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ESCOLA DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Profª. Alda Valverde

Aldavalverde58@hotmail.com

RESUMO DA AULA DE INTERPRETAÇÃO E ESTILÍSTICA DO TEXTO JURÍDICO – I

Estratégias e tipos de leitura: de reconhecimento, analítica e crítica; tipologia textual;


coerência: competências necessárias para o seu cálculo; estilística: figuras de palavras;
reestruturação de frases; estudo de caso: sentença.

O QUE É INTERPRETAR?

“Interpretar uma expressão de Direito não é simplesmente tornar claro o respectivo


dizer, abstratamente falando; é sobretudo, revelar o sentido apropriado para a vida
real, e conducente a uma decisão reta.” (MAXIMILIANO, 2006, p. 8)

Métodos de interpretação do Direito

Método:

“o procedimento a ser adotado no estudo ou na exposição de determinado tema”


(SILVA, De Plácido, 2004, P. 916).

1- Gramatical

Consiste em uma leitura inicial do texto, com o objetivo de determinar o significado


literal e o alcance das palavras, não apenas isoladamente, mas também em conexão
com as demais palavras.

2-Método Sistemático

Objetiva analisar a norma jurídica em consonância com normas diversas, mas


referentes ao mesmo objeto. Não admite a análise de uma norma isolada das demais.

3-Método teleológico

Fixa-se na noção de finalidade ou de utilidade social do Direito para servir à


sociedade. É a utilidade social do Direito que determina sua aplicação. Busca
salvaguardar os fins sociais da lei e o bem comum.

4- Método histórico- evolutivo

Conforme SALEILLES, (...) “a interpretação da lei não deve ater-se apenas aos
antecedentes legislativos e suas condições de nascimento, mas a lei deve ser adaptada
às condições do meio social que lhe proporcionam nova vida. Quando se adapta a lei
às modificações sociais ocasionadas no transcorrer do tempo, seu sentido evolui
paralelamente à sociedade".

Cf. AFTALIÓN, Enrique R.; VILANOVA, José. Introducción al Derecho. 2. ed. Buenos
Aires: Abeledo-Perrot, 1991. p. 284. Tradução livre.

Técnicas de leitura:

1- Leitura de Reconhecimento

Identifica o significado das palavras, associa estas às demais, analisa todos os


elementos “periféricos” do texto como o título, a autoria, a data e o local da sua
publicação.

- Significado explícito

2- Leitura Analítica

Recorre à análise.

Descartes, em seu método científico, cujo objetivo é conduzir a razão na busca pela
verdade das coisas, entre outras etapas ensina que se deve:

“dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas
possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las[...]” (DESCARTES,
1987a, p. 37-38).

Apropriando-se desse método, esta fase da leitura –analítica – procede ao


fracionamento do texto em parágrafos; destaca a ideia principal; registra à margem do
texto uma frase que o sintetize.

Exemplo:

Novas famílias entre autonomia existencial e a tutela de vulnerabilidades


Gustavo Tepedino
A evolução do tratamento jurídico das famílias revela movimento pendular entre
dois valores caros ao atual sistema jurídico. Em primeiro lugar, a necessidade de se
assegurar a liberdade nas escolhas existenciais que, na intimidade do recesso familiar,
possa propiciar o desenvolvimento pleno da personalidade de seus integrantes. Esse o
propósito do art. 1.513 do Código Civil: “É defeso a qualquer pessoa, de direito público
ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”. Por outro lado, a
tutela das vulnerabilidades e das assimetrias econômicas e informativas, para que a
comunhão plena de vida se estabeleça em ambiente de igualdade de direitos e deveres
(art. 1.511, Código Civil, ex vi do art. 226, § 5º, C.R.), com o efetivo respeito da
liberdade individual. Tendo-se presentes esses dois vetores, e diante das intensas
modificações ocorridas nas últimas décadas na estrutura das entidades familiares,
torna-se indispensável a reformulação dos critérios interpretativos, a despeito da
resiliência, dei alguns setores da doutrina e da magistratura, de admitir a
incompatibilidade entre antigos dogmas de cunho religioso e político com tão radicais
transformações – fenomenológica, percebida na sociedade ocidental, e axiológica,
promovida pela legalidade constitucional.

Exemplo de uma possibilidade de sintetizar o primeiro parágrafo do texto do Dr.


Gustavo Tepedino:

Dois valores importantes no tratamento jurídico das famílias: a) a liberdade nas


escolhas existenciais; b) a tutela das vulnerabilidades e das assimetrias econômicas e
informativas. Apesar do apego a dogmas de origem religiosos e políticos, há
necessidade de reformular critérios interpretativos, em razão do conjunto de
fenômenos sociais que se transformam de acordo com o tempo e o espaço, no
ocidente, e dos valores fundamentados na legalidade constitucional.

