sobre você à noite, não sobreviverá por muito
tempo.

— E é claro que você não quer que isso


aconteça. Você perderia a chance de me torturar até
a morte. — Alison cruzou os braços com raiva.

— O que eu quero não importa. Agora, coma


o verme, seja lá o que isso significa.

Anpu retirou uma lasca da carne assada e


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comeu. O cheiro da carne era delicioso e o


estômago de Alison roncou.

— Humana burra. — Anpu resmungou.

Amut se levantou e foi até Anpu, que lhe


entregou um pedaço grande de carne. O animal
pegou delicadamente com as pontas dos dentes e
largou diante da jovem. Ela olhou para carne e
pensou em recusar, mas estava realmente com
fome, então retirou uma lasca colocando com nojo
na boca. Para a sua surpresa, a textura era agradável
e o gosto correspondia ao cheiro. Ela ofereceu outra
lasca a Amut, que olhou para a carne com nojo.

— Ele só come o que caça.

— Por quê?

— Gosta de carne crua. — Alison se


encolheu diante de Amut, imaginado o azar de
quem estivesse em sua cadeia alimentar.

— Quando escrevi sobre Thórun, achei que


viviam em palácios. Seu Rei mora em uma casa na
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árvore também?

— Por que acha que moro em uma árvore?


— Alison flexionou o ombro.

— Você está aqui, comendo e bebendo ao


redor de uma árvore.

— Só acampamos aqui esta noite e é melhor


se alimentar porque teremos uma longa caminhada
hoje. Em Thórun não se viaja à noite.

— Para onde vai me levar?

— Para um lugar onde você não possa ser


vista, onde seu cheiro não fique se espalhando com
o vento para todos os lados.

— Por que todo mundo implica com meu


cheiro?

— Seu cheiro é diferente, pode atrair


predadores e eu não estou nem um pouco
interessado em disputar você em uma batalha.
Muito menos quero que saibam que trouxe uma
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humana para este mundo. Principalmente quando


você já deveria estar morta. — Alison o encarou
furiosa.

— Não vou facilitar para você. Cada vez que


sua fumaça idiota entrar no meu corpo, vou prender
mais e mais, até que não sobre nada em você. —
Alison cuspiu próximo aos pés do guerreiro. —
Amut gosta de mim, não vai deixar que me mate.
— O guerreiro gargalhou.

— Já vi Amut deixar uma de suas presas viva


por dias. Ele a alimentou como fez hoje com você
e, após o animal engordar, ele o comeu.

Alison se encolheu, olhando para o animal


diante dela com a testa franzida. Amut desviou o
olhar soltando um suspiro e se deitou.

— Você está mentindo, está falando isso só


para me assustar.

— Você não significa nada para mim para


que precise mentir. Vocês humanos são todos
iguais. Sem honra, sem objetivos e totalmente
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previsíveis, basta serem encurralados que se voltam


contra a própria espécie. Tão egoístas quanto um
desgarrado.

— Não sei o que é um desgarrado, mas não


foi um humano quem torturou e matou um
inocente. Você viu minha mente, viu a verdade e
mesmo assim não vê a hora de se cobrir com meu
sangue. — Alison jurou ver o guerreiro se encolher.

— A primeira coisa que vou fazer quando


chegarmos é cortar sua língua. — Anpu colocou a
faca na bota e apagou a fogueira. Ele estalou a
língua fazendo com que Amut o seguisse. — Se
quiser pode ficar aí, não me importa, mas saiba que
estou retirando minha magia que impede de
espalhar seu cheiro. Se decidir ficar, dentro de meia
hora estará morta. — Anpu seguiu o caminho.

— Me resta apenas escolher pelas mãos de


qual monstro devo morrer? — Anpu parou.

— Não há honra na morte pelas mãos de um


desgarrado. Não há beleza, nem piedade ou
misericórdia. — O guerreiro caminhou entrando na
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mata sem olhar para trás.

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CAPÍTULO V

Nossas dúvidas são traidoras e nos


fazem perder o que, com frequência,
poderíamos ganhar, por simples medo
de arriscar.
William Shakespeare
Alison esperou até o guerreiro desaparecer na
mata fechada. Ela olhou em direção da clareira e se
questionou inúmeras vezes se não deveria seguir na
direção oposta e tentar a sorte.
Mesmo que Anpu estivesse mentindo sobre
os desgarrados, para onde iria? Como retornaria
para o seu mundo? Ela olhou para suas pernas
sujas, tão expostas dentro daquele vestido curto,
tremeu só de pensar em passar mais uma noite em
Thórun.
Quando concluiu que o seguir era sua melhor
chance, ela o odiou ainda mais. A sensação de ser
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uma prisioneira sem algemas, caminhando


voluntariamente para a própria morte, lhe revirava
o estômago. Se agarrando a um filete minúsculo de
esperança, ela o seguiu batendo os pés descalços
pelo chão arenoso, irritada por estar vulnerável.
Conforme caminhava pela trilha, onde Amut
e o guerreiro passaram minutos antes, um medo
crescente foi tomando conta da jovem. Cada passo
para dentro daquela mata parecia despertar o
interesse até mesmo das pequenas criaturas.
Mosquitos agora lhe picavam, se banqueteando
com seu sangue. Ficou evidente que Anpu havia
mesmo retirado sua magia de proteção.
Seus pés já estavam sangrando quando o
caminho se tornou um tapete macio e confortável.
A trilha havia se expandido e o musgo cobria todo
o lugar, deixando a paisagem linda. O verde oliva
do chão parecia tão impecável quanto um tapete em
uma sala. Havia flores coloridas que exalavam um
perfume convidativo e os galhos das árvores
formavam um arco sobre sua cabeça, como se
fossem desenhadas por um arquiteto.
Não havia sinal de Anpu ou de Amut, mas
Alison agradeceu por ter encontrado aquele
pequeno alívio para os seus pés. Ela já deveria tê-
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los encontrado, a menos que Anpu tivesse usado


algum portal.
Alison caminhou pelo corredor admirando a
beleza do lugar. No centro do caminho, havia uma
pedra e flores a rodeavam. Uma flor chamou sua
atenção, parecia maior que as outras e sua cor azul
turquesa refletia uma luz viva e irresistível, ela
havia sonhado com aquela flor, sentira aquele
cheiro maravilhoso em seu sonho e que agora
inundava a floresta.
Com delicadeza, tocou em suas pétalas e
alguns fios que pendiam da flor até os galhos das
árvores acima se acenderam como pequenas
luminárias. Fios, que antes eram invisíveis, agora
oscilavam aquele azul turquesa, revelando um
emaranhado, como uma rede.
Alison ergueu a cabeça para acompanhar a
reação que se expandia diante dela. Formas
geométricas apareciam, conforme aquela energia
azul seguia ascendendo mais e mais daquela rede
invisível.
Quando ela ficou de pé para olhar para a
reação que se expandia a sua frente, seu coração
disparou, aquilo era uma teia gigante. Ela sentiu
quando o tapete de musgo macio afundou próximo
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de seus pés e, quando se virou aterrorizada, sentiu a


ferroada próximo de suas costelas. Um par de
quelíceras estava aberto diante de seu rosto,
sibilando.
A jovem correu se contorcendo de dor por
aquele corredor verde e macio. Conforme ela
corria, as teias penduradas no teto oscilavam na cor
azul, fazendo com que ela desviasse das que
pareciam ser mais resistentes. Alison não ousou
olhar para trás, mas, a julgar pela dor que sentia, o
animal em breve não teria problema para devorá-la.
Ela viu o corredor se transformar em um labirinto
sem fim, sua visão turva pelo veneno começava a
dificultar sua fuga.
Seus pés tropeçavam em suas próprias pernas
e, quando olhou para trás, viu o animal
encouraçado que a acompanhava pacientemente
esperando por seu fim. A jovem olhou para o céu e
avistou aquela claridade que penetrava entre os
arcos das árvores acima. Aquilo era um casulo,
uma prisão. Ela havia caído em uma armadilha. Ela
começou a escalar aquela parede de galhos, o
animal sibilou subindo pela lateral atrás dela.
Alison não tinha certeza de qual era sua velocidade.
Apesar de o coração estar acelerado, ela começava
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a perder a sensibilidade dos movimentos. Precisava


sair dali. Ela quebrou um dos galhos e golpeou,
fazendo com que o animal recuasse, mas havia
destreza em seus movimentos e pelo menos alguns
pares de pernas a mais. Ela tentou passar por entre
os galhos no alto do arco, mas a gravidade mais
densa de Thórun, junto a sua condição física
comprometida, tornava o esforço inútil.
Foi quando percebeu o que aquele animal
estava fazendo. Ele não havia a atacado uma
segunda vez. Apenas estava acompanhando de
perto, a vendo se debater e correr em desespero,
tentando fugir. Quanto mais se movimentava, mais
rápido o veneno se espalhava. Alison escorregou de
volta até o chão, caindo no tapete macio. Ela viu
quando o animal pulou no chão diante dela. Ele se
parecia com uma aranha se não fosse por sua pele
cinza e encouraçada ou por seu tamanho gigante.
Alison se arrastou pelo chão carregando
aquele galho nas mãos, enquanto o animal a
observava. Se deitou de barriga para cima próximo
a uma pedra e fechou os olhos. Manteve sua
respiração calma e se concentrou. Sentiu quando as
patas do animal pisaram no tapete ao seu redor.
Sentiu quando o abdômen sobressalente roçou sua
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barriga.
Quando aquele animal horrível sibilou bem
diante de seu rosto, ela enterrou o galho em seu
abdômen tenro. Ele ainda se debatia quando ela
juntou uma pedra e lhe acertou a cabeça tantas
vezes quanto conseguiu, parando apenas quando
estava coberta por uma gosma verde e nojenta.
Alison retornou pelo túnel aos tropeços,
duvidara que, se fosse adiante, acharia uma saída.
Cada minuto que passava seu corpo ficava mais
fraco e sua mente distante, como se queimasse em
febre, delirando. Quando passou por aquela flor
azul, a arrancou, levando-a consigo. Ela viu o mato
amassado que contornava a armadilha certamente
por onde Anpu e Amut passaram.
Ela caminhou pela trilha o mais rápido que
conseguia, sabendo que pouco tempo lhe restava.
Sua respiração ficava cada vez mais pesada, a
paralisia já alcançava além dos seus dedos e sua
garganta parecia fechar a cada inspiração. Alison
viu quando a mata se abriu em um campo diante
dela, de longe avistou Anpu sentado próximo a um
lago. Nunca imaginou que ficaria feliz ao ver o
guerreiro. Ela caminhou aos tropeços até ele e
desabou no chão.
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Anpu se flexionou diante dela, examinando


seu corpo até encontrar o ferimento. Ele observou
em silêncio a perfuração dupla da tecedeira, então
olhou para a flor azul que ela trazia na mão. O
guerreiro sibilou surpreso por ela ter trazido a flor
com ela. Seu corpo estava coberto pelas tripas da
tecedeira e era a evidência de que lutara por sua
vida. Ele se questionou por um instante se deveria
ajudá-la, mas Amut já estava sobre ela, farejando e
deixando um rastro de baba.
Anpu sondou com sua magia, mesmo com a
jovem desmaiada, ela permanecia contida atrás
daquela barreira. Talvez ela estivesse certa quando
disse que não lhe devolveria. Ele a colocou com
facilidade sobre o ombro e a carregou para dentro
da mata. Amut guiava à frente como quem lhe
mostrava o caminho.
Eles chegaram diante de uma pedra que
abrigava uma entrada para as profundezas. Amut
ganiu ao ver Anpu entrar com Alison nos ombros,
mas permaneceu na entrada, sem pisar nas sombras
que se projetavam na saliência da caverna.
Anpu colocou a jovem no chão de pedra
cinza, diante de uma fonte de água. O guerreiro
cortou seu vestido com a faca e a despiu por
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completo. Ele a virou de lado deixando o ferimento


exposto e o lavou com água limpa, depois lavou os
vestígios do sangue verde da tecedeira que havia
grudado na jovem. O guerreiro a colocou dentro da
água de forma que apenas sua cabeça ficara sem
imersão. Ele esmagou aquela flor azul e jogou
dentro da água que mudou de cor.
Anpu acendeu uma fogueira ao lado da
nascente e se retirou para buscar mais lenha, Amut
o aguardava.

— Não tenha muita esperança, não sabemos


como ela vai reagir.

Ele retonou com a lenha e colocou algumas


pedras redondas na fogueira para serem aquecidas,
então as depositava dentro da banheira natural,
onde a jovem permanecia deitada. Assim ele fez
por horas seguidas, sempre voltando para buscar
mais galhos que Amut deixava na entrada da
caverna.
Quando a água se tornou esbranquiçada e
leitosa, Anpu retirou a jovem de dentro, colocando-
a deitada sobre suas pernas. Ela ainda respirava,
mas permanecia paralisada. Para seu próprio bem, o
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guerreiro desejou que ela estivesse inconsciente.


Ele espremeu o veneno restante em cada
perfuração, depois aqueceu a faca na fogueira e
cauterizou as feridas.
Anpu retirou a túnica preta, depois sua
vestimenta de couro e, por fim, uma camisa térmica
e a vestiu na jovem, que lhe cobriu mais que o
próprio vestido. Ele a levou nos braços até a
entrada da caverna, diante de Amut. A luz estava
próxima de ser retirada e a lua vermelha já nascia
no horizonte.

— Fiz o que eu pude. É melhor cuidar dela


esta noite, não devo mais me envolver. — Anpu
colocou a jovem no chão e Amut se deitou sobre
ela, a cobrindo com sua magia.

O animal lambeu o rosto da jovem e a


aninhou confortavelmente em seu corpo. O
guerreiro balançou a cabeça, pois não conseguia
entender a reação de seu parceiro.

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Anpu foi acordado horas mais tarde por um


puxão. Ele abriu os olhos na escuridão da caverna e
ouviu a voz antiga que sempre o
acompanhou. Saia... saia...
Nunca fora necessário um terceiro aviso, a
voz em sua mente era íntima demais para que ele a
questionasse. Em seu clã, ficara conhecido como
“Aquele que era guiado por Anúbis”. Anpu se
levantou indo até Amut, na entrada da caverna. O
animal estava de pé, com as orelhas levantadas para
a floresta.

— Precisamos sair daqui. — Anpu olhou


para a jovem ainda paralisada ao chão. — Não
posso abrir um portal ou vão saber que retornei. Se
a levarmos, vão rastrear seu cheiro.

Amut caminhou até a jovem e ergueu sua


pata traseira fazendo xixi sobre ela. Ele se
demorou, certificando-se de que ela estivesse
completamente envolvida por sua urina. Anpu
suspirou sabendo que Amut não a deixaria para
trás. Ele colocou a jovem sobre o lombo do animal
e, com o próprio cinto, amarrou suas pernas e seu
quadril em Amut. Usando um cadarço, amarrou as
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mãos da jovem na espinha protuberante das costas.

— Leve-a para a montanha de Rá, vou apagar


seu rastro e dissipar o cheiro, encontro vocês lá.

Amut partiu sem olhar para trás e, conforme


corria, o corpo inerte de Alison oscilava sobre seu
lombo. Ele correu no meio da noite banhada pela
lua vermelha, sabia que quem estivesse se
aproximando era ousado o suficiente para caminhar
pela escuridão mortal de Thórun.
Seus sentidos estavam em alerta e o animal
lançava sua magia adiante, sondando os perigos a
sua frente. Ele sentiu quando Alison apertou suas
mãos ao redor do osso protuberante de sua coluna e
ele correu ainda mais rápido. Ela estava
recuperando suas forças e, no momento, lutava para
permanecer em cima do animal.
Amut não parou para descansar, não parou
para beber água e não demorou para escolher um
caminho. Permaneceu imóvel por apenas alguns
segundos quando buscou aquela ligação que
mantinha com o guerreiro. Ele sentiu que Anpu
seguia seu rastro e se impulsionou adiante. Com
sorte, chegariam à montanha de Rá ao amanhecer.
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Alison mantinha sua cabeça inerte, repousada


sobre os braços. Seu corpo chacoalhava, conforme
o animal corria, e suas pernas presas pelo cinto
doíam. A cada minuto, seu corpo acordava da
paralisia e ela se agarrava com mais força em
Amut.
Alison esteve consciente o tempo todo, viu
quando o guerreiro retirou sua roupa e lavou seu
corpo, limpando as feridas da mordida. Apesar da
paralisia extrema nos membros, sentiu cada toque
do guerreiro. Sentiu a dor cortante dele espremendo
o veneno e quase perdeu a consciência quando ele
lhe queimou as feridas. O pavor que percorreu sua
alma ao imaginar aquele animal devorando-a viva
sem que pudesse se defender era inimaginável.
Amut corria com ela montada por horas sem
descanso e, por mais que não sentisse o animal
cansado, lamentou o esforço que fazia para salvar
novamente sua vida. Mesmo antes, ele não havia
dormido um único minuto. Se manteve acordado e
atento a cada pequeno movimento que ela
recuperava. Quando seu corpo aquecia
excessivamente pela febre que a acometeu, Amut
retirava sua magia, deixando que a noite fria de
Thórun se encarregasse de esfriá-lo.
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Alison apertou as coxas contra o ventre do


animal e, com muito esforço, deslizou o dedo sobre
o osso de sua coluna. O cadarço que prendia sua
mão cortava a pele de ambos, mas ela queria que
ele soubesse que estava ali, que estava consciente e
lutando por sua vida e era grata.
Amut passou a caminhar e Alison conseguiu
erguer sua cabeça, sustentando-a sobre o pescoço.
A boca ainda permanecia paralisada, assim como
grande parte de seu corpo.
A jovem viu quando a lua vermelha começou
a se pôr no horizonte enquanto uma lua branca
emergia. Ela não havia notado antes que eram duas
luas distintas e que ambas não eram responsáveis
pela claridade diurna que banhava Thórun durante
o dia.
Aos poucos, os reflexos vermelhos deixavam
o horizonte e Thórun ganhava a claridade da lua
branca. Somente quando a lua se retirou por
completo de trás da montanha e se ergueu no céu,
uma luz intensa se ascendeu formando o dia. Alison
fechou lentamente os olhos com a claridade tão
viva, como se um sol brilhasse instantaneamente no
horizonte. Ela ainda não conseguia virar a cabeça
para procurar a fonte de energia, que agora aquecia
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sua pele, mas percebeu que vida na floresta nascia


com a chegada da luz. Plantas desabrochavam suas
flores e pássaros subiam em bandos ao céu para
fazerem sua dança. Todas as criaturas pareciam sair
de suas tocas para apreciarem o calor. A luz
misteriosa que banhava Thórun de dourado era a
vida daquele planeta.
Alison se lembrou de ouvir Anpu chamar o
animal que lhe atacara de tecedeira, se ela era um
animal diurno, não queria saber quais criaturas
espreitavam a noite.
Amut parou diante de um paredão de pedra
que refletia como ouro. A base de uma montanha
gigantesca que se erguia imponente. Alison mexeu
com dificuldade suas mãos, tentando soltá-las, mas
o cadarço estava apertado. Ela puxou com
delicadeza as mãos para cima e o cadarço subiu
roçando no osso ferido de Amut.
Suas mãos se libertaram das amarras e seus
braços ainda estavam pesados para que ela os
controlasse. Ela olhou para a fivela do cinto sobre
sua coxa e, por mais que desejasse que sua mão
fosse até ela, não conseguia guia-la. Tentava pela
décima vez empurrar sua mão inerte quando uma
mão enorme desamarrou a fivela.
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Anpu estava ofegante quando retirou o cinto


e a colocou no chão. Amut pareceu aliviado ao ter o
peso retirado de suas costas. Ele foi até a jovem e
lambeu seu rosto, se deitando ao seu lado exausto.
Alison tentou falar, queria dizer o quanto estava
grata, mas sua língua ainda não obedecia. Uma
lágrima escorreu do seu rosto e foi o suficiente para
que Amut entendesse.
Anpu pegou o cantil, derramando água em
uma das mãos, e ofereceu a Amut, depois derramou
água do cantil na boca da jovem e, por fim, bebeu.

— Estamos seguros aqui, mas você ainda vai


precisar de um curandeiro. O veneno vai passar em
algumas horas, mas, se a mordida não for tratada,
vai infeccionar.

Alison tentou falar, mas só conseguiu que um


fio de baba escorresse. O canto da boca de Anpu se
repuxou levemente para cima.

— Enfim, alguém conseguiu controlar sua


língua. Aposto que a tecedeira se arrependeu no
mesmo instante em que lhe escolheu como refeição
do dia. Eu arrisco dizer que a coitada se matou por
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não aguentar mais ouvir você.

Alison soltou um gemido que parecia uma


tentativa de risada. Anpu se sentou no chão e olhou
para o horizonte. Mesmo aos pés da montanha,
estavam em uma região privilegiada. A visão de
Thórun era linda, havia tanta vida, tantas cores. A
brisa soprava tão agradável ao mesmo tempo em
que o calor aquecia a pele. O guerreiro permaneceu
em silêncio por um instante, mas algo dentro dele o
incomodava.

— Se eu entrar na montanha, no mesmo


instante em que minha magia abrir a porta, vão
saber que estou aqui. Então terei que me apresentar
a Hasani e contar toda a verdade. — Amut rosnou
ao ouvir aquele nome. — As coisas não vão acabar
bem para você, tampouco para mim. — Anpu
suspirou e voltou os olhos para Amut. — Se eu não
entrar, não conseguirei um curandeiro para tratar
sua ferida. As coisas não vão acabar bem para você.
Não que eu me importe, mas nunca vi Amut fazer o
que fez por você. — O animal mexeu as orelhas. —
Vou esperar sua língua afiada voltar a se
movimentar, Alison Evans, e quero que me diga
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por que possui um símbolo antigo do meu mundo


cravado em sua testa. Quero saber como conseguiu
prender minha magia e por que meu Neteru está
disposto a arriscar a própria vida por você.

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CAPÍTULO VI

Nenhuma herança é tão rica


quanto a honestidade.
William Shakespeare.
O guerreiro havia saído para buscar por
comida e água, Amut permanecia vigilante ao lado
da jovem. Quando ela enfim conseguiu pronunciar
algo, balbuciou um "obrigada" para o animal. De
fato, estava agradecida, apesar de que a palavra
saíra como se estivesse com uma colher dentro da
boca, ela sabia que ele havia compreendido.
Pensou sobre as palavras de Anpu, até
mesmo tocou sua testa em busca de qualquer
marca. A jovem sabia que o guerreiro exigiria
resposta, mas ela mesma não sabia o que pensar
sobre aquilo. A mordida em seu corpo não voltara a
doer e ela achou exagerada a urgência em ver um
curandeiro.
No momento, a única ameaça real para sua
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vida era o próprio guerreiro, que ainda não decidira


o que fazer a seu respeito. Ela manteria aquela
magia presa até que ele lhe prometesse levá-la de
volta a seu mundo. A jovem se encolheu ao
lembrar-se de Edward. Não conseguia imaginar
como deveria estar reagindo diante do que havia
presenciado, certamente acreditava que ela já
estivesse morta.
Quando Anpu retornou carregando algumas
raízes, a jovem suspirou aliviada por não se tratar
de nenhum animal asqueroso. Estava incerta que
seu estômago aceitaria comer carne, depois de ter
ficado coberta pelas tripas da tecedeira no dia
anterior. O guerreiro acendeu a fogueira na sombra
da montanha, colocando as raízes sobre as brasas
que se formavam. Havia tantas perguntas que a
jovem gostaria de fazer, tantas coisas que gostaria
de compreender. Ela sentiu o olhar do guerreiro
sobre si, sabia que não era a única atrás de
respostas.

— Você parece melhor.

— Eu estou. — Alison falou com a língua


enrolada.
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Eles comeram em silêncio e, por mais que


sua mente estivesse inquieta, evitou falar. Sentia-se
anestesiada como quando saiu certa vez do dentista
após arrancar um siso.

— Você compreendeu o que eu disse mais


cedo? — Ela suspirou.

— Sim, estou me sentindo bem, não preciso


de um curandeiro. Se está se referindo sobre as
outras coisas, sei tanto quanto você. Talvez até
menos, pois nunca vi marca alguma em minha
testa.

— Já vi uma mordida dessas antes, acredite,


vai precisar de um curandeiro. — Alison deu de
ombro.

— Você mesmo disse que nunca encontrou


ninguém que impedisse de invadir a mente. Talvez
eu seja diferente.
— Talvez seja.

Anpu se levantou indo até o limite onde a


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colina ficava íngreme. A vista de Thórun era linda,


perdendo apenas para aqueles que podiam admirar
do topo da montanha. Alison aproximou-se do
guerreiro e ele apenas inclinou a cabeça levemente
para o lado, reconhecendo sua presença.

— Poderia desenhar o que viu em minha


testa? Preciso saber se já vi o símbolo em algum
lugar. — Anpu se aproximou da jovem pegando o
galho que ela trazia nas mãos. Ele se abaixou
desenhando no chão uma lua minguante, desenhou
pequenos símbolos dentro da lua. Alison deu de
ombro.

De fato, já vira aquele símbolo milhares de


vezes, estava presente em diversas mitologias. Não
sabia o que os símbolos menores significavam,
parecia ser uma fênix, mas a lua era comum.
Inclusive a grande Deusa Wicca trazia como
símbolo as três fases da lua. O que mais se via em
Nova Orleans eram colares e uma variedade de
objetos com aquele símbolo.

— Sabe o que está escrito aí?

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— Não tenho certeza, o símbolo ficou visível


por pouco tempo. Teria que ver novamente para
compreender melhor. É como se faltasse algo.

Anpu se aproximou da jovem passando o


polegar sobre sua testa, sobre onde aquela marca
havia brilhado, como se fosse gravada na pele.
Alison fechou os olhos e inspirou o cheiro do
guerreiro.

— Ah, meu Deus, você está fedendo! —


Anpu puxou o braço em um ímpeto e olhou para
ela incrédulo. A jovem havia tapado o nariz e se
afastado alguns passos.

— Talvez eu esteja fedendo por não ter tido


tempo de tomar banho, porque passei horas
alimentando uma fogueira e esfregando seu corpo
cheio de tripas e merda de tecedeira. — Anpu
jogou o graveto no chão com raiva e a névoa negra
envolveu sua silhueta.

Alison se encolheu diante da magia, não


havia visto qualquer sinal daquela névoa desde que
acordara em Thórun. O guerreiro caminhou
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descendo a colina, seguindo na direção da floresta.


Alison se cheirou e quase vomitou, ele não era o
único que precisava de um banho. Amut se
encolheu ao ver a jovem fazer uma careta para o
próprio cheiro.

— Por favor, espere. — Alison gritou para


Anpu, que andava a longos passos sem olhar para
trás. — Me desculpa. — Ela correu desajeitada em
sua direção. — Não quis te ofender. — A jovem o
alcançou e passou a caminhar ao seu lado. —
Também estou fedendo e, se vai procurar um lugar
para tomar banho, gostaria de ir junto.

O guerreiro não voltou a falar com ela,


tampouco reduziu os passos largos em meio à
floresta. Alison, ainda com o corpo travado, lutava
para acompanhá-lo, mas não ousou pedir que
diminuísse os passos. Seus pés em frangalhos
caminhando por uma trilha estreita e sinuosa quase
a fizeram chorar.
Eles chegaram a uma cachoeira de águas
cristalinas. O fundo podia ser visto, pedras escuras
com manchas esbranquiçadas cobriam o leito do
poço. A jovem se sentou em uma pedra na margem,
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massageado os pés doloridos. Um barulho se


formou na mata e ela se virou assustada, mas era
Amut que vinha ao seu encontro.
O guerreiro retirou a túnica pesada,
colocando-a em cima de uma pedra, então retirou a
vestimenta de couro, revelando as costas
musculosas. Alison observou os músculos se
contraírem quando ele atirou a vestimenta de couro
sobre a pedra. Ele não era um homem lindo, seu
rosto severo era marcado com uma cicatriz
profunda que se estendia dos olhos até o meio da
bochecha, lhe dando feições duras. Todavia, ele
possuía traços másculos e a cicatriz lhe dava certo
charme. Diante do corpo seminu do guerreiro, a
jovem imaginou que até mesmo Edward poderia
sentir inveja.
Quando Anpu abriu a calça de couro
revelando a jovem que não havia nada por baixo,
ela colocou as mãos no rosto.

— O que está fazendo? — O guerreiro se


virou e a jovem viu seu abdômen trabalhado, a
calça, com o zíper aberto, meramente abaixada,
revelava os pêlos pubianos tão negros quanto seus
cabelos. Alison olhava entre os dedos.
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— Vou tomar banho.

— Você não pode ficar completamente nu


sem me avisar. — Anpu deu de ombro.

— E quem vai me impedir? — Ele retirou a


calça, jogando-a em cima da pedra e caminhou
completamente nu até que a água marcasse a
cintura.

Alison tentou desviar o olhar, tentou não


reparar nas coxas musculosas e na bunda
perfeitamente redonda enquanto o guerreiro
caminhava. A verdade é que ele tinha um corpo
lindo, sua pele branca contrastando com os cabelos
negros e toda aquela energia e poder que emanava
do guerreiro dentro de sua mente. Ela mordeu os
lábios e Amut bufou ao seu lado.

— O que foi? — Amut a olhou, parecia


incrédulo e a jovem deu de ombro.

Anpu mergulhou e, ao retornar a superfície,


esfregou seus cabelos, prendendo-os em seguida
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em um coque. Ele saiu da água fazendo com que


Alison se virasse de lado aos murmúrios. O
guerreiro foi até a pedra onde estava suas roupas e
se sentou, esperando que parte da água escorresse.

— Sua vez, tome um banho rápido, não


temos muito tempo.

— Se vire.

— Por quê? — Alison bufou.

— Não vou ficar nua na sua frente. — Anpu


gargalhou.

— Não tem nada aí que já não tenha visto.

De fato, ela se lembrava perfeitamente


quando ele retirou suas roupas e a colocou
completamente nua sobre suas pernas. Anpu havia
retirado as tripas da tecedeira dos seus seios e até
mesmo entre suas coxas. Mas aquela situação era
diferente. Alison cruzou os braços e bateu o pé
dolorido no chão.

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— Não vou retirar minha roupa até que se


vire. — Ela cruzou os braços.

O guerreiro não a questionou, queria acabar


logo com aquilo. Ele se levantou da pedra,
caminhando na direção de Amut sem qualquer
pudor. A jovem estendeu a mão na direção do
guerreiro tentando tapar a imagem. Ela xingou
enquanto caminhava para dentro da água.
Antes de erguer a camisa que usava como
vestido, se virou para observar. Anpu estava
sentado de lado, próximo de Amut, incrivelmente
entediado. Alison levantou a camisa, conforme
entrava na cachoeira, quando a água atingiu a
cintura, retirou a roupa, lançando-a sobre a pedra.
A água estava gelada, o que fez seu corpo
tremer. Ela usou as mãos para jogar pequenas
quantidades sobre seus ombros. Quando levantou o
braço para lavar as feridas da mordida, a jovem
paralisou. Sua pele estava preta ao redor de cada
perfuração. Pus era visível, contornando a
queimadura que Anpu fizera, Alison sentiu o pavor
percorrer a espinha. A água oscilou e, antes que a
jovem pudesse se virar, Anpu segurou seu braço no
alto, avaliando a mordida. Ele xingou.
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— Vai precisar de um curandeiro logo ou


morrerá em poucos dias. — Alison engoliu seco.

Não havia sentido dor na região e se sentia


bem. Ela já havia visto o que o veneno de uma
aranha poderia fazer, conhecia pequenas aranhas
que eram responsáveis por amputações e até levar
um ser humano a óbito. Não queria imaginar como
aquilo poderia destruí-la. Anpu lavou suas feridas
e, delicadamente, espremeu o pus. Aliviando a
pressão e retardando o apodrecimento.

— Ainda está no primeiro estágio, mas


precisa de um curandeiro hoje.

— Se entrarmos, vou ser entregue e morta


por seu Rei. — Alison limpou as lágrimas que
escorriam com as mãos molhadas.

— De qualquer forma, é melhor do que ficar


aqui e esperar apodrecer. Se fizer tudo que eu
mandar, talvez tenha uma chance. — Alison
assentiu, pois não havia opções.

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Anpu se vestiu e rasgou uma manga da


camisa que Alison usava. Ele cortou uma tira e
vestiu na jovem, lhe cobrindo apenas os seios. O
guerreiro cortou a outra tira produzindo uma faixa
maior que se ajustou no quadril e a roupa lhe cobria
muito pouco.

— Por que me parecer com uma prostituta


pode salvar minha vida?

— Hasani tem um ponto fraco, gosta de


fêmeas bonitas.

Alison teria rido daquela informação, poderia


até ter se sentido orgulhosa pelo fato do guerreiro a
achar bonita se não fosse o pavor que estremecia
seus ossos.
Anpu amarrou suas mãos com uma tira feita
da camisa. O guerreiro se infligiu golpes e com a
própria faca lhe causou algumas escoriações
superficiais que verteram sangue. A jovem o olhou
de sobrancelhas erguidas quando o viu por último
se sujar de terra.

— Não importa o que ouvir lá dentro, não


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fale, não retruque ou demonstre ser uma ameaça.


Seja dócil e inofensiva, sem manter contato nos
olhos. — Anpu passou as mãos sujas no rosto dela.
— Assim está melhor.

O guerreiro caminhou puxando Alison pela


corda improvisada e, quando chegou diante da base
da montanha, criou um portal e eles atravessaram.
Alison quase caiu para trás diante do que viu. Ela
esperava corredores e túneis escuros, mas estava
definitivamente em um palácio. Sim, aquilo se
parecia com a descrição que fizera em seu livro.
Criaturas místicas vivendo no luxo como Deuses.
Ela se lembrou do termo que Anpu usou para
defini-la: "fêmea". O corredor em que passavam
estava repleto delas. Lindas e bem vestidas,
cochichavam levando a mão a boca, conforme
Anpu a arrastava pelos corredores.
Na frente de uma grande porta ornamentada,
feita de uma madeira escura e espessa, havia
guardas posicionados. Guerreiros Anúbios da
mesma linhagem de Anpu. Os guardas
cumprimentaram o guerreiro com um leve aceno
com a cabeça, e sequer olharam para a jovem,
abrindo a porta em seguida.
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Anpu entrou na grande sala onde machos se


assentavam perante uma grande mesa redonda. O
guerreiro se curvou jogando Alison ao chão a sua
frente, a jovem caiu sentada e permaneceu na
posição de cabeça baixa.

— Majestade. — Anpu havia falado em sua


língua e permanecia curvado olhando para o chão.

— O que é isso? — O Rei perguntou e o


guerreiro se ergueu.

— Acabei de chegar e vim lhe trazer meu


relatório. — Hasani estreitou as sobrancelhas ao
olhar a jovem no chão. — Tenho notícias do seu
interesse, informações que não podem esperar.

— Saiam todos, me deixem com meu


general!

Alison podia não falar aquela língua, mas ela


entendeu a patente do guerreiro e ergueu levemente
a cabeça se enchendo de pavor. Ótimo, se podiam
sentir seu cheiro, medo seria perfeito para o
momento.
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— Isto é o que eu estou pensando que é?

— Sim, Majestade, esta é a mulher que me


ordenou matar.

— E por que ela está viva bem diante de


mim?

— Descobri que um feitiço de proteção foi


feito sobre ela e, quando entrei em sua mente, ela
prendeu parte de minha magia dentro de si.
Consegui sondar sua mente por meio de tortura e
descobri que a mulher nem mesmo sabia sobre o
que estava escrevendo, mas senti a presença de algo
antigo lhe sussurrando ao ouvido, algo que veio do
nosso mundo. — O Rei olhou pasmo para a jovem
que ainda olhava para o chão.

— E por que não a matou e lhe tomou a


magia?

— Porque acredito que possa rastrear aquele


eco até o responsável. Também não tenho certeza
se recuperaria minha magia com a morte dela, não
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quis arriscar.

— O que houve com você? — O Rei apontou


para os ferimentos do guerreiro.

— Chegamos há dois dias, mas a humana


fugiu, tive alguns problemas para resgatá-la. —
Hasani se aproximou de Alison.

— Levante-se. — o Rei falou na língua da


jovem, que prontamente atendeu. — Uma bela
fêmea. O que é isso? — Ele apontou fazendo uma
cara de nojo para a ferida em suas costelas.

— Ela foi atacada por uma tecedeira ao fugir,


por isso demorei em trazê-la.
— Achei que seria uma missão simples, mas
aqui está você, cheio de informações. Qualquer
outro nem se daria o trabalho, é por isso que o fiz
general. — O Rei sorriu animado. — Quanto tempo
precisa para rastrear a magia?

— Não tenho certeza, a magia é forte e


antiga. Semanas, meses talvez. — O Rei fez um
gesto com a mão.
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— Leve-a para prisão e chame um curandeiro


para tratá-la.

— Majestade, gostaria de mantê-la em minha


casa, ao menos enquanto estiver com minha magia.
Minha criada está grávida e vai se ausentar para ter
o bebê, a humana pode substituí-la. Garanto que é
inofensiva.

— Isto já percebi, parece um rato acuado.


Pode levá-la para onde desejar, mas, quando a
ferida cicatrizar, traga-a para meus aposentos,
nunca estive com uma humana. — Com um gesto
de mão, o Rei os dispensou.

Alison não havia entendido o que eles


falaram, mas a menção de Anpu ser o general do
Rei não lhe passou despercebida. Anpu a arrastou
por corredores além de corredores, por vezes
encontravam criados que passam apressados com
suas tarefas e, por vezes, nobres bem vestidos em
roupas elegantes e antiquadas ao julgamento da
jovem. Em todos os casos, sua presença chamou
atenção.
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Alison caminhava ainda interpretando aquele


papel de submissa que Anpu havia lhe pedido que
fizesse. Não sabia para onde estava sendo levada,
mas, com toda certeza, estava prestes a jogar o
guerreiro contra a parede e lhe exigir explicações.
O corredor com teto abobadado parecia não
ter fim. Quando Anpu parou diante de uma porta,
ela ficou surpresa ao ver o guerreiro abrir a
fechadura. Com aquele poder, com toda certeza, ela
não se preocuparia em guardar chaves de portas.
Quando as portas se abriram revelando um
apartamento, Alison respirou aliviada e, antes que o
guerreiro fechasse a porta, ela já o questionava.

— O que foi aquilo?

— Você está segura por enquanto. Ele


permitiu que ficasse na minha casa por um tempo.
— ele falou entediado.

— E depois? — Alison cruzou os braços,


batendo o pé.

— É melhor não se preocupar com o depois.


O importante é que consegui que você não fosse
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levada para a prisão. Vai ficar aqui como minha


criada.

— O quê?

— Era isso ou ir para uma cela suja e escura


no meio do nada. — Alison bufou.

— Não vou ser sua escrava. — Os olhos do


guerreiro se incendiaram.

— Não possuo escravos, sempre pago meus


criados. Um curandeiro vai vir vê-la hoje, o
processo de cura é lento, mas eficaz e, quando se
sentir melhor, vai começar a trabalhar para mim.

— Não vejo a hora de poder envenenar sua


comida e estragar todas as suas roupas. — Anpu
deu de ombro.

— Tanto faz, Hasani a quer para ele. Quando


estiver curada, vou entregá-la.

— O quê? Você enlouqueceu?

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— Se quiser viver em Thórun, vai descobrir


que não se diz não a Hasani.

— Ele não pode me tomar a força, vou gritar


para todos ouvirem. — Anpu se aproximou e
começou a cortar as amarras que prendiam a jovem.

— Ele não a tomará a força. Você se deitará


com ele quantas vezes ele desejar para salvar sua
vida, não será tão difícil já que o achou bonito.
De fato, Hasani era um homem bonito, seu
rosto simétrico e corpo estonteante, mas isso não
importava. Ela não havia se guardado tanto tempo
para simplesmente ter sua primeira vez com alguém
que não amava. Alguém que havia mandado lhe
matar e que nem mesmo era humano.

— Eu não o achei bonito.

— Achou sim, senti o seu cheiro. — Alison


se encolheu.

— Ouvi quando ele se referiu a você como


general. Por que não me contou?

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— Isso importa? É melhor nunca mencionar


que compreende nosso idioma.

— Não o compreendo por completo. —


Alison suspirou ao olhar ao redor. Por hora, sua
vida estava segura e ela daria um jeito para se livrar
do Rei.

O apartamento era limpo e luxuoso, nem em


mil anos ela imaginaria que aquele macho rude
troglodita pisava sobre mármore branco e possuía
móveis finos em sua casa. Até mesmo Amut
dormia em uma almofada, parecendo mais do que
nunca com um cachorro.
Anpu lhe mostrou o quarto em que ela
dormiria, havia uma cama grande e um armário
embutido na própria pedra pálida da parede. O
guerreiro lhe mostrou o banheiro, era igualmente
luxuoso, uma porta adjacente abria para uma
câmera de banho. Havia uma banheira esculpida na
pedra, no chão da espaçosa sala, parecia mais uma
piscina que uma banheira e estava cheia com água
fumegante. O lugar de banho mantinha um fluxo
constante, entrando água limpa e saindo do outro
lado através de um escape. Alison se encolheu
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diante da banheira, certamente desejava um banho


quente.

— Essa banheira é incrível.

— Espere até ver a sacada, é a melhor vista


de Thórun. — Anpu a conduziu novamente até a
sala, onde Amut permanecia deitado, e abriu uma
porta dupla, revelando uma pequena sacada, a
jovem quase chorou diante da vista.

— Não encontro palavras para descrever, seu


planeta é lindo. — Anpu sorriu.

Pela primeira vez, Alison viu aquele sorriso,


parecia relaxado, tão distante da criatura que há
dias havia matado Ian e a torturado quase até a
morte. Aquele era o lar do guerreiro, era seu
mundo.
A grande montanha era como um vulcão
adormecido. Suas paredes sólidas serviam de
abrigo para uma côrte inteira, com complexos tão
bem planejados quanto uma colméia. A montanha
era o palácio de um Rei e, por mais impressionante
que a arquitetura se revelasse, ao olhar para baixo,
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para dentro daquela montanha, a beleza maior


estava adiante no horizonte.
O apartamento do general ficava no último
patamar das construções e, em sua frente, um
monumento gigantesco em formato de sol se erguia
no centro da montanha, ligado por passarelas de
pedra polida, unindo-se a uma plataforma. O mais
impressionante era o fato de que aquele
monumento redondo e brilhante flutuava sobre as
torres sem qualquer sustentação mecânica.

— O que é aquilo? — Ela apontou para o


disco dourado, suspenso no ar.

— A vida de Thórun. Tudo isso foi


construído pelas próprias mãos de Rá, forjado do
metal mais precioso. É aquilo que traz luz e vida ao
planeta.

Alison estava com a boca aberta diante da


grandiosidade do monumento. Thórun parecia ser
muito mais reconfortante olhando daquela sacada e,
por um momento, a jovem sentiu paz.

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CAPÍTULO VII

Não posso escolher como me sinto,


mas posso escolher o que fazer a
respeito.
William Shakespeare
O curandeiro entrou e Amut lhe ofereceu um
olhar curioso, como alguém que avalia a própria
comida. O rapaz de olhos castanhos e de estatura
mediana poderia ser facilmente um humano se não
fosse pela forma como se vestia e pela magia
poderosa de cura que fluía em suas veias.
Alison já havia tomado um banho quente na
banheira de Anpu. Havia ficado tanto tempo lá
dentro que as pontas de seus dedos ainda estavam
murchas.
O jovem sorriu para ela, apenas um sorriso
educado, e pediu, falando na própria língua, que lhe
mostrasse o ferimento. Quando Alison levantou a
camisa que Anpu havia lhe emprestado para vestir,
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mostrando-lhe a ferida, o curandeiro logo buscou


em sua maleta os instrumentos necessários. Ela se
encolheu diante das ferramentas depositadas no
encosto do sofá de couro branco. Ele deu leves
batidas no acento e falava algumas palavras
incompreensíveis para ela. Se não fosse o fato do
próprio gesto falar por si, ela não teria
compreendido.
Ele removeu toda pele necrosada que cobria
as feridas gêmeas, mas Alison não sentia nada.
Uma agulha foi enfiada na ferida, buscando
qualquer sinal de sensibilidade. Quando Alison
gritou, sentindo o corpo estranho que penetrava sua
pele, o jovem parou. Amut se ergueu em um pulo e
logo estava diante do rapaz, lhe mostrando todos os
dentes.

— Amut, deixe-o trabalhar. – Anpu falou de


onde observava tudo.

O jovem respirou novamente, se acalmando


aos poucos. Amut cheirou o rosto de Alison e ela
acariciou seu focinho.
— Está tudo bem, ele está me ajudando, ok?
— Amut olhou de soslaio para o curandeiro, como
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quem lhe dava um aviso. O animal caminhou até a


almofada e se deitou.

— Ainda está em estágio inicial. — Disse o


jovem na língua de Alison. — Dez dias de curativo
e ficará curada.

Ele lavou a ferida e depois derramou uma


espécie de óleo, repousando sua mão sobre elas.
Uma luz tímida de cor lilás vertia entre seus dedos.
Ela sentiu a magia lutando contra o veneno e
reconstruindo aquela pele que havia sido removida.
Dez dias, era o tempo que teria para pensar
em como se livrar das garras do Rei. Quando o
jovem terminou, a ferida era quase imperceptível, e
a pele nova era rosada como a pele de um bebê.
Alison sorriu agradecida.

— Muito obrigada. — Ele gesticulou com a


cabeça, dando um breve sorriso. — Qual é o seu
nome? — Ele olhou por um instante para Anpu,
depois falou em voz baixa.

— Me chamo Osíris.

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— Obrigada, Osíris. Você salvou minha vida.

O jovem curandeiro juntou seus instrumentos


de forma apressada e se retirou, mantendo a cabeça
baixa.

— Estou me sentindo ótima. — Alison sorriu


se espreguiçando.

— É melhor não se animar muito, amanhã


sua ferida estará podre de novo. — Alison deu de
ombro.

A verdade é que ela estava aliviada pela


demora em que levaria para se curar, só assim teria
tempo para planejar um meio de se livrar do Rei.

— Anpu, tenho tantas perguntas sobre seu


mundo e, agora que estou aqui, talvez seja
importante conhecer um pouco mais.

— Quanto menos souber, melhor para você.

— Não quero ter um encontro desagradável


como tive com a tecedeira.
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— Animais como a tecedeira devem ser sua


última preocupação. Agora você está na côrte, deve
temer a todos. Nunca saia desse apartamento sem a
minha presença ou de Amut. Nesse momento, você
é o assunto mais falado em Thórun. — Alison
suspirou.

Uma prisioneira, não importava o que


fizesse, ainda continuava uma prisioneira.

— Quem são os desgarrados? Como se


parecem? — Amut rosnou.

— Não é da sua conta. É melhor você ir


dormir, amanhã vai levantar cedo.

— Não vou ser sua criada. — Ela cruzou os


braços.

— Vou sair amanhã e você vai ir junto. — O


guerreiro se afastou, indo para o quarto.

Este fora um dia bom, pensou a humana, ao


menos estava viva. Na primeira chance que tivesse,
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voltaria para casa. Se mudaria para outro país, para


o meio da Amazônia se fosse preciso.
Mais tarde, ela se remexeu na cama espaçosa
e confortável. Há muito que a luz do planeta havia
se recolhido, mas o frio não chegara como havia
previsto. O apartamento de Anpu era quente e
reconfortante à noite, e seus pensamentos
circulavam sobre Thórun e sobre Edward. Entre a
curiosidade do novo e a dor do que havia perdido,
Alison adormeceu.
A claridade ainda não havia chegado ao
planeta quando o guerreiro foi até o quarto da
jovem para acordá-la. Ter a constante presença dela
em sua casa o deixava incomodado de certa forma.
Anpu olhou para ela dormindo. Mesmo no
escuro, podia ver seus olhos mexendo sob as
pálpebras fechadas.

— Vamos! Acorde! — Anpu chacoalhou a


jovem pela segunda vez.

— Me deixe em paz, Edward! — Alison


falou em um murmuro sonolento.

— Estou ordenando que acorde, humana


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burra e preguiçosa! — Anpu falou entre dentes.

— Vai embora, me deixe dormir! — Ela se


virou para o outro lado, pegando novamente no
sono.

Anpu a pegou no colo com um grunhido de


irritação. Ele a carregou até a sala de banho, que
fumegava suas águas acolhedoras, e a jogou dentro
da banheira sem qualquer hesitação. Alison
retornou do mergulho tossindo e estendeu o dedo
para Anpu.

— Qual o seu problema? — ela gritou.

— Você é meu problema, vai me fazer


chegar atrasado.

— Você precisa mesmo começar o dia sendo


um idiota?

— Da próxima vez, vou sair e deixá-la aqui


sem proteção. Quem sabe o responsável por ter
feito essa magia em você apareça para matá-la
antes que eu tenha a chance de rastreá-lo, ou você
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não considerou que existe um alvo nas suas costas?


Humana burra! Burra e ingrata! — Anpu
resmungou, atirando no chão algumas roupas secas
e uma toalha. — Vista-se ou vou arrastar você
corredor a fora molhada. — A jovem grunhiu,
batendo as mãos na água.

— Então saia, seu brutamontes!

Alison retirou a roupa e, por mais gostoso


que fosse ficar dentro daquela água, apressou em se
secar e vestir a roupa. Desta vez, Anpu havia lhe
dado roupas femininas. Não era como as roupas das
fêmeas que ela havia visto no corredor, tampouco
das criadas. Ela vestiu a calça de couro preto e uma
blusa justa do mesmo material térmico que Anpu
usava. Depois, colocou uma espécie de jaqueta de
couro afivelada, havia um revestimento sobre as
partes vitais do corpo. Seus longos cabelos estavam
encharcados e ela lamentou não ter seu secador.
A jovem foi até a sala onde o general a
aguardava mal-humorado. Anpu atirou um par de
botas contra ela, o que fez Alison o fulminar com
os olhos. Até mesmo Amut parecia se encolher
diante do olhar demoníaco que ela lançava na
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direção do guerreiro.

— Rápido!

— Estou sendo rápida! — falou entre dentes.

Eles saíram apressados pelo corredor. Um


passo do General equivalia a dois passos dela.
Amut seguia ao lado da jovem, voltando o olhar
para qualquer um que ousasse encará-la pelo
corredor. Felizmente, devido ao horário, havia
poucos criados que caminhavam tão apressados
quanto eles.
Anpu abriu uma porta dupla, chegando a uma
área externa e Alison se encolheu com o frio
cortante. A lua vermelha ainda brilhava ao céu, se
aproximando do horizonte nas montanhas adiante.
Mesmo à noite, Thórun era linda ali de cima. Amut
a cobriu com magia, fazendo com que a jovem
parasse de tremer. Ela olhou para sua pele, que
refletia aquela luz azul e acariciou entre as orelhas
do animal, conforme caminhavam.
Eles pararam diante de uma porta em um
nível abaixo do apartamento de Anpu. Haviam
caminhado por um corredor externo, descendo
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como uma espiral. Anpu bateu na porta e Alison


ergueu as sobrancelhas. Costumes tão humanos
para um planeta tão diferente. Uma jovem de
cabelos negros abriu a porta.

— Anpu. — A jovem se jogou nos braços do


general, se pendurando em seu pescoço.

— Mica, chegou o grande dia, não é mesmo?


— A jovem sorriu.

Alison não compreendia por completo as


palavras, mas sabia reconhecer aquela entonação.
Ele estava sendo carinhoso?

— Sim, meu grande dia chegou, e olha meu


uniforme novo. — Ela deu uma voltinha ainda
segurando a mão do guerreiro e Alison revirou os
olhos.

— Seu pai está?

— Claro, entrem. Ele está uma fera com você


pelo atraso.

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— Humanos são difíceis de acordar. — Mica


sorriu e se voltou para Alison, parecendo só então
perceber sua presença.

— Eu vou avisar que estão aqui. — Ela deu


um breve sorriso para Alison antes de sumir no
corredor.

Era um apartamento tão luxuoso quanto o de


Anpu, porém maior.

— Quem é ela?

— Não te interessa. — Alison revirou os


olhos. — Lembra-se do que eu te disse? Não
demostre ser uma ameaça.

Alison abaixou os ombros e estampou uma


cara de coitada. Um guerreiro Anúbio surgiu
caminhando pelo corredor tão imponente e letal
quanto o próprio Anpu, mas não foi para ele que a
boca de Alison se abriu. Ao lado do guerreiro,
caminhava um Neteru. Se parecia com um tigre,
duas presas enormes despontavam de sua boca,
ficando inteiramente para fora. Era uma fêmea que
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caminhava pomposa ao lado do guerreiro.


Ele fez uma reverência breve para Anpu e
depois olhou para a jovem. Seu Neteru caminhou
diante dele, passando por Amut, oferecendo um
olhar rápido de soslaio. O Neteru se aproximou de
Alison e a cheirou, fazendo com que Amut soltasse
um rosnado de aviso. Antes que a jovem pudesse
perceber, Amut já estava ao seu lado, ouriçando os
pêlos do lombo. O Neteru fêmea bufou para ele,
retornando para o lado de seu parceiro.

— Tem certeza que é seguro deixá-los aqui?

— Zara não vai criar confusão. Pelo que vi,


sua humana está sobre a proteção de Amut.

— Ela não é minha humana, mas, como pode


ver, é dele. Ainda não consigo compreender o que
isso significa, mas está preparado para defendê-la.

— Zara. — disse o guerreiro. — Amut e a


humana são convidados, não crie problemas.

Alison viu quando Zara levantou os olhos


preguiçosos, informando entender a ordem que
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havia recebido.

— Eu devo voltar em quatro horas. Não


encoste em Zara e não crie problemas. — Anpu
falou para Alison na língua da jovem.

— Sim, senhor. — Ela respondeu


humildemente, fazendo Amut lhe encarar incrédulo
diante de sua postura submissa.

Não era muito difícil se comportar diante de


um Neteru que ultrapassava Amut em tamanho e
músculos. Antes de saírem, Mica sorriu novamente
para Alison.

— Vejo que meu uniforme antigo serviu bem


em você. — Alison ergueu as sobrancelhas e sorriu.

— Obrigada pela gentileza. — Mica sorriu,


partindo atrás dos guerreiros. E já fora da casa, ela
gritou.

— Me deseje sorte, talvez hoje eu volte com


meu próprio Neteru. — Os olhos da jovem
brilhavam esperançosos.
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Ela aparentava ter no máximo uns dezessete


anos e trazia os traços dos guerreiros Anúbios, o
mesmo cabelo liso e negro como ônix. O corpo
esguio já mostrava sinais de músculos definidos.
Uma guerreira era isso que ela era. Poderia não
estar pronta, mas o uniforme indicava que estava
em treinamento. Alison fechou a porta e se virou
para Zara com um sorriso.

Anpu se ajoelhou diante de Mica para


conferir seus cadarços.

— Lembre-se do que treinamos, não entre em


pânico. Eles vão te cercar e te intimidar lá dentro.
Mantenha-se alerta e faça sua proposta. Espere que
ele ataque primeiro, só então lute. — Mica esfregou
as mãos suadas.

— Se for um Neteru muito poderoso


querendo apenas me fazer de almoço?

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— Estaremos aqui, basta abrir o portal e


gritar. Iremos ao seu encontro. — Mica sacudiu a
cabeça nervosa.

— Eu estou pronta. Eu estou pronta. – A


jovem repetia para si mesma enquanto balaçava o
corpo.

— Sim, você está — Anpu falou segurando


seus ombros. — Agora vá, garota, e volte aqui com
seu Neteru!

Mica abriu o portal diante daquela parede de


pedra úmida nas entranhas mais profundas da
montanha. Havia apenas escuridão à sua espera. A
jovem ergueu os ombros e controlou a respiração.
Respirou uma, duas vezes. Ela franziu a testa,
deixando com que toda sua força exalasse por cada
poro de seu corpo. Precisava exalar o cheiro certo
para que seu parceiro a reconhecesse.
A jovem inflou os pulmões mais uma vez,
olhando para seu pai e seu tio com pura malícia e
entrou na escuridão.
Ela deu um passo, depois outro, lançou sua
magia pelo ambiente, espalhando seu
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cheiro. Ela era uma guerreira poderosa. Era o que


Mica repetia em sua mente. Caminhou no escuro se
certificando de que não havia nenhum animal
próximo. Silêncio, aquele buraco que fedia a
cadáveres estava no mais profundo silêncio. Era
exatamente como Anpu havia dito que seria.
A jovem caminhou lentamente na escuridão,
guiada por sua magia. Ela encontrou um ponto
estratégico sentindo que já era observada. Mica
lançou seu cheiro, sentindo a proximidade dos
animais. Uma guerreira poderosa. A jovem inflou
os pulmões e esticou cada junta do seu corpo. Sim,
o tamanho contava ali, mas não era tudo. Precisava
ser esperta, ser destemida.
Mica acendeu uma esfera de luz, lançando
para o alto. A claridade inundou aquele buraco
fazendo com que os Neterus fechassem os olhos.
Esse era seu tempo para contabilizar. Dezenas,
talvez centenas das mais diversas espécies que
formavam um cerco silencioso.

