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DE SPIX E MARTIUS:
natureza e civilização
na Viagem pelo Brasil
( 1817- 1820)
IV
A VIAGEM PELO BRASIL
ESBOÇO DE UMA
CIVILIZAÇÃO
"U m espírito malicioso definiu a América como sendo uma
terra que passou da barbárie à decadência sem conhecer a
civilização."
(C lau de Lévi-Strauss, Tristes tró p ic o s)
"Condenávamo-nos à civilização."
(Euclides da Cunha, À margem da história)
Espelho M á g ic o
A o aportarem n o Rio de Janeiro, o notório encantam ento de Spix e Martius 1 Spix Sc MarfiuS, op., cit., vo], l, p . 48/90-1
com abeleza natural é abruptamente interrompido pela '"barulhenta turba
2 Norbert Elias, op., cit., p . 6 0 , e George W .
de pretos e m ulatosseirtinus q u e ofereciam seus serviços com (...) grande S tocking, Victoritm Anth ropology, N e w York, T h e
insistência", q u a n d e subiam a escada de granito do cais e atingiam a praça Free Press, 1987, p. 10.
p rin cija l d a cid a d e.O s autores surpreendem-se ao descobrirem um lugar
* Partímosdfi sucinta definição d e C la jd e Lévi-
cu ja "selvageria americana" já teriasido rem oyidapela "influência da civili Strauss, reiterando que a q u estão etnocêntrica,
z ação «cultura d a velhaeeducadaEuropa", em prestando àcapital do Reino n a sua expressão mais im ediata, tal c « n o defi
nida acima, não é particular do europeu, estrn
U n íd od e P o r tu g a l, Brasil e A lg arv es o "cu n h o de civ ilização avançada".
um a atitudeprofundamente enraizadaem gran
M as o }ue d e parte dos seres humanos. lá., "R açae Histó
ria", trad. Chaim Samuel K atz, I n - ____, An
tropologia estrutural áois, 3.* ed., R io cit Janeiro,
lemijra a o v iajan tcqu eele s e acha num estranho continente do mundo, é
Tempo Brasileiro, 1989, p. 3 33-4. De forma se
sobietudo a turbavariegada d e negros e mulatos, a classe operária com melhante L.Leadi conceitua o etnocentrismo
q u e áe to p a p o r teda a parte, assim que p õ e o pé na terra. Esse aspecto foi com o um desdobramento d o "egocentrism o",
que, por sua vez, é característica d e todos seres
n o s mais d e surpresa do qu e d e agrado. A natureza inferior, bruta desses
humanos e culturas. 'Todo ser hum ano, qual
h o n m s im p o rtu n as, sem inus, fere a sensibilidade d o europeu que acaba quer que seja sua identidade cultural, te n a sen-
d e deixar o s costumes d elicad o s e as form as obsequiosas da sua pátria1. saçãode se encontrar no centro d e um universo
privado. (...) Oetnocentrismo éunaa caracterís
tica humana universal e não, com o porvezes se
Essa consciência d e str europeu e de pertencer a um m und o por ele denomi supõe, apenasuma peculiaridade d o retente im-
n a d o d e "c ív iliz a d o "3 s faz sentirem -se agredidos por esse s que representa perialismocapitíüiita" (p. 136). L e a ch demons
tra tis múltiplas formas do elnocenbrisms, dentre
vam a alteridade. Selvageria é ep íte to para a América e, co m o veremos, para
elas a "estrutura segmcnlária da solidiriedade
os n e g ro e p a r a o s índios, tanto quanto é o term o oposto e com plem entar de etnocêntrica" vista como u m sistem a de "cír
"civilização"2. C ortforaie lem bra Claude Lévi-Strauss, "'selvagem ", ou seja, culos concêntricos'1. '"Eu estou a q u i to centro
do meu universo, omundo d a cultura eda civi
p ró p rio da s e lv a , alge portanto qu e evoca um a forma d e vida animal, e a
lização; à minha volta, em círculos cada utzmais
expressão c o rr e la ta "bárbaro" em an am de u m a postura etnocêntrica, na qual afastados, estão aqueles que eu recordeço co
se recu saa d iv ersid ad e cultural. N essa recusa, exclui-se d a cultura e relega- mo seres humanos, tal como eu. Algunssão-me
mais próximos; outros só longinquamente me
se p a r a a n a tu re z a tudo o que n ã o está d éacord o com a " n o r m a " sob a qual
são aparentados. Para além d isso, há cs estra
se v iv e 3. nhos e os estrangeiros,cujos costum es áosu fi-
Finalm ente, n o rev erso do "espelh o m ágico", M artius sobrepõe o seu pro
jeto de cu ltura ao d a civilização. O "gên io da história" p o u p o u os "germ â
n ico s" desse fan tasm a da colonização e determínou-os a outra atribuição,
achava ele. Esse " s o lo " americano ainda "intacto"250 p o d e s e r ocupado de
outra m aneira. A o s e u ver, o que motiva os alêíaãe&..a.e^plotar o Novo
Mundo são os in teresses 4 q. intelecto e 05 ideais sor i aís e morais. Ãssiih
sendo, o próprio a u to r dá margem para ju stifíq T a Viagem pelo Brasil e
suas obras posteriores. Baseado na "propriedade" dos "germ ânicos", que
seria o "cam po do espírito", a obra de Spix e M artius adquire dupla fun
ção: ao m esm o tem po em que se presta para evidenciar a auto-imagem da
cultura alemã, representa a expkfl&ção que os alemães fariam ao Novo
Mundo. E, nesse sentido, M artius, m ais que Spix, exp an d iu 0 campo da
sua exploração, deixando uma obra que não somente contemplou a "ciên
cia", mas tam bém a história e a literatura.
I
! da pela mão dos europeus em conjunto com a dos africanos, ainda que estes
I sejam rebaixados à condição de "natural" inferioridade, é esboçado o gesto
fundador da civilização. M as, enquanto os autores arquitetam o desdobra- v;
mento desse gesto inicial, projetando-o para os tempos futuros, também en- ■■■■.■s‘
xergam nessa terra da "barbárie" a possibilidade de recuperar o passado de
uma humanidade primitiva. No momento da despedida, Spix e Martius ex
pressam os votos de prosperidade ao Brasil e acrescentam ao relato um epi
sódio, no qual narram o último lugar por eles visitado antes de rumar para
Europa. Esse instante finaimente trouxe à luz um outro lado que tanto alme
javam avistar nesta nova Atlântida, propiciando o resgate nostálgico de algo
que jamais existiu: numa fértil região, outrora tomada pela mata virgem,
topam com uma rica paisagem cultivada com roças de milho, feijão, cana e
caca u, ocupadas por palhoças no meio de bananeiras, goiabeíras e laranjei
ras silvestres. Esse "sim ples quadro de serena pobreza e encantamento" é
habitado por famílias de índios e mulatos. Com o esforço de suavizar as
contradições da colonização, o naturalista afirma que, não obstante a "misé
ria" trazida pelo europeu, ainda seria possível "certo bem -estar" no Novo
Mundo. iNao se trata, porém, do bem-estar gerido pelas condições civiliza’"
das representadas, em alguns lugares do Brasil, pelo comércio, indústria*
cultivo da terra, riqueza dos cidadãos, educação, costumes europeus, fé cris
tã e diligente dedicação ao trabalho. E sim de um bem-estar "adequado ao
I^jj^ estado primitivo da raça humana, um a vida de natureza"242.
A contrapelo da visão de Spix e M artius acerca dos índios, nessa cena re
criam um "espetáculo idílico", no qual invertem a concepção negativa que
A nova A tiánnda de S pix r. M artius
"gênio", até certo ponto imprevisível, que não se organiza necessariamente ,,Spix & Martins, op., cit., vol. fií, p. 226/1234-
5.
segundo um eixo linear, e dotado de especificidad.es.
14A esse respeito v. supra, Capítulo I. Nota 52.
O ponto de partida dessa "evolu ção", conforme Spix e Martius fazem men
l5Sobre a herança do pensamento de Herder na
ção, é o "núcleo inalterável da hum anidade" ao qual a "civilização {Çivilisa-
historiografia romântica alemã, G. Stocking, op.
tion) " se sobrepôs paulatinam ente "com m il facetas e tonalidades"13. A idéia cit., p. 21-2, Nipperdey, op. dl., p. 502-5; E lias T.
do "núcleo inalterável" permite compreender a humanidade valendo-se de Saiiba, As utopias românticas, São Paulo, Brasi-
liense, 1991, p. 39.
uma identidade básica, que não exclui porém a diversidade da sociedade
humana. A essas diferenças os nossos viajantes estão atentos. Para tanto, as 14Spix Sc Martius, op., cit., vol. I, p. 27/7.
heranças da Statístik de Gottfried Achenwald como método para orientar a
17 Sobre o mcmogenismo e o poligenismo e as
observação de povos estrangeiros certamente foram bastante úteis14. . Mas
respectivas predominâncias nos séculos XVIU
muito prova-velmeute Spix e M artm sJamfaém..ahs<wer.am -Q_que Tohann e XIX, verUrs Bitterii,op. cit., p. 327-31; Lilia M.
riottfried Herder deixou para a h istoriografia romântica, introdu zindo de Schwaccz, ap. cit., p . 47-54; Keith Thomas, op.
cit., p . 162-3.
forma inéditai o estudo dos m itos, das línguas,, da poesia para compreender
õVolksgeist, ou seja, o ^ s p ír ífo d o povo7^com o u m a u ís r^ “ Buffon par tia do princípio de que o fator p rin
rízá^ Ô êx pres^ g á rã n tin d g -lh ^ g u a pécüiiajldad^H SH nca^.^dis^nd en- cipal para determinar a cor da pele é o clima.