3- Leitura Crítica

Explora os implícitos, associa as ideias do texto a outros que tratem do mesmo


assunto, avalia o sentido extraído do texto.
1º) no enunciado (pressuposto):

Ex1- art. 15 CC- “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a
tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.”

2º) na enunciação (subentendido):

O STF (Supremo Tribunal Federal) aprovou nesta quinta-feira (21/08/2008) o texto da


súmula vinculante (entendimento sobre o tema) que proíbe o nepotismo no serviço
público nos três poderes. Pelo texto, ficou estabelecida a ampliação do conceito que
trata do nepotismo cruzado -- quando autoridades contratam parentes de outras
autoridades para driblar a relação direta de parentesco -- e que envolve diretamente
os parentes de autoridades e pessoas que ocupam cargos de chefia ou confiança. A
ordem vale para familiares até 3º grau.

O texto da súmula diz:

"A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por


afinidade, até 3º grau, inclusive da autoridade nomeante ou de servidor da mesma
pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o
exercício de cargo em comissão ou de confiança ou ainda de função gratificada da
administração pública direta, indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações
recíprocas, viola a Constituição Federal".
http://estudandodireito.com.br/php/index.php?
option=com_content&task=view&id=742

Que princípio (s) se encontra(m) implícito(s) na enunciação?

Nessa leitura mais profunda do texto, em que se revela o sentido implícito no


enunciado, o leitor deve possuir determinadas competências, e o texto ser dotado de
clareza e objetividade, isto é, ser coerente.

CÁLCULO DA COERÊNCIA TEXTUAL:

1-Informatividade

Aquele que produz um texto deve ter noção do nível de conhecimento do auditório.
Assim, equilibrará informações novas com aquelas que deduz ser do domínio desse
auditório.

2- Focalização

Importante deixar, no texto, marcas que orientem o cálculo do sentido do texto.

3- Intencionalidade

Ao se produzir um texto, é fundamental que dele se possa extrair a intenção do autor.

4- Intertextualidade

É uma relação estabelecida entre textos, por meio de citação de um autor e sua obra,
paráfrases etc.

5- Aceitabilidade

CLAREZA E OBJETIVIDADE: elementos fundamentais para que o leitor extraia sentido


do texto.

Clareza – algumas dicas:

1º) usar um vocabulário simples, mas formal.

2º) evitar a ambiguidade

Objetividade: algumas dicas

1º) não utilizar palavras subjetivas, amplas ou genéricas:

2º) seja econômico nas palavras

6- Consistência
Manter o fio condutor do texto, a fim de evitar incoerência.

Estilística do texto jurídico

Segundo Miguel Reale:

"Os juristas falam uma linguagem própria e devem ter orgulho de sua linguagem
multimilenar, dignidade que bem poucas ciências podem invocar (...) antes exige os
valores da beleza e da elegância" e devem "ter vaidade da linguagem jurídica, uma das
primeiras a se revestir de forma científica, continuando a ter, desde as origens, o
Direito Romano como fonte exemplar e ponto de referência."

http://jus.com.br/artigos/12364/atributos-da-linguagem-juridica#ixzz2d832OjiO

Características do estilo jurídico:

1- Uso de termos técnicos.


2- Concisão, objetividade, clareza.
3- Na argumentação, emprego de figuras retóricas.
Retórica, conforme Reboul,
“é a arte de persuadir por meio do discurso”.
REBOUL, Olivier. Introdução à retórica. Trad. Ivone Castilho Benedetti. São
Paulo: Martins Fontes, 2000, p. XIV.

Alguns tipos: as figuras de palavras


1- Comparação:
Ex " Edson Fachin, relator do Mandado de Injunção (MI) 4.733, seguiu a mesma
posição, lembrando que, sem legislação específica, “a omissão legislativa
estaria a indicar que o sofrimento e a violência dirigida a uma pessoa
homossexual ou transexual é tolerada, como se fosse uma pessoa não digna de
viver em igualdade com as demais”

Metáfora (lat. metaphòra,ae 'metáfora', do gr. metaphorá,âs “mudança,


transposição”)

Ex.: “A intervenção militar no Estado do Rio de Janeiro representa um


placebo político: não conduz à cura para a insegurança que se proliferou no
Estado. Esta doença produziu uma metástase cuja reversão exigirá mais do que
a presença repressora do exército.”
(Parágrafo extraído de um texto argumentativo.)

2- Alegoria (lat. allegorìa,ae derivado do gr. Allégoría que significa “dizer o


outro”):

Conforme AZEREDO (2008, p.485), A alegoria se dá por meio de uma sucessão


de metáforas.
Acrescenta que “Por meio da alegoria, ideias ou realidades abstratas ganham
representação concreta, geralmente por meio de narrativas [...]”