— Sou Mica Acool, filha de Jeisan Acool e


sobrinha de Anpu Acool. Venho resgatar meu
parceiro. — Ela retirou a adaga da bainha presa em
sua calça e cortou sua mão, deixando com que o
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sangue pingasse no chão.

Uivos, rugidos e uma variedade de sons


abomináveis ressoavam ao seu redor. Mica ficou
em posição de ataque enquanto via os animais
entrarem em frenesi diante do cheiro de seu sangue.
Alguns davam um passo em sua direção, mas não
ultrapassavam o limite. Ela sorriu com escárnio,
estava diante a uma encosta, sua retaguarda estava
protegida.
Um Neteru macho de aparência felina
raspava a pata no cascalho e avançava pela terceira
vez, então retornava para onde os outros estavam.
Era uma dança, aquilo era uma verdadeira dança da
morte. Que Anúbis a ajudasse, porque sairia dali
montada em seu Neteru. Quando o sangue parou de
escorrer, a jovem aprofundou o corte, fazendo com
que os animais urrassem para ela. Três cortes,
apenas três cortes eram permitidos e nenhuma gota
de sangue a mais.
O felino se adiantou novamente, batendo a
pata no chão um pouco mais perto do que antes.
Mica sorriu, se preparando para o ataque, certa de
que era ele quem a atacaria. De repente, um Neteru
fêmea, da espécie dos voadores abriu caminho
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entre a comissão de frente, indo até o felino.


Destemida, desferiu um golpe certeiro nos olhos do
animal, que parecia possuir o dobro de seu
tamanho. O Neteru golpeou uma segunda vez com
as esporas de suas longas patas musculosas,
fazendo com que o felino recuasse. Ela bateu as
asas diante dos animais, enfrentando qualquer outro
que desejasse disputar a guerreira. Mica aguardou
incrédula, só para ver um silêncio recair sobre
todos.
A ave se voltou para ela em uma marcha
desengonçada. Mantinha as esporas das asas
aparentes e bicava o chão com potência para
mostrar sua força. Mica curvou suas pernas
esperando o ataque e a ave se atirou na direção da
jovem, quase como num voo rasante. Mica correu
ao seu encontro, se jogando no chão, deslizando
sob o animal. A ave se chocou contra a pedra e,
quando se ergueu, sangue pingava de sua coxa,
onde Mica havia enfiado a adaga.
A jovem esfregou o sangue da ave que estava
na lâmina sobre o corte em sua mão e pôde ver
quando os olhos do Neteru brilharam a cor de sua
magia. Um elo, um cordão de três dobras que
jamais poderia ser rompido. A ave se agitou
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enquanto ela se aproximava.

— Eu reivindico você como minha parceira.


Seu nome será Fukayna, aquela que é inteligente.

Fukayna bateu as asas como quem


comemorava o nome recebido. Mica realmente
esperava que o nome dado refletisse, de fato, sua
personalidade. Agora ela estava ligada para sempre
a uma galinha gigante e desengonçada. Ela abriu
um portal atrás de Fukayna e ambas atravessaram.
O pai, que a esperava com um grande sorriso,
foi murchando ao ver o que saía do portal. Anpu se
segurou para não gargalhar quando observou a
sobrinha, com os ombros caídos, descabelada e
fedendo como a morte, sair daquele portal, sendo
seguida por um animal desengonçado.

— Eu juro que enfio minha adaga naquele


que se atrever a rir. Esta é Fukayna. Parabéns,
papai, mais uma fêmea na família! — Mica falou
com o pai em tom de ironia.

Jeisan e Anpu gargalharam, mas Fukayna fez


um estrondo com suas asas revelando a ambos as
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esporas.

— Isso mesmo, garota, se rirem outra vez,


pode cegá-los como fez com o felino! — Fukayna
piou manhosa, esfregando o longo pescoço curvado
na jovem. Os guerreiros abafaram o riso, mas o
canto da boca de Anpu ainda estava repuxado para
cima.

— Se Fukayna enfrentou um felino por você,


é digna de sua companhia. Estou orgulhoso, minha
filha. — Mica sorriu.

— Um Neteru voador pode se provar muito


poderoso se ocorrer o Femi. — Mica assentiu para
Anpu, acariciando o pescoço despenado de
Fukayna.

— Ela precisa se alimentar urgentemente e


depois ver um curandeiro.

Fukayna não seria levada para casa naquele


dia. Todos os Neterus recém-libertos passavam um
ou dois dias no átrio da montanha. Recebiam
cuidados e se alimentavam. Alguns chegavam tão
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debilitados que levavam dias até poderem ir para


casa com seus parceiros.
Mica passaria os próximos dias ao lado de
seu Neteru, até que Fukayna pudesse acompanhá-
la. De agora em diante, ambas andariam lado a
lado.
Possuir um parceiro era uma dádiva tão rara
quanto encontrar uma pérola em uma ostra. Além
dos guerreiros Anúbios, somente um clã possuíra o
dom da ligação com um Neteru, um clã antigo que
não existia mais. Até mesmo para os guerreiros
Anúbios, eram raros os casos em que encontravam
um parceiro. Mica sempre soubera que haveria um
parceiro lhe aguardando, sua família vinha de uma
linhagem bem suscetível à parceria. Se um
guerreiro Anúbio era poderoso, um com elo de
parceria era invencível.

— Aquele lugar está horrível, Anpu. Você


precisa fazer alguma coisa. Os animais estão se
alimentando dos feridos. — Anpu se enrijeceu.

— Há tempos que venho pedindo melhorias,


Hasani está irredutível, mas prometo tentar. —
Mica assentiu, partindo com Fukayna para o átrio.
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Jeisan abriu a porta de casa e quase caiu para


trás ao ver Alison montada no lombo de Zara. A
jovem lhe contava uma história e lhe acariciava o
pescoço, enquanto Zara caminhava em círculos
pela grande sala.

— O que você fez com meu Neteru? —


Jeisan falou na língua da jovem. Alison desceu às
pressas de Zara, completamente assustada.

— Me desculpe, não quis ofender. — Zara


bufou, se esfregando na jovem e Anpu começou
com um som engasgado atrás de Jeisan até se
transformar em uma gargalhada.

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CAPÍTULO VIII

Os sentimentos verdadeiros se
manifestam mais por atos que por
palavras.
Willan Shakespeare
A vida de Edward havia se transformado em
um verdadeiro inferno. Seus pais já estavam em
estado de alerta, cogitando algum tratamento para
filho. Embora todos fossem muito ligados a Alison,
era Edward quem não estava lidando bem com a
situação. Quem poderia culpá-lo?
O desaparecimento de Alison completava
algumas semanas e ele havia perdido as contas de
quantas vezes teve que ir naquela delegacia prestar
depoimento. Sua postura havia mudado, não havia
mais determinação ou qualquer traço de esperança
no jovem.
Era o terceiro dia que ele passava sentado de
frente para aquela parede nos diques. Aquele jovem
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alegre, bonito e tão cheio de vida, se tornou uma


sombra. Depois de três dias acampando no subsolo
sem tomar banho e sem se alimentar, ele poderia
facilmente ser confundido com um mendigo.
Se não fosse pelas mensagens que mandava
aos pais, avisando que estava bem, a essa altura a
polícia já estaria a sua procura. Ele cogitou falar a
verdade que o dilacerava por dentro para qualquer
miserável que se prontificasse em ouvi-lo. Tudo
que ele iria conseguir era se tornar mais suspeito do
que já era. Na melhor das hipóteses, seria levado a
um sanatório.
Aquela criatura iria voltar. Em algum
momento, iria retornar e ele estaria a sua espera.
Por mais bizarro que a situação pudesse parecer,
Edward sabia o que tinha visto. Lá no fundo, bem
no íntimo de suas entranhas, onde o espectro da
alma sondava juntas e medulas, ele sabia. Algo
inexplicável ressoava em sua mente, tão
sobrenatural quanto à criatura que a levou,
tilintando como um sino intermitente. Alison estava
viva. Precisava estar.
Que Deus o ajudasse, porque ele rasgaria
aquele monstro no meio. O jovem amolava uma
faca, depois conferia as balas de um revolver 38
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que havia levado para os diques. Então repetia o


processo de novo e de novo, desta vez estaria
preparado.

Alison ainda não compreendia como o humor


do general podia oscilar tanto. Horas antes, ela o
viu gargalhar como nunca e agora estava cuspindo
fogo pelas ventas. Ela ignorou os resmungos do
guerreiro que batia na porta da sala de banho,
ordenando pela décima vez, que ela saísse da
banheira. Ela imergiu naquelas águas revigorante,
abafando toda a gritaria.
De olhos fechados e braços abertos, ela
relaxou quase como se pudesse respirar dentro
d'água. Sorte do guerreiro que ela não podia ficar
ali para sempre. Alison boiou, tomando o cuidado
para que suas orelhas ficassem dentro d'água, assim
não ouviria as ameaças de morte vindas detrás
daquela porta.
Desligou seus pensamentos se rendendo a
calmaria das águas. Merecia aquele banho longo, só
pelo fato de não saber o que esperar de seu futuro,
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por não saber se sobreviveria naquele mundo. Que


Anpu fosse para o inferno, porque ela só sairia dali
quando se cansasse da banheira.
As águas correntes passavam pelo seu corpo,
massageando sua pele, fazendo com que gemesse
ao sentir cada músculo relaxar. Ela movimentou
suas pernas e braços lentamente sentindo cada
bolha escorregar pelo seu corpo até que sua mão
encostou em algo. Alison afundou, buscando com
os pés o fundo da banheira, enquanto se virava
assustada.

— Estava aqui pensando quando ia começar


a se tocar. — Anpu sorriu com escárnio. — Por
favor, fique à vontade não quero atrapalhar.

— Seu, seu... tarado idiota. Há quanto tempo


você está aí? — Alison falou entre dentes enquanto
cobria seus seios com as mãos.

— Dez vezes eu ordenei que saísse. A


banheira é minha e, se quer passar metade de sua
vida insignificante dentro dela, vai ter que dividir
comigo. — A jovem grunhiu, jogando uma porção
de água no rosto do guerreiro. Anpu gargalhou se
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divertindo com o descontrole da jovem, que agora


apresentava uma coloração rosada nas bochechas.
Ela cerrou os dentes e, possuída pela raiva,
tentou dar um tapa no rosto de Anpu. O guerreiro
segurou seu braço e a empurrou contra a parede
morna da banheira, prensando seu corpo contra o
da jovem, Alison abriu a boca, mas, antes que
pudesse falar, um filete de névoa a invadiu. Não
para sufocá-la, apenas para impedir a fala. Anpu
segurou seus cabelos molhados rentes à cabeça,
fazendo com que erguesse o queixo e deixasse o
pescoço à mostra. Ele aproximou a boca do ouvido
de Alison e ela pôde sentir o calor de seu hálito.

— Em meu clã, quando uma fêmea quer um


macho, ela faz exatamente o que você tentou fazer.
— Anpu cheirou o pescoço dela. — Mas elas não
costumam feder a medo. Você tem sorte que não
copulo com fêmeas contra a vontade delas. Sugiro,
Alison Evans, que, da próxima vez que me fizer um
convite, esteja realmente desejando. Porque posso
não perceber seu cheiro e, antes que consiga
protestar, já estarei dentro de você. — Anpu
percorreu o pescoço dela com o nariz, aspirando
novamente seu cheiro, ele sorriu antes de largar a
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jovem. —Vá, antes que eu mude de ideia.

Alison saiu da banheira sem emitir qualquer


som, ela não ousou olhar para o guerreiro,
tampouco lhe pedir que se virasse. Caminhou nua
pela escada e se enrolou em uma toalha, saindo da
sala de banho.
Anpu a observou atento, se ela tinha apenas a
intenção de agredi-lo, precisaria a ensinar como
bater. Porque se saísse por aí tentando dar tapas na
cara de cada guerreiro que lhe irritasse, passaria o
dia copulando. Ele duvidava que qualquer outro
teria se dado o trabalho de sentir o cheiro da jovem
e averiguar suas intenções. Ele sorriu, porque medo
não era o único cheiro que ele havia sentido nela.

Alison aguardou o curandeiro sentada no sofá


branco. Anpu ainda não havia saído da sala de
banho quando o jovem chegou. Osíris olhou por um
instante para Amut que parecia dormir na
almofada.

— Está tudo bem. — Alison falou sorrindo.

Ele retirou as mesmas ferramentas e a jovem


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ergueu a camisa e se deitou de lado no sofá.

— Parece muito melhor. — O jovem sorriu


timidamente.

— Me sinto melhor.

— A infecção reduziu bastante, é provável


que se cure antes do previsto.

— Por favor, preciso que me cure devagar.


— Alison falou quase como um sussurro.

Osíris ergueu as sobrancelhas, mas não a


questionou. O curandeiro removeu a pele necrosada
e passou o óleo, em seguida, repousou sua mão
sobre a ferida, desta vez o jovem não reconstituiu
totalmente a pele. Alison sorriu ao perceber que ele
havia feito o que pedira.

— Obrigada, se eu puder retribuir de alguma


forma.

— Não é necessário. — Ele começou a


recolher suas ferramentas.
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— O que estão falando sobre mim? — Osíris


olhou na direção do corredor que dava para a sala
de banho.

— Muita coisa, nunca um humano esteve em


Thórun.

— Minha vida corre perigo? — Osíris olhou


novamente para aquela direção.

— Não precisa ser humano para correr risco


de morte nesse lugar. — ele falou em um sussurro e
se retirou.

Alison sentiu um arrepio percorrer seu corpo,


aquele mundo era como uma cebola. Quando
achava que havia compreendido algo, era apenas
para se deparar com mais uma camada. Alguma
coisa muito séria estava acontecendo naquela côrte
e ela iria descobrir. Ela ficou na ponta do sofá e
passou o pé sobre o lombo de Amut, o animal
olhou para ela de soslaio, sem sair da posição fetal
que se encontrava.

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— Ainda está chateado comigo? — Amut


mexeu as orelhas.

Alison deslizou do acento e se sentou no chão


ao lado da almofada.

— Vou fazer cócegas em você até que me


perdoe. — Ela percorreu cada costela do animal
com as pontas dos dedos. — Quem é o Neteru mais
ciumento de Thórun, quem é? — falou com uma
voz de criança enquanto aplicava pequenas
pressões nas costelas de Amut. — Quem é o Neteru
que a Ali mais ama, quem é? — Amut se rolou na
almofada virando de barriga para cima, revelando
toda a sua extensão enquanto abanava o rabo. —
Não precisa ter ciúmes, a Ali ama você. — Ela
acariciou a barriga, fazendo Amut se contorcer a
cada toque.

— Não sei qual dos dois é mais patético. —


Alison levou um susto ao reparar Anpu escorado na
parede da sala. Ela xingou baixinho.

— Poderia parar de entrar nos lugares desta


forma? — Anpu bufou.
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— Amut. — ele chamou o animal que se


ergueu no mesmo instante. — Vou sair, mas volto
logo, fique de olho.

Alison viu quando o guerreiro virou as costas


e saiu pela porta do apartamento. Ao julgar como
estava arrumado, era possível que tenha saído atrás
de alguma fêmea que lhe desse uns tapas. Ainda
mais depois do que havia acontecido, ela havia
sentido toda a sua masculinidade a flor da pele.
Alison mordeu os lábios ao lembrar e Amut bufou.

— Que foi? São os hormônios, não posso


evitar. Se quer saber, Anpu seria o último macho
que escolheria para copular. — a jovem falou a
última palavra em tom de deboche.

Macho, fêmea, copular. Expressões que ela


não estava acostumada. Como poderia saber que
um tapa na cara significava: Oh, guerreiro
gostosão das trevas, por favor, quero trepar com
você!

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— Amut, quer dormir comigo hoje? — O


animal olhou para a jovem e piscou.

Anpu se sentou diante do Rei, um lugar de


honra na mesa. O jantar já estava sendo servido
quando Hasani dirigiu a palavra a ele.

— Amut não lhe acompanhou esta noite. Está


tudo bem? — Anpu sorriu.

— Amut gosta da humana, não quis deixá-la


sozinha. — O Rei ergueu as sobrancelhas.

— Por essa eu não esperava. Parece que


enfim possuo algo que Amut deseja.

— Creio que sim, Majestade.

— Como ela está?

— Se curando. — Anpu bebeu um gole da


bebida.
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— Ela tem se saído bem como sua criada? —


Anpu se remexeu na cadeira.

— Infelizmente não, Majestade, parece que


os humanos são extremamente burros e teimosos
até mesmo para executarem simples tarefas como a
de um criado. — Hasani gargalhou puxando um
coro de risadas.

Anpu era o único de seu clã a sentar-se à


mesa do Rei, os demais eram Rá-Seth, do próprio
clã real, eram machos e fêmeas de estatura mediana
com características físicas únicas e poder similar. A
nata de Thórun, que compunham os nobres da
côrte. Entre eles, estavam os machos mais
poderosos. Não em força, mas em influência.

— Isso está se tornando cada vez mais


interessante. Um animal de estimação que deseja
ter seu próprio animal de estimação. — Anpu se
remexeu na cadeira desconfortável, enquanto todos
gargalhavam.

— Traga Amut e a humana para jantarem


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comigo amanhã, serão meus convidados de honra.


Mas peça para que a vistam com uma roupa que
tape aquela ferida nojenta. — Anpu assentiu.

Diplomacia não era o forte do guerreiro,


sempre se sentira desconfortável com esses jantares
que era convidado. Preferia enfrentar um
desgarrado a enfrentar a côrte íntima do Rei.
Sempre se sentia como um animal fora de seu
habitat. Todas aquelas provocações referentes aos
Neterus o deixavam inquieto.
Era visto que Hasani e seu clã os odiavam,
que não mantinham qualquer respeito. Neterus só
eram aceitos circulando livremente na montanha
pelo poder que representavam a seus exércitos. Um
guerreiro que possuía um Neteru valia ao Rei a
força de dez guerreiros sem parceria. Portanto,
Hasani os tolerava.

— Estou curioso sobre a sexualidade


humana, será que elas gritam como fazem nossas
mulheres? — Risadas preenchiam o ambiente.

— Quem sabe espancam os machos como


fazem em seu clã. — Domec, o vizir do Rei, falou
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erguendo a taça para Anpu, que apenas ofereceu


um sorriso frouxo.

A hierarquia era algo a ser respeitada em


Thórun, ainda que o passado fosse manchado e
controverso. Cada clã possuía suas particularidades
e, mesmo se a mistura de raças não fosse algo
proibido pelos Deuses, era algo improvável.
Os Rá-Seth menosprezavam qualquer raça
inferior. Os guerreiros Anúbios, por sua vez, viam
as fêmeas desse clã como arrogantes e de aparência
frágil. Apesar de serem lindas, elas dificilmente
satisfariam um guerreiro Anúbio, diferente de suas
fêmeas, que eram letais e destemidas. Mas, para
Hasani, não havia limites, bastava ser uma fêmea
de aparência agradável que já desejava ter em sua
cama.
Boatos circulavam pelos corredores de que o
Rei mantinha relações com fêmeas curandeiras do
clã Hathór e por isso não foi uma surpresa quando
se interessou pela humana, como Anpu previra. Era
comum ver jovens curandeiras com o rosto
mutilado para evitar despertar o interesse do
soberano. Algumas famílias chegavam a fazer
cortes profundos no rosto das fêmeas ainda bem
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jovens. Principalmente quando muitas delas jamais


retornavam, após serem solicitadas pelo Rei. Se
Alison fosse esperta, tornaria a noite com Hasani
tão desinteressante que ele não a chamaria
novamente.
Anpu retornou após três longas horas,
ouvindo chacotas e articulações políticas. Ele
realmente não entendia por que era convidado a
esses jantares. O general entrou no apartamento e
percebeu a ausência de Amut e de Alison e, antes
que pudesse se assustar, sentiu a presença de ambos
no quarto. Ele abriu a porta e viu Amut
esparramado na cama da jovem. O Neteru ocupava
a maior parte da cama e a jovem dormia aninhada
entre suas patas. Anpu revirou os olhos. Aquilo
estava indo longe demais.

— Alison. — Ele a chacoalhou. — Acorde,


eu trouxe comida. — Amut lambeu o rosto da
jovem.

— Comida? — Alison falou com a voz rouca


de sono.

— Sim, deixei na cozinha, você precisa se


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alimentar.

— Preciso mesmo, estou faminta. — A


jovem se espreguiçou e foi saindo do quarto como
se ainda estivesse no mundo dos sonhos.

Anpu olhou para Amut, que ainda


permanecia deitado na cama, e pensou em
questioná-lo. Nunca vira o animal subir em uma
cama, Amut podia dormir em qualquer lugar
quando estavam em alguma missão. Mas, desde o
dia em que veio para a casa com o guerreiro, nunca
largou aquela maldita almofada. O guerreiro se
ofendia toda vez que o Rei o comparava a um
animal de estimação, mas ali estava ele se
comportando como um.
Alison estava faminta. Apesar de não
reconhecer o que era aquela comida, estava
deliciosa. Ela havia comido algumas frutas na casa
de Jeisan, mas nada comparado com aquilo.

— Por que você come com as mãos? —


Alison levou um susto ao ver o guerreiro tão
próximo.

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— Não encontrei talheres. — Ela deu de


ombro.

Anpu abriu a última gaveta do armário da


cozinha, revelando uma porção de talheres.

— Quem guarda talheres na última gaveta?

— Eu guardo. — ele respondeu entediado.

— Você não me viu comendo ontem com a


mão?

— Vi, achei esquisito, mas não quis


comentar. — Alison olhou para Anpu incrédula.

Ela lavou as mãos engorduradas na pia, então


pegou os talheres na gaveta e posicionou o prato
sobre a mesa. Se sentou ereta, comendo de forma
elegante.

— Você não precisa encenar tudo isso, sei


que está com fome. — Alison olhou para o
guerreiro, ponderando entre parecer civilizada ou
saciar sua fome.
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— Obrigada. — Ela largou o garfo e segurou


a coxa assada com a mão, voltando a devorar o
alimento. Anpu sorriu.

— Amanhã será um dia cheio, vai precisar de


energia. — A jovem o encarou enquanto mastigava.

— Vai me deixar novamente com Zara?

— Não. Acorde quando eu chamar ou vai


parar na banheira novamente. — Anpu caminhou
na direção do quarto.

Na manhã seguinte, Alison já estava


remexendo na cozinha quando Anpu levantou. O
cheiro era bom, mas o guerreiro não estava
acostumado a comer tão cedo.

— O que é isso?

— Eram para serem panquecas, mas como


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não tenho os mesmos ingredientes, não tenho


certeza o que é, mas ficou bom. Só espero que não
tenha nada venenoso na sua cozinha.

— O que você usou? — Alison pensou por


um instante depois de dar uma mordida na
panqueca.

— Encontrei um ovo e usei uma farinha


cheirosa que estava dentro de um pote no armário.
Na receita, vai leite de vaca, mas usei água no lugar
e ficou ótimo.

— Que farinha você usou?

— Aquela. — Ela apontou para uma lata em


cima da pia.

— Alison pare de comer isso agora. — Anpu


falou ríspido e a jovem congelou.

— Isso é veneno, não é?

— Não, mas, acredite, não vai querer comer


isso. — Anpu pegou as panquecas e jogou no lixo.
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— É um pó feito com ossos. — Alison cuspiu o


pedaço de panqueca da boca.

— Por que você tem um pote de farinha de


ossos no armário da cozinha?

— É melhor você não saber. Se quer comida,


basta me pedir e eu darei.

— Tem certeza que não vou precisar de um


curandeiro? — Anpu sorriu.

— Duvido que um curandeiro resolva seu


problema. Ao menos não da forma como imagina.

— Então quero comida todos os dias pela


manhã, quero comida ao meio do dia e quero jantar
todas as noites. — Anpu olhou para ela com as
sobrancelhas erguidas.

— Por falar em jantar, esta noite vai jantar


com o Rei.

— Não vou mesmo.

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— Vai sim, será sua convidada de honra e,


para o seu bem, é melhor que o efeito do que
acabou de comer tenha passado até o jantar.

Eles saíram pelo corredor, Alison sentia-se


disposta, talvez o efeito daquele pó não fosse tão
ruim assim.
Ele abriu a grande porta dupla que dava para
o corredor externo, mas desta vez subiram em
espiral. A jovem quase caiu para trás diante da
imagem. A plataforma estava cheia de guerreiras e
guerreiros Anúbios usando aquele mesmo uniforme
que ela usava. A vista lá de cima era ainda mais
linda do que a vista da sacada de Anpu. Conforme a
lua vermelha entrava no horizonte, uma lua branca
nascia manchando o céu com uma mistura de cores
magnífica.
Quando o grande monumento refletiu a luz
do dia sobre o planeta, fazendo com que todos
fechassem os olhos, Alison pôde perceber todos
aqueles guerreiros enfileirados com mais precisão.
Machos grandes e musculosos, alguns com a pele
pálida, outros de pele negra e ainda havia aqueles
que com uma tonalidade bronzeada como se o
próprio sol os deixasse dourados. Todos mantinham
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a mesma característica do cabelo negro como ônix.


Não havia separação por gênero, fêmeas e machos
se posicionavam diante de seu general. Alison viu
Mica junto a outros guerreiros mais jovens. Eram
centenas, talvez milhares de guerreiros, ela se
encolheu diante da imagem.

— Hoje o treino será individual, escolham


seus oponentes. Os guerreiros jovens lutarão com
guerreiros experientes.

Alison viu quando os guerreiros fizeram um


sinal de compreensão diante da ordem.

— Para os que estão curiosos com a humana,


não se distraiam ou serão punidos. Sobre o cheiro
que a humana exala, não levem em consideração.
Ela acabou de comer um pote cheio de pó de ossos
de lebre negra. —Todos voltaram o olhar para
Alison e gargalhavam.

— Por que ela faria isso? — Mica


questionou, recebendo um olhar de aviso do seu
pai, que estava a sua frente.

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— Parece que me esqueci de alimentá-la com


frequência.

Novamente ouviram-se algumas gargalhadas


voltadas para a jovem que, neste momento, estava
vermelha como um tomate. Quando todos
encontraram seus oponentes, iniciando uma luta
corporal violenta, Alison se virou para Anpu.

— O que você falou sobre mim? — ela disse


entre dentes.

— Alertei para que não se distraiam com


você e que não dêem atenção ao cheiro que você
está exalando neste momento. Contei a eles que foi
burra o suficiente para comer um pote cheio de pó
de ossos de lebre negra. — Anpu sorriu com
escárnio.

— Anpu, que cheiro estou exalando?

— Um cheiro muito, muito convidativo.


Você vai treinar, em duas ou três horas terá
eliminado o efeito.

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— Treinar? Com quem?

— Comigo, vamos ver o que um humano


sabe fazer. — Anpu se posicionou diante da jovem.
— Me ataque, mas, por favor, não me dê aquele
tapinha...

Alison desferiu uma joelhada nas partes


baixas do guerreiro antes que ele pudesse terminar
a frase. Anpu se encolheu de dor. As duplas mais
próximas pararam o treino para ver o general
encolhido diante da humana.
Alison sorriu com escárnio e fez uma breve
reverência para a platéia, arrancando pequenas
risadas. Sua adrenalina estava nas alturas e, se o
general queria que ela batesse, ah, ela sabia fazer
aquilo!

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CAPÍTULO IX

O mundo inteiro é um palco, e


todos os homens e todas as mulheres
são apenas atores.
William Shakespeare
O suor escorria pelo centro das costas de
Alison e todo seu corpo estava dolorido. O
guerreiro havia lhe ensinado golpes de ataque,
imobilização e posições de defesa. Apesar do
esforço e das manchas roxas que havia adquirido
no treino, seu corpo ainda estava agitado.
Por duas ou três vezes, Anpu havia
sussurrado palavras em seu ouvido durante as
demonstrações de imobilização. Ela havia guardado
em sua mente cada uma delas, mais tarde
descobriria o que significavam. Agora queria
comida, porque seu estômago estava roncando.

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— Eu soube que você leva jeito com Neterus.


— Mica falou enquanto se aproximava.

— Eles parecem gostar de mim.

— Fukayna anda me dando trabalho, tem


sido muito agressiva com estranhos. Estava
pensando se você poderia me ajudar a treinar ela.
— Alison ergueu as sobrancelhas.

— Não sei se Anpu aprovaria.

— Deixe meu tio comigo, sei exatamente


como convencê-lo. Se você aceitar, podemos
começar hoje à tarde.

Alison ponderou a proposta. De fato, era algo


que lhe agradava, poderia conhecer mais e obter
muitas respostas.

— Eu aceito se me ensinar seu idioma. —


Mica sorriu.

— Você não tem nada de burra, Alison


Evans. Eu vou lhe ensinar, mas vai ser nosso
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segredo. – Alison concordou com um sorriso.

Anpu levou a jovem para almoçar na casa de


Jeisan. Ela sentou de frente para ele e ambos os
Neterus permaneceram sentados no chão próximo a
jovem. O anfitrião ainda parecia ofendido com o
interesse de Zara para com a humana. Eles
conversaram na língua da jovem e Mica parecia se
divertir com o aborrecimento do pai.

— Fukayna atacou o tratador e um


curandeiro ontem. Está indomável, não quero nem
imaginar o que deve estar aprontando na minha
ausência.

— Você deve mostrar para ela quem está no


comando. — Anpu falou para a sobrinha.

— Se fosse tão fácil fazer como é falar. —


Mica suspirou.

— Precisa ter paciência, minha filha, tudo é


novo para ela.

— Estava pensando em levar a Alison


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comigo esta tarde, ela parece levar jeito com os


animais. Talvez pudesse me ajudar a treinar
Fukayna. — Anpu se engasgou com a comida.

— Isso é seu trabalho, é importante que seu


Neteru esteja focado na parceria nos primeiros dias.

— Não existe nenhum problema com a


parceria, ela é extremamente dócil comigo. Porém,
não aceita que outros se aproximem. Não quero que
acabe atacando alguém da realeza e tenha que ser
sacrificada.

— Não temos garantia de que Fukayna vai se


comportar como Amut e Zara diante dela. — Anpu
apontou para Alison, que comia mostrando
desinteresse na conversa.

— Mas eu posso tentar, se der certo, trago


Fukayna para casa em um ou dois dias. É claro, se
vocês estiverem de acordo. — Mica fez uma cara
de frustração. Anpu olhou para o irmão.

— A humana é sua, você quem decide. —


Alison olhou para Anpu incrédula por ele não negar
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a posse sobre ela.

— Leve-a hoje, mas traga de volta em três


horas. — Mica sorriu para Alison animada.

Antes de saírem para o Átrio, Alison lançou


um olhar diabólico para Anpu. Um olhar que falava
mais que mil palavras. Ele revirou os olhos, porque
sabia que mais tarde a jovem o perturbaria.
A humana era atrevida e burra, e Anpu estava
incerto se ela conseguiria sobreviver em Thórun
com tanta arrogância e nenhum poder. Mas uma
coisa ele não podia negar, Alison era corajosa.
Talvez por isso tenha sido escolhida como peça de
um jogo que ele ainda não compreendia.

Fukayna bateu as asas mostrando suas


esporas quando Alison se aproximou. A ave ergueu
uma das pernas musculosas para deixar suas garras
aparente. Alison analisou o comportamento do
animal por um instante.

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— Você se parece muito com um animal em


meu mundo. — Fukayna bicou o chão, produzindo
um som estalado. — Dizem que o leão é o rei dos
animais no meu mundo, mas só falam isso, porque
desconhecem a obstinação de um avestruz. Em um
combate, eu apostaria no avestruz com toda certeza.
— Fukayna piou desconfiada. — É claro que um
avestruz perde pontos por ter um comportamento
impulsivo, é nervoso demais. Mas não creio que
este seja seu caso, você é uma garota esperta. Sabe
que precisa de cuidados e quer ir para casa com
Mica. Só não quer que a subestimem. — Fukayna
piou manhosa olhando para Mica. ​

Alison se aproximou devagar até ficar ao


lado de Mica. O Neteru se manteve calmo e ela
acariciou o pescoço pelado.

— Boa garota, Mica vai lhe dizer quando


deve atacar e em quem pode confiar. — Fukayna
aspirou o cheiro da jovem e se esfregou, fazendo
Mica sorrir surpresa.

— Você leva mesmo jeito com eles. —


Alison sorriu para a jovem e voltou a olhar para o
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Neteru.

— Garota esperta, sei que já está pronta para


sair desse lugar, mas precisa se curar. — Fukayna
parecia sorrir.

Sua aparência desengonçada não transmitia a


força e letalidade do animal, mas Alison sabia que
estava diante de um animal tão letal quanto
qualquer outro Neteru.
Uma curandeira jovem chegou para cuidar de
Fukayna, a menina possuía uma cicatriz horrível na
bochecha, mas não temeu o animal quando se
aproximou. Para a surpresa de Mica, Fukayna
aceitou o tratamento.

— O que houve com ela? Foi um Neteru que


a atacou? — Alison questionou.

— Não, foram seus pais quem lhe deram a


cicatriz. — Mica suspirou.

Alison observou de longe a menina trabalhar


com delicadeza em Fukayna e se perguntou que
tipo de pais fariam aquilo com a própria filha?
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— Temos duas horas para estudar o idioma.


— Mica falou sorrindo.

Ela começou ensinando cumprimentos e


comandos básicos. Alison lhe pediu para ensinar
algumas palavras específicas que Anpu estava
sempre gritando em seu ouvido. Basicamente
significavam saia, eu ordeno, burra, irritante.
Alison revirou os olhos ao descobrir o significado.
Depois questionou sobre as palavras que Anpu
havia dito em seu ouvido naquela manhã enquanto
mantinha seu corpo pressionado no chão.

— Quem falou isso para você?

— Não foi dito para mim. — Ela mentiu.


— Quem falou isso disse que a pessoa
possuía um cheiro inebriante. — Alison ergueu as
sobrancelhas e pronunciou outra frase. — Você
estava espiando algum casal copular?

— Não, é claro que não.

— Se as duas frases foram ditas para a


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mesma pessoa, foi dito: Seu cheiro é inebriante, é


como Stakte.

— O que é Stakte?

— Um perfume muito raro.

— Achei que poderia ter ouvido um grande


segredo, mas era apenas um casal flertando? —
Alison demonstrou estar decepcionada.

— Se quer um conselho, não deixe que


descubram que é esperta, se faça de desentendida.
Mesmo que aprenda o idioma, não deixem que
saibam. Sei que hoje vai ter um jantar com Hasani,
não chame a atenção dele.

— Infelizmente já chamei. Ele ordenou a


Anpu que me entregasse a ele assim que minha
ferida cicatrizar. — Alison suspirou.

— Então hoje é sua chance de fazê-lo mudar


de ideia. Ele não vai encostar em você enquanto
sua ferida estiver aberta. Ele é um macho de
estômago fraco. — Mica sorriu — Se você fosse
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esperta, usaria essa informação ao seu favor, mas


como é só uma humana burra. — Mica gargalhou e
Alison a cutucou com o cotovelo.

Alison voltou a olhar para menina, que reunia


suas ferramentas.

— Por que os pais dela fizeram isso? — Mica


ficou inquieta.

— Hasani gosta de mulheres bonitas. Há


boatos de que algumas delas jamais voltam para
casa. Para os Hathor, ter um filho com o dom da
cura é uma grande honra. Eles passaram a marcar
suas filhas com medo de perdê-las. — Alison se
arrepiou. Amor, aquela cicatriz significava amor,
proteção e não o contrário, como ela havia
imaginado.

— Mas ela é só uma menina.

— Meninas mais jovens que ela, já foram


exigidas por ele. — Mica suspirou pesarosa.

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Anpu já estava arrumado quando a jovem


chegou. Para sua sorte, usaria a banheira sem se
preocupar em ter seu banho interrompido.
Alison esfregou seu corpo sujo e suado, não
havia tempo para aproveitar o banho como gostaria.
Um vestido longo e justo estava em cima de
sua cama, um presente do próprio Hasani. Ela
suspirou diante do lindo vestido. Como o faria
desistir dela se fosse vestida assim?
Ela colocou o vestido de contas, o decote era
posicionado atrás, deixando suas costas nuas,
porém, escondia a ferida das costelas. Ela fez uma
trança embutida nos longos cabelos e usou
maquiagem nos olhos, que Mica havia lhe
emprestado. O sapato, que acompanhava o vestido,
havia ficado um pouco grande, mas era lindo e
copiava as contas do vestido. Ela se encolheu
desejando que a dona do traje estivesse viva.
Alison inflou os pulmões uma, duas vezes,
antes de sair do quarto. Anpu a aguardava escorado
na pilastra da sala. Amut teve um sobressalto da
almofada quando a jovem apareceu diante deles. As
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pupilas do general se dilataram ao contemplar a


jovem naquele vestido.
Anpu pronunciou algumas palavras em sua
língua, a jovem não compreendeu, mas sorriu. Ele
ofereceu o braço para que ela aceitasse ser
conduzida. Hoje não seria uma prisioneira, hoje ela
era a convidada de honra de um Rei.
Amut caminhou ao lado deles, tão imponente
como nunca. O Neteru parecia orgulhoso com um
olhar altivo, conforme desfilava. Cada passo na
direção do grande salão fazia o coração dela tremer.
Era como se estivesse prestes a determinar seu
destino.
Hasani abriu um largo sorriso ao ver a jovem
tão bem apresentada. Sua postura ereta e elegante
nada se parecia com aquele rato assustado de
quando ele havia a conhecido. Alison fez uma
reverência para o Rei antes de se sentar no lugar
reservado a ela. Hasani havia a colocado ao seu
lado direito e Anpu de frente para a jovem.

— Eu sabia que esse vestido ficaria perfeito


em você. — Hasani sorriu sem conseguir tirar os
olhos da jovem.

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— Obrigada, Majestade, ele é lindo.

Amut caminhou lentamente, circulando a


grande mesa oval. Cada passo calculado e medido.
Ele se sentou no chão, entre ela e o Rei. Anpu se
remexeu inquieto, sabendo da intenção de seu
Neteru. Hasani gargalhou ao perceber a presença
do animal.
Alison mal respirava, não quando todos os
olhos daquela côrte estavam sobre ela. Anpu a
sondou e aquela magia presa dentro da jovem o
informava de seu nervosismo. Ele desejou poder
acalmá-la, desejou poder dizer que ficaria tudo
bem. A verdade é que até mesmo o guerreiro temia
pela vida dela.
Alison provou a bebida forte de cor
vermelha, era como um vinho de frutas. Possuía um
cheiro delicioso e um sabor marcante, com toda
certeza a bebida lhe seria um aliado naquele jantar.

— Sua beleza é estonteante, se soubesse que


as humanas eram tão belas, teria ido eu mesmo
nessa missão. — Alison sorriu timidamente e bebeu
o restante do vinho.

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— O que tem achado de Thórun, humana? —


Domec perguntou.

— Thórun é lindo, mas também é perigoso.


Com toda certeza não quero ter outro encontro com
uma tecedeira. — Todos gargalharam.

— As coisas mais belas de Thórun são as


mais perigosas. Espero que em seu mundo não seja
assim. — Hasani falou com um sorriso largo e
intimidador.

— Meu mundo é muito diferente, a criatura


mais letal não se compara com uma simples
tecedeira.

— Isso é verdade. — falou um macho


sentado próximo de Anpu. — Se não fossem assim,
não nos chamariam de Deuses. — Todos riram.

— Espero que Anpu esteja sendo um bom


anfitrião. — Hasani falou enquanto fazia um gesto
pedindo que o jantar fosse servido.

— Sim, Majestade. Às vezes ele se esquece


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de me alimentar, tirando isso, não tenho do que me


queixar. — Anpu olhou para Hasani envergonhado.

Criados começaram a trazer os mais variados


pratos de comida. Garçons enchiam as taças vazias
e, em pouco tempo, a mesa estava repleta com
diversos alimentos. O estômago da jovem roncou,
ela avaliou os alimentos mais próximos, decidindo
o que comeria primeiro. Bem a sua frente havia um
belo prato, era como uma esfera redonda de carne
cozida e de cheiro duvidoso. Alison decidiu que lhe
serviria ao propósito.
Quando Hasani convidou a todos para se
servirem, ela cortou um enorme pedaço da esfera
de carne que era recheada com um creme de
aparência nada desagradável. Como em um passe
de mágica, toda a sua elegância foi para o inferno.
Alison comia como um animal raivoso, se fartando
e provando tudo ao seu alcance. Quando os finos
talheres a incomodaram, decidiu segurar uma coxa
gigante com a mão. Ela emitia sons, aprovando
cada mordida deliciosa que dava, como se estivesse
há dias sem se alimentar.
A dúzia de machos e fêmeas presente naquele
jantar íntimo permaneceu estagnada diante da
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ferocidade em que a humana se alimentava. O


próprio Rei não ousou colocar qualquer alimento na
boca. Anpu não sabia se fingia estar acostumado
com a atitude da jovem ou se arrancava ela da mesa
pelos cabelos.

— Hum, isso está uma delícia. — Alison


lambeu os dedos. — O que é? — Perguntou a
Hasani, que evitava olhar em sua direção.

— Bexiga de Dufon recheada com rins, é


uma iguaria maravilhosa. — Alison parou.

A jovem pôs a mão sobre a boca, fez ânsia de


vômito uma vez, duas. Ela saiu correndo da mesa
apressada e, antes que pudesse chegar à porta do
grande salão, ela vomitou. Ouviu um clamor vindo
dos convidados antes de vomitar pela segunda vez.
Hasani estava verde.

— Tirem-na daqui e limpem essa nojeira. —


O Rei falou em urros.

Dois guerreiros Anúbios que guardavam a


porta de entrada se aproximaram de Alison, mas
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Amut já estava posicionado ao lado da jovem,


mostrando todos seus dentes.
Alison ainda permanecia de joelhos com
vômito escorrendo pelo vestido e, quando todos
acharam que a coisa não poderia ficar pior, Amut,
em um excesso de raiva, ergueu a pata traseira,
mijando na jovem, marcando-a diante dos
guerreiros como um sinal de posse.
Quando o cheiro de vômito misturado com a
urina forte do animal chegou até as narinas
apuradas dos convidados, aquele jantar virou o
próprio inferno. O vizir do Rei foi o segundo a
vomitar, depois a fêmea sentada ao seu lado, cujo
vômito do companheiro havia lhe atingindo. O
próprio Hasani vomitou sobre a mesa. Anpu se
encolheu diante do inferno, já vira Hasani condenar
a morte machos e fêmeas por muito menos.

— Saiam todos daqui. — Grunhiu o Rei.

Anpu não esperou uma segunda ordem. Ele


se levantou e juntou Alison pelo braço, arrastando-
a porta a fora. Seu coração batia acelerado, na
melhor das hipóteses morreria apenas ela. Na pior,
Amut seria sacrificado, quem sabe até ele seria
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executado diante do horror provocado.


Quando as portas do apartamento de Anpu se
fecharam, Alison começou a gargalhar. Ela
segurava a barriga, conforme se acabava de rir ao
lembrar-se da cara de pavor de Hasani.

— Você premeditou tudo isso?

Alison ainda gargalhava quando Anpu a


segurou pelo pescoço, empurrando a jovem contra
a parede. O guerreiro estava transtornado diante da
jovem e Amut se agitou, andando de um lado para
o outro.

— Você faz ideia do que acabou de fazer?


Acabou de se condenar a morte e pôs a vida de
Amut em perigo. — Anpu falou entre dentes. — Na
melhor das hipóteses, Amut terá de matá-la
amanhã, diante de toda côrte.

Alison pisou com toda força no pé do


guerreiro, conforme ele havia lhe ensinado e o
empurrou para longe.

— Ótimo. Se amanhã for meu último dia de


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vida, não se esqueça de olhar para mim. Porque


ainda verá um sorriso nos meus lábios enquanto
minha cabeça estiver rolando pelo chão. Eu viveria
inúmeras vidas insignificantes na Terra, mas não
viveria um dia em Thórun como escrava. Acha que
não percebo as coisas? Acha que não vejo como
mede cada palavra, como controla cada passo
diante dele? — Anpu a olhava com raiva. — Isso
não é viver, é sobreviver. Todos aqui sobrevivem,
temendo um Rei insano, um psicopata que brinca
de ser Deus.

— Você não sabe de nada, não sabe o que


está falando, porque não se importa com nada, nem
com ninguém. Existe uma hierarquia e isso precisa
ser respeitado. A última vez que a hierarquia foi
questionada, Thórun quase foi dizimado em uma
guerra tão sangrenta que todos os seus habitantes
cabiam nessa maldita montanha.

— Qualquer coisa é melhor do que isso.


Talvez você não se lembre da liberdade. Talvez ela
nunca tenha existido para você, mas eu sei, eu fui
livre e aquele monstro nunca vai me tocar. Eu
prefiro morrer a ter que entregar minha virgindade
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a ele.

— Virgindade não é valorizada em Thórun, o


único clã que valorizava foi dizimado na guerra.
Jovens, anciões e crianças, ninguém sobreviveu.
Então me diga, Alison, por que devo aceitar que
coloque a vida de meu Neteru em risco para
proteger a sua? Que coloque minha posição de
general em risco para protegê-la? Você foi egoísta.

— Vi crianças mutiladas pelos corredores


para que seu Rei não as tomem a força, vi criaturas
esplêndidas e poderosas, como os Neterus,
precisarem de dias para se recompor e esquecer
todo o horror que viveram nos depósitos onde
vivem. Não é egoísmo quando a maioria vivencia a
mesma dor. Do que adianta uma hierarquia quando
ela só dá privilégios a uns e esquecem de outros?
Eu não possuo magia, nem poder ou habilidades,
ainda assim, decidi lutar pelo o que acredito ser
certo. Então saia da minha frente Anpu, porque, se
esses são meus últimos minutos de vida, não quero
morrer cheia de vômito.

Alison retirou o vestido e entrou na banheira


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fumegante, seus pensamentos foram parar em


Edward, em seu país, em sua cidade. A jovem
sentiu saudade de quando seus problemas se
resumiam em não conseguir pagar os impostos ou
como se sentia destruída quando os Saints não se
classificavam para os playoffs. Agora estava diante
da morte novamente por lutar por aquilo que
achava certo.

Anpu foi chamado para comparecer diante do


Rei junto com seu Neteru. Alison ainda não havia
saído da sala de banho e, diante as circunstâncias,
poderia ser seus últimos minutos de alívio. O
guerreiro preferiu não avisá-la.
Anpu fez uma reverência diante de Hasani.

— Parece que o jantar foi um grande


desastre. — o Rei falou enquanto passava a mão
sobre os cabelos ainda molhados.

— Peço perdão, Majestade. — Hasani fez um


gesto de desinteresse.
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— Você já havia me avisado sobre ela, foi


um erro colocar um animal em uma mesa e esperar
que usasse talheres. Meu estômago ainda se revolta
só de lembrar. Eu chamei vocês aqui, porque não
pude deixar de notar que seu Neteru ameaçou dois
de meus guardas para proteger a humana.

— Sim Majestade, como o senhor mesmo


viu, ele se sente dono dela. — Hasani sorriu.

— Isso é muito interessante, porque há muito


que desejo que Amut se curve para mim. Agora
possuo algo que ele deseja. Pois bem, visto que
você ainda precisa da humana e que depois de
retirar sua magia, ela ficará sem serventia,
principalmente agora que não consigo sequer olhar
para ela, pensei em usá-la ao meu favor. — Hasani
estendeu o dedo onde se encontrava o anel. —
Curve-se para mim, Amut, e a humana será sua
para fazer o que bem entender. Poderá viver em
Thórun sob a sua proteção desde que não a traga
para os meus jantares.

Amut olhou dentro dos olhos de Hasani, o


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Neteru se levantou lentamente e caminhou até o


Rei, então flexionou as patas dianteiras até que seu
focinho encostou no anel real. Hasani aplaudiu
satisfeito com o resultado, porque havia quebrado o
orgulho do animal.

— A partir de hoje, você é o dono da


humana, mantendo a decisão sobre seu destino. —
Amut se virou para Anpu e havia a mais pura
alegria em seus olhos.

Anpu abriu um portal para dentro da sala de


banho e, antes que Alison pudesse gritar, Amut já
havia se jogado dentro da banheira e começado a
lamber o rosto da jovem.

— Você poderá viver em Thórun, Alison


Evans. A partir de hoje, você pertence à Amut.

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CAPÍTULO X

Você faz suas escolhas e suas


escolhas fazem você.
William Shakespeare
Alison se revirou na cama inúmeras vezes, o
corpo cansado pelos treinos intensivos das últimas
semanas a impedia de dormir. Embora sua ferida já
estivesse curada e ela mais do que agradecida por
não ter sido condenada à morte, ainda teria que
viver o resto de seus dias naquele planeta.
Agora ela era uma cidadã de Thórun e
choramingar por suas perdas não ajudaria em nada.
Uma conquista de cada vez, como pequenos passos
de uma criança que está aprendendo a caminhar.
De todos que respiravam naquele planeta,
estar sob a proteção de Amut era a melhor notícia.
Ela sabia que não importava o quanto aquilo
poderia parecer estranho, Amut possuía um bom
coração. Desde que pisou em Thórun, foi ele quem
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demonstrou mais humanidade.


Seus pensamentos rodopiavam por memórias
de uma vida que não lhe pertencia mais. Besteiras
insignificantes, as quais nunca deu importância,
agora apertavam seu peito. Tudo ali era diferente e
ela estava incerta se conseguiria.
A única certeza que possuía tão vívida quanto
sua existência era que não se entregaria. Teria que
se moldar, se ajustar a Thórun, mas aquele planeta
se ajustaria a ela também, porque, ainda que não
possuísse poder ou magia, possuía inteligência e
usaria tudo ao seu favor.
Alison tocou aquela presença em sua mente,
movimentou a magia que continha aprisionada ali.
Se ao menos conseguisse entender como aquilo
funcionava. A magia respondeu ao seu toque, viva
e atenta a cada movimento seu, Alison saltou na
cama ao sentir o poder despertar.
Durante o dia, treinaria seu corpo, mas,
quando a noite caísse sobre Thórun, ela aprenderia
a lidar com aquela presença constante do guerreiro.
Tocou novamente tão suave como uma pluma
e a magia acariciou sua mente e aquela barreira que
a prendia. Ela ergueu as sobrancelhas surpresa pela
resposta ao seu toque. Será que Anpu podia sentí-
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la?
Alison se levantou e caminhou descalça até a
cozinha, ela acendeu uma vela e observou que
Amut não se encontrava na almofada da sala. Foi
até a pia e tomou água. Retornando, parou de frente
a porta de Anpu e, por um instante, a mão
permaneceu sobre a maçaneta, ponderando se
deveria abrir.
Já havia tentando entrar ali antes, mas sempre
encontrara a porta fechada. A porta se abriu, havia
um armário embutido na parede de pedra e uma
pequena cômoda de madeira escura, era um quarto
simples e organizado.
Ela abriu a primeira gaveta e encontrou
várias folhas com desenhos. Espalhou os desenhos
sobre a cama e aproximou a vela para olhar. Levou
um susto ao ver um desenho dela deitada no chão,
ele havia desenhado a marca em sua testa e Amut
estava ao seu lado, inclinado sobre seu corpo.
Havia outros desenhos, várias espécies de Neterus e
um em especial fez seu estômago embrulhar. Os
olhos amarelos e a estrutura óssea retorcida, junto a
presas terríveis que a fizeram encolher. Juntou tudo
de forma apressada e devolveu cada folha para a
gaveta da cômoda. Havia muitas coisas que ela
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gostaria de saber, talvez entendesse melhor o


guerreiro.

Anpu abriu a porta do quarto e o cheiro da


jovem invadiu suas narinas, ele parou diante da
cômoda inspirando a presença dela ali. Ele não
sabia ao certo seus motivos para ter entrado no seu
quarto, mas, se tratando de Alison, poderia esperar
qualquer coisa.
No dia seguinte, teriam uma conversa, mas
não hoje, estava exausto, havia levado Amut para
caçar e tudo que queria era um banho e algumas
horas de sono.
Ele mal acreditou quando se viu deitado em
sua cama, perdido em seus pensamentos. A ligação
da jovem com seu Neteru era algo que ainda o
incomodava, pareciam cada dia mais próximos e ter
sua magia presa dentro dela o deixava ainda mais
inquieto. Diante dos acontecimentos recentes, a
presença da humana em sua vida era uma realidade
a qual teria que lidar.
Anpu esperava que o cansaço afastasse suas
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preocupações quando um grito soou pela casa. Ele


correu para o quarto dela com Amut em seu
encalço e o que ele viu o assombrou. Alison se
contorcia na cama com os olhos revirados, ocultos
no globo ocular. A marca brilhava em sua testa,
Anpu se aproximou devagar, observando os
detalhes que lhe faltaram da última vez que vira
aquela marca. Ele segurou a cabeça da jovem entre
suas mãos e sussurrou.

— Alison, acorde. — Anpu a puxou para si e


a jovem o encarou, parecendo sair do transe.

— Ele vai morrer. — falou com a voz


embargada.

— Quem vai morrer?

— Edward. Eu preciso voltar, Anpu, por


favor. — A marca ainda estava aparente, sumindo
lentamente de sua pele pálida.

— Você não pode voltar, Hasani não


permitiria. Você teve apenas um pesadelo.

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— Não. Eu sei o que eu vi.

— Não importa, Edward não é mais


problema seu. — Alison se encolheu, segurando os
joelhos.

— Só preciso avisá-lo que estou bem.

— Como sabe que o que viu é verdade? O


que você não está me contando? — Alison soluçou.

— Já aconteceu antes.

— O que aconteceu antes? — Ele estreitou os


olhos.

— Os sonhos. No dia em que cheguei a


Thórun, eu estava fraca e com dor. Eu lembro que
senti muito medo e, por um momento, eu tive um
sonho. Vi uma flor azul, foi tão real que pude sentir
seu perfume. Eu ouvi uma voz que disse: Pegue,
não a deixe para trás. Quando abri meus olhos,
Amut estava me cheirando e o resto você já sabe.
— Anpu ergueu as sobrancelhas.

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Alison olhou para Anpu enquanto suas


lágrimas escorriam descendo até o decote de sua
camisola.

— A marca em sua testa está evidente como


naquele dia. — Anpu sentou ao lado dela e passou
o polegar sobre sua testa.

— Quando eu vi aquela flor, eu soube que era


real. Quando eu senti aquele cheiro, eu soube o que
precisava fazer. — Anpu franziu as sobrancelhas,
desviando o olhar. Seu maxilar pulsou, conforme
ele cerrou os dentes. O guerreiro se esforçava para
compreender.

— Me conte o que viu. — Ele ordenou.

— Vi o Edward se jogar de um prédio, senti


o cheiro do perfume dele. Ele queimava como brasa
enquanto caía.

— Ele é seu macho?

— Não, ele é a minha família. — Anpu


passou a mão sobre o cabelo, não sabia o que
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pensar sobre aquilo.

— Você não pode contar isso para ninguém,


entendeu? Sobre os sonhos, sobre querer voltar
para o seu planeta. Nada disso pode sair daqui. Se
Hasani desconfiar e vir me perguntar, não vou
poder mentir.

— Você não vai me ajudar? — Alison falou


entre soluços.

— É mais complicado do que você imagina,


a magia pode ser rastreada, é como uma digital.
Abrir um portal para outro mundo deixaria uma
marca que não passaria despercebida. Todos os
olhares estão em você e Hasani possui mais espiões
do que você imagina. Voltar para a Terra seria
suicídio para você e para qualquer um que abrisse o
portal. — Alison fungou.

— Não posso ficar aqui sabendo o que vai


acontecer com Edward.

— Não tenho o que fazer, mas vou pensar em


alguma coisa. Eu dou a minha palavra. — Alison
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balançou a cabeça concordando.

— O que isso vai me custar? — Anpu sorriu.

— Você pertence à Amut agora, costumamos


cuidar dos nossos. Ele me mataria se eu perdesse
seu bicho de estimação. — Alison riu em meio às
lágrimas, fazendo com que escorresse ranho pelo
nariz.

— Não vou devolver sua magia.

— Posso imaginar que não, deve estar


adorando ter parte de mim dentro de você. — Ele
abriu um sorriso largo.

— É só por garantia caso ainda tente me


matar um dia. — Ela sorriu.

— Esse palácio pode parecer seguro, mas é


aqui que vivem os verdadeiros monstros. Não
confie em ninguém. — Alison ergueu as
sobrancelhas.

— Nem mesmo em você?


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— Especialmente em mim. — Ele sorriu. —


Eu não faria algo para te prejudicar, mas preciso
que saiba que fiz um juramento de lealdade a
Hasani. Se ele me perguntar, não vou mentir. —
Anpu olhou nos olhos dela e depois para aquela
mancha de lágrimas que deixava a camisola de
Alison mais escura.