Escalonando a espécie humana em branca, am a
tênderHos nossos ru t^ sT o sO T è re n fê sfíp o s humanos são compreendidos
rela, parda e negra, considera a coloração da tez,
como "representantes de todas as épocas", de forma que sua língua, seus isto é , todos os tipos que não são brancos, com o
costumes, seu "folclore", seus "m ito s" e "tradições históricas" seriam mani uma degenerado física, que estaria intimamen
te ligada a uma inferioridade cultural, frequen
festação de seu "estado de cultura e história", conforme esclarecem no pri
temente Igualada à es tupidez e à b arbáríe. N essa
meiro capítulo da Viagem pelo B rasil 16. ........... ordem hierárquica, o homem das 2onas tem pe
radas, cspecialmente o europeu do norte, era
visto como o mais belo, o mais d ame mais bem -
Portanto, do mesmo m odo que a natureza brasileira se oferecia ao enriquecí-
formado, dentre todos os demais. Cf. Walter
m ento da pesquisa naturalista, a diversidade étnica dos seus habitantes pres Deruel, "Wie die Chinesen G.elb wurden", H is-
tava-se para ampliar o conhecim ento acerca dos "povos" extra-europeus e lorische Zeilichrift, <255):6Z5-66,1992, p. 646-7.
das raças humanas. É necessário lembrar que o pensamento naturalista igual lv Conforme Lineu, a espérie hpmo sapiens, é d i
mente procurava pôr a diversidade da espécie humana rtujna ordem ta x o vidido em subgrupos, homo feru$ (selvagem),
nômica. Sem romper com o texto bíblico, as sistematizações do final do século americanus,europaeus,:asiatlcus, afer. (negio) e
monstruosus. Faltavam caracterizações m aa p re
XVIII partiam, em sua maioria, do pressuposto monogerusta. ou seja, com-
cisas sobre o /tomo jeru$ devido h impossibili
preendia-se a origem d a humanidade a partir de Adão e Eva17. Misturando dade d e se encontrar um representante deste,
aspectos físicos, caracteres inatos e traços culturais, os filósofos do. século grupo. No grupo dos monstros integravam-se
os gigantes da Patagônia, os hotentotes, os in - •
XVIII criaram uma série d.e classificações, hoje consideradas equivocadas, díos canadenses e os chineses. Urs Bitterli, op:
dos tipos humanos, como, porexempLo, as de Buffon18e Lineu19. NTa Alema cit., p. 332-3. Edwin R.A. Seligman Sc tlvin John
nha, nos anos setenta do século XVIII, Immanuel Kant e Johann Friedrich son (org.), Encycbpnedai a f í/ie Social Sciences,
N ew York, The Macmillan Company, 1985, vol.
Blumenbach definem a utilização do conceito de raças para a antropologia. 13,p.26.E . Leachressalta a mistura deparame- .
Kant acha que só é possível classificar a espécie humana pela diferença das tros para classificar a espécie humana: Lmeu, ■
tonalidades epidérmicas. Os pais bíblicos, que já traziam em si de forma por exemplo, define oeuropeu como claro, san- •
güíneo, robusto; cabelos lisos, olhos azuis; geri- •
latente a diversidade, foram os únicos ascendentes das quatro raças: a bran til, arguto, inventivo; completamente vestido;,
ca, a amarela, a negra e a verm elha. Fatores climáticos e o isolamento geo- governado por leis".: A vanedade afnçana.re-
e mm***--*#*
reservavam em relação aos índios, emprestando-lhes, ainda que m uito tim i
damente, a imagem do "bom selvagem ". E junto deles, "m ulatos", represen
tando remotamente a feliz união entre negros e brancos, longe porém de um
am biente civilizado, e sim próxim o do regresso ao estado natural, __
De outro lado, a alusão à perda dessa imagem idílica à qual se refere M ar
tius ao deixar o Brasil, deixa transparecer um sentimento de desconforto,
certo "desencantam ento" com a h istória da civilização européia, que tanto
pode suscitar um a postura crítica reveladora da contradição inerente ao
processo civilizador, quanto evocar a nostalgia romântica de uma socied a
de prim itiva mais feliz. O texto "O Passado e o Futuro do Homem A m erica 'M rbide/n, vo), m, p. 317/1383.
no" oferece mais evidências sobre essa ambigüidade, que se desnuda diante
Ibiíicrv, vol. IT1, p. 316/1378. Na versão brasi
do ocaso dos índios em decorrência do contato com ps europeus: apesar de leira traduziu-se "verkiinstelt" por requinta
M artius não abandonar a crença de que o habitante original am ericano da. Sugerimos "nào-naturai", porque a palavra
estava fadado desde sempre ao desaparecimento, de ser um "ram o atro^ alemã, embora rito se utilize mais dessa forma;
e sim "gekiinstelt", significa "artificial", "nSo-
fiado n o tronco da hum anidade"245, enfatiza a violência da colonização bran rtatural".Cf. GüntlrerDrosdowskyef n/fi, op. cit.'
ca, a ta l ponto de se sentir mais confortável por ser alemão e por isso p e r - i
tencer- a um povo que não contribuiu ativamente para o aceleramento des- \ JJ,Spix & Martius., op. cit., vo!. IU, p. 48/935/ ■
sa "catástrofe"246. Na- Viagem pelo Brasil os autores jamais aludiram a essa 2“'C. F 11 v. Martius, "Aethnografia da Ameri
diferenciação da história européia em relação à América. M as entendem a ca...",p. 561.
Spix e Martius pouco se detêm em questionar a origem dos povos e das raças
humanas. Apesar de Martius ter sido um grande admirador de Lineu, no
que diz respeito à classificação da espécie hum ana; os naturalistas estão mais
próxim os das sugestões de Blumenbach. Igualmente dividem a humanida- ) y
de nas raças mongólica, caucásica, malaia, americana e etiópica, divergindo, [ -
porém, em relação à formação racial. —i
Blumenbach concorda com Kant quanto ao fato d e que uma distinção so
m ente pode basear-se em características físicas. N o entanto, muitas desuíú-
formidades manifestam-se tão discretamente que m al se fazem notar. Seria
m uito difícil, portanto, erigir fronteiras entre os grupos humanos, a não ser
que fossem flexíveis e permeáveis. Indo além do critério físico, Blymenbach
considera_a regionalidade, apresentandp_cínco. tipos, raciais: os caucásicos
j fflran co s"), que s eriam a raça origiriaí (lftrgs.ge),.dos quais os jnongóis ( " a r n í”
relos") eo s êtiápicosJ"negros'Ó são uma degeneração, ao p É s o q ú é osame-1
■ncanos (índios) e o s malaios seriam raças (Übefgãngsrõsse).
T o3as’ás outras formas humanas com as qu álsT ih eu ainda se preocupava
(hommoferus, monstruosus)2<1,e le as relegou ao reino da fantasia ou da patolo
gia. A visão da história da humanidade como algo estático e invariável, que
no século XVIII ainda vigorava, torna-se cada vez m ais difusa. O critério da
hereditariedade de Kant e a hipótese de Blum enbach sobre a formação das
i várias raças como um fenômeno temporal, um processo, e n ã o mais como
acontecim ento encerrado, são alguns preparativos para uma teoria da evo
lução biológica21.
E m suma, para os nossos autores, a miscigenação das raças tal qual aconteÀ
cia no Brasil era u m aspecto basilar do inexorável caminho da "civilização", n
iniciado n o remoto Oriente e que m ais cedo ou mais tarde cobriria a América--
em toda a sua extensão. Embora essa relação entre cruzam ento de raças e
sucesso civilizador não fosse tão bem elaborada no texto da Viagem pelo Bra
sil como o foi no tratado historiográfico, os autores, em nenhum mom ento,
duvidam de sua viabilidade no país. Garantia desse sucesso é a presença do
hom em branco nos trópicos, que, p o r representar verdadeira hum anida
de"' e por isso gozar de "superioridade" sobre as demais raças, cumpre a sua
m issão de difundir a "civilização". Tratava-se, afinal, de uma idéia m uito
bem definida que, na prática, no entanto, era extremamente complexa. Em
teoria, os portugueses seriam responsáveis por essa difusão. Mas a coloniza
ção trouxe consigo tantos problemas, que até os próprios colonos lusitanos
passaram por certa "degeneração". M uitos brasileiros brancos seriam prova
disso. Para o olhar providente de Spix e Martins, o fim do Antigo Sistem a \
Colonial em muito contribuiu para dar continuidade ao processo civiliza- 1
dor, d e um lado em razão da instalação da monarquia n o país, de outro, em
virtude do novo sangue europeu qu e estaria redescobrindo e transform ando \
o reino nesses trópicos.
íuMJüli- m m *** m
I
hgura y. tvitinwhna e Cafuza. Litografia - Alias lu r Reisn vi Brasihen vau Dr. wn Spixund Dr. vonMartius (Atlas da viagem de Spix e Martins pelo Brasil). O inchaço do
bócío daria, .segundo os autores, a “essa gente, na maioria de coj; que sem isso já não tem fisionomia agradável, uma horrível aparência. Parece, entretanto, que
no país se considera o bócio mais embelezamento do que deformação, pois não é raro verem-se mulheres com monstruoso bócio enfeitado de correntes de ouro
e prata ase exibirem, de cachimbo na boca ou com um fuso na mão, para fiar algodão, sentadas diante de suas casas." (Spix & Martius, Viagem p d o Brasil, vol. I,
p. 128/210) "(...) Notamos diversas famílias dos chamados cafuzos, que são bastardos de negros e índios. Q seu aspecto é dos mais estranhos que um europeu
possa encontrar/--} A cabeleira extremamente comprida forma um monstruoso, horrendo topete." (Spix & Martins, Viagem pd o Brasil, vol. I,p. 132/215). (Ilustração,
extraída da edição fac-similada do Atlas zurReise in Brasilien voit Dr. vonSpix tinci Dr. von Martins, 1967,5tuttgart, Brockhaus, tábua 33.)
