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PETER BURKE

CUUTURAPOPULAR
NAIDADE,MODERNA
Europa, 1 t00-l 800

Trad,uçã.0
Denise Bottmann

qttu-"i\Ef*-ç

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NOTA PROLOGO

Um livro com esse escopo está inevitavelmente abarrotado O objetivo deste livro é descrever e interpretar a cultura
de nomes e termos técnicos. Avisa-se o leitor que encontrarâno popular dos inícios da Europa moderna. "Cultura" é uma pala-
índice remissivo, que também traz vm glossário, breves deta- vra imprecisa, com muitas definições concorrentes; a minha
thes biográficos sobre pessoas mencionadas no texto. Muitas definição é a de "um sistema de significados, atitudes e valores
referências apresentadas nas notas estão abreviadas; vêm citadas partilhados e as formas simbólicas (apresentações, objetos arte-
na íntegra na bibliografia. Exceto indicação em contrário, as sanais) em que eles são expressos ou encarnados".t A cultura
traduções são minhas. nessa acepção faz parte de todo um modo de vida, mas não é
idêntica a ele. Quanto à cultura popular, talvez seja melhor de
início defini-la negativamente como uma cultura não oficial, a
cultura da não elite, das "classes subalternas", como chamou-
-as Gramsci.2 No caso dos inícios da Europa moderna, a não
elite era todo um coniunto de grupos sociais mais ou menos
definidos, entre os quais destacavam-se os artesãos e os cam-
poneses. Portanto uso a expressão "artesãos e camponeses"
(ou "povo comum") para sintetizar o conjunto da não elite,
incluindo mulheres, crianças, pâstores, marinheiros, mendigos
e os demais grupos sociais (as variações culturais dentro desses
grupos estão discutidas no capítulo 2).
Para descobrir as atitudes e valores dos artesãos e campone-
ses é necessário alterar as abordagens tradicionais da história da
cultura, desenvolvidas por homens como Jacob Burckhardt,
Aby Warburg e Johan Huizinga, e recorrer a conceitos e méto-
dos de outras disciplinas. A disciplina a que se recorre natural-
mente é a do folclore, visto que os folcloristas estão interessados
principalmente no "povo" (the folk), em tradições orais e rituais.
lloa parte do material a ser discutido neste livro tem sido estu-
rlada há muito tempo por especialistas no folclore europeu.s
l)irrte tem sido estudada por críticos literários; sua ênfase nas
corrvenções dos gêneros literários e sua sensibilidade à lingua-

11
variação regional' Enquanto
da cultura importância e os limites da própria
essas variações' meu
oem dão-lhes um discernimento qÌIe o historiador os estudos locais ressalt"* ãt"it"d"mente
iãt'p"J" Jspensar.o Apesar das diferenças evidentes entre a reunir os fragmentos evê-
dos artesãos de ;;"d;;.o-pl"*""tãús, o-tentandosistema de partes inter-relaciona-
cultura dos azandes oo ào' bororós e a cultura -los como um todo, to'rro
Florença ou dos .u-po""'"'
o historiador-'da de um imenso território ajude
das. Espero que este pt;;;ü;tpa
do Languedoc'
il;-* !,ãirrãortrl"i pocle aprender i,'oito, to* os antropólo -
a orientar futuros explàradores'
mas também escrevi tendo em
çros sociais' Em primeiro lugar' os antropólogos
dedicam-se a sobre a cultura popular é algo
de seus mente o leitor comum;;;;â"
il;.;;;;;.;;ú,; de umaïociedade estranhaapaÍtir que iamais Pode ser esotérico'
historiadores' até recentemen- - escolhidos por constituí
próprios termos' ao passo que os Os anos enffe f SOï 1SOO foram
Em " longo para revelar as tendên-
i", i""ãi"- a restringir '"i ittt"t""" às classes superiores'
descobrem
,.-;;;;;iãão ,t'fiti""temente
melhor docu-
não param quando t p* tttt- o'
sesundo lugar, os antropólogos cias menos visíveis 'Zt"iot.com
de sua ação' mas avanç1m da Europa pré-industrial' A longo
u.Tirao do igerrt. sobre o significado ;;;;;n* t"bre a hisiória
dos mitos, imagens e rituais's uol'pou a cultura ãral tradicional;
mas' nesse
nara estudar as funções soJais ;;;;;,ï*tr.,,,'
livro vai' aproximadamente' dela' tornando conve-
""'ï;;aï túut."ao por este
;;;;t., também "gi"tto.' grande parte
esta-
de 150'0 a 1800' Em ootras palavras' corresponde,to 9ol ?t niente começar qou"ào o' píimtitoi
folhetos e brochuras
do penooo
à" p,at' ó-li'i'o t"'-i"a no final do
chamam de "inícios século >nryIr
historiadores muitas vezes ;;;i;J.
modernidade' A área culturajs empreendidas pela
moderno", mesmo quando negam sua- devido às enormes *uÃi--"nões
éo d" ú'op"' da Noruega à- Sicilia' da i"i' não tivessem afe-
em discussão industrializaçao,
i.f""a" aos l;rais."o"jt*to
Essas opções necessitam , talvez, de
algumas "*úo'"
tado toda a Europa tü;;;;"
em 1800' Em consequência da
"""'fo'maçõ,es
palavras de exPlicação' industrialização, tt"io' de fazet um esforço considerável 'de
Originalmente concebido como um estud:
*tt1ilft^ïlÏl atiildes e valo-
ttü;"!ããã,;s de conseguirmos penetrardanasEuropa moderna
Dadas as dimensoes do
res dos artesãos . .ffin?t.s
se converteu numa tentativa de síntese' dosìnícios
assunto, é óbvio que não se pretendeu-nenhum
tipo de cobertura
(se é que isso é possívtïl'
p"i"t*"s de lado a televisão' o rádio
nove ensaios sobre temas da Europa na me-
o livro é antes uma série de
;;;i;;;;, que'pad'oni zaÍam os vernáculos
"[rl"g""r"t entre si, relativos ao código da cultura lopllar' menos ó'ht"'t'
centrais, ligados mória dos -ri 'o,, p"'i^" I'o 'itu' transformações as estradas-- de
e apresenta uma descrição
mas talvez *"i, ptoïo"ã"'' i)"i""*o'
de lado
e não tanto a mensagens individuais'
tendências' contribuíram até mais do que o servr-
,iÁpiifi""a" das queJtões recorrentes das.principais
e
eo ;;;";;F;;,"Ël-""t" cor-
inconvenientes' propaganda governamental para
tï ãiri.t ãnrig"to'io t a d"
A escolha de um assunto tão vasto tem sérios
região tãd" província e para :91ve1ter 3s
,u.it*ia"nt" é o fato de que não se pôde estudar nenhuma roer a cultura específica
; ;;;;lh" ; profundidade' Tâmbém foi preciso ser impressionis- t;i;"mos de lado a educação e alfabet\zaçáo
pors ;;il';;;çã".,' e o nacionalismo' Deixemos
t n, rctrut'tciârì ."rt",abordagens quantitativas promissoras' universats, a conscrència de classe
homogêneas ao longo-desses no progresso'
rus lìrtttcs não eram ,oiiti""tJ-"ntà ;;1"á" a moderna confiança (ainda qued"abalada) modos profa-
urrttttlcs lrcríoclos de espaço e tempo para poderem ser exploradas
rra ciência rr"'"t'-ïd, ã aìi*-o' l"do os
os medos são expressões' Tudo
Na história da " isso
ï. -t,ì'ìì'lrï'ì;.;' ú; há vantagens compensadoras'
nos em que as
t.ttlt ttt'rt p.tlrtrlitr cxistcm problemas recorrentes
que preclsam ser "'p"'ã"iut "
(e mais) é necessário*"ìi"t a" conseguirmos
penetrar no "mun-
da região prúlemas
rlt,il'rrlirlos ,,,t, ,',íu"l ,t'oi' gç"'"1 do que o - tlo (cultural) que Perdemos"'
'' mais evidente' a
,i,'ìt,lti,'iç,u,, exPlit'nções tli'tran'formações e' o 13

t;
Como tentativa de síntese, alguns podem julgar esta obra INTRODUÇÃO A ESTA EDIÇÃO
prematura; espero que não o façam antes de consultar a biblio-
graÍia. E verdade que a cultura popular só passou da periferia
para o centro dos interesses do historiador ao longo dos últi-
mos quinze anos, graças aos estudos de Julio Caro Baroja, na
Espanha, Robert Mandrou e Natalie Davis, na França, Carlo
Ginzburg, na ltâlia, Edward Thompson e Keith Thomas, na
Desde quando este volume foi publicado, há uma década, a
Inglaterra. FIá, no entanto, uma longa tradição de interesse
pesquisa sobre cultura popular cresceu como um riacho que se
pelo assunto. Flouve gerações de folcloristas alemães com pers-
transforma num caudaloso rio, o que fica muito claro pela lei-
pectivâs históricas, como Wolfgang Brückner, Gerhard Heil-
tura da bibliografia suplementar. Contribuições valiosas foram
furth e Otto Clemen. Nos anos 1920, um importante histo-
feitas aos tópicos discutidos nos capítulos deste livro.l
riador norueguês, Halvdan Koht, interessou-se pela cultura
popular. No começo do século )c{, a escola finlandesa de folclo-
IJm número considerável de novos estudos foi dedicado a
quase todos os países da Europa. No caso da Espanha, por exem-
ristas interessou-se por história; Kaarle Krohn e Anti Aarne
são exemplos dessa tèndência. No final do século xIX, destaca-
plo, esses estudos incluem o trabalho de William Christian so-
dos estudiosos da cultura populaq como Giuseppe Pitrè, na bre as religiões populares, ou "locais", como ele prefere cha-
Sicília, e Teófilo Braga, em Portugal, tinham clara consciência má-las; o de Jaime Contreras, Jean-Pierre Dedieu' Ricardo
das transformações ao longo do tempo. Mas as obras de Pitrè e García Corcel e outros, sobre a investigação levada a cabo pela
Braga fazem parte de uma tradição compilatória que remonta à inquisição das crenças das pessoas comuns, e a reavaliação de
época em que os intelectuais descobriram o povo, no final do Goya feita por Jutta Held, bem como um conjunto de ensaios
século xr,ln e início do século )CIY. E puru .rrè movimento que sobre literatura popular.'
agora me volto. Não apenas monografias, mas algumas densas coleções
de artigos foram dedicadas à história da cultura popular na
Inglaterra, na França, na Alemanha e na Polônia, bem como no
conjunto da Europa.l
Os historiadores de outrâs partes do mundo descobriram a
cultura popular ou, para ser mais preciso, alguns deles decidi-
ram, após uma reação inicial de desconfiança, que o conceito de
cultura popular pode ser útil em sua pesquisa.o Os historiadores
americanos da China, por exemplo, realizaramuma conferência
sobre a história da cultura popular',enquanto em Cambridge
um seminário de historiadores da Asia meridional focahzava
o mesmo tema.s Não sei de nenhum simpósio similar sobre a
história da cultura popular da América Latina, mas há alguns
cstudos nessa área, especialmente estudos do Brasil.u
O interesse cada vez maior em cultura popular está, cer-
1t
tamente, longe de se restringir aos historiadores. E comparti- Assim mesmo, as discussões recentes revelaram mais proble-
lhado e vem sendo compaÍtilhâdo há muito tempo pelos mâs2 ou chamaram a atenção mais diretamente para algumas
- - quais
sociólogos, folcloristas e estudantes de literatura, aos dificuldades.
vieram juntar-se mais recentemente os historiadoÍes da arte e uma questão hoje levantada frequentemente é que o termo
os antropólogos sociais, sem falar nessa área vagamente defini- "cultura popular" dá uma falsa impressão de homogeneidade
da conhecida na Inglaterra como "estudos culturais".t Entre si, e que seria melhor usá-lo no plural, ou substituí-Ìo por uma
esses grupos produziram um respeitável corpo de trabalhos. expressão como "a cultura das classes populares" (Mandor 1977,
Como resultado de todo esse esforço, a cultura popular do Ginzburg 1979). Como o capítulo 2 desre livro foi dedicado a
início da Europa moderna parece hoje, pelo menos a meu ver, esse problema, parece desnecessário falar mais sobre ele aqui.
um pouco diferente. Foi-me gratificante ver que uma parte Outra objeção, ao que se chama às vezes de "modelo de duas
substancial desses estudos novos usa meu trabalho e que alguns camadas" de cultura de elite e popular, é a seguinte.'A fronteira
conceitos de minha autoria, principalmente o de "reforma" e entre as várias culturas do povo e as culturas das elites (e estas
o de "retirada" da cultura popular, pâssâram a ter uso geral, eram tão variadas quânto aquelas) é vaga e por isso a atenção
apesar das discordâncias quanto à duração ou à explicação exata dos estudiosos do assunto deveria concentrar-se na interação e
dessas tendências. não na divisão entre elas. O interesse cadavez maior no traba-
É bâstante óbvio que a multiplicação de monografias sobre lho do grande crítico russo Mikhail Bakhtin, cuja maior parte
temas ou regiões particulares modificará um quadro geral da está agora tradtzid,a para as línguas ocidentais, revela ao mes-
Europa como o que tracei, mas vale a pena enfatizar que os estu- mo tempo que estimula essa mudança de ênfase.e O destaque
dos sobre a China, a India e a América Latina (e, esperemos, dado por ele à importância da "transgressão" dos limites é aqui
estudos futuros sobre a Áfti." e o Oriente Médio) também são obviamente relevante. Sua definição de Carnaval e do câÍnava-
relevantes parâ uma tal síntese. Eles definem por contraste o que lesco pela oposição não às elites, mas à cultura oficial, assinala
é especificamente europeu e revelam os pontos fortes e fracos de uma mudança de ênfase que chega quase a redefinir o popular
conceitos fundamentais, ao testá-los em situações para as quais como o rebelde que existe em todos nós, e não a propriedade de
não foram originalmente criados (tais como sociedades nas algum grupo social.'o
quais tribos ou castas perpassam divisões entre "elite" e "povo"). As interações entre as duas culturas (em suas múltiplas
E impossível resumir em uma fórmula única todas as su- variedades) foram discutidas em vários momentos na primeira
g'estões feitas no decorrer de dez anos de debate sobre cultura edição deste livro, mais especialmente nas seções que tratavam
popular, mas ele tendeu a concentrar-se em dois temas ou do que chamei de "biculturalidade" das elites, suas tentativas de
questões principais. A primeira questão é "O que é 'popular'?", "reformar" a cultura populaq sua "retirada" dela e finalmente
sua "descobefta", ou mais exatamente "redescobertatt da cultura
rr scgunda, "O que é'cultura'?".
do povo, especialmente os camponeses.
Não obstante, aprendi muito das discussões recentes dessas
interações, inclusive das críticas explícitas às minhas próprias
O I'ROBLEMA DO "POPIJAAR"
fìrrmulações, e embora eu não veja ainda nenhuma razão para
A rr<lçiio clo "popular" foi há muito reconhecida como pro- rtbandonar qualquer uma delas, gostaria de acrescentar algumas
lrlcrrrrííic:r, c corno tal discutida na primeira edição deste livro. lìuânces.
para as "classes populares"? Algumas dificuldades estão associa-
Concordo, por exemplo, Qü€ o termo "cultura popular"
das ao termo "participação", que é mais vago do que pode pare-
tem um sentido diferente quando usado por historiadores para
cer, pois é usado geralmente para referir-se a um leque de atitu-
referir-se: (1) à Europa por volta do ano de 1500, quando a elite
des que variam da total imersão à observação desinteressada.
geralmente participava das culturas do povo, e Q) ao final do
iéculo xwl, quando a elite tinha geralmente se retirado.ll As ideias e iniciativas das pessoas comuns também foram
reexaminadas, e fui gentilmente repreendido por alguns his-
Em outras palavras, o assunto deste livro não é no final do
período o mesmo que era no início, dificuldade com a qual têm toriadores ingleses por sugerir no capítulo sobre a "Yitória da
de se haver os historiadores das tendências de longa duração. Quaresma" que houve um movimento liderado pela elite que
visava à reforma da cultura popular.ls Talvez seja elucidativo
Outra objeção diz respeito a meu uso do termo "bicultu-
ral". Cunhei esse termo seguindo o modelo de "bilíngue", paÍa abordar ou enfatizar dois aspectos. O primeiro é que a cultura
popular não foi o único objeto do ataque dos reformadores. Eles
descrever a situação de membros da elite que aprenderam o que
hoje chamamos de canções e contos populares na infância, como
tendiam a opor-se à cultura "profana" ou mundana indiscrimi-
nadamente. Contudo, eles frequentemente escolhiam ideias e
todo mundo aprende, mâs que também participaram de uma
práticas que atribuíam ao "povo". O segundo aspecto a ser enfa-
cultura "altâ", ensinada em escolas secundárias, universidades,
tizado é que esse movimento reformista não se restringia a uma
cortes etc., às quais as pessoas comuns não tiveram acesso. IJm
paralelo linguístico mais exato poderia ser "diglossia", ou seja, a
elite social ou cultural; "os aÍtesãos piedosos existiram". Não
pretendo sugerir que a reforma era imposta de cima no sentido
ãompetência em duas variedades da mesma língua (ârabe clás-
de que as pessoas comuns nunca a apoiavam espontaneAmente.
sico è coloquial, por exemplo), com um mesmo orador passando
de uma variedade a outra de acordo com a situação, o assunto
Nem toda a elite apoiava as reformas e nem todo o povo se
da conversação e assim por diante'" A sugestão de que a cultura
opunha a elas. A questão que levantei era e é simplesmente a
de que "a liderança do movimento estava nas mãos dos cultos,
popular tem um significado diferente para quem também tem
normalmente o clero", Andreas Osiander, João Calvino, Carlos
acesso à cultura da elite me parece razoável,.mas não é uma
Borromeu e outros. Por mais espontâneas que fossem, as ações
objeção séria ao uso do t"r*o "bicultural"." É provável, afinal
de um artesão piedoso eram resposta a uma iniciativa que vinha
de contas, que os bilíngues e os monolíngues tenham atitudes
de algum modo diferentes em relação à língua.
originalmente de cima. Alguns estudiosos descreveriam tais
ações como um exemplo da hegemonia cultural do clero.
Outra sugestão, ou crítica, deixa-me em dúvida. Um histo-
riador de diversões "populares" na Paris do século xlltI argu- IJso essa frase para chamar a atenção para uma ausência
notável do quadro de referência deste livro; a noção de Gramsci
menta que membros da elite participavam dos espetáculos
de "hegemonia cultural", noção esta que foi muito empregada
apresentados nas feiras e nas ruas com tal frequência que é pos-
nos últimos anos em discussões das interações entre cultura de
sÍvel falar de "convergência entre cultura popular e cultura de
clite".ra Considerando que a análise da situação local esteja certa,
elite e cultura populaq notadamente por Edward Thompson.'ó
Essas discussões fizeram-me perceber que meu próprio estudo
l)crrnanecem problemas. Essa "convergência" era um
fenômeno
sim, era o resultado da comer- não era suficientemente político e que muito mais poderia ter
cornutÌÌ na Europa de então? Se
cultura popular? E de novo nos defrontamos com sido dito sobre o Estado em meus capítulos sobre a mudança.r7
cirrlização da
lJma em uma feira de Mesmo assim, fico um pouco apreensivo sobre o constante ape-
o ploblcrna cla significação. apresentação
l)irt'is lcttt o mesmo significado para as elites que participavam e lo à "hegemonia cultural" em estudos recentes, e sobre o modo