— Se eu não puder contar com você e com


Amut, estarei sozinha. — ela sussurrou.

— Acredito que sempre vai poder contar com


Amut. Comigo as coisas são mais complicadas,
principalmente se continuar entrando no meu
quarto para mexer nas minhas coisas. — Alison
abriu a boca para falar, mas apenas suspirou. —
Escreva uma carta para o humano, talvez eu
consiga enviar.

O sorriso de Alison era uma mistura de


alegria e tristeza, o mais importante era avisar
Edward de que ela estava viva e bem. Então, um
dia, ela estaria diante dele e o esfolaria vivo por
pensar em fazer tal coisa. Alison passou a mão
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sobre a testa, buscando sentir aquela marca.

Treinar depois de uma noite mal dormida não


era exatamente o que Alison desejava. Depois de
ser alvo de risadas constantes, conforme era
arremessada ao chão diversas vezes por Mica, a
jovem estava no seu limite. Sua mente não estava
ali, mas seu corpo constantemente massacrado pela
guerreira sim. Anpu havia a colocado para treinar
com Mica depois que percebeu que seu humor
estava péssimo.

— Você deveria ter comido pó de ossos de


lebre negra hoje. — Mica falou sorrindo.

— Eu deveria era ter dormido por mais cinco


horas. — Alison respondeu enquanto se defendia
dos golpes de Mica.

— Se continuar assim, vou te colocar para


dormir logo, logo.

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— Seria um favor, não dormi nada essa noite.

— O que você andou fazendo a noite toda?


— Mica parou para olhar a jovem com malícia.

— Pensando. — Alison chutou e Mica fez


cara de dor.

— Humanos são estranhos, você tem o dia


inteiro para pensar. Por que usa a noite?

— Meu cérebro é enorme, não dá conta de


pensar tudo que precisa durante o dia. — Alison
falou sorrindo.

Anpu havia saído antes de o treino acabar e


Alison se deitou no chão logo após o general sair,
pedindo misericórdia. Mica havia explicado que a
notícia do que ocorreu no jantar com Hasani havia
se espalhado, eles a chamavam com uma expressão
que podia ser traduzida como "Bicho de Amut".
Considerando que o Neteru poderia facilmente
matar qualquer um ali, Alison não se importava, ela
estava viva, isso bastava.
Mais tarde, Alison estava sentada ao lado da
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amiga diante da refeição quando Anpu bateu na


porta de Jeisan. Seu semblante fechado e suas
feições duras eram sempre uma incógnita para ela.
Alison se levantou, esperando por uma resposta.

— Preciso falar como você. — A jovem


caminhou até o guerreiro e, para sua surpresa, ele
abriu um portal. Ela logo percebeu que estavam do
lado de fora, na base da montanha, onde Amut o
aguardava.

— Você vai conseguir avisá-lo?

— Vou passar três dias fora com Amut,


ordeno que fique na casa de Jeisan e não saia sem a
presença de Mica.

— Você não ordena nada, Anpu, não é mais


meu dono. — Alison olhou para Amut que abanava
o rabo para ela. — Vai conseguir avisar o Edward?

— Isso depende de você, sou seu general e


seu anfitrião. Amut é meu Neteru, portanto, ainda
ordeno, goste você ou não. — Alison bufou.

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— Está bem, vou grudar na Mica como um


chiclete. — Anpu franziu a testa.

— Escreva a carta. — Ele entregou uma


folha e uma caneta. — Niala está na Terra,
convenci Hasani que preciso que ela fique de olho
nas autoridades, devido à vida do humano que eu
tirei. Vou enviar uma mensagem para ela e
aproveitar para entregar sua carta. — Alison
trincou os dentes, trocando o peso do corpo,
incomodada com a lembrança de Ian. A jovem
olhou para a caneta.

— Achei que usavam magia para escrever.

— Não desperdiçamos magia.

Alison escreveu um bilhete curto, falando


apenas que estava bem. Usou palavras que Edward
reconheceria, como sendo verdadeira. Dobrou o
papel em formato específico de um avião,
conforme Edward havia lhe ensinado quando era
criança. Anpu não a questionou e abriu novamente
um portal. Ela acariciou Amut e lhe desejou boa
sorte, atravessando sozinha para dentro da casa de
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Jeisan. Ambos a aguardam para o almoço e


olhavam como quem esperava uma resposta.

— Anpu vai ficar fora por três dias, ele pediu


se eu posso ficar aqui. — Jeisan ergueu as
sobrancelhas. — Bom, na verdade, ele ordenou que
eu ficasse aqui e que não vá aos treinos enquanto
ele estiver fora. Ele também quer que a Mica fique
comigo. — Mica abriu um sorriso animado olhando
para o pai.

— Se Anpu ordenou, será cumprido. — disse


Jeisan antes de começar a se servir.

A última parte não era bem uma verdade,


mas Alison resolveria isso com Anpu, quando ele
retornasse. Agora teriam três dias inteiros para
estudar o idioma e evitar os treinos exaustivos que
deixavam seu corpo à beira de um infarto.
Naquela tarde, ambas ficaram sozinhas com
Fukayna, que seguia Mica para todos os lados da
casa. O Neteru parecia estar se habituando bem a
nova vida.

— Olha o que ensinei para Fukayna. — Mica


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falou animada. — Fukayna, meu amor, estou com


sede.

O Neteru caminhou desajeitado até a cozinha,


abriu a torneira com o bico largo e encheu o bico de
água. Ao voltar, derramou no rosto de Mica. Alison
fez uma cara de nojo.

— Não deveria estar ensinando-a a matar ou


estripar alguém?

— Ah, isso ela já sabe fazer ou não teria


sobrevivido aquele lugar. — Mica secou o rosto
com a manga do uniforme. — Me trazer água pode
parecer nojento, mas pode salvar minha vida se eu
estiver presa ou machucada. — Alison deu de
ombro.

— Faz sentido. — Fukayna piou manhosa,


colocando o pescoço sobre o ombro de Mica por
trás do sofá onde estavam sentadas. — Ela parece
muito melhor.

— Ela está sim. Estava um pouco apreensiva


de trazê-la por causa de Zara, mas as duas se deram
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muito bem. Meu pai acha que eram amigas no


subterrâneo.

— Por que eles vivem no subterrâneo?


Fukayna chegou tão assustada, não me parece um
bom lugar.

— Não é, Neterus são prisioneiros. Aquele


lugar é uma prisão, um depósito horrível. Eles só
podem sair quando encontram um parceiro. Mas
isso é uma longa história. — Mica falou pesarosa.

— Uma longa história que eu adoraria ouvir.

— Acredito que Anpu é quem deva lhe


contar essas histórias.

— Anpu não tem tempo para histórias. Basta


meia dúzia de palavras que já está gritando comigo.
Agora esse é meu mundo, não que eu tenha
escolhido, mas já que estou aqui, quero conhecer.

— Se eu contar, não vai me dedurar.

— Eu juro que não vou. — Mica sorriu.


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— Há muito tempo, quando meu pai era


apenas uma criança e Anpu ainda estava na barriga
de minha avó, Thórun era muito diferente. Os
Neterus viviam livres e nosso clã habitava as
planícies de Nissan. Éramos um povo diferente do
que você conhece hoje. — Mica suspirou. —
Subíamos para essa montanha junto com outros
clãs apenas na primeira lua nova de cada ano.
Trazíamos nossas oferendas para Anúbis, o Deus o
qual descendemos. Nossos anciões eram
responsáveis pela cerimônia de passagem, guiando
as almas até Anúbis. Não éramos guerreiros e nossa
magia não feria, ela apenas consolava. Quando a
vida se findava para qualquer cidadão, eram
levados para nossa cidade em um cortejo, nossos
anciões faziam o ritual de passagem.

— E os desgarrados? Não atacavam vocês?

— Não existiam desgarrados, Thórun vivia


em harmonia. O clã real era composto pelos Rá-
Thóth, um povo pacífico e sábio. De tempos em
tempos, os Rá-Thóth eram agraciados com um
oráculo. Eram fêmeas que nasciam com o dom de
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prever o futuro, virgens que dedicavam suas vidas


para os Deuses. Somente um Rá-Thóth podia tocar
a pedra de Thuran e por isso governavam.

— O que é a pedra de Thuran? — Mica


ergueu as sobrancelhas.

— É um artefato poderoso que carrega a


essência dos Deuses. Ela criou tudo que você vê
aqui e até mesmo aquilo que não pode ver. Criou
nosso planeta, nos criou e criou a humanidade
também. Tudo que existe dentro e fora desse
mundo, inclusive a Terra e todo seu sistema solar.
— Mica falou com orgulho.

— Acredito que essa pedra vai precisar entrar


na fila para ganhar os créditos por ter criado a
Terra. — Mica sorriu.

— Não podemos culpá-los, a memória da


humanidade foi apagada. — Alison ergueu as
sobrancelhas.

— Isso é outra história, para outro dia.

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— Está bem, continue, por favor.

— Os Hathor eram o clã em maior número,


um povo abençoado pelos Deuses, tudo que
tocavam crescia e prosperava. São trabalhadores
habilidosos e realizavam o plantio e dominavam o
comércio. Viviam na cidade de Azires, o clã mais
próximo da montanha de Rá. Não possuem grande
magia, mas às vezes os Deuses os agraciam com o
poder de cura, que beneficiava a todos os cidadãos
de Thórun.

— Osíris.

— Sim. — Mica sorriu. — O nascimento de


um curandeiro era festejado por todos e trazia
honra para seu clã. Todos os cidadãos de Thórun
desciam até Azires para prestigiar a criança com o
dom. A criança era erguida diante do povo e
recebia presentes, meu pai disse que era uma
cerimônia linda.

— Hasani é um Rá-Thóth?

— Não, Hasani é um Rá-Seth, um clã que


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vivia nesses palácios desde sempre. Eram a própria


côrte do Rei, emissários predispostos para política.
A passagem da coroa não era feita por
descendência, qualquer Rá-Thóth, sendo oráculo ou
não, podia participar do ritual de Maat. Cada
candidato deveria cumprir uma jornada,
demonstrando coragem e honra. Os próprios
Deuses se encarregavam do planejamento. No final,
seu coração seria pesado contra a pena da verdade.
Se o coração fosse mais leve que a pena, seria
coroado. Um Rá-Seth jamais deveria governar. —
Mica falou em um sussurro.

— Hasani é um usurpador? — perguntou


surpresa.

— Sim.

— Como?

— Não propriamente Hasani, já que era


apenas uma criança. Seu pai, Sebak, que era o
braço direito do Rei Airon, corrompeu todos do seu
clã e arquitetou um golpe tão sangrento que nem
mesmo os oráculos puderam prever. A magia dos
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Rá-Thóth não era para ferir ou para se defenderem,


mas existia um clã de guerreiros que guardavam o
clã real. Foram forjados da própria pedra de
Thuran, criaturas lindas, magníficas em sua forma
de guerreiro e extremamente letais quando na
forma animal.

— Se transformavam em animal? — Alison


perguntou curiosa.

— Não qualquer animal, se transformavam


em uma fênix, como se o próprio sol brilhasse em
Thórun. Eram poderosos e temidos, os Itemus eram
leais, como anjos que guardavam o tesouro de um
Deus. Soldados feitos para batalha, machos e
fêmeas, mas também animais. Não possuíam
vínculo afetivo, exceto por aquele que eram ligados
ao nascimento.

— Espera, como assim ligado ao


nascimento?

— Quando nascia um Rá-Thoth, nascia


também um Itemu e suas almas eram ligadas para
sempre. Vocês humanos chamariam isso de
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perfeição da natureza, nós chamamos de vontade


dos Deuses.

— Se os Itemus eram tão poderosos, como os


Rá-Seth puderam tomar o trono?

— Sebak não era como Hasani, que só pensa


em beber, comer e copular. Ele era ambicioso e a
inveja o consumia. O Rei o subestimou, todos o
subestimaram. Os Itemus, sempre tão presunçosos
com o poder que percorria em suas veias, não
perceberam seu plano. Sebak descobriu que os
Itemus ficavam vulneráveis diante da pedra de
Thuran. Dizem que os Deuses os fizeram assim
para que o poder não lhes subisse a cabeça. Sebak
deu uma grande festa para os Itemus e, quando
estavam andando por esses corredores
embriagados, Sebak roubou a pedra de Thuran. Até
então todos achavam que qualquer um que
segurasse a pedra sem ser um Rá-Thoth morreria na
hora. Mas não foi o que aconteceu. Primeiro, ele
exterminou todos os Itemus. Alguns tentaram lutar,
mas não foi difícil para Sebak matá-los com tanto
poder nas mãos. Depois ele matou oráculo por
oráculo, então matou cada membro do clã real,
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crianças, anciões, ninguém escapou.

— E os outros clãs? Não fizeram nada?

— O que poderiam ter feito? Sebak possuía a


pedra. — Mica olhou para Alison e uma lágrima
escorria em sua bochecha. — Alguns decidiram
lutar. — Mica balançou a cabeça em negação. —
Os Neterus subiram para a montanha, todos
reunidos. Alguns machos do meu clã e até mesmo
dos Hathor, mas só para aumentar o banho de
sangue. — Mica limpou a lágrima com a mão. —
Todos morreram e, por punição, meu clã e os
Hathor perderam seus anciões. Os Neterus que
sobreviveram foram aprisionados na montanha e os
que escaparam se tornaram criaturas perigosas e
sem honra. Os Hathor passaram a servir como
escravos aqui e lá fora. Plantam e sustentam esse
palácio para manter a vida de seus curandeiros que
foram trazidos para viverem aqui. Sebak torturou o
Rei até que ele lhe ensinasse como usar a pedra
para criar. Ele fez uma proposta ao meu clã, daria
poder inestimável a cada um e manteria suas
crianças a salvo desde que fizessem um juramento
de lealdade a ele e a seus descendentes. Meu avô
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era um dos mortos que lutou para defender seu Rei.


Minha avó grávida e com um filho pequeno não
teve outra opção se não ajoelhar-se a Sebak. —
Mica estava chorando ao contar sobre sua família.

— Não fique assim. Ela não fez nada de


errado, Mica. Apenas salvou os filhos.

— Naquele dia, os que se negaram a se


ajoelhar morreram junto com suas famílias.
Aqueles que ficaram, fizeram um juramento de
lealdade diante da pedra e ganharam esse poder
destruidor. — Mica fez a névoa negra oscilar em
sua mão. — Nos tornamos peças de um jogo em
que o prêmio é o poder. O juramento de nossos pais
garantiu a lealdade das regações seguintes, os que
nasceram depois deles estão presos ao juramento, a
cerimônia realizada é apenas simbólica e não há um
julgo mais pesado de suportar.

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CAPÍTULO XI

As pequenas mentiras fazem o


grande mentiroso.
William Shakespeare
Alison demorou a dormir naquela noite, Mica
havia lhe contado muitos segredos. Alguns deles
foram sussurrados em seu ouvido, tamanho era o
medo de proferir aquelas palavras em voz alta. Era
sobre isso que Anpu havia tentado avisá-la. Havia
um juramento de lealdade, mas não qualquer
juramento. Anpu, assim como todo seu clã que se
curvara a Sebak, estavam presos agora a Hasani,
não apenas com palavras. O juramento foi selado
com magia bruta e poderosa.
Alison havia feito progresso com o idioma, já
conseguia até pedir comida se necessário. Era como
se aquela língua fosse abrindo em sua mente de tal
forma que ela não sabia explicar. Possuía um
sotaque carregado, Mica rira dela algumas vezes,
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mas era compreensível sua pronúncia.


Mica havia contado sobre sua mãe, como fora
uma guerreira destemida, uma mãe e esposa
dedicada. Apesar de todas as histórias sobre ela, a
jovem não possuía lembranças. Ela havia perdido a
mãe ainda muito nova e, essa dor ambas
carregavam dentro do peito.
As noites que passou na casa de Mica não
foram agradáveis. Em partes por sua constante
preocupação com Edward e o assombro das
revelações, mas também por medo daquela marca
aparecer durante o sono e revelar seu segredo.
Anpu havia sido categórico. Não conte
a ninguém. Agora que sabia a verdade, Alison
estava certa de que, quanto menos soubessem sobre
ela, melhor.
A jovem estava encolhida na cama quando
um portal abriu em seu quarto. Anpu atravessou e
ergueu as sobrancelhas diante da camisola que
Alison vestia. Mica havia lhe dado algumas roupas
e ela não pudera recusar diante do bom gosto da
amiga.

— Por que está vestida assim?

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— O que foi? É só uma camisola. — Alison


puxou o lençol sobre seu corpo.

— Isso não parece uma camisola. — O canto


da boca do general se ergueu para cima.

— O que você entende sobre camisolas? —


Anpu deu de ombro.

De fato, o guerreiro não entendia, as únicas


roupas que costumava tirar de uma fêmea eram os
uniformes de treino das guerreiras com quem se
relacionava. Mas aquilo era diferente de tudo que já
vira, considerando que deveria ter sido sua sobrinha
quem lhe dera aquele pequeno pedaço de tecido
transparente. Anpu bufou, não queria pensar sobre
aquilo.

— Não acho que tenha vindo ao meu quarto


apenas para reclamar da minha camisola.

— Acredite, não estou reclamando. — Alison


revirou os olhos.

— Você conseguiu entregar a carta?


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— Sim. Quando eu abri o portal para falar


com Niala, eu o rastreei. Ele está morando nos
diques, no mesmo lugar onde eu abri o portal para
atravessarmos. Ele esteve ali algumas horas antes,
acredito que esteja à sua espera, então deixei a carta
lá.

— Como assim? deixei a carta lá. — Ela


imitou o sotaque dele. — Você não entregou para
ele?

— Não estava planejando entregar nas mãos


dele desde o início. Pelo que vi, ele só sai de lá para
comprar comida, provavelmente vai encontrar sua
carta. — Alison suspirou.

— Não sei se isso é suficiente, Anpu. Não


poderia pedir para Niala entregar para ele?

— Niala não é confiável, se possuir algo


contra mim, vai usar assim que houver uma chance.

— Nem posso imaginar o porquê, você é tão


simpático. — Anpu revirou os olhos.
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— Preciso voltar, ainda tenho alguns


assuntos para resolver. Amanhã, antes de escurecer,
estarei de volta, é melhor dormir, precisa acordar
cedo para o treino.

— Anpu, eu não vou ao treino, não estou me


sentindo muito bem.

— O que você tem? Está doente?

— Não necessariamente, estou indisposta. —


Anpu grunhiu.

— Você vai treinar, disposta ou não. Isso é


uma ordem.

— Não vou não. — Alison cruzou os braços.


— Eu tenho planos para amanhã, volto a treinar
quando você retornar. Sem falar que meu ciclo está
próximo e meu corpo inteiro dói.

O guerreiro caminhou até a jovem e a


arrancou da cama, atravessando um portal. Ele não
queria discutir ali, não na casa do seu irmão. Mas
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aquela humana precisava de uma lição.


Alison estremeceu diante do frio noturno,
percebendo que estavam na floresta.

— Quando eu ordenar, você vai obedecer,


entendeu? Não vou tolerar mais falta de respeito.
Se não me obedecer, vou deixá-la aqui para que
morra de frio. Vamos ver para que serve essa sua
camisola. — Alison gargalhou, porque Amut já
havia coberto ela com sua magia quente. Anpu a
soltou incrédulo e a jovem caminhou até Amut,
fazendo carinho entre suas orelhas.

— Você não é meu dono, Anpu, e eu não sou


mais sua escrava. — A jovem olhou para o Neteru.
— Amut, a Ali não está bem para treinar. Tudo
bem se eu faltar ao treino amanhã? — O animal
abanou o rabo, dando lambidas em seu rosto.

Ela lançou um olhar para Anpu com um


sorriso de vitória nos lábios. Que Anúbis o
ajudasse, porque aquele olhar era demoníaco.

— Não me admira que Niala não goste de


você.
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— Eu não disse que ela não gosta de mim e,


por mais que Niala seja a melhor guerreira de
Thórun, tem a decência de me respeitar. Se ela
trama contra mim, é pelas minhas costas.

— A capacidade de tramar pelas costas de


alguém não me parece uma boa qualidade. Posso
fingir e tramar contra meus inimigos, mas jamais
trairia a confiança de um amigo ou das pessoas que
amo. Bom, talvez uma pequena mentirinha
inofensiva, mas nada que vá prejudiar alguém.
Agora abra esse portal, porque quero voltar para a
minha cama quente. — Anpu grunhiu para ambos,
humana e Neteru.

A jovem fez uma reverência exagerada em


agradecimento quando o portal foi aberto. Sua
camisola decotada e curta mostrou mais do que
deveria e Anpu engoliu seco. Demônio, aquela
humana era um demônio e havia feito de sua vida
um inferno.

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O dia de Alison seguia como o planejado,


teriam um dia de beleza e relaxar era tudo o que
precisavam. A sala de banho da casa de Mica era
maior do que a de Anpu, assim como a banheira.
Fukayna dormia no chão da sala, sob o vapor que
fluía da banheira. De tempos em tempos, o Neteru
agitava suas plumas, recebendo o vapor em sua
pele.
Mica havia ensinado Alison a fazer um
hidratante para os cabelos à base de frutas oleosas e
raízes. Ambas repousavam na banheira
borbulhante, deixando que as águas levassem
embora todas as impurezas e preocupações.
Estavam com os cabelos devidamente hidratados e
a pele viçosa com os óleos que Mica havia
derramado na banheira.

— Anpu esteve em seu quarto ontem à noite.


— Mica abriu os olhos para olhar a amiga.

— Como sabe disso?

— Digamos que ele não tenha uma voz


suave. — Alison sorriu.
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— É verdade, suave e Anpu na mesma frase


não combinam. Ele só queria saber se estou me
comportando.

— Se fosse isso, teria aparecido no quarto do


meu pai e não no seu. Eu sei que ele levou você
para algum lugar. Não sei o que fizeram, mas foram
rápidos. — Mica gargalhou.

Alison ergueu a cabeça do encosto da


banheira para olhar para ela.

— Não fizemos nada além do que sempre


fazemos, brigar. Ele me arrancou da cama apenas
de camisola para o meio da floresta, porque queria
gritar comigo.

— Isso é porque ele gosta de você, machos


Anúbios gostam de provocar suas fêmeas. Quando
não tem nenhum interesse, apenas a ignoram. Se
você estava vestindo a camisola que eu te dei, ele
deve ter ficado perturbado.

— Eu não sou a fêmea dele e, mesmo de


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camisola, ele sequer me olhou.

— Todos esses anos ele nunca me deu um


único dia de folga do treino, mas pediu para que eu
ficasse para cuidar de você. Se isso não é gostar. —
Alison deu um sorriso sem graça.

— Ele não fez isso por mim, fez por ele


mesmo. Tem medo que eu apronte ou que alguém
venha atrás de mim.

— Espero que seja só isso mesmo, se meu tio


estiver gostando de você, ele vai sofrer muito.

— Ei, achei que fosse minha amiga.

— Eu sou, mas em Thórun é expressamente


proibido se relacionar com outros clãs. Imagina um
relacionamento entre um Thóruano e uma humana?
Para o bem de vocês dois, é melhor que isso não
aconteça. — Mica falou pesarosa.

— Duvido muito que aconteça, eu o odeio.


Ele me irrita...

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— Mais do que deveria? — Mica


interrompeu Alison.

— Com toda certeza.

— Talvez você também goste dele afinal. Seu


temperamento é parecido com as mulheres do meu
clã.

— O que você quer dizer com isso?

— Você sabe o que quero dizer.

— Você está enganada, Mica, Anpu matou


alguém inocente na minha frente. Nunca vou
esquecer o barulho do corpo do Ian se quebrando e
nunca vou perdoar. — Alison foi sincera, jamais
esqueceria o que ele fez.

— Anpu jamais mataria alguém inocente,


com toda certeza teve seus motivos.

No fundo, Alison esperava que aquilo fosse


uma verdade. Ela fechou os olhos procurando
relaxar, não pensaria nele, não ali durante o banho.
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Mica fez um penteado nos longos cabelos


dela e ajudou a fechar os botões do vestido. Ela
também escolhera um vestido para usar. Mica era
uma jovem bonita, sua pele bronzeada que herdara
da mãe, os cabelos negros como ônix, na altura dos
ombros, eram uma combinação exuberante. Os
olhos marcantes e levemente puxados para cima
eram como os do pai e do tio. Mas era a
personalidade da amiga que Alison acreditava ser
sua maior beleza. Mica era Mica, alegre,
espontânea e verdadeira, Alison agradeceria ao
próprio Anúbis um dia por ter lhe dado uma amiga.
Quando Jeisan entrou acompanhado de Anpu,
ambas estavam de pé diante da mesa posta.
Obviamente nenhuma das duas havia cozinhado, ou
a casa já teria virado cinzas, mas organizaram um
belo jantar. Flores enfeitavam a mesa e algumas
velas foram dispostas no aparador da sala de jantar.

— O que vamos comemorar? — Anpu


perguntou desconfiado.

— Seu retorno em segurança. — Mica


respondeu com um sorriso. Ela foi ao encontro do
tio lhe dando um beijo na bochecha.
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Alison serviu vinho para ambos os guerreiros


e Anpu estreitou os olhos para ela, como se um
monstro estivesse espreitando sob sua pele, pronto
para dar o bote.

— A última vez que você preparou um jantar


para mim era porque queria a permissão para ir a
uma festa dos Hathor. O que devo esperar dessa
vez? — Jeisan falou para a filha.

— Os Hathor dão festas? — Alison


perguntou empolgada.

— Ah, eles dão festas incríveis, mas papai


nunca me deixa ir!

— Se você nunca vai, como sabe que são


incríveis? — Anpu perguntou com um sorriso
malicioso para a sobrinha.

— Ouvi dizer. — Ela deu de ombros.

Eles se sentaram diante a bela mesa posta. O


cheiro do alimento era maravilhoso, fora trazido
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minutos antes dos guerreiros chegarem. Raízes


cozidas e carameladas, carne assada com batatas
vermelhas e salada de brotos flambados. Pães
recém-assados e crocantes fumegavam sobre a
mesa e molhos de aparência apetitosa estavam
dispostos em recipientes. Alison deu mais um gole
no vinho e sua barriga roncou.

— Desconfio que haja um monstro dentro de


você, não sei para onde vai tanta comida. — Anpu
sussurrou para ela e pode ver seu sorriso ainda
dentro da taça.

Se Alison chegasse apenas alguns


centímetros para a direita, seu ombro encostaria no
general. Ele havia escolhido o lugar
propositalmente, apenas para evitar aquele olhar
assassino durante a refeição.

— Decidimos fazer um jantar para vocês para


agradecer os dias de folga que tivemos de nossas
atividades. Foi maravilhoso termos esses dias
inteirinhos para nós. Obrigada, tio, eu não sei como
agradecer. — Anpu se enrijeceu e lentamente virou
a cabeça para olhar a humana que, no momento,
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virava o restante de vinho que havia em sua taça.

Alison olhou de forma carinhosa para Anpu


com um sorriso condescendente nos lábios.

— Realmente foi muito gentil de sua parte


pedir para Mica me acompanhar nesses dias em que
ordenou para eu não treinar. — O maxilar de Anpu
pulsou, conforme ele cerrou os dentes.

As sobrancelhas do guerreiro se estreitaram


enquanto ponderava se deveria abrir um portal ali
mesmo e arrastar aquele demônio para qualquer
parte de Thórun. Ele a torturaria por mentir e
manipular usando seu nome. Anpu sorriu para a
sobrinha.

— Fico feliz que tenha gostado, espero que


tenham aproveitado bem os dias de folga.

Mica começou a relatar empolgada tudo que


haviam feito. Como ensinara Alison a fazer o
hidratante, como suas roupas serviram na jovem e
que tudo ficara lindo nela. As palavras de Mica
pareciam distantes porque a mente de Anpu
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trabalhava enquanto a sobrinha falava e falava sem


parar. Uma mão tocou sua perna por baixo da mesa,
trazendo o guerreiro de volta para aquele mundo.

— Olha como ela está feliz, deveria me


agradecer. — Alison sussurrou enquanto acariciava
a perna do guerreiro por baixo da mesa com um
sorriso cínico nos lábios.

— Não se preocupe, querida humana. Amut


passará a noite toda fora com Zara, vão caçar. Terei
uma noite inteira para agradecê-la. — Anpu
sussurrou e Alison puxou a mão, desfazendo o
sorriso.

Por mais delicioso que estava aquele


alimento, a comida entrava arranhando sua
garganta. A jovem não havia proferido nenhuma
palavra depois da ameaça de Anpu.
Após o jantar, o guerreiro se despediu de sua
família e, assim que a porta se fechou, ele agarrou o
braço de Alison e abriu um portal. Para o inferno
que iria caminhar até em casa. Alison suspirou
quando sentiu o cheiro do apartamento, de certa
forma, havia sentido saudades. Apesar da casa de
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Mica ser confortável, aquele apartamento era


aconchegante.

— Eu vou trocar de roupa, então podemos


conversar. — Anpu gargalhou.

— Não, você não vai, nós não vamos


conversar. — O guerreiro a segurou pela garganta e
a pôs contra a parede. — Eu vou falar e você vai
me ouvir. Nunca mais minta para minha família
usando meu nome. Nunca mais me desrespeite na
frente de qualquer cidadão de Thórun ou vou me
esquecer de que meu Neteru a ama e vou provocar
um acidente, que nem Amut vai questionar. Se
você fizer algo parecido como o que fez hoje, eu
juro, Alison Evans, que não sobreviverá mais uma
única noite em Thórun. — Anpu largou a jovem,
que caiu no chão tossindo e buscando por ar.

Ele foi direto para a sala de banho, proferindo


xingamentos que Alison agora conseguia
compreender. Ela permaneceu ali sentada no chão
e pôs as mãos na garganta, onde ele havia apertado,
sua pele estava dolorida. Quando Anpu retornou,
encontrou a jovem com os olhos marejados, ela
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mantinha uma das mãos na garganta, no local onde


ele havia apertado.

— Me diga como se sentiu quando fez o


juramento de lealdade a Hasani? Deve ser bom
poder jogar toda culpa naquele juramento, quando
na verdade você adora matar.

— Não sei do que você está falando.

— Fico imaginando se os soldados te


respeitam por ser um bom líder ou por que sabem
que você é um assassino?

— Você é uma mentirosa, manipulou meu


irmão e minha sobrinha, mentiu descaradamente
em meu nome. O que achou que iria acontecer?

— Todas as vezes que eu tento acreditar que


você é justo e que só me torturou porque estava
preso a um juramento, não consigo, porque sempre
me lembro do Ian, do barulho que o corpo dele fez
enquanto se afogava no próprio sangue. Hasani
nunca te pediu aquela morte, mas você não resistiu.
Aquele humano tão vulnerável em suas mãos. —
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Alison retirou a mão do pescoço revelando uma


marca vermelha do tamanho da mão do guerreiro.

— Você não sabe o que está falando, não


sabe de toda a verdade. — ele falou com pesar.

— Mas sei que essa é a última vez que você


toca em mim. Na próxima vez que me machucar,
vou esperar você dormir e então vou cravar um
garfo bem no seu peito. — Ela soluçou.

— Um garfo? — Anpu riu. — Se quer matar


alguém, precisa cravar uma adaga e não um garfo.
— Alison bufou entre as lágrimas.

— Eu não tenho uma adaga, então vou cravar


um garfo. — Ela gritou com a voz embargada. —
Muitos garfos, todos os garfos dessa casa, até que
você morra de hemorragia. — Anpu a puxou pelo
braço, trazendo ela para perto.

—Vou te mostrar uma coisa. — Ele colocou


as mãos na lateral da cabeça dela e a magia do
guerreiro se conectou com a parte dele que estava
em sua mente.
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Alison viu cada memória de Ian que o


guerreiro havia acessado. Cada pensamento de Ian
quando estivera diante dela, as lembranças do que
ele fizera e as vidas que ele destruiu. Ela abriu os
olhos, estava ofegante ao constatar que Ian não era
quem ela imaginava, até mesmo durante os
momentos enquanto olhava para ela, seus
pensamentos eram perversos e cheios de más
intenções. Seu estômago embrulhou.

— Todo esse tempo, senti raiva de você pelo


que fez a ele. Por que não me mostrou?

— Não achei que seria necessário.

— Eu gostaria que tivesse me mostrado isso


antes.

— Agora você sabe a verdade e preciso que


entenda que esse não é o seu mundo. As regras são
diferentes, se quer sobreviver, precisa aprender.
Chorar e se lamentar porque ficou com o pescoço
roxo não vai adiantar, só vai mostrar sua fraqueza.
Existem machos e fêmeas que vivem em Thórun
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sem magia, mas nenhum deles ousaria me


desobedecer. Mesmo aqueles que podem lutar de
igual, não o fazem.

— Não estou acostumada a ficar cumprindo


ordens.

— Você precisa achar seu lugar aqui. Se não


quer ser uma criada e quer andar por Thórun cheia
de opiniões, com esse olhar altivo, então imponha
respeito. Mas antes de tudo precisa saber escolher
em que luta deve entrar. — Anpu olhou para ela
por um instante. — Não provoque quem não pode
vencer e vá treinar todos os dias, porque, com esses
braços finos aí, até uma cozinheira te dá uma surra.
— Alison assentiu.

— Da próxima vez que tentar me machucar,


vou arrancar as suas bolas e enfiar na sua boca,
agora preciso dormir, amanhã o treino é cedo. —
Anpu sorriu.

— Bem melhor do que me ameaçar com


garfos. — Ela fez um gesto obsceno enquanto
caminhava para o quarto.
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Os pensamentos a perturbavam, não apenas


por ter descoberto sobre Ian, mas pelas palavras de
Anpu. Ela se virou na cama pensativa. Será que
existia um lugar para ela naquele mundo?

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CAPÍTULO XII

Pois a coragem cresce com a


ocasião.
William Shakespeare

Anpu a acordou na manhã seguinte, ordenou


que ela vestisse roupas quentes e lhe entregou um
cantil.

— Coma, vai precisar de energia. — Ele


colocou uma bandeja repleta diante dela.

— Você nunca me dá comida tão cedo.

— Apenas coma.

Eles subiram para a superfície da montanha e


ela percebeu que não se tratava de um treino
comum, havia apenas dois grupos, um com os
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guerreiros mais jovens e outro pequeno grupo de


guerreiros. Cada guerreiro que possuía um parceiro,
mantinha seu Neteru ao lado.
Não eram muitos, ela pôde contar em média
uns trinta Neterus e Fukayna estava ao lado de
Mica.
Alison se posicionou próximo aos guerreiros
mais jovens e seus olhos percorriam na direção de
cada Neteru ali presente, ela estava impressionada
com a variedade de espécies.
O general dava algumas instruções, seu tom
de voz era motivador, apesar de que ela não
conseguia compreender grande parte do que ele
dizia. Havia certa tensão sobre o grupo e logo todos
começaram a caminhar na diração da plataforma de
treino. Para cada grupo de cinco jovens guerreiros,
um guerreiro ou guerreira experiente os
acompanhava.
Mica olhou para Alison antes de se juntar
com seu grupo, até mesmo ela parecia aflita.
Naquele momento, a jovem soube que não seria um
bom dia.
Alison se manteve parada enquanto todos
caminhavam e atravessavam o portal gerado pelo
líder de cada grupo. Anpu conferiu a adaga que
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carregava na bota, amarrou os cadarços e caminhou


na direção da jovem.

— Vamos.

Ela olhou para onde todos estavam


atravessando e seguiu o general na direção oposta.

— Não vamos com eles?

— Não. — ele falou sem olhar para ela.

— Por quê?

Anpu abriu um portal e Amut atravessou,


Alison olhou para ele esperando uma resposta, mas
o general apenas gesticulou para ela.
A humana atravessou para a base da
montanha e o aguardou com os braços cruzados.

— Por que não fomos com eles?

— Você não sobreviveria. — Alison ergueu


as sobrancelhas.

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— O que eles vão fazer?

— Você fala demais. — Anpu começou a


descer na direção da floresta, ela bufou.

Ela seguiu o guerreiro, não tinha a intenção


de ficar para trás novamente. Amut se manteve por
perto, enquanto eles seguiam para dentro da mata
fechada.

— Por que estamos caminhando se você pode


usar os portais? — Anpu seguiu em silêncio sem
olhar para trás.

Ela estava incerta se conseguiria se manter


obediente por muito tempo, principalmente agora
que ele insistia em ignorá-la. O guerreiro se
mantinha a frente, abrindo caminho entre os galhos
na mata densa. Eles caminharam por horas em
silêncio, o único barulho vinha dos resmungos
inaudíveis da humana inconformada. Ele poderia
abrir um portal e chegar a seu destino facilmente,
mas aquilo era um treinamento. Se ela fosse uma
criança Anúbia, estaria sozinha a própria sorte para
aprender a sobreviver, mas crianças em seu clã
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eram cada vez mais raras, fazia décadas que


nenhuma criança Anúbia nascia em Thórun.

— Eu estou cansada, com fome e com sede.

— Você trouxe um cantil com água.

— Já bebi tudo. — Anpu parou para olhar


para ela.

— Por que fez isso?

— Eu não sabia que íamos se enfiar no meio


da floresta por tanto tempo. — Ela deu de ombros.

— Agora você sabe e estamos longe do ponto


em que vamos acampar.

— Acampar? — Alison suspirou, deixando


os ombros caírem. — Você sabe que posso morrer
de frio à noite.

Anpu seguiu o caminho, saboreando cada


espinho que grudava nela, fazendo a humana
espraguejar. Era uma boa lição após os três dias de
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folga. Quando chegaram ao alto da colina, o


general atravessou a fenda sobre uma nascente,
passando por um tronco que servia de ponte. Alison
paralisou ao olhar para baixo, conferindo a altura.

— Você quer que eu atravesse por esse


galho?

— Isso é um tronco, não um galho.

— Eu posso morrer se cair dessa altura. —


Havia medo em sua voz.

— Então não caia. — Alison olhou para


baixo e se sentiu tonta.

Um lago magnífico de águas turquesa


esperava no final da queda.

— Anpu, eu tenho medo de altura.

— Ótimo, o treinamento é exatamente para


que perca o medo. Abra os braços para se equilibrar
e use sua visão periférica para ver onde vai pisar,
mas se mantenha olhando para frente.
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— Eu prefiro olhar para baixo.

— Se olhar para baixo, vai ficar com


vertigem.

Alison subiu na ponta do tronco e deu o


primeiro passo. Seu coração estava acelerado, mas
ela seguiu as ordens do guerreiro, dando um passo
de cada vez.

— Se eu cair dessa altura, eu morro?

— Provavelmente a queda não a mataria.

— O que quis dizer com a queda não


mataria? — Alison começou a hiperventilar quando
olhou para baixo.

— Se concentra, olha para frente e caminha.


— Anpu subiu na ponta do tronco.

Toda estabilidade que ela possuía se perdeu,


não conseguia ir para frente nem para trás. O medo
havia tomado conta dela, porque o que espreitava
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sob aquelas águas lhe causara arrepios. Anpu se


aproximou e segurou sua mão.

— Está tudo bem, olhe para mim. Respire,


não vou deixar você cair. — Ela inspirou devagar,
levando ar aos pulmões. — Vamos juntos sem
olhar para baixo.

Um passo após o outro eles chegaram do


outro lado e ela se jogou no chão desejando beijar o
solo.

— O que é aquilo nas águas?

— Criaturas famintas. Sua primeira lição de


hoje: Nunca deixe o medo a vencer ou vai virar
comida de alguma coisa. Não chegue perto ou
toque qualquer coisa azul, essa cor em Thórun
significa alerta. Se for azul e pequeno, saia de
perto. Se for azul e grande, corra o mais rápido que
puder. Se a água for azul, não entre, não beba. Isso
vale para tudo, animais, insetos e plantas.

— Amut parece Azul com o reflexo da


claridade.
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— Por que acha que ninguém chega perto


dele? — Anpu sorriu. — Amut é um Neteru muito
poderoso, talvez o mais poderoso de todos eles.

— A flor que você usou para colocar na água,


quando fui mordida, era azul.

— Contraveneno, o veneno da flor retarda o


veneno da tecedeira. — Alison balançou a cabeça
em negação.

— Se eu tivesse caído?

— Era só lançar aquele seu olhar demoníaco


que as criaturas sairiam correndo com medo de
você. — Anpu sorriu e lhe ofereceu a mão para
ajudá-la a levantar.

— Para onde nós vamos?

— Achar água antes que você morra


desidratada e é melhor economizar a água do cantil,
porque passaremos alguns dias na floresta.

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— Dias? — ela falou exasperada.

— Sim.

— Por quê?

— Porque você é burra e aposto que levará


uma semana para encontrar o caminho de volta. —
Ela olhou para ele com a boca entreaberta.

— Então é isso? Esta me levando para o meio


do nada para me deixar sozinha?

— Eu até queria, mas você não teria a menor


chance.

— Não consigo ver um propósito nisso. —


Ela resmungou.

— Eu tenho dois propósitos, quero chegar ao


templo de Karnak antes do anoitecer, o que
significa que temos uma longa caminhada. É um
ótimo exercício. — Ele ponderou.

— Karnak? O verdadeiro tempo de Karnak?


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— Ela sorriu animada apressando os passos.

Anpu caminhou tendo que a ouvir contar


animada todas as suas pesquisas sobre o Egito
antigo, os faraós e todos aqueles humanos que, de
certa forma, sabiam muito sobre Thórun. Ela
comparava a semelhança na escrita, o
comportamento e até mesmo na arquitetura tão
avançada para um povo primitivo.

— Não vejo a hora de poder entrar no templo


e comparar com a arquitetura egípcia.

— Você não vai entrar no templo.

— É claro que eu vou.

— Você não pode. — ele falou irritado.

— Por quê?

— Você é humana, vai profanar o templo.

— Você não sabe o que está falando, nunca


nenhum humano entrou lá. Como sabe que é uma
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profanação?

— O templo é um lugar para nos


conectarmos com os Deuses. Você serve a um Deus
humano, isso basta para mim.

— Mica me disse que também fomos criados


pela pedra de Thuran, assim como vocês. Então não
somos tão diferentes, apenas mais amados pelos
Deuses, já que nos deram um sol e oceanos. —
Anpu revirou os olhos.

— A criação da humanidade não foi


planejada.

— Ainda assim temos estrelas no céu. — ela


falou em tom de ironia.

— Nós possuímos magia. — Anpu falou


triunfante.

— Nós somos livres. — Alison deu de


ombros, fazendo o general se calar.

Anpu não havia mencionado que seu segundo


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objetivo era levá-la ao limite da exaustão, como


punição por tê-lo desobedecido. Pela animação em
que ela caminhava, seu plano parecia frustrado.
O terreno por onde caminhavam se tornou
regular e passaram a percorrer por trilhas. A
claridade penetrava pelas copas das árvores, que
eram cada vez mais frondosas. Uma neblina baixa
cobria as folhas caídas, deixando o solo úmido.
Apesar do ar frio, eles suavam devido ao
constante esforço e às roupas pesadas. Amut havia
se distanciado, monitorando sempre à frente. Já era
próximo ao meio do dia quando Anpu anunciou
que fariam uma parada.

— Está vendo isso? — ele apontou para o


chão.

— Sim, o que é?

— Nosso almoço. — Alison colocou as mãos


na cintura e bateu o pé no chão algumas vezes. —
Você está em treinamento, vamos, rastreie o
animal.

— Como posso achar um animal que não sei


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como se parece?

— Você não só conhece com já comeu. Olha,


está vendo essa parte mais larga? — Ele apontou
para o rastro entre as folhas. — Ele se prende aqui
e arrasta o corpo para se movimentar, olha como o
rastro afina até ficar imperceptível.

— Ah, meu Deus, é o verme! — Anpu sorriu


e Alison fez cara de nojo.

— Vamos, rastreie, só vai comer se achar o


animal.

— Não sei se quero comer um verme gigante


de novo.

— Dois dias sem comer e vai sonhar em


achar um. — Alison comprimiu a boca e se abaixou
para seguir o rastro.

Ela caminhou atenta, seguindo na direção em


que o verme havia rastejado. Em um elevado de
terra remexida, havia uma toca escavada no chão.

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— Não foi difícil de achar, mas com vou tirar


ele daí?

— Use seu braço como isca, assim que ele


abocanhar, você puxa. — Anpu sorriu.

— Não tem graça, você deveria me ensinar


ao invés de ficar fazendo piada.

— Não estou fazendo piada, é assim que


pegamos.

— Não vou colocar meu braço aí, ele tem


uma boca enorme cheia de dentes.

— Então não vai comer. — Ela suspirou.

Não queria ser vencida por um verme


gigante, podia não ter magia, mas era esperta. Anpu
sentou na raiz de uma árvore com um leve sorriso
nos lábios enquanto a observava. Ela juntou alguns
gravetos e amarrou ao redor do pulso, usando o
cadarço da bota.

— Vou precisar da faca. — O guerreiro


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jogou para ela.

Alison colou o braço dentro da toca,


esticando os dedos para fora da proteção que havia
feito com a madeira. Não demorou muito para que
o animal abocanhasse seu braço, e ela o puxou para
fora de uma só vez. O verme se debateu no chão e
Alison o golpeou, atravessando a faca no corpo
borrachudo.
Antes que Anpu pudesse dar novas ordens,
ela retirou a proteção do pulso e começou a
preparar o animal. Sabia exatamente o que ele
estava fazendo, aquilo era um teste, se o general
estava esperando que ela fosse ficar ali tendo um
chilique como uma criança mimada, estava muito
enganado.

— É melhor fazer uma fogueira ou não vai


comer do meu verme. — Anpu ergueu as
sobrancelhas.

— Kuphus, o verme se chama Kuphus.


Sempre que encontrar o solo úmido em locais
fechados e de pouca luz, poderá encontrar alguma
toca. Amanhã vou ensinar você a encontrar raízes
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comestíveis.

— Por que está fazendo isso?

— Você disse que queria aprender mais sobre


esse mundo, estou te ensinando a sobreviver. —
Ela assentiu. — Se saiu bem hoje.

— Olha um elogio. — Anpu bufou.

Eles continuaram a caminhada pela floresta,


parando apenas para encher o cantil em uma
nascente. O caminho se tornava cada vez mais
aberto e as árvores frondosas começaram a se
distanciar.

— Precisamos fazer silêncio daqui em diante,


estamos nos aproximando da Alverca de Pehur.

— O que isso significa?

— Que não vai querer acordar as criaturas


que dormem lá. Eles são noturnos, então, se formos
silenciosos, não teremos problemas. — Alison se
encolheu, estava ciente que qualquer criatura com
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hábitos noturnos naquele planeta significava perigo


extremo.

A floresta se abriu em uma grande clareira e


o solo se tornou pantanoso, as botas afundavam até
os tornozelos, dificultando a caminhada. A bota
dela fazia um barulho de sucção cada vez que
desenterrava da lama e Anpu olhou para trás lhe
dando um olhar de aviso. Ela ergueu os ombros,
não sabia como ele conseguia ser tão silencioso
com todo aquele tamanho. As pegadas de Amut
eram claras na lama espessa, ele deveria estar logo
à frente.
Na parte em que o pântano se tornava mais
denso e profundo, era possivel ver as bolhas
borbulhando na superfície. Ela estava incerta do
que espreitava sob a lama, mas decidida a não
descobrir.
Quando o terreno se elevou e a lama ficou
para trás, pôde respirar aliviada, os passos se
tornaram mais rápidos. Tentando não pensar no
cansaço, só queria se afastar ao máximo daquele
lugar.
Anpu se sentou em um tronco na beira de um
córrego, retirou as botas cheias de lama e lavou a
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sola na água corrente. Ela se sentou ao lado dele e o


imitou. Anpu abriu um leve sorriso, porque talvez a
humana não fosse tão burra assim. Ela aprendia
rápido e, o mais importante, era corajosa. O
guerreiro estava convicto de que nenhuma fêmea
Rá-Seth teria atravessado a Alverca de Pehur, ainda
que um exército de Anúbios as escoltassem.

— A lama deixa as botas pesadas e um rastro


a ser seguido. — Anpu sussurrou quando percebeu
que ela o questionava em silêncio.

A lua branca se aproximava do horizonte,


deveriam estar perto do templo e ela estava exausta.
As botas de Mica eram um número maior do que
ela usava e o constante deslizar dos pés havia lhe
causado bolhas. Ainda assim, caminhava
determinada pela trilha na frente do guerreiro.
Estavam novamente dentro da floresta e as árvores
eram enormes e, em alguns momentos, passavam
por pequenas clareiras.
Um barulho se formou na trilha a sua frente e
ela parou assustada, Anpu, que vinha logo atrás,
caminhou apressado ao seu encontro. Amut
apareceu na curva da trilha correndo, o Neteru
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passou por ela e rosnou, seguindo na direção


oposta.
Alison não esperou para ver o que fez Amut
correr, ela se virou formando uma corrida e Anpu
já estava com as mãos estendidas para ela. O
general a ergueu sobre o galho de uma árvore e eles
subiram apressados e ofegantes. Anpu a empurrava
de forma ágil, levando-a cada vez mais para cima.
Quando chegaram à altura em que os galhos se
encontravam, o guerreiro sentou a puxando para
perto. Ele colocou um dedo na boca, pedindo
silêncio, enquanto um barulho aterrorizante surgia
de todos os lados. Galhos se quebrando ao som de
muitos cascos, o solo parecia estremecer, enquanto
uma manada despontava da mata, correndo abaixo
deles.
Alison se encolheu entre as pernas de Anpu e
ele tapou a sua boca com mão. De longe, pareciam
cavalos, porém, a pelagem era de um azul intenso.
Quando o rebanho passou, ficando apenas poucos
retardatários foi que ela viu as presas enormes que
ficavam para fora da boca.
Não eram exatamente como cavalos, a não
ser pelo tamanho, mas o dorço curvado e as orelhas
arredondadas davam o aspecto de grandes hienas.
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Anpu ainda mantinha a sua boca tapada, uma magia


fluía do guerreiro para impedir que o cheiro deles
se espalhasse com o vento. Eles se mantiveram
imóveis por um longo tempo, aos poucos, os
músculos dela começaram a relaxar e ela escorou
as costas em Anpu, o fazendo retirar a mão de sua
boca.
Os animais emitiam sons específicos se
comunicando entre eles e, quando aquele som ficou
distante, Anpu apontou para cima. No alto, havia
mais duas junções de galhos que formavam um
emaranhado como ninhos. Eles começaram a
escalar a árvore em silêncio, Anpu subia na frente,
depois a puxava para cima. Quando alcançaram o
ultimo estágio, chegando à base da copa, eles se
acomodaram sobre os galhos trançados. Não era
um lugar confortável, mas ao menos não cairiam se
caso dormissem.

— Vamos passar a noite aqui. — Ele


sussurrou.

— Está com medo que eles voltem?

— Estou com medo do que estavam fugindo.


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— Anpu retirou a túnica pesada de couro, a


colocando sobre os galhos, depois retirou a camisa
térmica, fazendo de travesseiro. O general se
acomodou fazendo um sinal para Alison. — Tire
sua roupa, não vai ajudar no frio, melhor usar para
dormir em cima.

Ela retirou o colete revestido de lã, colocando


ao lado dele e se deitou vestindo apenas a camisa
térmica.

— Vai parecer estranho, mas precisa de


contato ou, quando eu dormir, estará sem proteção,
é melhor tirar a camisa térmica. — Alison
comprimiu os lábios processando aquela
informação.

Ela deitou ao lado do guerreiro, colocando a


cabeça em seu ombro, a lua vermelha já nascia no
horizonte e a visão era linda ali de cima. A magia
quente repousou sobre ela quando a luz do planeta
se apagou. Ambos estavam desconfortáveis, mas
não tinha a ver com o lugar onde dormiam.

— Tudo isso é apenas para me treinar? — ela


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sussurrou.

— Não seja tão pretenciosa. Todos os anos


na mesma época eu faço esse percurso e venho até
o templo. Trazer você me pareceu uma boa
punição. — Ela sorriu.

— Apesar de estar cansada, eu gosto de estar


na floresta. — Ela se aninhou sobre o peito do
guerreiro. — Gosto de aprender sobre esse mundo e
adoraria entrar no templo amanhã.

— Talvez os Deuses não se importem. —


Sua voz saiu tranquilizadora.

Anpu olhou para ela na escuridão, os olhos


humanos eram estranhos à noite. Ela olhava em sua
direção, mas permanecia completamente cega. Não
pareciam os mesmos olhos inquisitores e
demoníacos que ele via durante o dia. Se ela fosse
uma criatura do seu mundo, certamente andaria sob
a luz.

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CAPÍTULO XIII

No mesmo instante em que


percebemos pedras em nosso caminho,
flores estão sendo plantadas mais
longe. Quem desiste não as vê.
William Shakespeare.
Eles caminhavam na direção do templo
quando Amut os alcançou. Alison estava
preocupada, mas Anpu havia tranquilizado, dizendo
que o Neteru estava bem. Kentags eram animais
ferozes e, apesar de estarem na cadeia alimentar de
um Neteru como Amut, enfrentar uma manada
assustada era suicídio.
Alison lutava para não mancar, as bolhas dos
pés estavam ainda mais doloridas que o dia
anterior. A jovem estava cansada, havia dormido
poucas horas, devido ao desconforto e ao
contrangimento que situação exigiu.
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Quando saíram da floresta e avistaram o


templo, ela suspirou aliviada. Um campo vasto
exibia a construção magnífica, um lago percorria a
lateral direita do templo, deixando a paisagem
ainda mais estonteante.
Ela abriu um sorriso ao olhar para cima
diante da construção monumental em blocos de
pedras.

— Há muita semelhança. — ela disse


maravilhada.

Duas esfinges gigantes de Neterus como


Amut estavam postas em grandes colunas. Alison
acariciou a cabeça do animal sorrindo e seus olhos
brilhavam diante do templo, tentando conter as
lágrimas.

— Você tinha razão, esse templo não foi feito


para humanos. — Sua voz saiu baixa quando
constatou que o templo não possuía abertura.

Anpu caminhou na direção das colunas, sua


mão repousou sobre a pedra espessa. Um portal se
abriu revelando o interior escuro, ele olhou para
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trás e gesticulou com a cabeça, dando a ela


permissão para entrar.
Um sorriso se formou nos lábios e ela
mancou até atravessar o portal. O lugar ficou
escuro até que Anpu iluminou o ambiente com uma
esfera de luz. Alison quase caiu para trás ao ver as
tapeçarias pintadas cuidadosamente, contando
histórias mais antigas que o seu mundo. As paredes
do corredor eram entalhadas em pedra e havia
beleza em todo lugar. O coração da jovem estava
disparado, foram muitos anos estudando sobre
aquele mundo sem ao menos saber que existiam de
verdade.

— Como os Egípcios podiam saber sobre


tudo isso?

— Houve um tempo em que nossos


ancestrais visitaram os humanos. No tempo em que
os decendentes diretos dos Deuses habitavam esse
mundo. Thórun vivia em escuridão e não havia
vida, era apenas um planeta frio e inóspito. Então
fizeram uma proposta para humanidade, usariam o
sol e dariam conhecimento em troca.

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— Então já existiu um acordo entre nossos


mundos? Incrível! — Ela suspirou passando o dedo
sobre os desenhos entalhados.

— Por longos anos até que os homens


desejaram mais do que deveriam.

— Isso explica como os Egípcios eram uma


civilização tão avançada.

— Já foram muito mais, o conhecimento foi


apagado de suas memórias. Nenhum humano
deveria saber sobre Thórun, o que restou foram
pequenas informações que foram registradas em
pergaminhos.

— Por isso se surpreenderam quando viram


que meu livro falava sobre esse mundo. Acha que
pode ser uma memória antiga de algum
antepassado que viveu na época do acordo?

— Difícil. Não tenho uma opinião sobre você


ainda. — Anpu caminhava tranquilamente com as
mãos atrás das costas. — Cheguei a cogitar que
você poderia ser fruto de um relacionamento
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proibido entre alguém do meu mundo com um


humano. — Alison parou para olhar para ele.

— Acha que seria possível? — Anpu deu de


ombros.

— Sinceramente, não sei o que pensar.


Quando olho para você e sinto seu cheiro, não vejo
nada além de uma humana. Mas você aprisionou
minha magia e possui uma marca que aparece
quando tem sonhos que se realizam. Isso não é
humano.

— Posso ter sido sequestrada por alguém do


seu mundo quando criança e ser vítima de
experiências macabras. — Ele sorriu. — Ah, faz
sentido! Há inúmeros relatos de pessoas que foram
abduzidas.

— Você não acredita nisso.

— Não mesmo. — Ela riu descontraída.

— Vem, precisamos de um banho e de


roupas limpas. — Ele a levou por uma escada que
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descia para o subsolo. Uma grande banheira


esculpida em pedra fumegava e Alison arfou. Anpu
acendeu as tochas dispostas na grande sala.

— Pode ficar com a metade da banheira


desde que se vire para tirar a roupa. — Anpu
ergueu as sobrancelhas.