Embora o objetivo dos autores seja caracterizar os diferentes tipos étnicos, apontando para as suas particularidades, percebe-se que as dtias mulheres retratadas
na litografia assemelham-se uma à outra. Os traços dos rostossão muito parecidos. Além disso, evidentemenle, tanto obócío não pode ser considerado característica
particular dos mamducos, como o cabelo crespo não a 6 dos cafuzos. Tampouco a idéia de que uma “certa incerteza no olhar" seja uma característica geral dos
mamelucos, herdada dos índios. Nota-se, mais uma vez, que os critértospara classificar os tiposhumanos,pautadosempressupostosdo"radsmoda Dustração"/
deixam uma larga margem parn caracterizações pejorativas.
Não resta dúvida, como veremos, de que o nossos autores se utilizam das
idéias complementares de degeneração e perfeição para classificar os dife
rentes tipos humanos. E tam bém deixam entrever a sua convicção da supe
rioridade da "raça caucásica" no contexto da história evolutiva dos hom ens.
Um a aplicação de "m ag n etism o "27no braço paralisado de u m escravo negro
e su a rápida reação para a cura foi ensejo para que expusessem sua visão
acerca das diferentes raças: a experiência dessa sessão terapêutica provaria
por várias razões que o "europeu é superior aos homens de cor pela intensi
dade da vida nervosa", superando somática e psiquicamente as dem ais ra-
^ ças. As raças, no entender de Spix e Martius e conforme "diversos autores
;} talentosos", eram "qualificadas mais ou menos perfeitamente em diferentes
sentidos", e o europeu com pensava a inferioridade de suas "faculdades fí
\ /"Li r
sicas" pelo "desenvolvim ento superior dos órgãos e forças intelectuais". E,
apelando a comparações estereotipadas, delineiam o m odelo d o h o m em ideal,
; notadamente europeu:
2TA medicina romântica resgatou a terapia do A dignidade do homem é definida pela "bela harmonia de todas as forças,
magnetismo praticada por Franz Anton Mes-
mer, da qual Spix c Martius, pelo visto, são adep
produzida e mantida som ente pelo predomínio das faculdades mais nobres".
tos. E essa "bem organizada e perfeita unidade das forças humanas" resulta no
m m **-****
Os m ulatos e os caím os do sertão baiano formavam um "povo" miserável,
vivendo em palhoças "im undas", sem aspirações, cu jom aior "gozo" igual
m ente eram as caçadas e os prazeres do "amor sensual". Por terem herdado
a "indolência e irresolução dos antepassados americanos", eram alcunha
dos, por desdém, de "tapuiada". Nessa ocasião, admitem os autores, de acor
do com um ditado popular, que "qualquer mestiçagem.£pnt sangueándígena—.
nada tinha de bom^6. Em Ilhéus, por exemplo, a "estranha preguiça e incul-
tura dos m oradores" explicavam-se, provavelmente, pelo fato de serem , em
sua m aioria, mestiços de índios. Relativizando o papel dos portugueses no
processo civilizador no Brasil, os autores afirmaram que os lusitanos lá resi
dentes eram da "mais baixa extração", de forma que pouco poderíam "ele
var a m oral nem a indústria dessa população desleixada"237. Nota-se qu e os
autores defendem üm a estratificação social, segundo a qual os indivíduos
sòcialm ente mais mal colocados — ainda que fossem brancos e portanto con
siderados de "raça superior"— seriam incapazes de contribuir para o "pro
gresso" da sociedade. Evidentémente os nossos observadores não conseguem
com preender esse fenômeno como expressão de objetivas relações sociais de
poder.
genação, M artius não chega a refletir sobre esse tipo humano. Som ente IW C. P. Ph. von Martius, "Dii; politische und
num texto escrito por volta de 1856, o naturalista aprofunda o tem a do soriale Stellung der farbigcn Mcnschen Brasi-
cruzam ento das raças235. Entre outros aspectos, o naturalista enfatiza ter lien"(I856?), Stadenjahrbtich, São Paulo,36:150-
6 ,1 9 8 8 .0 texto d eveserdel856ou posteriora
sido a m istura racial um fenômeno qu e já havia acontecido em Portugal e essa data porque Martius faza úiterlocuçãc com
que m uitas vezes o próprio colono já era um tipomiscigenado. O au tor não um artigo, dc auíor não revdado, de 1856. É ne
du vida de que no Brasil o "am álgam a das cores já era um fato qu ase con cessário lembrar que somente tu metade do sé
culo XIX o corpo do pensamento racista é, de
sum ado". Contudo, restringe-se a comentar sobre os negros e_os b rancos, fa to, sistematizado. Em tom o de 1660 também
ignorando a participação indígena no caHeãmento. Endossando a particu as teorias racistas obtêm o consentimento da
laridade da sociedade brasileira,'Õ^ãüFór aposta ha mobilidade social dos ciência e a aceitação dos Líderes políticos e cul
turais, tanto na Europa como nos EstndosUni
indivíduos de "co r"; Ao seu ver, "inteligência, educação, potência, capital, dos. Portanto a escrita desse texto de Martius
necessidades sociais e civis" diversificaram-se entre os negros e os bran insere-se num segundo momento da discusr
cos, de tal forma que mal se podería falar de uma discriminação legal para sito nítocentista sobra hj raças. Sobre as prin
cipais teorias racistas daquele período, verTho-
com os habitantes de "cor". Essa suposta igualdade seria sinal de um "ver mas Skidmore, op. àt-, p. 65-70,.e Lilia Moritz
dadeiro progresso para a hum anidade", sublinha M artius. Mais u m a vez,: Schwarca, op. cit., p. 43-66.
Voltando para a Viagem pelo Brasil, fica evidente que para Spix e M artius, a
questão dos negros, em face da crença no inexorável processo civilizador e
no paulatino aperfeiçoamento humano, não suscita grandes desdobram en
tos e controvérsias. Especulam co m a concepção poligenista, de qu e a o ri
gem da raça etióp ican ãtjserm fh os país bíblicos7N oentantonão retom am
essa questão, límitanHõ3^ ^ um " r a d g ^ d ã 'ilu stração" segundo o q u a lo s
negros sao uma raça inferior, por não conhecerem a "civ ilização^ E a escra
vidão tòm a-se justlEcàvel umaVez^que serve como instrumento para cris-
tianizá-los e civilizá-los. Já em relação à "raça americana", como verem os a
seguir, os nossos autores vão mais a fundo, levantando algumas questões d e
m aior complexidade.
da "mentalidade" dos índios49. Essa carência de sensibilidade para enxergar o 43 Spix fie M artius. op:. Cit.-, v o l. I, p-.-236/384;.
índio (e também 0 negro) manifesta justamente 0 etnocentrismo europeu n o
‘vHerbert Baldus,'''Etaologia^. lm-RubensÇorf; :-
início do século XIX, uma vez que o critério básico para a investigação é o d a
ba de Moraes e-WilIiam B em eu (org .)-M jn w h
perfectibilidade moral e o d a c o n s e q ü e n te ca p a á d a d e c te ^ m ^ a r^ ^ p e r-^ bibliográfico de estudos •«jsiírmis. JKjo de Janeira, '
m eãddpela dúvida quanto'áhutnauidatlSTJtríiãõ^dosIffâígenas. Gráfica fcditora Souza; 1949, p.
147
- -U.
pouco a compreendem no interior do Antigo Sistema Colonial, esquivando-
se de qualquer crítica mais contundente.
A n o va A t là n t id a de Spix e M artius
mente com prida", que se encrespa n a ponta e forma, na altura da testa, um
"monstruoso, horrendo topete". Essa cabeleira, advertem os naturalistas, não
é "d oen ça", e sim resultado do "cruzamento das raças, figurando m eio ter
mo entre o cabelo lanoso dos negros e o cabelo comprido e escorrido dos
índios". E, para concluírem a descrição, acompanhada de uma litografia,
afirm am que "às vezes" era "tam anha a cabeleira natural", que os portado
res precisavam "abaixar-se profundamente para entrar e sair da porta da
cabana"231.
Para exp licar o tipo "mam eluco", "filh o s de brancos e índios", admitem,
que a tonalidade das cores da pele podem variar desde um m arrom quase
cor de café, amarelo-clara, até quase branca. A h r .ança indígena rev ela-sé
no "ro s to largo, redondo, com m açãs salientei/', os "olhos negros n ã o gran
d es" e "certa incerteza no olhar"231. Pára ilustrar o tipo, no A tlas d a Viagem
pelo Brasil, apresentam uma m ulher com bodo, uma vez que esse m a l se
desenvolve, na opinião dos .viajantes, m ais nos negros, mulatos e m estiços
e em m en or proporção nos brancos. O consequente inchaço dá a "essa gen
te, na m aioria de cot, que sem isso já não tem fisionomia agradável, urna
h orrível aparência"233.
**•*«■■*; SUWA*.-
outro, implicava a "decadência" dos colonos portugueses, Como m édicos,
"diagnosticam a "íhcriv ^"difusão dã sífilis" e observam suas "incalculáveis
conseqüências funestas no físico e no moral dos habitantes". O "despudor"
que reinava na sociedade ofendia "o sentimento m oral". Mas os viajantes
também atentam para a situação da mulher, cujos "direitos" estariam lesa
dos por não lhe ser permitido influir no "modo de pensar dos- hom ens".
Esses aspectos, no seu entender, compunham a "mancha mais sombria do
caráter do brasileiro", que se agravava pelo contingente de escravos negros
e concubinas. E eram especialmente os mestiços que se aviltavam nesse pa
pel. Embora evidenciem que esse ambiente de absoluta "decadência moral"
seja particular dessa região e não corresponda às .comarcas mais ao norte de
M inas,jonde "costum es europeus" já se haviam espalhado, acrescentam o
provérbiopopulãrhaTTüfffderodãpê",ilüStr'andcrásituação: "Nesse.sentido,
ouve-se no Brasil, em geral, (...): As brancas são para casar; as mulatas para
f...; e as negras, para servir"222.
