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O Fórum Centro-Oeste de Relações Internacionais (FoCO RI) é um projeto acadêmico

desenvolvido por alunos de graduação em Relações Internacionais da Universidade de


Brasília (UnB). Tendo como objetivo preparar os estudantes para o FoCO RI, a RI em
FoCO se propõe a condensar tanto os relatórios dos grupos de estudo quanto artigos pro-
duzidos por outros estudantes e por convidados do evento. Desta forma, a RI em FoCO
procura servir como uma orientação geral para o evento, assegurando a coesão do evento
dentro de linhas mestras.

Conselho editorial:
Mariana Barros da Nóbrega Gomes
Mário Augusto Frasson
Rafael de Souza Pavão
Victória Monteiro Sousa Santos

Projeto e edição gráfica:


Carolina Sanches Lecornec Dias

RI em FoCO
RI e os debates contemporâneos sobre segurança: possibilidades e
limites do Direito Internacional
Número 1 – Outubro de 2012
Coordenação: Mariana Barros da Nóbrega Gomes
Mário Augusto Frasson
Projeto e edição gráfica: Carolina Sanches

Instituto de Relações Internacionais


Campus Universitário Darcy Ribeiro – Gleba A
Caixa Postal: 04306
70919-970 – Brasília – DF
publicacoes@focori.com.br
Editorial
Mário A. Frasson

Segurança: confrontando perspectivas, buscando definições


Security: confronting perspectives, looking for definitions
Bárbara Bueno
Débora Lobato
Henrique Benassi
Jasmim Madueno

Controvérsias de Intervenção no Direito Internacional


Interventions Controversies on the International Law
Ana Júlia Fernandes
Ana Luiza Pessato Pena
Denisse Veja Flores
Jaqueline Azevedo
Julia Rovery de Souza

Abordagens pós-positivistas de Relações Internacionais sobre


Ordem Internacional
Post-positivists aproaches in International Relations about
International Order
Larissa Pressotto
João Paulo Nacarate
Thais Oliveira

Do tradicionalismo à modernidade: a política de segurança


brasileira
From traditionalism to modernity: the Brazilian security policy
Amanda Evelyn Cavalcanti de Lima
Ana Maria de Sousa Chagas
Jéssika Santiago de Assis
Organizações internacionais: equilibrando as demandas da
Segurança e do Direito Internacional
International Organizations: balancing demands of Security and
International Law
César Costa Carvalho
Fabiane C. Almeida Freitas
Luisa Maria Silva Merico
Sarah Raquel Fróz Silva
Thábita de Maria S. Pereira

Além do humanitário: segurança, política e


direito no regime internacional de proteção aos refugiados
Beyond the humanitarian: security, politics and Law in the
international regime of refugees’ protection
Ananda Carvalho Martins
Deborah Cristina Rodrigues Ribeiro
Patrícia Nabuco Martuscelli

A Sociedade Internacional Global e os Desafios do


Novo Milênio: Da luta interestatal à emergência do terrorismo
globalizado
The Global International Society and the Challenges of the New
Millennium: From the interstate struggle to the globalised terrorism
Fernanda Ferreira de Freitas
Leonardo Carvalho Leite Azeredo Bandarra

Missão de paz da ONU e o Congresso Nacional do Brasil


UN peace operations and the Brazil’s National Congress
Helvisney dos Reis Cardoso
Lucyane Bertrand Pinto
A relação entre Direito Internacional e Segurança
Internacional na América Latina contemporânea
The relation between International Law and International Security in
the contemporary Latin America
Andressa da Mota Silveira Rodrigues
Humberto Mayese Correa
Jamerson S. Albuquerque Oliveira

América do Norte – Direito e Segurança


North America – Security and Law
Gustavo Huppes
Simone Lima

O processo de securitização na Primavera Árabe –


Estudo comparado dos casos da Líbia, Síria e Bahrein
The securitization process of the Arab Spring -
A comparative study on the cases of Libya, Syria and Bahrein
Liliane Pessoa Silva
Pedro Henrique L. do Nascimento
Rodrigo Guerra Bergmann

A expansão da agenda de segurança na Ásia-Pacífico:


uma análise em zoom out
The expasion of the security agenda in Asia-Pacific: an analysis in
zoom out
Letícia Tofoli
Márcio Nascimento
Ricardo Prata Filho

ENCICLOPÉDIA
É com imenso prazer que lhe apresento as primeiras palavras da RI em FoCO, uma revista
gestada desde a fundação do Fórum Centro-Oeste Relações Internacionais (FoCO RI), em 2009. Esta
revista que tem em mãos é um resultado tanto de um esforço de toda equipe do IV FoCO RI, quanto
do histórico de comprometimento do fórum com a excelência acadêmica.
A RI em FoCO é uma consolidação de esforços para a criação de espaços para reflexões e para
debates de estudantes de graduação em Relações Internacionais. Sem abrir mão da busca por
excelência acadêmica e por pluralidade de opiniões, esta revista chega à sua forma final expondo as
reflexões da equipe e de colaboradores em torno do tema central do IV FoCO: RI e os debates
contemporâneos sobre segurança – possibilidades e limites do Direito Internacional.
Pensando nas relações entre Direito e Segurança Internacionais, propôs-se o FoCO RI a
levantar as harmonias e as contradições desta relação. Em tempos de questionamentos emergentes
sobre a ordem internacional, de dúvidas sobre as estruturas de segurança internacional e de demandas
urgentes ao Direito Internacional; esta revista vem insistir em debater e em explorar pontos de tensão.
Organizando as discussões em três grandes grupos temáticos – grandes temas; conhecimento
aplicado; e estudos de área –, a RI em FoCO tenta estabelecer um panorama geral não pra sustentar
opiniões a ela alheias, mas sim para iniciá-los. Ou seja, não se propõe aqui respostas definitivas, mas
se procura oferecer reflexões iniciais para que os leitores cheguem às suas conclusões.
Se esta RI em FoCO não é a síntese máxima do IV FoCO RI, é parte indissociável de seus
impulsos fundamentais à guisa de novos diálogos. Entre todos os seus desdobramentos possíveis, a
revista faz um último esforço em suas últimas páginas: a Enciclopédia do FoCO, um compêndio de
referências básicas que pretende fornecer informações para iniciar pesquisas nos temas aqui
levantados.
Ainda que seja uma resultante de muitos esforços, esta revista é apenas uma tentativa de início.
O que deixamos aqui é somente uma contribuição para a reflexão, um primeiro movimento que
precisará ser animado tantas outras vezes. Porém, fica aqui o primeiro passo, o início necessário em
suas virtudes e em seus defeitos; mas um início.
Um bom IV FoCO RI a todos nós,

MÁRIO A. FRASSON
Coordenador acadêmico – IV FoCO RI
RESUMO ABSTRACT

O artigo traça uma panorama sobre o This paper provides an overview of the
campo de estudos de segurança dentro field of security studies in International
das Relações Internacionais, Relations. It begins with a historical
começando por uma abordagem approach, then different perspectives
histórica e apresentando, em seguida, within the field are presented, and
diferentes perspectivas sobre a their strengths as well as the critiques
segurança e os pontos fortes assim that can be made to them are also
como os pontos de crítica de cada uma presented. Finally, topics related to the
destas. Por fim, são apresentadas international security field are
análises de temas relacionados ao analyzed in order to show how the
campo de segurança com vistas a se theoretical strands may apply.
mostrar como as correntes teóricas
podem ser aplicadas.

PALAVRAS-CHAVE: Segurança KEYWORDS: International Security,


Internacional, Segurança Humana, Human Security, Securitization,
Securitização, Terrorismo, Intervenção Terrorism, Humanitarian Intervention.
Humanitária.

1
Débora Lobato cursa o 4° semestre de Relações Internacionais na Universidade de Brasília
(UnB). Esta é segunda vez que participa do Fórum do Centro Oeste de Relações Internacionais
(FoCO-RI), já participou, também, da organização de dois outros projetos da UnB e foi membro
do Centro Acadêmico de Relações Internacionais (CAREL) da UnB por dois anos. Bárbara Bue-
no cursa o 3° semestre de Relações Internacionais da UnB. Já participou da organização de ou-
tros projetos da UnB, tendo sido coordenadora do projeto social AMUN Kids. É membro da
atual gestão do CAREL e do PET-REL.
1. INTRODUÇÃO sua restrição. O objetivo, aqui, é apresentar
um panorama do campo de segurança, de
O presente artigo objetivava, modo a embasar as subsequentes análises.
inicialmente, traçar uma definição
consistente de segurança, perante análise da 2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO
evolução do campo de estudo ao longo do CONCEITO
tempo e avaliação dos estudos
contemporâneos de segurança. Apesar de ter O conceito de segurança tem sido objeto
-se empreendido o método descrito, não foi de discussão de teóricos das relações
possível traçar a definição precisa de internacionais desde a formação deste
segurança que se pretendia. Ao contrário, campo de estudo, sendo possível remeter a
tornou-se evidente a importância de cada preocupação normativa com questões de
uma das múltiplas definições propostas, segurança internacional a períodos que
como será notada ao longo do artigo. Este precedem a formação da disciplina. De
será estruturado da seguinte forma: será modo a sistematizar o estudo do conceito e
apresentada, em seguida, a evolução de sua evolução até os debates
histórica do conceito. Na terceira seção contemporâneos, será adotada uma linha
serão apresentadas as teorias temporal que se divide em um período
contemporâneas em torno das quais o debate anterior à Segunda Guerra Mundial, sendo o
sobre segurança se concentra, sendo todas marco escolhido a explosão da bomba
avaliadas criticamente. Na última seção, atômica em 1945, um período que
serão apresentados três casos práticos em compreende do pós Segunda Guerra, até o
que o conceito de segurança pode ser fim da Guerra Fria, em 1991, e, por fim, o
aplicado, de modo que os conceitos período do pós Guerra Fria, que se estende
trabalhados e desenvolvidos ao longo do até os dias atuais.
artigo sejam efetivamente testados.
2.1.1 Vertente dos Estudos de
2. SEGURANÇA: Guerra e Paz anteriores à
ARCABOUÇO CONCEITUAL Segunda Guerra Mundial