tq
como um conceito usado pelo próprio Gramsci para analisar família real quanto dos camponeses analfabetos", e recusa-se,
problemas particulâres (tais como a influência da Igreja na consequentemente, a usar o termo "popular". Em seu lugar ele
Itália meridional) foi retirado de seu contexto original e usado usa o termo "local", argumentando que "a grande maioria dos
mais ou menos indiscriminadamente para tratar de uma série lugares e monumentos sagrados tinha significado apenas para
mais ampla de situações. Gostaria de sugerir, como um antí- os habitantes locais".21 Essa ênfase nas características locais do
doto contra essa inflação ou diluição do conceito, que os que o que geralmente se chama de religião "popular" é importante,
usam tivessem em mente as três seguintes questões. apesâr de não ser exatamente nova. O que é novo é a sugestão
de que abandonemos um modelo binário, o de elite e povo, e o
1) A hegemonia cultural deve ser considerada um fator substituamos por outro, o de centro e periferia. Esses modelos
constante ou ela só tem operado em certos lugares e épo- centro-periferia têm sido usados cadavez mais por historiado-
casì Nesse caso, quais as condições e os indicadores de sua res nos últimos anos, em história econômica, história política e
existência? mesmo na história da arte. Eles têm seu valor, e certamente eu
2) O termo é descritivo ou explicativo? Nesse caso, refe* mesmo os considero úteis na análise das reações de "Roma" às
re-se a estratégias conscientes da classe dominante (ou de pressões locais por canonização.22 Entretanto, não estão livres
grupos em seu interior) ou à racionalidade inconsciente ou de problemas e ambiguidades. A noção de "centro", por exem-
latente de suas ações? plo, é difícil de definir, pois os centros espaciais e os centros de
3) Como devemos considerar a realização dessa hegemo- poder nem sempre coincidem (pensamos em Londres, Paris,
nia? Ela pode estabelecer-se sem o conluio ou a conivên- Pequim..). No caso do Catolicismo, podemos razoavelmente
cia de pelo menos alguns dos dominados (como no caso assumir que Roma seja o centro, mas é bastante claro que as
dos artesãos piedosos)? Pode-se oporJhe resistência com devoções não oficiais eram tão comuns naquela cidade santa
sucesso? Se sim, quais são as principais "estratégias con- quanto em qualquer outro lugar. Ao se tentar eliminar uma
tra-hegemônicas"?tt A classe dominante impõe seus valores dificuldade conceitual, criou-se outra.
às classes subalternas ou há algum tipo de compromisso, O problema básico é que uma "cultura" é um sistema com
com definições alternativas da situação? O conceito de limites muito indefinidos. O grande valor dos ensaios recentes de
"negociação", como é usado correntemente pelos sociólogos Roger Chartier sobre "hábitos culturais populares" é que ele tem
e historiadores sociais, podia ser muito útil nesta análise.le essa indefinição sempre em mente. Ele argumenta que "não faz
sentido tentar identificar cultura popular por alguma distribuição
Todas as objeções à ideia de cultura popular discutidas até supostamente específica de objetos culturais", tais como ex-votos
ou. a literatura de cordel, porque esses objetos eÍam na prática usa-
aqui são relativamente brandas no sentido de que envolvem
qLralificações ou mudanças de ênfase. Outras objeções são mais dos ou "apropriados" para suas próprias finalidades por diferentes
rarlicais e envolvem tentativas de substituir inteiramente o grupos sociais, nobres e clérigos assim como artesãos e campone-
ses.'r Seguindo Michel De Cerceau e Pierre Bourdieu, ele sugere
conccito. Duas dessas objeções merecem' particularmente, ser
rliscrrtirlas; a de William Christian e a de Roger Chartier.'o que o consumo cotidiano é um tipo de produção ou criação, pois
lÌrrr seu estudo de votos, relíquias e santuários na Espanha envolve as pessoas imprimindo significado aos objetos. Nesse sen-
rkr sticrrlo xvt, Christian argumenta que o tipo de prática reli- tido todos nós nos engajamos em bricolage.'a Chartier prossegue
giosrr rlrrc cstá clescrevendo "era uma característica tanto da sugerindo que os historiadores estudem "não conjuntos culturais

2t
I

agora é visto como algo que varia de sociedade a sociedade e


definidos como 'populares' mas sim os modos específicos pelos
muda de um século a outro, que é "construído" socialmente e
quais esses conjuntos culturais são apropriados"'
portanto requer explicação e interpretação social e histórica.
Aceito esses argumentos' e admiro a análise da Bibliothèque
Essa nova história cultural é às vezes chamada história "socio-
Bleue franceu qoã Chartier fez nessa direção, mas não acho
.oìr"q.,rência, alterar muita coisa deste livro' O cultural" para distinguiJa das histórias mais tradicionais da
que deva,
"-
que Chartier estâ fãzendo, ao enfocar os objetos-, é comple-
arte, da literatura e da música.
Minha definição original de cultura levou em conta o coti-
À"rra", e não contraditório com o que fiz ao Íocalizat grupos
diano. Eu pretendia que os termos-chave "artefatos" e "apresen-
sociais, quando escrevi sobre as elites do começo da Europa
da cultura popular tações" fossem compreendidos num sentido amplo, estendendo
*od"rnu .omo "biculturais", participando a noção de "artefato" paÍa incluir construções culturais tais
mas preservando sua própria òultura; ou-efetivamente quando
como "um sistema como as categorias de doença, sujeira, gênero ou política, e a de
defini cultura com ênfase na mentalidade
"apresentação" para abarcar formas de comportamento cultu-
de significados, atitudes e valores compartilhados, e as formas
ralmente estereotipadas, tais como festas ou violência. Na prá-
simbãlicas (apresentações, artefatos) nas quais eles se expres-
tica, devo admitir, o livro concentra-se numa série mais estreita
sam ou se incãrporam". Ainda assim, a noção de cultura precisa
de objetos (principalmente imagens, material impresso e casas)
ser reexaminada.
e atividades (especialmente canto, dança, representação teatral
e participação em rituais), a despeito da tentativa de colocar
esses objetos e atividades em um contexto social, econômico e
ANOÇÃO DE "CIJITURIf' político mais amplo. A revolta popular foi discutida com algum
Os problemas suscitados pela úllização do conceito de detalhe, mas pode-se dizer que sexo, casamento e vida familiar,
,,culturai' são no mínimo ainda maiores que os suscitados por exemplo, foram virtualmente omitidos.'5
pelo termo "popular". IJma razão para esses problemas é que Foi acertada essa decisão de optâr naprâtica por uma defi-
ã significado dã .ott."ito foi ampliado na última geração à nição mais restrita de cultura? No início dos anos 1970, quando
ampliaram
-.dïd" que os historiadores e outros intelectuais do povo, o comecei a pesquisa parâ este estudo, poucos exemplos do novo
tipo de história sociocultural haviam já sido publicados, de
seus inteiesses. Na era da chamada "descoberta"
termo "cultura" tendia a referir-se a atte, literatura e música' modo que não havia amadurecimento para uma síntese. Pode-se
e não seria incorreto descrever os folcloristas do século >cx dizer que o preço pago pelas ambições geográficas mais amplas
como buscando equivalentes populares da música clássica, da do livro, por sua tentâtiva de pesquisar a Europa da Irlanda e
arte acadêmica e ássim pot dirttt.' Floje, contudo, seguindo Portugal até os lJrais, foi limitar nesse sentido suas ambições
o exemplo dos antropólogos, os historiadores e outros usam temáticas e concentrar-se no que podia ser comparado e contras-
o terrrà "cultura" muito mais amplamente, para referir-se a tado cotn algum grau de precisão, como baladas e chap-books.
quase tudo que pode ser aprendido €m uma dada sociedade - Se estivesse começando a pesquisa agoÍa, não estou certo do

.:,r,r',,, beter, atdaí, falar, silenciar e assim por diante' que faria. A ideia de escrever uma história sociocultural geral
"n-.r,
littt outras pâlavras' ahistória da cultura inclui agora a história do início da Europa moderna é por certo atraente. Por outro
rlrts nçilcs ou noções subjacentes à vida cotidiana' O que
se cos-- lado, ainda me parece que há lugar para um livro que se con-
cxrnsideiar garantido, óbvio, normal ou "senso comum" centra nos artefatos e apÍesentações em sentido estrito, porque

:r;,,tttt 23
l-
esse tema mais limitado permite um estudo
comparativo mais
rigoroso do que o tema mais amplo.
Certamente é impossível tr"ç", lr- limite preciso
entre o
sentido estrito e o amplo de ,,culiura", e pode ser útil
concluir
essa introdução pela discussão de alguns Lxemplos
a" p"rq.,ir"
recente que se situam entre os dois. Tomemos,
por .*Ë*pio, o
caso dos insultos, que podem ser considerra"r,
i.f,
algumas culturas, tanto como uma forma de'àrte -."ã,
.*
;" ;ã";;;
liteúrio, quanto como
lìma expressão de hostilid"d. g"rïoí*
Na Roma do século xwrr, po, exemplo, uírrr_iru_
"t", a"rrro -o
tanto forma escrita e pictórica quanto o?ul, ,rruru_
verso quanto a prosa,-e fizenm alusão a, ou parodiaram,
epitâ_
fios e comunicados oficiais.ru Alguém pode, novamente,
tomar
exemplos de cultura material, ,rot"rráo, como, por
exemplo,
Hans Medick fez, os meios pelos quais o consumo
aflmento; e roupas ,,funcionava
conspícuo de Parte I
o- veículo da arrtocons_
ciência plebeia" no século x\,T[.27 "ã-o
O trabalho Íecente de arqueó_ EM BUSCA DA
logos e. altro_pólogos ilustrou os diferentes modos
p"lo, ffi,
o estudo da "vida social das coisas" pode revelar o,.r"lorÀ
d"
CULTURA POPULAR
indìvíduos, grupos e sociedades inteiras. No caso
da América
do Norte de meados do século xwII, por exemplo,
-se que as mudanças nas práticas fuÀerárias, ,ro "rg,r*"rrrorr_
de con_
sumo dos alimentos e na organização do espaço -oão vital sugerem
todas uma mudança em rralõres que pode sËr
ãescrit, o
nascimenro do individualismo e Ja prìvacidade.,, "ã_o
Exemplos como esses sugerem que apesar de
. ser útil distin_
guir o c_onceito de ,,cultura" ão de ,,àcieàade", emvezde
usá_lo
para referir-se a quase tudo, essa distinção não
deveria ,.g_;
linhas tradicionais. Os historiadores da
deveriam defi_
"rrlt,rru
nir-se não em termos de uma área ou ,,campo,, particular como
arte, literatura e música, mas sim de uma pieocrrpação
distinti_
vâ com valores e símbolos, onde quer qrrJ.rr.,
se encontrem.

foi originalmente publicado como introdução à edição


,,,...,]:ì:.,,:l;-1 espa_
tttttt.tit (tc /l ..ultara popular na ldade Moderna, e é aqui reprodorido
po. .,rg"stao
rlo Arrtor. (N. Ii.)