ÜfMRfe
pio, a co rd a pele54. Além do mais, vale repetir que as observações que fazem
sobre os índios partem de sua crença na superioridade espiritual e m oral do
homem branco e destarte teriam de apenas afirmar unia tautològia: á infe
rioridade da "raça americana". Sendo assim, rápidos, e superficiais contatos
com os índios oferecíamos "d ad o s" suficientes para "provai" as suas teorias
depreciativas acerca do íncola americano. -''J. ^
Após alguns dias nesses aldeamentos, verificam que na sua estatura e na sua
feição os índios coropós, puris e coroados pouco se distinguiam entre si,
Spix & Martius, op-, eit.,vol. I, p. 214/349. parecendo todos "dom inados pelos traqos gerais da raça". A ausência de
traços individuais era sinal de sua falta de "desenvolvim ento". No entender
J1 Ibidem, vol. I, p. 220/361.
desses naturalistas, o fenôm eno da indistinção não acontecia mais em ne
5- Ibidem, vol. I, p. 221/361. nhuma outra raça, o que implicava a primitividade dos índios na história da
evolução hum ana53. Uma descrição minuciosa do corpo, da cor da pele, do
(v” ibidem, vol. I, p. 230/375-6. Alentar para erro
de tradução na edição de 1982. Lê-se ’’os traços
cabelo, dos olhos, muitas vezes em com paração com o negro, é intercalada
individuais pareciam, provavelmente por /alta com a observação de que o "índio, propriamente, não pode corar", e que o
de desenvolvimento, dominados pelos traços "hum ano" enrubescer não tem validade para essa "rude raça hum ana". S o
gerais da raça do que é o caso, nas outras ra
ças.' O original diz o seguinte; "... die indivi-
mente após longa convivência com o branco, faz-se notar entre os índios esse
duellen Ziigeschienen, vermuthlich aus Mangei "sinal de em oção". Continuam a descrição física e passam a falar do "tem pe
anAusbildung, von demallgemeinen Raçezug ram ento" dos índios, patenteando algumas das "absurdas generalizações"
viel mehr beherrscht, ols dicses beí den übrí-
gen Raçen jetzt noch der Fali isi." (p. 375*6). A
às quais Baldus se referia.
edição .de 1938 se aproxima do original; "nos
traços Individuais, justamente mal conforma Notar-se-á que o olhar investigador de Spix e Martius tem como prado os
dos; predominamos traços gerais da raça, como
n5o acontece, até hoje, em nenhuma outra raça."
valores da sociedade cristã ocidental, misturando aspectos que a antropolo
(vol. I,p . 345)1. gia m oderna chamaria hoje de culturais com aspectos inatos, como, por exem-
U m negro, que havia muito tempo conhecia essa aldeia, traduziu-lhes a letra
da canção que cantavam para o ritual: era a lamentação de uma flor que caíra
da árvore no momento em que queriam colhê-la. Nesses versos, Spix e Mar-
tius, assentados em sua visão de mundo, não conseguiam enxergar alguma
dimensão poética, mas sim somente um "quadro melancólico" que era expres
são do "paraíso perdido" no qual esses índios se encontravam59. A comple-
mentação iconográfica dessa descrição — a estampa "Dança dos Pu ris" no
Atlas na qual os viajantes são cumprimentados com uma umbigada de um
índio — nada deixa a desejar. Levando à risca a descrição literária, o artista
es/orçou-se para recriar o aspecto "selvagem " dos autóctones. Traçou figuras
absolutamente deformadas, desproporcionais, quase animalescas, monstruo
sas e sem traços fisionômicos que os individualizassem, fazendo jus à opinião
dos naturalistas para explicar o pouco "desenvolvimento" dos índios60.
•
‘V tóim , voJ. I, p. 223/374. C om o já tivemos ocasião de mencionar anteriorm ente,noséculo XIX grande
* lbiâem, v o l I,p- 228/375.
número dos desenhos feitos por viajantes era adaptado por artistas acadê
m icos que não conheciam o que reproduziam, criando im agens m uito dife
" Ver Figura 4, "A dança dos índios puris". re n tes dos esboços o rig in a is. Presos aos preceitos estéticos vigentes,
MSobre os índios na iconografia dos viajantes procuravam em vários casos embelezar a paisagem, adequá-la ao gosto ro
europeus no s é c u h XIX, q.v. Tekla Harhrtann, mântico, assim como embru tecer as figuras humanas, sobretudo os índios,
op. c it.,c Maria Sylvia Porto AJegre, "Imagem e aumentando o impacto no público europeu. Mas n a "D ança dos Puris", par-
representação do índio no século XIX", In: Luís
Donizeti Benzi Grupioni (org.), índios no Brasil, ticularmente, a exagerada desfiguração nem tanto parece ser consequência
SSo Paulo, Secretaria Municipal de Cultura, dos limites do próprio artista — as amarras estéticas e o desconhecimento
1992, p. 59-72. Relativamente aoséculo XVI, ver antropológico — , mas pode ser entendida como tradução quase perfeita da
Ana Maria de M. Belluzzo, "A lógica das ima
gens e os habitantes do Movo Mundo", In: Luís visão detratora que Spix e Martius revelam acerca dos habitantes originais
Donizeti Benzi Grupioni (org.) op, cit., p. 47-58. americanos61. 0 naturalista alemão Wied-Neuwied, em cuja viagem também
pçspfc^*--
vão da câm ara queixava-se de o governo não subsidiar a compra de escravos
para portugueses recém-chegados, pois como "brancos deviam (...) gozar do
privilégio de não lavrarem com as suas próprias mãos a terra". O escrivão
tenta persuadir os viajantes de que não cultivavam o solo por causa da falta
de escravos. Spix e Martius comentam:
Opiniões, como esta, que se ouvem muitas vezes no Brasil, indicam o es
tado em que se acham a industria e a burguesia; soam, porém, tanto m ais
singulares quanto mais freqüentes se expõem, junto com precoces preten
sões democráticas214.
O que registram em M inas Gerais, logo depois de terem passado por São lbiàmi, vol. I, p.180/294.
João dei Rey, os inspira a traçar um "triste quadro da miséria hum ana".
2,7 Ibiitem, vol. II, p. 36/448.
Embora associassem normalmente "riqueza e comércio'' com "civilização" e
"m odos m ais requintados", nas regiões mineiras vêem que "o luxo e a co r l u Ibidm . vol.I, p. 180/294.
rupção andavam de p ar" e que ao lado da maior opulência vigoravam " a
» MIWííem, vol. ÍI.p. 150-1/642.
indigência e depravação"221. Os autores insurgem-se contra a "casta dos v a
d ios" formada por hom ens brancos, "perversos", que se acomodaram corn o 2211Ibidern, v ol.I, p. 57/105.- ■■■ - - ■
trabalho escravo e adiavam desonroso tér de cultivar a terra e criar o gado.
51lSobreaimsérla da população em regiôesondfi::
jd o & g g mais uma vez a extensão dos efeitosdaescravidão^que, de u m lado, havia outrora extraçSo de metais preciosos,-ver.
_ como vjm os. era consicfèrada uma v ered ajiara ^civÚLzar'' os negros e^ d e tam bémIbidem, vol. I,p . 182,247; II,p. 25.
No “espelho mágico", que reflete um "espetáculo único" que nem a própria ••'■■■•d
Londres nem Paris podiam oferecer, ficou claro qual o papel que Spix e Mar- :
tius atribuíram aos índios e aos negros no Brasil. Resta ainda saber como og ij
autores enxergavam os im igrantes europeus, os portugueses — em teoria, os
irradiadores da civilização — e os miscigenados, como representantes dó
fenômeno brasileiro, da sua particularidade histórica, que deveríam ser re- ' - ..v
sultado e prova de que o país sairía do estado de "selvageria" para atingir a
"civilização". .jj
essa "raça traz em tudo cunho da absoluta falta de unidade intrínseca e.es-
Mfi7tft'f>//vol.in,p. 120-1/1071-2;:
sencial", e , por isso mesmo, "suas atitudes, os seus intentos, costum esé lin
guagem são de con tín ua in co nstân cia". E, seguindo a argum entação "Ibideni, v 6Ç m ,^ ;Í1 7 /ÍÒ 6 6 r\ $ .
A VIAGEM
p s m m **--
esteve com os paris pouco tem po antes de Spix e Martius, foi bastante crite
rioso em relação às imagens publicadas sobre essa tribo. A pior de todas, ao
seu ver, era a "Dança dos Puris" do Atlas dos naturalistas bávaros: além de
"horrível", nada tinha a ver com a realidade. Comentou Wied-Neuwied: "To
das essas figuras grosseiras têm uniform em ente a cara feia como sapo com a
qual não se acha em nenhuma tribo de índios no Brasil nem a mais afastada
semelhança". Embora considerasse o restante do Atlas lindo, era a favor de
que se eliminasse essa imagem62.
Mas não levou muito tempo e novam ente se viram diante de um grupo de
fndios, dessa vez da tribo dos botocudos. Os batoques que metem no lábio
inferior e nos lóbulos furados das orelhas contribuíam, ao ver dos naturalis
tas, para a horrorosa desfiguração de suas "feições embrutecídas". Se a "fi
sionomia desconsolada" dos coroados, puris e coropós havia causado nos
VVled-Neuwíed<7;jfírfTe}da Harlmann, ap. cit.,
bávaros "dó e tristeza", os botocudos incitaram-lhes "horror" e foram moti
p . 92-3: Renate Lôsdiner, "D ie künstlerische vo para mais uma descrição pejorativa:
Darstetíung Lateinamerikas im 19. Jahrhundert
unter dem Einfluss Alexander von HwnbolcHs".