A presente seção traça uma evolução A guerra é um dos aspectos mais


histórica do campo de estudo de segurança, analisados das relações internacionais, tendo
se estruturando em torno de três marcos: a sido um dos objetos de estudo que
Primeira Guerra Mundial, a Segunda Guerra impulsionou a formação da própria
Mundial e a Guerra Fria e, em seguida, disciplina. O Diálogo Mélio, do livro A
apresenta duas principais vertentes deste: a Guerra do Peloponeso, de Tucídides,
que preza por sua ampliação e a que defende contrapõe o poder militar dos atenienses ao
poder meramente discursivo – e lembrar que a defesa ao modelo republicano
fundamentado por questões de moral e de de Kant não implica defesa da democracia
justiça – dos mélios em uma contenda entre como condição para a paz, tendo o próprio
os dois povos, na qual os últimos tentavam autor pontuado esta distinção explicitamente
dissuadir os atenienses a invadi-los sem ter em sua obra3.
de curvar-se ao poderio destes. O texto, nos Norman Angell (2002 [1910]) seguiu a
primórdios das reflexões sobre guerra e paz tradição de pensamento kantiana, tendo
e sobre qual destes – capacidades materiais argumentado no sentido de provar como a
ou valores morais – se sobressairia no guerra é econômica e socialmente fútil e
cenário internacional, impulsionou e até hoje como seria cada vez menos frequente à
inspira estudos sobre a guerra. medida que se ampliasse a interdependência
As ditas reflexões se desenvolvem entre os países. O autor busca, deste modo,
paralelamente ao desenvolvimento das desconstruir a ilusão de que o bem-estar e a
próprias civilizações, cabendo citar aqui prosperidade nacional dependem da
Kant (2008 [1795])2 que, em sua obra A Paz capacidade do país de expandir suas
Perpétua, reflete sobre as condições que fronteiras e de extrair as riquezas dos outros
possibilitariam o estabelecimento da paz países mediante a força: para Angell (2002),
entre os países. O autor enfatiza, dentre as a riqueza dos países se basearia em créditos
referidas condições, que a Constituição Civil e contratos oriundos das relações
de cada Estado deve ser republicana, pois o econômicas entre os agentes e resultantes de
soberano não agirá despoticamente e o povo, uma crescente interdependência, de modo
consciente dos sofrimentos que lhe serão que a guerra, ao dificultar o andamento
infligidos na guerra, seja pela imposição de ordinário das relações citadas, se tornaria
que combate por seu país ou mesmo pelas inviável.
percas de patrimônio que pode vir a sofrer, Percebe-se, logo, que o conceito de
hesitará em deliberar favoravelmente à segurança ficava circunscrito aos estudos de
mesma. Semelhante argumento é guerra e paz, havendo, no período anterior à
desenvolvido pela Teoria da Paz Segunda Guerra Mundial, uma expectativa
Democrática, segundo a qual, democracias de que se poderia evitar um conflito
não entram em guerra com outras semelhante à Primeira Guerra Mundial
democracias (NOGUEIRA & MESSARI, através da aplicação efetiva da lei
2005). Apesar da semelhança, deve-se internacional e também em virtude da

2
É importante ressaltar que Kant entende o republicanismo como "o princípio político da separação entre o
poder executivo (governo) e o legislativo" (KANT, 2008 [1795], p.13-14).
3
O autor afirma, inclusive, que a democracia seria um despotismo, na medida em que estabelece um poder
executivo em que "todos decidem sobre e, em todo caso, também contra um (que, por conseguinte, não dá o
seu consentimento), portanto todos, sem no entanto serem todos, decidem - o que é uma contradição da vonta-
de geral consigo mesma e com a liberdade (KANT, 2008 [1795], p. 14).
percepção da inutilidade da guerra para estratégia. Será usada a definição de Baylis e
atingir fins econômicos com o fim do Wirtz (2007) de que a estratégia é o meio
mercantilismo (FREEDMAN, 1998). Com o pelo qual os efetivos militares são traduzidos
advento da Segunda Guerra Mundial e com em resultados políticos. Desta forma, uma
a explosão das bombas nucleares em estratégia de sucesso identifica objetivos e
Hiroshima e Nagasaki, houve uma mudança vantagens comparativas em relação ao
na orientação dos estudos sobre segurança, inimigo, calcula custos e benefícios,
que culminou na vertente estratégica destes examina riscos e estratégias alternativas e,
estudos, que será explorada a seguir. por fim, convence o inimigo de que ele não
conseguirá atingir seus objetivos (BAYLIS
2.1.2 Vertente Estratégica – & WIRTZ, 2007).
Entre 1945 e o fim da A questão de uma estratégia nuclear foi
Guerra Fria primeiramente problematizada por Brodie
em 1946. Este buscou demonstrar como a
A vertente estratégica de estudos sobre posse de armas nucleares mudava a posição
segurança dominou o meio acadêmico nas dos países em termos de segurança no
décadas de 50 e 60, período denominado cenário internacional. Brodie enfatiza,
Golden Age, tendo sido especialmente especialmente, a necessidade de que um país
voltada para o estudo das armas nucleares e tenha poder de retaliar ofensivas no mesmo
de como estas poderiam ser grau em que estas são feitas, o que, na era
estrategicamente utilizadas de modo a nuclear, pode ser entendido como a difusão
minimizar os riscos de uma hecatombe da posse de armas atômicas de modo a criar
global (FREEDMAN, 1998). Ainda que a uma situação de deterrence5. Deste modo,
notabilidade desta vertente date do período Brodie percebe as armas nucleares como
descrito, ela remete a estudos mais antigos, meio de se evitar guerras e não como meios
como os empreendidos por Clausewitz e Sun de se decidir quem será o vencedor das
Tzu4. próximas guerras (BRODIE apud
Antes de analisar mais a fundo a vertente STEINER, 1991).
estratégica dos estudos de segurança é A supracitada estratégia de deterrence
importante delimitar o que se entende por foi, no entanto, levada a efeito de diferentes

4
Ambos desenvolvem estudos relativos à estratégia militar, sendo que Clausewitz coloca que a natureza da
guerra deve ser entendida para que se possa desenvolver uma estratégia efetiva. É deste autor a máxima: "a
guerra é a continuação da política por outros meios". Sun Tzu também foi um estrategista de guerra: no entan-
to, este se diferencia de Clausewitz na medida em que acredita que o inimigo pode ser vencido sem um neces-
sário "banho de sangue". Neste sentido, Sun Tzu recomenda a destruição da estratégia do inimigo -mediante,
por exemplo, ataque a sua alianças - em detrimento da destruição do exército do inimigo por si só, como reco-
mendado por Clausewitz (MAHNKEN, 2007).
5
Por deterrence será entendido o processo de se dissuadir um inimigo a usar armas nucleares contra um dado
país através da ameaça de potencial retaliação por meio de semelhante armamento.
modos em relação aos desenvolvimentos A partir da década de 70, no entanto,
nucleares da então União Soviética. Até surgiu uma nova onda de estudos
1949, quando a então União Soviética testou estratégicos, com o fim da Guerra do Vietnã
sua primeira bomba nuclear, essa estratégia em 1975, com o maior financiamento do
se baseava em uma superioridade nuclear campo e com o fim da détente e as tensões
dos EUA. A partir de então, e dos sucessivos entre EUA e URSS que ressurgiam. Esse
desenvolvimentos das armas nucleares dos renascimento dos estudos, como
soviéticos, a estratégia de deterrence passa a denominado por Walt (1991), se
se basear na teoria de Destruição Mútua caracterizou por uma maior utilização da
Assegurada, de John Von Neumann, na qual história na teorização, pelo questionamento
se afirma que o uso de armas de destruição a suposições básicas da teoria de deterrence
em massa por dois lados opositores e pelo desenvolvimento de novas estratégias
resultaria na aniquilação completa de ambos para lidar com a questão das armas
(MCDONOUGH, 2005). nucleares, dentre outras mudanças que
Este período dos estudos estratégicos diferenciam esta fase da Golden Age
entrou em declínio a partir dos anos 60, (WALT, 1991).
quando a teorização sobre deterrence e Logo, os estudos estratégicos, como um
estratégias nucleares se esgotou, não todo, começam a ser questionados por,
havendo muitas inovações e tendo dentre outros motivos, uma obsessão com o
permanecido os mesmos dilemas. Somam-se conflito e a negligência de questões éticas;
a isso as falhas percebidas dos estudos pela abordagem pouco acadêmica; por não
vigentes, que não possuíam uma boa base levarem a uma efetiva resolução para os
empírica para suas conclusões6 e que problemas de segurança – que assumiam
focavam em excesso a parte militar, novas dimensões, como econômica e
negligenciando aspectos políticos. Além societária –; e pelo caráter estadocêntrico em
disso, contribuíram, também, a incapacidade um período em que novas ameaças,não
dos EUA de vencer a Guerra do Vietnã, que restritas ao Estado, estavam sendo
colocou em dúvida as estratégias militares identificadas (BAYLIS,WIRTZ, 2007).
vigentes e o arcabouço teórico que as Mais do que isso, com o fim da Guerra
desenvolveu e a situação de détente dos Fria e o fim da União Soviética, a
EUA e URSS, que reduzia a importância de bipolaridade bem como a existência de um
questões militares e abria espaço para a grande inimigo deixam de guiar a agenda
emergência de questões relativas à crescente internacional dos países (FREEDMAN,
interdependência econômica mundial 1998), abrindo espaço para os novos
(WALT, 1991). conflitos que surgiam como a