)4
1. A DESCOBERTA DO POVO nos tempos antigos e modernos. Seu principal argumento era
que a poesia possuíra outÍora uma eficácia (lebendigen Wìrhang),
depois perdida. A poesia tivera essa ação viva enrre os hebreús,
os gregos e os povos do norte em tempos remotos. A poesia era
tida como divina. Era um "tesouro da vida" (Schatz d.es Lebens),
isto é, tinha funções práticas. Herder chegou a sugerir que a
Foi no final do século x\TIr e início do século xur, quando verdadeira poesia faz parte de um modo de vida particular, que
a cultura popular tradicional estava justamente começando a seria descrito posteriormente como "comunidade orgânica",
desaparecer, que o "povo" (o folk) se converteu num tema de e escreveu com nostalgia sobre povos "que chamamos selva-
interesse para os intelectuais europeus. Os artesãos e campo- gens (Wilde), que muitas vezes são mais morais do que nós".
neses decerto ficaram surpresos ao ver suas casas invadidas por O que parecia estar implícito no seu ensaio é que, no mundo
homens e mulheres com roupas e pronúncias de classe méãia, pós-renascentista, apenas a canção popular conservâ a eficâcia
que insistiam para que cantassem canções tradicionais ou con- moral da antiga poesia, visto que circula oralmente, é acompa-
tassem velhas estórias. Novos termos são um ótimo indício do nhada de música e desempenha funções práticas, ,o prrro qu"
surgimento de novas ideias, e naquela época começou-se a usat a poesia das pessoas cultas é uma poesiapffa a visão, separada
principalmente na Alemanha, toda uma série de novos termos. da música, mais frívola do que funcional. Conforme disse seu
Vzlkslied, por exemplo: "canção popular". J. G. Herder deu o amigo Goethe, "F{erder nos ensinou a pensar na poesia como o
nome de Volkslieder aos conjuntos de canções que compilou em patrimônio comum de toda a humanidade, não como proprie-
1774 e 1778. Volksmnirchen e Volkssage são termos do final do sécu- dade particular de alguns indivíduos refinados e cultos".'
lo xr,ru para tipos diferentes de "conto popular". Há, Volksbuch, A associação da poesia ao povo foi ainda mais enfática na
palavra que se popularizou no início do século xtx, depois que obra dos irmãos Grimm. Num ensaio sobre o Nibelangenlied,
o jornalista Joseph Gcirres publicou um ensaio sobre o assunto.
Jacob Grimm observou que o autor do poema era desconheci-
Seu equivalente inglês mais próximo é o tradicional chap-book do, "como é usual em todos os poemas nacionais e assim deve
(livreto de baladas, contos ou modinhag. Há Votkskunde (às ser, porque eles pertencem a todo o povo". A autoria era cole-
vezes Volkstamsleande), outro termo do início do século xx tiva: "o povo cria" (das Volk dìchtet). Numa epigrama famosa,
que se pode traduzir por "folclore" (folklore, palavra cunhada
ele escreveu que "toda epopeia deve escrever a si mesma" (jedes
em inglês em 184ó). Hâ Volkspìel (ou Volkuhaaspiel), termo que
Iipos muss sich selbst d.ichten). Esses poemas não eram feitos: como
entrou em uso por volta de 1850. Palavras e expressões equiva-
iírvores, eles simplesmente cresciam. Por isso, Grimm conside-
lentes passaram a ser usadas em outros países, geralmenie um
lou a poesia popular uma "poesia da natureza" (Naturpoesie).3
pouco mais tarde do que na Alemanha. Assim, Volkslieder. paru
os suecos eramfolkaìser) paÍa. os italianos canti pnpllari, para os
As ideias de Herder e dos Grimm tiveram enorme influên-
russos narnd.nye pesni, para os húngaros népdalok.l c:i:r. Surgiram coletâneas e mais coletâneas de canções populares

O que estâva acontecendo? Visto que tantos desses ter-


rlrcionais.* Para citar apenas algumas das mais famosas, uma
rrros surgiram na Alemanha, talvez seja útil procurar aí uma t'trlctânea de byliny, ou baladas russas, foi publicada em 1804 sob
)osta. As concepções por trás do termo "canção popular"
t'(Ìsf
vônr cxllressas vigorosamente no ensaio premiado de Herdeq . O apôndice 1 apresenta as principais publicações sobre a cultura popu-
tlc l77lì, solrre a influência da poesia nos costumes dos povos lru rlc 1760 a 1846.

.lh
27
o nome de um certo Kirsha Danilov; a coletânea Arnim- A balada popular [...] é resgatada das mãos do r,'ulgo parrr
-Brentano de canções alemãs, Des Knaben Wanderhorn, baseou- obter um lugar entre as coleções do homem de gosto. Versos
-se na tradição oral e folhetos impressos, e foi publicada em que poucos anos atrás eram considerados dignos somente (liì
partes entre 1806 e i808; a coletânea Afzelius-Geijer de bala- atenção das crianças são agora admirados por aquela simpli-
das suecas foi recolhida da tradição oral em Vãstergõtland e cidade natural que outrora recebeu o nome de grosseria c
publicada em 1814; as baladas sérvias editadas porVuk Stefano- r,-ulgaridade.T
vióKaradíió, foram publicadas pela primeira vez em 1814 e mais
tarde ampliadas; e as canções finlandesas de Elias Lõnnrot, Além da canção popular, outras formas de literatura popular
coletadas da tradição oral e organizadas numa epopeia, a Kale- também passaram a ser elegantes. Lessing colecionava e aprc-
aala, foram publicadas em 1835. ciava o que chamou de Bilder-reimen ("vercos para imagens"),
Os países mediterrânicos retardaram-se nesse movimen- em outÍas palavras, panfletos satíricos alemães. O poeta Lucl-
to, e um famoso editor inglês, tradicionalmente considerado wig Tieck era um entusiasta de livros populares de contos alc-
um pioneiro, na verdade não o foi. Thomas Percy, clérigo de mães e fez suas versões pessoais de dois deles, Os quatro filhos tlt
Northamptonshire, publicou as suas Reliqaes of Englisb poetry Aymon e A bela Magelone. Tieck escreveu:
("Relíquias da poesia inglesa") em 1765. Essas "relíquias" (reli-
ques), como as denominou com uma ortografia deliberadamente O leitor comum não deve fazer pouco das estórias popularcs
arcaica, incluíam uma série de baladas famosas, tais como (Volksromane) que são vendidas nâs ruas por velhinhas a utìì
Cbezty Cbase, Bar"bara Allen, The Earl of Marray e Sir Patrick ou dois groschen, pois Siegfried de cornos, Os fìlhos de Aymon,
Spence. Percy (que era um tanto esnobe e mudou o sobrenome Duqae Ernst e Genoaeaa têm uma maior inventividade au-
de "Pearcy" para Percy, a fim de reivindicar uma ascendência têntica e são mais simples e muito melhores do que os livr<ls
nobre) não achava que as baladas tivessem alguma relação com atualmente em voga.'
o povo, mas que eram compostâs por menestréis com alto status
nas cortes medievais. Contudo, as Reliques foram interpretadas, Joseph Gorres, em seu ensaio sobre o tema, expressou ulììir
de Herder em diante, como uma coletânea de canções populares, admiração semelhante pelos livretos populares. Havia tambénr <r
recebidas entusiasticamente na Alemanha e outros lugares.o conto popular transmitido por tradição oral. Vários volumes clcr
Embora existissem os céticos, a visão da natureza da poesia contos populares foram publicados na Alemanha antes do âpiì-
popular segundo Herder e Grimm se tornou ortodoxa rapida- recimento, em 1812, da famosa coletânea dos irmãos Grimrrr."
mente. O grande poeta-historiador sueco Erik Gustav Geijer Os Grimm não empregaram o termo "conto popular", daurlo
clnpregou a expressão "poesia danatureza", sustentou a autoria ao livro o nome de Kind,er- und, Hausmrirchen fContos infantis
coletiva das baladas suecas e referiu-se com nostalgia aos dias e domésticos], mas acreditavam de fato que essas estórias expri-
crìì que "todo o povo cantava como um único homem" (et beh miam a natureza do "povo", e a elas acrescentaram dois livros rlc:
lòlk stìrtg slm en man).s Da mesma forma, Claude Fauriel, estu- contos históricos alemães (Sagen). O exemplo dos Grimm log<r
tlioso francês que editou e traduziu a poesia popular dos gregos foi seguido em toda a Europa. Georgvon Gaal publicou em llì22
nrotlcrrros, comparou as canções populares a montanhas e rios, a primeira coletânea em alemão de contos populares húngrrros.
t: trt iliz,orr ir cxpressão "poésie de la nature".ó Um inglês de gera- Não os coletou no campo, mas em Viena, com os hussarrlos
ç:ìo :tntcrior assim resumiu a tendência: de um regimento húngaro, cujo coronel, amigo de Von (ìrtrrl,

l,Í Ì9
ordenou aos seus homens que pusessem por escrito quaisquer procedessem à coleta de melodias populares. lJma coletânea de
estórias que conhecessem.l0 Na Noruega e na Rússia, foram canções populares da Galícia, publicada em 1833, traz as melo-
publicadas duas coletâneas de contos particularmente famosas: dias e os veÍsos.ló Flouve tentativas de se escrever a história do
Norske Folk-Eaentyr, de P. C. Asbjornsen e J. Moe (1841), que povo, ao invés da história do governo: na Suécia, Erik Geijer,
incluía a estóriâ de Peer Gynt, e Narod,nye russhii skazki, de que já editara canções populares, publicou A história do poao
A. N. Afanasiev (1855 em diante). Finalmente, havia a,,peça sueco. Embora dedicasse a maior pârte do livro às políticas dos
popular", categoria que incluía o teatro de bonecos sobre Fausto reis, a história de Geijer realmente trazia capíttlos separados
que inspirou Lessing e Goethe; a tradicional peça suíça sobre sobre "a terra e o povo". Pode-se dizer o mesmo do historiador
Guilherme Tell, estudada por Schiller antes de escrever a sua; tcheco Frantisek Palackf (que na juventude se dedicara a coletar
os autls sncramentales espanhóis descobertos com entusiasmo canções populares na Morávia) e sua História do poao tcheco, das
pelos românticos alemães; os mistérios ingleses publicados por obras históricas de Jules Michelet (admirador de Flerder, tendo
William FIone, e os alemães publicados por F. J. Mone.ll planejado, ceÍtavez, uma enciclopédia de canções populares) e
Esse interesse por diversos tipos de literatura tradicional de Macaulay, cuja History of England [História da Inglaterra],
era, ele mesmo, parte de um movimento ainda mais amplo, que publicada em 1848, contém o famoso terceiro capítulo sobre a
se pode chamar a descoberta do povo. lfouve a descoberta da sociedade inglesa no final do século xlrt, baseado em parte nas
religião popular. Arnim, aristocrata prussiano, escreveu: ,,para baladas impressas que tanto apreciava.'7 A descoberta da cultura
mim, a religião do povo é algo extremamente digno de respei- popular teve um impacto considerável nas artes. De Scott a
to".Jâ o aristocrata francês Chateaubriand, em seu famoso li- Púchkin, de Victor Hugo a Sándor Petôfi, os poetas imitavam
vro sobre o "gênio da cristandade", incluiu uma discussão sobre abalada. Compositores inspiravam-se na música popular, co-
as dépotions popalairu, a religião não oficial do povo, que via mo a ópera de Glinka, [Jma ztida para o Czary de 1836. O pintor
como uma expressão da harmonia entre religião e natrÍeza.t2 Courbet inspirou-se em xilogravuras populares, mas até 1850
Houve ainda a descoberta das festas populares. Herder, que nos não se desenvolveu um interesse sério pela arte popular, talvez
anos 1760 morava em Riga, ficou impressionado com a festa de porque os objetos artesanais populares, até então, não tivessem
verão da noite de são João.lr Goethe ficou entusiasmado com o sido ameaçados pela produção em massa.'8
Carnaval romano, que presenciou em 1788 e interpretou como As ilustrações mais marcantes das novas atitudes em relação
uma festa "que o povo dá a si mesmo".1a Esse entusiasmo levou ao povo talvez provenham dos viajantes, que agora iam em bus-
à pesquisa histórica e a livros como o de Joseph Strutt, sobre ca não tanto de ruínas aÍÌtigas, mas de maneiras e costumes, de
esportes e passatempos, o estudo de Giustina Renier Michiel, llreferência os mais simples e incultos. Foi com esse propósito
sobre os festejos venezianos, e o livro de Snegirog sobre os fe- que, no início dos anos 1770, o padre italiano Alberto Fortis
riados e cerimônias do povo russo.ls FIouve a descoberta da visitou aDalmâcia, e no relato de suas viagens dedicou um capí-
rr.rírsica popular. No final do século x\,Trr, V. F. Tiutovsky (um t ulo ao modo de vida dos morlacchi, sua religião e "superstições",

ttrúsico da corte) publicou algumas canções populares russas, suas canções, danças e festas. Como disse Fortis, "a inocência
iuntarncnte com as respectivas melodias. Nos anos 1790, t: '.r liberdade natural dos séculos pastoris ainda sobrevivem
I lrryrlrr fez ananjos com canções populares escocesas. Em 1819, t'rrr Morlacchia". A certa altura, ele comparou os rnorlaccbi aos
trttt rlccrcto do governo ordenou que as autoridades locais da ll()tcntotes. Samuel Johnson e James Boswell percorreram as
lìitixit Austria, em nome da Sociedade de Amigos da Música, illrrrs ocidentais da Escócia "para especular", segundo as pala-

i0 t1
vras de Johnson, "sobre os resquícios da vida pastoril", para Por que a descoberta da cultura popular ocorreu naquele
pÍocurar "costumes primitivos", para entrar nas choupanas dos momento? O que significava exatamente o povo para os inte-
pastores, ouvir a gaita de foles e encontrar gente que ainda não lectuais? Naturalmente, não existe uma resposta iimples a tal
falava inglês e usava a capa escocesa. Em Auchnasheal, Boswell pergunta. Alguns dos descobridores eram, eles mesmos, filhos
observou ao dr. Johnson que."era quase a mesma coisa que estar de artesãos e camponeses: Tieck era filho de um cordoeiro;
numa tribo de índios", pois os aldeões "eram tão escuros e de Lônnrot, de um alfaiate de aldeia; William FIone era livreiro;
aparência tão rústica quânto qualquer selvagem americano".t, Vuk Stefanovió,KaradLió e Moe, filhos de camponeses. A maio-
Enquanto Johnson e Boswell observavam os habitantes das ria deles, porém, provinha das classes superiores, para as quais o
Terras Altas com distanciamento, outros membros das classes povo era um misterioso Eles, descrito em termos de tudo o que
superiores tentaram se identificar com o povo, âtitude que pâre- os seus descobridores não eram (ou pensavam que não eram):
ce ter ido mais longe na Espanha. A d,aquesa de Alba como Maja, o povo era natural, simples, analfabeto, instintivo, irracional,
de Goya, lembra-nos que os homens e mulheres da nobreza enraizado na tradição e no solo da região, sem nenhum sentido
espanhola por vezes vestiam-se como as classes trabalhadoras de de individualidade (o indivíduo se dispersava na comunidade).
Madri. Eles mantinham relações amigáveis com os atores popu- Para alguns intelectuais, principalmente no final do século xr,rrt,
lares. LIma observação da época sobre âs festas populares nos o povo era interessante de uma certa forma exótica; no início do
sugere que os nobres também participavam dessas ocasiões: ,,um século XIX, em contraposição, havia um culto ao povo, no sen-
fidalgo que, seja por curiosidade ou gosto depravado, assiste aos tido de que os intelectuais se identificavam com ele e tentavam
divertimentos do vulgo, geralmente é respeitado, desde que seja imitá-lo. Como disse o escritor polonês Adam Czarnocki, em
mero espectador e mostre-se indiferente às mulheres',.r0 1818, "temos de ir até os camponeses, visitá-los em suas cabanas
E por causa da amplitude do movimento que parece razoâ-. cobertas de palha, participar de suas fesras, trabalhos e diverti-
vel falar na ocorrência da descoberta da cultura popular nessa mentos. Na fumaça que paira sobre suas cabeças, ainda ecoam
época; Herder de fato usou a expressão "cultura popular" (Kuttar os antigos ritos, ainda se ouvem as velhas canções".22
des Volku), em contraste com a "cultura erudita" (Kahur d.er
F{ouve uma série de razões para esse interesse pelo povo
nesse momento específico da história europeia: razóes estéticas,
Gelehrten). Antes disso, estudiosos de antiguidades já tinham
razões intelectuais e razões políticas.
descrito costumes populares ou coletado baladas impressas
em broadside.* O que há de novo em Herder, nos Grimm e A principal razão estética era â que se pode chamar de
revolta contra à "aÍte". O "artificial" (como ,,polido") tornou-
seus seguidores é, em primeiro lugar, a ênfase no povo, e, em
-se um termo pejorativo, e "natural" (artless), como ,,selvagem",
segundo, sua crença de que os "usos, costumes, cerimônias,
virou elogio. Pode-se ver essa tendência com bastante clare-
superstições, baladas, provérbios, etc." faziam, cada um deles,
'/,à nas Reliqaes de Percy. Ele gostava dos velhos poemas que
pate de um todo, expressando o espírito de uma nação. Nesse
scntido, o tema do presente livro foi descoberto llublicou porque tinham aquilo que Percy chamou de ,,uma
ou terá sido
inventado? - no final do
por um grupo de intelectuais alemães
sirrrplicidade agradâvel e muiros encantos naturais", qualidades
-
sóculo x\,T[.2r
(luc sua geração considerava ausentes na poesia da época. Seus
()utros gostos literários revelam mais sobre as suas preferências.
A primeira publicação de Percy foi a tradução de um romance
* llnnthide: t'lrinês e alguns fragmentos de poesia chinesa, escritos numa
folha impressa de um só lado, usualmente colocada numa parede.