— Por que vocês humanos sentem tanta


vergonha do corpo?

— Não é vergonha, é pudor. — Anpu ergueu


os ombros e ela sorriu. — Tem razão, da no
mesmo. Acho que é uma questão cultural. — Ela
caminhou para a extremidade oposta da banheira,
onde estava escuro, e começou a retirar a roupa.
Anpu sorriu, porque seus olhos viam melhor sem a
claridade das tochas.

Anpu retirou as roupas em meio à claridade,


ele sabia que ela estava olhando, mas não se
importou. Aquela era uma realidade em seu mundo,
não possuíam vergonha de seus corpos, tampouco
existia tabus sobre a sexualidade, ao menos não no
seu clã. Fêmeas e machos Anúbios tratavam o sexo
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com uma necessidade básica, não davam a ele


importância maior do que merecia. Os desejos
foram dados pelos Deuses para serem saciados e o
ato de copularem, quando existia uma atração
física, era tão comum quanto compartilhar uma
refeição.
Alison segurou o pé machucado e
massageou, ela gemeu baixo ao sentir uma fisgada
onde as bolhas se erguiam.

— Você precisa sair da água e manter seus


pés secos. — Anpu falou ainda recostado na parede
de pedra.

Mais tarde, quando estavam secos e


devidamente vestidos, Anpu enfaixou os pés da
jovem, aplicando um unguento.
Antes de Hasani proibir os rituais religiosos,
aquele templo abrigava inúmeras famílias que
faziam a mesma jornada para se conectarem com
Deuses o qual serviam. Havia um alojamento
rudimentar, porém, confortável, e a estadia deles ali
seria prolongada. Alison precisava se curar antes de
iniciar seu desafio. Era ela quem guiaria o caminho
de volta para a montanha e Anpu sabia que
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passariam longos dias na floresta.


Anpu não permitiu que ela assistisse ao ritual
que fazia sempre que a escuridão caía sobre
Thórun. O guerreiro permaneceu em jejum e,
quando a escuridão congelante deixava o ar
daqueles corredores tão frios quanto à floresta, ele
se retirava para a sala sagrada, que Alison não
conhecia.
Na terceira noite, quando ela já conseguia
caminhar sem fazer barulho, o seguiu a uma
distância segura e, no momento em que o ritual
começou, a jovem se esgueirou para dentro da sala
e viu o guerreiro se desintegrar em névoa escura
que dançava no ar. Aquilo era primitivo e lindo ao
mesmo tempo, os movimentos oscilavam entre a
materialização do corpo e o estado de simplesmente
não existir. Era o poder que um dia ela julgou
pertencer a um demônio e, embora envolto em
escuridão e trevas, aquele macho estava ali para
cultuar seus Deuses. Era um ritual que exalava
sensualidade, o corpo forte e torneado
completamente despido, que se materializava em
momentos de plena concentração e entrega.
Alison estava maravilhada, apesar de não
concordar com muitas coisas que aconteciam
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naquele mundo, ela tentou pensar em uma palavra


que pudesse descrever o que sentia ao presenciar
algo tão íntimo daquele povo.
Anpu entrou no quarto do alojamento em
silêncio e a cobriu com magia, a jovem começou a
retirar a roupa pesada, agradecida pelo calor que
fazia seus músculos relaxarem.
Ele deitou na cama apenas vestindo uma
calça e ela deitou sobre ele, como fizeram todas as
noites. Havia algo novo entre eles, e ela sabia que
não tinha nenhuma relação com atração física.
Alison o respeitava, viu nele o que antes não
conseguia enxergar, Mica estava certa ao falar
sobre o tio com orgulho e devoção. Ela se
encolheu, pensando se ele conseguia sentir o cheiro
dela, deveria exalar admiração. Anpu a aninhou
sobre ele com um leve sorriso nos lábios e
adormeceu.
No dia seguinte, haviam cozinhado raízes que
o general ensinou a ela onde conseguir e como
distinguir quais eram comestíveis. O guerreiro saiu
com Amut para caçar, depois de dias em jejum,
precisava de proteína. Alison permaneceu sentada a
margem do lago. Na manhã seguinte partiriam para
a montanha e não seria uma jornada fácil. Era
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difícil se localizar em um mundo onde não existia


sol ou estrelas. Se a vida não insistisse em sempre
se tornar complicada, ficaria ali para sempre, ainda
que tivesse que se alimentar de raízes e vermes.

Era a segunda vez que eles passavam pela


Alverca de Pehur e Alison estava irritada e não era
a única, Amut andava bufando atrás da jovem cada
vez que ela se decidia por um caminho.
A bota ficou presa na lama e, quando ela
puxou o pé, ele saiu da bota, a fazendo se
desiquilibrar e cair no pântano. Anpu correu ao seu
encontro, enquanto uma silhueta esguia crescia na
parte profunda do pântano. Um grito aterrorizante
ecoou pelos ares e Anpu já abria um portal
carregando Alison e Amut com ele.
Com o coração ainda acelerado, ela viu que
estavam no apartamento de Anpu e ele caminhava
para sala de banho com ela no colo. O general a
jogou dentro da banheira.

— Humana burra. — ele disse irritado. Ela


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espalmou a água.

— Poderia ter me ensinado ao invés de me


deixar sozinha.

— O que acha que eu estava fazendo ao levar


você até lá? — Ela suspirou.

— Anpu. — ela falou com calma. — Você


poderia ter me contado antes de irmos e eu teria
marcado o caminho de alguma forma. — Anpu
olhou para ela com os dentes cerrados.

— Da próxima vez que alguém a levar para o


meio da floresta, marque o caminho, não confie em
ninguém. — Ela assentiu.

— Não vai acontecer de novo. — Ela retirou


o colete molhado.

— É claro que vai, errar faz parte do


aprendizado. — Ele retirou a túnica cheia de lama.

— Então por que fica tão irritado? — Alison


jogou a calça para fora da banheira.
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— Saber que vai errar não a liberta da


responsabilidade do erro. — Ele jogou a camisa
térmica no chão.

— Você também cometeria erros se estivesse


no meu mundo. Aposto que teria medo de
mergulhar no oceano salgado, ou vomitaria nos dez
primeiros segundos em uma montanha russa.

— Duvido muito disso. — ele falou irritado.

— Você precisa entender que meus erros


antes não colocavam minha vida em risco. No
máximo, quando errava o caminho, ficava sem
vaga no estacionamento. — Ela jogou o sutiã e a
calcinha para fora da banheira.

— É você quem precisa entender isso. Um


erro como o de hoje teria custado a sua vida. — Ele
retirou a calça e entrou na banheira.

— O que era aquilo? Olha. — Ela mostrou o


braço. — Ainda estou arrepiada só de lembrar
daquele grito.
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— São espíritos errantes, um dia habitaram


esse mundo, mas decidiram tirar a própria vida.
Não foram levados para o tribunal de Osíris e
habitam a Alverca de Pehur como castigo pelo que
fizeram. Quando a noite cai, eles despertam e seus
gritos atraem qualquer criatura que ousar passar por
perto. — Alison se afundou na banheira pensativa,
não queria imaginar o que teria acontecido com ela
caso Anpu não tivesse salvado a sua vida.

Oito meses era o tempo em que Alison vivia


naquele mundo e a cada dia se tornava mais real.
Muitas coisas ainda eram estranhas para ela e
outras que se recusava a aceitar, mas estava se
esforçando para compreender as diferenças.
Anpu ainda era o mesmo ranzinza e mandão
de sempre, às vezes ela podia ver um lampejo de
orgulho naqueles olhos negros, principalmete
quando superava algum obstáculo ou aprendia algo
novo.
Anpu se ausentava com frequência por curtos
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períodos. Nesses dias, ela ficava com Mica ou com


Amut. A convivência com o general não era
perfeita, mas já fora muito pior. Ela havia
descoberto um jeito de deixar o general mais
suscetível aos seus desejos, pequenas doses do pó
de ossos podiam fazer verdadeiros milagres. O
sabor era bom, ela se sentia com mais energia para
treinar e Anpu parecia sempre mais calmo e
atencioso quando ela ingeria a mistura. Era uma
boa forma de aproveitar o pó, na opinião dela, já
que eles desperdiçavam jogando nas entranhas da
montanha para acalmar os Neterus.
Nos treinamentos externos, quando passavam
dias na floresta, ele parecia mais inclinado a um
bom convívio. Cada dia conhecia mais sobre os
perigos daquele mundo e aprendia como evitá-los,
sua presença constante nos treinos se tornou
comum a ponto de ser invisível. Os outros clãs
ainda olhavam para ela com curiosidade, mas os
Anúbios eram contidos ou simplesmente a
consideravam insignificante demais para se
importarem com sua presença.
Naquela noite, Anpu havia avisado que não
estaria nos próximos treinos, pois passaria alguns
dias fora. Era a segunda vez naquela semana que
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ele saía. Ela havia esperado pacientemente que ele


a convidasse para ir junto, o que não aconteceu.
Talvez fosse hora de agir.

Alison acordou antes da claridade do dia e


preparou algo para comer, ela vestia a camisola que
sabia que o incomodava e estava limpando a
cozinha quando ele levantou.

— Bom dia. — Ela sorriu.

— Você acordou cedo. — Anpu estreitou os


olhos desconfiado.

— Sim, na verdade, eu...

— Você está usando perfume? — O general


se aproximou, inspirando seu cheiro.

— Não, bom, na verdade, eu...

— Seu cheiro é muito bom. — Anpu


sussurrou em seu ouvido, a fazendo paralisar.

— Anpu, eu estava pensando se você poderia


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me levar junto hoje? — Ela usou um tom de voz


doce, como fazia com Edward quando queria algo.

— Só se você levar essa camisola. — Ele


segurou a cintura dela por trás e a puxou contra ele,
cheirando seus cabelos.

Ela se desvencilhou dele e deu um sorriso


sem graça. Será que havia exagerado na dose?

— Eu vou trocar de roupa então. — Ela se


virou para sair da cozinha, mas ele bloqueou o
caminho.

— Está cedo, não precisa trocar de roupa


agora. Já falei como você fica linda nessa
camisola? — Alison engoliu seco. — E já falei
como o seu cheiro é bom?

Ela colocou a mão na testa, estava ficando


quente e sua visão estava turva. Talvez tivesse
realmente errado a dose.

— Eu acho incrível como você cora quando


está com vergonha ou quando sente desejo. — Ele
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segurou os cabelos dela e mordiscou o lóbulo da


orelha. — Você me deseja, Alison?

— Não. — ela falou rouca.

— Tem certeza? — Ele deslizou a mão pela


coxa, a fazendo arfar. Alison estava pegando fogo,
podia sentir a veia do o seu pescoço pulsar. —
Porque eu acho que você me deseja. — Anpu
sussurrou.

— Talvez. — Ela falou em um gemido.

— Um talvez não é suficiente. — Ele se


afastou para olhar para ela.

— Sim.

— Sim o quê? — perguntou sorrindo.

— Sim, eu quero você. — Anpu a colocou


sentada sobre a mesa e usou o quadril para afastar
suas coxas.

— Você está tão quente, seu cheiro me deixa


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louco. — Alison ofereceu o pescoço para ele e


Anpu sorriu. — Se eu te pedisse o sol do teu
mundo, você me daria?

— Sim. — Ela entrelaçou os dedos nos


cabelos dele, o puxando para perto. — Eu quero
você, Anpu. — A respiração dela ficou pesada,
enquanto Anpu percorria seu pescoço com a boca.
Sim, ela havia exagerado na dose, mas não se
importava, o queria há muito tempo. Ele aproximou
a boca do ouvido dela.

— Sabe por que você me daria qualquer coisa


que eu pedisse?

— Anpu, não para, por favor. — ela falou


rouca o fazendo sorrir.

— Eu troquei o conteúdo da lata de pó de


ossos por algo que possui um efeito contrário.
Como é se sentir manipulada, Alison? — Ele olhou
para ela com um sorriso largo e se afastou.

— Anpu. — ela protestou excitada.

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— Toma bastante água, vai estar péssima


amanhã. — Ele abriu um portal. — É melhor não ir
ao treino hoje, vai querer copular com o exército
inteiro. — Anpu atravessou o portal sorrindo.

Ela demorou alguns minutos para entender o


que tinha acabado de acontecer. Depois tomou um
banho longo e dormiu grande parte do dia. À noite,
quando o efeito havia passado e uma dor de cabeça
a torturava, não sabia se sentia vergonha ou raiva.
Uma coisa era certa, eles precisavam conversar.

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CAPÍTULO XIV

A paixão aumenta em função dos


obstáculos que se lhe opõe.
William Shakespeare

Alison se posicionou ao lado de Mica, a


cabeça ainda latejava e estava completamente
indisposta, mas havia um propósito maior para ter
ido ao treino naquela manhã.

— Sabe para onde Anpu foi?

— Você que mora com ele não sabe, por que


eu deveria? — Alison bufou. — Provavelmente
está em Azires, vi meu pai comentar sobre uma
reunião lá hoje.

— Pode me levar até lá.

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— É claro que não. — Mica falou olhando


para frente.

Alison caminhou entre os guerreiros, indo


para a última filera. O guerreiro Anúbio olhou para
ela estreitando as sobrancelhas.

— Oi. — ela disse sorrindo.

— Oi. — ele respondeu olhando para frente.

— Você consegue abrir um portal para


Azires? — O guerreiro afirmou, voltando a olhar
para frente. Ela o encarou com as mãos na cintura.

— Agora? — ele perguntou.

— Sim. — Ela gesticulou com as mãos e o


guerreiro comprimiu os lábios.

Um portal se abriu e ela atravessou para um


pequeno vilarejo rodeado por plantações.
Trabalhadores aravam o solo, plantavam ou
colhiam. Aquela era Azires, a cidade dos
curandeiros.
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Pequenas casas com telhados íngremes


preenchiam a orla do rio estreito, ruelas charmosas
se espalhavam pelo vilarejo e ela podia ouvir o som
de crianças brincando em algum lugar próximo.
Machos e fêmeas caminhavam ocupados demais
para prestarem atenção nela. Pareciam humanos se
não fosse por aquela lua branca gigante no céu ou
pelo fato de não haver um sol ali, ela poderia jurar
que estava na Terra. Ela caminhou pela rua, atenta
a todos que passavam apressados. Uma fêmea
descia a rua, vindo em sua direção.

— Sabe onde posso encontrar o Anpu? —


Alison falou na própria língua, torcendo para que
ela a compreendesse.

— A casa dele é o ultimo chalé da rua. — A


mulher respondeu com um sotaque arrastado.

— Anpu tem uma casa aqui?

— Sim, ele mora lá com a família. — Alison


quase perdeu as pernas, sentiu vontade de voltar,
mas, ainda que chegasse a montanha viva, não teria
como entrar e morreria congelada.
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Ela caminhou sem saber o que diria, a mente


estava uma bagunça e toda a coragem que a
trouxera ali havia evaporado. O chalé era afastado,
a construção era pequena, mas bem arquitetada. Ela
parou distante da porta, ponderando se deveria
bater ou não. O que diria para ele? Ela enrolou
uma mecha do cabelo nos dedos quando Amut
quase a derrubou no chão, o Neteru parecia feliz
em vê-la alí. Alison ergueu o olhar e Anpu vinha
em sua direção.

— O que você está fazendo aqui?

— Eu, eu... acho que precisamos conversar.


— Anpu suspirou.

— Estou cansado de tentar fazer você


entender as coisas. Mica passou dos limites.

— Não foi ela que me trouxe. Eu escalei a


montanha. — Anpu riu.

— Você é a pior mentirosa que eu conheço.


— Alison abaixou os ombros decepcionada.
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— Tudo bem, foi um guerreiro que me


trouxe.

— Quem?

— Não sei o nome, ele é alto, forte, tem os


cabelos pretos e solta fumaça pelas mãos. — Ela
sorriu tímida e Anpu bufou.

— Eu acabei de chegar, estou cansado e


tenho uma reunião com meus batedores agora,
então fica de boca fechada. Depois vamos ter uma
conversa.

— Batedores? — Anpu não respondeu e


continuou caminhando na direção da porta.

Ele não se incomodou em bater e, quando


entraram, Alison ergueu as sobrancelhas. Três
machos e uma fêmea do clã Anúbio o aguardavam.
A fêmea pareceu abrir um leve sorriso para o
general e, dentre eles, apenas um dos machos
permaneceu sentado. Hasani poderia ser um macho
bonito, mas aquele guerreiro era lindo.
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Todos cumprimentaram o general com um


leve aceno e depois voltaram a atenção para a
humana logo atrás dele.

— Você trouxe a humana? — Niala


perguntou na própria língua, parecendo irritada.

— Niala. — O guerreiro próximo dela a


repreendeu.

Anpu não se incomodou em respondê-la e


Alison fez cara de paisagem, como se não
compreendesse aquela língua. Era verdade que
algumas palavras ainda lhe eram desconhecidas,
mas compreendia a maioria.

— Onde eles estão? — Anpu perguntou para


o guerreiro parado ao lado de Niala.

— Estão no Norte, em constante movimento.


Não passam mais que duas noites no mesmo lugar.

— Sem incidentes?

— Tivemos um encontro inesperado durante


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uma caçada, ele estava sozinho e não atacou. —


Anpu ergueu as sobrancelhas para o guerreiro que
estava em pé no canto da parede.

— Isso é uma novidade.

— Está acontecendo alguma coisa, não


sabemos o que é, mas eles estão se reunindo, cada
dia chegam mais. — falou o guerreiro que
permanecia sentado no sofá, completamente à
vontade. — Deixamos nossos Neterus para rastreá-
los, não podemos perdê-los de vista agora.

— Fizeram certo. — Anpu olhou para


guerreira pela primeira vez desde que chegaram. —
Conseguiu acompanhar as investigações sobre a
morte do humano?

— O caso já foi arquivado, pararam de


procurá-la também. — Niala apontou com um
gesto de cabeça para Alison. — O livro da humana
se espalhou, parece que quando saiu nos jornais que
ela havia desaparecido, ganhou ainda mais
visibilidade. Ninguém acredita que seja real, acho
que retirar o livro da plataforma só levantaria mais
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suspeitas. — Alison lutou para demonstrar


indiferença diante da informação.

— Niala, leve a informação para Hasani. —


Ela fez um gesto confirmando e abriu um portal.
Antes de sair, olhou para Anpu uma última vez,
então olhou para Alison e atravessou.

Assim que a guerreira saiu, Anpu caminhou


até os guerreiros que estavam em pé e os
cumprimentou de forma calorosa, com um sorriso
nos lábios. Depois se jogou no sofá ao lado do
guerreiro sentado, dando-lhe um soco leve no
braço. O clima se tornou outro entre eles. Não era
mais um general e seus batedores, eram amigos.

— Cansados de comerem raízes e dormirem


em árvores? — Anpu perguntou sorridente.

— Você teve sorte que tomamos banho antes


de vê-lo. Ou agora estaríamos morrendo de
vergonha da humana. — O guerreiro sentado ao
lado de Anpu falou sorrindo, enquanto olhava para
Alison.

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— Vão ficar quantos dias?

— Não sabemos, acreditamos que eles vão


permanecer parados por um tempo, agora que
encontraram um bom abrigo. Assim que se
movimentarem, partiremos novamente.

— Espero que fiquem por um tempo e deem


a vocês um bom descanso.

— Minhas costas agradeceriam. — O


guerreiro que estava no canto da parede falou e
todos gargalharam. Entre os três, ele parecia ser o
mais tímido.

O guerreiro que estivera o tempo todo


sentado se levantou, ficando diante de Alison. Ele
era alto e forte, mas sua aparência era diferente de
todos os guerreiros Anúbios que ela conhecera. O
cabelo era castanho claro e a pele bronzeada dava a
ele a aparência de um Deus.

— Me chamo Hadan. — Ele pegou a mão de


Alison e levou até a boca e beijou. Alison sorriu um
pouco constrangida, porque até a voz do macho a
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sua frente era sensual.

— Acredito que faça um bom tempo que não


vá ao meu planeta. — Hadan abriu um sorriso largo
e Anpu revirou os olhos.

— Da ultima vez que fui a Terra era assim


que os humanos cumprimentavam suas mulheres.

Anpu apresentou Amon e Nefer, os


guerreiros que permaneciam em pé. Eles fizeram
um gesto com a cabeça em cumprimento.

— Por que não ficam uns dias com a gente?


— Hadan questionou Anpu. — Podem ficar com o
quarto lá em cima. — Alison olhou para Anpu
aguardando a resposta.

— Não creio que seja uma boa ideia.

— Na verdade, seria uma ideia ótima. —


Nefer falou ainda na língua da jovem. — Niala
encontrou a família que escondia o bebê. Eles estão
se recusando a irem para a montanha. Possuem
mais duas crianças pequenas e não querem se
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separar, seria bom tê-lo aqui por uns dias.

— Vou pensar sobre isso.

Os guerreiros começaram a conversar entre si


e Anpu se aproximou da jovem.

— Se nós ficarmos, precisa se comportar. —


Ele sussurrou.

— Eu prometo. — Alison sussurrou de volta


com um sorriso.

Ela havia gostado do lugar e estava curiosa


sobre aquele povo, principalmente por ver Anpu
em um ambiente descontraído. Estar em Azires era
uma boa oportunidade de conhecer mais sobre
Thórun.
Hadan havia buscado uma bebida e eles se
sentaram ao redor de uma pequena mesa na
cozinha. Bebiam pequenos goles do licor e
conversavam entre risadas na língua da jovem.
Algumas frases eram proferidas na própria língua.

— Eu soube que você é uma encantadora de


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Neterus. — Hadan serviu um pouco de licor e


entregou para ela.

— Não sabia que esse termo existia.

— Não existe, mas é o que você faz, não? —


Nefer a questionou.

— Creio que não, não sei por que gostam de


mim. — Ela deu de ombros.

— Como conseguiu prender parte da magia


do Anpu? — Nefer perguntou curioso. Anpu
lançou um olhar de aviso para o guerreiro.

— Também não compreendo. Tudo o que sei


é que era uma péssima escritora. — Alison sorriu.
— Até que escrevi sobre Thórun, achando que
estava criando um livro de fantasia. Quando vi
Anpu pela primeira vez, com os poderes que eu
havia descrito em meu livro, fiquei em choque,
achei que estava amaldiçoada e que ele havia saído
da minha história. — Os guerreiros se olharam e
começaram a gargalhar.

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— Posso imaginar sua surpresa, Anpu,


quando uma simples humana aprisionou sua magia.
— Amon falou.

— Eu já estava muito irritado, porque ela me


fez correr no corpo do humano por um quarteirão
inteiro. Quando ela prendeu minha magia, fiquei
surpreso e curioso. Não tive opção senão trazê-la
para Thórun. — Alison suspirou e virou a bebida
de uma só vez, fazendo uma careta.

— Parece que ela não facilitou as coisas para


você. — Hadan falou com um sorriso largo.

— Você não faz ideia. — Anpu respondeu


sorrindo enquanto olhava para ela.

Eles cozinharam naquela manhã, os batedores


estavam cansados e com fome. O general parecia
feliz e cozinhar com alguém que possuía magia não
era uma tarefa difícil.
Depois do almoço, Anpu avisou que buscaria
roupas para eles. Alison sentou no sofá e Hadan
sentou ao seu lado. Nefer e Amon haviam trazido
as cadeiras da cozinha e bebiam vinho.
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— Ficamos sabendo que Anpu está treinando


você. — Nefer falou.

— Parece que as notícias correm rápido por


Thórun. — Ela respondeu, fazendo o guerreiro
sorrir.

— Ser treinada por Anpu é uma honra,


aproveite. — Amon falou fazendo Hadan revirar os
olhos.

— Ele não teve muitas opções.

— Na verdade, ele poderia simplesmente não


a treinar, se está fazendo isso, é porque se importa
com você. — Amon respondeu.

— Anpu só está com a consciência pesada


por tê-la tirado do seu mundo, de sua família e,
agora que ela se tornou responsabilidade dele, está
querendo dar a ela uma chance. — Hadan falou
descontraído.

— Ainda assim é nobre da parte dele. —


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Nefer contrapôs.

— Se é nobre, eu não sei. Mas que Niala


deve estar uma fera com toda certeza. — Hadan
falou e todos gargalharam.

— Por quê? Eles são namorados? — Alison


perguntou curiosa.

— Não sei ao certo o que namorados


significa em seu mundo, mas, se for a compulsão
de uma fêmea para copular com um macho, então
são namorados. — As risadas preencheram
novamente o ambiente.

— Namorados é quando existe um


relacionamento desejado pelos dois envolvidos.

— Então não são namorados. — Amon disse.


— Anpu copularia até mesmo com uma Rá-Seft,
mas não com Niala.

— O que só faz crescer a obsessão dela por


ele. — Nefer falou pesaroso.

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— Achei que não fossem tão seletivos.


Imaginei que bastava a fêmea escolher o macho
que queria e então era só bater na cara dele e
copular. — Os guerreiros se entreolharam e caíram
novamente na gargalhada. Até mesmo Amon, que
se mantinha quase sempre sério, ria segurando a
barriga.

— Quem falou tal coisa? — Hadan


perguntou em meio ao riso. Alison se encolheu. —
Bater no macho é algo primitivo e muito mais sério
que o próprio ato de copular. Uma fêmea só bate no
macho para reivindicá-lo quando suas almas já
estão ligadas, então se marcam. Um macho Anúbio
jamais permitiria que uma fêmea batesse em seu
rosto se não tivesse a intenção de pertencer a ela.
— Alison ergueu as sobrancelhas surpresa.

— Se ela bater sem que o guerreiro espere?


Ele pode recusá-la?

— Até mesmo o pior guerreiro de nosso clã


não seria surpreendido com um tapa no rosto. —
Amon sorriu com escárnio. — Observe nos treinos,
é normal saírem com machucados no corpo, mas
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nunca no rosto. É instintivo se proteger. — Alison


se afundou ainda mais no sofá, estendendo a taça
para que Hadan colocasse mais vinho.

— Por que usam as fêmeas do clã Rá-Seft


como exemplo ruim para copular?

— Apesar de serem lindas, são extremamente


frias durante o ato. — Hadan sorriu.

— Achei que era proibido o envolvimento


entre os clãs.

— É proibido, mas Hadan não sabe se


controlar. — Amon respondeu.

— Eu não sou o único. Nefer só não dormiu


com uma, porque ela não o quis. — Alison riu e
Nefer deu de ombro.

— São tão esnobes que podem ser


comparadas com uma purca. — ele respondeu
indiferente.

— O que é uma purca?


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— Uma fruta linda que possui um gosto


insípido. — disse Amon sorrindo.

— Talvez apenas não tenham aprendido


como fazer direito. — Alison falou descontraída e
os guerreiros a olharam com as sobrancelhas
erguidas.

— Podíamos fazer o desafio de Rá, vou


buscar mais vinho. — Hadan falou quebrando o
silêncio, ele se levantou e foi para cozinha.

— Alison não possui magia, não poderia


participar. — contrapôs Amon.

— Se me explicarem o que é o desafio de Rá,


talvez eu possa.

— São feitas perguntas aleatórias e testamos


nossas capacidades em distinguir mentiras das
verdades. Quem for pego mentindo, bebe. Quem
não descobrir uma mentira, bebe.

— Podem fazer isso?


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— Só guerreiros treinados. — Nefer


respondeu sorrindo. — Somos os melhores.

— Eu treinei pesado ontem. — ela disse para


testar suas habilidades.

— Está mentindo. — Amon respondeu.

— Eu dei um soco no focinho do Amut


quando o vi pela primeira vez.

— Isso eu não sabia. — Hadan que estava


parado na entrada da sala com uma garrafa de
vinho nas mãos, respondeu. — Mas é verdade.

— Anpu também pode fazer isso? Parece tão


injusto.

— Anpu é o melhor de todos nós nesse jogo,


sempre ganha. — Hadan respondeu entediado e ela
se encolheu.

— Jeisan e Mica também conseguem? —


Alison perguntou apreesiva.
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— Mica está treinando, fica melhor a cada


ano. Jeisan não domina a técnica. — Hadan falou
enquanto enchia as taças de todos.

— Mica mente tanto para Jeisan que ele já


perdeu a habilidade de distinguir. — Amon falou e
todos gargalharam.

Família, aqueles guerreiros eram a família


que a fêmea havia mencionado.

— Podemos jogar verdade ou desafio, seria


perfeito com as habilidades de vocês.

— Nos ensine então.

Alison se levantou e pegou a garrafa de vinho


vazia.

— Precisamos formar um círculo. Amon,


você será o juiz, se alguém escolher verdade e
contar uma mentira, você determinará um castigo.
— O guerreiro concordou.

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Alison posicionou a garrafa no chão diante


deles.

— A parte mais estreita da garrafa indica


quem será desafiado. A parte mais larga indica o
desafiador. A pergunta será feita e o desafiado
poderá escolher entre responder a verdade ou
realizar um desafio imposto pelo desafiador. Não
pode ser nada que demande muito tempo e sim algo
que nos faça rir. Quem escolher responder e mentir,
deve cumprir um desafio maior. Como Amon será
nosso juiz, cabe a ele escolher o castigo. A punição
não precisa ser cumprida hoje. — Alison colocou a
garrafa no chão e girou. Ela perguntaria para Nefer.

— Você já copulou com Niala? — Nefer deu


de ombros.

— Respondo. É provável que todos os


machos Anúbios já tenham copulado com ela. —
Alison ergueu as sobrancelhas surpresa.

Eles trocaram de lugar e a jovem girou


novamente a garrafa. Hadan perguntaria para
Alison. O guerreiro abriu um sorriso.
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— Considerando que não existe outro


humano aqui e que fugiu de forma engenhosa das
garras de Hasani, teria algum macho que você
aceitaria em sua cama?

— Desafio, escolho desafio. — Ela ficou


vermelha e todos riram. Se não podia mentir, não
estava disposta a revelar aquilo. Hadan pareceu
ponderar por um momento.

— Desafio que me beije. — Ele ergueu os


braços com um sorriso largo. — Nunca fui beijado
por uma humana. — Alison deu de ombros.

Ela caminhou de forma lenta e sensual até o


guerreiro, ficou na ponta dos pés e entrelaçou as
mãos em sua nuca. Hadan fechou os olhos e se
curvou sobre ela, a jovem aproximou sua boca dos
lábios do guerreiro, parando por um instante ali,
então deu um beijo casto em sua testa. Amon e
Nefer que observavam em completo silêncio se
convulsionaram em gargalhadas.
Alison se virou na direção da cozinha, de
onde mais alguém ria. Anpu estava escorado na
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porta da sala e, pela risada, deveria estar ali há um


bom tempo.

— Amut não voltou com você?

— Mica está tendo problemas com Fukayna,


vão levá-la para caçar e pediram para Amut ir
junto. — Ela assentiu.

Para a surpresa de Alison, Anpu entrou na


brincadeira. Entre vinho, verdades e desafios, as
horas se passaram de forma descontraída. Ela
nunca viu Anpu tão à vontade, mesmo na presença
de Jeisan ou, quando estavam sozinhos, o general
parecia sempre sério. Ele se recusara responder
algumas perguntas feitas pelos amigos, entre elas,
algumas que Alison queria muito saber a resposta.
Os desafios entre os guerreiros, acabavam em
competição de queda de braço.
Uma das perguntas constrangedoras feita por
Anpu fez com que Alison escolhesse desafio. Ela
teria que se livrar de uma imobilização que ele já
havia ensinado como escapar. Quando os minutos
finais estavam prestes a vencer e ela ainda
permanecia presa sob ele, Alison colocou dois
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dedos dentro do nariz do guerreiro, aplicando um


golpe sobre sua mão. Anpu a largou na mesma
hora, levando a mão ao nariz. Quando foi acusado
de ter facilitado para ela, Alison repetiu o golpe em
cada um dos guerreiros e brincadeira terminou com
quatro machos poderosos com o nariz sangrando.
Quando as horas haviam avançado, Alison
tomou um banho rápido e colocou roupas quentes,
logo a luz deixaria Thórun. Anpu havia alertado
que a casa não possuía proteção contra o frio
noturno.
A lareira da sala crepitava a todo vapor e a
magia de Anpu a protegia do frio. Histórias sobre a
infância e as conquistas dos guerreiros foram
contadas com muito humor e ela soube que eram
amigos desde sempre. Quando todos estavam
bêbados e fartos de histórias, deram boa noite a
Alison e Anpu, ficando com o quarto de baixo.
Ela subiu a pequena escada para o sótão e
avistou um colchão de casal disposto em cima de
um tapete felpudo. Havia uma pequena cômoda no
quarto gelado. A respiração da jovem condensava a
cada respirar. Quando Anpu subiu e a cobriu com
magia, ela retirou a roupa.
Alison deitou sobre o braço dele, ambos
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pareciam desconfortáveis, como se segurassem a


respiração.

— Você passou mal?

— Sim, tive dor de cabeça. O que você me


deu? — Anpu riu.

— Os Neterus pararam de se procriar,


usamos o pó de ossos para incentivar os machos e
um tipo de hormônio para as fêmeas.

— Você foi cruel, não uso o pó para me


aproveitar de você. É só que você fica mais
atencioso.

— Você não tem ideia de como me afeta,


porque eu me controlo. Você usa, porque digo sim
para tudo que me pede. Quando percebi, fui
conferir a lata e vi que estava usando há bastante
tempo, espero que tenha aprendido a lição.

— Se você fosse menos mandão. “Eu ordeno,


humana burra”. — Ela imitou o sotaque dele.

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— Eu sou o teu general, precisa aprender a


me respeitar.

— Eu respeito, mas não quero que seja meu


general o tempo todo. — Anpu ficou em silênco
por um tempo.

— Eu vou pensar sobre isso. — ele


sussurrou.

Ela se aninhou, virando para ele e colocou a


mão sobre o peito do guerreiro.

— Anpu, por que os Anúbios se marcam


quando se gostam? — Ele olhou para ela surpreso.

— Quando alguém do meu clã ama alguém e


é correspondido, vai amar por toda a vida. Então se
marcam para reivindicar o sentimento
publicamente.

— Como um casamento?

— Não tenho certeza.

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— E onde o tapa se encaixa nisso tudo?

— Você está fazendo perguntas demais.

— É por isso que como pó de ossos. — Ela


bufou.

— Fêmeas Anúbias podem se tornar


agressivas durante o coito, isso excita o macho,
mas nunca batem no rosto. Um guerreiro nunca
permitiria, há não ser...

— Se a alma dele pertencer a ela. — Alison o


interrompeu e ele assentiu.

Anpu a puxou mais para perto até que a perna


dela ficasse sobre as suas. Ele aspirou seu cheiro,
tudo nela sempre o instigou desde o primeiro dia
em que teve o rosto dela entre suas mãos.

— Como uma fêmea sabe que pode marcar


um macho? Vocês se combinam como se fossem
fazer uma tatuagem? — Anpu riu.

— Achei que já tivesse esquecido isso.


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— Sou curiosa, não posso evitar.

— Sentimentos são complicados de entender,


essa é a parte mais difícil.

— Que tipo de marca?

— Alison! — Ela suspirou.

— Eu vou parar, eu juro, mas tenho uma


última pergunta. Você já teve alguma fêmea que
não era do teu clã?

— Não, nunca.

— Acha que um dia poderia amar alguém


que não seja do teu clã? — Anpu não respondeu.

Alison suspirou, se virando de costas, ela se


ajustou sobre o braço dele. Anpu se aproximou
colocando o braço sobre ela, afundando o rosto em
seus cabelos.

— Boa noite. — Ela sussurrou.


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Ele não sabia ao certo o que aquilo


significava, nem o que deveria responder, mas
sentia falta das noites em que ela não estava
presente para dizer aquelas palavras. Com toda
certeza ele teria uma boa noite, sempre tinha
quando ela estava por perto. Talvez fingir que não
existia um sentimento não seria mais possível.

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CAPÍTULO XV

Conservar algo que possa


recordar-te
Seria admitir que eu pudesse
esquecer-te.
William Shakespeare
Alison abriu os olhos e demorou para
reconhecer o lugar. Ela estava dormindo sobre o
peito de Anpu. Sua perna estava transpassada sobre
ele e a jovem sorriu. Contorceu o corpo se
espreguiçando e Anpu retirou uma mecha de cabelo
do seu rosto.

— Já amanheceu? — ela falou sonolenta.

— Ainda não, teremos mais alguns minutos


de frio.

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— Você estava me olhando dormir?

— Não resisti, você fica tão linda roncando e


babando. — Ela sorriu.

— Eu não ronco e nem babo.

— Estou completamente babado e você ronca


alto.

— Gosto quando você faz piadas.

— Tem muita coisa sobre mim que você


ainda não sabe. — Anpu se virou de lado,
colocando a cabeça dela sobre o braço. Ele olhou
para aqueles olhos verdes com pequenas manchas
douradas. A boca desenhada pela própria Ísis. Anpu
desejou que a luz não chegasse a Thórun, porque
ele estava perdido e não se importava.

— Você não é um macho fácil de


compreender.

— Você não é a humana mais fácil de lidar.


— Anpu ficou sério. — Eu não consegui dormir e
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pensei muito sobre o que aconteceu. Precisamos


conversar, as coisas estão ficando diferentes. —
Alison suspirou.

— Anpu, eu falei aquelas coisas porque


estava sob o efeito do...

— Para, você sabe que não consegue


esconder de mim quando fica excitada. E isso
acontece há bastante tempo, mas não estou falando
sobre isso. As coisas mudaram e por isso eu me
afastei no último mês, queria ver se tudo voltava ao
normal, mas...

— Anpu, eu sei. — Alison falou com a voz


baixa. — Eu estou confusa, mas não quero que
você se afaste. Eu não sou mais uma criança e vou
saber lidar com isso. Eu realmente gosto quando
você me tira um pouco daquela montanha e não
quero perder isso. — Anpu ficou em silêncio. —
Nós moramos juntos e eu pertenço a Amut, que
está ligado a você. Somos de mundos diferentes e
seria estranho, então não precisa se preocupar,
prometo que não como mais aquele pó. — As
bochechas estavam rosadas e ela comprimiu os
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lábios em uma careta. — Você não acha que eu


usei o pó para...

— Ah, por favor, você não entendeu nada. Eu


não me afastei porque percebi que você gosta de
mim. Me afastei porque gosto que você goste de
mim. — Anpu balançou a cabeça. — Gosto de te
ver perambulando pela casa com a aquela camisola
ridícula só para me provocar. Gosto quando você
morde o lábio quando eu tiro a roupa e o teu cheiro
fica mais forte e não tem nada a ver com aquele
maldito pó. Tudo isso leva para um caminho
complicado, então achei que, ficando longe, as
coisas iam voltar a ser como antes.

Ela o encarou por um momento e se aninhou


contra o corpo do guerreiro, desejando que tudo
fosse simples. Ela o desejava mais do que devia e
esse sentimento, esse desejo que crescia dentro
deles, não era nada simples, sequer conseguia
sobreviver a uma noite sozinha naquele mundo.
Qualquer relacionamento entre eles seria proibido e
havia muita coisa que deveriam considerar.
Uma batida na porta do quarto fez com que
ambos se afastassem, só então perceberam que já
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havia amanhecido.

— Espero não estar atrapalhando nada, mas


você está atrasado e me deve uma luta. — Nefer
falou do outro lado da porta.

— Eu espero que você tenha feito o café da


manhã. — Alison gritou.

— Não fui avisado que os humanos se


alimentavam tão cedo.

— Ela come o tempo todo. — Anpu


respondeu e Alison mostrou a língua para ele.

Nefer e Anpu lutavam atrás do chalé,


enquanto Amon assistia. Era possível ouvir os
grunhidos dos machos e as gargalhadas de Amon.
Alison estava na cozinha misturando os
ingredientes que havia encontrado. Hadan havia
trazido um ovo, que ela precisou segurar com as
duas mãos. Ela pensou em perguntar qual animal
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havia colocado um ovo daquele tamanho, mas


decidiu que preferia não saber. Então colocou uma
porção da massa que havia feito sobre a chapa
quente até que a massa ficasse dourada. Hadan
ergueu as sobrancelhas ao ver a jovem comer as
panquecas, uma após a outra.

— Você deveria provar, está uma delícia.

— Parece tentador, mas não consigo me


alimentar tão cedo. — Ela deu de ombros.

— Sobra mais para mim. — Hadan


gargalhou.

— Se você continuar comendo assim, daqui


cem anos vai estar uma bola. — Alison ergueu as
sobrancelhas.

— Daqui cem anos, estarei morta. — Hadan


riu.

— Por que acha isso?

— Sou humana, minha expectativa de vida é


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de setenta anos, considerando que já tenho vinte e


quatro e vivo em um planeta altamente perigoso,
talvez consiga chegar aos cinquenta anos de idade
se tiver sorte.

— Se estivesse na Terra sim, mas você está


em Thórun. Além do tempo aqui passar de forma
diferente da Terra, ainda existem os curandeiros.
Você ficaria impressionada com que eles podem
fazer. Podem regenerar órgãos, inclusive a pele. —
Alison derrubou a panqueca no prato.

— Repete o que você falou.

— Eles podem regenerar os órgãos e até a


pele. Quantos anos você acha que eu tenho?

— Não, Hadan, quero saber sobre a parte do


tempo de Thórun ser diferente do tempo da Terra.
— Hadan desfez o sorriso.

— Você não sabia? — A respiração da jovem


ficou pesada e ela trincou os dentes.

— Qual é a diferença de tempo? — Alison


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falou em um grunhido. — Quanto tempo faz que


desapareci? — Ela bateu com a palma da mão na
mesa enquanto as lágrimas começavam a escorrer
pelo rosto.

— Anos, eu acho. Eu sinto muito, Alison.

— Anos? — Sua voz saiu embargada pelo


choro. — Por que ele não me contou?

— Anpu deve ter seus motivos.

— Motivos? — Alison gargalhou entre as


lágrimas. — Eu conheço os motivos dele.

A jovem se levantou com determinação,


deixando Hadan sem saber o que fazer. Ela abriu a
porta do chalé e caminhou para o quintal dos
fundos, onde os guerreiros lutavam. Quando Alison
avistou Anpu, correu em sua direção. Ele se virou a
tempo de vê-la pulando. Como um demônio, ela
encaixou o golpe que ele havia lhe ensinado e que
nunca acertara antes. Anpu caiu de costas e ela o
imobilizou, segurando seu pescoço, prendendo os
braços perfeitamente encaixados.
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— Por que, Anpu? Só me diga?

Nefer levantou os braços questionando


Hadan, que havia acabado de chegar.

— Eu contei a ela sobre o tempo, não fazia


ideia de que não sabia. — Hadan falou mais para
Anpu do que para Nefer.

Anpu pegou embalo com as pernas e, sem


dificuldade, se livrou da imobilização. Ele a
segurou contra o chão, pressionando seu corpo
contra ela, fazendo com que parasse de se debater.

— Parece que aprendeu o golpe, mas precisa


fortalecer esses braços ou nunca vai conseguir
manter ninguém preso. — Alison grunhiu. — Não
há nada que eu possa fazer sobre isso e nem você.
Então, sofrer por algo que não pode mudar, não faz
sentido. Agora esse é o seu mundo, o quanto antes
você aceitar, melhor.

— Faz sentido para mim, porque é minha


vida, minha família. Você considerou que essa
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deveria ser uma decisão minha e não sua?

Nefer, Amon e Hadan haviam se sentado em


um tronco que estava sendo cortado para lenha.
Eles observavam toda a cena com as sobrancelhas
erguidas.

— Queria evitar exatamente isso que você


está sentindo agora.

— Você não sabe o que estou sentindo. —


Alison lutava para escapar.

— Você fede a raiva. — Alison grunhiu.

— Estou cansada de todo mundo nesse


planeta decidir o que sinto pelo cheiro.

— Você pode aprender a controlar suas


emoções e então ninguém saberá.

Anpu afrouxou o peso sobre ela e um braço


escapou, não para fugir, mas para golpeá-lo nas
costelas. Anpu gargalhou. O guerreiro voltou a
pressioná-la e se aproximou do seu ouvido.
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— Vai precisar bem mais do que isso para


me ferir.

Alison, fervilhando de raiva, cravou os dentes


no pescoço do guerreiro. Anpu grunhiu e Nefer
gargalhou. Ele se levantou deixando Alison no
chão, colocou a mão sobre a mordida e sorriu.
Aquela mulher nunca se daria por vencida, talvez
fosse isso que mais o atraia. Alison ficou em pé e
colocou as mãos sobre a boca.

— Anpu, eu não tive a intenção, eu...

— Essa é a segunda vez que você me


reivindica como seu macho, eu impedi a primeira
vez, porque você não sabia.

Alison parou de se movimentar e olhou


envergonhada para os guerreiros sentados no tronco
sorrindo, como se estivessem assistindo um filme
no cinema. Ela engoliu seco.

— Eu não reivindiquei você, estava tentando


te matar. — Os quatro machos gargalharam e Anpu
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se aproximou um passo.

— Você pode ficar brava comigo o quanto


quiser, mas, no fundo, sabe que não sou culpado.
Não posso mudar o que aconteceu. — Ele se
aproximou mais um passo. — Mesmo que Hasani
permita que volte para o seu mundo, você não iria.
— Alison ergueu as sobrancelhas.

— Você não sabe o que está falando. — ela


falou com raiva e Anpu sorriu, ficando de frente
para ela.

Ele inspirou sentindo o cheiro e Alison se


odiou, porque sabia que ele sentiria nela, o cheiro
que a entregaria. Porque, bem lá no fundo, ela sabia
que não conseguiria virar as costas para aquele
mundo e viver como se nada tivesse acontecido.
Ela não era mais a mesma desde que deixara a
Terra. Ela se odiou porque, mesmo agora, enquanto
sentia raiva, ainda o queria.

— Acho que chegou a minha vez de


reivindicar você Alison Evans. — Anpu trançou a
mão em seus cabelos rentes a sua nuca. Puxou a
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cabeça dela para trás e cravou os dentes em seu


pescoço. Alison soltou um grito agudo de dor e
Anpu a soltou sorrindo. Ela espalmou um tapa na
cara do guerreiro e ele a beijou.

— Eles vão copular aqui? — Nefer


perguntou.

— É melhor a gente os deixar sozinhos. —


ponderou Amon.

— Eu não vou perder isso por nada. — disse


Hadan sorrindo enquanto se escorava na pilha de
lenha.

Anpu largou os lábios de Alison apenas para


olhar para os amigos e grunhir, os guerreiros saíram
aos resmungos. Alison se impulsionou nos ombros
dele, entrelaçando suas pernas ao redor da cintura e
o beijou. Não foi um beijo suave, porque não havia
qualquer vestígio de delicadeza entre eles, aquele
desejo era primitivo, era voraz. Ele a escorou
contra a parede do chalé e ela gemeu dentro da
boca do guerreiro, o fazendo sorrir. Alison se
afastou para olhar para ele e passou o dedo sobre
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aquela cicatriz que percorria seu rosto. Os olhos


dele não deixaram os dela, como se houvesse uma
promessa naquele olhar, naquele silêncio que era
quebrado apenas pela respiração pesada de
ambos. Dele, ela era dele. Sempre fora.
Eles retornaram para o chalé de mãos dadas.
Alison ainda estava com as bochechas vermelhas,
parte por todo o calor que havia sentido e parte pela
vergonha de ter que encarar os guerreiros, que
haviam presenciado tudo. Anpu sorriu
descaradamente para os amigos quando entrou na
pequena sala.

— Vocês querem que a gente saia por


algumas horas? — Nefer perguntou sorrindo.

— Não. — Ela respondeu antes que Anpu


pudesse abrir a boca. — Eu ainda não o perdoei. —
Ela largou a mão dele para se sentar ao lado de
Hadan no sofá.

— Vou precisar esconder os garfos da casa?


— Anpu perguntou com escárnio e ela estreitou os
olhos para ele.

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— Garfo? — Amon perguntou curioso.

— Ameacei matá-lo com um garfo uma vez.


— Alison disse indiferente e Hadan gargalhou.

— Sempre soube que Anpu um dia escolheria


uma fêmea diferente. Só não sabia que seria de
outro mundo. Espero que ela lhe dê muito trabalho.
— Hadan falou sorrindo.

— Eu não esperaria menos de uma humana


que tem a beleza de uma Rá- Seft e o
temperamento de uma guerreira Anúbia. — Nefer
falou.

— Seja bem-vinda a família Alison. —


Amon falou enfim.

Família, aqueles guerreiros seriam sua


família. Alison sorriu fazendo um gesto com a
cabeça agradecendo.

— Nefer, chame Rosin. — Anpu ordenou.

Rosin curou a mordida do pescoço da jovem,


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mas Anpu se recusou quando a curandeira se


ofereceu para curá-lo. Naquela manhã, Hadan e
Amon cozinharam e, à tarde, os guerreiros saíram
para visitar a família, que se recusava a se mudar
para a montanha com o bebê que nasceu com o
dom de cura.
Alison estava na cozinha testando receitas
novas quando um portal se abriu e Amut atravessou
indo ao seu encontro. Anpu havia atravessado atrás
dele.

— Amut. — Alison o abraçou. — Como


Fukayna se saiu? — Amut bufou irritado. Alison
olhou para Anpu esperando uma resposta.

— Fukayna conseguiu rastrear os animais


que Mica pediu, mas não os matou e ainda impediu
Amut e Zara de matá-los. — Alison sorriu.

— Faz sentido, ela não se alimenta de carne.

— Um Neteru que não consegue matar


quando lhe é pedido pode ser um problema.

— Não penso assim, Fukayna é sensível.


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Tenho certeza que, se fosse realmente necessário,


ela o teria feito. — Amut bufou e Alison sorriu para
ele.

— Espero que sim, Mica está querendo se


colocar em perigo para testar Fukayna. Jeisan não
está contente com isso.

— Vocês não poderiam ficar à espreita caso


alguma coisa dê errado.

— Fukayna é esperta demais para isso, teria


que ser real. Ela só vai matar se não encontrar outra
opção.

Anpu se aproximou dela e deu um beijo em


sua testa. Amut abanou o rabo para eles.

— Ele sabe?

— Eu acho que ele sabia antes de nós. —


Anpu sorriu.

— Ele parece feliz.

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— E você? Como você está?

— Tentando me ocupar para não pensar


demais. — Anpu a puxou para perto. — Onde está
todo mundo?

— Estão se divertindo por aí, aproveitando a


folga.

— Como vai ficar a família do bebê?

— Já estão na montanha, mas a família não


precisou se separar. As crianças vão ficar fora de
vista.

— Como Rosin tem autorização para morar


aqui?

— Não tem, Hasani não sabe que ela é uma


curandeira. Quando são bebês, é difícil de
esconder, mas depois que dominam a magia não é
tão fácil de serem descobertos. Niala surpreendeu a
família em um dia ruim. — Anpu suspirou.

— Isso é tão cruel.


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— Eu sei. — Ele lamentou.

Anpu passou o polegar sobre uma mancha de


farinha que estava no queixo da jovem.

— Você parece determinada a aprender a


cozinhar.

— Você não me traz comida. — Anpu sorriu.

— Espere aqui.

— Aonde você vai?

— Vou buscar o jantar.

— Não precisa, eu achei um pote de pó de


ossos de lebre negra e fiz umas panquecas. —
Anpu ergueu as sobrancelhas. — É uma piada,
Anpu, mas não precisa trazer comida, eu fiz um
bolo e já comi. Vou tomar um banho antes que o
frio infernal me impeça de fazer isso. — Ele
assentiu.

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Alison estava alimentando o fogo da lareira


quando a noite caiu sobre Thórun. Ela permaneceu
ali diante do calor até que Anpu chegou do banho e
a cobriu com magia. Amut estava dormindo
encolhido no sofá e o guerreiro estendeu a mão
para ela, convidando-a para subirem. Ele retirou a
camisa e deitou no colchão. Ela retirou as camadas
de roupa, Anpu não desviou o olhar e ela não pediu
para que ele o fizesse. Alison se deitou ao lado
dele.

— Tenho muitas perguntas. — ela sussurrou.

— Me pergunte o que quiser, mas também


tenho algumas perguntas. — Alison concordou.

— Acho que gostaria de começar pela sua


idade. — Anpu sorriu.

— Tenho quinhentos anos. — Alison soltou


uma risada nervosa.

— É muito tarde para pedir uma bebida? —


Ele sorriu.

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— Se te consola, no seu planeta, eu teria uns


trinta anos e vou continuar com essa aparência por
mais meio século.

— Não estou preocupada com sua aparência,


quinhentos anos é muita coisa para se viver. Você
já foi casado? Já amou alguém?

— Não. É muito difícil para um macho


Anúbio desenvolver sentimentos, mas, quando
acontece, é para sempre. Se houvesse alguém
importante no meu passado, não estaríamos tendo
essa conversa.

— E Niala? — Anpu se remexeu


incomodado.

— Niala é complicada. Ela... — Anpu ficou


em silêncio.

— Ela tem uma compulsão por você.

— Sim, e isso a deixa perigosa.


Normalmente, quando um macho e uma fêmea se
marcam, não costumam retirar a marca. É um
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lembrete da decisão que tomaram, do sentimento


que possuem um pelo outro. Pedi que retirassem a
sua, porque a colocaria em risco. Não só por Niala,
mas por não ser um relacionamento aceitável em
Thórun. — Alison suspirou.

— Mas ela vai ver a marca em você.

— Vai, e isso vai deixá-la bem ocupada,


procurando uma marca compatível em todas as
guerreiras. Quando não encontrar, vai deduzir que
não foi recíproco.

— Parece que andar de mãos dadas com você


pelos corredores não vai ser algo possível.

— Lá não, mas aqui teremos liberdade.

— Não há liberdade em Thórun para


ninguém. — ela falou aflita.

— Você vai se acostumar.

— Não, eu não vou e me sinto feliz por saber


disso. Porque não quero me acostumar. O que
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Hasani faz é tirania. — Anpu suspirou.

— Existe um juramento. — ele sussurrou.

— Eu sei sobre o juramento, sobre a guerra e


a forma como Sebak conseguiu que se curvassem a
ele. Não julgo seu clã pela decisão que tomaram, eu
teria feito a mesma coisa para proteger minha
família. Mas existem muitas coisas que ainda não
compreendo. Uma noite é muito pouco para tudo
que quero saber, então preciso que seja paciente
comigo.

— Tempo é algo que temos de sobra em


Thórun. — Anpu a puxou para perto e Alison se
aninhou no corpo do guerreiro. — Por que nunca
teve um humano em sua cama?

— Eu desejei ter, acredite, mas os homens


pareciam ter medo de mim. — Anpu gargalhou.

— Não posso culpá-los, até eu sinto medo de


você às vezes. — Alison deu uma cotovelada no
guerreiro.

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— Achei que você era um guerreiro


destemido. Ouvi dizer que o próprio Anúbis fala
em seu ouvido. — Anpu ergueu as sobrancelhas.

— Você tem uma fonte muito bem


informada. — Anpu sorriu e Alison o beijou. Ele se
afastou por um momento. — Achei que queria um
tempo.

— Cala a boca e me beija.

Anpu ficou sobre a jovem, segurando suas


mãos contra o colchão, e aprofundou o beijo. Era
ali que todos os anseios e incertezas se tornavam
nada diante do desejo que sentiam um pelo outro.
Cada toque fazia o cheiro dela impregnar nas
narinas do guerreiro. Ela era como Stakte para ele,
o perfume dos Deuses, era também como Asures, o
demônio das profundezas de seu mundo. Porque ela
o torturava ali gemendo e se contorcendo com seu
toque, se divertindo ao ver aquele macho poderoso
completamente entregue aos seus caprichos.
Humana era uma raça tão frágil para definir alguém
com tamanho poder sobre ele. Ele percorreu a pele
dela, deixando uma trilha de beijos e, quando a
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magia dele a tocou, percorrendo suavemente o


corpo nu, Alison se curvou jogando a cabeça para
trás, soltando gemido baixo. Anpu paralisou e, em
um movimento brusco, se pôs de pé diante dela. Ele
levou as mãos sobre a cabeça, havia terror em seus
olhos. Foi como se o chão abrisse uma fenda sob
ele.