I n : - - — (org.) Deutsche Künstlerin lateiname-
na sua aparência feia, quase não têm traço de humanidade. Indolência,
ríka. Mnler und Naturforschcr cies 19. fahrlumiiert embotamento e rudeza animal, estam pam-se-lhes nos rostos (...); voraci
ilhistrieren einett Kantinent. Katalog zur A us- dade, preguiça e grosseria, patenteiam-se-lhes nos lábios inchados, na bar
steUung des Ibero-amerikanischen [nstituts
Pieussischer Kaltucbesite Berlin, Berlín, Vietrích
riga, assim como em todo o torso troncudo e no andar de passos curtos64.
Reimer, 1978, p. 31. O naturalista alemão Bur-
meister, que visitou a região d e Minas em mea E bastou um exemplo de violência com a qual foi tratada uma das índias
dos do século, não recomendava o Aítos dos
bávaros aos seus feitores como "ilustração fide
pelo marido, para que os naturalistas concluíssem que a "raça am ericana" é
digna". Considerava as paisagens muito "m a composta de semi-humanos (Halbmenschen). Ainda assim, são capazes de
neiradas e pouco naturais c as cenas da vida absorver paulatinamente a "civilização". O "contínuo progresso desses fi
humana parecem, em sua maioria, como gro
tescas. Os retratos pouco vaiem". Burrrteisfer
lhos da selva" é reconhecido com prazer pelos olhos do "filantropo", ates
npud Tekla Hartmann.op. cit., p.83. tam Spix e Martius, cuja simpatia pelos índios somente se manifesta se estes.
estivessem mais próximos das "virtudes", dos valores, da moral, dos costu
** Spix &Marhus, op., cit. vol. t, p. 240-1/392-4.
m es, do compaxtamento do mundo ocidental cristão. No seu entender, éfum
Iblcicm, vol. II, p. 55/480. damental "civilizar" essa tribo, para to m ar viável a navegação segura cforio
Â
os mares e todas as regiões. Seu caráter compõe-se de humanidade cristã; e
esta constitui também sua essência."210
tfafrõp ã defendia-a opinião de que os filhos de portugueses imigrados eram 111 Spix & Martius., op cit., vol. U, p. 270-1/ H39-
"mais sujeitos à degeneração (Ausartung) e imoralidade ( Sittenlosigkeity' do 40.
que os brasileiros, os viajantes não fizeram objeção alguma. A razão dessa
M ibidatt, vol. II,p. 270-1/839-40.': "
decadência era a " fa lta de educação, e respeito no trato dos escravos da casa,
não estando habituados a eles na Europa"213. Em outro episódio, um escri- 213 Ibiiiem, vol. II, p. 68-9/501.
■ b s m r »*- wü » * m < -
.CoQSiderai^-^rèetgefK^a-a-pemUar^ do Brasil talvez tenha
sido herança imediata da leitura_que-M aii±ja^kide^SQutheyj[fiu^»vente
influenciado por Humboldt, o historiador inglês discutiu na History o/Brazil
o enraizamento e a aclimatação do hom em europeu na América, o que o
conduziu aos assim tos do desbravamento e da conquista dos sertões, da
escravidãoe "para qestudodo grandeienôm eoo.da m estiçagem ,queconsi-
derava t^ c^ iv o n á lo rmaçãxi-polítira,,.social..c,.cultural d.Q-BlgsiI"lÜ- Apesar
d ê jo r is iderar a mistura das etnias um processa -benc fk-o-para-a-adaptação
do europeu.aojRQvo nmhionteT.cln.uthpy-oão-rechaça.aidéia da_degeneração
doscolono^pnrtuguuscs^.Q&.(ns.§tiç.QS^-dos4nameluces. Responsáveis por
essa decadência seriam a ausência de leis, o desrespeito à religião, bem como
o cruzamento entre as raças ocorrido apenas porlicenciosidade e não por
necessidade de sobrevivência. Também a vida de pastoreio, no interior do
continente, favorecia esse processo, que, no seu conjunto, significava muito
mais uma degeneração de costumes, de ordem moral portanto, do que o
resultado do determinismo climático ou das leis naturais395.
L.
Figura 5. Préshtofsíhvodçsmáios Tecum (F&thcIterZugderTecunas). Litografia de Ph. Schrrud-AttaszurReisein Brasilim von Dr. vonSpix uni Dr. vonMartius(Atlas^
da viagem de Spa eMartwpJoBrasil). Tambémpesla litografia nota-se a ausência de traços fisionômicos que individualiaema expressão dos índios náo-mascaxados;-
e a desfiguração dos corpos das enanças. (Ilustração extraída da edição fac-similada do Atlas zur Reise in Brasilien von Dr. von Spix und Dr.ván MariiusA967?.'
Stuttgart, Brockhaus, tábua 23.) • . ... .. ' .. ? ■'
i. ■ .«^3—-A.
depreciativa, os naturalistas sintetizam: ''Em coisa alguma perm anece fir- -,1
me, a n ão ser na instabilidade". E n a "alm a" desses homens estão arraigadas '
a hostilidade entre si e a "fú ria da perseguição"70. Aludindo à fé cristã, acharit :
que os índios desconhecem o "amor e a confiança num ser superior dirigin- 1
do a sua sorte" e vivem condicionados pelo "pavor atônito de um a força m â '
e hostil". Nunca se libertam, segundo os viajantes, de sua "im aginação as- >
sombrada", que se expressa em m áscaras e figuras pavorosas e no seu modo :
de agir cheio de medo e de pavor71. Os autores também recriminam as festas
índigenas, dizendo que eram "bacânticas", um "tumulto selvagem ". Spix
comparou o préstito dos tecunas a um a "bárbara festa", cujos participantes í
dançavam e pulavam como se fossem "bodes, parecendo fantasmas ou ma-
lucos"72. Ao observarem a expressão dos índias quando falavam, os natura-, ri
listas sentem falta das "entoações variáveis da voz" e da "viva gesticulação"
própria dos europeus. "C om tão pouca acentuação, imóveis e quase sem :s
jogo de m úsculos da fisionom ia", os indígenas parecem "que falam em so- :
nho". Dessa comparação decorre a patética pergunta: "E não é um sonhò ri
soturno a vida toda desses homens, sonho do qual quase jamais acordam ?"7* .. :
b e m»*#'-' E ct* * * * - - *
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m m s m * * *~"*
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nos Diretórios/ e entre o Estado, exigia sem dúvida nova organização
para os índios81. ......... v , .
'v'll8J
"98
tiam. medo, ódio e desconfiança quando estavam entre colonos, que, com
"cobiça e egoísmo", os exploravam77. Esclarecem outrossim que muitas ini
mizades entre índios e colonos eram resultado da "perfídia" dos últimos,
que presenteavam os primeiros com peças de roupas contaminadas de varí
ola78. No litoral baiano, verificaram que os índios aldeados (ou mansos), fru
to do trabalho dos jesuítas, foram, após a expulsão da ordem religiosa,
empregados para fazer guerrilha contra outras tribos79. Fato semelhante ocor
ria em M inas Gerais, onde era permitido às autoridades militares recrutar os
puris e os coroados para praticar a guerra de "exterm ínio" contra os botocu-
dos. Em ambos os casos, na visão dos autores, a crítica a esse funesto serviço
não é a trágica dizimação da população autóctone e o desrespeito a sua for í
ma de vida, mas o fato de que essa política terra im pedido a "civilização"
dos "selvagens", perpetuando o seu "estado de selvageria e de degeneração
m oral"80.
nem o s sentimentos cristãos dos reis nem a disposição dos estadistas, nem
a proteção e poder da Igreja puderam levantar os índios (....) do estado
selvagem em que foram encontrados, para o benefício da civilização e do
bem -estar cívico; como dantes, permanece essa raça rebaixada, sofredora,
y
sem significação no conjunto dos outros, joguete dos interesses e da cobi
ça de particulares, um peso morto para a comunidade, que de má vontade
a suporta94. ■ • .. .- >■
r- Ibidem, vot. II, p . 184-5/692; No rom ana.’ Frei -
Prova desse fiasco, dentre tantas outras, seriam os índios "mansos" que vivem Apaloruo, M aih u s expressa a descrença n o s u - -
à margem da sociedade de Belém, "semi-civilizados, sem conhecimento, nem cesso da civilização d o s índios: o v ia ja n te a je - ::
m ao H arto m an (alter ego d e -Mftrluis) d ia lo g a ..
instrução, nem ambição", dedicados ao dolcefar niente, às mulheres e à cacha
com fre i A polôm o sobre a p o ssib ilid ad e e :o -
ça95. Finalmente, a devastação e a descaracterização cultural dos nativos tam sen tid o d e cateq uizar os índios. Ao p a s s o q u e.o
bém afetavam diretamente os propósitos dos naturalistas. Mesmo no interior m issionário tem f é n a sua obra e ach a q u e tr e - • >■
zen to s anos é pouco para que-"a vida esp iritu al- •■/•
das províncias do Pará e do rio Negro verificara que os índios nada mais res
d a h um an id ad e am erican a'' seja .'p u r ific a d a ,
guardavam de sua "vida natural e primitiva, com liberdade de movimento" e enobrecida, transform ada , o v ia ja n te.a le m ã o :
de "seus costum es". Toparam apenas com resquícios de tribos, enfermas e tem e q u e os ' am ericanos deixem d e v e z -.este .-.-
c en á n o , en tregan d o a outras raças, e s p iritu a l- -.
alteradas. E de outras restavam somente osnom es, de forma que suas "inves
m ente m ais em ancipadas, o seu rapai, a n te s q u e
tigações etnográficas se transformaram envdiscussões arqueológicas"96. o cristianism o c on siga recebê-lpsa to d o s n o s e u v--:;
regaço " ld ,op cit, p 93 j - >■ ' *
Para contatar povos intocados pela colonização, urgia afastar-se dos litorais ' \
,5Spix & Martius, op.cú. vol III,p 26/903-
e das m argens dos grandes rios. Navegando o rio Japurá acima, separado de
Spix,M artius julga-se finalmente no "território incontestado dos aborígines n Ibiáeni.val. m ,p ; 28 /905.- .