6
A fraca base empírica se devia, principalmente, à própria dificuldade de se acessar as informações que eram
frequentemente de acesso restrito.
descolonização africana, com a emergência estudos de segurança no livro Security: A
de movimentos separatistas no leste europeu new Framework of Analysis, de 1997. Os
e como os problemas fronteiriços autores, no entanto, buscam distinguir certos
envolvendo a questão da migração e dos objetos de referência que podem ser
refugiados. Frente a estas alterações na enquadrados aos estudos de segurança,
agenda internacional dos países, surge a mediante o adequamento a certos critérios.
necessidade de reorientação dos estudos de Um deles seria a efetiva apresentação do
segurança, que culminaria na vertente objeto como alvo de ameaça tão
amplas dos Estudos de Securitização. significativa que este passe do domínio da
política normal para o de políticas
2.1.3 Vertente Ampla dos emergenciais. Deste modo, estes autores
Estudos de Segurança e Teoria propõem a ampliação da agenda de
de Securitização segurança mas rejeitam o foco desta em todo
assunto que seja relativo ao bem estar
Como delineado anteriormente, a partir humano, pois assim o conceito se tornaria
da década de 80, surgem novas vertentes dos amplo em demasia, abrangendo tudo e
estudos de segurança, com um crescente perdendo sua funcionalidade (PEOPLES;
declínio dos estudos estratégicos e um VAUGHAN-WILLIAMS, 2010).
aumento de teorias que prezam por uma Paralela à abordagem dos autores
ampliação do conceito de segurança, de citados, enquadrada na Teoria de
modo a extrapolar o setor exclusivamente Securitização, há os Estudos Críticos de
militar. Ullman (1983) criticou a política de Segurança, que prezam por uma agenda
segurança do governo dos EUA, por sua ampla e pela emancipação dos indivíduos.
estreiteza e sua preocupação quase que Uma inovação no campo é, também, a
exclusiva com assuntos militares. O autor, introdução do conceito de segurança
então, propõe que sejam consideradas humana, desenvolvido no primeiro relatório
ameaças à segurança nacional, por uma lado, de desenvolvimento humano do PNUD, em
aquelas que levem a uma degradação, 1994.
drástica e em curto prazo de tempo, da Há que se considerar, no entanto, que o
qualidade de vida dos habitantes de um fato destas vertentes serem escolhidas para
Estado e, por outro lado, ameaças que levem análise ao longo do artigo não significa que
a um estreitamento do rol de opções os estudos contemporâneos de segurança se
políticas disponíveis para o governo do resumem à vertente ampla ou à teoria de
Estado bem como para as pessoas, grupos e securitização. Teorias tradicionais como
corporações dentro do Estado. realismo e liberalismo também orientaram
Buzan, Waever e De Wilde também correntes contemporâneos. Michael Doyle
buscaram integrar assuntos não militares aos (1983) resgatou o argumento kantiano de
que repúblicas são menos propensas a entrar ápice na Golden Age, mas não se
em guerras e utilizou-se de dados restringiram a este recorte temporal, e ainda
compilados por vários projetos behavioristas hoje são feitas teorias sobre o poder de
para sustentar a ideia da paz democrática (é deterrence de armas nucleares. As novas
importante ressaltar que Doyle interpreta o vertentes que surgem contemporaneamente
conceito kantiano de república como não são necessariamente melhores ou mais
democracia). Por outro lado, os realistas, verdadeiras do que as antigas, pois cada uma
frente às mudanças no cenário internacional tem seu valor diferenciado, explicando,
que enfraqueciam a teoria de Waltz, buscam muitas vezes objetos distintos e
novas orientações, redescobrindo, por incomensuráveis.
exemplo, velhos conceitos do realismo.
Stephen Walt, expoente do realismo 2.2 DUAS ABORDAGENS
neoclássico, resgatou os princípios pré- DISTINTAS
waltzianos da centralidade da guerra, e
apresentou duas importantes contribuições A partir de 1994, devido à publicação do
que podem se relacionar ao campo de estudo quarto relatório das Nações Unidas sobre
de segurança: a troca do conceito de balança desenvolvimento humano, em que se
de ameaças por balança de ameaças, com a discutiu o conceito de segurança humana,
instituição do conceito de bandwagon7; e a tornou-se viável a identificação de duas
suposição de que é o estudo da guerra que abordagens dentre do campo de estudos de
define o estudo da segurança internacional segurança: uma normativa e outra analítica.
(NOGUEIRA & MESSARI, 2005). A primeira prima por um foco na realidade
Percebe-se, logo, que os estudos ligados humana, em detrimento de um rigor teórico,
à segurança se desenvolveram de modo enquanto a abordagem analítica coloca em
conexo à conjuntura internacional, refletindo primeira plano a teorização, afirmando que
estruturas de poder e desenvolvimentos um rigor metodológico é indispensável para
tecnológicos. Apesar do impulso de se que se possa analisar efetivamente os
perceber esta evolução tratada de forma assuntos pertencentes ao campo de estudos
linear e progressiva, no entanto, isto não de segurança.
deve ser feito, pois tal evolução apresenta Os estudos normativos são mais recentes
períodos de maior enfoque de determinadas que os analíticos, tendo surgido somente
vertentes, não sendo estas limitadas ao após as operações de policymaking8
período em que estão descritas. Os estudos (FLOYD, 2007). Tanto a abordagem
sobre deterrence, por exemplo, tiveram seu analítica quanto a normativa fazem parte da
7
Por bandwagon entende-se a reação do país A de se alinhar ao país B que lhe ameaça em vez de estabelecer
alianças com os países C e D para contrabalançar o poder de B.
8
Por policymaking entende-se a decisão governamental de tornar determinado assunto objeto da esfera política,
incorporando a questão ao quadro orçamentário e ao processo de decisão nacional.
teoria crítica dos estudos de segurança, que de segurança mudaram após a Guerra Fria,
contesta a abordagem tradicional, focada quando o medo de um inimigo externo cede
somente nos Estados e preocupada, espaço para temores que envolvem os
sobretudo, com ameaças militares. problemas domésticos de cada país. Com a
crescente amplitude dos conflitos internos
2.2.1 Abordagem Normativa em detrimento das guerras entre países torna
-se necessário incorporar os problemas
A abordagem normativa afirma que os domésticos dos países nos estudos de
indivíduos devem ser o principal foco dos segurança, bem como as condições humanas
estudos de segurança (FLOYD, 2007), precárias que muitas vezes catalisam estes
sendo contrária à visão tradicional sobre o problemas.
assunto, que vê o Estado como o único ator Tendo em vista este cenário, o relatório
relevante. Assim, esta abordagem se do PNUD traz o conceito de segurança
preocupa com a segurança humana, conceito humana, ressaltando que este deve ser
inicialmente desenvolvido pelo Programa entendido como universal, interdependente e
das Nações Unidas para o Desenvolvimento preventivo. Universal porque deveria
(PNUD) em 1994, que trata da garantia de abranger todos os seres humanos
que as pessoas possam exercer suas escolhas indiscriminadamente; interdependente
e determinar a própria vida sem o medo que porque as ameaças não deveriam ser
esta capacidade seja repentinamente entendidas como isoladas, mas dentro de
destruída (PNUD, 1994). Ainda de acordo uma estrutura na qual ameaças podem se
com o relatório de 1994 do PNUD, o propagar; e preventivo porque deveria
conceito de segurança humana abrangeria procurar eliminar potenciais ameaças à
sete categorias: segurança alimentar, da segurança humana antes que estas
saúde, econômica, ambiental, pessoal, evoluíssem para um conflito, visto que isto
comunitária e política. seria menos custoso e mais
Percebe-se, pela própria forma como o humanitariamente responsável. Haja vista a
conceito de segurança humana é construído, questão da AIDS: a prevenção seria menos
que este possui uma relação de mútua custosa que o tratamento dos infectados,
dependência com o desenvolvimento tendo em vista o gasto de 240 bilhões, em
humano. Isso porque a liberdade de escolha, 1994, em tratamentos dos soropositivos,
central no conceito de desenvolvimento quando a doença poderia ter sido prevenida,
humano (PNUD, 1990), depende da garantia em grande parte, através de conscientização
de que os indivíduos não serão frustrados na educação de base (PNUD, 1994).
por doenças, pela miséria ou por qualquer O relatório de 1994 foi um marco por
tipo de violência (PNUD, 1994). elucidar que, atualmente, as preocupações
Ainda segundo o relatório, as questões dos seres humanos, em geral, têm pouca
relação com questões militares, se não temer, teóricos como Keith Krause
concentrando em problemas cotidianos, criaram uma versão mais estreita do
como a procura por empregos. É a partir conceito, que consideraria segurança apenas
disso que foram elaboradas as sete como a liberdade de não temer (KRAUSE,
categorias já apresentadas. As preocupações 2004). Segundo Krause (2004), se a
com a segurança humana tem, ainda, estado liberdade para desejar fosse parte do
na agenda das grandes potências, tendo sido conceito de segurança humana, ele passaria
discutida pela primeira vez em 1999 em uma a ser uma “lista de compras”. Ou seja, passar
reunião do Grupo dos 8 (G8) – que é -se-iam a considerar fatores que seriam
formado pelos sete países mais desejáveis que todos os seres humanos
desenvolvidos do mundo e a Rússia. Na tivessem, como boas condições trabalhistas,
resolução desta reunião, ocorrida em Berlim, mas que não afetariam, necessariamente, a
os ministros dos países que compõem o G8 segurança das pessoas que não os tem. De
decidiram que, para que os conflitos de acordo com esse pensamento, a liberdade
segurança pudessem ser solucionados, seria para desejar faria com que o conceito de
preciso considerar mais fatores além dos segurança perdesse sua principal função, que
militares, atentando-se para a extrema é a de identificar indivíduos em condições
importância da preservação dos direitos de risco. Apesar dessas divergências, todos
humanos, bem como das questões os conceitos desenvolvidos sobre segurança
ambientais e da sociedade civil (G8 humana concordam que esta deve ser
INFORMATION CENTER, 1999). centrada nos indivíduos.
Devido à relevância do relatório de Dessa forma, os estudos sobre segurança
1994, as discussões sobre segurança humana humana não apresentariam grandes
foram fomentadas, o que levou ao preocupações analíticas, sendo uma das
surgimento de algumas críticas. A principal grandes críticas apresentadas a eles.
delas seria a de que o relatório ampliaria em Todavia, os teóricos dessa abordagem
demasiado o conceito de segurança, acreditam que não há necessidade de uma
acabando por englobar todo e qualquer teorização da segurança humana, visto que
assunto, e fazendo com que o conceito outros acadêmicos, como os da Escola de
perdesse sua funcionalidade. Outra crítica Copenhagen9, já se preocupariam em
difundida seria a falta de preocupação com o teorizar sobre segurança (FLOYD, 2007).
rigor científico, como já mencionado. Assim, os estudos sobre segurança humana
Em contraposição a essa visão do pretendem corrigir o que consideram como
PNUD (1994) de que a segurança é tanto a um erro da abordagem analítica: a limitação
liberdade para querer quanto a liberdade de da teoria – já que os assuntos que não foram