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CAPÍTULO XVI

O horror visível tem menos poder


sobre a alma do que o horror
imaginado.
William Shakespeare
Anpu ainda pôde ouvir a voz de Alison o
chamando quando atravessou o portal. Ele mal se
lembrava da última vez que sentira medo.
De volta a montanha, caminhou para os
andares mais baixos, precisava pensar e organizar o
turbilhão de teorias e especulações que se
formavam em sua mente. Ele estava decidido a
falar com Osíris e pedir um encontro com a anciã.
O que ele havia visto em Alison não era bom e,
mesmo que não encontrasse uma explicação, sabia
que Alison não era humana.
Anpu socou a parede de pedra que formava o
umbral do corredor abobadado. Não havia regras
contra ele tomar uma humana para si, sequer
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alguém pôde imaginar tal coisa para que regras


fossem criadas. Mas reivindicar uma fêmea que não
pertencia a seu clã era proibido por lei. Não uma lei
que Hasani havia criado, era uma lei que existia
desde sempre, criada pelos próprios Deuses para
que as linhagens permanecessem puras.
O medo que percorria a espinha do guerreiro
e invadia aquela escuridão que caminhava com ele
ia além do fato de não poder tê-la. Se ele estivesse
certo, Alison corria perigo e até mesmo ele, com
todo seu poder, seria incapaz de protegê-la.
Anpu começou a ouvir os sons vindos do
salão profundo. O sistro podia ser ouvido a cada
passada e a melodia parecia aplacar sua fúria. Ele
entrou no salão dos Hathor e observou o
aglomerado de machos e fêmeas que dançavam ao
redor de uma fogueira. Eles bebiam e sorriam
enquanto pisoteavam sobre o chão de pedra cinza.
Um povo escravo que vivia naqueles
corredores úmidos, enclausurado nas profundezas
daquela montanha que não passava de um labirinto
de cavernas escuras. Ainda assim comemorava,
confraternizando uns com os outros. Uma fêmea
lhe entregou uma bebida.

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— Obrigada, general, por não permitir que


minha família se separasse. — Anpu olhou para a
jovem curandeira, forçando a mente para descobrir
se a conhecia. — Minha irmã contou que o senhor
teria mantido a identidade do bebê em segredo. E
mesmo após serem descobertos, permitiu que
trouxesse as duas crianças que não possuem o dom.
— Anpu fez um gesto com a cabeça em
agradecimento e voltou a olhar para a fogueira.

O salão estava escuro, o reflexo da fogueira


tremeluzia nas paredes de pedra, casais dançavam e
sorriam distraídos. Ele olhou para além da fogueira
e avistou Mica dançando. Anpu foi na direção da
sobrinha, rodeando a fogueira, e pôde ver quando
Mica beijou alguém que se mantinha oculto nas
sombras.

— Mica. — A jovem deu um sobressalto se


colocando a frente de Osíris.

— Por favor, Anpu, não o machuque, eu o


amo. — Anpu estreitou os olhos para ela.

— Vocês estão loucos? — Falou quase em


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um sussurro. — Juntos na frente de todos.

— Ninguém se importa com isso aqui. —


Osíris disse com a voz firme.

— É verdade, Anpu, olhe! — Ela apontou


para um casal dançando nas sombras. Era um de
seus guerreiros com uma fêmea Rá-Seft e não
estavam apenas dançando, mas visivelmente
apaixonados.

— Mica, isso pode ser perigoso. Não falo só


por você, mas por Osíris também.

— Sabemos nos cuidar. — Mica falou ríspida


e Anpu fez um gesto com a cabeça.

— Não tenho o direito de me meter, mas é


melhor que fiquem em alerta. Osíris, eu preciso
falar com você. — Mica revirou os olhos. — Não
tem a ver com vocês dois.

Eles caminharam para dentro da escuridão,


onde o som era mais baixo.

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— Preciso que marque um encontro com a


anciã.

— Ela não vai recebê-lo. — Osíris falou


aborrecido.

— Essa é uma decisão que somente ela pode


tomar. Diga que sempre soube sobre Rosin e que
preciso de ajuda.

— Quem é Rosin?

— Ela vai entender.

Anpu voltou até a sobrinha, beijou-lhe a


testa, e se retirou do salão, não antes de olhar mais
uma vez para aquela fogueira, para aquele povo que
dançava e sorria encontrando ali um refúgio. Ele
sempre soubera sobre o envolvimento entre os clãs,
mas achou que não passava de curiosidade entre
machos e fêmeas que desejavam experiências
proibidas. O que Anpu viu ali era diferente, aquilo
era envolvimento real. A forma como Mica estava
disposta a enfrentá-lo para defender Osíris. Anpu
chacoalhou a cabeça como se todas as
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preocupações pudessem se desprender e cair ao


chão.
Quando o guerreiro retornou para o chalé,
encontrou Alison dormindo no sofá da sala,
aninhada com Amut. Ele lutou contra a vontade de
carregá-la no colo até aquele quarto, lutou contra a
vontade de fazê-la sua naquele mesmo instante.
Que Anúbis o ajudasse, porque não queria viver em
um mundo onde ela não estivesse ao seu lado. Ele
pegou uma garrafa de vinho e subiu as escadas do
sótão.
Anpu acordou com a claridade em seus olhos,
um barulho de metal se chocando vinha detrás do
chalé. Sua cabeça doía, havia bebido além da conta
e deveria ser tarde. Ele caminhou até o quintal e
Alison estava com o uniforme de treino, lutando
com Amon. Ela possuía duas adagas Itemus nas
mãos, enquanto Amon portava uma espada longa.
O general parou ao lado de Hadan e Nefer para
observar. Alison havia o ignorado completamente.

— Já que ela não possui magia, achamos que


deveria aprender a usar armas. — Hadan falou.

— Ela não está preparada, mal consegue se


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equilibrar em um tronco. — Anpu falou


incomodado.

Alison bloqueou um golpe de Amon,


cruzando as adagas no alto e Hadan sorriu
orgulhoso, olhando para Anpu com deboche.

— Ela está em Thórun agora, o quanto antes


começar a treinar com as armas, melhor. Precisa ter
uma chance de se defender caso você não esteja por
perto.

— Isso não vai acontecer.

— Não vai, Anpu? Tem certeza? Porque


ontem você me deixou sozinha no frio. — Alison
apontou uma das adagas para ele.

— Amut estava com você, não ficou sozinha.

Alison soltou um grunhido enquanto


bloqueava mais um golpe de Amon.

— E para onde você foi que precisou me


deixar sozinha daquele jeito?
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— Que jeito? — Hadan perguntou curioso.

Amon parou a luta para olhar para Anpu.

— Um jeito que nenhum macho deveria


abandonar uma fêmea. — Alison falou com raiva
enquanto golpeava Amon.

Hadan olhou incrédulo para Anpu, que deu as


costas para eles e começou a se retirar. Ela jogou
umas das adagas contra ele, a arma passou próxima
a cabeça de Anpu, cravando na parede de toras do
chalé. Ele parou por um instante, mas não se virou,
saindo em seguida.

— Você lança bem, mas precisamos


melhorar essa mira.

— Não preciso não. — Ela lançou a segunda


adaga cravando ao lado da primeira. — Eu não
queria acertá-lo.

Alison lutou naquela manhã testando várias


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armas. A raiva era como um combustível, ela lutou


contra Nefer depois contra Hadan até que seu corpo
estivesse em frangalhos. Quando eles retornaram
para dentro do chalé, a mesa estava posta com
diversos alimentos. O cheiro delicioso exalava por
todo o chalé e Alison sorriu.
Ainda estava uma fera, mas comida sempre
ajudava a melhorar seu humor. Anpu não havia dito
uma única palavra e ela estava determinada a
ignorá-lo.

— Hoje à noite os Hathor vão fazer uma


breve comemoração ao festival Wag, deveríamos
ir, já que estamos aqui. — Hadan falou esperando
aprovação de Anpu.

— Não acho uma boa ideia.

— Festival Wag? — Os olhos de Alison


brilharam. — No meu mundo, os Egípcios
comemoravam o festival de Wag, agradecendo aos
Deuses pelo período das cheias no Nilo.

— Antigamente era uma grande


comemoração, dizem que todos os clãs se juntavam
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para comemorar e pedir a benção dos Deuses para


um ano produtivo. Hoje é uma comemoração mais
íntima. — Nefer falou desanimado.

— Não há muito o que comemorar quando


seus filhos estão presos na montanha e todo seu
trabalho serve para sustentar a côrte. — Amon
justificou.

— Agora é o festival da bebedeira — Disse


Hadan erguendo os braços.

— Ainda assim parece divertido. Eu vou. —


Alison falou encarando Anpu, esperando que ele a
repreendesse.

— Vai morrer de frio. — Anpu respondeu


sem olhar para ela.

— Eu protejo você do frio, mas precisa se


vestir a rigor. — Hadan falou sorrindo e ganhou um
olhar de aviso de Anpu.

— Eu aceito. — Alison falou em um tom


provocativo. — Uma noite de bebedeira é tudo o
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que eu preciso.

— Logo as chuvas vão começar. Você


deveria aproveitar também, Anpu. — Nefer falou
para o amigo.

— Eu tenho compromisso. — disse irritado.

O corpo de Alison enrijeceu, mas ela se


concentrou na comida. Se Anpu queria sair por aí
sem lhe dar qualquer explicação por sua atitude na
noite anterior, ela não o questionaria novamente.

— Mal posso esperar para ver a roupa que


vão me obrigar a usar.

Alison havia caminhado na companhia de


Amon pelo vilarejo durante aquela tarde. Pilhas de
lenha eram cortadas para alimentar a fogueira
durante a noite. As fêmeas pareciam ocupadas,
bordando e costurando vestimentas para o festival.
Amon a levou até uma casa, onde uma fêmea
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tirou as medidas da jovem. Ela sorriu ao medir sua


cintura e depois o busto.

— Você ficará linda. — A fêmea falou na


própria língua e Alison sorriu em agradecimento.

Aquele lugar era o resquício do que Thórun


fora um dia. Alison se lembrou de como os
descrevera em seu livro. Um povo pacífico que
vivia em harmonia com todos os clãs, inclusive
com os Neterus, que os procuravam sempre que
necessitavam de cura. Um povo que, assim como
ela, não dependiam de magia para sobreviver. Eram
habilidosos com atividades manuais e grandes
inventores. Também possuíam grande
conhecimento agrícola, mas o orgulho desse povo
era quando os Deuses os abençoavam com a magia
da cura.

— Como eles sobrevivem as noites em


Thórun? — Alison perguntou enquanto
caminhavam de volta para o chalé.

— As casas possuem um sistema de


calefação. Não foi construído no chalé, porque não
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precisamos. O chalé é nosso posto desde sempre e


não achamos que seria necessário. Talvez agora
seja algo a se pensar.

— Seria ótimo não morrer de frio todas as


vezes que Anpu resolver sair pela madrugada sem
me dar explicação.

— Dê tempo a ele, tenho certeza que teve um


bom motivo.

— Você está sendo condescendente.

— Eu o estimo como um irmão. — Amon


sorriu. — Mas estou falando porque eu o conheço
bem.

— Eu não sei Amon, foi estranho. Ele parecia


assustado comigo. — Alison suspirou. — Talvez eu
tenha algum problema, Edward falava que era meu
cheiro. Os homens sempre fugiam de mim. — Ela
deu de ombro.

— Anpu a ama, e não falo isso só porque se


marcaram ontem. Desde que você chegou
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sentíamos que ele estava diferente, com o tempo


percebemos o que era, ele apenas não queria
assumir. Na hora certa, ele vai explicar o que
aconteceu e antes que me pergunte, não tem nada
de errado com o seu cheiro. Você só é intensa
demais e acaba revelando sempre o que está
sentindo. — Amon sorriu.

— Pode me ensinar a mudar isso?

— Posso tentar.

— Já é alguma coisa.

Alison se sentou diante de Amon e apoiou o


queixo nas mãos fechadas em punho.

— Tem certeza que esse é o melhor lugar?

— Você precisa de distrações que ativem


suas emoções para poder aprender a controlar.

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Anpu e Nefer estavam cortando lenha atrás


do chalé e Hadan observava Alison ao lado de
Amon.

— Você está irritada.

— Mas eu estou sorrindo.

— As emoções vão ser sentidas pelo seu


cheiro e não por suas ações. Sempre serão sentidas,
não existe uma maneira de evitar isso. O que você
precisa aprender é direcionar para aquilo que quer
demonstrar aos outros. Sorrir enquanto está irritada
não vai mudar seu cheiro.

— Como eu faço isso?

— Engane sua mente para que sinta o que


você decidir que deve sentir. Use suas memórias
para te direcionar para a emoção que quer
transparecer.

Alison se concentrou em uma memória feliz,


no dia em que completou vinte anos, e foi
surpreendida com uma festa surpresa.
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— Você está feliz.

Alison sorriu porque ainda estava irritada,


mas conseguiu mudar seu cheiro. O barulho da
lenha sendo cortada estava tirando sua atenção.

— Voltou a ficar irritada. — Disse Hadan


sorrindo.

Ela olhou dentro dos olhos de Amon e ele


ergueu as sobrancelhas.

— Você é rápida, indiferença é algo que pode


sempre usar para camuflar seu cheiro.
Alison abriu um sorriso largo e Anpu
resolveu tirar a camisa com um sorriso cínico nos
lábios. Amon, que estava de costas para o
guerreiro, estreitou as sobrancelhas ao observar a
jovem.

— Você está excitada?

— Não. Estou lembrando de algo triste. —


Alison ficou vermelha e Amon e Hadan olharam
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para trás.

— Alison se concentra. — Amon falou


desapontado.

— Desculpa.

As tentativas seguintes foram frustradas.


Anpu cortava lenha gargalhando sempre que ela
fracassava. Por último, ela havia mudado de cheiro,
mas não para esconder o que realmente sentia,
estava beirando ao ódio com as provocações do
general.
Mais tarde, Alison tomou banho na pequena
banheira e, quando chegou ao quarto, a roupa
estava em cima do colchão. Ela sorriu. Havia
também uma pequena caixa de madeira e Alison
quase caiu quando abriu a caixa.
Anpu já havia saído do banho quando ela
desceu as escadas e sorriu ao ver a expressão no
rosto do guerreiro, não foi preciso sentir cheiro
algum para entender aquele olhar. Ela vestia um top
minúsculo transpassado na frente e uma saia rodada
com duas aberturas laterais. O conjunto era preto,
mas a saia terminava em tons rajados de laranja e
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azul, imitando as asas de uma borboleta. Na


cintura, havia uma corrente dourada, com
incontáveis escamas pontiagudas do mesmo metal
dourado. Os ombros estavam cobertos por escamas
douradas, que se uniam por correntes delicadas nas
costas. Ela havia prendido parte do cabelo e uma
tiara dourada circulava sua cabeça, descendo em
forma de "V" até o centro da testa. Iria vestida
como um oráculo. Alison caminhou até a sala,
passando pelo guerreiro sem dizer uma única
palavra, Hadan abriu um sorriso largo quando a
viu.

— Se você me deixar passar frio, eu te mato.

— Ninguém sente frio quando bebe o vinho


do festival Wag. Você está linda, Alison. — Hadan
falou.

Os guerreiros estavam empolgados


relembrando as histórias vividas em vários festivais
que participaram, mas Anpu permanecia calado.
Em um momento, quando todos pareciam
distraídos, ele segurou a mão dela levando-a até a
cozinha.
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— Vou precisar sair, Amut vai ficar com


você. Se eu conseguir me liberar antes, encontro
vocês lá. — Anpu se aproximou do ouvido dela. —
Você é a fêmea mais linda que já vi. — Alison
olhou para o chão, ainda estava chateada. Anpu
segurou seu queixo e ergueu sua cabeça até que ele
pudesse olhar em seus olhos. — Eu preciso te
contar uma coisa, não agora, não hoje. Mas você
precisa saber.

— Tem a ver com o fato de você ter fugido


ontem?

— Sim.

— Vou esperar por você. — Alison suspirou.

— Por favor, se cuida e não beba demais ou


vai dar trabalho para o Amut. — Anpu sorriu.

O guerreiro se afastou e abriu um portal.


Alison sentiu seu coração ficar apertado, conforme
ele caminhava na direção daquela luz azul. Anpu
parou diante do portal e olhou para ela. Alison se
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aproximou e, ficando nas pontas dos pés, o beijou.

— Não demore para voltar, Anpu Acool,


porque vou sentir a sua falta. — Anpu fez um gesto
com a cabeça e sorriu pesaroso. Ele atravessou
aquele portal, que desapareceu em seguida.
Bebida era disso que ela precisava. Nem
que Amut tivesse que trazê-la para casa sobre o
lombo.

Ela estava coberta pela magia quente quando


eles saíram do chalé na direção do centro do
povoado. Amut caminhava ao lado da jovem,
atento a qualquer barulho que se formava. O som
do sistro podia ser ouvido de longe e algo dentro
dela se contorceu.
Uma grande fogueira queimava a céu aberto.
Machos e fêmeas dançavam ao redor dela, outros
apenas permaneciam sentados bebendo,
concentrados na melodia que era entoada. As
fêmeas vestiam saias e vestidos esvoaçante e
giravam, mexendo os quadris em uma dança
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sensual.
Hadan entregou uma taça de vinho para
Alison e olhou para fogueira onde as fêmeas
dançavam.

— Há muitos anos, quando Thórun era ainda


um lugar livre, esse festival era uma grande festa.
Não havia apenas uma fogueira como esta. Era
possível ver as fogueiras que se espalhavam por
toda a planície. Cada clã descia até Azires para
pedir as bênçãos dos Deuses e agradecer pelas
chuvas que viriam. Os oráculos dançavam ao redor
das fogueiras e faziam previsões do futuro,
conforme os Deuses lhes permitiam ver. Os
curandeiros curavam o povo, ainda que fossem
pequenas dores e machucados. Nós, os Anúbios,
confortávamos aqueles que ainda permaneciam de
luto, colhendo o sofrimento com nossa magia. Os
Neterus caminhavam entre o povo, vindo de todos
os cantos de Thórun e, mesmo não havendo uma
cumplicidade com os Rá-Seft, era uma noite de
paz. Os guerreiros Itemus se despiam de suas
armaduras e abandonavam suas armas. Este era um
dia sagrado para todos. — Hadan suspirou. — É
triste ver o que se tornou, o que nos tornamos. —
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Hadan olhou para a mão que se preencheu com


aquela névoa negra.

— Todos evoluímos para sobreviver, no final


das contas, é isso o que importa. — Nefer falou
para o amigo.

— É mais difícil para aqueles que tiveram


que se ajoelhar. — Hadan falou com amargura.

— Você teve que fazer isso? — Alison


perguntou.

— Eu só tinha cinco anos, mas nunca


consegui esquecer os olhos dele quando matou
meus pais e minha irmã. — Hadan virou o restante
do vinho em apenas um gole. — Quando olho para
Hasani, vejo os mesmos olhos de Sebak. Foi a mãe
de Anpu quem me salvou, dizendo que eu era seu
filho. Eu teria morrido pela decisão dos meus pais
em não se curvar a ele.

— Eu sinto muito, por tudo que tiveram que


passar. Por tudo que passam desde então.

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— Meu maior sofrimento é saber que nunca


poderei matá-lo, mesmo que eu queira, esse
juramento me impede.

— Bom, eu nunca jurei nada para ele. —


Alison falou sorrindo e Hadan sorriu para ela.

— Queria que fosse tão simples. Hasani tem


um exército de Anúbios para protegê-lo. Se ele
ordenar para que Anpu a mate, ele teria de fazer. O
melhor que poderia oferecer é a misericórdia de
uma morte rápida. — Alison se encolheu diante
daquelas palavras.

— Há anos que lutamos para desfazer o


juramento, mas a magia é poderosa demais. O
máximo que conseguimos é omitir informações. Se
Hasani não sabe, não pode nos dar ordens. — Nefer
falou enquanto enchia as taças com mais vinho.

Alison olhou para um portal que se formava


próximo a fogueira, todos se levantaram e se
aproximaram do portal. Os curandeiros da
montanha começaram a atravessar um após o outro.
Cada um encontrava suas famílias. O sistro passou
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a ser tocado com mais intensidade para abafar o


som do choro que se formava. Aquele festival não
era mais para agradecer aos Deuses pela chuva e
sim para agradecer aos Deuses por permitirem um
reencontro.
Outros portais foram abertos e dezenas de
curandeiros atravessavam. Não havia mais
fogueiras espalhadas pelas planícies, agora eram
luzes de portais trazendo as raízes de um povo
quebrado. Trazendo o orgulho de Thórun para
chorar naquela noite ao lado de seus familiares.
Quando o choro cessou e todos se sentaram
de novo para beber abraçados com seus
curandeiros, Alison pôde ver Mica e Osíris, que se
aproximavam da fogueira.

— Mica. — Ela correu ao seu encontro e a


abraçou. — Senti saudades.

— Você está tão linda. — Mica se afastou


para olhar para a amiga. — Eu disse que deveria ter
vindo de vestido. — ela falou aborrecida com
Osíris, lhe dando uma cotovelada.

Alison olhou para Osíris e sorriu, depois


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olhou para amiga e, antes que pudesse falar, Mica a


interrompeu.

— Sim, é o que você está pensando. Anpu já


sabe, então decidimos vir juntos. — Mica olhou
carinhosa para Osíris e depois correu os olhos pelo
lugar.

— Fico feliz por vocês e surpresa também.


— Alison falou sorrindo enquanto avaliava Osíris.

Mica avistou Nefer e Hadan e correu ao


encontro dos guerreiros, se jogando nos braços de
Hadan e depois de Nefer que a rodou no ar.

— Onde está Amon?

— Foi para o Norte ver se há movimento.


Logo ele volta.
Mica voltou para Alison e segurou nas mãos
da amiga.

— Lamento tanto por não estar com um


vestido. Mas isso não vai nos impedir de dançar,
esse povo precisa de alegria.
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— Mica, eu acho que preciso de mais bebida


antes de dançar. — Alison sorriu envergonhada.

— Não seja por isso. — Mica foi até Nefer e


pegou a garrafa de vinho que o guerreiro segurava.
— Beba. — ela disse enquanto entregava para a
amiga.

Alison virou aquele vinho no gargalo sem


parar para respirar e, quando lhe faltou fôlego, já se
sentia tonta.

— Agora estou melhor.

Mica ensinou os passos da dança. Logo


haviam secado o vinho da garrafa e dançavam de
forma sensual. As fêmeas voltaram a dançar se
juntando a elas ao redor da fogueira. Amut
permanecia por perto, junto com Fukayna, que
parecia dançar desajeitada a cada passada que dava
ao som do sistro. Amut olhava para Fukayna de
soslaio sem movimentar um único músculo.

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Anpu atravessou para Azires. Quando seus


olhos percorreram o lugar em busca do curandeiro,
ele a viu. O vento gelado o atingiu fazendo seus
cabelos dançarem. Seus olhos permaneceram
vidrados em cada movimento de Alison. Linda, ela
estava linda. Anpu engoliu seco. O guerreiro fez
uma oração silenciosa para Anúbis. Ele não se
importou por ser egoísta quando pediu para que
Anúbis lhe mostrasse o caminho que deveria trilhar
para que seu destino fosse de encontro com o dela.
Ele não se importou com o preço que Anúbis
cobraria por aquele favor, apenas exigiu que
concedesse sua benção.
Anpu se virou e pôde ver que Osíris vinha ao
seu encontro quando um grito de surpresa ecoou e
logo o som do sistro parou. Anpu se voltou para a
fogueira, mas já havia um aglomerado de machos e
fêmeas que tapavam a sua visão. Foi quando ele
ouviu o rugido de Amut e suas pernas quase
falharam.
Ele correu na direção da fogueira e Osíris
passou a segui-lo. Ele abriu caminho entre a
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multidão que parecia chocada com que viam.


Alison se contorcia como se não houvesse
gravidade em Thórun. Seus cabelos flutuavam e
aquela marca em sua testa brilhava mais uma vez.
Seus olhos refletiam uma luz branca enquanto ela
permanecia suspensa no ar, como se estivesse em
transe.
O sistro voltou a ser tocado com uma melodia
intensa e antiga e Amut rosnava para qualquer um
que tentava se aproximar dela. As brasas da
fogueira flutuavam, se misturando ao corpo de
Alison como se borboletas flutuassem saindo de
suas vestes.
A respiração de Anpu estava pesada e o peito
do guerreiro subia e descia rapidamente. Ele olhou
para Hadan e Nefer, que estavam a alguns passos
dele, e pôde ver que estavam em choque. O corpo
de Alison começou a se aproximar do chão e Anpu
se abaixou para ampará-la.
Ninguém ousou dizer uma única palavra e o
macho que tocava o sistro parou a melodia. Alison
abriu os olhos e viu Anpu. Lágrimas escorriam por
seu rosto e ela segurou forte a mão do guerreiro.

— Tirem os curandeiros daqui, Hasani está


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vindo com Niala. Estão procurando uma fêmea,


uma anciã. Haverá morte se não saírem agora.

— Abram portais agora e atravessem os


curandeiros. — Anpu ordenou em um grito.

Portais foram abertos pelos guerreiros


Anúbios no mesmo instante e os curandeiros
corriam para atravessar.

— Osíris, onde está a anciã?

— Está no teu chalé.

— Eu vou levá-la para um lugar seguro.


Ajude todos a atravessarem.

Osíris começou a orientar para que todos


atravessassem pelos portais.

— Mica, me dê a sua jaqueta. — Ela retirou a


jaqueta e entregou para Anpu. Ele vestiu em Alison
e retirou a tiara dela entregando para Mica. —
Ajude a Osíris e saiam todos daqui. Voltem para
suas casas e apaguem as luzes. — Anpu gritou e
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todos seguiram apressados, se alojando nas casas


mais próximas.

— Devemos apagar a fogueira? — Hadan


perguntou.

— Não, eles vão sentir o cheiro, apenas


diminuam o fogo, sentem ao redor da fogueira e
bebam descontraídos.

Anpu pegou uma garrafa de vinho e


derramou um pouco sobre a jaqueta que Alison
vestia.

— Indiferença, você lembra quando fez seu


cheiro se tornar indiferença? — Alison balançou a
cabeça concordando. — Finja que está bêbada e, se
precisar, vomite de novo. Eu vou levar a anciã para
um lugar seguro, mas volto o mais rápido possível.

Anpu ergueu o olhar e viu que os últimos


curandeiros atravessavam, o lugar ficava vazio.

— Amut, fique com ela. Mate qualquer um


que tentar feri-la. Onde está Amon?
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— Foi para o Norte monitorar o movimento,


deve voltar logo. — Nefer respondeu enquanto
usava magia para abafar o fogo.

— Se perguntarem onde estou, digam que


uma fêmea entrou em trabalho de parto e fui
conferir se a criança nasceu com o dom. Volto
assim que levar a anciã para longe. — Anpu beijou
a testa de Alison, onde não possuía mais vestígio
daquela marca. — Obrigado.

Alison se sentou em um tronco próximo de


Hadan e Amut ficou sentado ao seu lado.

— Indiferença. — disse Hadan segurando a


sua mão.

Alison emitiu o cheiro no mesmo instante e


Nefer começou a cantar uma canção enquanto
bebia. Ela derramou mais um pouco de vinho sobre
si e bebeu grandes goles. Contava para os
guerreiros como se sentia idiota por ter passado
uma vida inteira morrendo de medo de aranhas
quando um portal se abriu e Hasani atravessou
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seguido por Niala.

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CAPÍTULO XVII

Sabemos o que somos, mas não


sabemos o que podemos ser.
William Shakespeare

O Rei percorreu os olhos por cada guerreiro,


então olhou para Amut e para a humana bêbada
sentada ao lado.

— Majestade, está tudo bem? — Nefer


perguntou enquanto ficava de pé e fazia uma
reverência.

Alison tentou se levantar, mas parecia que


iria cair aos pés do Rei. Ele a dispensou com um
aceno de indiferença.

— Não era para ter uma festa aqui? —


Hasani perguntou olhando para Niala com raiva.
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— Mais cedo todos se preparavam para o


festival, eu vi com meus próprios olhos.

— Niala, fala a verdade, quando chegamos, a


fogueira já queimava alto. Anpu os expulsou para
suas casas e não nos importamos em ficar com suas
bebidas.

— Vocês não deveriam estar ao Norte? —


questionou o Rei.

— Amon está monitorando para ver se há


movimento, em breve deve retornar com notícias.
— Hadan falou sem olhar nos olhos do Rei.

— Onde está Anpu? — Niala perguntou entre


dentes.

Os guerreiros a ignoraram. O rei, vendo que


ninguém responderia a ela, fez a mesma pergunta.

— Anpu foi ver a fêmea que entrou em


trabalho de parto nesta tarde, Majestade. Disse que
retornaria assim que certificasse sobre a criança. —
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Nefer fez questão de responder para poupar o


amigo.

— Eles se multiplicam como ratos. — Hasani


fez uma cara de nojo. — Parece que meus
guerreiros já cuidaram de tudo por aqui. Ao meu
ver, chegamos tarde para a festa. — Hasani falou
erguendo os braços inconformado por ter saído de
seu conforto.

— Majestade, talvez a anciã ainda esteja por


aqui.

— Anciã? — Perguntou Hadan surpreso. —


Não ouvimos tal boato, o paradeiro dela continua
oculto para os nossos espiões.

— Consegue sentir o cheiro dela, querida


Niala? — A guerreira enrijeceu o corpo.

— Não, Majestade, só sinto o cheiro da


humana bêbada.

Hasani voltou a olhar para Alison e depois


para Amut.
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— Ela não parece muito bem, é melhor irmos


antes que comece a vomitar. — o Rei falou com
nojo. — Da próxima vez, Niala, que me fizer sair
de meus aposentos apenas por um boato, vou
castigá-la.

Niala abaixou a cabeça e trincou os dentes.


Um portal se formou atrás deles e Amon
atravessou.

— Majestade. — Amon fez uma reverência.

— Notícias?

— Sim, Majestade. Permanecem todos no


mesmo lugar, nossos Neterus passarão os próximos
dias vigiando. Assim que se movimentarem,
partiremos novamente. — Hasani assentiu.

— Aproveitem a folga. Quando Anpu


retornar diga para que fique uns dias em Azires e
que me procure assim que houver movimento.
Avisem-no sobre o boato da anciã. Vai ser bom que
ele permaneça aqui por uns dias. — Hasani olhou
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para Niala. — Abra o portal.

Niala abriu o portal para seu Rei. Antes que


seguisse seus passos, ela encarou Alison por um
instante, fazendo Amut rosnar em aviso. A
guerreira sorriu com deboche e atravessou. Todos
pareciam respirar aliviados. Anpu se aproximou
deles, saindo da escuridão.

— Você estava por perto?

— Sim, achei que seria melhor não interferir.


O que ele disse? — Anpu perguntou olhando para
os amigos.

— Ele sabia sobre a anciã. Niala esteve aqui


durante a tarde e viu os preparativos para o festival,
mas Nefer foi rápido em inventar uma desculpa.
Você precisava ver a cara que Niala fez quando não
encontrou nada. — Alison falou sorrindo.

Todos olharam para ela.

— Como entendeu a conversa? — Nefer


perguntou incrédulo.
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Alison tapou a boca, se dando conta que


havia entregado seu segredo.

— Há quanto tempo entende nosso idioma?


— Amon perguntou.

— Tempo bastante para saber que estão


monitorando os desgarrados no Norte. Agora que já
sabem, quero saber sobre essa anciã. — Alison
falou olhando para Hadan.

Anpu sorriu.

— Creio que antes de tudo, precisamos saber


quem é você. — Alison abaixou a cabeça.

— Não sei se estou preparada para isso.

— Você não está sozinha, Alison, e fingir


que não sabe, não vai mudar quem você é. —
Hadan falou de forma gentil.

— Nefer, avise a todos para que permaneçam


em suas casas. Niala pode voltar para monitorar.
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Não demore, precisamos conversar.

Anpu se voltou para Alison e segurou sua


mão.

— Vamos para casa?

Alison estava sentada no sofá, olhando para


os quatro machos em pé diante dela. Anpu e Hadan
eram visivelmente mais altos que Nefer e Amon,
ainda assim, todos pareciam grandes demais.

— Ela é o que eu estou pensando que é? —


Nefer perguntou sem desviar os olhos da jovem.

— Do que estão falando? — perguntou


Amon.

— Creio que sim, mas só a anciã poderá


confirmar. — Anpu falou enquanto analisava cada
centímetro dela.

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— Anciã? Então Niala estava certa? A anciã


esteve aqui? — Amon perguntou novamente.

— Você precisa mesmo da confirmação de


uma velha? — Hadan falou. — Não viram o
mesmo que eu vi?

— O que vocês viram? — perguntou Amon


angustiado.

— Precisam concordar que ela não é


exatamente como as histórias contam. Você deve se
lembrar de algo? — Anpu perguntou para Hadan.

— Eu era muito jovem, talvez seu irmão se


lembre.

— Lembrar-se do quê? — Amon perguntou


cruzando os braços.

— Não vou envolver meu irmão nisso. Não


antes de ter certeza.

— Dá para explicar do que estão falando?


Porque estão olhando para ela como se ela fosse...
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— Amon se interrompeu.

— Um oráculo? — Alison perguntou. — É


isso que eu sou?

Amon ergueu as sobrancelhas e gargalhou,


mas sua risada ecoou sozinha pela sala.

— Não podem estar falando sério? Ela tem


vinte e quatro anos e os oráculos foram extintos há
mais de quinhentos anos. — Amon olhou para
Anpu com as mãos erguidas. — Ela é humana,
cheira como uma humana.

— É por isso que precisamos falar com a


anciã, têm muitas coisas que não se encaixam. O
único de nós que viu um oráculo foi Hadan e ele
não se lembra.

— Alguém pode me explicar o que aconteceu


para que achem que ela seja um oráculo?

— Ela previu a vinda de Hasani hoje. —


Nefer falou para Amon.

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— Ela não fez uma simples previsão. Ela


flutuou ao som do sistro, como se não houvesse
gravidade e uma marca brilhou na testa dela. Os
olhos dela brilharam uma luz branca, exatamente
como contam as histórias sobre os oráculos. —
Hadan falou exasperado. — E ela é virgem. —
Alison revirou os olhos.

— Não por minha culpa. — A jovem cruzou


os braços olhando para Anpu.

— Essa não foi a primeira vez que ela previu


o futuro. — Os guerreiros se voltaram para Anpu.
— A marca apareceu nela pela primeira vez no
momento em que fui matá-la e se intensificou
quando atravessamos o portal. Eu não sabia o que
era então decidi não contar nada até descobrir. Uma
segunda vez aconteceu durante a noite, eu estava
retornando de uma caçada com Amut e ouvi um
grito. Quando entrei no quarto, ela parecia em
transe e a marca havia voltado. Mas nada como
hoje. Nas duas vezes, ela teve visões, achei que
poderia estar sob o efeito de alguma magia antiga,
porque essa marca é diferente de tudo que já vi.
Mas ontem à noite... — Anpu suspirou. — seus
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cabelos começaram a flutuar como hoje, então eu


soube que ela não era humana.

— Foi por isso que me deixou sozinha?

— Sim. Fui procurar Osíris, precisava ver a


anciã. Ela pode ter as respostas para o que não
compreendemos.

— Achei que Sebak havia matado todos os


anciões.

— Eline é a única anciã que escapou, desde


então vem sendo caçada.

— Conseguiu falar com a anciã? Ela disse


alguma coisa importante? — Amon perguntou.

— Ela precisa ver a marca para tentar


compreender. Mas falou sobre uma profecia que
pode estar relacionada com a existência de um
oráculo. O Rei Airon revelou para Sebak antes de
morrer. Sebak mandou que tecessem uma tapeçaria
contando a profecia para que seu filho não viesse
esquecer. Duas fêmeas Rá-Seft teceram a tapeçaria
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e, quando acabaram, foram mortas. Parece que


Hasani mantém a tapeçaria escondida de todos.

— Como nunca ficamos sabendo sobre isso?

— Se é um segredo tão bem guardado,


ninguém além de Hasani deve saber. Talvez
Domec, que ficou responsável por sua criação. Vou
falar com Mica para que peça a Osíris para
investigar entre os criados se existe algum lugar em
que são proibidos de entrar. Creio que, se ele
esconde algo, seria proibido o acesso até mesmo
aos criados.

— Ou ele pode ter escondido embaixo dos


olhos de todos. Se Sebak matou todos que sabiam
sobre a profecia, ninguém se importaria com uma
tapeçaria se não estivesse procurando.
— Talvez Alison tenha razão, talvez sempre
esteve diante de nossos olhos. — Amon falou.

— Fiquem atentos a partir de hoje. Se virem


a tapeçaria, não demonstrem interesse ou ele
saberá. — Anpu se aproximou do sofá. — Se você
for realmente a última Rá-Thoth, corre um grande
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perigo. Hasani não pode sonhar com isso.

— Todos viram o que aconteceu hoje


comigo.

— Ninguém do clã Hathor falará uma única


palavra. Odeiam Hasani mais do que tudo. Os
Anúbios que estavam presentes são de confiança.

— Mas se ela é um oráculo, não deveria


saber manipular magia? Como pode ser totalmente
inerte? — Amon questionou.

— Se ela for um oráculo, passou os últimos


quinhentos anos vivendo como humana, e pode
simplesmente não saber manipular magia. — Nefer
respondeu

— Eu tenho vinte e quatro anos e não


quinhentos.

— Você não tem vinte e quatro anos. Essa


marca na sua testa é antiga e os humanos não
conseguem prever o futuro.

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— Há humanos que discordariam dessa


afirmação. — Alison falou para Hadan e o
guerreiro revirou os olhos.

— Se essa marca foi posta nela para reprimir


a magia? Ela estava vivendo no mundo deles, seria
prudente parecer com eles. — Amon ponderou.

— Talvez eu não seja totalmente inerte a


magia.

Os quatro guerreiros se voltaram para ela,


esperando uma explicação.

— Supondo que sou realmente um oráculo,


devo ter sido enviada para Terra para que minha
vida fosse poupada do massacre. Por que retirariam
minha magia e me deixariam indefesa? Não faz
sentido. Se minha magia foi reprimida, por que
tenho as visões? O que mais um oráculo pode
fazer?

— Com toda certeza pode se aquecer no frio,


mas você teria morrido aquela noite se não fosse
por Amut. —Anpu falou pesaroso.
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— Eu nunca tentei usar magia para me


aquecer. Nem mesmo sei como fazer isso. Mas
consigo fazer uma coisa. — Alison esticou o corpo
ficando com a coluna ereta e fechou os olhos. Ela
buscou aquela magia aprisionada em sua mente. Há
meses que vinha treinando e encurralando aquele
pequeno aglomerado de poder em sua mente. Ela
sabia que aquela magia respondia ao seu toque, mas
nunca se arriscara a ser invasiva, com medo de
Anpu perceber.

A jovem estreitou a barreira, encurralando a


magia e então atacou com toda a força, jogando
aquela barreira contra a magia dentro dela. Anpu
caiu sobre os joelhos grunhido, enquanto segurava
a cabeça com as duas mãos. Os guerreiros olharam
para ela perplexos.

— Como fez isso? — Anpu perguntou


enquanto ficava novamente em pé.

— Não sei. Apenas percebi que a magia


responde ao meu toque.

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— Nunca ouvi falar que oráculos pudessem


fazer tal coisa. — Hadan questionou.

— Por que não me falou sobre isso?

— Porque eu não quis.

— Alison, você não compreende o quanto...

— Sim, eu compreendo, Anpu. Eu sei o


quanto será perigoso se eu realmente for um
oráculo. Mas minha vida esteve em perigo desde o
dia em que escrevi sobre Thórun. Eu sobrevivi a
você, a Amut, a uma aranha gigante. Sobrevivi ao
frio e sobrevivi a Hasani. Fiz amigos aqui e
encontrei mais do que poderia imaginar que um dia
encontraria. Então me leve até a anciã, porque
quero saber quem eu sou. — Amut se aproximou
dela e se esfregou em suas pernas. O Neteru sentou
ao lado de Alison e ergueu as orelhas, olhando para
Anpu. Desde o início, ele soube quem ela era;
lutaria ao seu lado se fosse preciso.

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Alison colocou a camisola e caminhou até o


colchão onde Anpu estava. O cabelo do guerreiro
ainda estava úmido quando ela se deitou sobre seu
braço.

— Você sabe que essa camisola não me


ajuda.

— É por isso que estou usando. — Alison


sorriu com malícia.

— Se você for um oráculo, vai precisar dos


seus poderes. Eu não poderei tocá-la.

— Eu sei. — ela falou pesarosa.

— Hoje você salvou muitas vidas. Esse é um


dom poderoso que pode fazer toda a diferença. Não
poderia tirar isso de você. — Anpu beijou a cabeça
da jovem enquanto a envolvia em seus braços.
Alison se virou para ele.

— Tem muitas coisas que podemos fazer sem


que eu perca a virgindade. — Ela sorriu maliciosa.
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— Asures teria inveja de você. — Anpu


sorriu e a puxou sobre ele.

— Não sei quem é Asures. — Alison falou


enquanto percorria a boca sobre o peito do
guerreiro.

— É um demônio terrível. — Anpu


entrelaçou os dedos nos cabelos dela. — Mas você
o supera.

— Então sou um demônio? — Alison ergueu


a cabeça para olhar para ele.

— Sim. — Anpu falou em um gemido. —


Um demônio muito pequeno e poderoso que adora
me torturar. — Alison sorriu e abriu o botão da
calça de couro.

— Você não viu nada.

Anpu não sabia se aquilo era comum entre


humanos, mas para ele não era. Seus dias ao lado
de Alison sempre foram assim, repletos de
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surpresas e desafios. Como um demônio que burla


as regras, ela o fez sentir tanto prazer, como
nenhuma outra fêmea havia feito. Então ele
mostrou a ela as coisas que ela não conhecia.
Mesmo com todas as restrições, eles se
amariam. Que Anúbis o ajudasse, porque ele
morreria antes de fazer algum mal a ela!

Três dias havia se passado até que Anpu


conseguisse um encontro com a anciã. Três dias
muito proveitosos na opinião do general. Agora
Alison estava diante de Eline, que analisava a
jovem com atenção.

— Então você prevê o futuro. — Eline falou


na própria língua e Alison assentiu. — Onde está
sua marca?

— Ela só aparece quando tenho as visões. —


Alison falou na língua local, fazendo Anpu erguer
as sobrancelhas.

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— Sem que eu possa ver a marca, não posso


dizer muita coisa. Mas você não é humana, isto é
fato.

— Se não sou humana, como pude viver


quinhentos anos entre eles?

— Me mostre sua marca e talvez eu consiga


responder suas perguntas.

Anpu entregou a ela um papel onde havia


desenhado a marca. Eline analisou o desenho com
cautela. A pele enrugada mostrava a vastidão de
anos vividos pela curandeira. Alison se encolheu ao
imaginar quantos anos seriam precisos para que
chegasse à aparência de anciã. Eline olhou nos
olhos da jovem e sorriu.

— Você é um oráculo preso em um corpo


humano.

— Como isso é possível?

— Magia! Magia antiga e poderosa. Esse


símbolo não é do nosso mundo, é do seu. — Eline
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apontou para a lua minguante. — Do mundo onde


pertence esse corpo, porém, vejo símbolos menores
na nossa língua antiga.

— Mas não existe magia no meu mundo. —


Eline gargalhou.

— Não existe ou você não tem


conhecimento? — Alison se encolheu diante da
curandeira. — Achem a tapeçaria onde conta a
profecia. Se existe um oráculo vivo, a profecia deve
estar entrelaçada ao seu destino. Traga para mim,
eu irei decifrar. — A anciã olhou para Anpu. — Se
quer ajudá-la, procure pelas bruxas Wiccas na
Terra. Mostre a elas o símbolo e descubra o que
significa. Talvez encontrem a resposta que
procuram.

Anpu fez uma reverência de agradecimento


para a anciã e Alison o imitou.

— Se quer o meu conselho, não toque nela


até que este mundo seja um lugar seguro. A vida
dela pode depender dos dons que ela possui. Assim
estarão sempre um passo à frente de Hasani. —
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Anpu fez um gesto com a cabeça, mas o brilho de


seus olhos sumira. — Se ainda me permitem, eu
não traria seu Itemu para Thórun até que esteja com
a pedra de Thuran.

Alison ergueu as sobrancelhas e encarou


Anpu. Os olhos dela se encheram de lágrimas. Um
Itemu era isso que Edward era.
Muita coisa passou a fazer sentido quando ela
pensou sobre Edward ser seu Itemu. Era muito mais
fácil crer que ela era um oráculo quando pensava
em Edward, quando se lembrava de como esteve ao
seu lado. Aquele sentimento, aquele amor que ela
sentia por ele, existia a mais tempo do que uma
vida humana. Alison se lembrou daquela conversa
com Mica. Quando nascia um Rá-Thoth, nascia
também um Itemu e suas almas eram ligadas para
sempre.
Alison voltou com um sorriso nos lábios,
saber que Edward era seu Itemu mudava as coisas.
Por mais que ainda se sentisse deslocada por
pertencer a dois mundos tão diferentes, saber que
Edward faria parte da vida dela a deixava animada.
Eles entraram no chalé e apenas Amut os
aguardava.
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— Anpu, você vai para a Terra?

— Não, nós vamos. Você precisa treinar e


ficar forte. Eu vou descobrir sobre a profecia e
então vamos voltar para Terra e descobrir sobre
essa marca. Vamos recuperar a pedra de Thuran e
trazer seu Itemu de volta para Thórun, de onde
nunca deveria ter saído.

— Ver você falando assim parece tão fácil.

— Não vai ser fácil e será perigoso, mas é


seu destino. Não consigo parar de pensar que você
poderá quebrar esse juramento.

— Acha que, se o juramento for quebrado, os


guerreiros Anúbios ficarão do nosso lado?

— Uma boa parte. Mas existem aqueles que


compactuam com os métodos de Hasani.

— Como Niala?

— Sim.
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— Não consigo compreender. Se Niala o


ama, por que fica contra você?

— Niala não me ama, nunca amou. A única


coisa que ela ama é o poder. O que a move não é
amor ou paixão. Niala só quer uma única coisa de
mim, um filho.

— Um filho? — Alison falou exasperada.

— Quando Sebak liberou o poder sobre os


que se curvaram a ele, apenas duas fêmeas estavam
grávidas. Minha mãe era uma delas e a outra era
mãe de Niala. De alguma forma recebemos mais
poder que a maioria, mas desconfio que seja o
próprio Azures quem fala com ela.

— Então ela quer um filho seu, porque sabe


que nasceria poderoso.

— Sim, alguém que ela poderá criar e


manipular ao seu favor.

— Isso é muito pior do que eu imaginava. —


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Alison suspirou pensativa. — mas estou disposta a


enfrentar o que for preciso. Se isso significa trazer
Edward para Thórun, se significa libertar todos de
Hasani.

Edward já havia perdido as contas de quantas


vezes leu aquela carta. A surpresa dele, ao
encontrar no livro as mesmas características da
criatura que a levou, o deixou horrorizado.

Guerreiros Anúbios

Edward balançou a cabeça em negativa. Se


ele não tivesse visto com os próprios olhos, jamais
acreditaria.

Como ela sabia?

Ele olhava para baixo, a altura que sempre


lhe causou vertigem agora o chamava. Não queria
morrer, isso nunca passou por sua cabeça, mas, de
alguma forma, aquilo que ele vira o mudou.
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Ele nunca fora alguém normal, isso era fato.


Os impulsos que sentia rugindo dentro dele e que
tanto tentava esconder estavam prestes a explodir
em seu peito. A velocidade sempre o atraiu, mas
todas as vezes que ele se arriscou, coisas ruins
aconteceram. Então ele decidiu que jamais iria
dirigir novamente. Mas agora seus instintos diziam
para se jogar de um prédio, a velocidade de um
carro seria pouco para conter o que queria sair de
dentro dele. Como se um animal quisesse tomar o
controle de sua vida, de sua mente, ele ficou de pé
no terraço daquele prédio e olhou para baixo. O
vento fez balançar os cabelos loiros e Edward
passou a mão sobre a barba crescida. Quase dois
anos havia se passado, mas ela estava viva e havia
encontrado apoio de amigos para sobreviver, seja lá
onde estivesse.
Ele abriu novamente aquela carta.

Edward,

Se eu pudesse falar tudo o que queria,


certamente você iria abrir aquele sorriso cínico só
seu. Então me diria que estou louca, mas quero que
você saiba que sinto sua falta. Não houve um dia
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em que eu não tenha lembrado de você.


Sei que você deve estar confuso e
desesperado, mas preciso que acredite que estou
bem. Encontrei amigos por aqui e sou mais forte do
que você imagina. Para que eu tenha forças para
enfrentar as coisas por aqui, preciso saber que
você está bem.
Outra noite, tive um sonho, você caía de um
prédio. Se isso fosse verdade, eu desistiria de tudo,
porque não faria sentido continuar. Então, meu
querido, erga o dedo mínimo e jure que você ficará
bem, porque, quando eu voltar, vou precisar de
você.
Não esqueça de que me prometeu ler o livro,
espero que ele conforte você.
Alison Evans.

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CAPÍTULO XVIII

Eu sei de que maneira pródiga a


alma empresta juramentos a língua
quando o sangue arde.
William Shakespeare
Há meses que as chuvas haviam chegado a
Thórun e com elas as limitações para os treinos.
Alison não voltou para montanha naquele ano,
agora treinava no enorme celeiro dos Hathor. Nefer
e Hadan haviam partido para o Norte, vindo para
Azires a cada três dias. O desenvolvimento da
jovem era notório, porém, ainda possuía
dificuldade em golpes que necessitavam de força.
Por diversas vezes, ela desejou possuir uma
arma de fogo, as chances dela aumentariam muito
em um confronto, porém, armas humanas não
teriam efeito algum naquele mundo. Não quando se
lutava contra alguém com magia. Apesar das armas
Itemus serem arcaicas e pesadas demais para uma
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humana portar, elas foram forjadas sob magia.


Alison havia treinado duro, quase sempre era
ela quem esperava Amon na sala para seguirem até
o celeiro antes de a claridade chegar. Um sistema
de aquecimento foi instalado no chalé, não apenas
porque Anpu precisava estar à disposição de
Hasani, mas também porque haviam decidido não
dormirem mais juntos.
Antes de tomarem essa decisão, tiveram
momentos difíceis para ambos e dormir separados
foi a melhor solução. Evidente que os humores
haviam se alterado, mas ela não era mais uma
menina. Alison era uma fêmea de mais de
quinhentos anos, aquela decisão foi algo pensado.
Era uma vantagem que não poderia ter o luxo de
desperdiçar.
Anpu não pediu para que ela devolvesse a
magia que mantinha presa e, de certa forma, Alison
se sentia aliviada. Havia se acostumado com a
presença do guerreiro em sua mente e, quando ele
se ausentava por semanas inteiras, era bom ter parte
dele com ela.

— Você estava distraída hoje. — Amon


entregou a capa para ela.
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— Acho que estou ansiosa. Será que Anpu


virá hoje?

— Eu espero que sim e volte com boas


notícias.

Alison suspirou diante da porta aberta do


celeiro. A chuva era quase sempre torrencial,
deixando um tom acinzentado sobre Thórun.

— Eu também. — Ela sussurrou.

Alison cobriu a cabeça com o capuz e


abraçou o corpo dolorido, caminhando para dentro
da tempestade. Eles correram até o chalé, como
faziam todas as tardes após os treinos. Apesar da
necessidade das chuvas, ela poderia jurar que todos
pareciam afadigados após quase cinco meses. As
sementes já estavam sendo preparadas para o
plantio, dando os primeiros prenúncios da
estiagem.
Thórun havia se tornado um grande mangue
cinzento e gelado. Até mesmo a vegetação mais
densa parecia se encolher diante da chuva
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incessante. É claro que os Hathor sabiam muito


bem como aproveitar esse tempo de ociosidade no
plantio. Era uma época para abastecer a côrte com
roupas novas. Alison havia sido presenteada com
inúmeras peças de roupas, ela sequer viu quem as
trazia, mesmo assim, durante uma semana inteira,
foi lhe deixado presentes à sua porta.

— Como é seu Neteru? — Alison chacoalhou


a capa de chuva, pendurando na parede do chalé.

— É da espécie dos voadores.

— Como Fukayna? — Amon sorriu enquanto


pendurava apropria capa.

— Não como Fukayna. Acredito que ele


pareça ser um tanto mais letal.

— Acha que ele vai gostar de mim?

— Estou louco para saber. Se eu fosse você,


não se empolgava muito, ele é na dele.

— Como o parceiro então. — Alison sorriu.


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— Isso é um elogio?

— É sim. Vocês formam uma boa equipe.


Hadan é irreverente demais, Nefer, volúvel demais,
você é cético demais e Anpu... — Alison parou por
um instante. — Anpu é um desgraçado, mandão
demais, mas os quatro juntos formariam um macho
perfeito e deve ser por isso que trabalham tão bem
juntos.

— Nefer adoraria saber que você o acha


volúvel. — Alison sorriu imaginado o que ele diria.

— Ele me torturaria no treino.

— Todos nós temos torturado você nos


últimos meses.

— Tem mesmo. — Ela sorriu.

— Os resultados estão aí. Você ganhou


músculo e habilidades.

— Mas ainda é um corpo fraco demais para


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prender um guerreiro.

— É por isso que está treinando com armas.


Quando a hora chegar, não deve tentar prender,
mate na primeira chance que tiver.

— Você fala como se isso fosse tão simples.

— Matar nunca é simples. — Amon serviu


uma taça de vinho para ela. — Mas você é a última
esperança de Thórun e precisa ficar viva. Hasani
será intocável até que você possua a pedra e quebre
esse juramento.

Alison fez com que o vinho rodopiasse


dentro da taça enquanto encarava as chamas da
lareira recém-acesa. Seus olhos se perderam dentro
do fogo.

— Amon, estou com medo. Não medo de


morrer, mas de decepcionar todo mundo, de
fracassar antes mesmo de tentar.

— Eu também estaria com medo no seu


lugar. — Amon sorriu sincero. — Mas você está
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aqui, passou o dia hoje segurando uma espada mais


pesada do que seu corpo pode suportar. Tem
treinado duro dia após dia. Se afastou do macho
que ama para nos dar uma vantagem sobre o que
nos aguarda. Desde o momento em que a conheci,
não vi você reclamar. Usou as roupas da Mica, as
botas que ficavam enormes em você. Quando
ninguém lhe trouxe comida, você mesma cozinhou
com o que achou por aí. Aprendeu a falar nosso
idioma sem que ninguém percebesse. Você se
importou com o povo de Thórun antes mesmo de
saber que era o seu povo. Desde o momento em que
pisou aqui, você já cumpria o seu destino, apenas
não sabia.

Alison secou uma lágrima antes que pudesse


escorrer.

— Você é um bom amigo, Amon.

— E você precisa tomar banho antes que


escureça e colocar um belo vestido. Hoje é dia de
comemorar. — Ela sorriu.

— Eu vivi quinhentos anos em Nova Orleans,


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não sou de recusar festas.

— Aposto que não são tão boas quanto a que


verá hoje.

— Não seja presunçoso, poucas festas


superam o Mardi Gras. Quem sabe um dia eu leve
você para conhecer. — Amon ergueu as
sobrancelhas

— Não me parece uma festa com propósito.

— Esse é o segredo. Festas não precisam ter


propósitos, apenas para comemorar a liberdade.
Você fará sucesso se for fantasiado de guerreiro
Anúbio. — Alison gargalhou — Com toda certeza
veria muitos peitos.

— Peitos?

— É uma tradição, os homens oferecem


colares e, em troca, pedem que as mulheres
mostrem os peitos.

— Quer dizer que se eu quiser ver seus


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peitos, basta eu lhe dar um colar? — Alison


estreitou os olhos.

— Engraçadinho, isso só vale no Mardi Gras.

— Comemoração estranha.

— Oh, é verdade, imagino que dançar em


meio à chuva em uma noite incrivelmente gelada
seja menos estranho ou quando suas festas incluem
verdadeiras orgias.

— Ao menos tem um propósito. Pedem aos


Deuses para que parem as chuvas e fertilizem o
solo.

— Eles não sabem por si só a hora de parar?

— Os Deuses são complicados, gostam da


tradição.

— Os Deuses são sempre complicados em


qualquer mundo.

— Não é à toa que você anda mal-humorada


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com as chuvas, seu clã era regido por uma Deusa


solar.

— No entanto, não existe um sol neste


mundo. Isso sim é estranho.

— Hoje à noite você terá a oportunidade de


ouvir a história da criação.

— Espero não estar muito bêbada. — Ela


suspirou.

— Você deveria ser mais grata aos Deuses,


foram eles que lhe deram o dom de prever o futuro.

— Também foram eles que decidiram não


mostrar ao meu clã o que Sebak planejava. Foram
eles que assistiram sangue inocente ser derramado
de braços cruzados. Não os considero menos
culpados.

— Os Deuses têm sempre um propósito


maior, Alison, às vezes não compreendemos.

— É exatamente por isso que vou encher a


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cara essa noite. Quem sabe eles me enxerguem


como uma tola, e descubram que não podem
esperar que eu resolva as coisas que nem mesmo
eles quiseram interferir. — Alison ergueu a taça de
vinho e depois virou todo o líquido de uma vez.