d a Am érica, ainda não tocado pelo sopro da civilização européia [europaische
^ ibidem, vol. ID,p..26/902v:.- >;
Civilisation]", Essa idéia continha "certo encanto" e imprimia um "colorido
particular".à situação. Vê-se "cercado por natureza selváhca e homens pri- KW id em ,v oim ,p .9 S /W 2 9 ^ ,
" Ibidem, vol. H, p . 248/805. N a Bahia, os viajantes tiveram a rara ocasião de conhecer um aldeamento;
n M uito p rov a v elm en te, esse m issio nário capu
dirigido por um missionário capuchinho, cujo trabalho traduzia essa "força
ch in h o ta m bém serv iu com o fonte d e in spira m oral", instruindo os índios nas doutrinas elementares da fé católica e na
ç ã o para M a rliu s ela b o ra r o personagem Frei agricultura. Se havia alguém capaz de "converter esses irrequietos e incultos •
Apolftnio, d o rom a n ce q u e leva o m esm o nome
(d ados so bre o rom a n ce, q.v. supra,C a p ítu lo D.
selvagens", com entam os viajantes, "aos sentimentos m ais suaves e suscetí
D e fato, M a rtiu s con heceu um Fiei Apolônio, veis à voz da religião, não podería ser senão aquele digno ancião".91 N o en-
n o interior d a B ah ia. Fo ra ele quem f e z d a cape tanto, as histórias de um a índia que matou seu filho e de outra que desenterrou
la d e Santa C ru?., n o lendário M on te Santo (de
Antôruo C on selh eiro ), p o n to d e rem aria (11, p.
os restos mortais d o filho predileto, cozinhando-os num a sopa, que tomou,
2 1 3 ). O rom a n ce; p o ré m , p assa-se rio rio Japu- devolvendo os ossos limpos à terra, eram indicadores fortíssimos para negar
r á , por o nd e M a rtiu s v iajo u sem a com panhia a capacidade de deixar o seu estado de "selvageria". Em tom de censura, os
de Spix. B o p ro ta g o n ista príndpal, F r e i Àpolô-
ra o , é d e o rig e m portu gu esa e p erten cia & or
viajantes comentam: "Q ue excessos horrorosos dos sentim entos, que quase
d e m d o s carm elitas. ultrapassam as raias da hum anidade". Se nem esses m eios religiosos de "hu-
m m ***-*»
F
Para tanto, exige-se o "m ais alto esforço: a união de inúmeros habitantes em
cooperação diligente" e não pelo cultivador isoladb172. E caberia às autorida
des governamentais procurar concentrar em certas regiões o maior número
de colonos, incentivando o aumento populacional e as atividades industriais.
O ganho seria mútuo. Para o governo, a proximidade entre os colonos facili
taria a administração pública, a arrecadação de impostos, a regularização da
milícia e o recrutamento. Para os colonos, fomentar-se-iam a "civilização",
"a observação da lei", a "influência benéfica da sociedade", "moral, patrio
tismo e cultura"173.
A caracterização que Martius faz desses índios explicita de que forma co n -'
trapõe valores m orais do mundo ocidental cristão ao dos índios, para provai
que a "alm a desses homens primitivos decaídos não é im ortal": além de n ã o
terem "id éia do Deus,bondoso, p a i e criador de todas as coisas", sua existên
cia é inconsciente, cuja razão é a fome e a sede. Por. isso, a vida não é u m
grande bem e a m orte lhes é indiferente. Quando morrem, restam o "ódio e
a vingança", pois o "laço do am or" é fraco:
M artius ressalta o quanto esses índios se diferenciavam dos demais que visi
tara ao longo da expedição pelo Brasil. Ficou espantado ao ser recebido com
Lm "um a vivacidade, uma alegre, ruidosa animação, que m uito contrastava com
a gravidade soturn a" das outras tribos que conheceu. O naturalista percebe
} nesses m iranhas uma ''ingenuidade" e um "caloroso interesse" por tudo que
\dizia respeito a ele e seu guia, capitão Zani, um imigrante italiano que se
I tom ou comerciante no Amazonas. Essas características positivas o viajante
I as atribuiu ao "seu estado de primitiva liberdade, distantes dos brancos"
rI v V cf-* tv W ; Embora afirm asse serem antropófagos e "rudes até a bestialidade", não.
v Va" | tinham aquela "perfídia, timidez e mesquinhez de caráter, que fazem mui-
\ tas vezes dos índios aldeados um objeto de desprezo" dos colonos brancos5?,
1 / tf j E, amenizando qualquer juízo depreciativo, acredita que a "expressão da
aarn e**-
N a passagem referente à despedida do Brasil, ev ocam mais uma vez a m etá
fora do "espelho mágico": os viajantes afirmam que nos três anos em que
exploraram fisicamente o Brasil também atravessaram, "em espírito", "to
dos os graus do seu desenvolvimento, desde as condições de vida primitivas
e como que patriarcais, até o estado que, no novo império, haviam alcançado
burguesia, Estado e Igreja". E, reiterando o sentido pelo qual a civilização
avança, expressam o forte desejo de que o
.. i S L
a
"• Ibidcm, vo! [, p. 83/144. Em São Paulo, um estudioso da filosofia de Kant, familiarizado com algur
mas palavras alemãs, serviu como um indicador da "civilização" (Civilisa-
Ibidcm. vol !,p . 124/202. tioií e não Cultur) que se expande rapidamente na América d o Sul, manifes
u: Ibidcm, vol I,p. 217/355-56 í? H, p. 136/618. tando-se não som ente nos "estudos e conhecimentos chamados práticos";
mas igualmente nas "aspirações mais abstratas de ciência pura"155. Para os
Ibidcm, vol 1, p. 219/339.
autores, como r ' reino das idéias se espalha com a rapidez da luz em fluxo e
"" Ibidcm, vol 11, p. 139/621, refluxo", já t . a possível reconhecer na "vivacidade espiritual do brasileiro
(....) a tendência" do país. Chegam a essa observação a partir de uma conver
Ibidcm, vol II, p. 46/466 c III, p. 315/1376-7,
sa com alguns funcionários num jantar na casa de um juiz de fora — homem
|!| Ibidcm, vol 11, p. 146/635. "culto", "amabüíssim o" e "grande am igo da história natural e da jurispru
dência". Nessa conversa, Spix e M artius esforçavam-se, segundo o seu re
Ibidcm, vol II, p. 199/713.
lato, para provar "as vantagens" de su a "p átria" sobre o Brasil, embora
|1!l Ibidcm, vo! UI, p. 315/1377. admitissem que neste país, "antes de desenvolver a herança européia em
conhecimentos m ecânicos e artísticos, já se achava estabelecida aquela das
Ibidcm, vol í,p . 125/205.
id éias"156. No interior da Bahia, conhecem um professor régio de latim, cuja
Ibidcm, vol í,p . 140/223. "erudição verdadeiramente clássica" é prova concludente de que "os frutos
do espírito também amadurecem no m al-afam ado clima dos trópicos"157.
Ibidcm, vo! 11, p. 20/420-1.
1Ibidcm, vo! II, p. 128/605. Os autores estavam convencidos de que o Brasil estaria no "caminho a suà J
maior florescência"158. No "coração do sertão" da Bahia, notam "com prazer .■w.y
1Ibidcm, vol I , p. 248/404.
(...) que o comércio e a riqueza" promoveram ali a "sociabilidade e os costu- .
1Ibidcm, vol II, p . 98/539. mes am enos"159. D e regresso do rio Am azonas, revelam suas perspectivas:
í
j
Diante desse "enigm a", a razoável lucidez dos autores acerca das m azelas
da colonização perde a sua intensidade. Chegaram, por exemplo; a conder
nar a atitude de os diretores das aldeias considerarem os índios "irracionais"
e "inacessíveis a toda civilização". Spix e Martius, no entanto, dèstrpèm a
própria crítica ao compactuar com semelhante opinião; que outrorarepreen-
deram: a " raça indígena" detesta todas as "peias.duma civilização",:nap p o r •
razões d ê ^ rírg u lh o ^ êlu n por causa de sua "indiferença è indolência". Érv-,
fim, os viajantes advertem o leitor, reconhecendo a. sua posição contrária à
"filantropia" daquele "séculoagitadoeprovado''; ■ v
Dessa forma, aderem a uma das concepções básicas sobre o habitante ameri
cano, formulada pelo abade prussiano.;Comelius De Pauw n a obra ítec/ier-
ches Philosophicjues sur les Amêricains ou Mémoires lnteressants pour Servir à
1'Histoire de 1'Espèce Humaine (1774)u3. E apesar de todas as ressalvas que o s”
autores articularam ein tomo da colonização, não hesitam em resgatar o pa- l
pel positivo da civilização nó contexto dà ocupação européia no Brasil em
oposição ao habitante autóctone:
O que, portanto, deveria ser, por assim dizer, urna salvação, representada
pelo processo civilizador, transforma-se em poção venenosa. O problema 111 lindem, v a L UI, p . 47/934-5, grifo r i o s ? o . - ,
porém está nos índios qúe contraem as enfermidades dos brancos em virtu 113 De P a u w refere-se a o s.am erican o s: "p n v é s '
de de sua debilidade "vital", ou seja, natural; que ainda por cima contrasta;
5?
à la íq is cT in ld h g en ce e t d e perfectibditâ;;-
conforme os autores mencionam; com a própria riqueza da natureza física. Pauw apiid M ichèle V uçhel, -Upartage-des-
poirs, P a n s , É d ib c n s la D écou verle, 19 8 5 , ,p.
Da mesma forma, a "falta de desenvolvimento espiritual" atribuída aos ín
dios explicava o alastramento das doenças européias entre eles, a duninui- IU Spix 4c M artiu s. op. cit-, v o l. IH, p . 47/935^V./
tMÍi£SÊÊ&êÊkA£$£
IUÍ N a v e r s ã o b ra s ile ira c o n sta "b r u to s", n o
peito ele não se anima, em cujos braços desvanece, tocado por humanidade
texto o rig in a l p o ré m os auto res referem -se a superior como de mau sopro, e m orre",I0._Eejustam ente èssa "humanidade .
