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O Papel das
Unidades de
Conservação
As UCs produzem bens e serviços de elevado
valor econômico. Os custos de produção desses
benefícios são significativos e estão diretamente
relacionados ao esforço para a conservação
O
interesse do ser humano em proteger alguns lugares especiais do planeta é bastante an-
tigo, mas somente em 1872 ocorreu o marco da atual política de conservação dos re-
cursos naturais – a criação do Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos.
Ainda no século 19, inspirado na estratégia americana, o engenheiro André Rebouças iniciou
esforços para criar parques nacionais no Brasil, com especial interesse na ilha do Bananal e nas
extintas Sete Quedas. Entretanto, só depois da morte desse pioneiro seu desejo se concretizou,
com a criação do Parque Nacional do Itatiaia, em 1937.
A função das áreas protegidas e o seu papel na sociedade mudaram ao longo dos anos, mas
basicamente esses espaços são uma resposta cultural às ameaças sofridas pela Natureza, sua
exuberante flora e fauna e belezas cênicas. Com o crescimento da população humana, o impacto
sobre os recursos naturais do planeta tem aumentado enormemente. Hoje, essas áreas represen-
tam também um importante instrumento para manutenção dos serviços ambientais, que são os
benefícios concedidos às sociedades humanas pelos ambientes naturais bem preservados, como
proteção de reservas de água, conservação dos solos e mitigação dos efeitos das mudanças climá-
ticas que estão em curso.
PAREDES DE ARENITO
No Brasil as unidades de conservação (UCs) são a forma mais difundida de proteção. Inúme- abrigam ninhos de araras-
ras delas foram criadas no país com distintos objetivos e sob a gestão de diferentes órgãos. Mas azuis-de-lear (Anodorhynchus
até o final da década de 80 não existia no país um sistema de unidades de conservação com leari) na Estação Biológica de
estrutura organizada e coesa. Nessa época iniciou-se o debate sobre como deveria ser um Canudos, em Canudos, BA,
© FABIO COLOMBINI
As UCs são divididas em duas categorias Natural e Refúgio de Vida Silvestre. Sete cate- das não só pela União, mas também pelos es-
principais, de acordo com os usos que lhes são gorias compõem o grupo de uso sustentável: tados e municípios ao criarem seus espaços
permitidos: as de proteção integral e as de uso Área de Proteção Ambiental, Área de Relevan- protegidos. Esse sistema permitiu que as UCs
sustentável. As unidades de proteção integral te Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Re- brasileiras se enquadrassem nos critérios ado-
têm como objetivo primordial preservar a Na- serva Extrativista, Reserva de Desenvolvimen- tados internacionalmente pela União Interna-
tureza e admitem apenas o uso indireto dos to Sustentável, Reserva de Fauna e Reserva cional para a Conservação da Natureza
recursos naturais. Já as de uso sustentável têm Particular do Patrimônio Natural. (IUCN), entidade vinculada à Unesco, que de-
por finalidade compatibilizar a conservação da No Brasil, outros instrumentos legais reco- fine e padroniza as categorias de áreas protegi-
Natureza com o uso sustentável de uma parce- nhecem distintas formas de áreas protegidas das baseada no entendimento de que a prote-
la dos seus recursos naturais. que não são consideradas UCs. São elas: terra ção dos recursos naturais necessita incorporar
O SNUC prevê a existência de 12 tipos de indígena, reserva legal e área de preservação todos os processos naturais e as interações hu-
UCs, que se enquadram nas categorias de pro- permanente. O SNUC padroniza as categorias, manas. Entre os avanços trazidos pelo SNUC,
teção integral ou de uso sustentável. São cinco seus objetivos de criação e as estratégias de ges- um merece destaque por ser único na América
de proteção integral: Estação Ecológica, Reser- tão de cada tipo de unidade de conservação. As Latina: o reconhecimento da importância do
va Biológica, Parque Nacional, Monumento definições contidas no sistema devem ser segui- setor privado na conservação dos recursos na-
turais, com a criação das Reservas Particulares
Conceitos-chave do Patrimônio Natural (RPPNs).
A gestão do SNUC é de responsabilidade
■ No Brasil as unidades de conservação (UCs) são a forma mais difundida de proteção. Muitas foram
das esferas governamentais e do Instituto Chi-
criadas com diferentes objetivos e sob a gestão de diferentes órgãos. Mas até o final da década de
co Mendes de Conservação da Biodiversidade
80 não existia um sistema com estrutura organizada e coesa.
(ICMBio), autarquia vinculada ao Ministério
■ Nessa época iniciou-se o debate sobre como deveria ser um sistema coerente e unificado. Após mais
do Meio Ambiente responsável pela criação e
de dez anos, em 2000, foi publicado o SNUC, cuja estrutura atende às necessidades de uso e con-
pelo gerenciamento das UCs federais. As se-
servação de recursos naturais no país.
cretarias estaduais de meio ambiente e os
■ O Brasil dispõe de um mapa de áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade, desenvol-
órgãos correlatos respondem pelas UCs nas
vido no final dos anos 90 e revisado periodicamente.
esferas estadual e municipal.