Ela esfregou os joelhos com a esponja, a água


quente fazia com que revigorasse suas forças. Nos
últimos dias, um medo crescente havia surgido
dentro da jovem, conforme ela via os olhares de
esperança sobre ela. Ela era o último oráculo, a
linhagem real de Thórun. Quando se deu conta do
peso que havia sobre as costas, sua paz fora
embora.
Ela ainda se sentia com vinte e quatro anos,
ainda possuía um corpo humano e frágil. Tudo
naquele mundo era pavoroso e agora a esperança de
um povo cativo era seu pior pesadelo. Alison jogou
a esponja com força dentro da banheira e olhou
para o teto da pequena sala de banho, como se
pudesse ver o céu. As sobrancelhas quase se
encontraram, franzindo a testa. Ela não ousaria
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falar com os Deuses, certamente não a ouviriam,


assim como não ouviram antes o seu povo.
Talvez ela tivesse cometido um erro quando
disse que lutaria por eles. Quando permitiu que eles
a vissem treinar e fortalecer cada musculo frágil.
Ela nunca venceria um exército de guerreiros
Anúbios, nunca venceria Hasani. A jovem colocou
a mão molhada sobre a testa e desejou que tudo não
passasse de um pesadelo.

Amon sorriu quando ela entrou na sala, uma


trança caía sobre o ombro esquerdo da jovem. O
vestido longo de tecido espesso e aveludado fazia
se sentir na época da regência, mas Alison não
podia deixar de admirar a beleza do vestido. Amon
ofereceu o braço a ela e eles atravessaram pelo
portal.
Uma multidão comia e bebia em conversas
paralelas. Uma fogueira queimava de forma
controlada no centro do celeiro. Os inúmeros sacos
de grãos haviam sido empilhados nos fundos, de
modo que comportasse todos ali dentro. Pequenos
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caixotes foram feitos de mesas, enfeitados com


toalhas bordadas. Sobre eles, repousavam diversos
alimentos e bebidas, de forma que o povo pudesse
se servir. Alison correu os olhos pelo lugar,
esperando encontrar rostos conhecidos.

— Vou pegar uma bebida, você quer? —


Alison apenas lançou um sorriso agradecendo.

Ela esfregou as mãos desejando que o frio a


abandonasse. Não que o lugar estivesse congelante,
tantos corpos tão próximos uns dos outros,
combinado com a fogueira que alimentava um
sistema engenhoso de aquecimento, mantinham a
temperatura agradável. Ainda assim, seus ossos
pareciam congelar.
Amon se aproximou entregando uma taça de
vinho para ela e se posicionando ao seu lado. De
certa forma, a presença de Amon ali lhe dava
conforto. Ele era o mais racional dentre os três
amigos de Anpu, apesar de ter uma personalidade
mais contraída, haviam se aproximado nos últimos
meses.
Um portal se abriu adiante, fazendo com que
todos se afastassem. Um Neteru foi o primeiro a
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atravessar e Alison ergueu as sobrancelhas


maravilhada. Uma imponente ave de rapina enorme
caminhou na direção de Amon, cada passo
calculado. Logo atrás, atravessaram Hadan, seguido
por seu Neteru, e Nefer da mesma forma. Ambos
Neterus que vinham atrás eram felinos, mas Alison
se concentrou no Neteru de Amon. Ele se
aproximou do guerreiro com o pescoço erguido,
mostrando toda a sua extensão e, olhando para
baixo, encarou a jovem primeiro. Alison sorriu e a
ave a examinou de relance, olhando enfim para o
parceiro.

— Este é Beat.

O animal voltou a olhar para ela e levemente


abaixou a cabeça em um cumprimento quase
imperceptível, então olhou para Amon de forma
carinhosa antes de voar para o alto do celeiro,
repousando em uma viga.
O coração de Alison estava acelerado,
conforme se mantinha maravilhada. Hadan se
aproximou envolvendo-a em um abraço, então
apresentou Abbas. Seu Neteru fêmea possuía a
forma de uma pantera negra. Os olhos grandes e
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verdes se destacavam no brilho lustroso do animal.


Abbas ergueu a cabeça olhando dentro dos olhos de
Alison e se aproximou. A jovem lhe ofereceu as
costas da mão para que ela cheirasse, o Neteru a
farejou e passou por ela, se esfregando em seu
quadril.
Alison abriu um sorriso cumprimentando
Nefer. Ela foi apresentada a Dov, um Neteru
macho, que não podia ser comparado a nenhum
animal da Terra. Ainda que o aspecto físico
remetesse a um felino, ela nunca vira nada igual. O
animal era enorme e seus pêlos longos e fofos
faziam com que parecesse ainda maior. Os olhos
amarelos e redondos perdidos dentro da pelagem
alta dava-lhe uma forma agradável.
Somente quando o animal se ergueu nas patas
traseiras para cheirá-la foi que ela pôde ver o
tamanho de suas garras. A pelagem sobressalente
escondia o tamanho da boca que espreitava no
focinho achatado. Seu tamanho naquela posição
alcançava o de Nefer e Alison teve que se segurar
para não envolver o Neteru em um abraço. Dos
três, ele era, sem dúvida, o mais ousado, cheirando
a jovem bem próximo do pescoço.

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— Agora já chega, Dov, mais tarde terão


tempo para se conhecerem.
Alison sorriu enquanto os Neterus abriam
caminho para o fundo do celeiro, indo repousar
sobre os sacos de grãos.

— Eles são incríveis. — Ela olhou para cima


de onde Beat a olhava curioso. — Vão ficar quanto
tempo?

— Até que as chuvas permaneçam. — Nefer


respondeu indo em seguida para uma mesa,
buscando uma garrafa de vinho.

Hadan era o único que não vestia o uniforme


de couro. Trajava uma calça justa e uma camisa de
linho, aberta os primeiros botões.

— Você está incrivelmente linda, Anpu não


sabe o que está perdendo.

— Você falou com ele? — Hadan confirmou.

— Acredito que virá mais tarde, tem boas


notícias. — Os olhos de Alison brilharam.
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— Os desgarrados permanecem no mesmo


local?

— Sim, saem em duplas para caçar, mas


voltam para o mesmo buraco. — Nefer falou
preocupado.

— Acha que pode ter alguma coisa a ver com


a presença dela? — Amon apontou a taça para
Alison.

— Considerando que Amut reconheceu o


cheiro dela assim que a viu, é possível.

— Eles poderiam ser aliados? — Alison


perguntou curiosa.

— Não sei dizer. Mesmo antes, quando


vivíamos em harmonia, eram arredios e perigosos.
Agem em bandos e só por isso não foram todos
presos naquela montanha, junto com as outras
espécies. — Alison remexeu o vinho na taça.

— De que espécie estamos falando? —


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Hadan suspirou.

— Da mesma de Amut.

— Um bando inteiro igual à Amut?

— A maioria, mas outras espécies igualmente


letais se juntaram a eles. Nunca vimos nada
parecido.

— Por que isso me parece um bom sinal?

— Não se engane, não são como Amut, por


mais que se pareçam com ele. Um Neteru sem uma
ligação é feroz, incontrolável. Essa espécie é a mais
difícil.

Alison olhou para a fogueira e se perdeu em


seus pensamentos. Neterus eram animais
inteligentes, por mais que a ligação era o que os
deixavam submissos a seus parceiros. Talvez
pudesse contar com a ajuda deles. Se espécies
arredias estavam se unindo como nunca visto antes,
havia uma grande chance de possuírem um objetivo
em comum. Ela desejava que fosse o mesmo
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propósito que o dela. Destronar Hasani.


Um sino foi tocado e todos abriram espaço,
se posicionando em um grande círculo. Cada
família se uniu, procurando caixotes e sacos de
grãos para sentarem. Os guerreiros levaram Alison
para um canto do celeiro, onde prepararam um
lugar. Apenas o macho mais velho dos Hathor
permaneceu em pé.

— Hoje é dia de contarmos a nossa história


para que nossos filhos não venham esquecer. — O
macho olhou para Alison e sorriu. — Uma história
sobre nossos ancestrais, que nos permite
lembramos-nos de nossas origens. Em uma época
em que éramos magia bruta e luz e infinito. Quando
o panteão estava cheio de filhos e filhas de Rá,
nosso pai decidiu nos dar um lar. Sua primeira
linhagem permaneceu no panteão, mas seus
descendentes ganharam um lugar para viverem. Rá,
vendo que eram poderosos, deixou-lhes uma
fraqueza para que se lembrassem daquele que
possuía o verdadeiro poder. O sol não brilharia em
seu novo mundo, eles estavam condenados a
viverem em escuridão. Os filhos de Rá, vendo que
seus descendentes habitariam para sempre na
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escuridão, choraram amargamente aos pés do pai.


As lágrimas escorreram sobre a pedra de Thuran,
fixada na ponta de seu cetro, caindo pela imensidão
do Cosmos. Rá, vendo que as lágrimas de seus
filhos haviam criado vida e um mundo repleto de
beleza e luz, dando-lhes mais do que ele próprio
dera aos seus, sentiu vergonha diante deles. Rá
então desceu até Thórun e construiu um grande
monumento. Um acordo deveria ser estabelecido
para que a luz brilhasse no planeta.
Compartilharíamos o sol dado de benevolência aos
humanos e, em troca, daríamos conhecimento para
aquele povo que fora criado através do lamento dos
Deuses. Quando nossos ancestrais pisaram pela
primeira vez na Terra, encontrando um povo
rudimentar, sem a menor noção do quanto
possuíam, ofereceram o acordo, que foi mantido
por longas gerações. Os humanos aprenderam de
forma lenta e limitada, mas, conforme a
consciência entrava em suas mentes, passaram a
desejar riquezas em troca da vida que nos
ofereciam. Aquela luz quente e reconfortante que
fazia Thórun florescer era a vida para nosso
planeta. Logo estávamos dispostos a pagar qualquer
preço por ela, foi quando eles desejaram o poder da
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própria pedra de Thuran que nosso pai decidiu


intervir. Em um ímpeto de ira, Rá enviou sua filha
para punir a humanidade. Ele a tocou com a pedra
de Thuran, possuído pelo ódio, e ela se tornou
Sekhmet. — Alison se virou para Hadan surpresa.
— Sekhmet massacrou a humanidade por dias, se
banqueteando com o sangue humano e gostou.
Quando ela começou a matar os inocentes, a ira de
Rá já havia passado e ele interviu, trazendo-a de
volta para o panteão. Após um tempo, Rá percebeu
que havia transformado sua filha em um monstro,
então ele retirou a magia destrutiva e ela se tornou
Hathor, restando apenas um resquício de magia
boa, uma magia que cura. Nosso clã é descendente
de Hathor, mas não somos os únicos. — O macho
voltou a olhar para Alison, sentada entre os
guerreiros. — Existe um clã mais antigo que
descende dela. Um clã que nasceu antes que ela
perdesse seu poder. Um amor proibido entre a filha
do sol e o filho da lua, Thoth.

Alison olhou para o chão e sua respiração


ficou pesada. Ela havia estudado a mitologia
egípcia, sabia muito bem quem era Sekhmet. A
forma como era retratada pelos egípcios, a história
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era, de certa forma, diferente, mas não deixava de


fazer sentido.
A mitologia contava que Sekhmet foi
embriagada com cerveja e tinta vermelha, tamanha
era sua sede por sangue. Só então pôde ser contida.
Um arrepio percorreu seu corpo e Alison esfregou
o braço.

— Thoth, vendo que sua amada agora vivia


em Thórun e que não possuía mais poder, roubou a
pedra de Thuran e entregou para os seus filhos.
Desde então os Rá-Thoth passaram a governar
Thórun com honra e sabedoria. Um clã que não
poupou esforços para ajudar a todos que
necessitavam. Uma linhagem que contém, em seu
sangue, bondade, mas também a fúria.

Alison estremeceu.

— Você está bem?

— Estou. — Ela sorriu para Amon.

Uma música animada começou a ser tocada e


todos se levantaram.
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— Até que enfim a festa começou. — Hadan


sorriu.

— Eu já estava desanimada, achando que isso


era a festa.

Anpu não apareceu e Hadan havia avisado


que os curandeiros não viriam, devido ao
acontecimento na última festa. Niala ainda
permanecia vigiando a todos. Alison dançou com
os amigos e bebeu até que suas pernas ficassem
bambas. De fato, era uma festa animada e, mesmo
com toda a música e a bebida correndo em seu
sangue, ela não esqueceu. Ela não esqueceu quem
era, não esqueceu o que representava para aquele
povo.
O peso só aumentava, esmagando e
comprimindo-a como um fardo, que ela temia não
ser capaz de carregar. Quando todos estavam
aquecidos pela bebida, saíram do celeiro.
Dançavam em meio à chuva torrencial e
congelante, pedindo aos Deuses para que as chuvas
cessassem. Alison não ousou olhar para o céu. Se
ao menos a chuva pudesse levar embora todas as
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suas preocupações.
Na manhã seguinte, havia uma inquietação
entre os amigos e, quando Alison entrou na
cozinha, eles a encararam.

— O que foi?

— Houve uma movimentação ao Norte,


precisamos partir. Vou pedir para que Mica venha
ficar com você.

— Está tudo bem, Amon, não precisa. Podem


ir, eu vou ficar bem.

— De qualquer forma, um de nós voltará


antes de escurecer. — Alison concordou.

A jovem preparava o café da manhã quando


um portal se abriu diante dela. Um Neteru macho
parecido com Zara atravessou e logo atrás Niala.
Alison ergueu a cabeça segurando a respiração,
enquanto Niala sorriu debochada.

— Ora, ora, enfim a deixaram sozinha.

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Alison caminhou indiferente até a mesa,


colocando o prato de omelete que acabara de
cozinhar.

— O que você quer, Niala? Anpu não está


aqui.

— Eu sei, eu mesma cuidei para que Hasani o


enviasse para a Terra.

— Para a Terra? Por quê? — Alison olhou


para o Neteru, analisando suas reações.
— Isso não diz respeito a você. — Niala
sorriu como uma víbora. — Mas cuidei para que
Amut ficasse bem ocupado. — Niala limpou as
unhas distraída. — Depois, não foi difícil causar
um alvoroço nos desgarrados, fazendo com que
seus protetores a abandonassem.

Indiferença, Alison, se concentrou para


emitir o cheiro.

— Qual é o objetivo de tanto trabalho? Você


sabe que, se me fizer algum mal, terá que sofrer as
consequências com Amut. — Niala bufou
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desdenhando.

— Estou disposta a arriscar. — Ela caminhou


lentamente ao redor de Alison, enquanto seu Neteru
permanecia vidrado na jovem.

— Eu sei por que você está aqui. Você quer


saber quem é a outra fêmea que carrega a mordida
dele. — Alison sorriu e pôde sentir a respiração de
Niala próximo de suas costas.

Niala abaixou a gola da camisa de Alison


fazendo com que a jovem gargalhasse. Ela se virou
para a guerreira, dando as costas para o Neteru.

— Isso é tão patético até mesmo para você.


Em meu mundo, os homens não gostam de
mulheres desesperadas. Entendo que não deve ser
fácil fingir indiferença quando já copulou com o
exército inteiro, menos com quem ama. — Niala
gargalhou.

— Meu relacionamento com Anpu não tem


nada a ver com amor. Quem lhe falou que nunca
copulamos? — Alison trocou o peso sobre os pés,
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erguendo ainda mais a cabeça. Indiferença, ela


pensou.

— Anpu não me fala sobre suas conquistas,


tampouco me carrega por onde anda.

— Mas você mora com ele, deve ter visto


algo.

— Talvez. Ainda assim não falaria para você.


— Alison caminhou na direção do Neteru, que
parecia inquieto com a aproximação. Ela parou ao
lado do animal e se virou para Niala. — Se quer
saber quem lhe deu a mordida, deveria perguntar
para ele.

Niala cerrou os dentes, fazendo a névoa


aparecer em volta do corpo.

— Por favor, não perca seu tempo. Se tentar


me ferir com sua magia, vou aprisioná-la dentro de
mim, como fiz com Anpu. Agora escute bem o que
vou dizer, você tem um minuto para sair daqui ou
eu vou encantar seu Neteru para que ele a mate
enquanto estiver dormindo. — Alison passou a mão
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sobre a cabeça do animal, fazendo-lhe carinho entre


as orelhas. Os olhos de Niala fervilharam de ódio.

— Você não tem esse poder.

— Não tenho? Não é o que dizem. — Ela


olhou para o Neteru que não movimentava um
único musculo e sorriu. — Seu tempo está
acabando, Niala.

Niala abriu um portal e assoviou para que seu


Neteru atravessasse. Antes de sair, ela voltou a
olhar para Alison.

— Hasani vai saber sobre você. — Alison


sorriu.

— Não vejo a hora de ser chamada para me


explicar a ele. Posso até imaginar a cara dele diante
do meu pavor quando eu lhe contar como você veio
até aqui para me assombrar. Como você estava
disposta a me torturar simplesmente porque queria
saber sobre a fêmea que reivindicou o amor de sua
vida. — Alison cruzou os braços. — Acredito que
Hasani não vai gostar de saber que a fêmea que
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divide sua cama quer na verdade estar na cama de


seu general. — Alison sorriu debochada.

Quando o portal se fechou, ela respirou fundo


procurando uma cadeira para se sentar. Se havia
dúvidas sobre ser capaz de controlar suas emoções
a ponto de mudar seu cheiro. Agora tinha a
resposta.

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CAPÍTULO XIX

Plante seu jardim e decore sua


alma, ao invés de esperar que alguém
lhe traga flores.
William Shakespeare
Mica aproveitou que Jeisan comandava o
treino naquela manhã para sair sem ser notada. Não
era a primeira vez que a jovem fazia aquilo. Ela
ainda podia se lembrar de quando desceu até as
profundezas daquela montanha para fugir das
ordens de seu pai. Podia lembrar-se do espanto que
acometeu seu semblante quando se deparou com os
curandeiros reunidos, munidos de armas Itemus,
treinando como se fossem guerreiros.
Foi naquele dia que Mica olhou
verdadeiramente para Osíris, vendo no jovem muito
mais que um curandeiro.
No mesmo momento, ela soube que havia
mais em comum entre eles do que poderia
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imaginar. Desde então ela descia até as profundezas


sempre que podia. Aquele clã queria aprender a
lutar e ela os ensinaria, porque carregavam o
mesmo ódio no peito, marcados por um julgo
desigual.
Hasani nunca descobriu o sumiço das armas,
antes guardadas em um depósito cobertas de
poeira. Quem se preocuparia com armas Itemus
quando não existia mais nenhum guerreiro
para empunhá-las?
Osíris sorriu ao ver a jovem entrando no
salão profundo, um lugar pouco visitado, tão
próximo da prisão dos Neterus, que poucos se
arriscavam ir.

— Que bom que conseguiu vir hoje.

— Anpu saiu e meu pai está ocupado demais


para notar minha ausência.

— Vai ser bom ter você por aqui. — Osíris se


aproximou da jovem e risadas vindas da primeira
fileira, onde as curandeiras mais jovens estavam,
puderam ser ouvidas.

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— Não posso demorar, mas quero ajudar no


que for preciso.

— Aqueles que não têm força para empunhar


espada estão treinando arco e flecha.

— Arco e flecha? — Mica estreitou as


sobrancelhas.

— Usamos o metal das armas em péssimas


condições para fazer as pontas das flechas. Agora
que está aqui, podemos testar. — Osíris sorriu com
malícia.

— Estou impressionada, você é um macho


muito protetor. — Osíris abriu um sorriso largo.

— Sou um curandeiro, prometo curar você


antes que uma gota do seu sangue caia ao chão. —
Mica apertou os olhos.

— Está bem, serei a sua cobaia, mas quero


alguém com uma boa mira. Não quero acabar com
uma flecha cravada na minha bunda. — Osíris se
aproximou e sussurrou em seu ouvido.
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— Adoraria curar sua bunda.

Mica o afastou com o cotovelo


envergonhada. A jovem guerreira se posicionou
contra a parede de pedra e olhou para o grupo de
curandeiros diante dela.

— Posso saber quem vai atirar a flecha?

— Kéfera.

A menina deu um passo adiante, no momento


em que Osíris chamou seu nome.

— Mas ela é só uma criança.

— Você disse que queria a melhor. — Mica


engoliu seco.

A menina posicionou os pés e preparou o


arco, respirando fundo, mirando a mão da guerreira
que estava estendida para o alto. Antes que Mica
pudesse se arrepender, uma flecha havia
atravessado sua mão, passando através daquela
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barreira mágica de proteção.


Mica xingou, se curvando sobre o corpo ao
sentir a dor aguda que irradiava pelo braço. Osíris
segurou a mão da jovem, quebrando a parte traseira
da flecha. Em um movimento brusco, a retirou,
iniciando imediatamente o processo de cura.

— Como se sente?

— Um lixo. Mas feliz por ter funcionado.

— Isso pode nos dar uma vantagem.

— Somente em campo aberto. Flechas não


vão ajudar se estiverem presos aqui nesse buraco.
— Mica falou entre dentes, devido à dor que sentia.

— É só os atrairmos para onde desejarmos


lutar. — Mica ergueu a cabeça para olhar para
Kéfera que estava em pé ao seu lado.

— Talvez Kéfera tenha razão. Poderíamos ter


uma grande vantagem se os atrairmos para um
ambiente controlado.

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— Não vamos nos preocupar com isso agora.


Precisamos treinar e nos fortalecer, ainda é muito
cedo para traçarmos um plano. — Osíris falou
enquanto terminava de curar a mão de Mica.

Naquela manhã, todos treinaram na presença


da guerreira, até mesmo as fêmeas e as crianças.
Ninguém daquele clã ficou de fora. Por mais que a
atitude inicial fosse com o intuito de aprenderem a
se defender, uma esperança crescia dentro daquele
povo. Por quinhentos anos, habitavam as
profundezas escuras e úmidas daquela montanha.
Por quinhentos anos, haviam deixado para trás seus
lares e suas famílias, sobrevivendo como escravos.
Não eram apenas curandeiros ou criados, não
mais. Os anos de escravidão e abusos contínuos
haviam mudado aquele clã. Mica podia ver uma
chama acesa dentro de cada olhar, conforme
caminhava entre eles. Desde o momento em que
souberam que um oráculo havia sobrevivido,
treinavam incessantemente, aguardando o dia em
que lutariam pela liberdade.
Antes de o treino acabar, Osíris caminhou ao
lado de Mica até o átrio. A jovem havia deixado
Fukayna repousando em um dos compartimentos.
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O lugar estava calmo, apenas um Neteru


machucado aguardava pela cura. Osíris se
aproximou do animal, que mancava inquieto. A
guerreira Anúbia que aguardava ao lado do animal
parecia aliviada ao ver o curandeiro.

— Acredito que ela esteja com a pata


quebrada. Faz uma hora que estou tentando
encontrar um curandeiro.

— Quando ela se feriu?

— Há três horas, ela se desequilibrou e caiu


de uma altura considerável.

— Estavam fora da montanha? — Osíris


perguntou enquanto avaliava a pata do animal.

— Sim. Estávamos em patrulha e, de repente,


ela caiu.

— Peça para que ela se deite. — A guerreira


ordenou e o animal se deitou no chão sobre o feno.

— A pata não está quebrada. — Osíris olhou


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para o abdômen inchado do animal e repousou sua


mão ali.

— Acha que ela está doente? — Osíris sorriu.

— Não, seu Neteru está grávida, por isso


deve ter perdido o equilíbrio.

— Grávida? Como? — A guerreira falou em


um sussurro.

— Acredito que deva ter um macho da


mesma espécie por perto. — Osíris sorriu
timidamente.

— Tem, mas, em todos esses anos, nunca


ouvimos falar sobre um caso de gravidez.

— Sempre tem uma primeira vez. Eu vou


curar a pata dela primeiro e depois vou sondar o
filhote para ver se está tudo bem.

Osíris repousou a mão sobre a pata, curando


músculos e tendões. Então repousou a mão sobre a
barriga do animal e sentiu através da magia quando
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o filhote mexeu ainda no útero.

— Está tudo bem com ela e com o filhote,


mas ela vai precisar de descanso nos próximos dias.

A guerreira sorriu incrédula com a notícia,


mas logo o sorriso deu lugar a um semblante de
pesar.

— O que vai acontecer com o filhote quando


nascer?

Osíris pôde ver a preocupação na voz da


guerreira.

— É melhor não contar a ninguém, assim que


tiver uma chance, procure Anpu. Ele vai saber o
que fazer.

A guerreira se retirou agradecida, levando


consigo o Neteru que pisava firme sobre a pata.
Osíris suspirou. Aquilo não era algo normal.
Neterus sempre foram animais livres, dotados de
inteligência e personalidade. Desde o momento em
que foram aprisionados na montanha, se recusavam
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a procriar. Espécies haviam sido completamente


extintas por conta disso. Nem mesmo todo pó de
ossos de lebre negra ou hormônios jogados naquele
buraco onde viviam eram capaz de fazer com que
procriassem. Mesmo quando saíam da prisão para
viverem ao lado de seus parceiros, os horrores
vividos na intensa escuridão não podiam ser
apagados de suas memórias. Alguns acreditavam
que os Neterus haviam ficado estéreis, como se
algo dentro daquele buraco tivesse mudado as
espécies para sempre. Nada de bom poderia sair de
um lugar como aquele.
Osíris nunca havia entrado lá, era proibido
para qualquer um que não possuísse a
compatibilidade da ligação ou que amasse sua vida.
Ainda assim, podia sentir o cheiro de morte toda
vez que se aproximavam da entrada da caverna.
Nem mesmo toda magia contida ali era capaz selar
aquele cheiro.
Ele olhou de longe para Mica, a guerreira
conversava com Fukayna, alheia a tudo que acabara
de acontecer. O curandeiro sorriu ao vê-la
acariciando seu Neteru, em uma conversa animada,
como se do outro lado estivesse uma grande amiga.
Parecia que seu clã não era o único alimentando
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esperanças para o futuro. Aquela gravidez era a


prova disso.
Osíris se aproximou da entrada da baia, onde
Mica estava. Fukayna ainda permanecia deitada
sobre o feno. A guerreira se levantou e veio ao
encontro do jovem. Ele envolveu a cintura dela
com os braços que a cada dia ganhavam mais
músculos. Encostou sua testa na testa de Mica e
roçou o nariz em sua bochecha.

— Podíamos selar as portas e ficar aqui por


longas horas.

— Isso não impediria alguém de seu clã


entrar.

— Não, não impediria.

Osíris a beijou carinhosamente, se


demorando em saborear seu gosto. Ela era trevas,
escuridão, mas ele era a cura para a sua devastação.
Ele ensinava a ela as gentilezas que jamais
conhecera com outro macho. Ela mostrava a ele
como ser destemido, letal, como ser um guerreiro.
Contrariando todas as possibilidades que um dia
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foram impostas pelos Deuses, aquele amor era luz,


era bom. Uma amostra de que até mesmo os
Deuses podiam cometer erros, porque nada de ruim
poderia sair daquela união.
Um barulho de muitos passos se aproximava
da entrada, fazendo os jovens se afastarem. Mica
tentou esconder o rubor e disfarçar o cheiro da
excitação. Eles olharam na direção da grande porta
dupla do átrio, quando viram uma porção de fêmeas
Rá-Seth entrarem. Elas caminharam até Osíris, os
vestidos farfalhando ecoavam no grande átrio. Mica
contou mais de vinte fêmeas. Com as cabeças
erguidas e semblante sereno, eram uma mistura de
elegância e orgulho. A frente do grupo, uma fêmea
esguia de pele dourada, adornada por joias, abriu
um sorriso tímido para eles.

— Alguém ferido?

— Não. — Respondeu a fêmea docemente.


— Me chamo Tamir, não viemos buscar cura. — A
jovem ruborizou as bochechas. — Queremos que
nos ensinem a lutar.

Mica ergueu as sobrancelhas enquanto Osíris


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se remexeu inquieto, olhando com preocupação


para a guerreira.

— Não sei do que estão falando, sou apenas


um curandeiro.

Mica analisou cada fêmea e inspirou o cheiro


delas. Tamir sorriu novamente.

— Não há necessidade de mentir, nós


sabemos que seu clã treina todas as manhãs.
Sabemos que ensinam suas fêmeas, e até mesmo
suas crianças.

O coração de Osíris disparou, fazendo com


que Mica sentisse seu desconforto. Mas não havia
ameaça na voz de Tamir.

— Por que querem aprender a lutar? — Mica


ousou perguntar, recebendo um olhar de aviso de
Osíris.

— Tenho certeza de que sabem a resposta.

Mica estreitou as sobrancelhas, tudo o que


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sabia sobre aquelas fêmeas era o quanto pareciam


orgulhosas e submissas a ponto de lhe embrulharem
o estômago. Ela ouvira boatos maliciosos sobre
machos de seu clã que se aventuravam com fêmeas
Rá-Seth. Fora isso, eram fêmeas vaidosas, sempre
bem vestidas e maquiadas como se acordassem
assim todas as manhãs. Mica não conseguia
imaginar um motivo para aquele pedido, não
quando todos pagavam um preço alto para que um
Rá-Seth estivesse no trono. Hasani desprezava as
próprias fêmeas de seu clã para tomar as que não
lhe pertenciam. Aquelas fêmeas eram o atual clã
real, possíveis mães do futuro herdeiro de Hasani.

— Infelizmente não sei. Estão entediadas


com os inúmeros vestidos e seções de beleza? Ou
seria a criadagem que as aborrecem? Ah, já sei,
procuram uma aventura!

— Não buscamos aventuras, queremos


aprender a lutar. Se não podem nos ajudar, vamos
encontrar outros que possam. — Tamir falou firme.
— Não nos julguem pelos erros que nossos pais e
maridos cometeram. Não possuímos voz dentro do
nosso clã.
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— No entanto, parecem que todas possuem


língua. Se isso não for uma armadilha, então não
sei o que é. — Tamir se encolheu, entendendo a
referência.

— Não é. — Uma fêmea de cabelos dourados


e pele de porcelana deu um passo à frente. — Há
meses que sabemos que estão treinando seu clã.
Não dissemos uma única palavra.

— Você não é a nova esposa de Domec? —


Osíris perguntou incomodado.

— Sim, eu sou. — A fêmea retirou um lenço


do bolso do vestido e passou sobre o rosto,
eliminando uma camada grossa de maquiagem. A
pele limpa revelou um hematoma arroxeado,
próximo aos olhos. — Se não nos ajudarem, logo
ele terá de ter uma terceira esposa.

Mica franziu as sobrancelhas. Por mais que


aquilo soasse como um ardil, havia sinceridade em
suas palavras. O cheiro era uma mistura de
determinação, medo e esperança.
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— Sabemos o que Hasani faz com as fêmeas


do seu clã. — Tamir falou olhando para Osíris. —
Mas o que não sabem é o que fazem... —Ela se
interrompeu para olhar para o chão envergonhada.
— o que fazem com todas nós. Essas são as que
tiveram coragem de vir hoje, mas somos um grupo
maior.

— O que esperam fazer quando aprenderem a


usar armas e a própria magia que possuem? Vão
atacar seus machos e matá-los? Quando Hasani
descobrir sobre isso, o que fará com vocês e com
aqueles que as ensinaram? — Mica perguntou
debochada.

— Temos nosso próprio plano para nos


defendermos, só precisamos aprender a fazer isso.
Dou a minha palavra que nunca envolveremos seus
nomes nisso.

— Sua palavra? — Mica gargalhou. —


Quanto vale a palavra de um Rá-Seth? — Tamir se
encolheu. — Nós a ensinaremos em troca de
informações. — Osíris lançou um olhar de aviso
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para a guerreira. — Uma informação importante e


verdadeira por um dia de treino, esse será o preço.
Serão nossas informantes e assim terão de ficar
com o bico fechado.

As fêmeas entreolharam-se assustadas, mas


foi Tamir que gesticulou confirmando. A fêmea
mais velha do grupo se aproximou e falou algo no
ouvido de Tamir, fazendo Osíris erguer as
sobrancelhas.

— Niala tem dormido na cama do Rei. —


Mica gargalhou.

— Acha que somos tolos? Há muito que


sabemos sobre Niala. Vão precisar se esforçar mais.

A fêmea voltou a se aproximar de Tamir e


lhe falou no ouvido novamente.

— Niala manipulou Hasani para enviar Anpu


a Terra em seu lugar. Depois garantiu que o Neteru
dele estivesse ocupado antes de partir. Ela parecia
irritada, Nadir acha que está armando alguma coisa
para a humana.
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Osíris e Mica se olharam assustados e Mica


abriu um portal.

— Se isso for verdade, podem treinar


amanhã.

Mica ainda pôde ver um sorriso se abrindo


nos lábios das fêmeas quando atravessou o portal,
não antes de dar um assovio chamando Fukayna.
Alison arremessava lâminas na parede de tora do
chalé quando a guerreira atravessou.

— Alison! — Mica correu ao encontro dela.


— Você está bem?

Mica podia sentir a tensão que emanava do


corpo da amiga.

— Estou. Niala esteve aqui mais cedo.

— Onde está Amon?

— Niala fez com que os desgarrados se


agitassem e Hadan pediu ajuda para Nefer e Amon.
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— Mica cerrou os dentes.

— Quando Anpu souber que a deixaram


sozinha, vai matá-los.

— Eu estou bem, Mica.

— O que ela queria com você? Ela descobriu


sobre você e Anpu?

— Não, ela queria saber quem o reivindicou.


Estava disposta a me torturar para obter a
informação. Mas eu dei um jeito nela.

— Um jeito nela? Estamos falando da mesma


Niala?

— Não deveria me subestimar. — Alison


sorriu maliciosa para a amiga.

— Alison, o que você fez?

— Ameacei encantar o Neteru dela. Ela


acreditou quando me viu acariciando-o.
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— Alison. — Mica suspirou pesarosa. —


Não deveria ter ameaçado Niala, ela não vai deixar
isso sem retaliação.

— Eu não tive escolha, não poderia contar


para ela que a mordida é minha. Me acovardar teria
sido pior.

— Anpu precisa saber disso o quanto antes,


ele é o único que pode conter Niala. — Alison
bufou.

— Anpu não vai saber de nada, já está


resolvido. Niala não vai se arriscar vindo aqui
novamente.

— Você não parece bem. — Mica falou


preocupada e Alison olhou para amiga e piscou
para afastar as lágrimas.

— Estou cansada, apenas isso. Tenho


treinado muito nos últimos meses.

Mica sorriu carinhosa para ela e Fukayna se


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aproximou de Alison piando manhosa. No fundo, a


guerreira sabia que seu semblante abatido ia além
de cansaço físico. Um peso muito maior estava
sobre seus ombros. Como se não bastasse, precisara
lidar com Niala para manter em segredo os seus
sentimentos.
Algo dentro de Alison a corroía, Mica não
sabia dizer o que incomodava a amiga. Mas ela
estava ali, sempre estaria disponível para aquela
que ganhara a sua afeição e que poderia um dia vir
a ser sua rainha.

— Além de ser o último oráculo, parece que


também é uma encantadora de Neterus. — Mica
falou sorrindo.

— Parece que querem que eu seja bem mais


que isso. — Alison falou pesarosa.

— Não os culpem por terem esperança.

Alison suspirou.

— Eu sei. A única coisa que não sei é como


fazer isso.
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— Falou a humana que acabou de enfrentar a


guerreira mais letal de Thórun sozinha. Em minha
opinião, você está se saindo muito bem.

— Me diga isso quando eu descobrir quem


realmente sou. — Alison sorriu. — Talvez quando
compreender, eu possa lidar melhor com toda essa
loucura que minha vida se tornou.

— Eu espero que descubra logo. Até lá, o que


acha de darmos um passeio?

Quando atravessaram, Alison percebeu que


estavam na floresta. Era uma encosta sinuosa que
se abria para uma caverna. A guerreira acendeu
uma fogueira e Fukayna se aproximou. A chuva
ainda caía lá fora de forma leve e constante.

— Que lugar é esse?

— Um lugar que venho para treinar com


Fukayna. Quero que veja uma coisa. — Mica
esfregou as mãos sobre a fogueira, então acariciou
Fukayna. — Mas precisa ter paciência.
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— Seria mais fácil ter paciência se você me


contasse o que é. — Alison se aproximou da
fogueira para se aquecer.

Fukayna arrepiou as plumas, agora vistosas e


exuberantes.

—Está começando.

Um ruído de dentro da caverna ecoou,


fazendo com que Fukayna se arrepiasse ainda mais.
Alison empunhou as adagas que estavam presas na
cintura e olhou para a Mica, que sorria maliciosa.

— Que lugar é esse?

— A boca do inferno. — Mica abriu um


sorriso largo.

O barulho de unhas cravando no chão se


aproximava, deixando Alison nervosa. O Neteru
parecia ter dobrado de tamanho, conforme se
esticava e erguia a plumagem ao alto. Mica se
aproximou de Fukayna e parou diante do Neteru de
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costas para aquela coisa que corria na direção delas,


e estava cada vez mais perto. Alison podia escutar
as pedras se estalando, conforme a coisa
movimentava as garras de novo e de novo, como
em um galope.

— Mica. — Alison gritou.

Quando olhos amarelos e ferozes brilharam


na escuridão, Fukayna puxou Mica para junto de
seu corpo e um clarão iluminou a entrada da
caverna a ponto de revelar a criatura. O coração de
Alison disparou ao ver o animal tão negro como
ônix. Ele fedia como a morte e havia reduzido os
passos, avaliando o ambiente. Quando Alison olhou
para Mica, ela não estava mais lá. Como se aquele
clarão as tivessem fundido em um só corpo. Agora
um Neteru gigantesco e poderoso espreitava cada
movimento daquela coisa. Poder oscilava ao redor
de sua silhueta, guerreira e Neteru caminhavam
naquela forma grandiosa e letal para dentro da
escuridão.
Um grunhido de dor ecoou e logo a cabeça
do animal rolou até os pés de Alison. Ela
estremeceu ao contemplar tamanho poder. O
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animal caminhou de volta para a luz, os olhos


negros eram como de Mica, assim como a névoa
que emergia do corpo animal. Nem guerreira, nem
Neteru, mas as duas coisas ao mesmo tempo.
As asas eram enormes e os passos eram
firmes, o aspecto desengonçado de Fukayna havia
sumido, dando lugar a presunção da guerreira.
Alison colocou as mãos sobre o peito, onde seu
coração batia descompassado pelo susto.

— Eu vou matar vocês duas por isso.

O animal muito, muito maior do que Fukayna


caminhou até ela e se curvou diante de Alison. Seu
bico encostou no chão, fazendo as pedras
estalarem. Uma reverência para aquela que era
rainha por direito.
Alison não tentou conter o choro, ela não se
importou quando ele veio seguido de um ruído
engasgado, como se estivera ali preso esperando
para sair. A jovem se jogou aos pés do animal, da
amiga que estava ali e a abraçou em soluços. Os
Deuses não lhe permitiram ver o final de tudo
aquilo, tampouco ela sabia se seria capaz. Mas, por
eles, por momentos assim, em que pudesse chorar
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no ombro da amiga ou para que aqueles


curandeiros pudessem ver a luz do dia outra vez,
para que o amor pudesse seguir seu curso, sem leis,
sem regras, por tudo isso e muito mais, ela lutaria.

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CAPÍTULO XX

Nós somos feitos da matéria de


que são feitos os sonhos.
William Shakespeare
Anpu estava irritado, ele havia prometido
para Alison que a levaria com ele para Terra. Havia
prometido que procurariam juntos por respostas.
Quando Niala pediu a Hasani que o enviasse em
seu lugar, ele ficara surpreso. Teve que partir diante
deles, devido à urgência que Niala afirmava ser
preciso.
Anpu não abriu o portal nos diques, sabia que
Edward estaria monitorando o lugar e, por mais que
abrir um portal em outro lugar exigia cautela, ele
queria evitar um confronto. Edward podia não
saber quem era, mas ainda era um Itemu.
A Terra sempre foi monitorada por Thórun,
antes pelos Deuses e então por seus descendentes.
O sol dado pelos Deuses era de suma importância
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para Thórun, assim como o fato de se manterem em


segredo.
Nova Orleans havia sido escolhida como base
de monitoramento não só pelo fluxo contínuo e
perfeitamente alinhado com Thórun, que permitia a
magia fluir de forma singular, mas também pela
excentricidade daquele povo. Ainda que andassem
pelas sombras ou pegando corpos emprestados para
acessar lugares restritos, Anpu poderia jurar que,
mesmo que caminhasse com uma cortina de névoa
ao seu redor, ninguém o notaria.
Certa vez, viu um humano praticando magia
em plena luz do dia. As pessoas o rodeavam entre
espanto e sorrisos. Ele chegou a sondar o humano,
buscando a fonte de sua magia e, para a sua
surpresa, havia um traço vívido de magia nele.
Certamente uma herança de seus antepassados.
Após se certificar do que Niala havia relatado
ser na verdade inexistente, Anpu estava disposto a
permanecer na cidade por alguns dias. Ele buscaria
por uma bruxa Wicca, então encontraria respostas.
O general havia se misturado, usando roupas
de humanos. Somente se fosse necessário tomaria
um corpo. Para os humanos, não passaria de um
desmaio, mas, para o guerreiro, ele carregaria
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aquelas lembranças para sempre e muitas delas não


eram boas.
Ele se questionou sobre a decisão de ter
matado Ian naquela noite. Quando viu aquela
mente suja planejando contra Alison, desejando
coisas horríveis, de certa forma, aquilo o
incomodou profundamente. Não sabia dizer se era
o próprio destino que os ligava ou se fora mera
semelhança com as atitudes de Hasani que o
enojara. Então matou aquele humano, porque
ninguém com tais desejos merecia viver.
Ele entrou em uma loja, um sino tiniu quando
abriu a porta. O homem sentado atrás do balcão
olhou para ele se pôs em pé.

— Boa tarde, posso ajudar?

— Procuro uma bruxa Wicca. — O homem


sorriu.

— Acredito que esteja no país errado. Talvez


na Escócia você encontre praticantes dessa religião.

— Procuro uma bruxa Wicca que more aqui


em Nova Orleans. — O homem estreitou as
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sobrancelhas.

— Nova Orleans é a cidade do vodu, posso


lhe oferecer alguns amuletos e ingredientes para
magia negra se quiser. — O homem se apressou em
mostrar alguns colares e amuletos. — Os turistas
costumam comprar os bonecos vodus. Posso lhe
ensinar um ritual e você pode passar o dia
espetando alguém que não goste, ou trazer riquezas
para sua vida. — O homem sorriu convincente
enquanto lhe mostrava um boneco de tecido velho.

Anpu lançou sua magia sondando aquele


boneco, mas nada respondeu.

— Isso não possui poder algum. —


Reclamou entediado. — Preciso encontrar uma
bruxa Wicca. — O homem suspirou desanimado.

— E eu preciso vender alguma coisa hoje ou


serei demitido. — o vendedor falou baixo. Então
caminhou até alguns colares e escolheu um entre os
muitos que estava ali. — Esse amuleto abre a visão
para o mundo sobrenatural e amplia a magia negra
que há em você. Custam apenas vinte dólares.
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Anpu encarou o humano cético, pegou o


colar e colocou no pescoço. Após alguns minutos
em um silêncio constrangedor, enquanto encarava o
amuleto sobre o peito, ele o retirou.

— Isso não ampliou minha magia negra.

— Está bem. Se comprar o colar, eu lhe digo


onde vai encontrar uma bruxa. — Anpu sorriu.

— Vou buscar o dinheiro e volto para


comprar o colar. — O homem fez um gesto com a
mão incrédulo.

Anpu sabia como arrumar dinheiro. Ele saiu


pela rua, enquanto humanos caminhavam em um
fluxo que descia e subia. Ele se aproximou de um
homem parado falando no celular e olhou em seus
olhos. Sua magia o alcançou e Anpu falou com tom
de autoridade.

— Preciso de vinte dólares.

A magia entrou em sua mente, fazendo o


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homem emudecer. Ele colocou a mão no bolso e


retirou a carteira. Então puxou uma nota de vinte
dólares e entregou para Anpu. O general agradeceu.

— É para uma boa causa, fique feliz por ter


ajudado. — O humano balançou a cabeça
lentamente em confirmação e Anpu voltou para a
loja.

Ele colocou o dinheiro sobre o balcão e o


atendente ergueu as sobrancelhas.

— Eu compro o colar e você me diz onde


encontrar a bruxa. — O humano colocou o colar
sobre o balcão.

— Dizem que, na loja do lado, a dona é uma


bruxa. Sinceramente eu acho que é apenas uma
mentirosa que espalha boatos para roubar meus
clientes.

O guerreiro teve que se segurar para não


estrangular o humano, era evidente que a loja ao
lado seria sua próxima tentativa. Ele estava
disposto a passar por todas aquelas lojas, em que
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mencionavam vender artefatos mágicos. Anpu


pegou o colar e colocou no pescoço, saindo antes
de perder a paciência.
Quando a porta de vidro se abriu, nenhum
sino ecoou. Porém, os sentidos de Anpu ficaram em
alerta. Pequenas trouxas de ervas cuidadosamente
embrulhadas estavam suspensas por cordões presos
ao teto. Assim como amuletos torcidos em cipós.
Uma variedade de vidros com os mais diversos
tipos de ervas estava disposta nas prateleiras.
Molhos de ervas frescas repousavam sobre baldes
com água.
Uma jovem costurava uma trouxinha de
tecido atrás do balcão e sorriu para Anpu
docemente. Anpu a sondou e os pêlos de seu braço
se arrepiaram. Magia, tão antiga quanto à dele. Não
era magia poderosa, mas um filete de magia, Anpu
soube que estava diante de uma bruxa.

— Você é uma bruxa. — A jovem sorriu


novamente.

— É o que dizem.

— Alguém que amo está em perigo. Foi feito


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um feitiço de proteção por uma bruxa para


escondê-la. Porém, o mesmo feitiço a torna fraca, a
torna humana. Preciso saber como quebrar o
feitiço. — A jovem franziu a testa pensando.

— Dê isso para ela. — A bruxa lhe entregou


uma pequena trouxa. — Diga para que use por
trinta dias e quebrará o feitiço.

— Só isso?

— São vinte dólares.

A respiração de Anpu ficou pesada, fazendo a


moça dar um passo para trás com as sobrancelhas
erguidas.

— Não vim comprar souvenir. — Anpu


jogou a trouxa em cima do balcão. Ele colocou a
mão no bolso, retirando o papel onde havia
desenhado a marca. — Preciso que quebre esse
feitiço, seja lá o que isso for.

A jovem colocou a mão sobre o peito e se


aproximou lentamente. Tocou o papel sentindo sua
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textura, então passou o dedo sobre o desenho. Ela


largou a folha como se a mesma tivesse lhe
queimado a mão.

— Isso está acima do meu conhecimento.

Anpu grunhiu, fazendo a jovem se afastar


novamente.

— Me diga quem possui o conhecimento. —


Anpu ordenou enquanto um filete de névoa
espiralou de sua mão fechada em punho ao lado do
corpo.

A jovem sentiu a magia, viu aquele poder


transbordando para fora. Ela soube que não estava
diante de um turista ou de um louco. Cresceu
ouvindo as histórias de sua vó, que antes ouvira de
sua mãe. De geração em geração, aquele conto foi
passado, até que se tornasse uma lenda distante e
vazia.
Ela cambaleou para trás, balbuciando
palavras inaudíveis. Anpu se aproximou um passo.
Por Anúbis, ele pularia para trás daquele balcão e
arrancaria cada informação da humana!
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— Me diga quem possui o conhecimento? Eu


ordeno. — Anpu falou, mas sua voz já falhava e os
ombros haviam caído. — Por favor, me diga, eu
compro sua loja inteira. — A voz do general saiu
baixa. — Ele vai matá-la assim que descobrir quem
ela é. Vai ordenar que eu mesmo o faça.

— Você a matará? — A jovem bruxa se


aproximou um passo do balcão.

— Por favor. — Anpu falou não mais que um


sussurro.

— Você a matará? — A jovem perguntou


novamente.

— Antes mesmo que ele termine a ordem,


uma adaga estará em meu peito. Mas outro fará.

A bruxa começou a proferir em voz alta o


que balbuciara.

— O que antes confortava, agora destrói em


escuridão. Os ossos reforçados para batalha
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escondem no peito um coração. Sob as cinco pontas


da estrela... — Ela apontou para o colar que ele
havia comprado na loja anterior, um pentagrama.
— repousa a justiça. Quem irá detê-la? Quando o
preço é a própria vida. Há mais de mil anos meu
povo espera por você.

Lágrimas desceram pelo rosto do guerreiro,


ele não lembrava se já havia chorado antes. Se já
havia provado o gosto salgado e único das próprias
lágrimas.

— Vou ficar com o desenho. Me encontre


amanhã aqui após escurecer. A loja estará fechada,
mas bata três vezes e eu abrirei.

— Você vai trazê-la?

A jovem confirmou com um gesto. Anpu fez


uma reverência e se retirou. O guerreiro repassou
diversas vezes aquelas palavras em sua mente. Ele
voltaria na noite seguinte e descobriria como retirar
a marca. Assim que Alison tivesse seu corpo de
volta, teria domínio sobre a magia e até mesmo
poderia encontrar seu próprio Neteru. Poderia pôr
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um fim naquele acordo, então estaria salva.


Anpu caminhou pela cidade, rastreando
Edward. Uma esperança pulsava dentro do
guerreiro. Estava na hora de Edward saber quem
ele realmente era. Ele desceu até os diques, o cheiro
de Edward ali era de alguns dias antes. O general se
sentou escorado a parede, esperaria por uma noite,
se Edward não aparecesse, o procuraria pela cidade
no dia seguinte.

A lua vermelha no céu era sufocante. O vento


fez com que seus cabelos voassem para trás do
ombro, mas o frio não congelou sua pele. A floresta
parecia agitada, como se cada criatura ali soubesse
mais do que deveria. Anpu conjurou sua magia,
desejando iluminar o ambiente. Ela não respondeu.
Vazio, era assim que se sentia, tão vulnerável
quanto um humano. Não lhe restara nada, nem
mesmo àquela magia destrutiva. Aos poucos, seu
corpo ficou paralisado e sua respiração difícil. O
guerreiro caiu de joelhos, o chão úmido coberto por
folhas tocou sua pele. As copas das árvores
estavam voltadas para baixo, formando centenas de
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abrigos naturais. Ele estava na floresta de obelisco.


Uma silhueta se aproximava, os passos calculados e
silenciosos faziam o guerreiro estremecer. Tentou
se mover, mas seu corpo não respondia. O macho
desconhecido carregava em uma das mãos algo que
ele não conseguia distinguir. Seu peito ardia como
se cada célula de seu corpo soubesse antes dele. A
gargalhada de Hasani ecoou pela floresta. O peito
do guerreiro se partiu em mil pedaços quando a
cabeça de Alison rolou diante dele. Ele tentou
gritar, mas não possuía voz. Ele ouviu uma voz
antiga sussurrar em seu ouvido. Acorde.
Anpu abriu os olhos e ouviu passos em sua
direção, demorou um momento até que
reconhecesse o lugar, até que sentisse aquele cheiro
familiar. Ele se pôs de pé em meio a escuridão e
Edward parou.

— Quem está aí?

Uma esfera de luz iluminou.

— Seu desgraçado. — A garrafa de bebida se


quebrou ao cair das mãos de Edward. — Eu vou te
matar. — O jovem tentou retirar a arma do bolso
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enquanto cambaleava completamente bêbado.

— Não perca seu tempo, essa arma não pode


me ferir.

— É o que nós vamos ver. — Edward


apontou o 38 com dificuldade para Anpu. O general
ergueu as sobrancelhas ao ver um resquício do
jovem que ele conhecera naquele dia.

Edward puxou o gatilho, mas o disparo não


aconteceu. A magia do guerreiro já havia destruído
o mecanismo da arma. Edward correu tropeçando
nas próprias pernas até cair no chão de concreto.

— Patético.

Um gemido de dor foi a resposta, enquanto


ele se virava de barriga para cima, incapaz de se
erguer.

— Eu vou te matar.

— Não conseguiria matar uma mosca nesse


estado. — Anpu grunhiu.
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— Você a tirou de mim.

— É por isso que estou aqui, para concertar


as coisas.

— Vai ter que consertar essa sua cara feia


quando eu te socar. — Anpu suspirou irritado.

— Devia se olhar no espelho. Um banho


também seria bom.

— Vai para o inferno, seu demônio Anúbio!


— Edward falou com a língua travada.

— Alguém andou lendo o livro. — Anpu se


aproximou, enquanto o jovem lutava para se erguer.
— Preciso falar com você sobre a Alison, mas não
nesse estado. Eu vou retirar o álcool do seu sangue
para que possamos conversar.

Anpu se abaixou, colocando as mãos sobre o


peito de Edward, enquanto sua magia entrava pelos
poros, fazendo uma varredura no sangue embebido
pelo álcool. Edward se debateu, não porque sentia
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dor, mas por ódio. Anpu não cedeu se perguntando


quanto tempo ele levaria para perdoá-lo.
O jovem se aquietou, conforme recobrava a
consciência, conforme se dava conta de que aquilo
não era um pesadelo. O general viu quando Edward
juntou um caco de vidro que havia rolado até ali.
Ele sabia que o golpe viria, mas não se defendeu.
Edward cravou o caco de vidro no ombro de Anpu.

— Espero que se sinta melhor. — O olhar do


Itemu ardia como fogo, e ele sorriu.

— Você sangra. Tudo que sangra pode


morrer.

— Talvez, mas não hoje. Muito menos por


você. — Edward grunhiu e Anpu se afastou,
retirando o caco do ombro. — Você parece melhor.

— Você não faz ideia. — Edward se pôs em


pé, sorrindo de forma diabólica para o general.
Anpu revirou os olhos.

— Existem dois caminhos e ambos vão na


mesma direção. Um é curto e fácil. Você se senta e
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ouve o que eu tenho para contar. O outro é longo e


dolorido. Eu o seguro com minha magia e você
ouve o que tenho para contar.

Edward correu na direção do guerreiro com


uma faca erguida sobre a cabeça. Anpu deu de
ombro.

— Vamos fazer da forma difícil então. — Ele


retirou o ar dos pulmões do Itemu que caiu, rolando
no chão.

Quando o jovem beirava a cor roxa, o general


permitiu que respirasse. Edward xingou.

— Enquanto você brinca de humano


revoltado, Alison corre perigo. Sugiro que engula
suas mágoas e todo esse drama e me ouça. — O
corpo de Edward se enrijeceu.

— Como posso saber que está falando a


verdade se foi você quem a levou?

— Não pode, mas já sabe que não consegue


me vencer. Não nesse corpo humano, então, se for
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esperto, vai perceber que não o matei ainda, apenas


porque sei o quanto ela o considera importante.
Quem você acha que entregou a carta?

O jovem colocou a mão no bolso para sentir


o papel que Anpu sabia estar ali.

— Você pode a ter obrigado a escrever a


carta. Ela pode até já estar morta, mais de dois anos
esperando por você e quer que eu acredite em tudo
que fala?

— Ela não está morta. Se ajuda, não teve um


único dia em que não tenha pensado em você.

Edward levou a mão novamente no bolso.

— Onde ela está?

— Em Thórun. — Edward gargalhou.

— No livro?

— Não, no planeta Thórun.

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— Esse planeta não existe.

— Não existe? — Anpu deixou que a névoa


envolvesse seu corpo. — Você está diante da
verdade, mas não quer acreditar. No fundo, sempre
soube que é diferente, que não se encaixa nesse
mundo.

— Me leve até ela.

— Não posso. — Edward grunhiu em


protesto encarando o guerreiro. — No momento em
que você pisar em Thórun, Hasani vai matá-la. Ela
virá buscá-lo quando a hora chegar. Aproveite esse
tempo para treinar.

— Treinar? Para quê?

Anpu explicou para Edward as coisas que ele


precisava saber. O jovem ouviu calado,
confrontando seus próprios demônios. Em alguns
momentos, ele questionou o guerreiro. Não que ele
acreditasse de fato nas palavras daquele estranho,
muita coisa parecia surreal. O próprio Anpu a sua
frente era o suficiente para que Edward desejasse se
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beliscar. Durante esse tempo, desde que começara a


beber e vivia cambaleando pelas ruas, chegou a
cogitar que sua mente vinha lhe pregado peças.
Como se estivesse delirando entre a realidade e
suas fantasias.
Cada momento em que fechava os olhos e
ouvia aquelas histórias, sentia vontade de rir,
tentando afastar sua mente da dura realidade que
aquelas palavras traziam. Seria tão fácil ignorar
tudo aquilo, seria tão fácil caminhar até o bar mais
próximo e encher a cara de novo. Como ele queria
não se importar, desejando ser apenas um louco que
perdera a sanidade quando a irmã morrera.
Então seus olhos se abriam e aquele demônio
estava a sua frente, falando sem parar sobre quem
ele era, sobre quem deveria ser. Aquela magia
poderosa exposta para lembrá-lo de que era real.
Aquilo era real e Alison estava viva, então Edward
decidiu que entraria no jogo.

— Hoje à noite é o encontro com as bruxas


Wiccas, gostaria que fosse.

— Eu acabo de descobrir que sou parte


animal e você já quer me levar para um encontro de
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bruxas? — Anpu ergueu as sobrancelhas.

— Você não está com medo, está?