9
São estes os três passos criados pela Escola de Copenhagen: identificação da ameaça, ação emergencial e
efeitos que a violação das leis causam (FLOYD, 2007).
considerados relevantes dentro de campo de estudo (ULLMAN, 1983).
determinada teoria passariam a ser Outra teoria analítica importante é a de
ignorados quando são, no entanto, muitas securiti zação e dessecuritização,
vezes cruciais para o entendimento da desenvolvida por teóricos da Escola de
situação. É o que ocorreria com os três Copenhagen. As análises realizadas por essa
passos definidos pela Escola de Copenhagen escola buscam atingir um maior rigor
para se securitizar um assunto; para os teórico, a fim de evitar qualquer parcialidade
defensores da segurança humana, essa teoria do autor – crítica feita à abordagem
seria superficial em sua primeira premissa, a normativa, pois se acredita que a pouca
identificação de possíveis ameaças, por não preocupação com metodologia pode levar a
esmiuçar quais ameaças podem ser essas. um aumento da interferência das
Em tais momentos, as ideias de segurança preferências dos autores (FLOYD, 2007). A
humana prevaleceriam sobre a teoria Escola de Copenhagen também tende a
(FLOYD, 2007). diminuir a importância do Estado nos
assuntos de segurança, focando em outros
2.2.2 Abordagem Analítica atores. Apesar disso, importantes teóricos
dessa Escola, como Ole Waever e Barry
Outra maneira de se compreender os Buzan ainda escrevem estudos focados no
estudos de segurança seria através da Estado, por acreditarem que esse continua a
abordagem analítica. Existem várias áreas de ser o principal ator responsável pelos
estudo dentro dessa abordagem, como a processos de securitização (FLOYD, 2007).
análise conceitual e a teoria da securitização, Assim, a principal proposta dessa
por exemplo. A primeira procura definir os abordagem seria realizar uma análise
conceitos utilizados nos estudos de apurada da realidade a fim de se desenvolver
segurança, tendo em vista que vários ainda uma teoria ou metodologia eficaz para a
não se consolidaram. Os teóricos da análise resolução de conflitos, evitando, por
conceitual estudam os conceitos de maneira exemplo, casos de intervenção seletiva10. É
aprofundada, a fim de que se possa atribuir importante ressaltar que o foco na teorização
um único significado para cada um deles. A não necessariamente exclui estudos sobre a
análise conceitual não é, obviamente, segurança humana, mas teóricos como
substituta para experimentos e teorias sobre Buzan e Waever (FLOYD, 2007) acreditam
segurança, mas é de extrema relevância para que eles não seriam muito relevantes para os
a construção de uma base sólida para o estudos de segurança, assim como questões

10
Quando duas situações políticas ocorrem de maneiras muito parecidas, mas para uma coloca-se como solu-
ção a intervenção e para outra não, tem-se a intervenção seletiva, o que leva ao questionamento dos critérios
para a consideração da intervenção como necessária. Um caso recente que reanimou as discussões sobre inter-
venção seletiva foi a intervenção na Líbia e a não intervenção na Síria, sendo ambas as situações muito pareci-
das.
ambientais e econômicas. Para eles, estas mais teórica, enquanto os teóricos críticos
questões ampliariam o conceito de abaixo analisados primariam por uma
segurança de tal maneira que se tornaria abordagem mais próxima à da vertente
impossível criar uma analise efetiva sobre o normativa. É importante ressaltar no
assunto. entanto, que os debates contemporâneos de
Dessa maneira, as duas abordagens segurança não se resumem aos dois
apresentadas – abordagem normativa e apresentados em seguir.
abordagem analítica - pareceriam, em um
primeiro momento, contraditórias. Contudo, 3.1. TEORIA DA SECURITIZAÇÃO
é possível perceber uma correlação na
medida em que uma procura corrigir as A Teoria da Securitização ganhou muito
limitações da outra ao estudar questões destaque a partir da década de 90, mostrando
consideradas de segundo plano em cada -se uma alternativa interessante às
abordagem, de modo que não se deve concepções clássicas de segurança que,
encarar estas duas abordagens como embora contestadas, ainda se mantinham em
competindo entre si para estabelecer uma relativa posição de hegemonia. Essa teoria
hegemonia sobre o campo de estudo de está ligada a uma escola de pensamento
segurança, mas sim como complementares. conhecida como Escola de Copenhagen,
tendo a frente Barry Buzan e Ole Wæver
3. DEBATES CONTEMPORÂNEOS como principais teóricos. O nome Escola de
DE SEGURANÇA Copenhagen se deu por um de seus críticos,
ao aproximar os escritos dessa corrente ao
Tendo sido feita uma análise do Copenhagen Peace Research Institute
desenvolvimento histórico do conceito de (COPRI). Embora no início seja vista como
segurança e da vertente normativa, que uma contribuição europeia para os estudos
preza pela ampliação do conceito, bem de segurança, a teoria é atualmente usada
como da vertente analítica, que preza pela por diversos autores, sendo restritivo
restrição da abrangência do mesmo, serão equacionar a Teoria da Securitização e a
agora apresentadas duas teorias de Escola de Copenhagen (PEOPLES e
segurança correntemente em debate: Teoria VAUGHAN-WILLIAMS, 2010).
de Securitização e os Estudos Críticos. Em essência, “securitizar” um assunto é
Foram escolhidas estas duas teorias fazer com que um assunto de “política
objetivando ilustrar as vertentes descritas na normal” se torne um assunto de “política
seção anterior, posto que os teóricos da extraordinária”11. Uma vez ocorrido esse
securitização primam por uma abordagem processo, o assunto será visto como