]J 33
época (sugeriu ele) em que os chineses viviam num estado de bridas), foi inspirada por eles; Herder e Goethe, Napoleão e
"natvreza selvagem"." Sua publicação seguinte foi Fìae pieces of Chateaubriand estavam entre os seus admiradores entusiásticos.
Runic poetry translated from tbe lceland'ic [Cinco peças de poesia Pode-se perceber o que os leitores da época viram em Ossian
rúnica traduzidas do islandês], com um prefácio que chamava pela "dissertação crítica" sobre ele, escrita por Hugh Blair, amigo
a atenção paÍa a inclinação que aquela "raça valorosa e incul- de Macpherson. Blair descreveu Ossian como um Fïomero celta.
ta", os europeus do norte, demonstrava em relação à poesia. 'Ambos se distinguem pela simplicidade, sublimidade e brilho."
Em suma, como outros homens do seu tempo' Percy era um Admirava pârticularmente os poemas enquanto exemplos da
entusiasta pelo exótico, fosse da China, da Islândia ou' como "poesia do coração", e sugeriu que "muitas condições daqueles
Cheay Chase, da Nortúmbria. O apelo do exótico estava no fato tempos que chamamos de bárbaras são favoráveis ao espírito
de ser selvagem, natural, livre das regras do classicismo.to Esse poético" porque os homens de então eram mais imaginativos. Foi
último ponto foi, talvez, de importância especial pàÍa o mundo com essas ideias na mente que Herder coletou canções populares
germanófono, visto que J. G. Gottsched, professor de poesia em Riga, Goethe na Alsácia, e Fortis naDalmácia,27
emLeipzig, vinha naquele momento estabelecendo as leis para Em suma, a descoberta da cultura popular Íazia parte de
a literatura, insistindo em que os dramaturgos deviam observar um movimento de primitivismo cultural no qual o antigo, o
as supostas unidades aristotélicas de tempo, espâço e ação. O distante e o popular eram todos igualados. Não surpreende que
crítico suíço J. J. Bodmer, que publicou em 1780 uma coletânea Rousseau gostasse de canções populares, as quais lhe pareciam
de baladas inglesas e suábias tradicionais, revoltou-se contra tocantes por serem simples, ingênuas e arcaicas, pois ele foi
Gottsched. Goethe também se rebelava contrâ as regrâs do tea- o grande porta-voz do primitivismo cuhural da sua geração.
tro clássico e escreveu: 'Aunidade espacial parecia tão opresso- O culto ao povo veio da tradição pastoril. Boswell e Johnson
ra como uma prisão, as unidades de tempo e ação como pesados foram às Hébridas para ver uma sociedade pastoril; por volta
grilhões sobre nossa imaginação".'5 O teatro de bonecos e peças de 1780, pequenas figuras de porcelana de camponeses norue-
de mistério suscitavam interesse iustamente por ignorarem gueses uniram-se a pastorinhas de Dresden, entre os objetos
essas unidades. Assim se deu com Shakespeare, traduzido por decorativos das salas de visitas elegantes.,t Esse movimento foi
Tieck e Geijer e objeto de um ensaio de Herder. também uma reação contra o Iluminismo, tal como se caracteri-
O apelo estético do inculto, não clássico e (para empregar zava em Voltaire: contra o seu elitismo, contra seu abandono da
uma outra palavra cara à época) "primitivo" talvez se veja mais tradição, contra sua ênfase na razão. Os Grimm, por exemplo,
marcadamente na popularidade de "Ossian".'u Ossian, ou Oiséan valorizavam a tradição acima da razão, o surgido naturalmente
MacFinn, era um bardo gaélico (dito do século nr) cujas obras acima do planejado conscientemente, os instintos do povo aci-
foram "traduzidas" pelo poeta escocês James Macpherson nos rna dos argumentos dos intelectuais. A revolta contra a razão
anos 1760. De fato, a tradução não foi uma tradução' como vere- pode ser ilustrada pelo novo respeito à religião popular e pela
rnos adiante. Os poemas ossiânicos tiveram uma enorme popu- rrtração dos contos populares relacionados ao sobrenatural.
lrridade por toda a Europa no final do século x\TI e início do O Iluminismo não era apreciado em certas regiões, como,
sócul<r XIX. Foram traduzidos parâ uma dezena de línguas euro- por exemplo, na Alemanha e na Espanha, por ser estrangeiro e
llcirrs, r1o espanhol ao russo. Nomes como "Oscar" e "Selma" constituir mais uma mostra do predomínio francês. Na Espanha,
tlcvcrn sna difusão a eles; a abertura A caaerna de Fingal de o Íìosto pela cultura popular em fins do século Xwrr eÍa um modo
Mcrrrlclssolrn (escrita em 1830, depois de uma viagem às Hé- rlc expressar oposição à França. A descoberta da cultura popular

ì4
35
estavâ intimamente âssociada à ascensão do nacionalismo. Não Foi nessa atmosfera político-cultural que Lônnrot se encontrou
no caso de Herdeq que era um verdadeiro europeu, e mesmo ao ir para a universidade de Türku. Seu professor incentivou-o a
um verdadeiro cidadão do mundo; sua coletânea de canções coletar canções populares, e dessa coleta surgiu o Kaleaala.3)
populares incluía traduções do inglês e francês, do dinamarquês Tâmbém em outros lugares o entusiasmo pelas canções
e espanhol, do leto e esquimó. Os Grimm também publicaram populares fazia parte de um movimento de autodefinição e
baladas dinamarquesas e espanholas, e mostraram um interes- libertação nacional. A coletânea de canções populares gregas de
se considerável pela cultura popular dos eslavos.te Entretanto, Fauriel foi inspirada pela revolta grega de 1821 contra os rurcos.
as coletâneas posteriores de canções populares muitas vezes O polonês Hugo Kolataj esboçou um programa de pesquisa
eram de inspiração e sentimento nacionalista. A publicação de sobre a cultura popular quando estava na prisão, onde ficou
Wanderbot"n coincidiu com a invasão da Alemanha por Napoleão. recluso depois de participar do levante de Kósciuszko contra a
Um dos seus dois editores, Achim von Arnim, pretendia que ocupação russa; e a primeira coletânea, o Lud. Polskì. ("O povo
fosse um livro de canções para o povo alemão, com a finalida- polonês"), de Golebiowski, coincidiu com a revolta de 1830.
de de estimular a consciência nacional, e o estadista prussiano Niccolò Tommaseo, o primeiro colecionador italiano impor-
Stein recomendou-o como um elemento auxiliar para libertar tante de canções populares, era um exilado político, devido à
a Alemanha dos franceses.30 Na Suécia, a coletânea de canções sua oposição ao domínio ausrríaco sobre a ItâIla. O belga Jan-
populares de Afzelius-Geijer inspirou-se na "sociedade gótica" -Frans Willems, editor de canções populares flamengas e holan-
fundada em 1811. Seus membros adotavam nomes "góticos" e desas, é considerado o pai do movimento nacionalista flamengo,
trabalhavam parâ o renascimento das antigas virtudes suecas ou o Vlaamse Beweging. Mesmo no caso da Escócia, onde era tarde
"góticas". Liam juntos, em voz alta, velhas baladas suecas. O que cedo demais para se falar em libertação nacional,
impulsionou a formação dessa sociedade, que era ao mesmo tem- Walter Scott-declarou que tinha compilado o Minstrelsy of tbe
po literária, arqueológica, moral e política, foi o impacto sofrido Scottìsh border lCancioneiro dos menestréis da fronteira escoce-
pelos suecos com a perda da Finlândia para a Rússia em 1809.3' sa] com o objetivo de ilustrar "os traços particulares" da perso-
Os finlandeses estavam bastante satisfeitos por escapârem nalidade e costumes escoceses.ra A descoberta da cultura popu-
aos suecos, mas também temiam a Rússia: eles não queriam lar foi, em larga medida, uma série de movimentos "nativistas",
perder a sua identidade para o Império russo. Já tinham come- rìo sentido de tentativas organizadas de sociedades sob domínio
çado a estudar sua literatura tradicional no final do século xwrr; cstrangeiro para reviver sua cultura tradicional. As canções
um dos primeiros estudos importantes sobre o folclore é a dis- Íìrlclóricas podiam evocar um senrimento de solidariedade
sertação em latim de H. G. Porthan sobre a poesia finlandesa, rrrrrna população dispersa, privada de instituições nacionais tra-
publicada em 1766. Depois de 1809, esse estudo do passado tlicionais. Como colocou Arnim, elas "uniam um povo dividi-
nacional assumiu significado mais político. Como disse um rl<i' (er sammehe seìn zerstr.eutes Volk).35 De maneira bastante
intelectual finlandês na época: it'ôrr ica, a ideia de uma 'onação" veio dos intelectuais e foi impos-
tr rÌo "povo" com quem eles queriam se identificar. Em 1800,
Nenhuma pátria pode existir sem poesia popular. A poesia rrt'tcsiìos e camponeses tinham uma consciência mais regional
trão é senão o cristal em que uma nacionalidade pode se rlo rluc nacional.
cspclhar; é a fonte qloe úaz à superfície o que há de verda- l,l claro que o significado político da descoberta da cultu-
rlcirarnente original na alma do povo.,' r';r ;rollular não foi o mesmo nas várias partes da Europa, e a

i6
37
discussão um pouco mais detalhada de um exemplo particular não permitisse a KaradZió publicar sua coletânea ampliada de
pode ilustrar a complexidade do problema: é o caso dos sérvios. canções em Viena, temendo que o governo turco a julgasse
As canções folclóricas dos sérvios foram publicadas por Vuk subversiva; a segundâ edição, de fato, foi publicada em Leipzig,
Stefanovió Karadíió,, a figura de destaque na cultura do que em 1823-4.)6
hoje é a Iugoslávia. Karadíió vinha de uma família de campo- A maioria dos exemplos citados até deve ter mostrado
neses, na região sérvia que então estava sob domínio turco. Ele que a descoberta da cultura popular ^gorà
ocorreu principalmente
participou do levante sérvio de 1804 contra os turcos e, quando nas regiões que podem ser chamadas de periferia cultural do
a revolta foi esmagada, em 1813, ele atravessou a fronteira do conjunto da Europa e dos diversos países que a compõem.
Império Habsburgo e foi para Viena, onde encontrou Jernej Itália, França e Inglaterra há muito tempo tinham literaturas
Kopitar, um esloveno que era censor imperial para as línguas nacionais e línguas literárias. Seus intelectuais, ao contrário,
eslavas. Kopitar queria que Viena se convertesse no centro da digamos, dos russos ou suecos, vinham se afastando das canções
cultura eslava, de modo que os sérvios, tchecos e outros pudes- c contos populares. Itália, França e Inglaterra haviam investi-
sem preferir a Austria à Rússia. Ele conhecia a coletânea de tlo mais do que outros países no Renascimento, Classicismo e
canções populares de Herder e mostrou-a aKarudLió, oriundo Iluminismo, e portanto demoraram mais a abandonar os valo-
de uma família de cantores, que decidiu seguir o exemplo de rcs desses movimentos. Como já existia uma língua literária
Herder. Para o seu livro, ele não coletou, mas Íememorou as lxrclronizada, a descoberta do dialeto era um elemento divisor.
canções (mais tarde, KaradLió realmente passou a coletá-las). Não surpreende que, na Inglaterra, fossem principalmente os
Publicou a primeira parte de sua antologia em 1814, com um L:scoceses a redescobrir a cultura popular, ou que o movimento
prefácio em estilo pastoral comentando as canções "tais como tLr cancioneiro popular tardasse na França, surgindo com um
são cantadas naturalmente e sem artifícios por corações ino- lrrctão, Villemarquó, cuja coletânea Barzs,z Braiz foi publicada
centes simples", dizendo que as tinha aprendido quando, "na crrr 1839.17 Tâmbém na ltália, Tommaseo, o equivalente de
condição mais feliz conhecida pelos mortais, eu cuidava de Villcrnarqué, vinha da Dalmácia, e quando o folclore italiano
carneiros e câbras". O prefácio foi provavelmente escrito com liri cstudado mais seriamente pela primeira vez, no final do
,;ticrrlo xIX, as contribuições mais importantes se realizaram na
um ar irônico em relação ao leitor culto; KaradLió {icava indig-
nado quando se referiam a ele como inculto pastor de cabras, Sir'ílirr. Quanto à Espanha, a descoberta do folclore nos anos
e aspirava â um grau honorário numa universidade alemã. Ele ll"il0 não se iniciou no centro, em Castela, mas na periferia, na
r\ rrrlrrlrrzia. Também na Alemanha, a iniciativa veio da periferia:
não estava reagindo contra o rococó, o classicismo ou a cultura
letrada; de fato, acreditava que, '(entre tudo que o homem pode Arnim tinham nascido a leste do Elba.
I lt'r'rlcr e

tcr inventado neste mundo, nada pode se comparaÍ à escrita", Assirn, existiram boas razões literárias e políticas para que
c redigiu uma gramática sérvia, um livro de ortografia e um ,,,, irrtclcctuais europeus descobrissem a cultura popular no
rlicionário. No prefácio, o que ele disse realmente a sério foi lr,rr('rìto em que o fizeram. No entanto, a descoberta podia ter
sollrc sua esperânça de que a coletânea de canções agradasse ',(' nì;uìtitlo puramente literária, não fosse a existência de uma
rr "lorlos os sérvios que amam o espírito nacional da sua raça".
tr:rrliqrro rrrais antiga de interesse pelos usos e costumes que
l)ulrlicrrr canções sérvias, inclusive algumas sobre elementos ri'rr)rìtiìviì ì Renascença, mas que vinha tomando um colorido
rrr.rr:; sot iolrigico no século X\,TII. A diversidade de crenças e prá-
lirlir rlir lci, nos anos 1814-5, época do esmagamento do levante
stilvio, crrì rÌnÌ gesto político. Não surpreende que Metternich rrr,r,, ('nr tlií'crentes partes do mundo vinha se mostrando cada