Três vezes, Anpu bateu na porta, como a


bruxa lhe instruíra. As luzes da loja estavam
apagadas, porém, uma claridade mínima iluminou
quando uma porta no fundo da loja se abriu e a
bruxa apareceu na porta de vidro.

— Quem é ele? — Ela perguntou


desconfiada.

— Edward Williams. — Ele estendeu a mão


para cumprimentar a jovem. — Parece que sou
aquele que veem protegendo há mil anos. — Ele
sorriu cético. A jovem encarou a mão estendida a
ela, mas não o tocou.

— Entrem.

Eles caminharam até uma sala nos fundos da


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loja. O lugar estava iluminado por velas, as chamas


dançavam fazendo a luz tremeluzir.

— Sinistro. — Edward falou baixinho


enquanto caminhava na direção das oitos mulheres
que aguardavam ali.

A mais velha de todas ergueu o olhar para


Edward.

— Veja que moço bonito se tornou. —


Edward sorriu simpático.

— Se aproxime, meu jovem, vamos. — A


velha que aparentava ter uns cem anos pediu
gesticulando com a mão. Edward caminhou até
ela, que estava sentada em uma cadeira.

— Se ajoelhe. — Disse a velha.

— Isso é algum ritual? — Edward perguntou


incomodado. Anpu revirou os olhos.

— Não, criança, apenas quero olhar para


você de perto. — Edward sorriu sem graça e se
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ajoelhou diante da velha.

— Duas vidas, eu presenciei. A primeira, eu


era muito jovem e inexperiente e, na pressa da
juventude, eu os perdi. Morreram ainda muito
jovens, por causa do meu erro. Eu não me perdoei e
os procurei incessantemente. Me tornei enfermeira
e, a cada nascimento, eu me certificava, procurando
vocês. Quando nasceram de novo, eu tive a chance
de me redimir, então escolhi uma boa família, não é
mesmo?

— Foi você quem nos deixou naquela noite?

— Ah, sim, fui eu.

— Como é possível? Como sabia quem


éramos?

— Tantas perguntas. Magia, meu jovem,


meus ancestrais ajudaram o Rei Airon, ele estava
desesperado. No tempo em que as cidades ainda
não haviam sido erguidas, ele chegou com dois
bebês em nossa aldeia. Você era o sol e a menina
era a lua e, quando nossas magias se encontraram,
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vocês receberam a marca. — A velha fez um sinal


para uma das bruxas, que saiu da sala. — Não
imaginava que o dia chegaria no meu tempo.

A bruxa voltou trazendo uma caixa de


madeira comprida e, em sua superfície, havia
símbolos entalhados. A bruxa depositou
cuidadosamente no colo da matriarca.

— Abra. — A velha ordenou. Edward passou


a mão sobre a caixa, mas não encontrou uma
abertura.

— Não posso, não há fechadura. — A velha


gargalhou.

— Essa é a herança deixada por um Rei para


sua filha e o Itemu dela. Se você é quem diz ser,
deve abri-la.

— Filha? — Anpu perguntou exasperado. —


A filha do Rei Airon foi morta na guerra.

— Foi? Nossas lendas nos contam outra


coisa. A menina e seu Itemu chegaram até nós bem
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vivos, ao que parece.

— Então Alison é uma princesa? — Edward


olhou para Anpu esperando uma resposta.

— Não existem princesas em Thórun. O


direito de reinar não é dado pela descendência e
sim pela provação através de um ritual chamado
Maat. Qualquer Rá-Thoth, sendo um oráculo ou
não, pode governar, desde que seja aprovado pelos
Deuses.

— Por isso Sebak matou todos. Pelo menos


foi nisso que ele acreditou. — a velha falou
enquanto se ajustava na cadeira. — O Rei foi
alertado por seu oráculo particular. Embora ele
tivesse tentado livrar seu povo desse destino cruel,
o futuro não mudava. Quando o Rei implorou aos
Deuses por uma solução, eles mostraram o futuro
novamente. Airon sabia o que precisava fazer e, os
trouxe para Terra.

— Foi aí que surgiu a profecia, os Deuses


mostraram além. — Anpu ponderou. A velha
balançou a cabeça em confirmação.
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— A profecia perdida. — a matriarca falou


envergonhada. — Não a temos mais. Durante a
inquisição, nosso povo foi cruelmente perseguido e
a profecia desapareceu.

— Onde guardavam a profecia? Em um


livro? — Edward perguntou.

— Não, foi nos dado uma tapeçaria tecida


por seu povo. — Anpu soltou uma lufada de ar.

— Hasani possui a tapeçaria, estamos


tentando achá-la. Uma curandeira anciã sabia sobre
ela e nos contou.

— Quem é Hasani? — A bruxa perguntou.

— Filho de Sebak. Ele deve ter descoberto


sobre a profecia, deve ter descoberto que estava
como seu povo e... — Anpu ficou sem palavras.

— Então incitou a inquisição. — Concluiu


Edward.

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— Hasani quebrou todas as regras de Thórun,


desafiou os Deuses. Por que respeitaria a ordem de
não interferir na Terra?

As bruxas mantinham as mãos sobre a boca


assombradas.

— A inquisição foi aliviada quando


perdemos a tapeçaria, suas suposições têm
fundamento.

O estômago de Anpu se revirou. Ele olhou


para Edward e falou com voz firme.

— Pingue uma gota de seu sangue sobre a


caixa e ela abrirá.

A bruxa sorriu, conforme Edward sangrava


sobre a caixa. E então ela se abriu, revelando
espadas gêmeas. A marca na testa de Edward
acendeu exatamente como a de Alison. A velha
bruxa retirou a primeira espada com dificuldade e
entregou para o Itemu.
— Está foi a espada do seu pai. — Então ela
retirou a segunda, entregando para Anpu. — Está
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foi do Itemu de Airon, ele deixou para que a filha


aprenda a se defender.

Edward pegou a espada com dificuldade, o


metal aqueceu em sua mão. Seus olhos brilharam
ao segurar aquela arma.

— Elas são horríveis. — Edward falou sem


hesitação. A velha gargalhou.

— De fato, são mesmo, mas são poderosas,


seu pai era o Itemu da mãe de Alison, ele lutou ao
lado de seu tio, o protetor do Rei Airon. Um dos
poucos Itemus que não estavam bêbados no dia.

Edward olhou novamente para a espada


estranha, cheia de pontas. A lâmina dourada trazia
uma fênix gravada na base do metal e uma pedra
azul cravejada sob um brasão brilhou.

— Vocês possuem aliados dentro de todos os


clãs. Nem todos se dobraram a Sebak
voluntariamente. Basta descobrir quem são. —
Anpu assentiu.

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— O que é preciso para retirar a marca? Para


que eles possam abandonar o corpo humano?

A velha bruxa olhou para Anpu por alguns


segundos.

— A marca não pode ser retirada. Deixem o


destino seguir seu curso e contar suas histórias.

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CAPÍTULO XXI

Ai de mim! Que o amor, tão gentil


na aparência tenha que ser tão cruel e
tirano na prova!
William Shakespeare.
O vento frio arrepiou o corpo nu de Niala. Os
grilhões que prendiam suas mãos e pés raspavam,
machucando sua pele. Hasani sorriu malicioso
enquanto dava a volta na mesa, onde a guerreira
permanecia presa. Ele passou a adaga pelo rosto, o
metal frio a fez se encolher, gemendo baixo. A
adaga percorreu até seu pescoço, lentamente
passando sobre a artéria, descendo até o meio de
seus seios.

— Tanto poder. — Ele sussurrou.

A adaga deslizou até o umbigo, deixando a


respiração da guerreira pesada. Os pés remexiam as
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correntes, fazendo o som de o metal ecoar pela sala.


O metal frio deslizou entre suas coxas, fazendo seu
corpo arquear.
Hasani colocou a ponta da adaga sobre a
chama da vela e Niala trincou os dentes, esperando
a dor. Ele a marcou na língua antiga, um hieróglifo
de posse, desenhado com a ponta da adaga quente.
Ela soltou um gemido de dor e Hasani sorriu
maravilhado.

— Agora você é minha. — Niala sorriu com


prazer.

— É tudo o que tem para mim hoje,


Majestade?

Os olhos do Rei brilharam com selvageria,


um sorriso cruel se formou nos belos lábios. Todo
aquele poder o excitava de muitas formas, por mais
que apreciasse o choro e o desespero das fêmeas
indefesas, que já haviam compartilhado aquela sala
privada, tudo se transformava em nada, comparado
em tê-la ali.
Seria tão simples para ela se desintegrar em
névoa e se livrar daquelas correntes, mas não o
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fazia simplesmente porque ele a ordenara para não


fazer. Controlar tamanho poder havia se provado
um divertimento maior do que qualquer coisa que
ele já havia provado.
Hasani derramou vela derretida sobre os seios
da guerreira, a fazendo se contorcer. Entregue,
aquela fêmea poderosa estava entregue para o seu
prazer.
Ele soltou as amarras que lhe prendiam os
pés, destravou o trinco que segurava a mesa na
horizontal, deixando a base girar sobre o
mecanismo até que Niala ficasse em pé, presa
apenas pelas mãos.
Os dedos de Hasani entrelaçaram os cabelos
lisos e negros como ônix. Em um movimento bruto,
ele a virou, segurando seu rosto contra o metal frio
da mesa.

— Quando eu entrar em você, quero que me


mostre o que está sentindo. — Niala sorriu
maliciosa e Hasani a segurou com mais força.

A mão livre puxou o quadril da guerreira,


fazendo com que suas mãos ardessem nos grilhões.
Um filete de magia entrou na mente do Rei, ele
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gemeu de prazer.
Hasani a penetrou com força, gemendo
conforme sentia sua dor, conforme compartilhavam
cada sensação do toque bruto e perverso do Rei.
Mais e mais forte, ele a possuiu, fazendo os
gemidos de dor e de prazer se tornarem grunhidos.
A dor dela era seu prazer e sentí-la na íntegra o
deixava possesso, enfurecido.
O cheiro acobreado do sangue que escorria
pelos pulsos de Niala inebriavam seus sentidos.
Cada grito de dor que ela emitia o levava mais
perto do êxtase. Mas era o poder que detinha sobre
ela que mais o enlouquecia. Saber que bastaria uma
única palavra e a guerreira cortaria a própria
garganta diante dele. Hasani gemeu de prazer
enquanto seu corpo tremia contra ela. O Rei
mordeu o ombro da guerreira com força, ofegante,
conforme liberava sua semente.

— Eu falei que iria castigá-la. — Niala


sorriu.

— E eu falei que adoraria o castigo. —


Hasani encostou a boca no ouvido da guerreira com
uma última estocada.
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— Quem sabe da próxima vez eu aplique


mais força e, quando eu terminar, não esteja com
esse sorriso debochado.
— Se quer terminar e encontrar uma fêmea
chorando, deve copular com uma fêmea do seu clã,
Majestade. — Hasani abriu um sorriso largo e
espalmou um tapa na bunda de Niala.

— Quer que eu chame uma curandeira? —


Niala bufou entediada, soltando as mãos dos
grilhões.

— Não precisa.

— Ótimo. — Hasani abriu a porta espessa da


sala que dava para seus aposentos. — Vá! Preciso
dormir.

A claridade já iluminava os aposentos reais


quando Domec bateu na porta.

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— Entre.

— Majestade. — Domec fez uma reverência


profunda. — Tenho notícias sobre a humana. —
Hasani o encarou entediado.

— Esse assunto de novo? — O Rei se


recostou na cabeceira da cama, fazendo um gesto
para ele prosseguir.

— Estão falando que ela é uma encantadora


de Neterus.

— Domec, diz que não veio me acordar por


isso.

—Não, Majestade. — Domec corrigiu a


postura. — Ela foi vista sendo treinada por Anpu e
os seus batedores com armas Itemus. — Hasani
encarou Domec por um tempo em silêncio.

— Por que não confia no Anpu?

— Majestade, não pode ignorar uma coisa


dessas.
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— Não vou. Quando Anpu chegar, mande


avisar que eu o aguardo.
Domec esboçou um sorriso e se virou
caminhando na direção da porta, mas se deteve por
um instante.

— Com todo respeito, Majestade, não deveria


confiar em Niala também. — Hasani revirou os
olhos.

— Domec, sugiro que passe mais tempo na


cama de sua nova e linda esposa, antes que ela tire
a própria vida, como a última fez. Não confio nem
mesmo em você. Por que confiaria em Niala?

O macho enrijeceu o corpo, fazendo um


pequeno gesto com a cabeça e se retirou.
Hasani caminhou lentamente até a grande
janela, abriu a cortina e alongou o corpo diante da
melhor vista da montanha. O Rei foi até a outra
extremidade de seus aposentos, onde uma grande
tapeçaria estava pendurada na parede. Ele a afastou,
revelando aquela porta espessa. Hasani colocou a
mão sobre a porta e a magia fluiu entre seus dedos,
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destravando cada tranca interna. A porta pesada


rangeu ao ser empurrada e um choro intercalado
por soluços tomou conta do lugar. Ele abriu um
sorriso perverso.

— Espero que tenha dormido bem.

Alison caminhava atenta ao lado de Amut.


Há três dias as chuvas haviam cessado e a lua
brilhava no céu como nunca vira antes. Os passos
silenciosos eram observados de perto pelos amigos,
que seguiam a uma curta distância. Amut farejou
uma vez mais, indicando a direção em que se
encontrava o animal.
Ela não possuía olfato apurado, tampouco
seus olhos humanos permitiam enxergar a uma
longa distância, ainda assim, estava pronta para
testar suas habilidades diante da escuridão
avermelhada.
Amon rastreava as pegadas, enquanto Beat
sobrevoava os céus em silêncio. Abbas e Hadan
seguiam a direita de Alison e Nefer juntamente
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com Dov vigiavam a retaguarda.


Os pêlos de Amut ficaram ouriçados e ela
soube que estavam próximos. O grupo parou,
Alison ergueu o olhar da pegada enorme, para
escuridão a sua frente, procurando indícios da
criatura. Por um momento, se sentiu frustrada, mas,
entre as árvores, uma silhueta refletiu levemente.
Hadan gesticulou para ela seguir em frente. A
jovem tomou folego, enquanto caminhava ao
encontro da criatura.
Com passos calculados, apenas ela e Amut
avançaram cuidadosamente. Quando a distância
entre ela e sua presa se tornou mortal, ela
empunhou a adaga. O Knum ergueu a cabeça,
farejando o vento. Aquela era a hora de arremessar,
o pescoço completamente exposto do animal lhe
dava um bom ângulo. Amut olhou para ela como
quem questionava a demora.
O peito de Alison subia e descia se agitando,
conforme contemplava a beleza do animal.
Certamente um retardatário de seu bando, pastando
tranquilamente. O animal estava alheio, a morte
certa que o aguardava. Alison soltou o ar,
abaixando a adaga com tristeza. Era muito mais
fácil comê-los quando estavam exalando o cheiro
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de carne assada. Quando ela sequer questionava


que um dia aquele pedaço de carne delicioso fora
um animal tão belo.
Amut soltou uma lufada de ar e, em um único
impulso, estava abocanhando o pescoço do Knum,
Alison estremeceu diante do ataque inesperado.

— O que houve? Ele estava na sua mira. —


A jovem olhou aterrorizada para Hadan.

— Eu sei, não consegui. Me desculpa.

Amon se aproximou e Hadan abriu um


sorriso.

— Você acabou de perder uma garrafa de


vinho.

— Vocês apostaram? — Amon sorriu.

— E você, Nefer, vai ficar com meu próximo


turno.

— Eu não acredito que vocês apostaram. —


Amon ergueu os braços.
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— Eu apostei em você.

— Eu também. — Nefer se aproximou


enquanto Dov e Abbas seguiam até o animal morto
para se alimentarem.

Alison olhou para feracidade em que o trio


devorava do Knum e fez cara de nojo.

— Dá para sentir o cheiro de sangue daqui.

Beat passou por eles em um voo rasante,


soltando um grasnado de aviso. Amon sorriu.

— Beat apostou contra mim também, não


foi? — Os machos se olharam e sorriram.

— Todos os Neterus apostaram contra você.

— Até o Amut? — O animal respondeu com


um rosnado enquanto rasgava um pedaço da coxa
musculosa do Knum.

Beat sobrevoou soltando novamente um


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grasnado, fazendo os pêlos do braço de Alison se


arrepiarem com o som gutural. Os três Neterus
passaram a comer com mais rapidez, arrancando
qualquer pedaço de carne que conseguiam.
O terceiro grasnado ecoou pelos ares e a
enorme ave pousou ao lado da carcaça, batendo as
asas poderosas. Os três Neterus se afastaram
carregando um pedaço de carne que conseguiram
com uma última mordida generosa. Beat olhou para
Alison sobre uma das asas e, voltando-se para a
carcaça, começou a se alimentar, dilacerando carne,
nervos e ossos.
Aquela não era uma visão bonita, mas ela
compreendia a necessidade. Ali não havia qualquer
vestígio de domesticidade, como se os instintos dos
Neterus ficassem aflorados diante da caça.
Alison compreendeu que o maior objetivo da
noite não era a captura do animal. Os guerreiros
queriam que ela visse os Neterus assumirem a
postura feroz que os acometia. Qualquer lado que
possuísse tais aliados estaria em vantagem.
Amut se aproximou com o focinho
ensanguentado e olhou em seus olhos, a pupila
dilatada, aos poucos, foi se retraindo. Que os
Deuses a ajudassem a quebrar aquele maldito
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juramento!

— Vocês também conseguem se unir a eles?

— Apenas Anpu e Amon. Para acontecer o


Femi, é necessário que a magia de ambos seja
totalmente compatível.

Alison abraçou o próprio corpo, tentando


imaginar a forma que assumiriam ao completar o
Femi.

— Isso tudo é... muito louco. — Os


guerreiros gargalharam.

Era tarde quando retornaram para o chalé.


Alison atravessou o portal e se deparou com Anpu
em pé na sala. Suas pernas ameaçaram falhar
quando a jovem correu ao seu encontro, se
chocando contra o corpo do general. Ele a envolveu
em um abraço apertado enquanto inspirava seu
cheiro. O general a afastou para olhar em seus
olhos.

— Eu sinto muito, tive que partir diante de


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Hasani.

— Eu imaginei, não se preocupe. Você o viu?

— Sim. Não só ele, mas também encontrei as


bruxas. — Anpu ergueu os olhos para os amigos
em um cumprimento silencioso.

— Você está bem?

— Estou. — Anpu beijou a testa de Alison.

— Edward tentou matá-lo? — Anpu sorriu.

— Tentou, mas estava bêbado demais. Ele


está bem agora, contei tudo para ele.

— Como ele reagiu?

— No início não queria acreditar, mas acho


que acabou se convencendo.

— As bruxas falaram sobre a marca? —


Amon perguntou.

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— Sim. — Anpu olhou dentro dos olhos de


Alison. — Eu sei quem era seu pai, sei qual é seu
verdadeiro nome. — Alison o soltou, se afastando
um passo. — Seu nome é Nefertari, você é filha do
Rei Airon.

As pernas de Alison ficaram bambas e Anpu


a puxou contra seu corpo.

— Não. Nefertari foi morta. Eu mesmo vi a


sua cabeça... — Hadan se interrompeu.

Anpu explicou a todos o que as bruxas


haviam relatado. O acordo que foi feito com o Rei
Airon. Como ele havia tentado de todas as formas
livrar Thórun das mãos de Sebak. Alison chorou,
conforme o general relatava cada palavra revelada
pelas bruxas. Anpu a soltou, caminhando até a
cozinha. Ele retornou com a espada que foi lhe
dada como herança.

— Seu pai deixou a espada do Itemu dele


para você. Queria que aprendesse a lutar.

Alison ergueu as sobrancelhas e pegou a


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espada das mãos do general.

— Ela é pesada. — Anpu sorriu.

— É sim.

— E é horrível. — Ela sorriu mostrando a


espada para os três amigos. — Tenho a sensação de
que vai ficar presa no primeiro alvo que eu acertar.

— Essa ponta curva aqui, podemos usar


como abridor. — Hadan falou sorrindo.

Alison passou a mão sobre o brasão onde a


pedra azul estava, logo abaixo, o desenho da fênix e
uma frase onde dizia: É na fraqueza que nasce a
força e na morte repousa a vitória. Ela pendurou a
espada na parede de tora, junto com as demais
armas.

— Até que eu consiga sustentar esse peso,


não será possível treinar com ela.

— Vamos encontrar um jeito. — Alison


assentiu.
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Anpu subiu as escadas segurando a mão da


jovem. A magia do guerreiro estava sobre ela desde
que colocou os pés além do portal. Ele não sabia ao
certo quanto tempo esteve longe. Parecia semanas,
talvez meses sem sentir aquele cheiro, aquele
perfume.
A porta do quarto não havia fechado por
completo quando ele tomou seus lábios. Não foi um
beijo delicado como os que se limitavam nos
últimos meses. Ele a queria mais que tudo, nunca
ficara tanto tempo longe.
O general retirou a jaqueta dela, depois a
blusa térmica. A respiração de ambos era pesada.
Alison gemeu de prazer quando ele tomou seu seio
nos lábios. Ela se afastou por um momento, olhou
para o suéter e a calça jeans justa que ele vestia e
sorriu. Ele estava diante dela com roupas humanas,
perguntaria depois de quem eram, e o que precisou
fazer para consegui-las. Não agora, porque tudo o
que queria era tirá-las. Alison ergueu o suéter, a
camiseta em uma dança atrapalhada e cheia de
pressa para sentir aquele corpo, a pele dele contra a
dela. Ela desabotoou a calça e Anpu segurou sua
mão.
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— Isso é tão injusto. — Ela sussurrou


reclamando. Anpu acariciou seu rosto.

— Eu sei, mas hoje estou com medo de


perder o controle, de não conseguir parar. —
Alison assentiu.

Sempre foi ele que, no último momento,


recobrava a consciência para impedir os avanços.
Sempre foi ele que conseguia pensar além do
desejo, da luxuria. Que possuía o controle. Ela
sabia que ele fazia aquilo por ela, por todos eles.
Foi por isso que propôs a ele que deveriam dormir
separados. Que precisavam limitar os toques,
porque todas as vezes em que ele fazia isso, em que
era mais forte que ela, havia dor em seus olhos.

— Então vamos parar por aqui. — Anpu se


jogou no colchão e a puxou sobre seu peito.

— Quando tudo isso terminar, vou construir


uma cama de toras para nós, vamos ficar deitados
nela por uma semana. — Alison sorriu.

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— Vou poder ir ao banheiro?

— Talvez, mas só se for muito, muito rápida.

— Eu quero uma banheira igual a sua.


Exatamente igual.

— Às vezes eu desconfio que você só se


apaixonou por mim por causa daquela maldita
banheira.

— Faz sentido, foi lá que você se esfregou


em mim pela primeira vez. — Anpu gargalhou e
ela abafou sua risada com um beijo. — Eu senti
tanto a sua falta. Eu te proíbo, Anpu Acool, de ficar
tanto tempo longe de mim.

— Você está em vantagem, passou menos


tempo longe de mim do que eu de você. — Alison
desfez o sorriso.

— Às vezes eu esqueço sobre a diferença no


tempo.

— Ele está bem, Alison, ganhou uma espada


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igual a sua. O pai dele era o Itemu da tua mãe. Os


Itemus dos teus pais eram irmãos e lutaram juntos.
Dizem que eram os melhores. Depois que tudo
acabou, as espadas foram entregues para as bruxas.

— Mas quem as entregou?

— Não sabem dizer, perderam muitos


registros durante a inquisição. A própria tapeçaria
que continha a profecia estava com elas.

— Mas a anciã falou que Sebak mandou tecer


para que Hasani não se esquecesse da profecia.

— Talvez ela acredite nisso, mas não foi o


que aconteceu, o Rei chegou até elas com vocês e a
tapeçaria já pronta. Foi o oráculo do Rei Airon
quem profetizou quando ele pediu aos Deuses uma
saída. Achamos que a inquisição foi provocada de
alguma forma por Hasani para roubar a profecia.

— Isso não vai contra as regras?

— Parece que Hasani adora quebrar as


regras.
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— Precisamos encontrar essa profecia. — ela


falou e Anpu depositou um beijo em sua cabeça.

— Nós vamos. — Anpu a aninhou sobre seu


braço e deslizou o dedo sobre seus seios. —
Edward mandou uma mochila cheia de coisas suas.
— Alison ergueu as sobrancelhas.

— Onde está?

— Hã hã, não vou deixar você sair daqui.

— Achei que você só me prenderia na cama


quando pudéssemos ficar sem as calças. — Anpu
sorriu com malícia.

— Você sabe que não preciso tirar a sua


calça para fazer o que eu quero.

O corpo do guerreiro foi envolvido pela


névoa e filetes de magia tocaram com suavidade a
pele de Alison, fazendo seu corpo arquear.

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Anpu estava diante do exército Anúbio


quando Mica o chamou.

— Preciso falar com você.

— Pode ser depois do treino?

—Não, é importante. — Anpu a levou a uma


distância segura.

— Fala.

— Oi, para você também.

— Mica, aqui não sou o seu tio, sou seu


general.

— Ótimo, porque é de um general que


preciso. Uma curandeira foi chamada aos aposentos
de Hasani à noite. Ela retornou apenas ontem pela
manhã. — Mica sussurrava. — Disse que ele a
prendeu em uma sala, que a estuprou repetidas
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vezes. Ele não só a estuprou, como a torturou. Ela


teve que passar a noite se curando. — Anpu
suspirou com raiva.

— Você sabe que não posso confrontá-lo.

— Não é por isso que estou contando a você.


Ela viu uma tapeçaria no quarto de Hasani, disse
que a sala fica atrás dessa tapeçaria. — Anpu olhou
para a sobrinha surpreso.

— Peça para Jeisan liderar o treino.

— Aonde você vai?

— Acordar um Rei.

Anpu caminhou pelos corredores até a ala


real. Fez um cumprimento breve para os soldados,
dobrando mais uma esquina. Ele parou diante dos
aposentos reais, uma batida na porta ecoou pelo
corredor imenso.

— Majestade.

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Uma voz baixa respondeu algo que Anpu


decidiu interpretar como sendo um "entre". Os
guardas saíram da frente do general e Anpu abriu a
grande porta dupla.

— Majestade. — Anpu fez uma reverência.


— Me perdoe acordá-lo tão cedo, mas cheguei há
pouco tempo e já pretendo partir novamente.

Hasani respondeu com um gemido,


completamente sonolento. Anpu aproveitou para
olhar para a tapeçaria.

— O que você quer, Anpu? Algo de errado


na Terra?

— Não, senhor, está indo tudo dentro do


normal por lá. Mas, na minha ausência, os
desgarrados andaram agitados. Nefer me relatou
hoje cedo que eles saíram do abrigo e rondaram a
região por duas horas. Depois retornaram e hoje
fizeram a mesma coisa. Achei prudente avisá-lo
que estou partindo para o Norte, quero acompanhar
o movimento de perto.

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Hasani gesticulou a cabeça concordando e


Anpu deu um passo para trás, na direção da porta.

— Anpu, como está a humana?

— Ela me pareceu bem, Majestade.

— O que ela anda fazendo? Como ocupa seu


tempo livre?

Anpu pensou por alguns segundos. Verdade,


ou parte dela sempre foi uma boa arma para lidar
com Hasani.

— Parece que Amut está a ensinando caçar.


Ela anda treinando com armas para aprender a se
defender.

— Que tipo de armas?

— No chalé, havia uma coleção de armas


Itemus, decorando a parede. Ela está usando para
treinar.

— Acha que ela pode ferir alguém?


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— Uma tecedeira talvez.

— Você confia nela?

— Com todo respeito, Majestade. Confiança


não é algo que eu saia dando por aí. — Hasani
sorriu.

— Me mantenha informado sobre os


desgarrados, mas nunca mais me acorde tão cedo.
— Anpu fez uma reverência e se retirou.

Mica foi ao encontro de Anpu, conforme ele


subia a galeria que dava acesso a área de treino
externa.

— Viu algo?

— Sim, realmente existe uma tapeçaria, mas


está virada para a parede. No verso, não existe
nenhuma mensagem. Talvez a curandeira tenha
visto algo quando a porta da sala se abriu.

— Vou perguntar para os criados, que


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limpam os aposentos de Hasani. — Anpu assentiu.

— Algum rumor sobre onde está a pedra de


Thuran?

— Ainda não, mas tenho informantes que


podem descobrir isso. —Anpu ergueu as
sobrancelhas.

— Informantes? — Mica sorriu.

— Espiãs habilidosas.

— Ótimo, chegou a hora. — Anpu segurou o


ombro da sobrinha. — Hoje, depois do treino, vou
contar tudo para Jeisan.

— Que Anúbis o ajude!

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CAPÍTULO XXII

O tempo é muito lento para os que


esperam
Muito rápido para os que têm
medo
Muito longo para os que lamentam
Muito curto para os que festejam
Mas, para os que amam, o tempo é
eterno.
William Shakespeare
Alison caminhava de um lado para o outro, a
ansiedade destruía seus nervos.

— Se sente, por favor, está me deixando


irritado.

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— Ele já deveria ter voltado.

— Anpu está bem, ficar aí abrindo um buraco


no assoalho não vai ajudar em nada.

— Talvez vocês devessem ir para o Norte, o


esperar lá.

— Não, ficamos de encontrá-lo aqui. Se você


não se sentar, vou amarrar você nesse sofá. —
Amut rosnou para Amon em resposta e Beat
respondeu com um grasnado de aviso.

— Parem com isso! Estão me deixando mais


nervosa. Esse chalé está muito pequeno e cheio de
testosterona.

Alison saiu da sala apertada, passando por


Dov, deitado no corredor. O animal sorriu para ela,
mostrando os enormes dentes sob os longos pêlos e
ela suspirou.
As semanas em que passara com os amigos e
seus Neterus não foram as mais fáceis. Enquanto
Beat era reservado demais, Dov havia tentado
colocar a cabeça dela inteira dentro da boca.
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Lambidas melosas e inesperadas, abraços apertados


e demorados. O Neteru de Nefer era a versão
animal de Hadan.
Quando as chuvas cessaram, foi um
verdadeiro alívio para ela. Mas agora estavam ali,
novamente trancados naquele chalé. Dov se
aproximou caminhando nas patas traseiras, as
unhas encolhidas e o ronronado demostravam suas
intenções. Como um grande urso peludo com cara
de gato persa vindo do inferno, ele a puxou contra
os pêlos longos e fofos.

— Eu estou bem, Dov, você está me


esmagando.

— Dov! — Nefer gritou da sala.

O animal a largou, se deitando no chão com a


boca enorme em um sorriso. Alison se segurou para
não rir, porque sabia que, na primeira demonstração
de afeto, ele estaria em cima dela novamente. Ela
abriu a torneira, enchendo um copo com água
quando um portal se abriu e ela se virou, vendo
Anpu a sua frente.

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— Você demorou, eu estava preocupada.

— Aconteceu um imprevisto.

Os amigos haviam se aproximado e Beat


aguardava no corredor junto com Abbas.

— Hasani chamou uma curandeira em seus


aposentos. Ele a estuprou e a torturou durante a
noite, a libertando pela manhã.

— Por que ele iria se expor assim? Isso não


faz sentido. — Hadan falou cauteloso.

— Mica falou com a curandeira. Ela


mencionou uma sala secreta, a entrada fica
escondida atrás de uma tapeçaria pendurada na
parede.

— Acha que pode ser a tapeçaria que


procuramos? — Alison perguntou.

— Creio que sim. Os criados falaram que


possuem um tempo bem restrito para fazerem a
limpeza do lugar. Tudo acontece sob o olhar de
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Hasani.

— Isso está cada vez mais estranho. Se a


curandeira viu a tapeçaria, por que Hasani a
deixaria viva? — Hadan falou.

— Talvez ele não se importe mais em


esconder quem realmente é. Eu fui até os aposentos
dele, realmente a tapeçaria está lá. Porém, estava
virada com o desenho para a parede. Mica vai
conversar com a curandeira para saber se ela viu
algo de dentro da sala.

— Se a tapeçaria estava virada para a parede,


encobrindo a porta, talvez ela tenha visto algo de
dentro da sala.

— Com certeza deve ter visto. É aí que as


coisas não fazem nenhum sentido. — Hadan
protestou.

— Se Hasani estivesse realmente


desconfiado, bastava me fazer as perguntas certas e
teria descoberto tudo. Agora precisamos ir para o
Norte, eu contei sobre a movimentação dos
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desgarrados e disse que iria com vocês.

— Alison não pode ficar sozinha. — Amon


falou encarando a jovem.

— Eu estou bem, podem ir.

— Amut pode ficar com ela.

— Não, Anpu, creio que Amut não será


suficiente. — Amon olhou para Alison. — Se você
não contar, eu conto.

— Do que estão falando? — Anpu se voltou


para Alison. — O que você não me contou?

— Não é nada demais, eu já falei que estou


bem. Se não querem me deixar aqui sozinha, então
me levem até Mica. Eu posso ajudar a falar com a
curandeira.

— Não. Eu contei tudo para Jeisan nessa


manhã e ele não aceitou muito bem. Não vai querer
que fique na casa dele.

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— Como assim não aceitou muito bem? —


Nefer perguntou irritado.

— Ele não quer uma nova guerra. Quer


proteger Mica. — Hadan falou enquanto olhava
Anpu nos olhos.

— Isso é ridículo. Quanto tempo até que


Hasani comece a torturar e estuprar as fêmeas de
nosso clã? — Nefer falou irritado.

— Já está fazendo isso. Parece que Niala


anda frequentando a sala secreta de Hasani.

Os olhos de Nefer se incendiaram com


tamanha raiva e Alison se perguntou o que aqueles
machos fariam a Hasani, assim que o juramento
fosse quebrado. Anpu se aproximou da jovem e
segurou suas mãos.

— O que está escondendo de mim?

— Niala mandou você para a Terra no lugar


dela, porque queria chegar até mim. Fez com que
Amut estivesse ocupado e distraiu a todos, fazendo
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os desgarrados se agitarem. Quando eu fiquei


sozinha, ela veio aqui.

Anpu ergueu a cabeça, olhando para os


amigos sobre o ombro. Nenhuma palavra precisou
ser dita para que os guerreiros se encolhessem.

— Não os culpe, Anpu, eles queriam trazer


Mica para ficar comigo e eu não quis.

— O que ela queria?

— Queria saber quem reivindicou você.


Chegou a conferir meu pescoço, mas coloquei-a
para correr.

— Alison, o que você fez?

— Ela acariciou Netal na frente de Niala.


Disse que, se ela não fosse embora, encantaria o
Neteru para matá-la durante o sono. Ameaçou
prender a magia dela como fez com a sua.

— Alison.

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— O que foi? Deu certo. Ela foi embora e me


deixou em paz.

— Não consegue ver o que fez? Niala não vai


esquecer uma ameaça assim.

— Eu avisei. — Amon falou erguendo os


braços e Anpu estremeceu de raiva ao olhar para
ele.

— Me leve até Mica. Quero falar com Jeisan.

— Não. Niala está na montanha, seria muito


perigoso e Jeisan não vai deixar que Mica venha
para Azires. Beat e Amut ficarão com você.
Qualquer vestígio de Niala em Azires e Beat partirá
para o Norte para nos avisar.

Alison apoiou as mãos sobre a pequena mesa


irritada.

— Eu não entendo. Vocês me fizeram treinar


todos os dias desde que cheguei aqui. Me fizeram
acreditar que esse é meu destino, que preciso
recuperar essa maldita pedra e quebrar o juramento,
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mas não me deixam ajudar. Me manter trancada


aqui não vai resolver nada. Precisamos trabalhar
todos juntos e rápido. Se Hasani desconfiar, não
vou estar segura, nem mesmo com você, Anpu.
Basta uma palavra dele e eu...

— Não fala isso. Eu jamais machucaria você.

— Você não teria escolha.

— Alison tem razão, esse é o destino dela. Eu


a levo para a montanha, quero falar com Jeisan. —
Hadan colocou a mão sobre o ombro do amigo, do
irmão. — Eu vou cuidar dela, não seremos vistos.

O maxilar de Anpu pulsou, e ele cerrou os


dentes. Os lábios estavam apertados enquanto
olhava para ela. Sua boca tomando aquela forma
única, que indicava estar ponderando. Se ele
soubesse como ela o achava lindo quando fazia
aquela expressão dura. Ele era um desgraçado
controlador, mas ela nunca se dobraria.

— Ah, por favor! Melhor saímos para dar um


pouco de privacidade. O casal precisa se despedir.
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— Hadan falou debochando e Anpu esboçou um


sorriso.

— O que foi?

Amon passou o dedo pelo nariz, indicando


que ela havia exalado algum cheiro que a
denunciou. A jovem revirou os olhos enquanto
todos saíam do chalé. Anpu permaneceu em pé
diante dela, sem a tocar. Suas expressões não
haviam suavizado, para a sorte dela, pois era
exatamente assim que ele a excitava.

— Eu vou ficar bem.

— Se acontecer alguma coisa com você, eu


mesmo mato Hadan.

— Não vai acontecer nada, Anpu. — Alison


deu um passo na direção do guerreiro e o beijou.

— Estou com medo. — Anpu sussurrou


contra os lábios dela. — Nunca senti tanto medo.

— Eu sei, também estou.


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— Prometa que não vai se colocar em perigo.

— Já estou em perigo, Anpu. Quanto mais


cedo descobrirmos sobre a profecia e onde ele
esconde a pedra, mais chance eu tenho de
sobreviver.
Anpu concordou, colocando a testa sobre a
testa dela. Ele inspirou aquele cheiro e sorriu.

— Estou quase levando você lá para cima e


arrancando suas roupas.

Alison sentiu os pêlos do braço se arrepiarem


ao lembrar-se da noite que tiveram juntos. Mesmo
diante das limitações, era incrível estar com ele.

— Você precisa ir e eu também.

A mão de Anpu desceu pelas costas de


Alison, parando sobre sua bunda. O general a
segurou firme, puxando-a contra seu corpo.

— Volto em dois dias, eu ordeno que esteja


aqui. — Alison curvou a cabeça para trás sorrindo.
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— Você sabe que, quando eu recuperar


aquela pedra, possivelmente vou passar no teste e
serei sua rainha. — Anpu mordiscou o pescoço
exposto.

— Então poderá me castigar por todas as


vezes em que a obriguei a fazer algo.

— Na verdade, não poderei. — Alison


sussurrou no ouvido do general. — Porque nunca o
obedeci. — Anpu gargalhou.

— Dois dias, Alison Evans. Se eu voltar e


não estiver aqui, vou trazê-la pelos cabelos.

— Se fizer isso, vai comer suas bolas. —


Anpu sorriu.

O general se afastou, caminhando na direção


da porta. Alison pegou o copo de água que ainda
estava sobre a pia e bebeu.

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Um portal se abriu na sala de Jeisan e Alison


atravessou juntamente com Hadan. Fukayna foi ao
encontro de Alison, esfregando o pescoço na
jovem. Mica caminhou ao encontro da amiga e a
abraçou, em seguida, pulou no pescoço de Hadan.

— Anpu contou sobre meu pai?

— Sim. Ele está?

— Não, Hasani o chamou.

— Acha que ele vai nos entregar?

— Não. Meu pai jamais faria isso. Ele só está


com medo, mas vai acabar aceitando, só precisa de
tempo.

— Tempo é um luxo que não desfrutamos no


momento. — Hadan falou pesaroso.

— Mica, não posso obrigá-los a me ajudar,


mas precisamos de aliados e ter vocês ao meu lado
seria uma honra.
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— Você sabe onde está minha lealdade.


Mesmo que meu pai decida não apoiar você, eu
estarei ao seu lado. Então, se ele decidir lutar ao
lado de Hasani, estará contra a própria filha e
irmãos. — Mica olhou para Hadan. — Está na hora
de trilhar meu próprio caminho. — Alison sorriu
agradecida.

— Preciso que me leve até a curandeira. —


Alison olhou para o guerreiro. — Hadan, fique aqui
para caso Jeisan volte e tenta descobrir o que
Hasani queria com ele.

— Vejam só, ela já dá ordens como uma


rainha. — Mica falou debochada. A jovem cutucou
a amiga.

— Alison, tome cuidado.

— Não se preocupe, vamos ser rápidas. —


Hadan assentiu.

— Espero que tenha comida nessa casa.

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— Aproveita para comer antes de o meu pai


voltar, ele não vai gostar nada de te ver aqui.

Mica abriu um portal para as profundezas da


montanha. O lugar estava quase vazio, a maioria
dos curandeiros e criados estava ocupada em seus
afazeres pelo palácio. Algumas crianças corriam no
salão profundo e escuro.

— Que lugar é esse?

— Esse é o lugar onde acontecem as


melhores festas dos Hathor.

Uma mulher que segurava um bebê se


aproximou e Alison a reconheceu.

— Precisamos falar com Kenai.

— Ela está descansando no alojamento.

— Eu gostaria de fazer algumas perguntas, é


muito importante. — A mulher fez uma reverência
para Alison e caminhou na direção da porta.

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— Podem me seguir.

O alojamento era precário, várias camas


estavam dispostas. Algumas divisórias
improvisadas e nenhuma janela. A umidade vertia
das paredes de pedra pálida, deixando o ambiente
sufocante. Kenai estava deitada em uma cama, seu
olhar era distante.

— Kenai, essa é a Alison.

A jovem ergueu os olhos lentamente e Alison


sentou na cama, segurando a mão da curandeira.

— Não posso imaginar pelo que teve que


passar. Mas gostaria de fazer algumas perguntas,
tudo bem? — A curandeira confirmou com um
gesto quase imperceptível.

— Quando estava naquela sala, você


conseguiu ver alguma parte da tapeçaria? — Kenai
se encolheu.

— O sol e a lua.

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— Você viu o desenho de um sol e de uma


lua?

— Não. Vi a filha do sol se transformando na


filha da lua.

— Sei que deve ser difícil, mas essa tapeçaria


pode conter uma profecia. Você lembra se havia
algo escrito? Viu se ele guarda a pedra de Thuran
na sala?

— Havia hieróglifos na língua antiga. Eu


estava com tanto medo que não...

— Está tudo bem, você ajudou bastante, mas


preciso saber se você viu a pedra?

— Não, aquela sala é apenas uma câmara de


tortura. — A curandeira apertou a mão de Alison.
— Quando você quebrar o juramento, eu quero
matá-lo. Todas nós queremos.

Alison encarou a curandeira até que seu olhar


ficou distante, como se estivesse perdida em seus
pensamentos.
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— Vamos. Preciso falar com algumas


criadas, de preferência as que limpam os aposentos
de Hasani. — Uma raiva crescia dentro da jovem.
Que os Deuses a ajudassem, porque Hasani
pagaria!

— Estão todas trabalhando, mas podemos vir


amanhã bem cedo. Agora preciso ir a um lugar,
mas você não pode ir comigo. Vou te levar para
casa.

— Você também?

— Não é o que você está pensando. São meus


informantes e só vão falar se eu estiver sozinha. —
Alison bufou.

— Ok, então me leve para ver seu querido


pai.

Mica sorriu e abriu o portal e, antes que


Alison pudesse atravessar, pôde ouvir os ânimos
exaltados.

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— Boa sorte. — Mica desejou a ela.

Jeisan fechou as mãos em punho quando viu


o portal se fechar atrás de Alison.

— Onde a Mica está?

— Não sei, ela falou algo sobre pegar


informações com espiões dela. Mas não faço a
menor ideia de quem sejam. — Jeisan grunhiu
apontando o dedo para Hadan.

— É por isso que não quero me envolver


nisso.

— Você tem todo o direito de não se


envolver, mas sua filha já é uma mulher e tomou a
decisão dela. Nesse exato momento, ela está
arriscando a própria vida para coletar informações
sobre Hasani. Então, se você quer fingir que nada
está acontecendo, vai em frente. Mica já escolheu
um lado e sugiro que faça o mesmo. — Alison
falou com autoridade.

Jeisan trincou os dentes e caminhou na


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direção da jovem.

— Quem você pensa que é para falar dessa


forma comigo, humana? — Alison sorriu
debochada.

— Não sou humana. — Alison falou na


língua de Jeisan. — Meu nome é Nefertari Ravic,
filha do rei Airon Ravic. Sou o último oráculo de
Thórun. — Os olhos de Jeisan se abriram com
espanto e Alison soube que, por algum motivo,
Anpu havia omitido aquela informação.

— Nefertari está morta.

— Não, não está. — Hadan falou com a voz


baixa.

Zara caminhou até a jovem e sentou ao seu


lado. Jeisan passou as mãos sobre os cabelos
curtos, tentando assimilar aquela informação.

— Se Hasani souber disso, matará todos nós.

— É por isso que preciso de ajuda. Preciso


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descobrir sobre a profecia, descobrir onde Hasani


guarda a pedra de Thuran e quebrar o juramento.

Jeisan balançou a cabeça em negação.

— Fique longe da minha filha, da minha


família. Você vai ser nosso fim, ele vai matar
qualquer um que for próximo de você. Nunca vai
conseguir quebrar esse juramento, não perca seu
tempo indo atrás dessa maldita profecia.

— Você está ouvindo o que está dizendo? —


Hadan perguntou irritado. — Ela é uma Rá-Thoth,
pode recuperar a pedra e nos libertar.

— Não, ela não pode.

— Do que você falando? — Alison


perguntou. Os olhos de Jeisan estavam tomados
pelo pavor.

— Uma vez ouvi uma conversa de Hasani


com Domec, eles não sabiam que eu estava lá. Não
sei o que estão fazendo para recuperá-la, mas
sugiro que parem qualquer plano idiota antes que
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levantem suspeitas. Antes que ele mate a todos nós.


Hasani não possui a pedra, Sebak a destruiu antes
de morrer.

— Como? — Jeisan olhou para ela sem


esperança.

— Assim que Sebak garantiu proteção para


seus descendentes, ele sabia que estava morrendo,
sabia que não duraria muito tempo. Então garantiu
que ninguém mais faria o que ele fez, ninguém
mais conseguiria roubar a pedra de seu filho. —
Hadan deixou o corpo cair sobre o sofá,
aterrorizado com a declação de Jeisan.

— Mas existe uma profecia, então deve haver


uma forma de quebrar o juramento. — Alison
insistiu e Hadan franziu a testa. Não havia
esperança naquele olhar.

— Alison, há anos tentamos quebrar o


juramento.

— Não. Existe uma profecia. Meu pai viu o


futuro e acreditou na profecia a ponto de me
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esconder por todos esses anos. — Alison falou com


a voz embargada. — Não vou desistir.

— Tira-a daqui agora. Não quero que se


aproxime da minha filha ou eu mesmo conto para
Hasani quem você é. — Hadan se levantou do sofá
e encarou Jeisan.

— Você não foi o único que presenciou a


guerra, não foi o único que teve que se ajoelhar,
enquanto todos que amava morriam.

— É exatamente o que vai acontecer se não


pararem com isso agora.

— Então é melhor se preparar, Jeisan, porque


eu não vou desistir. — Alison se virou para Hadan.
— Me tira daqui.

O guerreiro abriu um portal e eles


atravessaram para o apartamento de Anpu. Alison
mantinha os punhos fechados.

— Alison, talvez Jeisan tenha razão.

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— Não, Hadan, se existe uma profecia,


precisamos acreditar.

— Então vamos descobrir o que diz a


profecia. Talvez ela nos diga o que precisamos
fazer.

— Hadan, é possível conversar com alguém


no mundo dos mortos?

— Alison, essa não é uma opção.

— Não quero saber sobre o que você


acredita, Hadan, quero que me diga se é possivel,
posso tentar falar com meu pai.
— Tudo o que eu sei é que Azures é o
guardião dos mortos, um demônio que vive nas
profundezas e, além dela, possui um exército de
demônios menores. Você não sobreviveria nem
mesmo a um desses demônios, quem dirá a um
exército deles. Na Terra, ele é conhecido como
Apófis.

— Apófis? A serpente de doze cabeças?

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— É o que dizem, mas creio que ele possua


muito mais.

— Recue, caminhante! Afasta-te, oh,


proveniente de Apófis! Que sejas mergulhado no
oceano de Num. O lugar marcado para a tua
destruição! Afasta-te da descendência de Rá,
porque nela está o terror! Eu sou luz, onde eu
resido o terror recua.

— O que é isso?

— Um ritual para destruir Apófis. — Hadan


a encarou incrédulo. — Isso está escrito nos livros
dos mortos, faz parte da mitologia Egípcia. Que
bom que conheço alguém que tem o telefone do
Deus do submundo.

— Telefone? — Alison sorriu para Hadan


novamente.

— Não, não funciona assim. Anpu nunca


pôde falar com Anúbis. Ele apenas o avisa quando
Anpu está em perigo.

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— Talvez ele nunca tenha tentado. Vamos


dormir aqui essa noite, amanhã eu vou descobrir
tudo sobre essa profecia e então vamos tentar falar
com Anúbis.

— Alison, Anpu nunca vai concordar, isso é


loucura. Eu vou levar você de volta para Azires.

— Ah, não vai não. Eu não vejo a hora de me


jogar naquela banheira. — Hadan bufou.

Alison foi até a sala de banho e retirou sua


roupa, ela entrou na banheira e soltou um suspiro
profundo. Não queria pensar no que estava por vir.

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CAPÍTULO XXIII

Combater e morrer é pela morte


derrotar a morte, mas temer e morrer é
fazer-lhe homenagem com um sopro
vil.
William Shakespeare
Há meses que o apartamento de Anpu se
encontrava vazio. Apesar da banheira
constantemente aquecida, não havia comida ali.
Hadan estava ciente que a fome afetaria o humor de
Alison. Mas era muito arriscado perambular pelo
palácio atrás de comida.
Principalmente quando ele deveria estar no
Norte e ela em Azires. Era a terceira vez que o
estômago dela roncava, isso junto com toda tensão
sobre eles, poderia ser desastroso.
Um guerreiro Anúbio poderia ficar
facilmente três dias sem comida, mas humanos
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eram diferentes e Alison ainda estava em um corpo


humano.
A jovem estava no quarto de Anpu, revirando
todas as suas gavetas. Desenhos eram espalhados
para todos os lados e, o guerreiro decidiu que não
queria saber o que ela procurava.

— Achei. Olha isso! — Ela gritou para


Hadan. — Este é um demônio, não é?

— Como sabe?

— Eu já vi um. Ele fedia como a morte.

— Anpu a levou para caçar um Amint?

— Não, não foi Anpu. — As sobrancelhas de


Hadan se ergueram.

— É uma longa história. Mas quando eu vi


aqueles olhos amarelos, eu sabia que já tinha visto
aquela criatura antes. Então me lembrei dos
desenhos, com toda certeza Anpu já matou um
demônio.

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— Todos nós já matamos, Alison, faz parte


do nosso treinamento. É diferente lutar contra um
único Amint. Enfrentar um exército deles é
impossível. Se você já se encontrou com um,
assunto o qual estou muito curioso, deve saber
como são difíceis de matar.

— Na verdade, não foi tão difícil. Apenas um


golpe e a cabeça do demônio estava rolando aos
meus pés.

Hadan chacoalhou a cabeça em negativa.

— Você o matou?

— Eu matei. — Mica entrou no quarto. —


Desculpa não bater na porta, mas imaginei que
estariam escondidos aqui. Eu trouxe comida.

— Graças a Deus, estou morrendo de fome.


— Alison foi até a porta do quarto e pegou o prato
cheio de pedaços de bolo que a amiga oferecia.

— Por que você a levou até um Amint?

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— Eu queria mostrar o Femi para ela, mas


Fukayna só aceita completar o Femi quando estou
em perigo. — Mica deu de ombros.

— Você sabe que Anpu te mataria por isso.

— Ele vai ter que entrar na fila, meu pai está


na frente. — Alison sorriu com a boca cheia de
bolo e Hadan a encarou incrédulo.

— Você precisa ver, ela é muito boa em


matar demônios.

— Vocês não podem estar considerando isso?


É loucura! Mica?

A jovem permaneceu em silêncio.

— E se fizermos como em Trezentos? —


Alison falou animada.

— Trezentos? — Hadan perguntou curioso.

— Sim. Os espartanos estavam em trezentos


homens contra milhares de soldados inimigos. Eles
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os atraíram para um corredor estreito, formando


uma linha de frente impenetrável e começaram a
massacrar o inimigo no vale. Eles foram
inteligentes e eram treinados e habilidosos.

— Não me lembro de nenhuma guerra assim


na história da humanidade.

— Bom, Trezentos é um filme, mas poderia


dar certo. Talvez Azures apareça. — Hadan
gargalhou.

— Você quer descer até o covil de Azures,


baseando sua tática em um filme?

— Eles ganharam? — Mica perguntou com


cautela.

— Infelizmente não, foram traídos e


surpreendidos por trás.

— Ótimo, isso fica cada vez melhor.

— Vamos nos preocupar com a profecia


primeiro, deve ter alguma saída. Eu venho te buscar
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amanhã cedo, quero que veja uma coisa. Agora


preciso voltar antes de escurecer, estou de castigo.
— Mica sorriu.

— Obrigada, Mica.

— Se eu fosse você, vestia algo mais quente.


A magia de aquecimento está desligada, se querem
se esconder aqui, é melhor não ligar. — Alison se
virou para Hadan surpresa.

— Como assim desligada?

— Eu falei que queria voltar para Azires. —


Hadan ergueu os braços.

— Eu daria tudo para ver a cara do Anpu


quando descobrir que você dormiu abraçadinho
com ela. — Mica gargalhou e atravessou o portal.

— Eu vou tomar um banho. — Hadan se


levantou, indo na direção da sala de banho e Alison
se encolheu.

A jovem vestiu todas as roupas quentes que


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encontrou. Quando a escuridão caiu sobre Thórun,


ela foi até a sacada. Sentia saudades das noites na
Terra, de poder olhar para as estrelas sem a
preocupação de morrer congelada. Não que o céu
de Thórun fosse algo terrível, mas não possuía a
mesma beleza. A lua vermelha tomava conta da
escuridão, não era possível ver nada além dela.
Alison abraçou o próprio corpo diante do frio
castigante do planeta. Os dentes começaram a
bater, quando a magia de Hadan a cobriu.

— Você está com saudade da sua antiga vida.

— Não pode me culpar.

— Não a culpo.

— Sinto falta de muitas coisas,


principalmente de ver as estrelas. O céu da Terra é
tão lindo à noite.

— Quando recuperar seu corpo, vai se tornar


mais independente. Vai poder passar uma noite
inteira olhando para o céu se quiser. — Alison
sorriu.
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— Ainda assim não verei estrelas.

— O céu de Thórun possui algumas estrelas,


você apenas não as vê por causa do reflexo da lua.

— Você consegue ver? — Hadan confirmou.

— Isso é tão injusto.

— Existe um período curto em que a lua fica


escondida no horizonte. São apenas duas semanas,
mas o céu brilha de forma incrível. Não estamos
longe. — Alison suspirou.

— Espero que dê tempo.

— Eu também. Vem, vamos entrar, seus


lábios já estão ficando roxos. — Hadan iluminou o
corredor apenas para que enxergassem o caminho.
A jovem passou pelo quarto de Anpu, indo em
direção a seu antigo quarto.

— Você sabe que Anpu vai querer me matar


por isso, não sabe?
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— Não fique tão empolgado, Hadan, vamos


apenas encostar nossos pés. — Hadan gargalhou. O
guerreiro retirou a camisa e Alison ergueu as
sobrancelhas.

— O que pensa que está fazendo?

— Contato, ou você vai morrer de frio. Você


deveria tirar a sua também. — Alison bufou.

— Vai sonhando.

Alison colocou uma coberta pesada sobre a


cama e deitou, puxando a coberta sobre si. Hadan
olhou para ela por um instante e deitou ao seu lado.

— Meu pé vai encostar no seu, nada mais.

— Não será suficiente e você sabe que vai


congelar. — Alison retirou a jaqueta e puxou as
mangas da camisa térmica, entrelaçando o
antebraço com o de Hadan.

— Vocês humanos são tão estranhos. Sentem


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vergonha do próprio corpo e falam de sexo como se


fosse algo terrível.

— Não sou eu que estou com medo de ser


morto por simplesmente dividir a cama.

— Meus motivos são diferentes dos seus.

— Ah é? E quais são os seus motivos?

— Enquanto você se preocupa com toques e


pudor, me preocupo com sentimentos. Anpu não
teme que eu toque em você. Teme que você se
apaixone por mim.

— Anpu não teme isso, ele sabe que eu o


amo.

— Então tira essa blusa e deita aqui. —


Hadan deu pequenos tapinhas no peito e Alison
analisou o amigo por um instante.

— Vocês são completamente desinibidos e


falam de sexo com tamanha banalidade. Acha que
Anpu pode estar transando com alguém? — Hadan
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estreitou as sobrancelhas. — Copulando com


alguém por aí?

— Só se for com a Niala, do jeito que ela fica


em cima dele. Duvido que ele consiga isso com
outra fêmea. E você não pode “transar”, então é
possível. — Alison olhou para o amigo incrédula.