11
Entende-se aqui que um assunto de “política normal” é qualquer assunto debatido dentro da esfera pública,
enquanto um de “política extraordinária” é tão essencial à sobrevivência de uma dada ordem social, que sua
fundamental para manter a sobrevivência do que transforma um assunto de política
objeto a que se quer proteger (“objeto de normal em um assunto de política
referência”), e todas as medidas possíveis extraordinária (PEOPLES e VAUGHAN-
serão tomadas para se tratar do assunto. Será WILLIAMS, 2010).
explanado adiante que esse processo é É importante notar que segurança, aqui,
realizado por um “ator securitizante”, que o não é tratada como uma condição objetiva
faz por meio de um “ato de fala”, em (número de tanques nas fronteiras, por
referência à Teoria do Ato de Fala como exemplo), mas sim como um processo social
proposta por John L. Austin e John Searle específico, onde um ator constrói a ideia de
(WÆVER, 2007). A finalidade de que uma ameaça existe e que põe em risco a
“securitizar” um assunto é proteger o objeto sobrevivência de um objeto de referência12.
de referência de uma “ameaça existencial”, O sucesso desse processo securitizante
percebida pelo ator securitizante, que busca depende da aceitação do discurso por uma
convencer uma audiência de que se trata de audiência.
uma ameaça real. Ao colocar a segurança como uma
construção social ideacional, cuja
3.1.1. O que é a Teoria da “existência” depende de um entendimento
Securitização? compartilhado pela audiência, a Teoria da
Securitização vai ao encontro de uma das
O impulso inicial da Escola de premissas básicas do construtivismo, a de
Copenhagen foi fundir duas inovações que conceitos, regras e costumes são
conceituais e teóricas de Barry Buzan e Ole construtos sociais ratificados pela aceitação
Wæver. Buzan, em seu livro de 1983 coletiva. Mas é importante lembrar que nem
Peoples, States and Fear, propôs o todos os construtivistas estão de acordo com
alargamento dos setores englobados pela a Teoria da Securitização.
segurança, acomodando além do setor Há, também, quem proponha que exista
militar, os setores ambiental, social, uma influência do Realismo Clássico nesta
econômico e político. Wæver, em teoria, ao abordar o tema da “sobrevivência”
publicação de 1995, propôs o conceito de e o da “política extraordinária” (realismo
“Securitização”, visto como o procedimento político de Carl Schmitt)13 (WILLIAMS,

resolução é prioritária a todos os outros assuntos (PEOPLES e VAUGHAN-WILLIAMS, 2010).


12
Como a segurança se trata de “sobrevivência”, o “objeto de referência” pode ser definido basicamente como
algo que possa demandar a tomada de medidas emergenciais com objetivo de garantir sua sobrevivência
(PEOPLES, VAUGHAN-WILLIAMS, 2010).
13
Para Carl Schmitt (2007), não é a natureza de um determinado assunto que o torna político, mas sim a inten-
sidade com a qual os atores se relacionam em relação ao assunto. Um assunto político em termos schmittianos
seria aquele que causasse uma relação de amizade-inimizade entre os cidadãos. Então um assunto que outrora
fosse estritamente “religioso” poderia se tornar “político” caso houvesse uma polêmica muito grande ao seu
redor que fosse capaz de separar grupos rivais entre si dependendo de seu posicionamento em relação ao as-
sunto. O “político” para Carl Schmitt se assemelha à “segurança” para a Escola de Copenhagen, pois não é a
2003). Deve-se, contudo, ter em mente as Como proposto na introdução,
divergências entre essas teorias. Para o securitizar um assunto é fazer com que ele
Realismo Clássico, a sobrevivência seria passe de uma política normal para uma
exclusivamente do Estado, e o meio de política extraordinária. Os assuntos podem
assegurá-la seria através de uma capacidade ser classificados como “não-politizados”,
militar superior aos Estados considerados “politizados” ou “securitizados”. Um
como ameaças. Já a Teoria da Securitização assunto não-politizado passa a ser politizado
amplia o objeto de referência e não se quando seus problemas se tornam alvo do
restringe ao âmbito militar da segurança, debate na esfera pública, sujeitos a serem
sem mencionar as distintas metodologias discutidos e tratados pelos protocolos
utilizadas por essas correntes. existentes em uma dada organização
Antes de especificar como um assunto política. Já o assunto securitizado seria
pode ser securitizado e por quem, vale dominante nos debates, e seus problemas
mencionar que outra dissidência com as são considerados vitais para a sobrevivência,
concepções clássicas de segurança é que, sendo de suma importância resolvê-los a
para a Teoria da Securitização, o tratamento qualquer custo, com a urgência com que se
de assuntos como questões de segurança trataria uma guerra (PEOPLES e
seria, na maioria das vezes, nocivo e VAUGHAN-WILLIAMS, 2010).
indesejável. A noção de que a segurança é Para securitizar um assunto, seria preciso
sempre positiva e desejável é questionada mostrá-lo como uma ameaça existencial a
pela Teoria de Securitização mediante o algum objeto de referência. É preciso que o
argumento de que todo assunto securitizado assunto já esteja politizado para que isso
demanda a tomada de medidas aconteça, e caso não esteja, deve-se inseri-lo
emergenciais, que podem extrapolar a no debate público. Tanto a inserção do
legalidade e que comumente impõe assunto no debate público quanto sua
restrições aos direitos e liberdades securitização são feitas por meio de uma
individuais. O desejável, na maioria dos “fala”. Segundo Wæver (2007), um ator
casos, seria o processo inverso profere um “ato de fala” visando à aceitação
(dessecuritização), no qual uma política de uma audiência, e tenta dessa forma
extraordinária retornaria ao campo das securitizar um assunto. É isso o que o autor
políticas normais (WÆVER, 2007). quer dizer quando propõe que ao se “falar
segurança”, na verdade se “faz segurança”.
3.1.2. Como se securitiza O processo de securitização se conclui
um assunto? quando a audiência é convencida e medidas
extremas passam a reger o assunto.