i,t' 39
vez mais fascinante, como um desafio para revelar a ordem sob
ele. Placucci incluiu canções e provérbios populares no livro,
o apârente caos. Do estudo dos usos e costumes no Tâiti ou
citado na página de rosto como "uma obra sério-jocosa", suge-
entre os iroqueses, foi apenas um passo para que os intelectuais
rindo que ele sentia um certo embaraço em publicar algo sobre
franceses passassem a olhar para os seus próprios camponeses,
um assunto ainda não totalmente respeitável.a0 Um embaraço
que julgavam quase igualmente distantes em suas crenças e
semelhante pode se ocultar por trás de pseudônimos adotados
estilo de vida. O interesse não implicava necessariamente uma
por uma série de escritores sobre cultura popular nesse período
simpatia, como mostra largamente o uso frequente de termos ttMerton", "Kazak
e mesmo depois: "Otmart', "Chodokowskitt,
como "preconceito" ou "superstição". Assim, em 1790, o abade
Lugansky" e, mais recentemente, ttSaintyvestt e "Dâvensontt.al
Grégoire elaborou e distribuiu um quesrionário sobre os cos-
A cultura popular de 1800 foi descoberta, ou pelo menos
tumes e dialetos regionais franceses. Em 1794,J. de Cambry
assim julgavam os descobridores, bem a tempo. O tema de uma
visitou Finistère para observar os usos e costumes da região.
cultura em desaparecimento, que deve ser registrada antes que
Sua atitude em relação ao povo era ambivalente. Como Íom
seja tarde demais, é recorrente nos textos, fazendo com que
republicano, achou os bretões atrasados e supersticiosos, mas
eles lembrem a preocupação atual com as sociedades tribais
não pôde deixar de admiráìos pela sua simplicidade, hospi-
em extinção. Assim, FIerder, em Riga, estava preocupado com
talidade e imaginação.r' Na Escócia, em 179ì, uma comisào
a retração da cultura popular letã antes do avanço da cultura
da Sociedade das Tèrras Altas fez circular um questionáÍio
germânica. "Otmar" coletou contos populares nos montes Harz
com seis itens sobre a poesia gaélica tradicional. Em 1g0g,
lìum momento que (escreveu o autor) eles "estavam caindo rapi-
J. A. Dulaure e M. A. Mangourir, membros (como Cambry) damente no esquecimento".
da recente Academia Céltica (interessada na história antjga
da França), montaram um questionário com 5l itens sobre ã,
Em cinquenta ou cem anos, a maioria dos velhos contos
costumes populares franceses: festas,,,práticas supersticiosas'1
populares que ainda sobrevivem aqui e ali terâ desapareci-
medicina popular, canções, jogos, contos de fadãs, locais de
do [...] ou terá sido levada para as montanhas solitárias pela
peregrinação, irmandades religiosas, feitiçarias e o calão dos
ação sistemática das planícies e cidades, cujos habitantes
mendigos. "O povo se dedica a alguma prâtica supersticiosa
participam cada vez mais ativamente dos acontecimentos
específica durante o Carnaval?", perguntavam eles, ou ,,existe
políticos da nossa época de transformâções.42
alguma mulher conhecida como feiticeira, adivinha ou velha
que viva disso? Qual é a opinião do povo sobre elas?",'
euando Sil Walter Scott declarou que coletava baladas da fronteira a
aïtáLia estava sob domínio napoleônico, um questionário com
lirrr tle "contribuir um pouco para a história do meu rincão
cinco perguntas do mesmo gênero foi enviado a professores e
nrrlul; os traços característicos da sua personalidade e costu-
fïrrcionários públicos, pedindo informações sobre festividades,
rnt's cstão diariamente se fundindo e dissolvendo entre os da
costumes, ttpreconceitos e supeÍstições" e ,,as chamadas can_ ,irrr innã e aliada". Ele acreditava que seus contemporâneos
çircs nacionais" (o termo canti plpnlari ainda não começara a r':;l:rv:ìrìì ouvindo o que realmente constituía a trova do último
scr rrsado). Poucos anos depois, em 1818, um funcionário local,
nr('rìcstrel. Ele descreveu um cantor como "talvez o último dos
M ichclc Placucci, publicou um livro sobre os ,,cosrumes e pre-
nr ):is( )s llrofessos recitadores de baladas", e um outro como "pro-
r'orìc'citos" dos camponeses da Romagna, um estudo regiãnal
\,;tv(,ltÌìcrìte o exemplo realmente último do ofício de menestrel
irrsllirrrrl. no questionário italiano e baseado nas respostas a
propriiìnìcnte dito". Arnim achava que a canção popular estava

4t
condenada em toda a Europa; na França, escreveu ele, as can_ jer, que, pelo menos na juventude, fora poeta e historiador,
ções folclóricas haviam desaparecido quase poÍ completo antes escreveu o análogo sueco do poema de Scott, Den Sista Skalden
da Revolução Francesa. ,,Também ,rã Irrgi"t..ra, às canções [O último escaldo, 1811].
populares são cantadas apenas raramente; naltália, elas decaí- Essa combinação entre poetas e antiquários tem uma séria
ram em 6,pera, graças a um desejo vazio por inovação; mesmo desvantagem, do ponto de vista do historiador. Os poetas são
na Espanha, muitas canções se perderamJ*, N" Noiuega, pou_ criativos demais para serem editores confiáveis. Pelos moldes
cos anos depois, um colecionador comparou o país a,,u--Àa casa modernos, que vieram a ser aceitos nesse setor no final do sécu-
em chamas", com o tempo exato par; salvar ãs baladas antes 1o )cx, a obra dos primeiros editores de poesia popular é quase
que fosse tarde demais.aa Sem dúvida, Arnim estava exageran_ escandalosa. O caso mais famoso é o de James Macpherson, o
do, mas as outrâs testemunhas, Que falavam de regiõãs que descobridor do Homero celta, o bardo gaélico "Ossian". Nem
conheciam bem, merecem ser levaãas a sério. Mesmo antes da todos os seus contemporâneos partilhavam da crença de Hugo
revolução industrial, a cultura popular tradicional vinha sendo Blair sobre a antiguidade dos poemas ossiânicos; alguns, como
minada pelo crescimento das cidades, a melhoria das estradas o dr. Johnson, consideravam MacpheÍson um "impostor" que
e a alfabetização. O centro invadia a periferia. O processo de escrevera pessoalmente os poemas. Depois de uma geração de
transformação social deu aos descobiidores umâ consciência controvérsias, a Sociedade das Tèrras Altas da Escócia formou
ainda maior da importância da tradição. uma comissão, em 1797, para investigar a autenticidade dos
Se a descoberta não ocorresse quando ocorreu, seria prati_ l)oemas, perguntando a anciãos de regiões remotas da Escócia
câmente impossível escrever o presente livro ou qualquer ãutro se já tinham ouvido falar do épico. Nenhum ouvira, mas muitos
estudo sobre a cultura popular dos inícios da Europa'moderna. conheciam canções sobre os mesmos heróis, tais como Fion, ou
Tèmos uma enorme dívida para com os homens que draram "lìingal", e Cü Chulainn, canções que às vezes se pareciam mui-
tudo o que conseguiram da casa em chamas, coletandï, editando tíssimo com algumas passagens de Macpherson, dados os des-
e descrevendo. somos os seus herdeiros. No entanto precisamos ('ontos pelo problema de se tradrzir o gaélico medieval parâ o
encarar criticamente essa herança, que inclui, além de Èons textos irrg'lês do século xtnu. Em outras palavras, partes de Macpherson
e ideias fecundas, corruptelas e interpretações errôneas. É muito clrrrn autenticamente tradicionais (se elas remontavam ao século
fácil continuar a ver a cultura populai através das lentes românti_ ttl ó uma outra questão), mas o conjunto não. A comissão decla-
cas e nacionalistas dos intelectuais do início do século ror. r'()lr crer que Macpherson "completara lacunas e fornecera liga-
Comecemos com a herança dos textos. IJma das glórias çocs, inserindo passagens que não tinha encontrado, e acrescen-
dessa era de descobrimentos foi o fato de que os antiq;ários t:r':ì o que julgava ser dignidade e delicadeza à composição
, rr gi nal, eliminando passagens, atenuando incidentes, refinan-
:fâm poetas, e os poetas eram ântiquários. O belgaJan_Frans
i

Willems e o italiano Niccolò Tommaseo .r"- poãt", e edito_ rlr rr linguagem [...]". A avaliação dos estudiosos modernos é
rcs de cancioneiros populares. Em portugal, Aimeida Garrett rrr;r is ou lnenos a mesmâ. Macpherson coletou canções da tradi-
Íìri.ao mesmo tempo o revitalizador da pãesia portuguesa e o ',;r,r
orâ1, estudou os manuscritos de coletâneas recentes e pode
rcrlescobridor de baladas populares. Scàtt era-poeta e igual_ rrilrito lrcrn ter pensado que estava reunindo os fragmentos de
rììcrìtc iÌntiqrÌârio, e combinou esses dois interesses ao escrever rrrrr trpic:o antigo, e não construindo algo novo.as
'l'ltr lrr.y o.f'the last minstrel l,,rrtrc Macpherson, geralmente considerado como um "fal-
[A trova do último menestrel,
llÌ05 1, s<llrre o tema de uma cultura em desaparecimento. Gei_ ',lllt'rrrlor'", e Percy, Scott, os Grimm, Karadúió, Lõnnrot e

't) +)
outros, gerâlmente considefados como "editores", existe uma verso que insinuasse o enlouquecimento do marido.nt Algo nas
diferença mais de grau do que de natLtÍezà. O paralelo mais baladas parece ter sido um estímulo à invenção.John Pinkerton
óbvio é com Lônnrot, que construiu o épico nacional finlandês tentou fazer passar Har"dyknate, composição de sua autoria,
apartir de canções que coletara, e acrescentou passagens de sua como uma balada tradicional coligida da tradição oral em La-
própria lavra. Ele se justificou assim: narkshire, e sir Walter Scott reescreveu (se é que não compôs)
Kinmont Wìllie. Arnim e Brentano não chegaram a esse ponto,
Finalmente, quando nenhum outro cantor podia mais se mas "aprimoraram" e expurgaram canções de sua famosa co-
comparar a mim quanto ao conhecimento de canções, eu letânea.an Os editores de contos populares seguiam os mesmos
decidi que tinha o mesmo direito que, na minha opinião, princípios dos editores de baladas. Para o seu famoso livro de
a maioria dos outros cantores se reservava livremente para Mlirchen, os Grimm coletaram estórias da tradição oral em
si, a saber, o direito de dar um arrânjo às canções conforme Hesse, pedindo aos seus colaboradores que as enviassem "sem
parecesse mais adequado a elas.uu acréscimos e os chamados aprimoramentos" (ohne Zusatz and
slgennante Wrschiinerang\ No entanto os irmãos não publica-
Segundo o esrudioso da Antiguidade Clássica F. A. Wolf, ram exatamente o que haviam encontrado. Para começar, as
que escreveu no final do século xt'uI, foi exatamente o que estóriâs circulavam em dialeto, e os Grimm traduziram-nas
Flomero fizera com o material tradicional da ltíada e da Oãìs- pâra o alemão, criando, em consequência, uma obra-prima da
seia. De forma semelhante, em 1845 Jacob Grimm pergunrou literatura alemã. Mas o que eu quero ressaltar é o que se per-
a Karadúió, se as canções sobre o príncipe Marko Kraljevió deu e o fato de que na Alemanha daquela época a língua das
poderiam ser reunidas parâ montar um épico.a7 classes médias era literalmente diferente da dos artesãos e
Muitos editores, em pequena escala, seguiram o método câmponeses. Assim, as versões originais das estórias teriam
de Macpherson e Lõnnrot. Percy "aprimorou" suas baladas, sido ininteligíveis para quem se destinava o livro. A tradução
conforme confessou: cra imprescindível, mas necessariamente envolvia distorções.
Algumas estórias foram expurgadas pois, de outra forma, te-
Com algumas ligeiras correções ou acréscimos, destacou- r-iarn chocado seus novos leitores. As idiossincrasias indivi-
-se um sentido mais bonito ou mais interessante, e isso de rluais do relato foram atenuadas, de modo a dar um estilo
maneira tão natural e fâcll que o editor dificilmente con- urriforme à coletânea. Onde as diferentes versões do mesmo
seguiria se convencer a satisfazer a vaidade de apresentar (()rìto se complementavam, os Grimm as amalgamaram (de
uma pretensão formal ao aprimoramento: mas ele deve se rrrorlo bastante justificável, tendo em vista sua teoria de que
declarar culpado da acusação de ocultar sua participação r;rrcrn criava não era o indivíduo, mas "o povo"). Finalmente,
pessoal nas emendas sob algum título geral como ,,cópia urn cstudo das diferenças entre a primeira edição dos Mrirchen
moderna". (' ()utras posteriores mostfâ que os Grimm emendaram os
('()rì[os, tentando dar-lhes um tom mais oral. Por exemplo,
lÌssas emendas nem sempre eram "ligeiras". No caso de Ednm rrrst'r'iratn fórmulas tradicionais em Branca d,e Ì''/eae que iam
o'(ìumlo'n (Child 178), sobrevive uma carta de percy, criticando ,|,'srlc "cra tJmà vez" (Es war" einmal) até "eles viveram felizes
o í'irrrrl rla balada (quando o marido enganado comete suicí- l);u:ì scrnpre" (sie lebten glücklìch bis an ihr Ende). O "aprimora-
<li<), sugerindo a omissão da estrofe e o acréscimo de um rrrr'rìt()" saía pela porta, mas voltava pela janela.so