" H a lb m e n s c h e n " , ou seja , " s e m i-h u m a n o s "; , superior", recordando o que já dissemos antenp^^nto^q^Sõhfoinftêõ^ra^ ;
S p ix & M a rtiu s, op. d {., vo l. 171, p . 247/1267.
asm ^ d aJlü stracãol/’,.de. Sprx e Marrius, define o europeu. c o m o ^ s u lta d ô '" .
"*Ibidem. da "bejmorganizada. epterfeita unidaderiasjforças hum anas", é rirprestandfi-
ÍMA # W / v o l. m , p. 247/1268. f TRe a superioridade sobre as demais .'^raças".e, por çonseguinteJegitim andíL
^ u ã w n q u is tá dom ^díi.extra-eu^pefcd^ O "enigm a" ao qual sexeportarrt~
li” / f ó ím j,v o l.n i, p. 28/905. ^ontã-pãm jr^rópria^ontradigão que observam n esse-processo, nesse em- ■
bate en£ea_"humariidade prim itiva" ê a "hum anidade superior"^cujQSva-
•,w IÍ>frfeni,yoL m,'p. 247/1268 e I, p. 131/213-4.
Iõresm oraig^e virhpdeÍliã&Js ã Õ ^ ^ ila id o s ,u .c u ía essência, portanto^qüe '
nl Ibidem, v o l. I, p . 164/259. .culminaria na "civ ilizaçãoV ^ ç^ trariad a.
c~ A r /
g 5 S * N ^ ..« w s
bendizem os "séculos futuros que verão o mais majestoso caudal d a terra
habitado por homens educados, livres e alegres"160.
Afinal, nesse país, com perseverante cuidado, todo ipo. de agricultura é pos
sível, já que o "Novo Continente parece aprop^ ido pela natureza p ara h os
pedar os produtos de todas os climas e desenvolvê-los como.na sua p átria de
origem ", advogam os autores16,5. No entanto, a natureza dos trópicos é.tão
pujante, que em poucos decênios destrói a obra humana e insurge-se contra
sua "operosidade"165, ameaçando com sua "desordenada força criad ora" a
"pacífica agricultura"166, "a s tarefas rurais" e, por conseguinte, a sobrevivên
cia do próprio homem167. E somente o extenso cultivo do solo poderá extin- Íbidíiii, vol. III, p. 286/1326:7.
guir a "perseguição sangüinária." de insetos peçonhentos como os escorpiões, :,;i íbiám , vol. III, p. 271/1306.
cupins, formigas que tom am o país "inabitável", emprestando-lhe o asp ecto
de "selvageria". Além disso, a perfeição de uma lavoura promove o "bem - líl* Ibiibni, vol. 111, p. 143/1105.
estar" e influi favoravelmente sobre a "moralidade" dos habitantes, p rin ci '"Ibiiiau, vo). III, p. 306/1363.
palmente dos escravos168, acreditam Spix e Martius. Após chamar aten ção
para todas as provações e dificuldades às quais o imigrante europeu estava '•■Ubuhu, vol. I, p. 87/149.
sujeito, não somente em relação à natureza, ao clima, às doenças165, m a s tam "•5 íbiikni, vol. II, p. 266/831, 1/9/ÓB2 e J1I, p .
bém à dificuldade de utilizar a mão-de-obra escrava170, os autores n ã o h esi 131/1088.. . .
tam em considerar o Brasil "com o o mais belo e magnífico país da terra , por
'"■/bidetit; vol. Il,.p;.179/682,..
mais que se duvide da habitabilidade da zona quente": ..
w lbiàm , 193&.Voí. Íl,p .’79/M, p. I.VL
quando os habitantes deitarem abaixo as matas, dessecarem pantanais,
>«íbiáw , vol. I, p ..184-85/301.
rasgarem estradas por toda parte, fundarem aldeias e cidades, e, assim ,
pouco a pouco, triunfarem da exuberante vegetação e dos bichos danir ,M1W<W vol. I, p. 104/173.
nhos, então todos os elementos virão ao encontro da atividade hum ana e
I7l>Ibidem, vol. II, p. 179/682.
recompensarão plenamente171.
171 lbidem,.vol. I, p. 104/173.
IJ* Esse texto foi suprimido da edição Edusp/ U m a vez que a civilização é compreendida com o um movimento, cuja essên
Itatiaia de 1982. Na versão de 1933, cncontra-se
cia é ultrapassar as fronteiras européias e inexoravelmente impor-se ao resto
no volume II, ao passo que na obra original está
no terceiro volume, sob o título "Díe Pflanzen do mundo, em nome da "cultura mais perfeita e hum ana" (vale lembrar que
und Thiere des tropischen America, zunáchst para os autores humanidade é um sinônimo de ser europeu, de pertencer à
ais Orklárung dor Abbildungen im Atlas". Esse
raça caucásica e desfrutar naturalmente um a superioridade psíquica e física
líitsaio foi anexado com o intuito de esclarecer
as estampas da fauna e da flora do Atlnt. em relação aos demais povos), do desenvolvim ento (provavelmente esteja
pensando em comércio, indústria, tecnologia e relações de trabalho capi-.
5pix & Martins, op. át., 1938, vol. fl, p. 26,
talistas) e da luta entre os povos, ou seja, fazer a guerra em nome da civi
vol. ITI, p. IX-X, grifo nosso. FIA um equívoco
na tradução: "A civilização, que transforma a lização, Martius aproxima-se do conceito francês e inglês, conforme sugerido
superfície da terra, também afugenta, extingue na análise de Norbert Elias. E mais: para M artius, o gesto fundador dju áxi:
os seres mais (racos; finnlmente, mesmo amea
lização é o domírúojfpihomens sobre a natureza. Ora, essa atitude nada-terá
çando a humanidade, a natureza intitaáwl tudo
arrasta iui tua voragem". Não é a natureza que cíê "segunda importância", tal como o conceito alemão de Zivilisation defen
arrasta tudo nn sua voragem, e sim a civiliza dia, m as seria essencial para dar o primeiro passo na escalada da humani
ção, conforme 0 texto original: "DicCiviUsntion,
welche die Oberflãche des Erdbodens umformt,
dade.
sic verfrcibt zugleich, sie verandert, vemíchtet
díe Scínvitchereii Geschõpfe; unersãttlich, am Como citado acima, não fica excluído, todavia, que a civilização, na sua ex
Ende seíbst die Humnnitritbedrohend, reisstsíe
die ganze Matur um sich her in ihren mSchti-
pressão mais radical, destrói a própria hum anidade. Nesse aspecto, Martius
gen Strudel hinein." (Grifo nosso.) não está longe da crítica romântica às vicissitudes inerentes ao processo civi-
172 i
A nova A u .ântida oe S pix Martius
aham nenhum “significado superior de simbolismo", tampouco provavam
uma "idolatria" ou uma "mitologia desenvolvida". O naturalista convert-
ceu-se de que "fo ram feitas por índios que em índole (Sinnesart) e grau de,,
civilização ( Bildung) correspondiam totalmente aos seus atuais descenden-j \
tes", de forma q u e essas "esculturas" nada mais seriam que "restos de um a
época igual à da atualidade em incultura (Rohfteif) e simplicidade pueril"11 .
Por conseguinte, apesar de o tempo ter passado, não teriam evoluído, nem
avançado, nem feito progressos para algo mais "aperfeiçoado" e padece-:
riam de uma natureza estagnada.
«Báii
ção da fecundidade feminina e a degeneração da constituição robusta e re
sistente de seus corpos115.
Finalmente, os nossos autores abstraem das críticas que fazem aos coloni
zadores europeus e, munidos de seu conhecimento naturalista, formulam
categoricamente uma resposta ao "enigm a" do que acontece com. a "raça^
a mericana": seu destino é decompor-se, tal qual acontece com outros seres
da natureza, q u £ ^ a p a r e c e m "antes d e jergm .alcangado o m ais alto grau
H edesenvolvimento, cujo germe están eles implantado". Por nào serem do-
tadqs^J^pejr.feçtò^dàde^lisseyeram que a "raça am ericana" nada mais é
que um " ramo, atrofiado, no t r o n c o ^ . e
frutos" são meapaz^jde^groduzir116. Por conseguinte, relegados á impossiHi-
I^ a d e ^ e sV ^ p e rfe iço a r" e ating ira.^^hiimaniAade^uperior^rCpfpp m ^ ís^ _
cussãoem torno da m elhor forma de lévar^cnálhação.aQS.^selv^gens".perde
o sentido; "Quem chega a tal conceito sobre a natureza d a raça americana;
olha compassivo nos meios que restam a um hum anitário governo em prol
dos índios"I3?.