— Você está mentindo, está falando isso só


para que eu me deite sobre você. — Hadan sorriu.

— Você está ficando cada dia mais esperta,


tinha que ver sua cara, sem falar o cheiro que
exalou. Eu adoro o cheiro de ciúmes.

— Cala a boca, Hadan, e vai dormir.

— Eu vou te dizer o que vai acontecer. Nós


vamos dormir e nossas mãos vão se soltar, assim
como nossos pés. Se você tiver sorte, vai acordar
antes de congelar. Então eu vou ter que tirar toda a
sua roupa e me deitar completamente nu sobre
você.

— Vai dormir, Hadan, ou eu corto a sua


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língua. — Alison se virou de costas para o


guerreiro, deixando apenas os pés encostados no
amigo.

— Já começou. — ele disse e Alison apenas


resmungou, completamente sonolenta.

Os tremores constantes fizeram com que ela


acordasse completamente congelada. Por mais que
detestasse reconhecer, Hadan esteve certo o tempo
todo. Alison colocou a mão sobre o peito do
guerreiro, mas o frio era intenso.

— Hadan, acorda. — Ela o chacoalhou. —


Acorda, por favor, estou congelando.

O guerreiro abriu os olhos e se sentou na


cama, olhou para ela por um instante, tentando
compreender onde estava.

— Estou com frio. — A voz saiu trêmula.

Hadan começou a tirar a blusa térmica de


Alison, o corpo dela estava gelado e ele a cobriu
com magia.
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— Vem. — Ele a puxou sobre o peito,


cobrindo-a com a coberta. — Está melhor?

— Desculpa.

— Está tudo bem. Você é a criatura mais


teimosa que já conheci. — Hadan encostou o
queixo na testa dela. — Talvez seja por isso que os
Deuses a escolheram.

Alison sorriu enquanto seus dentes batiam.


Aos poucos, o calor voltou para o corpo da jovem,
e ela se aconchegou no peito do amigo até
adormecer novamente. Hadan retirou uma mecha
de cabelo que estava sobre o rosto dela e beijou a
sua testa.

— Que os Deuses a ajudem. — Ele


sussurrou.

Ele não conseguiu dormir novamente, todas


as vezes em que ela se movia, ele a segurava em
seus braços. Antes de a claridade retornar para
Thórun, Alison acordou lentamente, ela percorreu o
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peito do guerreiro com mão, se aninhando contra


ele e soltou um gemido baixo.

— Você sabe que eu não sou o Anpu, não é?


— Alison abriu os olhos e uma luz fraca iluminava
o quarto.

— Me desculpa.

— Está tudo bem, mas só para você saber,


você literalmente montou em mim essa noite e até
mordiscou meu pescoço, eu tive que ser muito
forte.

Alison se afastou, procurando a blusa


térmica.

— Eu estava começando a gostar de você,


Hadan.

— Por que não gostaria? Sou dez vezes mais


bonito que Anpu. — Alison sorriu para o amigo.

— Você veio com um defeito de fábrica.

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— Ah, não vim, não. Eu garanto a você que


está tudo aqui, cada coisa perfeitamente no seu
lugar.

— Eles colocaram uma boca em você. Basta


você abri-la e toda essa beleza vai parar na lata do
lixo.

— Eu passei a noite inteira aquecendo você.


Isso é maldade.

— Não se preocupe, vou pedir para seu


general o compensar por isso. — Alison o cutucou.
— Agora deixa de ser exibido e veste uma roupa.

— Vou vestir só porque você está morrendo


de medo de exalar um cheiro que não deveria.

— Não se sinta especial, Hadan, eu sou


virgem há mais de quinhentos anos, meu corpo está
implorando por sexo. Uma vez minha máquina de
lavar começou a trepidar, eu tive que me sentar em
cima dela e acabei tendo um orgasmo. Acredite,
não é nada pessoal.

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O guerreiro ergueu as sobrancelhas, enquanto


ela passava por cima dele, descendo da cama.

Alison estava na cozinha, tomando chá e


comendo bolo quando Mica chegou. Elas
atravessaram o portal para o salão profundo. Alison
avistou centenas de machos e fêmeas treinando,
suas pernas ficaram bambas.
Curandeiros, criados e até mesmo fêmeas do
clã Rá-Seth treinavam portando armas Itemus. Os
mais jovens treinavam arco e flecha em alvos
improvisados. Alguns guerreiros Anúbios
espalhados entre eles os instruíam nos golpes. Mica
sorriu ao ver a cara de espanto da amiga. Ela
segurou a mão de Alison, entrelaçando seus dedos
nos dela.

— Você não está sozinha. Esta é só uma


parte, eles treinam em turnos alternados. Muitos
mais virão quando souberem a verdade.

— Há quanto tempo estão treinando?


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— Já faz um bom tempo, começaram muito


antes de você chegar. No início, era apenas para
aprenderem a se defender. Mas agora possuem um
propósito maior.

Mica caminhou até Tamir, o grupo já passava


de trinta fêmeas. Vestiam o couro preto dos
Anúbios, mostrando as belas curvas. Eram fêmeas
esguias, vaidosas. Mesmo no uniforme, se
destacavam em beleza e elegância. Não usavam
botas como as demais, treinavam com as sandálias
de salto, envoltas em pedrarias. O olhar altivo de
Tamir alcançou Alison e um gesto com a mão
silenciou o grupo.

— Conseguiu a informação que preciso?

— Sim. A pedra de Thuran foi destruída por


Sebak antes de morrer. O que a humana tem a ver
com isso?

— Você não faz as perguntas aqui, Tamir. —


Mica falou aborrecida.

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— Elas são de confiança? — Alison


sussurrou.

— Elas têm nos trazido informações em troca


as ensinamos a lutar.

— Sabem sobre a profecia?

— Ouvimos boatos sobre uma profecia, mas


não sabemos o que diz. Apenas que está estampada
em uma tapeçaria nos aposentos de Hasani. —
Mica olhou para a esposa de Domec.

— Seu marido é o vizir do Rei, ele deve


saber sobre a profecia.

— Ela é a esposa de Domec? — Alison falou


exasperada e a jovem se encolheu.

— Está tudo bem. — Mica garantiu. — Ela o


odeia.

— Ele deve saber, mas é fiel a Hasani.


Jamais comenta sobre assuntos do Rei. O que
estiver naquela tapeçaria é importante demais para
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revelarem.

— É claro que é. — Alison falou


desapontada. — Vamos, eu preciso falar com você.
— Ela puxou Mica pelo braço.

Elas caminharam para os fundos do salão, o


som de metal se chocando e grunhidos preenchiam
o ambiente. Alison se arrepiou ao ver aquele povo
reagindo, se preparando para um futuro incerto.

— Você sabe quem são as criadas que


limpam os aposentos de Hasani?

— Sim, mas ele sempre está presente. Elas


não têm muito tempo para realizarem a limpeza.

— Acho que eu tenho um plano.

— Não veio de nenhum filme, né?

— Não. — Alison sorriu. — Anpu pediu a


Hasani que eu fosse sua criada, talvez eu possa ir
com elas limpar os aposentos dele. Posso dizer que
Anpu está no Norte e me deixou aqui para ajudá-
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las.

— Não sei, Alison, é muito arriscado. Mesmo


que ele não desconfie, estará lá o tempo todo, não
terá chance de ver a tapeçaria.

— Se eu entrar naquele quarto, consigo ver.

— Não sei. Hasani já se interessou por você


antes, tenho medo que esse desejo volte.

— Estaremos em três, ele não fará nada na


presença delas.

— Trinta minutos é o tempo que elas levam


para arrumar o local. Se em trinta minutos vocês
não saírem, vou até Niala. Aviso que o Rei quer vê-
la, ela costuma entrar nos aposentos dele sem bater.
Se alguma coisa estiver dando errado, aproveitem
para sair quando ela chegar.

— Obrigada por acreditar em mim.

— Esse é seu destino. — Mica piscou para a


amiga.
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Alison caminhou para os aposentos de Hasani


junto com as criadas. Os cabelos presos em um
coque desleixado no alto da cabeça e o uniforme da
criadagem lhe davam esperança de passar
credibilidade. Ela treinou para exalar o cheiro de
indiferença, enquanto os guardas anunciavam a
presença delas.
Hasani terminava de vestir as vestes reais
quando elas entraram. Alison passou despercebida,
dirigindo-se até o móvel mais próximo e começou a
retirar o pó.

— O que está fazendo aqui? — O Rei


perguntou na língua da jovem.

— Majestade. — Alison fez uma reverência


breve. — Anpu está no Norte e me deixou aqui
para ser treinada. Estou aprendendo a cozinhar e a
limpar, Anpu anda descontente com meus serviços.
— Hasani ergueu as sobrancelhas.

— Que bom ver que está se dedicando para


aprender a agradar seu anfitrião.

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Alison fez um gesto com a cabeça e voltou a


tirar o pó. Hasani se sentou aos pés da cama,
analisando cada passo dado pelas criadas. Alison
terminou de limpar a cômoda, colocando cada
objeto de volta no lugar. Ela mergulhou o pano no
balde cheio de água e colocou sobre o rodo,
iniciando a limpeza do chão. A sua frente, a criada
mais velha varria em completo silêncio.
O Rei se levantou indo até a sacada, ficando
de costas para elas e Alison aproveitou para
arrumar a cama. Quando viu que ele se demorava
na sacada, virou a tapeçaria da parede, passando
um pano úmido sobre ela. Uma mão firme segurou
seu braço e Alison se virou para o Rei.

— O que está fazendo?

— Limpando. Está cheio de pó aqui, parece


que não é limpa há anos. Sem falar que a última
pessoa que limpou a pendurou ao contrário. —
Alison sussurrou olhando para as criadas. Hasani
abriu um sorriso largo.

— Deixe-me ajudá-la, é muito alto para você


alcançar.
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Alison sorriu agradecida, enquanto Hasani


retirou a tapeçaria da parede, revelando por
completo a porta de metal. Ele estendeu a peça no
chão.

— Obrigada, agora posso escová-la.

Hasani sentou na cama, observando a jovem


molhar a escova no balde e esfregar a tapeçaria. Ela
havia estudado as línguas do Egito antigo, hierática,
o alfabeto copta. Mas eram os hieróglifos que
sempre chamaram sua atenção. Conforme decifrava
um, passava a esfregá-lo enquanto seus olhos
trabalhavam no próximo.
O desenho era de uma mulher com um disco
solar na cabeça, os cabelos negros e compridos
brilhavam ao sol. Fios dourados resplandeciam
dela. A mulher deixava de ser dourada para se
tornar prateada. Os cabelos que, antes eram negros,
agora estavam preenchidos por fios de prata e uma
lua minguante estampava sua testa. Alison engoliu
seco, voltando a ler as escritas.

— É bonita não é mesmo? — Alison, que


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permanecia de joelhos sobre a tapeçaria, olhou para


o Rei.

— Sim, Majestade, é uma bela tapeçaria.


Ficará ainda mais bonita quando estiver limpa. —
A jovem sorriu, voltando a limpar.

As criadas estavam finalizando a limpeza


quando Alison terminou de esfregar. Ela umedeceu
um pano limpo e passou sobre a peça, retirando a
sujeira solta. Depois, com um pano seco, repetiu o
processo, conferindo novamente a mensagem.
As criadas juntavam os utensílios de limpeza
quando Alison se levantou.

— Está pronto, Majestade, agora é só deixar


pendurada por algumas horas aqui na sacada para
secar.

Ela levou a tapeçaria e pendurou na armação


de metal retorcido que protegia o limite da sacada.
Quando entrou novamente nos aposentos, as duas
criadas já haviam saído e Hasani fechava a porta.
Ela caminhou até a porta onde Hasani estava.

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— Espero que esteja tudo do seu agrado.

Alison fez uma reverência e segurou a


maçaneta dupla, mas a porta não se abriu. O corpo
de Alison estremeceu e ela lutou para manter a
calma. Ela se voltou para o Rei e sorriu.

— Majestade, eu preciso ir, Anpu vai chegar


hoje e ele pediu para que eu limpe seu apartamento.
— Hasani sorriu.

— Veja só você, parece que foi ontem que


chegou a mim como um rato assustado. — Hasani
caminhou em volta da jovem. — Eu achei você tão
linda, tão intrigante. Uma humana que consegue
prender a magia do meu general. Primeiro a quis na
minha cama, já fui muitas vezes para a Terra, mas
nunca vi uma mulher tão bonita.

Alison segurou as mãos juntas na frente do


corpo, desejando que parassem de tremer.

— Então eu passei noites e noites sem


dormir, e foi quando eu percebi o quanto você era
especial. Você se mostrou valente, se tornou uma
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encantadora de Neterus.

— Creio que o senhor tenha entendido


errado. Eu não sou o que dizem, apenas falei isso
para Niala, porque ela ameaçou me torturar. Eu só
fiz amizade com eles, só os tratei com respeito, não
sei por que eles gostam de mim.

— Por que não gostariam de você? Você é


dedicada, linda e ainda é corajosa. Soube que está
treinando com armas Itemus e que sai para caçar
com Amut. Você é outra mulher, Thórun fez muito
bem a você. — Hasani parou atrás da jovem e se
aproximou, colocando as mãos sobre seus ombros.
— Eu fiz muitos planos para você. Quando eu
percebi todo o seu potencial, eu soube que seu
talento não poderia ser desperdiçado. Então decidi
usar você para um propósito maior. Sabe, Alison,
quando você tem a lealdade de seus súditos atrelada
a um juramento inquebrável, fica difícil distinguir
quem realmente é fiel. Meu pai não contou com a
possibilidade de haver uma evolução ao longo
prazo. Mas ela aconteceu, eles aprenderam a omitir
coisas, a distorcer a verdade. Tudo ficou tão difícil,
tão confuso. É um verdadeiro fardo estar rodeado
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por lealdade comprada e por meias verdades.

Alison sentiu a respiração do Rei em seu


ouvido, ela levou a mão na adaga que trazia
embaixo do avental.

— Majestade, não sei aonde quer chegar, mas


eu realmente preciso ir, por favor, eu peço que abra
a porta. — Hasani gargalhou e ela sentiu seu hálito
quente contra o pescoço.

— Tenho certeza que precisa ir, Anpu ficará


tão decepcionado quando chegar e não a encontrar
em casa, mas eu preciso te agradecer, você me
mostrou todos que estavam contra mim. Todos que
me servem sem lealdade. Imagina a minha surpresa
ao saber que os curandeiros estão se tornando
verdadeiros guerreiros. — Hasani gargalhou. —
Que muitos dos que compartilham minha mesa
apenas estão esperando que alguém importante
chegue e quebre o juramento. — O Rei aspirou o
cheiro da jovem. — Eu sabia que era uma questão
de tempo até você vir até mim, então soltei uma
isca, deixei a curandeira viva para que contasse
onde estava a tapeçaria. — Alison enrijeceu o
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corpo, Hasani sabia de tudo. — Meu pai uma vez


me disse que alguém muito especial chegaria até
mim. — Alison segurou a adaga com força. — Ele
disse que eu a reconheceria no mesmo instante em
que a visse, mas ele estava errado. Eu demorei
algumas semanas, devo confessar. Você é tão linda
que meus instintos só queriam meter em você. Mas
quando eu percebi quem você era, eu precisei
controlar meus desejos. Que serventia você teria se
perdesse a virgindade?

Alison puxou a adaga e o golpeou, Hasani


segurou o braço da jovem, antecipando o ataque. A
força aplicada em seu punho fez com que ela
deixasse a adaga cair. Hasani sorriu diabolicamente
para ela.

— Ora, ora. Colocando as garras para fora.


— Alison grunhiu e o Rei gargalhou. Ele a segurou
pela garganta e passou a língua em seu rosto.

— Que gosto bom, sempre quis saber qual


era o gosto de um oráculo.

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CAPÍTULO XXIV

Se a morte predomina na bravura


Do bronze, pedra, terra e imenso
mar,
Pode sobreviver a formosura,
Tendo da flor a força a devastar?
William Shakespeare

O sangue quente percorria a base da mesa de


metal. O barulho da gota insistente que caía ao
chão era o único som que Alison conseguia
distinguir. Ela estava distante, sua mente vagava,
conforme o sorriso branco no rosto borrado de
Hasani aparecia entre seus cílios.
Não havia mais voz em sua garganta para
gritar. Ela estava se quebrando, enquanto oscilava
entre o estado de inconsciência. O corpo nu sobre a
mesa gelada deixara de ser uma tela em branco há
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horas. Como um pintor habilidoso, que ama seu


trabalho, o Rei cortava repetidamente sua carne.
Não havia um salvador, não havia mais
lágrimas. Um chiado borbulhante de saliva e
sangue era o único protesto contra a dor que
irradiava. Ela havia fracassado desde o momento
em que pisara em Thórun. O medo ia além de sua
morte certa, ia além da dor que repetidas vezes
eram impostas.
Seus pensamentos encontraram Anpu, estava
grata por não ser ele ali a ter que retalhar seu corpo.
Todas as vezes em que acordava dos desmaios,
seus olhos inchados esforçavam para buscar sua
presença na pequena sala. Quando certificava de
que ele não estava ali, eles não voltavam a abrir.
Se ao menos ela pudesse contar a ele que
tudo já estava perdido, antes mesmo dela se
aventurar atrás da profecia, se pudesse dizer a ele
que Hasani havia espreitado cada passo dela, talvez
todos perdoassem seu fracasso. Ela estava cansada,
somente a dor a mantinha acordada.
A adaga cortou novamente, o corpo tremeu
em espasmos. Hasani sorriu.

— Estou quase acabando, seja forte, você


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está ficando linda.

— Por favor, me mate. — Era a terceira vez


que ela implorava pela morte.

— E acabar com toda a diversão? Por que eu


faria isso? Você tem uma apresentação essa noite.
Todos virão para a montanha para vê-la, querida
Alison. A maioria dos cidadãos de Thórun nunca
viu um oráculo, todos devem estar curiosos. —
Hasani se afastou para olhar o corpo
ensanguentado, conferindo seu trabalho. —
Terminei. Como você está linda! É tão difícil me
controlar, para não entrar em você agora mesmo.
Mas temos uma festa e eu preciso estar
apresentável. — Hasani beijou a boca
ensanguentada de Alison, impedindo-lhe de
respirar. — Não precisa sentir saudade, eu prometo
que logo venho buscá-la.

Hasani se virou para abrir a porta quando as


correntes que prendiam Alison começaram a
chacoalhar, produzindo um som de metal se
chocando entre si. Uma luz invadiu a sala
emanando do corpo inerte que flutuava no ar. A
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marca na testa brilhou, fazendo Hasani erguer as


sobrancelhas.

— Isso acaba de ficar muito mais


interessante. — o Rei falou enquanto olhava
estagnado para o oráculo em transe, recebendo uma
mensagem dos Deuses.

Hasani esperou que o corpo dela recaísse


novamente sobre a mesa. Quando Alison abriu os
olhos, foi o rosto dele que ela viu. Hasani sorriu
para ela, mas não viu terror em seus olhos.

— O que viu, bichinho de Amut? — Hasani


encostou adaga em seu pescoço.

— A minha morte. — Alison falou com


dificuldade.

— Me conte os detalhes, eu adoro detalhes.

— Eu... — Ela buscou fôlego. — vi minha


vida no além-mundo, Anpu estava comigo e
éramos felizes. — Alison sorriu com os dentes
manchados de sangue, sua voz fraca não passava de
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um sussurro. — No fim, vamos ficar juntos e não


há nada que você possa fazer para mudar isso. —
Hasani encarou a jovem por um momento e se
retirou da sala.

O Rei cantarolava imerso na grande banheira


quando uma batida se formou na porta. Hasani
ordenou que entrasse.

— Majestade. — Niala fez uma reverência.


— Estão todos aqui.

— Ótimo, mande arrumar o grande salão real


para recebê-los.

— Majestade, o que o senhor fará com


Anpu? — Hasani sorriu para a guerreira.

— Tenho planos para seu amado. — Niala


desviou o olhar.

— Venha aqui. — Hasani deu pequenos


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tapinhas sobre a água. — Preciso me distrair antes


do grande momento.

— Ainda não terminei de interrogá-lo.

— Não há necessidade, já sei tudo que


deveria saber. Agora dê a ordem aos guardas e
volte aqui e tire suas roupas.

Niala caminhou até os guardas posicionados


na entrada da sala de banho e ordenou que
preparassem o grande salão. A guerreira voltou,
parando diante da escadaria da banheira. Ela retirou
a roupa diante dos olhos atentos do Rei. A pele
bronzeada, como se vivesse sob o sol, refletiu o
brilho das águas. Ela desceu os degraus lentamente,
enquanto Hasani se tocava embaixo d'água.
A guerreira o montou, passando as mãos
sobre o peito largo e musculoso do Rei. Ela
deslizou os dedos sobre os braços torneados,
subindo até seu pescoço. Niala segurou seu pescoço
com força, pressionando cada vez mais, cortando o
ar de seus pulmões. Conforme seus corpos
dançavam em movimentos bruscos e desejosos, ela
lhe permitia respirar vez ou outra. Hasani se virou,
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pressionando o corpo dela contra a pedra quente da


banheira. O Rei passou a mão molhada sobre seu
rosto e a beijou.

A porta arqueada de ébano do grande salão se


abriu. Há muitos anos que aquele lugar permanecia
fechado. Desde a época em que comemorações em
Thórun passaram a ser proibidas. Hasani respirou
fundo ao caminhar diante a multidão. Cada par de
olhos repousava sobre ele, conforme pisava sobre o
tapete que conduzia até o Trono.
O olhar sério e os ombros erguidos na rica
veste real o deixavam divino. Um Deus era como
se sentia diante do povo. Hasani se sentou no trono
que um dia foi de seu pai, eximiamente posicionado
em lugar de destaque. Ele correu os olhos sobre
seus súditos, sobre seu povo e sorriu amavelmente.
Um risco vermelho transpassava seu belo rosto,
revelando uma recente cicatrização de um corte
profundo.

— Hoje eu reuni todos aqui, como nos


tempos antigos, para falarmos de traição. — O
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salão ficou em total silêncio. — Houve um dia em


que seus pais decidiram se ajoelhar diante de um
Rei misericordioso, que lhes concedeu uma
escolha. A vida!

Machos e fêmeas de todos os clãs trocaram


olhares. O coração de Mica estava acelerado, suas
mãos fechadas em punho sangravam, tamanha raiva
que a cometia. O exército de Anúbios permanecia
em formação, sem mover um único músculo, como
fora exigido pelo Rei.

— Em troca, apenas uma coisa foi exigida,


lealdade. Aqui, nesse mesmo salão, seus pais se
ajoelharam. — Hasani falou com lágrimas nos
olhos. — Ele ficaria tão decepcionado se os vissem
agora. — O Rei estalou a língua, chacoalhando a
cabeça em negativa. — Eu fui avisado por tantas
vezes, mas não queria acreditar. Meu próprio
general? Eu o mantinha em mais alta conta. —
Hasani passou as mãos pelo rosto. — Hoje eu fui
atacado e quase morto pela humana que Anpu
trouxe para nosso mundo. Vejam! — O Rei virou o
rosto mostrando a cicatriz que ele mesmo se
infligiu. — Todo erro que cometi foi dar a ela
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misericórdia, como meu pai um dia fez. Eu deixei


que ela vivesse, deixei que fizesse de Thórun seu
mundo. Essa foi a recompensa que ganhei. A
cicatriz vai permanecer em meu rosto para que eu
jamais esqueça. Tragam-nos! — O Rei bradou.

Dois soldados trouxeram Anpu. Cada


guerreiro segurava em um braço, as pernas de Anpu
estavam inertes, arrastando pelo chão. Sua cabeça
balançava alheia aos movimentos. Mica chorou alto
ao ver o estado em que o tio se encontrava.
Um rugido foi ouvido e todos se afastaram.
Uma jaula sobre rodas era empurrada para o centro
do grande salão. Amut se debatia, se jogando
contra as grades da jaula, tentando sair. Anpu foi
posto de joelhos, um soldado segurava seus cabelos
encharcados de sangue, puxando sua cabeça para
trás, a fim de que o Rei visse seu rosto.
O tilintar de correntes foi ouvido mais uma
vez. Nefer, Hadan e Amon eram arrastados pelo
corredor. Os guerreiros também haviam sido
torturados, mas foi o olhar vazio de Hadan que
chamou atenção. Jeisan olhou para o chão de
mármore, seu corpo tremia enquanto evitava olhar
para eles. Hasani olhou para Mica, que chorava
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compulsivamente entre os soldados. Os cantos da


boca do Rei se repuxaram levemente para cima. O
medo, a dor e o desespero eram esses o
combustível que o excitava, deixando seu corpo em
êxtase.

— Esses são meus melhores guerreiros, em


quem depositei minha confiança. E vejam como
tramavam contra mim. Foram eles que treinaram a
humana com armas Itemus, que incitaram uma
rebelião. — Hasani sorriu amargamente para a
multidão. A acústica do salão era projetada para
que a voz no monarca ecoasse por toda sua
extensão. — Deram armas Itemus até mesmo para
meus curandeiros, enchendo-os de promessas vagas
e falsa esperança. — Sussurros foram ouvidos.

O corpo de cada curandeiro presente se


enrijeceu. Mica olhou na direção de Tamir furiosa.

— Se não fosse pela insistência de Domec


em colocar espiões para segui-los talvez eu
estivesse morto agora. — Domec fez uma
reverência para seu Rei.

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Hasani se levantou do trono, desceu as


escadas até onde Anpu estava. Ele se curvou até se
aproximar do ouvido do general.

— Eu arrumei ela especialmente para você.


Ela está tão linda, Anpu, você vai querer tê-la em
seus braços assim que a vir. — Anpu cerrou os
dentes, juntando as últimas forças que encontrou.

— Eu vou te matar. — A voz fraca oscilou.

— Ah, se pudesse fazer isso, já o teria feito.


— Hasani ergueu as mãos pedindo silêncio à
multidão.

— O que vocês não sabem é a motivação por


trás de tudo isso. Esse macho... — Hasani apontou
para Anpu. — foi manipulado. O que não se faz por
amor? Vejam! — Hasani levantou os cabelos do
general para mostrar a mordida. — Ela o seduziu,
dizem que quando estamos apaixonados, nos
tornamos patéticos. — Amut se agitou novamente
quando Hasani tocou em seu parceiro.

— Eu tenho muitos planos para você, Anpu.


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— O Rei sussurrou enfim, caminhando em direção


ao trono novamente.

— Quando eu era criança. — Hasani voltou a


falar com a multidão. — meu pai me alertou sobre
uma fêmea que tentaria tomar meu trono. Esteja
preparado, meu filho, dizia ele. Você a reconhecerá
quando seus olhos repousarem sobre ela. — Hasani
olhou para Anpu e sorriu. — Foi naquele jantar,
quando ela entrou tão esplendorosa, usando o
vestido que eu havia escolhido, que eu soube. Uma
humana jamais teria tamanho poder a ponto de
prender a magia de meu guerreiro mais habilidoso.
Naquela noite, meus planos mudaram. Eu entrei em
seus joguinhos, porque queria saber quem a
seguiria. Mas você, Anpu? Pode imaginar tamanha
tristeza que me causou quando descobri que você
sabia de tudo? — Hasani estreitou as sobrancelhas,
demonstrando decepção. — Hoje é dia de
recomeços, eu reuni todos aqui para que vejam
mais uma vez como sou misericordioso. Eu
descobri que a humana não é exatamente quem diz
ser. — Hasani respirou fundo. — Ela é uma Rá-
Thóth, que, de alguma forma, se escondeu entre os
humanos por todos esses anos. — Hasani observou
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a reação da multidão. — Através de uma magia


desconhecida, ganhou até mesmo um corpo
humano. Por isso não a reconheci quando chegou.
Ela se infiltrou entre nós, ganhou a confiança dos
nossos Neterus. Fez amigos, iludiu de forma
ardilosa meus soldados, meus guerreiros. Hoje, pela
manhã, ela invadiu meus aposentos, disfarçada de
criada. Quando ficamos sozinhos, ela me atacou
com uma adaga Itemu. — Um murmúrio se
levantou no salão. Hasani olhou para os soldados.
— Tragam-a.

O som de correntes tilintou pelo salão. Anpu


ergueu a cabeça, seus olhos se encheram de dor.
Niala conduzia o corpo fraco de Alison, segurando-
a pela corrente presa em seu pescoço. Alison estava
vestida como um oráculo. Um top minúsculo
cravejado com pedrarias, a calcinha trazia uma saia
sobreposta de pequenas correntes penduradas. Seu
corpo estava inteiro à mostra e, em cada parte dele,
havia cortes profundos.
A visão de Mica escureceu ao ver a amiga
mutilada, era culpa dela, ela havia deixado que
fosse até o covil de Hasani. Os cortes não eram
aleatórios, Mica limpou os olhos enuviados e pôde
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ver que eram hieróglifos antigos. A profecia,


Alison trazia em seu corpo, aquilo que havia ido
buscar. As mãos de Mica repousaram sobre a boca
para abafar o choro. Impotentes, todos ali eram
impotentes.
Anpu viu quando Niala pendurou as correntes
que prendiam as mãos de Alison no alto. Os olhos
inchados mal conseguiam se abrir. O general soltou
as mãos dos grilhões e foi repreendido por Hasani.
Lutando contra toda a natureza daquele
juramento, Anpu se arrastou na direção de Alison.
Amon soluçou ao ver seu general deixando um
rastro de sangue pelo mármore branco. Os olhos de
Niala eram duros diante da cena.
Todo o salão ficou em silêncio, conforme
Anpu desobedecia a uma ordem direta do Rei e se
arrastava ao encontro da amada. Niala foi até o
guerreiro e pisou em suas costas.

— Patético. Quer morrer? — Ela perguntou


em um sussurro.

— Deixe-o, Niala. Quero ver até onde ele


consegue se desviar das minhas ordens. Volte,
Anpu, para o seu lugar. — O Rei gritou.
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Anpu não parou, avançando cada centímetro


para mais e mais perto dela. Seguraria a sua mão se
não pudesse fazer nada. Partiriam juntos para o
além-mundo, para Anúbis.
Hadan não conseguia olhar, não conseguia
encarar os olhos de seu general, de seu irmão. Entre
todos, ele permanecia calmo, porque seu furor
estava em suas entranhas. Ele merecia aquela
morte, merecia toda dor, por não ter cumprido a sua
promessa. Todos os olhos seguiam os movimentos
do general, Nefer sabia que Hasani não permitiria
que ele chegasse até ela. Ele ergueu os olhos para
Hasani.

— Você fala de misericórdia. — Nefer


cuspiu sangue no chão. Sua voz ecoou pelo salão,
distraindo a todos. — Mas não possui nenhuma.
Pergunte para as fêmeas que levou até sua sala de
tortura. Pergunte como foi misericordioso quando
as estuprou seguidamente. — Os olhos de Hasani
encontraram Nefer, mas o Rei se manteve
impassível.

— A única fêmea que frequenta a minha sala


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está aqui. Mas ela nunca foi forçada a nada. — O


Rei sorriu para Niala. — Hoje mesmo ela estava
feroz, montada em mim, se divertindo.

Nefer ergueu os olhos para Niala, mas a


guerreira olhava para o chão. Ele sabia que, com
um juramento como aquele, nenhum consentimento
poderia ser considerado.

— Libere-a de seu juramento e a convide


para montá-lo. Só então saberá de fato se ela
realmente gosta da sua presença. — Hasani
gargalhou.

— Vejam como é esperto! Por acaso não quer


ser liberado do juramento também? Assim poderá
demonstrar sua lealdade. — O Rei caminhou na
direção de Nefer e Amon se agitou nas correntes.
Hasani olhou em seus olhos, e falou com a voz
baixa. — Aonde quer chegar com essas acusações?
Temo que não acabe bem para você. — O Rei
olhou para o lado, onde Amon observava com
terror. Hasani sorriu. — Vejam só que ironia do
destino. Todos perdidamente apaixonados. —
Hasani falou com escárnio. A expressão de Nefer
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era confusa. — Ah, você não sabe? Olha para ele,


sinta seu cheiro. Esteve tão perdidamente
apaixonado por Niala, que não percebeu o amor
que seu amigo nutre por você?

Os olhos de Nefer encontraram os de Amon,


o guerreiro desviou o olhar. Seu peito subia e
descia e seus dentes estavam trincados.

— Me diga, Nefer, aonde quer chegar com


tudo isso? — Nefer sorriu.

— A nenhum lugar, Majestade, já cheguei


onde queria.

O Rei se virou e viu Anpu chorando aos pés


de Alison. O general abraçou os pés cortados até os
ossos, revelando nervos e tendões. Ele os beijou,
pedindo a ela perdão por não poder protegê-la. A
parte interna dos joelhos de Alison se movimentou
até encostar no rosto do general.

— Eu vi o futuro. — Ela sussurrou para ele.


— Eu e você juntos.

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Anpu chorou e logo estava sendo arrastado


para o lugar de antes. Amut rugia, se debatendo
dentro da jaula até que um guerreiro lhe tirou o ar
dos pulmões, fazendo com que se acalmasse.

— Agora que todos se despediram, vamos ao


julgamento, estou morrendo de fome. — Hasani
falou entediado. — Depois de muito pensar,
considerando que meus melhores guerreiros agiram
por impulso, movidos pelo amor, eu decidi deixá-
los viver. A partir de hoje Anpu será destituído da
função de general, Niala ficará em seu lugar. Um
guerreiro com tamanha habilidade não pode ser
desperdiçado, ele se tornará meu carrasco. Terá de
viver nos níveis mais baixos da montanha, mas
creio que tudo servirá como lição. Os batedores
continuarão seu trabalho, são ótimos soldados,
porém agora responderão diretamente a mim. —
Hasani esperou as vozes se dissiparem. — Lembre-
se desse dia, apesar de ter sido misericordioso, eu
não posso deixar um ato de traição sem punição. —
Hasani ficou de pé. — Alison Evans, você está
sentenciada a morte por traição, tentativa de
assassinato e por perjúrio contra seu Rei. — A
multidão ficou agitada. — Todos os Neterus
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deverão retornar a montanha, lugar de onde nunca


deveriam ter saído. — O Rei bradou novamente.

O exército Anúbio se agitou. Mica olhou para


Osíris, que já se retirava pelas portas dos fundos,
ela tentou ir até Fukayna para alertá-la, mas seus
pés permaneciam ali. Jeisan segurou a mão dela,
tentando acalmar a filha. Hasani parou diante de
Alison e sorriu.

— Em uma execução, é comum deixar que o


condenado tenha um último desejo concedido. Diga
para o povo, Alison, qual é o seu? — Alison olhou
para Amut preso naquela cela.

— Quero me despedir de Amut. — A voz


saiu doce, ainda que fraca.

— Vocês ouviram, soltem o cachorro! —


Hasani sorriu. — Se ele tentar qualquer coisa,
querida Niala, mate-o.

Niala assentiu, mas não havia um sorriso em


seus lábios. Não que ela estivesse preocupada com
Amut ou com Alison. Era em seu próprio Neteru,
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que repousava seus pensamentos.


Amut caminhou com os pêlos ouriçados até
onde Alison estava. Os grilhões estavam sendo
retirados de seus braços e a jovem mal conseguia
ficar em pé. Alison caiu sobre os joelhos diante do
animal, as lágrimas desceram por cima do sangue
seco. Ela o abraçou e falou em seu ouvido, sua voz
era doce, firme e constante. Amut piscou quando a
jovem se afastou, dizendo que o amava. O Neteru
olhou para Hasani e fez uma reverência em
agradecimento. O Rei ergueu as sobrancelhas,
surpreso pela atitude do animal. Amut foi até o
general e sentou ao seu lado, mantendo uma
postura ereta e tranquila.
Hasani caminhou com a adaga de Alison nas
mãos, parando diante da jovem. Ele ergueu a adaga
para cima, mostrando a arma para multidão.

— Foi esta a arma usada para me ferir e será


com ela que terá sua morte.

Anpu olhou para o chão, não podia, não


queria ver.

— Salve-a. — Anpu ordenou para Amut em


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um sussurro. O Neteru bufou. — Por favor, salve-a.


— Amut rosnou em resposta, com os olhos atentos
em cada gesto de Hasani.

O Rei se posicionou atrás da jovem, segurou


seus cabelos, erguendo sua cabeça. Alison olhou
para Anpu e, quando seus olhos se encontraram, ela
mexeu os lábios. Eu amo você.
A lâmina deslizou pela garganta, fazendo o
sangue jorrar pelo chão. Mica caiu de joelhos, o
choro da jovem invadiu o salão. Amigas, elas eram
amigas. As vozes se elevaram, muitos reprimiam
suas emoções, enquanto outros choravam
abertamente. Ela era o último oráculo, a última
esperança.
Hasani soltou o corpo de Alison, ele caiu sem
vida manchando o mármore branco com sangue
carmesim. O Rei levou a adaga até Anpu, seus
olhos cheios de ira repousaram sobre o guerreiro.

— Hoje teríamos duas execuções, mas os


Deuses mostraram a ela que entrariam juntos no
além-mundo. Seu castigo será viver sem ela, sem
honra e sem o seu parceiro. Eu o proíbo, Anpu
Acool, de tirar sua própria vida.
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O Rei deixou que o sangue da adaga pingasse


sobre Anpu. Ele sabia que o cheiro do sangue dela
jamais sairia da mente do guerreiro.

— Obrigado, Anpu, por trazê-la para mim.

Hasani olhou para a multidão.

— Para mostrar a todos que não era esse o


meu desejo, darei três dias de luto para que Anpu
conduza a alma de sua amada até Anúbis. Ela era
uma cidadã de Thórun e terá uma cerimônia
adequada. A partir de hoje, vocês poderão
comemorar todos os rituais sagrados, porque os
Deuses sorriram para mim.

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CAPÍTULO XXV

Faz teu pior para mim te afastares,


Enquanto eu viva tu és sempre
meu,
Não há mais vida se tu não ficares,
Pois ela vive desse amor que é teu.
William Shakespeare
O corpo inerte e frio oscilava sobre o peito,
conforme Anpu abria caminho entre a multidão.
Havia tanto sangue sobre ela que, por vezes,
deslizava em seus braços. Ele desejou colocar todo
aquele sangue de volta. Desejou que os olhos
estáticos pudessem brilhar novamente. Ela
precisava mostrar a ele sua música favorita, havia
prometido que passariam um dia inteiro comendo
chocolates e provando todos os tipos de sorvetes.
Apostara que ele vomitaria ao andar de montanha
russa, que seria incapaz de mergulhar em um
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oceano.
O guerreiro caminhou com dificuldade, os
curandeiros se aproximavam para tocar brevemente
seu corpo, emanando cura. A luz lilás da magia de
cura que saía de cada mão erguida em sua direção
resplandeceu no ambiente. Cada passo era mais
firme, cada passo era mais forte, conforme seus
músculos rasgados eram restaurados.
Um cortejo se formou em sua retaguarda, em
silêncio absoluto, a multidão o acompanhava. Mica
seguia na frente, seus olhos inchados e os ombros
caídos, enquanto pequenos soluços lhe escapavam.

— Para onde vai levá-la?

— Para as planícies de Nissan.

Um portal se formou, Amut foi o primeiro a


atravessar, Anpu o seguiu. Outros portais se
abriram, levando o povo que prestigiaria o ritual de
passagem.
Anpu ergueu a cabeça para mensurar a
grandiosidade da arquitetura a sua frente. Ele não
conseguia compreender como um lugar de
descanso, que antes era para ele sagrado, agora
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parecia errado, injusto. O grande templo em forma


de obelisco refletia o dourado na luz forte do dia.
Ele olhou para o rosto sem vida de Alison,
desejando ter lhe mostrado seu antigo lar, ela teria
ficado maravilhada com a arquitetura. Deveria ter
lhe contado mais sobre seu povo, sobre seu antigo
legado.
Mica abriu novamente um portal, desta vez
para dentro da grande pirâmide. Apenas Anpu e
Amut atravessaram.
O guerreiro caminhou até a sala de
preparação, repousando o corpo de Alison sobre o
altar principal. Apenas Reis e Rainhas eram
preparados ali. A boca do guerreiro tremeu quando
ele beijou os lábios sem vida.

— Não existe uma vida sem você. — Sua voz


era apenas um sussurro.

Anpu mergulhou o pano no óleo perfumado,


limpando o sangue. Ele entoava a prece dos mortos,
sua voz oscilante enquanto a preparava. O guerreiro
pegou o canopo e a adaga sagrada. Ele fez uma
incisão na virilha esquerda, retirando os órgãos por
ali.
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Anpu selou o canopo com magia, onde agora


repousava os órgãos da amada. Preencheu o corpo
com sal grosso e selou a incisão cuidadosamente. O
corpo foi lavado uma vez mais com óleos
perfumados e com as suas lágrimas. Ele segurou o
dedo do pé, a visão turva pelas lágrimas fez com
que parasse por um momento.
Amut observava o processo atento, Anpu
começou enfaixando os pequenos dedos
cuidadosamente. Quando o corpo ficou pronto, o
guerreiro se ajoelhou diante dela. O choro ecoou
pela sala, um grunhido de dor, de raiva, saiu de sua
garganta. Amut repousou a cabeça no ombro do
parceiro, desejando amenizar sua dor.
Ele carregou o corpo até a sala da cerimônia
fúnebre, colocando-a dentro do sarcófago. A
multidão já estava posicionada na sala, os amigos
mais próximos aguardavam ao redor da câmara
mortuária.
Tochas acesas iluminavam a sala escura.
Mica se aproximou, colocando um amuleto sagrado
entre as inúmeras voltas das faixas que cobriam o
corpo da amiga.

— Minha alma e minha inteligência me


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foram arrancadas. — A voz da guerreira ecoou


embargada pelo choro.

Nefer se aproximou oferecendo a amiga um


amuleto de proteção.

— Fazei que minha alma veja meu corpo


outra vez. — O guerreiro beijou a testa enfaixada.

— Salve, alma poderosa e forte! — Amon


falou enquanto oferecia a ela um amuleto de
proteção.

Hadan se aproximou de cabeça baixa, as


lágrimas escorriam freneticamente por seu rosto.

— Já passei por Duat, sou a tua amada. — O


guerreiro depositou o amuleto sobre ela.

— Sou a filha que te ama, oh, pai Osíris! —


O curandeiro beijou o amuleto do Deus, cujo nome
lhe deram, e prendeu sob a faixa.

Anpu se aproximou do sarcófago.

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— Abra todos os caminhos, porque hoje me


torno uma alma imortal. — Ele depositou um
escaravelho de ouro cravejado com pedras
preciosas sobre o coração de Alison. O símbolo da
ressurreição. Ele encostou sua testa sobre a dela,
mas tudo que sentiu foram as ataduras. O corpo do
guerreiro se convulsionou em um choro silencioso.

Jeisan se aproximou, ele havia trazido os


Neterus com ele. Os animais se despediram do
oráculo, depois se juntaram a Amut. Jeisan colocou
sobre ela um amuleto, desejando-lhe uma boa
travessia.
Eles se afastaram para que todos prestassem
suas homenagens. Um por um, ofereciam presentes,
amuletos e até mesmo armas. Quando a noite
estava prestes a chegar, o sarcófago foi selado. Os
quatro guerreiros o carregaram até a câmara
mortuária, onde ela permaneceria em descanso.
Mica levou o canopo e o posicionou ao lado direito
da câmara.
Três dias, era o tempo que teriam para chorar
sua morte. Mas Anpu sabia que nem mesmo uma
eternidade secaria suas lágrimas.

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— Anpu, eu sinto muito. — Hadan falou sem


olhar nos olhos do irmão.

— Agora não, Hadan. Nós ainda teremos


essa conversa, mas não agora, não aqui.

Nefer colocou a mão no ombro de Hadan.


Um pedido silencioso para que não insistisse. Ele
sabia que o amigo se culpava. Mesmo que Hasani
tivesse revelado que sabia sobre tudo desde o
início, não era suficiente. Alison estava sob sua
proteção quando foi capturada.

— Hadan não é o único culpado. Fui eu quem


concordou com o plano. — Mica falou com voz
rouca.

— Já falei que não quero ter esse tipo de


conversa aqui. — Anpu lançou um olhar asco para
a sobrinha.

— Sofra seu luto, meu irmão, mas não


esqueça de que isso não poderia ser evitado. Sugiro
que pense no seu futuro, pois o que lhe aguarda não
é bom.
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— Pai. — Mica o repreendeu.

— Acha mesmo que estou preocupado com


isso?

— Deveria.

— Você não tem ideia. Nenhum de vocês


tem. Quando ela deu seu último suspiro, a minha
magia retornou. Mas não veio sozinha, cada
lembrança do que ele fez com ela está na minha
mente. Então não me peça para me preocupar com
meu futuro, porque não me importo. Hasani já me
tirou tudo, não restou nada que ele possa usar para
me ferir.

Jeisan apoiou a mão sobre o ombro do irmão.

— Eu sinto muito, Anpu.

O guerreiro deixou o corpo escorregar pela


parede, a névoa negra envolvia seu corpo e em
momentos se desintegrava completamente
mergulhando na escuridão.
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Após algumas horas Anpu se ergueu do chão,


abrindo um portal a sua frente, não ficaria ali. Ele
olhou para Amut e o Neteru o seguiu. Os amigos
não ousaram perguntar para onde ele iria.
Fora do templo, ele se tornou névoa e, se
fundinho a Amut, completou o Femi. A aparência
era assustadora, ele sabia que até mesmo os amigos
se assombravam quando o viam naquela forma,
talvez por isso nunca permitiu que Alison o visse
assim. A massa negra e desforme flutou sobre a
noite, olhos amarelos se acenderam fazendo a mais
terrível das criaturas noturna se encolher quando
ele passava.

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EPÍLOGO
De que substância foste modelado,
Se com mil vultos o teu vulto
medes?
Tantas sombras difundes,
enfeixado
Num ser que as prende, e a todas
sobre excedes.
William Shakesperare
Anpu parou diante da caverna, onde todos os
Anúbios deixavam de ser aprendizes. Derrotar um
demônio Amint fazia parte do marco em suas vidas
como guerreiros. Demonstrava amadurecimento,
controle, força. Eram ali que se tornavam
guerreiros diante do povo.
O desafio nunca era feito à noite, porque era
a hora em que os demônios espreitavam em maior
número. Mas ali estava ele, entrando tão a fundo na
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escuridão que era impossível ver o reflexo


avermelhado da lua no limite da caverna.
Ele sabia que Anúbis só falava em seu ouvido
quando sua vida estava em perigo. Algo dentro dele
dizia que Anúbis se importava com sua vida. Ele
não compreendia, ainda assim o Deus se importava.
Um barulho de unhas raspando em pedras surgiu
distante. Anpu fechou os olhos, contando as
passadas. Cinco, talvez mais, correndo em sua
direção.

— Saia. — A voz ecoou em sua mente e o


guerreiro sorriu.

— Não. Quero falar com você.

— Saia. — A voz voltou a dizer.

— Não.

O barulho subindo a caverna na direção do


guerreiro aumentava. Os demônios corriam
frenéticos, famintos. O cheiro da morte invadiu
suas narinas, estava perto.

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— Tolo. — A voz falou novamente.

— Preciso falar com você, ou logo não


restará nada de mim. Nem mesmo irei lutar.

— Tolo. — A voz repetiu.

— Pode ser, mas você perdera um par de


olhos sobre esse mundo.

Os olhos amarelos brilharam na escuridão,


ele havia errado por pouco. Eram seis demônios
que corriam para ele. Anpu fechou os olhos,
aguardando a morte. O demônio deu um salto na
direção do guerreiro. Uma luz acendeu o lugar,
transformando o demônio em milhares de
partículas.
Anpu abriu os olhos diante da claridade que
agora iluminava a caverna. Os Amints deslizavam
nos cascalhos de pedra, tentando fugir da claridade.
Fugir do que os espreitava além dela. Com ganidos
aterrorizados, corriam de volta para baixo, para as
fendas do submundo.
Anpu se ajoelhou diante da figura divina a
sua frente, não ousou olhar em seu rosto, em seus
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olhos. Um Deus havia respondido seu chamado.

— Me diga, Anpu, por que acha que vim até


aqui? — A voz era como um trovão, forte,
imponente. Anpu se perguntou como deveria se
referir a ele. Vossa graça? Majestade? Tudo que ele
conhecia parecia muito pouco diante de tanto
poder.

— Senhor, eu sou teu servo desde que nasci.


Nunca te pedi nada, ainda assim sempre me ajudou
de boa vontade e benevolência.

— Então por que me perturbas agora? — A


voz era como muitas águas bramindo com furor.

— Eu posso lhe garantir que, por toda a


minha vida, farei apenas um único pedido.

— Você a quer de volta.

— Sim, eu a quero. Estou disposto a pagar o


preço que for preciso, porque não existe vida para
mim se não for ao seu lado.

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— Um tolo, você sempre foi um tolo. Por


sorte, existe algo que eu quero.

— Basta me dizer.

— Quero a virgindade dela para mim. Eu a


devolvo para você, mas, quando for tomá-la em
seus braços, serei eu em seu corpo, em sua mente.
Não como um espectador, mas um Deus no
controle absoluto. — O maxilar de Anpu se
contraiu, conforme ele cerrou os dentes.

— Por que um Deus desejaria tal coisa?

— Porque eu posso. Meus irmãos vivem no


Panteão, rodeados de luz, se regozijando da
companhia uns dos outros. O que restou para mim?
Um mundo vazio, escuro e solitário. Quando o Rei
Airon a trouxe para mim, tão pequena, eu guardei
aquele corpo sem vida, cuidei dela e alimentei com
a minha magia. Eu a vi se tornar em uma bela
fêmea. Por que perderia a oportunidade de colocar
minha semente dentro dela? De gerar um
descendente que um dia se sentará no trono? Eu
não teria apenas olhos sobre este mundo, eu teria
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voz, eu teria poder.

— Uma única vez. — Anpu falou entre


dentes.

— Apenas uma única vez, depois ela será


toda sua. Basta me dizer que aceita e no terceiro dia
ela estará em seus braços.

— Eu aceito.

Os olhos pesados e sonolentos se abriram


vagarosamente, espreitando as trevas. A testa
franziu e as pupilas se dilataram, se acostumando
com o ambiente. Nenhum ruído chegou ao ouvido
sensível. As mãos, antes cerradas em punho, se
abriram com um movimento dolorido de quem
dormia há dias, há anos.
Algo prendia seu corpo, como um casulo
entrelaçado de raízes. A mão avançou contra a
superfície da prisão, abrindo uma fenda. Uma luz
cinza penetrou, revelando uma atmosfera confusa.
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Mais e mais a fenda foi aberta, quebrando,


rasgando, cortando agilmente. Com pressa, com
força, se libertava, há muito, muito tempo estava
ali.
Fuligens dançavam no ar, aquilo era o fim,
mas também era o começo. Não estava no mundo,
tampouco além dele. Seu estômago revirou quando
seu corpo se pôs em pé. Confusão percorria sua
mente desorientada.

— Essa é a coisa mais linda que já


contemplei. — A voz era grave e distante, ou
estaria perto?

O braço repousou sobre a testa, os olhos se


adaptavam a claridade. Um giro de noventa graus,
buscando qualquer vestígio de vida ao seu redor.
Por que doía tanto?
O mundo cinza girava sob seus pés, o
primeiro passo quase fez seu corpo cair no chão.
Névoa, fuligens, imensidão, o nada, um mar. Tudo
girava ao seu redor.
Os olhos atentos fixaram aquele mar negro,
de águas dançantes. Um passo naquela direção,
depois outro, e seu corpo fraco caiu no chão. Dor
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irradiou quando se chocou contra o


cascalho. Aquilo era real.
Braços fortes juntaram seu corpo caído, um
rosto borrado, uma lembrança distante. Ela
estremeceu, se debatendo, tentando se libertar. O
que estava fazendo ali? Qual era seu nome?
Aquele rosto familiar se aproximou
novamente. Não lembrava quem ele era, mas sentia
um arrepio percorrer a sua espinha cada vez que ele
sorria.

— Onde eu estou? — Foi estranho ouvir sua


própria voz ecoar no silêncio infinito.

Seu corpo encolheu ao ver o sorriso


novamente. Queria dizer para que ficasse longe,
algo dentro dela queria distância, queria sair dali.
Os olhos atentos percorreram o lugar, buscando
uma saída. Aquele lugar não estava certo, era como
um sonho distante, disforme. Sua cabeça latejava
buscando por lembranças perdidas, buscando por
sua história.
Seus pés tocaram os cascalhos de pedra,
podia sentir, ainda assim era como se não estivesse
ali. Não lembrava seu nome, não lembra quem era.
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Ela olhou para o mar, as águas negras traziam a


sensação de que não deveriam ser assim.
A criatura diante dela ficou distorcida,
assumindo uma nova forma. Aquela cicatriz, ela se
lembrava daquela cicatriz. Seus dedos percorreram
lentamente a cicatriz. Ele a beijou suavemente e ela
viu um céu repleto de estrelas, viu um mundo
colorido, verde, havia muito verde e flores e cores e
pessoas.
Muitas vidas teve naquele mundo, muitos
pais e irmãos. Em algumas, ficou velha, sua pele
enrugada e fina, em outras a morte a alcançou tão
jovem e tudo começava de novo. A dor da morte a
fez estremecer, tantas vezes passou por ela, tantas
vezes sentiu aquela agonia, mas era para aquele
lugar cinza que sempre retornava até que nascia de
novo.
Ela segurou o rosto da criatura entre suas
mãos em concha, olhando para os olhos negros.
Não era para ele estar ali, ele vivia em um mundo
sem estrelas. Ela fechou os olhos novamente e
inspirou fundo, conforme vidas, cores e mundos
passavam por sua mente. Os olhos verdes se
abriram e ela lembrou.

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— Nefertari, meu nome é Nefertari.

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AGRADECIMENTOS.
Meu Deus, como existe tantas pessoas que
preciam estar aqui!
Maicon Rech, você é o marido mais paciente
desse mundo, obrigada por ser meu amigo antes de
ser o meu amor.
Nair, minha sogra-mãe, que me apoia
sempre, te amo. Nona Lourdes, desde o primeiro
dia, a senhora acreditou em mim. Obrigada.
Leitores do Wattpad, obrigada por terem
recebido esse livro com tanto carinho.
Minha turma de leitores betas, que estão
comigo desde o primeiro livro, como posso viver
sem vocês? Amo mais que chocolate, obrigada
turma, por todas as vezes que vocês gritaram para o
mundo dar uma chance para Oráculo. Vocês são os
melhores betas, melhores parceiros.
Jussara, amiga que as fuxiquetes me deu. Foi
tão maravilhoso ver Oráculo nascendo em nossas
conversas no whats, Tamir veio para esse livro para
mostrar o quanto você é especial. Com toda
certeza, ela vai brilhar muito além desse livro. Eu
amei colocar traços da sua personalidade nela e foi
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a forma que eu encontrei de te mostrar o quanto sou


grata.
Não tenho palavras para agradecer a cada
pessoa importante que muitas vezes me ajudaram a
corrigir capítulos para serem postados com muito
carinho no wattpad. Salua, obrigada sua linda, por
estar sempre disponível e querendo ajudar. Gi,
Nath, irmãs e conselheiras, amo vocês.
Toda a minha gratidão à editora Thebooks.
Wall, obrigada por acreditar em Oráculo. Awlly,
obrigada por estar sempre presente e quebrar todos
os nossos galhos e ir além.
Crys, seu trabalho é sempre impecável,
obrigada por ser a melhor.
Marcelo Gallep, sempre se supera com as
ilustrações, obrigada.
Mari, obrigada por todo seu carinho e atenção
ao revisar e deixar tudo perfeito, até mesmo quando
faltam letras no meu teclado e você precisa se
desdobrar.
A todos os profissionais que envolve uma
publicação, obrigada por fazerem parte, sempre
atenciosos com cada detalhe.
Meu filho Josias, é por você, é sempre por
você. Nunca esqueça, quando o leão chegar,
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sempre vai ser eu. Te amo bem grande.


A todos os meus leitores, sem vocês nada
aconteceria. A todos os amigos, obrigada pelo
apoio e orações.
Deus, obrigada por tudo, peço humildemente
que Oráculo voe, voe para muito longe.

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CONHEÇA SETRABALHO

AS CAVERNAS QUE
COMPARTILHAMOS –
JULIANA BARBOSA
Sinopse: Rejeitada pelo pai e considerada
uma maldição pelo povo de sua ilha, Isabela
Gonçalves se prepara para um futuro solitário.
Quando um evento inesperado muda seus planos e
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a leva à terras distantes, em uma jornada cheia de


aventuras, Isabela encontrará o amor, a dor e
principalmente a sua força. Personagens cheios de
mistérios, uma alucinante investigação criminal e
uma história inspirada em fatos históricos vão
mostrar todas as barreiras que um amor pode
transpor.

Ø Leia aqui: https://amzn.to/322ukyo

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EM BREVE

Você poderá acompanhar esse


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Previsão de lançamento na
Amazon:
Junho/2020

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