natureza do assunto que o torna político ou securitizado, mas sim o processo social específico de ato de fala
que o faz.
Evidentemente, nem toda securitização é securitizar um assunto sendo a audiência a
bem sucedida. Com isso em mente, Wæver sociedade de Estados, da mesma maneira
(2000) propôs um conjunto de condições que um político influente pode tentar
que facilitariam a conclusão do processo de securitizar um assunto buscando
securitização. A primeira dessas seria a legitimidade entre os cidadãos de um país.
lógica interna do discurso, sua coerência Foi sugerido na subseção anterior que um
para com a estrutura da securitização especialista em segurança teria mais
(apresentação de uma ameaça existencial de facilidade do que um vidente ao securitizar
um objeto de referência, buscando legitimar um assunto, mas caso o vidente tenha
medidas extraordinárias para salvaguardá- credibilidade, ele também pode ser um ator
lo). A segunda seria a autoridade ou a securitizante.
legitimidade do ator securitizante, pois seria Para reiterar, não é todo agente que
diferente a credibilidade que um especialista conseguiria securitizar um assunto. Ao
em segurança e um vidente teriam ao falar analisar os assassinatos de honra no
sobre o assunto. Finalmente, condições Paquistão, Lene Hansen mostra que os
históricas específicas ajudariam a securitizar estupros das mulheres nessa região não
um assunto, já que a audiência seria mais poderiam ser alvo de securitização, pois ao
sensível a eles (PEOPLES e VAUGHAN- denunciar um estupro, a mulher estaria ao
WILLIAMS, 2010). Elucidando a última mesmo tempo confessando que teve relações
condição, caso houvesse uma ameaça de com outro homem, sendo alvo de punições
supressão dos direitos civis por meio de um segundo os costumes islâmicos. Como são
governo ditatorial, esse assunto seria mais coagidas a não denunciar, essas mulheres
facilmente securitizado em países que já não podem ser atores securitizantes, já que
sofreram com ditadores no poder do que em não produzem atos de fala (HANSEN,
outros países. 2000).
Os atores securitizantes podem às vezes
3.1.3. Quem pode ser conflitantes. Tome como exemplo um
securitizar um assunto? caso de movimento separatista em um país,
em que manifestantes protestam contra o
Um ato de fala seria necessário para governo. Caso isso seja entendido como
securitizar um assunto, então, naturalmente, uma ameaça existencial ao Estado, os seus
quem poderia securitizar um assunto seria representantes tentarão securitizar a
todo aquele que conseguisse produzir um ato existência do Estado, alegando, por
de fala, embora atualmente se fale no uso de exemplo, que os manifestantes ameaçam o
recursos visuais e de performances corporais Estado por meio de atividades terroristas,
para securitizar um assunto. Um Estado reivindicando o uso de coerção contra os
pode (por meio de representantes) tentar mesmos. Mas, da mesma maneira, os
integrantes do movimento poderiam tentar Observa-se que o excesso de políticas
securitizar a sociedade, cuja existência extraordinárias pode ser nocivo à
estaria sendo ameaçada pelo governo democracia, mas há outros problemas que a
opressor. Não há, aqui, um ator mais securitização pode trazer. A securitização da
legítimo que o outro, de modo que a imigração, por exemplo, ao criar barreiras a
securitização efetiva venha da aprovação do entrada de pessoas em um país, pode
discurso do governo ou do discurso do deflagrar conflitos étnicos, ao criar
movimento separatista. distinções de grupos humanos amigos
Este tipo de problematização é visível (“nós”) e inimigos (“eles”) (WILLIAMS,
atualmente em alguns países do Oriente 2003). Estaria sendo afirmado que os
Médio, em que ditadores e grupos imigrantes ameaçam a identidade da
dissidentes disputam a credibilidade de suas sociedade, e consequentemente, sua
audiências. É comum notar que alguns sobrevivência.
grupos dissidentes são classificados como De maneira controversa, a
terroristas e outros como separatistas, o que “dessecuritização” é um aspecto pouco
poderia indicar quais securitizações foram desenvolvido na Teoria da Securitização,
bem sucedidas. Nas palavras de Yasser mesmo sendo vista para alguns autores
Arafat: “a diferença entre o terrorista e o como o ideal a ser seguido. Como uma
revolucionário reside na razão pela qual política extraordinária retornaria ao campo
cada um luta. Pois todo aquele que defende das políticas normais? Um dos autores que
uma causa justa e luta pela liberdade e pela buscou responder essa complicada questão
libertação de suas terras por invasores e foi Jef Huysmans em uma publicação de
colonialistas não deve ser chamado de 1995. Tratando da questão dos imigrantes,
terrorista” (SHUGART, 2006, p.10, Huysmans propôs três estratégias para a
tradução livre). Poder-se-ia dizer, portanto, dessecuritização: a objetivista, a
que os movimentos classificados como construtivista e a desconstrutivista
“separatistas” tiveram sua securitização A primeira seria a saída objetivista, onde
concluída, pois são vistos como defensores simplesmente se buscaria provar que a
de uma causa justa. Já os classificados como ameaça existencial não é real. Essa
“terroristas” teriam sua securitização mal estratégia buscaria mostrar que a presença
sucedida, pois atribui-se a eles uma de imigrantes não ameaça a identidade
psicopatia social, deslegitimando e cultural de uma sociedade, embora isso seja
desmoralizando sua conduta (SHUGART, algo complicado de se “provar”.
2006). A segunda seria uma saída
construtivista, expondo como a ameaça, na
3.1.4. Como “dessecuritizar” verdade, é uma construção social, que
um assunto? favoreceria a certos interesses políticos.
Dessa forma se mostraria como não seria
justo constituir os imigrantes como ameaças 3.1.5. Críticas à Escola de
apenas por favorecer interesses de terceiros, Copenhagen
interesses como por exemplo o apoio em
campanhas eleitorais. A Escola de Copenhagen e a Teoria da
O último caminho seria o Securitização foram alvo de diversas
desconstrutivista, por meio do qual se daria críticas, mas é interessante como elas são
a oportunidade de entender o outro lado, de resilientes às suas críticas mais comuns.
verificar de maneira empática a fonte da Uma dessas críticas seria a de que o conceito
ameaça, para então desconstruí-la. Em de segurança para a Escola de Copenhagen é
outras palavras, seria “dar o direito de muito amplo, já que envolve diversas áreas e
resposta” aos imigrantes, para que se diversos atores e pode se referir a qualquer
defendam das acusações (PEOPLES e coisa, além de poder ser visto como uma
VAUGHAN-WILLIAMS, 2010). ameaça, o que traria a perda de utilidade do
A desconstrução dos discursos que conceito. Para a Escola de Copenhagen, no
fazem parte do processo de securitização entanto, é justamente a especificidade do
também seria um caminho possível para a processo de securitização que restringe o
dessecuritização. Foucault (1999) discutiu conceito de segurança. Nem tudo, na
sobre como o discurso é organizado na verdade, pode ser securitizado, e nem todos
sociedade, e como analisá-lo. O dito os atores são capacitados para securitizar um
discurso, segundo Foucault, é sempre assunto (WILLIAMS, 2003).
constrangido pelas instituições vigentes, Outra crítica que se faz à Teoria da
instituições estas que sempre coagem todos Securitização é que ela seria politicamente
a praticar o discurso de uma certa maneira e irresponsável, pois, se a segurança é um ato
inclusive sobre certos assuntos. O modo de de fala, qualquer discurso deve ser
discursar propagado pelas instituições varia considerado legítimo, até os discursos
de acordo com a época e o lugar em que se fascistas (por exemplo). A Escola de
discursa, e para fazer uma análise plena dos Copenhagen não fugiu desse assunto, e aqui
discursos, é preciso corrigir certos vícios do entra a problemática sugerida por Wæver
discurso por meio da “crítica” e da (2007): essa questão deve ser resolvida
“genealogia”. Ao fazer o uso dessas dentro das políticas normais, não dentro do
análises, é possível desmascarar a pretensão âmbito das políticas extraordinárias. Como
de verdade (e não a verdade em si) do sugerido na seção anterior, securitizar
discurso (análise crítica), além de analisar as algumas questões relativas à imigração pode
condições em que ele foi criado, mostrando gerar xenofobia. Isso ocorre pois as políticas