Ex.: Uma vez, um sultão poderoso sonhou que havia perdido todos os dentes.
Intrigado, mandou chamar um sábio que o ajudasse a interpretar o sonho. O
sábio fez um ar sombrio e exclamou: "Uma desgraça, Majestade. Os dentes
perdidos significam que Vossa Alteza irá assistir a morte de todos os seus
parentes". Extremamente contrariado, o Sultão mandou aplicar cem chibatadas
no sábio agourento. Em seguida, mandou chamar outro sábio. Este, ao ouvir o
sonho, falou com voz excitada: "Vejo uma grande felicidade, Majestade. Vossa
Alteza irá viver mais do que todos os seus parentes". Exultante com a
revelação, o Sultão mandou pagar ao sábio cem moedas de ouro. Um cortesão
que assistira a ambas as cenas vira-se para o segundo sábio e lhe diz: "Não
consigo entender. Sua resposta foi exatamente igual à do primeiro sábio. O
outro foi castigado e você foi premiado". Ao que o segundo sábio respondeu:
"a diferença não está no que eu falei, mas em como falei".
Pois assim é. Na vida, não basta ter razão: é preciso saber levar. É possível
embrulhar os nossos pontos de vista em papel áspero e com espinhos,
revelando indiferença aos sentimentos alheios. Mas, sem qualquer sacrifício do
seu conteúdo, é possível, também, embalá-los em papel suave, que revele
consideração pelo outro.”
http://www.migalhas.com.br/Quentes/
17,MI217918,61044Cinco+licoes+sobre+a+vida+e+o+Direito+por+ministro+Bar
roso

3- Símbolo – tipo de metáfora


Ex.: “É o Juiz entre a cruz e a espada. De um lado, a consciência, a fé cristã, a
compreensão do mundo, a utopia da Justiça… Do outro lado, a Lei.” (Processo
Número1863657-4/2008, Autor: Ministério Público Estadual /Réu: B.S.S)

4- Personificação – tipo de metáfora


Ex. O Juiz, de sua vez, deve ser a “boca da Lei.” (Processo Número1863657-
4/2008, Autor: Ministério Público Estadual /Réu: B.S.S)
5- Metonímia (gr. metónumía,as 'emprego de um nome por outro', pelo lat.
metonymìa,ae)
Ex.: Art. 16. CPP- O Ministério Público não poderá requerer a devolução do
inquérito à autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao
oferecimento da denúncia.

6- Antonomásia – (tipo de metonímia-gr. antonomásia, através do lat.


antonomasìa, em retórica 'nome que nada tinha que ver, morficamente, com
o nome a que se juntava ou a que substituía')
Substitui-se um nome próprio por um nome comum ou vice-versa. O nome
comum destaca um atributo do nome próprio.
“Pode ter intuito descritivo, laudatório, pejorativo, eufêmico ou irônico.”
(AZEREDO, 2008, p.487)
Ex.: “B.S.S é surdo e mudo, tem 21 anos e é conhecido em Coité como
“Mudinho.” (Processo Número1863657-4/2008 Autor: Ministério Público
Estadual
Réu: B.S.S)
Ex.: O Divino Mestre morreu para nos salvar.
Ex. Ele sempre foi um Hitler com seus funcionários.
7- Perífrase - (tipo de metonímia)
Nome dado à antonomásia quando composta por um grupo de palavras. É mais
ampla que a antonomásia, porque admite a substituição de nome comum por
um conjunto de palavras composto por nomes comuns.
Ex.: O rei dos animais domina a selva. (leão)
Ex.: A terra dos faraós atrai muitos turistas. (Egito)
8- Diáfora ou antanáclase – uma espécie de trocadilho
Ex.: “Morte à vista do pedido de vista” (Ascânio Seleme, O Globo, País, p. 10, 15
fev. 2020)

Referências:

AFTALIÓN, Enrique R.; VILANOVA, José. Introducción al Derecho. 2. ed. Buenos


Aires: Abeledo-Perrot, 1991. p. 284.
AZEREDO, José Carlos. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo:
Publifolha, 2008.
CARNEIRO. Paulo Cezar Pinheiro. A Atuação do Ministério Público na Área Cível.
2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris LTDA, 2001.
FETZNER, Néli Luiza Cavalieri; TAVARES JUNIOR< Nelson Carlos. VALVERDE, Alda
da Graça Marques. Linguagem e Argumentação Jurídica: Peças processuais:
Estrutura e argumentação. 5.ed. Rev. Atual. Ref. Rio de Janeiro: Forense,2018.
GRAU. Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do
Direito. São Paulo: Melhoramentos, 2002.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19.ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2006.
REBOUL, Olivier. Introdução à retórica. Trad. Ivone Castilho Benedetti. São
Paulo: Martins Fontes, 2000.
Revista Brasileira de Direito Civil - RBDCivil | ISSN 2358-6974 | Volume 6 – Out /
Dez 2015.
SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. São Paulo: Atlas, 2011.
SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. Atual. Nagib Slanibi Filho e Gláucia
Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

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