"14
It
No caso da música folclórica, são particularmente eviden-
Gorsedd, em Carmarthen, e os trajes foram desenhados mais
tes as alterações feitas pelos descobridores e colecionadores
tarde por sir Hubert Herkonter".sa
ao transmitir o que tinham encontrado a um novo público. A
Dos intelectuais do início do século xIx herdamos não só
música tinha de ser escrita, visto que não havia outra forma
textos e festas, mas também ideias, algumas fecundas, outras
de preservá-la, e escrita segundo um sistema de convenções
enganosas. A principal crítica a ser feita às ideias dos des-
que não fora feito paratal tipo de música. Ela era destinada a
cobridores é a de que não discriminaram o suficiente. Não
um público de classe média com piano e ouvido afinado para
distinguiram (ou, pelo menos, não com bastante agudeza) o
as canções de Haydn, e posteriormente Schubert e Schumann:
primitivo do medieval, o urbano do rural, o camponês do con-
assim, como confessam as páginas de rosto dessas publicações,
junto da nação.s5 Percy descreveu em termos muito semelhantes
ela tinha de ser "harmonizada". V E. tutovsky publicou uma
os antigos poemas chineses, os poemas islandeses e as baladas
coleção de músicas populares russas no final do século xr,'rrr;
de fronteira. Amontoou-os juntos por não serem clássicos, sem
como explica um escritor moderno, "ele não só alterou delibe-
se importar com as diferenças entre eles. Herder chamou a
radamente o esquema melódico [..J e- alguns casos, como tam-
Moisés, F{omero e os autores do Minnesang alemão de "cantores
bém introduziu susrenidos e bemóis em afinações modais dife-
do povo". Claude Fauriel dissertava sobre a "poesia popular"
rentes, e deu-lhes acompanhamentos harmônicos".sl William
como a de FIomero, Dante, a dos trovadores e as baladas da
Chappell publicou uma coletânea de "árias nacionais inglesas',
Grécia e da Sérvia. Os intelectuais desse período gostavam
(canções populares) no início do século xrx; nessâs versões
de comparar as sociedades camponesas que iam visitar com as
impressas, "foram impostos padrões harmônicos acadêmicos a
sociedades tribais sobre as quais tinham lido é um paralelo
melodias populares, suprimidas as anrigas modalidades, igua- -
frequentemente esclarecedor, mas às vezes engânoso. Quando
ladas as afinações irregulares". Ele também omitiu as leiras,
Boswell e Johnson estiveram em Glenmorison, nas Hébridas,
sempre que fossem "grosseiras demais para publicação".s2
<lfenderam o anfitrião: "seu orgulho parece ter ficado muito
Assim, ler o texto de uma balada, de um conto popular ou
Ítcrido quando nos surpreendemos pelo fato de possuir livros".
até de uma melodia numa coletânea da época é quase como
lÌles estavam ansiosos demais em ver os habitantes das Terras
olhar uma igreja gótica "restaurada" no mesmo períòdo. A pes-
A ltas como "selvagens americanos".56
soa não sabe se está vendo o que existia originalmente, o que
Herder, os Grimm e seus seguidores insistiram em três
o restaurador achou que existia originalmente, o que ele achou
que devia ter existido, ou o que ele achou que devia existir ago- lx)ntos específicos sobre a cultura popular, os quais foram de
11r':rnde influência, mas também altamente questionáveis. Talvez
ra. Além dos textos e edifícios, também as festas estavam suJei-
st'jrr útil identificar esses pontos, chamando-os de "primitivis-
tas a "restaurações". Algumas festas tradicionais remanescentes
rnr)", "comunitarismo" e "pufismo".
existiam de forma inalterada desde os tempos medievais, os O primeiro ponto se referia à época das canções, estórias,
inícios dos tempos modernos ou mesmo ântes, mas outras não.
It'st iviclades e crenças que haviam descoberto. Eles tendiam a
O Clarnaval de Colônia foi revivido em 1823, o Carnaval de ,;itrrrí-lrs num vago "período primitivo" (Vorzeit) e a acreditar
Nuremberg, em 1843, o Carnaval de Nice, em meados do sécu-
rlu(' rrs tradições pré-cristãs tinham sido transmitidas sem alte-
lo xtx.sr A tradição do Eisteddfod não sobrevivera à época dos
r ;r\'( )(ìs :ìo longo de milhares de anos. É itrdnbitárr"l que algumas
rlruirlas; foi revivida por um mâçom de Glamorgan, Edward
,h'l:rs sìrl rnuito antigas; o Carnaval italiano, por exemplo, pode
Willirrrns (Iolo Morgannwg), que formou em 1819 o Círculo
rrruito lrcrn ter se desenvolvido a partir da Saturnal romana, e
46
47
a czrnmedìa clell'arte a paÍtir das farsas clássicas. Contudo, por Mas essa afirmação ignorava importantes modificações cultu-
falta de provas precisas, essas hipóteses não podem ser compro- rais e sociais, subestimava a interação entre campo e cidade,
vadas. O que se pode comprovar é que em época relativamente popular e erudito. Não existia uma tradição popular imutável e
recente, entre 1500 e 1800, as tradições populares estiveram purâ nos inícios da Europa moderna, e talrre, nonca tenha exis-
sujeitas a transformações de todos os tipos. O modelo das casas tido. Portanto, não há nenhuma boa razão pâra se excluir os
rurais podia se alterar, ou um herói popular podia ser substi- moradores das cidades, seja o respeitável artesão ou a ,,turba"
de
tuído por outro na "mesma" estóÍia, ou ainda o sentido de um Fferder, de um estudo sobre cultura popular.
ritual podia se modificar, enquanto a forma se mantinha mais A dificuldade em se definir o "povo" sugere que a cultura
ou menos a mesma. Em suma, a cultura popular de fato tem popular não era monolítica nem homogênea. De falo, era e"tre_
uma história.57 rÌlamente variada. A tarefa do próximo capítulo será a de discu_
O segundo ponto era a famosa teoria dos irmãos Grimm tir algumas dessas variedades e a unidade que subjaz a elas.
acerca da criação coletiva: das Volk dichtet. O valor dessa teoria
residia no fato de chamar a atenção para uma diferença impor-
tante entre as duas culturas; na cultura popular europeia, em
1800, o papel do indivíduo eÍa menor e o papel da tradição, o
passado da comunidade, era maior do que na cultura erudita ou
de minoria da época. Como metáfora, a frase dos Grimm é elu-
cidativa. Tomada ao pé da letra, porém, ela é falsa; os esrudos
dos cantores populares e contadores de estórias mostraram que
a transmissão de uma tradição não inibe o desenvolvimento de
um estilo individual."
O terceiro ponto pode ser chamado de "purismo". De quem
é a cultura popular? Quem é o povo? Ocasionalmente, o povo
era definido como todas as pessoas de um determinado país,
como na imagem de Geijer sobre todo o povo sueco a cantar
como um só indivíduo. Na maioria das vezes, o termo era mais
restrito. O povo consistia nas pessoas incultas, como na distin-
ção de Herder entre Kuhar" d.er Gelebr-ten e Kultar" des Volkes. Ãs
vezes, o termo se restringia ainda mais: llerder escreveu uma
vcz, que "o povo não é a turba das Íuas, que nunca canta nem
corrrpõe, mas grita e murila" (Volk heixt nicht der Põbel auf den
( ìt,rscn, der singt and dichter
nìemals, sondem scbreit und aerstüm-
nrlf)."' Para os descobridore s, o povo par excellence compunha-se
rlos crrrrlloneses; eles viviam perto da nàtuÍezà, estavam menos
rnrrrcrrlos por modos estÍangeiros e tinham preservado os cos-
Irurrcs prirnitivos por mais tempo do que quaisquer pessoas.
minoria que sabia ler e escrever, e uma maioria analfabeta, e
LINIDADE E DIVERSIDADE
2. parte dessa minoria letrada sabia latim, a língua dos cultos.
NA CULIURA POPULAR Essa estratificação cultural faz com que seja mais adequado
um modelo mais complexo, que foi apresentado nos anos 1930
pelo antropólogo social Robert Redfield. Em certas sociedades,
sugeriu ele, existiam duas tradições culturais, a "grande tradi-
ção" da minoria culta e a "pequena tradição" dos demais.
AS CLASSES ALTAS E A "PEQI]ENATRADIÇAO"

Se todas as pessoas numa determinada sociedade partilhas- A grande tradição é cultivada em escolas ou templos; a
sem a mesma cultura, não haveria a mínima necessidade de se pequena tradição opera sozinha e se mantém nas vidas dos
usar a expressão "cultura popular". Essa é, ou foi, a situação iletrados, em suas comunidades aldeãs [..J At duas tradi-
em muitas sociedades tribais, tais como foram descritas pelos ções são interdependentes. A grande tradição e a pequena
antropólogos sociais. Essas descrições podem ser simplifica- tradição há muito tempo têm se afastado reciprocamente
damente resumidas da seguinte maneira: uma sociedade tribal e continuam a fazê-lo [..J Or grandes épicos surgiram de
é pequena, isolada e autossuficiente. Entalhadores, cantores' elementos de contos tradicionais narrados por muita gente,
contadores de estórias e o seu público formam um grupo que e os épicos voltaram novamente ao campesinato para modi-
está face a face, partilhando os valores básicos e os mitos e sím- licação e incorporação nas culturas locais.
bolos que expÍessam esses valores. O artífice ou o cantor caça,
pesca ou cultiva o solo como outros membros da comunidade, e A questão relativa ao movimento recíproco entre as duas tra-
estes entalham ou cantam como ele, ainda que não o façam tão tlições é importante e voltaremos a ela depois. O que agora
bem nem com a mesma frequência. A participação das demais tleve-se ressaltar é que Redfield, assim como F{erder, oferece o
pessoas na apresentação artística é importante. Elas respondem tlue pode se chamar de definição "residual" da cultura popular,
a charadas e cantam em coros. Mesmo o entalhe pode ser uma crìquanto cultura ou tradição dos incultos, dos iletrados, da não
atividade semicoletiva; entre os tivs da Nigéria' se um homem t:lite.'
que está entalhando uma vara é chamado e se afasta, alguém do Ao aplicar esse modelo aos inícios da Europa moderna,
lado pode pegar a lâmina e continuar o trabalho.' lrorlemos identificar com bastante facilidade a grande tradição.
Essa descrição simplificada, ou "modelo", tem sua impor- l,ll:r inclui a tradição clássica, tal como era transmitida nas esco-
lrrs c universidades; a tradição da filosofia escolástica e teologia
tância para a Europa no início dos tempos modernos, pelo
rnc1lisyal5, de forma alguma extintas nos séculos x\4 e x\u; e
rnenos nas regiões mais pobres e distantes, onde eram raros
,rlgrrrs movimentos intelectuais que provavelmente só afetaram
os nobres e clérigos. Estudiosos de baladas na Escócia, Sérvia'
;r nrinoriâ culta: a Renascença, a Revolução Científica do século
Castela ou Dinamarca por vezes descreverâm a "comunidade
cla balada", como a denominam, em termos semelhantes aos
\\'1, o lluminismo. Subtraia-se tudo isso da cultura dos iní-
, r,rs tlrì Europa moderna e o que restará? As canções e contos
(ìr.rc r.rsâ o antropólogo referindo-se à sociedade tribal.'
l.Io entanto, é evidente que esse modelo não se aplica à lropulrrres, imagens devotas e arcas de enxoval decoradas, farsas
r' l)('ç:ìs cle mistérios, folhetos e livros de baladas, e principal-
rrrrri<>r parte da Europa do nosso período. Na maioria dos
rlr'rrtt: Í:cstividades, como as festas de santos e as grandes festas
Irrg',rrcs, cxistia uma estratificação cultural e social. Havia uma
,1
t0
sazonais, o Natal, Ano-Novo, Carnaval, Primeiro de Maio e da Rússia, e Sofia, da Dinamarca.u O mesmo pode-se dizer da
Solstício de Verão. Esse é o material que interessará basica- nobreza. Na Dinamarca e na Suécia, versões de baladas dos
mente neste livro: artesãos e camponeses, livros impressos e séculos X\aI e X\,u sobreviveram porque homens e mulheres da
tradições orais. nobreza anotaram-nas em seus livros manuscritos de canções,
O modelo de Redfield é um ponto de partida útil, mas pas- or ztìsbiicher. IJm desses livros foi compilado por nada menos
sível de críticas. Sua definição da pequena tradição enquanro que Per Brahe, o Jovem, membro de uma das maiores famílias
tradição da não elite pode ser criticada, de modo bastante para- nobres da Suécia, que se tornou chanceler e membro do con-
doxal, por ser ao mesmo templo ampla e estreita demais. selho regente. De maneira semelhante, várias canções gaélicas
A definição é estreita demais porque omite a participação sobreviveram porque foram coletadas, por volta de 1500, por sir
das classes altas na cultura popular, que foi um fenômeno James MacGregoE deão de Lismore, em Argyll. Nobres ofe-
importante na vida europeia, extremamente visível nas festivi- reciam proteção para apresentadores tradicionais de destaque.
dades. O Carnaval, por exemplo) erapaÍa todos. Em Ferrara, O poeta Tinódi viveu nas cortes de András Báthory e Tâmás
no final do século xv, o duque se reunia à diversão, saindo Nádasdy, enquanto o harpistaJohn Parry era sustenrado por sir
mascarado às ruas e entrando em casas particulares para dan- Watkin Williams Wynne.'
çar com as damas. Em Florença,Lorenzo de Medici e Niccolò Os palhaços eram populares tanto nas cortes como nas taver-
Machiavelli participavam do Carnaval. Em Paris, em 1583, nas, e muitas vezes eram os mesmos. ZanPolo, o famoso bufão
Henrique III e seu séquito "iam pelas ruas mascarados, indo de vcneziano, apresentou-se perante o doge em 1523. As palha-
casâ em câsâ e cometendo mil insolências". Nos carnavais de çrrdas de Richard Târleton eram muito apreciadas pela rainha
Nuremberg, no início do século x\al, as famílias aristocráticas l,ìlizabeth, que "ordenou-lhes que levassem o criado embora por
desempenhavam papel de destaque.a As associações de foliões, l.'tr,ê-la rir tão desmedidamente", e nâ sua morte escreveram-lhe
como a Abbaye de Conards, em Rouen, ou a Compagnie de t'lcgias latinas. O bufão francês Tâbarin apresentou-se perante
la Mère Folle, em Dijon, eram dominadas pelos nobres, mas ,r rrrinha Maria de França em 1619, e a dedicatória numa cole-
se apresentavam nas ruas para todos. Flenrique \4II ia para os tíìnca de suas piadas afirma que a obra se destinava a cortesãos,
bosques no dia Primeiro de Maio, exatamente como os outros rr rlrres, mercadores, e, de fato, para todos. Ivã, o Terrível, como
rãpazes. O imperador Carlos v participava de touradas durante ,rlrscrvou um visitante inglês, adorava "bufões e anões, homens
âs festas, e seu bisneto Filipe rv gostava de assistir a elas.t ,' nrrrlheres que fazem cambalhotas à sua frente e cantam mui-
Não era apenas nesses tempos de comemorações coletivas t:rs t':rnções à maneira russâ". Ele também era um aficionado
ritualizadas que as classes altas ou cultas participavam da cultu- ,1,, :rçrrlamento de cães contra ursos acorrentados, e costumava
ra popular. Pelo menos nas cidades, ricos e pobres, nobres e ple- olvir', tìntes de se deitaq contos populares contados por cegos.
lleus assistiam aos mesmos sermões. Poetas humanistas, como ,\lrsrrro no final do século X\TII, na Rússia, cegos punham anún-
Poliziano e Pontano, registraram o fato de que eles ficavam na I rr ):i rì()s j<;rnais, oferecendo-se pâra o cargo de contador de estó-
pìrtzza como todo mundo, para ouvir o cantador de estórias, o n.r.i l),n'ì famílias da fidalguia.s Nobres e camponeses parecem
LiltÌ.tastlrìe, e que apreciâvam o espetáculo. Importantes poetas r, r ,livirlirlo entre si o mesmo gosto por romances de cavalaria.
rkr sóculo x\ÃI, como Malherbe e P. C. Hooft, gostâvam de f'Jrr ,;t'r'ul<) X\ÌI, o sieut de Gouberville, cavaleiro normando, lia
crrnç:õcs folclóricas. Entre os apreciadores de baladas, encontra- lttr,r,lrs tlt Gnule emvoz alta para os seus camponeses em dias
vrìnì-sc rcis e rainhas, como Isabel, de Espanha, Ivã, o Têrrível, ,1, , lrrr,:r. lÌrlhetos e livros de baladas parecem ter sido lidos por