a relatividade do seu conteúdo (análise extraordinárias empreendidas podem
genealógica). propagar o ódio a certas etnias, religiões e
nacionalidades. O ideal nesse caso é a essas teorias, a linguagem corporal pode ser
dessecuritização. entendida, de modo que complemente a
Ainda em relação a essa crítica, outra linguagem verbal. Se é possível se
linha de argumentação afirma que a ética comunicar com o corpo, ele seria capaz de
prática do discurso seria a “solução” para o produzir atos de fala, e nas situações onde o
problema. Dentro da ação comunicativa, não ator securitizante não pode usar a linguagem
é qualquer discurso que é aceito pela verbal (como as mulheres do Paquistão), sua
audiência. Há todo um processo de linguagem corporal deveria ser levada em
legitimação, por meio de argumentos e consideração na construção de um discurso
evidências que funcionariam como um securitizante. Williams (2003) mostra que
“filtro” que reteria discursos irracionais. Por com a revolução midiática, principalmente a
meio desse argumento, a Teoria da vasta difusão das imagens televisivas, a
Securitização conseguiu se “imunizar” imagem se tornaria uma maneira de emitir
contra várias críticas a respeito do conteúdo um ato de fala, sendo importante na
dos discursos securitizantes (WILLIAMS, securitização de assuntos atuais. Hansen
2003). (2000) também menciona o advento da
Um foco de críticas está no ato de fala, a Internet como uma inovação a ser levada em
maneira pela qual se securitiza um assunto. conta pela Teoria da Securitização. Essas
O que antes era entendido como uma críticas podem complementar alguns
condição objetiva, nessa teoria está silêncios gerados pela Teoria da
incorporada na linguagem. O problema do Securitização, necessitando de melhor
ato de fala é sua especificidade, tendo em desenvolvimento teórico para que nela
vista que, da maneira como é desenvolvido, sejam efetivamente implementadas.
só abrange o diálogo falado e escrito,
deixando de fora outras formas de 3.2 ESTUDOS CRÍTICOS
expressão. Alguns autores apontam que a DE SEGURANÇA
Teoria da Securitização não inclui em sua
análise as revoluções da telecomunicação, Existem duas vertentes de estudos
com destaque para a Internet, que é um críticos de segurança. A primeira diz
veículo de informações em franca expansão. respeito às teorias que criticam o
Lene Hansen (2000) defende que o ato mainstream, rejeitando a fundamentação
corporal também deve ser levado em conta realista e a orientação militarista dos estudos
como um ato de fala, baseada nas teorias de da Golden Age. Nesta primeira vertente se
expressão corporal de Butler14. Segundo enquadra a própria Teoria de Securitização,
14
Butler (1997) mostra que somos “vulneráveis” à linguagem, e que por meio dela podemos ser ameaçados. A
autora mostra que a linguagem gramatical, sozinha, não é capaz de nos ameaçar. A ameaça provém da lingua-
gem gramatical somada à linguagem corporal do emissor na hora da fala, de modo que uma complementa a
outra. Butler conclui, portanto, que a linguagem corporal seria o “ponto cego” da linguagem gramatical.
discutida na subseção anterior. A outra Williams (2005), estes teóricos não tomam
vertente dos estudos críticos, que será parte no debate entre defensores da
efetivamente abordada nesta subseção, ampliação e defensores da restrição da
propõe uma abordagem com um agenda de segurança, pois acreditam que a
comprometimento emancipatório15, baseada importância de outros aspectos da segurança
na Teoria Crítica das Relações já era reconhecida antes dos debates recentes
Internacionais e na Escola de Frankfurt em relação ao alargamento do conceito.
(WILLIAMS, 2005). No que diz respeito ao objeto adotado
pelos teóricos dos Estudos Críticos de
3.2.1 Arcabouço Conceitual Segurança, o foco é o indivíduo. Esta
abordagem pode ser comparada à
A vertente de Estudos Críticos de abordagem do PNUD (1994) que, em seu
Segurança tem sua origem com o fim da primeiro Relatório de Desenvolvimento
Guerra Fria e a ascensão dos debates críticos Humano, no qual se desenvolve o conceito
em todos os campos das ciências sociais, de segurança humana, que preza pela
fortemente influenciados pela Escola de manutenção da capacidade dos indivíduos
Frankfurt e por Habermas. Esta vertente de escolher e determinar a própria vida. Isso
pode ser definida, como o foi por Booth porque ambas assumem o compromisso de
(2004), por seu comprometimento teórico promover a liberdade do indivíduo em face
com um conjunto de ideias que exploram das ameaças que eventualmente se fazem
crítica e permanentemente a ontologia, presentes, sejam elas militares, econômicas,
epistemologia e práxis da segurança, da políticas ou de qualquer outra natureza.
comunidade e da emancipação na política Edward Said (1994) ainda propõe o
mundial; e por sua orientação política, que aprofundamento deste compromisso,
visa incrementar a segurança através de salientando a importância de que pessoas e
políticas emancipatórias e de redes assuntos que são rotineiramente esquecidos,
comunitárias, a todos os níveis, incluindo o como grupos minoritários, sejam
global (BOOTH apud WILLIAMS, 2005). especialmente representados. Os Estudos
Percebe-se, então, que os teóricos desta Críticos de Segurança também possuem
vertente prezam por uma agenda ampla, paralelos com a abordagem da Escola
comprometida com os indivíduos e sua Inglesa, o que será analisado a seguir
emancipação, e não apenas com os aspectos (WILLIAMS, 2005).
militares prezados pelos teóricos
estrategistas. No entanto, como colocado por 3.2.2 Paralelos entre os Estudos
15
Por emancipação, adota-se a definição de Ashley (1981) de uma garantia de “liberdade contra restrições des-
conhecidas, de relações de dominação, e de condições de comunicação e compreensão que neguem aos seres
humanos a capacidade de construção de seus próprios futuros através de suas plenas vontades e consciên-
cias” (ASHLEY apud DEVETAK, 1996, p.145, tradução livre).
Críticos, a Escola Inglesa e altos cargos. De tal modo, uma ameaça se
outras abordagens. efetivaria mediante uma construção
adequada, por meio de um ato de fala, que
A Escola Inglesa se aproxima, em muitos leve as outras pessoas a aceitaram a adoção
aspectos, da abordagem dos Estudos Críticos de medidas extraordinárias para contê-la.
no que diz respeito à segurança. Apesar de Quando os Estudos Críticos se
Bull, um dos grandes expoentes da Escola confrontam com a Teoria da Securitização,
Inglesa, assumir em sua teoria o modelo16 por outro lado, percebe-se maiores
grociano de Sociedade Internacional (que divergências do que convergências.
foi profundamente criticado por um dos Primeiramente, os críticos não assumem a
expoentes dos Estudos Críticos de dualidade 'nós versus eles'17 do trabalho de
Segurança, Ken Booth), sua teoria permite o Waever e, ao conceituar a segurança em
desenvolvimento de uma abordagem da outros termos – os de emancipação – tornam
segurança em termos kantianos, com espaço o movimento de securitização positivo em
para as noções de emancipação, justiça e vez de negativo (como assumido pelos
sociedade global, que tanto são prezados teóricos da securitização), visto que a
pelos críticos (WILLIAMS, 2005). libertação humana muitas vezes requer a
Apesar do foco da Escola Inglesa no tomada de medidas emergenciais.
Estado como ator fundamental das RI, pode- Outro ponto de crítica é direcionado à
se delinear certa convergência desta suposição de que uma determinada ameaça
abordagem com a dos críticos na medida em pode ser separada de outras ameaças e
que o Estado só faz sentido, para os teóricos assuntos para ser resolvida. Os críticos
da Escola Inglesa, enquanto meio de afirmam que essa separação não pode ser
proteção dos cidadãos, o que está de acordo feita, visto que as medidas tomadas podem
com a abordagem crítica focada nos gerar múltiplos efeitos e, logo, a negligência
indivíduos. No que diz respeito à construção em considerar todo o sistema pode ser
do objeto de segurança, há certa desastrosa. O último ponto diz respeito a
convergência entre a Escola Inglesa e a quais objetos de securitização deveriam ser
teoria de Waever, visto que ambos afirmam priorizados, visto que a Teoria de
que esta construção se dá por meio de Securitização permite a construção de uma
processos de tomada de decisão ameaça por qualquer agente mediante o ato
intersubjetivos conduzidos por titulares de de fala. Considere, por exemplo, uma