Embora não de form a tão acentuada como no Rio de Janeiro, cidade que fora ' im' v ' ' p‘'
privilegiada pela instalação da corte portuguesa, os nossos visitantes sen- jw*m, voi. i, p. 73/129.
p ó tesed Q ^assadam ais-nQ faje^^ltam entm .vilizado" do habitante am ari- A esse respeito, q.v, supra, C apítulo II e A-
ça n o .jAo mesmo tempo em que pondera essa possibilidade, enfatiza s e r a Gerbi.op.fJt..p.37S-85-
decadência moral e física d a população indígena um processo paulatino c a u
' ' O paradeiro da coleção etnogránca traduz o
sado muito mais por caprichos "singulares.'' da natureza do que p e la bag a- desinteresse das autondades públicas'de Mu
gem negativa da colonização. Qu seia, a perseguição e exploração dos ín d ios nique por nbbuntos indígenas. A s caixas com n$ ■
coleçots, ficaram por anos fechadas, sem lugar
desencadeada pela colonização européia jamais seria a razãniundamenfcal
e ^ondiijües técnicas para serem ordenadas e-
desse processo de ruína. Q ue a "civilização européia m ata" os in d ígen as, ex p ostas. £ v erd ad e que M axm u h an o : José i,
som ente confirma que a "hum anidade americana trazia consigo o p ressen ti- patron o da viagem de Spix e M artius/-quena
cn a r um M useum B rasihanum " p ara abrigar
m ento dá morte", conclui M artius, O desaparecimento desse povo é im puta
a s icspechvas coleções, tam bém a s n atu ralistas:
do ao seu "estado de alm a", e a colonização somente "acelerou essa catás C o m a sua m orte, porfim, em 1825. o p ro jeto é'
trofe prevista talve2 há m ilênios"”8. esquecid o. Em 1 8 2 6 , falece S p ix . e m c n jo ga
b in ete de lu stúna natural — na A c a d e m ia —
ficavam bon p arte d as peças, .esp ecialm en te as
Em suma, no leque das visões ambíguas sobre aAmérica, lembremos qu e Spix gran d es m ascaras. O seu sucessor, n o 'en tan to ,
e Martius interpretam um Brasil cuja natureza física nada tem de in ferior e n ao tinha a m ínim a ahnidade c o m e s « a s coe
s a s ; achava que n ão tinham nada q u e ve r c o m a
detratada. Negam-lhe a juventude, equiparando a idade da formação telúrica
zoologia. A coleção continuou, fech a d a , meto-
do N ovo Mundo à do Velho Mundo. Ao cotejar o ambiente natural europeu aban d on ad a.no terceiro andar d e virap sad io da
com o tropical, imprimem neste último uma superioridade no que tange à corte, em cond içoes precárias. E m 1&43: o u seja
vinte e tres anos ap ó s o retom o d o B rasil, M ar
incontestável diversidade d e espécies, reveladóra da extrema vitalidade, pu tin s consegue leva-la para um h igar n u is-n d e-'
jança e uberdade. Como jã verificamos anteriormente, são fiéis seguidores dos quado, o ' Galenegebtiudeftm H ofgarteri’', ond «'
passos-de Humboldt> superando qualquer imagem que favorecesse a debili elabo ra a catalogr.çao d as peças. S S o 4 5 2 núm^>
ros com subdivisões a, b. c etc. M a s ,p o r falta d e
dade da natureza americana. Considerando que a "disputa do Novo M u n d o ",
espaço e d ar p rio rid ad e a outros tip o s de o b je
naquele momento, girava e m tomo das idéias entusiastas de Humboldt emJ tos, tais com o porcelan a clunesa e arte m e d ie
oposição h interpretação depreciativa dos ensinamentos de Hegel,Spix e M ar\ val eu ropéia, ela tev e d e ser retirada, v p ita n d o •
para o lu g ar antenor. U m l8S 7, c o m a ab e rtu ra
tius estão entre ambos. Pois, ao passo que Humboldt opõe-se claramente às de u m M useu d e A rte M ed iev al,a coleçSo .et-,
teses da inferioridade natural do habitante americano129, Spix e M artius as « o g ráh c ap o d e reto m a r ao ."G alen egab ciu d e"
reiteram, filiando-se ao ideário inspirado na tradição depawniana. A despeito onde, tam bém , se fu n d o u o. M useu de E tn o lo t:
gia. Em 3868, n o ano c m que M arb us m o r r e , a - .
da; riqueza de suas pesquisas etnográficas, do vasto material por eles coleta coleçáo fo i fin alm en te aberto ao p u b ljco .-N a >
do130 e do fato de saírem de seu s gabinetes de história natural e partirem para Segunda Guerra M und ial, quando d o s n toques- -
a experiência da viagem, da observação do mundo natural e da sociedade, n ão aéreos, p o r ter sido consid erad a d e m e n çr va«>-.
Jor, a coleção (entre outras) nao foi r e t ija d ^ e *
conseguem refutar as teses da inferioridade do habitante original. N esse as colocada em segurança. Por sorte, so freu-pou-x
pecto, afastam-se de Hum boldt e abeiram-se de Hegel. cos d ano s — algum as redes (oiarr\ d estrufd as.'
— e n os últim os an o s participou d e van as.-ex- v
posições tem porárias. O tto Zernes, Unler. ífldjip; ;
No entanto, se para Hegel a parte meridional do Novo Mundo está condena nem S rastíim s, Irwisbraclc; Putguin/. 1 980/ p .w
da, por razões primariamente geográficas, a uma natureza eternam.ente ima- 1Q1
A viacem pêlo Brasil: esuoço de uma oviuzaç Ao 167;
ou inundações que incitaram a inimizade e a antropofagia, condenando-os à
miséria122.
Mas talvez também não tenha sido nada disso, especula Martius; essa "desu-
manização" é "conseqüência de vícios inveterados e brutais com que o gênio
da nossa raça castiga tanto o inocente como o culpado". Dessa forma, a dege-
neraçao é entendida como um fenômeno geral da espécie humana, aproxi
mando-se da concepção de Humboldt123, assentada em Rousseau. Diante das
possíveis hipóteses, o nosso autor logo retoma a explicação formulada na Via
gem pelo Brasil, particularizando novamente o destino dos americanos autóc
tones no processo evolutivo da humanidade. Martius resgata o pensamento
De Pauw, ao acreditar num eventual "defeito geral" na organização dèssà
“raça", justamente por ela já trazer visivelmente o "germe do desaparecimen
to rápido". Sem "criações de seu espírito", sem "cantos", sem "epopéias", sem
"monumentos de sua arte, de sua ciência", seu destino é passar rapidamente
pela "grande engrenagem do mundo" sem deixar traços124.
lkL_
tura, debilitada, e a um habitante decaído, onde consequentemente a '"luz"'
d a história e da civilização jamais brilhará, para Spix e Martius, o Brasil é a
continuidade da civilização européia, qu e aos poucos está jo g a n d o seus
degraus na h ístóiiã evolutiva da huriTãnídadêTI^o "espetáculo" desse "espe-
Iho mãgicõ^Võsm^áipntólârõ^^lllídSs dãcen a ,a priorí, pelo próprio curso
d a história da natureza. Em contrapartida, os negros, tendo ultrapassado a
fronteira entre a "selv ageria" e a "civilização", servem com o prova de que o
processo civilizador estava em pleno desenrolar. Para os nossos autores está
claro que a escravidão n ada mais era qpe um m alnecèssáxio paraairãridcrf'
e ssa-^raça in ferior"
? lÇ ^ ^ a r ü ^ q u a iit o .e r a n e 5 § s s á n o ^ iç u k ^ ^ J ^ ^ ^ ^ à ç a o ^ ^ e s c u s a s -
se a colonização d o triste destino do incola am eriçáo.Q,— -
Talvez essa seja a passagem que melhor elucide os extrem os de sua experiên
cia como viajante europeu nos trópicos. Se nas matas do Rio de Janeiro, quan-
spix &Martius, op. ai, voi. iq, p. 240/1256. do de sua chegada, a saudade da terra natal dos viajantes é superada pelo
Semelhantemente ao qu e alguns de seus compatriotas, como Herder, Schle- 133 Na Viagem pelo Brasil, a tradução desses ter
gel e Hegel, por exemplo, haviam ensinado, Martius se utiliza da m etáfora mos suscita algumas dificuldades, em virtude
solar133para definir õ inexorável caminho da "cultura" e da "salvação", que, da ausência dc critério para defini-los. Para tan
to, basta examinar alguns exemplos: "Cultur-
no entanto, ainda não haviam atingido aquele "ermo pavoroso". A despeito zustand" (p. 7) & vertido para "estada dc
de a colonização européia ter espalhado em muitos aspectos "sem entes da civilização" (i, p. 27); "hohere Bildung" (p. 90-
destruição"134, confõfm e bpix elvíartius reparam, não podênTãtraridorrara 1) e "Bildung" (p. 98,105,492, 1255,1285) tam
bém são vertidos paxa "civilização” (1, p. 48, 53,
crença que justifica a própria superioridade dò europeu e o príriHpicTda 56; n , p. 63; III, p. 173,257). Mas "Bildung".(p.
humanidade. Se á metatora solar traduz a trajetória do que ora~cKã!iTam de 115) também pode aparecer como "cultura" (I,
Bildung (formação), de Kultur (cultura) ou deZ ívilisation (civilização), então p. 64), "curopliische Bildung" (p. 1(M, 204) como
"cultura européia" (I, p. 56,125) e "literarische
o seu olhar investigador precisa perscrutar, por onde passam, as evidências Bildung" (p. 104) como "cultura científica" (I,
dessa irradiação135. p. 56). Ibiácni Evidentemente, a tradução da
palavra "Bildung" é complexa, pois pode ser .
entendida como educação e ■formação cultural
Conforme a análise de N orbert Elias, os conceitos de Kultur e Zivilisation ou cultura. Os autores também usam o termo
apresentam, desde a Ilustração, nítida diferenciação no pensam ento ale "Civilisation", cuja traduçao, em sua maioria, é
m ão. O ponto de partida para a distinção desses conceitos é a oposição "civilização". Já "Cultur"!ambémpode se rusa-
do no sentido de cultivo da terra. Chamamos a
entre o com portam ento da aristocracia e^asecndent ^intelligentsia b u rg u e Atenção, novamente, para o fato de mantermos
sa na Alemanha. De um lado, a idéia á è ^ ivilisüH0 2 -iri.âuzia a "su p erficia nas citações originais da Rase m Bmsihen e de ,
lidade, cerimônia, conversas form ais", atribuídas à nobreza. Do outro, ter- algumas outras fontes a grafia da Lmgua.aJe-:
má do século XIX, segundo a qual, por. exem
se-ia aj^íltím^que expressava a "vida interior, profundidade de sen tim en plo, escrevc-se "ÇiviJisatíon"'e ' Cultur' com.a-,
to, absorção em livros, desenvolvimento da personalidade in d iv id u al", letra C. . ,■ ... .■