rj t3
ricos e pobres, cultos e incultos. Sugeriu-se que os panfletos
alemães do século x\4I (que combinavam uma apresentação
Na Suócia do século xITII, o pároco tinha a primeira dança
com a noiva nos casamentos rurais, trinchava o pernil na festa
visuaÌ simples com citações latinas) visavam a todtr.
^ ^gruã^, e muitas vezes emprestava ao noivo suas roupas de padre, com
Sobrevivem exemplares de almanaques franceses, em encader- as quais ele se casava, o que constitui forte indício de que os
nações de couro decoradas com as armas de nobres franceses.
párocos participavam da cultura camponesa.t.
Curandeiros tinham proretores nas classes altas. Na Suécia, em
1ó63, existiam apenas vinte médicos em todo o país, de rnodo
A esta altura, alguém pode objetar que pintei um quadro
róseo demais sobre as relações entre as classes. A classe domi-
que os nobres não tinham outra alternativa de tiatamento. Os
nante e culta não desprezava o "monstro de muitas cabeças",
nobres usavam objetos geralmente descritos hoje em dia como
o povo? De fato sim. "Falar do povo é realmente falar de uma
produtos de arte folclórica, como os k,âsor finlandeses, vasos de
besta-fera", escreveu Guicciardini. Sebastian Franck escreveu
madeira entalhada reservados para bebidas cerimoniais. Alguns
sobre "â ralé volúvel e instável chamada o homem comum".
exemplares remanescentes dos séculos X\aI e X\Tr estão pinãdos
Essas citações podem ser multiplicadas." Contudo, é necessário
com as armas de nobres suecos.e
insistir aqui que a gente culta ainda não associava baladas, livros
. Nul era apenâs a nobreza que participava da cultura popu_
lar; o clero também, particularmente no iéculo xr,'r. Durânie o
populares e festas à gente comum, precisamente porque tam-
bém participava, ela mesma, dessas formas de cultura.
Carnaval, como observou um florentino:
Outra objeção possível a essa tese de participação poderia
ser que a nobreza e o clero não ouviam as canções folclóricas
[...] homens dalgreja estão autorizados a se divertir. Frades
jogam bola, encenam comédias e, vestidos a caráter, can_ nem liam os livros de baladas da mesma forma ou pelas mesmas
razões que os artesãos e camponeses. "Participação" é um ter-
tam, dançam e tocam instrumentos. Mesmo as freiras são
mo impreciso: é mais fácil ver como os nobres podiam partici-
attorizadas a celebrar, vestidas como homens [..J
par de uma festa do que de um sistema de crenças. Quando os
membros da elite liam livros de contos ou baladas, eles podiam
Não era absolutamente incomum ver os padres a cantaÍ, dançar
estar interessados no folclore, exatamente como alguns inte-
ou usar máscaras nas igrejas em ocasiões festivas, e eram os
lectuais hoje em dia. Isso decerto é possível, e quanto mais se
noviços que organizavam a festa dos Loucos, grande festejo de
1ìvança no século x\,u, mais provável é essa interpretação. Em
algumas regiões da Europa. IJm caso singulai mosrrâ
esse ponro. Quando Richard
-álho, relação ao início desse período, porém, é preciso lembrar que
Corbet era douror em teologia rnuitos nobres e clérigos não sabiam ler nem escreveÍ, ou só o
(assim nos conta Aubrey):
c<lnseguiam com dificuldade, da mesma forma que os campo-
rìeses; na ârea de Cracívia, por volta de 1565, mais de 80% dos
[...] ele cantou baladas na encruzilhada de Abingdon num
rrobres sem fortuna eram analfabetos. O estilo de vida de alguns
clia de feira [...] O cantor de baladas reclamo-o que ele
rrobres rurais e curas paroquiais não era tão diferente do dos
não tinha o hábito e não podia apresenrar soa, bãladas.
('rìrnponeses ao redor. Tâmbém estavam mais ou menos sepa-
O jovial doutor rira sua toga e põe o jaleco de couro do
rudos da grande tradição, o que também se aplica a inúmeras
c:ìrìtor de baladas, e sendo um homem bonito, e com uma
rrrulheres da nobreza, pois raramente recebiam muita educa-
lrcla voz cheia, em pouco tempo vendeu inúmeras e teve
unrr grande audiência. çìrr formal. Talvez as mulheres nobres devam ser vistas como
intcrmediárias entre o grupo a que pertenciam socialmente, a
t.l
tt
o grupo â que perrenciam cukuralmenre, Essa situação não se manteve estática ao longo do período.
:]1r:: " a não elite; é
rnteÍessante notar que vários dos aìsbiìcker foram compilados As classes altas foram deixando gradualmente dã participar da
por mulheres. Os nobres, eruditos, mantinham
.orrr"rJ.o_-" pequena tradição, no cuÍso dos séculos XVII e X\4II, tema que
cultura popular através de suas mães, irmãs, esposâs e será discutido no capítulo 9. Tüdo o que está rendo apresentfoo
filhas, e
em muitos casos teriam sido criados,por
amas camponesas, que
- aqui é uma descrição simplificada, um modelo. Uma objeção
lhes cantavam baladas e contavam_lhes
estórias pórlrr"rjr'- mais séria ao modelo é a de que ele não distingue grupos dife_
O modelo de Redfield precisa ser modificad.;.
;;ã; ,.,
da. seguinte maneira: existiram duas Ëradições
rentes dentro do "povo", cuja cultura não era a mesma. Visto
::fï-llrd.nos inícios da Europa que a cultura popular é um conceito residual, é importante ver
culturars moderna, mas elas rrão .or..s_ como esse resíduo pode ser estruturado.
pondiam simetricame.rt" uo, doi, principais
grupos ,o.i"ir,-"
elite e o povo comum.,A eÌite partl.ip".rJau
pïq*rr;;;d;r;
mas o povo comum não participava da grande
tradição. Essa VARIEDADES DA CUTJIURAPOPULAR: o CAMPo
assimetria surgìu porque ì, drras tradiçõ"es eram transmitidas
oe manerras drferentes. A grande tradição
era transmitida for_ A definição de pequena tradição, de Redfield, pode ser con_
_
malmente nos liceus e univãrsidades. Era uma siderada estreita demais por excluir aquelas pessoas para quem
tradição fechada,
no. sentido em que as pessoas que não
frequentavam essas insti_ a cultura popular constituía uma segunda cukura. Eia também
tuições, que não eram abertasã todos, .rr'avr- pode ser considerada ampla demais; ao falar da ,,pequena tradì-
excÌuídas. Num
sentido toralmente literal, elas não faTavam ção" no singular, sugere-se que ela era relativamenie homogê-
aquela ürrg.rog";.
A pequena tradição, por outro lado, era transmitida nea,. o que está longe de ser verdade nos inícios da Eurãpa
informal_
mente. Estava aberta a todos, como a igreja,, rnoderna. Como Antonio Gramsci disse uma vez,'ro po-.o ,rào
,""*"". pìrç,
do mercado, onde ocorriam tantas " ó uma unidade culturalmente homogênea, mas está iultural_
"prËr.ít"ç0.r.
Assim., a diferença cultural ..oËid nos rììente estratificado de maneira complexa".ra Existiam muitas
inícios da Europa
argumentar) estava enrre a maioria, pr." q,r.ïo culturas populares ou muitas variedadès de cultura popular é
a cultura !n"*?
::.1,::"T popular era a única cultura, e a minoria,'que rlifícil optar entre as duas formulações porque umaìultura - é
tinha
acesso à grande tradição, mas que participava
d" p;d";;;;: urn sistema de limites indistintos, de modo que (como Toynbee
dição enquanto uma segunda .rrlrrrrr. BrrïLirrori a era anfíbia, rlcscobriu, ao tentar enumerar as civilizações do mundo) é
bicultural e também úlír.grr.. Errqo".rto I maioria irnpossível dizer onde termina uma e começa outra. O que des_
do povo
falava apenas o seu dialeto.-regiorr"l'.
rJ" -ais, a elite falava lrrcocupadamente chamamos de "cultura popular" muitas vezes
<ru escrevia latim ou uma forma liteúria r.'r',r a cultura da parcela mais visível do povo, os y.A,Ms (young
do vernáculo, e con_
tinuava a saber falar em dialeto, como segunda trrlult rnales), que repÍesentam todo o povo de maneira tão insu_
ou terceira lín_
Para a elite, mas ap-enas para ela,
g rrrr.
ão", tradições tinham Íi.icnte quânto os wAsps (white anglo-sax\n pr\testanrs) represen-
í.rnçires psicológicas diferentes: gr:^nd"", tradição'era l;urì oS EUA.
^ ,Ai^,:^
l)cqucna tradição era dìversão. Ilma analogia Ëorrt"_po.a*u I)ara os descobrirlores da cultura popular, o ,,povo" eram
rlcssir sitrração enconrra-se na elite
anglófoia a, Xrgeilr, .;j" r)s ('arÌìponeses. Os camponeses compunham de 80% a90y"
da
crlrcrrç'íi. de estilo ocidental não a imp"ed.
Je p"rtlcipar da sua 1r,rJrrrlirção da Europa. Foi às suas canções que Herder e amigos
t'u lt u l'rt tribal tradicional.,l
, lr:urrrrrzlm "canções populares", às suas danças de ,,danças
po!u-
t(t
t7
Apêndice 2 NOTAS
PUBLICAÇÕES SBTECIONADAS
ILUSTRANDO A REFOR}TA DA CULTURA
POPULAR, 1495-1664

1495 S. Brant, Das Nan"enschiff(2" edição) PROLOGO [pp. t1-a]


1540 H. Sachs, Gesprtich mìt d.er Fastnacht
1553 T. Naogeorgus, Regnum papìstìcum 1. Sobre definições de cultura, A. L. Kroeber
e C. Kluckhohn, Cuhure: a
155ó G. Paradin, Le blason des d.anses rrìtical reaìew ofconcepts and. definitions (1952),nova ed., Nova york,
19ó3.
1559 F. de Alcocer, Tratad,o deljaego 2. A. Gramsci, ,,Osservazioni sul folclore,', em Opere,6,
Turim, 1950, p,
1566 H. Estienne, Apologie pout Her-od.ote 215 ss.
1577 J. Northbtooke, A treatìse against tlìcìng 3. Ver bibliografia em G. Cocchiara, A. Dundes,
1578 G. Paleotti, Scrittura (
..)rtutay etc.
A. van Gennep, G.
1579 C. Borromeo, Memoriale 4. Ver bibliografia em M. Bakhtin, C. Baskervill,
1579J. Northbrooke, Disu.actions of the Sabbath
.V. _-Kolve, D. Fowler, A. Friedman,
M. Lüthi etc.
1582 C. Fetherston, Dialogae against dancing 5. Particularmente útil parâ as questòes levantadas
neste livro foram as
1583 P. Stubbes,Anatoml ofabases olrras de G. Foster, C. Geertz, M. GÌuckman,
C. Lévi_Strauss, R. Redfield,
1584 R. Scot, Discoaery of uìtcbcraft V. Turner, E. Wolf.
1594 C. Bascapè, Contra glì Errori... aaantì la Quat"esima bons exemplos de abordagem quantitârivas nesse campo, ver
1606 C. Bascapè, Settuagesìma ,. ,.^6.P?:^
lìrllôme (1969) e Svârdstrõm (1949), respectiu"-"rr," sobre almanaquË,
1607 Anon., Discotso contra il Carneaale
i.u.l
ccses e pinturas suecas.
1608 J. Savaron , Tt aité contre les masques
1ó09 C. Noirot, L'origine d,es,masques
ló33 W. Prynne, Hìstt,iomastix TNTRODUÇÃO A ESTA EDjÇÀO
1640 G. D. Ottonelli, Delln cht"ìstiana mod.eratione del tearro [pp. ts_24]
1ó55 P.. Wittewrongel, Oeconomia christiana 1: Sgbl. o capítulo l, por exemplo, Hobsbawm
. e Ranger (1983); sobre o
1655 G. IIall, Triumph of Rome t'rr'ítulo 2, Arantes (1981); sobre o_c1pítulo 3, Allegra (1981);
1660 lL Hall, Funebrìaflorae sobre o capítulo
4,,Clark (1983); sobre o capítulo 5, Sìallybrass úni." (19gó);
1óó4J. Deslyons, Discour.s... clntre le paganisme d.es rois sobre o capí-
t rr lo ó, Lüsebrink (1979); sobre o capítulo "
7, Kinser (19g3); sobre o g,
Irrgram(1984); sobre o capítulo 9, McKendrick (19g)). "apítulJ
2. Christian (1981); Contreras (19g2); Dedieu (1g;7g,
l9B7)rGarcía Carcel
(l9tì0); Held (1983); Godzich e Spadaccini (198ó);
Marco (7977); Mo1ho
(l?7ó); Nolle (1987).
3.__G.."-"k (1978); Ginzburg (1979);yeo e yeo (1981); Van
.. . Dülmen e
S..lllldt. (1984); Kaplan (1984); Bertrand (1985); Griickner, Blickle
e Breuer
( l(/i'15); Reay (1985).
4.Para exemplos de desconfiança, ver Gombrich (1971) e
. os ensaios reu_
rtirkrs em Vrijhof e Waardenburg (1979).
5.A conferência sobre a Chìnajá foi publicada:Johnson,
Nathan e Rawski,
l()iì.5. Q 5sminá1io sobre a Ásia meridional, editado pelo dr. R.
O,Hanlon, esti
t78
379
Historiadores japones0l 2. J. G. Herder, "Uber die Wirkung der Dichtkunst auf die Sitten der
para ser publicado pela Cambridge University Press'
(Gluck' 1979)' Vôlker" (1778), em sett Sd,mtlìche Werke, ed. B. Suphan, B, Hildesheim, 19ó7.
interessaram pelo po"o e sua cultura
-doJapío^jáse
" tt'L"'" popular no contexto dos conflitos dq Sobre ele, R. T. Clark, Herder, Berkeley e Los Angeles, 1955, em esp. cap. B.
ã. Borrr, (1980) coloci
" de Queiroz (1978) fornece um 3.J. Grimm, Kleinere Schriften,4, Hildesheim, 1965'p.4, 10, nota.
classe na Amérìca Latina do século >c-x' Pereira
4. Sobre Percy, Friedman (19ó1a), cap. 7; sobre a acolhida das Reliqaes na
resumo da história do Carnaval no Brasil' Âlemanha, H. Lohre, Von Percy za Wanderhorn, Berlim, 1902, parte 1.
7. Bons exemplos recentes da aproximação
da liteÍatura são Pautson (1979) r
e Lôfgren (1986)' 5. A. A. Afzelius e E. G. Geijer (eds.), Saenska Folkaise4 Estocolmo, 1814,
Stallybrass e Whiie (1986), e da aniropologia, Flytman Landqvist, Geijer,
1r. x. Sobre Afzelius, Jonsson, p. 400 ss.; sobre Geijer, J'
B. Cf. Brown (1981), especialmente pp' 13-7'
Bakhtin (1929) e Bakhtin f,lstocolmo, 1954; sobre ambos E. Dal, Nonlisk Folkez:iseforskning siden 1800,
9. A Bakhtin itlOS; d"'0"-," ngo'" itt""""tar Oopenhague, 1956, cap. 10.
(1e81).
ó. C. Fauriel (ed.), Cbants populaires de la Grèce moderne, 1, Paris, 1824, p.
10. Uma conversa com o dr' B' Geremek ajudou-me a tomar cuidado
xxv, cxxvil sobre ele, M. Ibrovac, C. Faariel,Paris,1966, em esp' parte 1.
nesse ponto. V. Koox, moral and lìternry, 2" ed., Londres , 1779, ensaio 47.
Essays
7.
11. Harris (1988). 8. L. Tieck, Werke, 28 vol., 1828-54, 15, p. 2I; sobre ele, B. Steiner, I'
12. Fergusson (1959). 'l'ieck und die Volksbücher, Berlim, 1893, em esp. p. 7ó ss.
13. Johãson em Johnson, Nathan e Rawski (1985)' 39'
8' Cf' Isherwood (1981)t 9. Principalmente J. K. A. Musâus (ed.), Volksmrirchen d'er Deatschen
14. Isherwood (198ó), especialmente o capítulo (17 82), e "Otmar" (ed ), Vo lkssagen, Bremen, 1800.
que discute meu livro mâis explicitamente' 10. G. von Gaal (ed.), Mtirchen d'er Magyaren,Viena' lB22; sobre ele, L.
15. Collinson (1982); Duffy (198ó)' 36' l)égh (ed), Folktales ofHungary, Londres, 19ó5, p. xxvi,
16. Tho*prorr (1973-4) é í-" di"otteo influente' e Williams (1977)'91
11. W. Hone, Anòient mysteries d'escribed',I ondres, 1823; F. J. Mone (ed.),
um auxílio esclu,"""do'' Comentárìos perspicazes com especial refo'
s., t0ã s.,
Hall (1981) e Bailey (1987)' o
.'lhdeusche Schauspiele, Quedlingurg/Leipzig, 1841.
ráncia à'história da cultura popular em :' , , , 12. Arnim cit. H. U. Lenz, Das Volkserlebnis bei L. A. aon Árnim, Berlim,
17. O papel do Estado é enfatizado (talvez em excesso) em lúuchemolqg
l().ì8, p. 123; sobre Chateaubriand, ver ser Génìe du christìanisme, Paris, 1802,
(1978), parte 2, e Lottes (1984)'
lrrrrte 3, cap. ó.
iB. Sider(1980). 11. Clark (nota 2), p. 51 ss.
19. Gray (197ó); Burke (1982,1984)' 14. J. W. von Goethe, Italienische Reìse' ed. lI. von Einem, Hamburgo,
(1984)'
20. Chiistian (1981); Charlier (1982)' 33 s', l()51, p.484 ss.
21. Christian (1981); especialmente pp' 8, 177' 15.J. Strutt, Sports and pastìmes of the people of England, Londres, lB01;
22. Burke (1984). ( i. Renier Michiel, Orìgini delle feste aeneziane,Yeneza, 1817; I. M. Snegirov,
23. Charlier (1984), 233' lln.skie Prostonarod.nye Prazd.nìki, Moscou, 1938. Sobre a descoberta do povo na
é discutida com reíü'
24. A noção de Lévi-straus s dt brìcolage intelectual lìrissia, P. Pascal, Cìvilìsatìln paysanne en Rassie, Lausanne, 19ó9, p. 14 ss.
rência à cultura PoPular na P. 170' 1ó. Sobre tutovsky, G. Seaman, Hìstory of Rassian music, 1, Oxford,
25. Ingram (1985), P. 129' l()ír7, p. 88 ss.; Grove's, artigo "Folk music: Austrian"; K. Lipiúski, Piesni
(1987) e Moogk (1979)'
ZO. S;rke 1tòSZ;, capltuto 8; cf' Garrioch l\tlskie i Raskìe Ladu Galicyjskiego,Lwów, 1833.
27. Medick (lgì2),94. Cf' Sandgruber (1982)'
17. E. G. Geijer, Saenska Folkets Historia, Estocolmo, de 1832 em diante;
(1979); pata uma apÍoxl'
28. Para uma aproximação arqueológica,Deet' l)rrlackli publicou seu primeiro volume em âlemão em 183ó como Geschìchte
mação antropológica, Appadurai (198ó)'
tou Biìhmen, mas continuou-o em tcheco como Dëjiny Národu Ceského. Sobre
Michelet e o povo, ver Boas, p. ó5 ss., e C. Rearick, Beyond the Enligbtment:
lti.rkrìans and folklore in nineteenth-centur! Frttnce, Bloomington/Londres,
1. A DESCOBERIA DO POVO [PP' 2ó-49] l()74, p. 82 ss.
18. Em 18ó0, S.J. Kraszewski publicou Die Kunst der Slaoen; em 1Bó1,
(1952). Sobre o,Vtjlksüil
1. O livro mais útil sobre a descobertâ é CocchiaÍâ William Morris fundou a firma Morris, Marshali, Faulkner e Cia.; em 1867,
g.opo, alemão, ver, de modo bastante condizente' Jt
e os orÌtros termos do l,lilcrt Sundt publicou um estudo sobre a indústria doméstica na Noruega,
"- 1852 etc'
Cìrinrrn e W. Grimm (eds), Deutsches WÌirterbuch,Leipzig'
381
t80
e algumas construções rurais forâm reerguidas num terreno fora de Oslo. A 31..J. Lundqvist, Geijer, Estocolmo, 1954' cap.6'
ideia de um museu ao ar livre de construções rurais foi apresentada por um 32. Sobre Porthan, M. G. Schybergson, H. G. Porthan, Helsinque,
estudioso suíço, C. V. de Bonstetten, em 1799. 1908 (em sueco), em esp. cap. 4; o "intelectual finlandês" (Sòderhjelm), cit'
19. A. Fortis, Viaggio in Dalmazìa,2 v.,Veneza, 1774, em esp. 1, p. 43 ss,; Wuorinen, p. 69.
sobre ele, G. F. Torcellan, "Profiio di A. Fortis", em selt Settecento Veneto,Trrim, 33. Sobre Lônnrot, J. Hautala, Finnish folklore research 1828-1918, Iìel-
1969, p.273 ss.; S. Johnson, I journey to the Western Islands ofScotland (1775), eI' sinque, 1969, cap. 2, e M' Haavio, "Lônnrot" ern Arzt, 1969-70'
Boswell,Journal of a toar to the Hebrides (1785), ambos ed. H. W Chapman, reed, 34. Sobre a Polônia, H. Kapelu (;[.Krzylanowski (ed'), Dzieje Folklorystyki
Oxford, 1970, em esp.Johnson, pp. 27 ss., 90, e Boswell, p. 250 ss. Polskiej, Wroclaw etc., 1970; sobre WilÌems' J. tr. F Crick, J' F' Willems,
20. Sobre o "populismo" espanhol, C. Clavería, Estudìos sobre los gita. Antuérpia, c.1946; Scott, 1, P' 175.
nìsmos del espafrol, Ma'dri, 1951, p. 21 ss., e J. Ortega y Gasset, Papeles sobrt 35. Arnim/Brentano' p. 88ó; cf. R. Linton, "Nativistic movements" em
Wlázt1aezy Goya,Madri, 1950, p.282 ss.; mas a afirmação de Ortega de quo American Anthropologist, 45 (1943), e J. W Fernandez, "Folklore as an agent of
esse entusiasmo aristocrático era exclusivamente espanhol não resiste a um nationâ1ism", reed. ém I. Wallerstein (ed.), Social cbange: the colonial situation,
estudo comparativo. A citâção é extraída de Blanco White, Letters from Spaint Nova York, 19ó6.
2. ed., Londres , 1825, p. 237. 36. Wilson.
21. J. G. Herder, Ideen zar Philosophie der Geschichte, 4 v., Rigr/Leipzigt 37. Sobre a França, P. Bénichou, Nerz'a I et la chanson folklorique,Patis, 1970,
l7B4-91, parte 3; "usos, costumes...", cit. W. Thoms, definindo o termo "fol. cm esp. cap. 1; F.Gourvil, T. C. H' Hersart de la Villemarqué, Rennes, 1959'
clore" que acabara de inventar em 1846, reed. em A. Dundes (ed.), The studg jS. Sàbt" Grégoire, M. de Certeau et al., (Jne politìr1ue de la langue,Paris,
offolklore, Englewood Cliffs, 1965, p.44 ss.; sobre as canções folclóricas antcl 1975, emesp.pp. 12 ss', 141 ss.; sobre Finistère,J. de Cambry, Voyge dans le
como uma invenção do que uma descoberta, Bausinger, p. 14. lt'ìnìstère, 3 v., Paris, 1799.
22. "Chodakowski", cit. Grove's, artigo "Folk music: Polish". 39. H. Mackenz ie (ed), Report of tbe Committee ." appointed to ìnquire into the
23. T. Percy (ed), Hau Kioy Choaan,4, Londres, 1761, p. 200. Percy fol ... duthenticìt! oJ:.. Ossìan' Edirnburgo, 1805; sobre a Academia Céltica, Durry; o
pessoalmente as traduções para esse livro â partir do português. questionário da Academia reed. em Van Gennep' 3, p' 12 ss', e em de Certeau,
24. H. Honour, Neoclassicism,
-
ÍIarmondsworth, 1968, considera quC 2ó4 rr.; cf. S. Moravia, La Scìenza dell'aom.o nel'700,Bari,7970, p' 187 ss'
1i.
os artistas e escritores do final do século xvlII estâvam rejeitando os estilol 40. Sobre o questionário italiano, G. Tassoni (ed'), Arti e tradizioni popo-
barroco e rococó em nome do Classicismo. Decerto isso se deu, mas ao mesmo htri: le inchieste napoleoniche sui cottumi e le tradizioni nel regno italico, Bellinzone,
tempo as próprias regras do Classicismo estâvam sendo rejeitadas, e às vezol 1973; M. Placucci, [Jsi e pregiudizi dei contadini di romagna (1818), reed' em ;