■ O avanço do desmatamento é um forte indutor para a criação de novas UCs na Amazônia, que
FONTES: IBGE, MMA, ISA, CNIP E CI-BRASIL
ainda dispõe de grandes extensões de florestas intactas. Várias unidades foram estrategicamente
criadas para conter o avanço da pressão antrópica.
Números e Metas Brasileiras
O Brasil detém uma enorme diversidade bio-
■ É preciso considerar que a maior parte das áreas protegidas, no Brasil, é composta por unidades de
lógica e por isso, é chamado de país de mega-
conservação de uso sustentável, como Áreas de Proteção Ambiental (APA), onde diversas atividades
diversidade. As UCs representam a principal
humanas são permitidas.
estratégia para proteger toda essa riqueza.
■ As UCs produzem muitos bens e serviços de elevado valor econômico, que beneficiam direta e
Como signatário da Convenção sobre Di-
indiretamente um número elevado de pessoas, empresas, indústrias e governos.
versidade Biológica (CDB) das Nações Unidas,
dos duas vezes. Para um cálculo mais realista da importância biológica e de áreas sob forte pres- no país, 19 não têm qualquer tipo de proteção,
superfície protegida, precisaríamos eliminar to- são antrópica. Processos semelhantes vêm sen- 8 são parcialmente protegidos, e apenas 5 es-
das as sobreposições. do desenvolvidos também em alguns estados tão dentro de UCs de proteção integral.
Outro ponto a ser considerado é que as UCs como Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, É preciso considerar que a maior parte da
também são criadas para garantir a represen- Pernambuco e Rio de Janeiro, e essa ferramen- superfície protegida no Brasil é composta por
tatividade dos diversos biomas, ambientes e ta tem orientado a criação das novas UCs. unidades de conservação de uso sustentável,
biodiversidade do país. As metas de proteção O avanço do desmatamento é um forte in- como Áreas de Proteção Ambiental (APA),
estabelecidas internacionalmente são impor- dutor para a criação de novas UCs na Amazô- onde diversas atividades humanas são permi-
tantes balizadores, porém não mostram como nia, que ainda guarda grandes extensões de tidas, incluindo as que produzem profundos
as UCs devem ser selecionadas e delimitadas. florestas intactas. Várias unidades foram estra- impactos ambientais, como a mineração e a
As prioridades de conservação em cada um dos tegicamente criadas para conter o avanço da indústria, e onde se incluem até mesmo núcleos
biomas devem ser guiadas para atingir os dife- pressão antrópica, estabelecendo um cinturão urbanos. Frequentemente, essas áreas de uso
rentes ambientes que compõem um bioma, verde frente ao arco do desmatamento e tam- sustentável no país não cumprem o mínimo
além de focar regiões com altos índices de ri- bém ao longo de rodovias, como na BR-163 necessário para alcançar os objetivos de con-
queza biológica, presença de espécies endêmi- (Cuiabá-Santarém) e mais recentemente na servação a que se destinam. São poucos os
cas, raras ou ameaçadas de extinção, áreas BR-319 (Manaus-Porto Velho). exemplos de APAs onde realmente existem pla-
importantes por serem provedoras de serviços Estamos aquém do estipulado pela meta nejamento e manejo compatíveis ao uso e à
ambientais e também aquelas com alta pressão que define a proteção de 100% das espécies conservação dos recursos naturais.
antrópica e elevados níveis de ameaça. ameaçadas em UCs. Isso já se torna evidente Por fim, mas não menos importante, a pre-
O Brasil conta com um mapa de áreas prio- somente pela análise dos sítios para extinção cária situação de muitas das unidades de con-
ritárias para a conservação da biodiversidade zero (Alliance for Zero Extinction – AZE) no servação põe em risco sua integridade e sua
inicialmente desenvolvido no final dos anos 90 Brasil. Um sítio AZE indica a única área de efetividade de conservação. A maioria delas
e revisado periodicamente. Foi realizada uma ocorrência ou residência da maioria da popu- sofre carência de pessoal, infraestrutura e re-
ampla análise, com informações biológicas, lação conhecida de uma espécie “criticamente cursos que comprometem suas atividades de
físicas e socioeconômicas, que contou com es- ameaçada” ou “em perigo”, ou de abrigo de fiscalização, gerenciamento e uso público.
pecialistas em todos os grupos de biodiversida- uma fase de vida da maioria da população co- Muitas não dispõem de plano de manejo para
de. Essa estratégia tem duas abordagens prin- nhecida de uma espécie com esses mesmos nortear as ações dos gestores, e a maioria não
cipais: a identificação de áreas de elevada status de ameaça. Dos 32 sítios AZE existentes tem a totalidade de suas áreas regularizadas, ou
seja, grande parte ainda não pertence ao poder
AS AUTORAS público, o que restringe a atuação dos gestores.
MÔNICA FONSECA, bacharel e mestre em Ecologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Trabalha na Até mesmo o primeiro parque nacional criado
Conservação Internacional há 10 anos, hoje como coordenadora de serviços ecossistêmicos. É editora assistente da no país, o Parque Nacional do Itatiaia, ainda
revista Megadiversidade uma publicação científica da Conservação Internacional. IVANA REIS LAMAS é bacharel
FABIO MASCARENHAS/FLICKR