pelas mesmas pessoas. P. Toschi (ed), Romagna tradizìonale, Bolonha, 1952; sobre Placucci, G' I

25. Sobre Gottschecl, ver p.312; sobre Bodmer, M. Wehrli,/. Bodmer und (locchiara, Popolo e letteratura in halia, Türim, 1959, p' 118 ss' .

dìe Geschicbte der Literntur, Frauenfeid/Leipzig, 1936; Goethe cit. R. Pascal 41. "Otmar" eraJ. Nachtigall; "Chodakowski" eraA' Czarnocki; "Merton"
The German sturm and. drang, Manchester, 1953, p.242. cra W. Thoms; "Kazak Lugansky" era V. I. Dal; "saintyves" era o editor E'
2ó. Sobre Ossian,J. S. Smart,James Macpherson, Londres, 1905, e D. S, ' Nourri; e "Davenson" oculta o estudioso dos clássicos H' I' Marrou'
llhomson (1952). 42. " Otrli'ar" (nota 9), P. 22.
27. H.B1úr, Á critical d.issertation on the poenxs of Ossìan (1763),2^ ed, 43. Scott l, p. 175; Arnim, P' 8ó1.
Londres, 1765, em esp. p. 2, 21, 63; sobre Herder como compilador, L, 44. M. B. Landstad, cit. O. J. Falnes, National romanticism in Norway,
Arbusow, "Herder und die Begründung der Volksliedforschung", em E, NovaYork, 1933,p.255.
Keyser (ed.), Im Geiste Herd.ers, Kitzingen, 1953. 45. Mackenzie (nota 39), p. 152; cf . D. S' Thomson (1952)'
28. Sobre Rousseau nesse contexto, Cocchiara (1952), p. 135 ss.; exem. 4ó. Lônnrot cit F. P. Magoun (ed.), Tbe Kaleoaln' Cambridge, Mass',
plos de figuras de camponeses noruegueses de porcenala, feitos por Claul 1963, prefácio. Cf. Jonsson. p. 675 ss' sobre falsificações, p' 801 ss' sobre a
Rasmussen tede, em Kunstindustri-Museet, Bergen. ctlição de baladas na Suécia.
29. J. Jorâk,'Jacob Grimm und die slawische Volkskunde", em Deutschl 47. Wilson, p. 7ó.
Jahrbuch für Volkskunde,9 (1963). 48. Percy, 1, p. 11; Fowler, P. 249.
30. Cocchiara (1952),p.231 ss.; L. L. Snyder, Germannationalism(1952)t 49. Pinkerton foi desmascarado em 1784 pelo perspicaz e irascível estu-
2' ed., Port Washington, 1969, cap.2 e 3. rliosoJoseph Ritson, sobre o qual ver B' H. Bronson, J' Rìtson, scholat'at arms,

382 t8l
2 v., Berkeley, 1938. Sobre Arnim e Brentano, F Rieser, Des Knaben Wur'' 7. Sobre os aisbìicker (alguns deles em Noreen/Schück),
Jonsson, p. 3l ss.,
derhorn und seine Qaellen, Dortmund, 1908, em esp' p' 45 ss' e E. Dal, Nordisk Folkeztiseforskning sìden 1800, Copenhagte, 1956, r p. Ze .
50. Schoof; cf. A. David/M. E. David, 'A literary approach to the brothotl B. Sobre ZanPolo, Lea, 1, p.247 ss.; sobre Tarleton, Baskervili (1929),
Grimm", em Journal of the Folklore Institute, 1 Q96\' p. 95 ss.; sobre Tabarin, Bowen, p. 185 ss.; sobre Ivan, G. Fletcher, The Russe
51. SeaÃan (noia 16), p.88; sobre a coleta de músicas folclóricas nl Commonuealth (1591), ed. A. J. Schmidt, Ithaca, 1966, p. 147 (cf.
Jakobson
Suécia, Jonsson, p. 323 ss. [leafl, p. 63).
52. Simpson (1966), p' xl'r; W. Chappetl (ed), A collection of nationd 9. Sobre Gouberville, E. Le Roy Ladu rie, Le territoir.e de l,hìstorien, paris,

Englìsh airs,1, Londres, 1838, prefácio. 1973, p.218; sobre folhetos alemães, Coupe, p. 19; sobre almanaques fran_
53. Sobre ,""onrtrrrção romântica do Carnaval de Colônia por F! l
ceses. Bôlleme (1969), p. 15, 27; sobre curandeiros suecos, Tillhage n (1962),
"
Wallraf, Klersch, p. 84 ss'; sobre Nuremberg, Sumberg, p' 180; sobre Nicli p. 1; sobre o k,i.sor finland.ês, N. Cleve, ,,Till Bielkekâsernas Genãalogi,' em
Agulhon (1970), p. 153 ss' |1
Fataburen, 1964, referência que devo à gentileza de Maj Nodermann.
54. S. Piggátt, The draìds, Londres, 1968, cap' 4r T' Parry' A hisnry | 10. Grazzini cit. R. J. Rodini, A. F. Grazzini,Madison etc., I97 0, p. l4g;
,,Corbet,';
Welsh literatuíelOtford, 1955, p. 301 ss. Prys Morgan, do University Collof J. Aubrey, Brief lìau, Oxford, 1898, Fatabar.en, I9ó9 (númeró espe_
of swansea, âpresentou uma comunicação sobre a descoberta/invenção galot cial sobre os costumes matrimoniais suecos), pp. 142,152.
do seu passado na conferência Past and Present, em7977' Ì
11. Sobre as atitudes inglesas em relação ao ,,monstro de muitas cabeças",

55. H. N. Fairchild, Tbe noble saaage, Nova York, 1928, cap' ,{


13' Hill (1974), cap. 8.

5ó. Boswell (nota 19, op. cit'), p.246. f 12. Sobre a ârer de Ctacívia,Wyczanski; entre as mulheres nobres que
57. Os capítulos 8 e 9 ientam apresentâr as transformações mais imp{
colecionavam uìsbdcket' estampados em Noreen/schück, incluem-se Barúro
tantes. I llanér e a rainha sofia (a mulher sueca de um rei da Dinamarca do final do
século xr,'r).
58. Coirault, 5" exposição; Boas, cap. 4; para uma defesa sofisticada {
ideia de criação coletiva,Jakobson/Bogatyrev. 13. E. Obiechnina, Cuhure, trad.ìtion and society ìn the West Africnn noael,
- -!
59. J. C. Herder, Sìimtliche Werke' ed,. B. Suphan, 25, Hildesheim, 19{
Oambridge, 1975, p. 35 ss.

p.323. I p.215
14.
ss.
A. Gramsci, "Osservazioni sul folclore,' em Opere, ó, Türim, 1950,

4 15. Kodály, p. 20.

2. TNIDADE E DIVERSIDADE NA '! 1ó. Sobre a esrratificação


dentro do campesinato, Lefebvre e92fl, p.32I
[PP. 50-100J
CLTIIURA POPULAR ss.; P. Goubert, Beauaais et le beaaaaisis d.e 1600 à 1730, paris,1960; Blickle,
1
{ 1r. 84 ss.
16a. Citação do poeta medieval inglês, William Langland.
l. Sobre os tivs, P. Bohannan, "Artist and critic in a tribal society", em Àl
W. Smith (ed.), The artist in tribal society, Londres, 19ól - |
17. P. Jeannin, 'Attitudes culturelles et sffatifications sociales,,, em L.
2. Sobre a "comunidade de baladas" em partes da Europa, Entwistle, pf lÌorgeron (ed,), Nìaeaux de cuhur.e et groupes sociaax, paris/Haia, 1967, p. ó7 ss.
ss' 18. Bodker, itens "drângvìsor", ,,pigvisor".
ss.; no nordeste da Escócia, Buchan (1972), p' 18 I
p.4l-2. 19.Johnson (cap. 1, nota 19), p. 38 ss.
J. Redfield. l
4. Sobre Ferrara, E. Welsford, The cour"t masque, Cambridge, t927, p' 1{
20.Barley (1967),p.746 ss. (cf. C. Fox,Tbe personality of Britaìn, Cardiff,
sobre Paris, P. de l-lEstoile, Mémoires-joarnaux, llu', Paris, 1875-92' 2' p' lq 1932); sobre Alpujarras, F. Braudel, The Medìterranean, l, trad. ingl., Londres,
lt)72, p. 35.
sobre Nuremberg, Sumberg, p. 59. Beerli (195ó) observa que Berna no séc{
xr',r tinha dois carnavais, com uma semânâ de diferença, para os nobres e
p{ 21. Grove's, item "Folk music: Norway,, etc.
exceção. 22. l. Hansen, Zaubet"wahn, Inquisition und. Hexenprozess, Bonn, 1900, p.
os câmponeses, mas parece ser uma 1
5.^Sobre a França, Davis (1975), p. 99 ss., 111 ss' ï
'100 ss., seguido por tevor-Roper, p. 30 ss.; compare-se Cohn (1975), p.22i.

6. Sobre Poliziano e Pontarro, i.Cocchiara, Le origini detta poesia pS 23. Cipolla, p. 73 ss.; J. J. Darmon, Le colplrta.ge de librairie en France sous
h Secontl Empìre, Parìs, 1972, p. 30 ss.; Vovelle (1975).
hre,Turrm, 1966, p.29 ss.; sobre Malherbe, ver p' 364; sobre Hooft, Wlr{
24. Sobre a cultura pastoril na França, Louis, p. l5l ss.; na Europa cen-
p. ló4; sobre a rainha Elizabeth, Entwistle, p' 28; sobre Ivã e Sofia, ver no|
tr':rl,Jacobeit; na Hungria, FéllHofer, p.23 ss.; na polônia, W. Sobisiakem
tì e 12. '!

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