16
Bull adota, em seus estudos, os seguintes três modelos: hobbesiano, kantiano e grociano. De acordo com o
primeiro, a política internacional seria um estado de guerra; no modelo kantiano, seria preconizada a atuação
de uma comunidade potencial na política internacional; e de acordo com o modelo grociano a política interna-
cional ocorreria dentre de uma sociedade de estados (BULL, 2002[1977]).
17
Esta dualidade diz respeito ao problema de se criar uma divisão entre o eu e o outro durante o processo de
securitização, o que poderia instigar, por exemplo, movimentos xenofóbicos.
situação em que o governo represente uma ESTUDOS DE SEGURANÇA
minoria de seu país como ameaça porque INTERNACIONAL
esta está lutando por seus direitos e, em
contrapartida, esta minoria represente o Tendo em vista as considerações acima
governo como ameaça porque este a está feitas sobre as várias formas assumidas pelo
oprimindo em sua luta. Quem deveria ser conceito de segurança e a argumentação
priorizado no processo de securitização? apresentada, parte-se agora para uma análise
Qual estaria certo? Este problema deriva da de como este conceito pode ser verificado
Teoria de Securitização mas não é por ela em situações contemporâneas. Elencou-se,
resolvido (WILLIAMS, 2005). para isto, três temas: a questão nuclear, as
intervenções humanitárias e o terrorismo.
3.2.3 Considerações Finais Estes foram escolhidos porque,
sobre os Estudos Críticos primeiramente, são assuntos de grande
relevância no cenário internacional atual e
Tendo em vista a explanação acima em segundo lugar, porque cada um possui
realizada sobre os Estudos Críticos de peculiaridades que levam à priorização de
Segurança, percebe-se, em primeiro lugar, diferentes aspectos do conceito de
que estes buscam apresentar uma forma segurança.
inovadora de entender a segurança nas A questão nuclear, apesar de já estar em
relações internacionais, que critica a voga desde o lançamento das bombas à
abordagem restrita e militarista dos estudos Hiroshima e Nagasaki na década de 40,
estratégicos e, também, muitos pontos da ainda é um tema atual, haja visto, por
Teoria de Securitização. Ao apresentar um exemplo, o debate em torno do possível
comprometimento com a emancipação, esta desenvolvimento de armas nucleares por
vertente assume um papel de transformação parte do Irã e a problemática do acesso a
social até então ausente deste campo de armas nucleares por parte de organizações
estudo das relações internacionais, terroristas. No que concerne à segunda
demonstrando que o conceito de segurança, razão, a questão nuclear enfatiza o Estado
que por si só apenas faz sentido se ampliado, como principal foco, não negligenciando,
pode e deve ser um meio pelo qual se atinge claro, os casos de disseminação das armas
a libertação dos indivíduos. Para estes nucleares para atores não estatais. Mas, em
teóricos a segurança não é, pois, um fim essência, esta questão se atém a conceitos
último pelo qual os indivíduos sacrificam mais tradicionais de segurança, com enfoque
tudo, e sim um instrumento que possibilita o militarista e estratégico, trazendo de volta,
desenvolvimento destes. inclusive, a deterrence do Golden Age.
As intervenções humanitárias, ainda que
4. TEMAS RELEVANTES EM também não sejam um fenômeno
exclusivamente contemporâneo, são ameaça que não pode ser encarada de outra
relevantes em virtude dos vários debates que forma. Esse senso-comum tem como
suscitam, sendo interessante atentar para a embasamento a teoria neo-realista de
centralidade que as intervenções assumiram Kenneth Waltz, segundo a qual os Estados
nas agendas internacionais de vários Estados estariam inseridos em um sistema
com o advento da Primavera Árabe. Além internacional anárquico e, por isso, só
disso, as intervenções se relacionam poderiam contar consigo mesmos para
estreitamente à abordagem normativa, com proteger sua soberania e segurança nacional
foco nos indivíduos e permeada por dilemas (SAGAN, 1997).
morais. Neste sentido, uma das explicações para
E, por fim, o terrorismo foi elencado por o programa nuclear iraniano seria a
ser o caso de maior proeminência na agenda manutenção da segurança nacional,
internacional de atores não estatais ameaçada por Israel e pelos Estados Unidos
relacionado aos estudos de segurança (BRAUM,CHYBA, 2004). A capacidade
internacional, sendo, também um tema em nuclear de Israel foi comprovada através de
que se pode aplicar a Teoria de ataques a potenciais rivais nucleares –
Securitização satisfatoriamente. Iraque em 1981 e Síria em 2007 – para
manter seu monopólio regional. Assim, o Irã
4.1 PODERES NUCLEARES: UMA só conseguiria garantir sua segurança
AMEAÇA OU UMA POLÍTICA DE adquirindo capacidades nucleares suficientes
DISSUASÃO para dissuadir Israel a atacá-lo, ou seja,
através da política de deterrence (WALTZ,
O primeiro teste nuclear foi realizado 2012). Scott Sagan, em seu artigo, tenta
pelos Estados Unidos em 1945. Menos de apresentar outros motivos para que os
um mês depois, essas armas foram usadas Estados construam armas nucleares:
nos ataques às cidades japonesas Hiroshima
e Nagasaki, marcando o fim da Segunda Armas nucleares, como outras
armas, são mais do que ferramentas
Guerra Mundial e a intensificação do debate
da segurança nacional; elas são
sobre o significado das armas nucleares para objetos políticos de importância
as relações internacionais e para a considerável em debates domésticos
e na burocracia interna e também
humanidade (WALTON, GRAY, 2002). podem servir como símbolos
A preocupação gerada pelas armas normativos internacionais de
nucleares fez com que diversos acadêmicos modernidade e identidade.
(SAGAN, 1997, p. 73, tradução
desenvolvessem estudos sobre os motivos livre).
que levariam um Estado a desenvolvê-las. A
resposta mais comum seria que os Estados Quando os Estados Unidos e a União
as desenvolvem como resposta a uma Soviética desenvolveram suas armas
nucleares, outros Estados também de segundo nível, o que Chaim Braun e
começaram a desenvolver um programa Christopher F. Chyba (2002) chamam de
nuclear, como Grã-Bretanha, França, China, “anéis de proliferação”, nos quais países em
África do Sul, Israel e Índia. Apesar de o desenvolvimento, para aumentar seus
arsenal destes não se comparar ao obtido esforços estratégicos e nucleares trocariam
pelas duas superpotências, a questão da informações e capacidades entre si. Desta
proliferação ganhou espaço na agenda forma cria-se uma rede de proliferação que
internacional (WALTON, GRAY, 2002). ajudaria a diminuir o custo total e o tempo
Em 1961, na Assembleia Geral das Nações necessário para o desenvolvimento das
Unidas, foi discutida a ideia de prevenir o tecnologias nucleares.
aumento das armas nucleares para outros Percebe-se, tendo em vista o exposto,
países do mundo. Dessa ideia nasceu, em que a questão das armas nucleares possui
1968, o Tratado de Não-Proliferação estreita relação com a vertente estratégica
Nuclear (TNP) (BUNN, 2005), que deixa dos estudos de segurança. Isto porque, como
explícito em sua consideração inicial a discutido na primeira seção, esta vertente
preocupação com a “devastação que seria preza por uma análise centrada no Estado e
causada sobre toda a humanidade por uma no cálculo de custos e benefícios de um
guerra nuclear e a consequente necessidade conjunto de ações que poderiam ser tomadas
de fazer todos os esforços para evitar o pelo Chefe de Estado. A vertente em questão
perigo de uma guerra” (AIEA, 1970, p.1, ainda se relaciona ao tema corrente na
tradução livre). medida em que os estudos estratégicos, em
Signatários do TNP são menos seu auge, na Golden Age, praticamente se
propensos a iniciar programas de armas restringiram a problematizar a questão
nucleares, no entanto o Tratado não impediu nuclear. Teóricos buscavam explicar como o
a proliferação (DONG-JOON JO & fato de um país possuir armas nucleares
GARTZKE, 2007). George Bunn (2005) alteraria a balança de poder no cenário
afirma que, sem o TNP, a quantidade de internacional e como países beligerantes que
países detentores de armas nucleares seria possuem tais armamentos poderiam utilizá-
muito maior. O Artigo X do Tratado (que los com mínimo risco de desencadear uma
afirma que cada signatário tem o direito de hecatombe global. Dentre as mais celebradas
revogá-lo em prol do supremo interesse teorias que surgiram está a de deterrence
nacional e da soberania) permitiu, por que, como já explicado, cria uma situação
exemplo, que a Coréia do Norte se retirasse, em que um país é dissuadido de atacar outro
se tornando, juntamente com Paquistão e Irã, com armas nucleares, por receio de que este
grandes desafiadores do regime de não- último retalie de semelhante forma.
proliferação (BRAUN & CHYBA 2002). A teoria de deterrence desenvolvida
Esse desafio seria gerado pela proliferação durante a Guerra Fria foi criada em um
contexto de bipolaridade e, na maioria das internacional com o fim da Guerra Fria, com
vezes, observadores da política internacional o surgimento de novos regimes políticos e
assumiam que os líderes não agiam de certa com a queda de outros (MILLER, 2000).
forma porque não era de seu interesse. No Elas têm o propósito de prestar assistência
entanto, com a nova configuração emergencial e de proteger os direitos
internacional pós-Guerra Fria, se tornou humanos.
necessário considerar que a cultura política Farrel (2002) considera que as
de cada Estado, e de seu líder, são únicos. intervenções, muitas vezes, assumem uma
(WALTON & GRAY, 2002). O conceito de forma não-militar, por meio de ajuda
deterrence não poderia mais utilizar as emergencial em dinheiro, medicamentos,
mesmas suposições, e a imprevisibilidade comida e da promoção dos direitos humanos
deste ilustra o problema que as armas através da diplomacia e de sanções.
nucleares geram para a segurança mundial. Intervenções humanitárias geram
A questão do armamento nuclear, logo, controvérsias desde o conceito. Ao contrário
se relaciona mais estreitamente com as de Farrel, há acadêmicos que consideram
vertentes mais tradicionais de segurança, qualquer interferência não consensual nos
que ainda consideram o Estado como sujeito assuntos internos de outro Estado como
principal do estudo, e que lidam com intervenção, enquanto outros limitam o
contendas entre países e guerras. É conceito ao uso da força militar (ICISS,
importante observar, no entanto, que o tema 2001). De acordo com Seybolt (2008),
corrente suscita aspectos de outras vertentes intervenções humanitárias que utilizam
dos estudos de segurança. A posse de armas forças militares são as que geram grandes
nucleares por atores não estatais - como dilemas por desafiarem a soberania18 de um
terroristas - por exemplo, foge ao escopo das Estado .
teorias de estratégia, podendo ser melhor Ainda de acordo com Seybolt (2008), o
explicada pela teoria de securitização. sistema internacional seria fundado na
premissa de que o Estado soberano tem
4.2 INTERVENÇÕES direito à não intervenção, de estar livre de
HUMANITÁRIAS envolvimentos externos indesejáveis em
seus assuntos internos. No entanto, repetidas
Intervenções humanitárias são intervenções humanitárias desde 1991 têm
relativamente novas nas relações violado a ideia de soberania19 em nome da
internacionais e se tornaram cada vez mais proteção de civis contra danos,
proeminentes na ética e na política principalmente em relação à violação dos
18
Cabe aqui explicar o significado de soberania: Ayoob (2002) adota o conceito de soberania como autoridade,
ou seja, é o direito de “ditar as regras” dentro de um território.
19
É importante ressaltar a ideia exposta no relatório Responsability to Protect (2001), elaborado pela Comissão
Internacional sobre Intervenção e Soberania do Estado (ICISS), de um foco na soberania como responsabilida-
direitos humanos. Esta perspectiva se baseia maior ciência do sofrimento humano em
na crença de que os direitos das pessoas locais distantes, o que afeta empaticamente
emanariam de sua condição humana e não indivíduos de vários lugares do mundo, que
dos Estados, de modo que deveriam ser podem vir a pressionar seus governos para
garantidos independentemente da opinião do tomar alguma ação no sentido se aliviar o
Estado sobre estes. É nesse sentido que as sofrimento destes outros indivíduos.
intervenções são justificadas: quando o Apesar de, inicialmente, parecerem
Estado deixa de garantir os supracitados justificadas e até mesmo bem-vindas, as
direitos ou, ainda, quando ele é o sujeito a intervenções humanitárias, na maioria das
violá-los, a comunidade internacional vezes, geram controvérsias quando ocorrem
assume esta responsabilidade para si. e quando não ocorrem. Em 1994, cerca de
Percebe-se, aqui, uma relação clara com 800 mil pessoas morreram no genocídio em
a abordagem normativa. Como especificado Ruanda. Esse acontecimento deixou sua
no relatório do PNUD de 1994, segurança marca na Organização das Nações Unidas
deveria ser entendida como um conceito (ONU), que apesar de ter intervindo no país,
universal e interdependente, ou seja, para não agiu de forma satisfatória para evitar
que cada país pudesse estar verdadeiramente tais atrocidades. No ano seguinte, a morte de
seguro, seria preciso que a segurança milhares de civis que procuravam refúgio
humana fosse garantida em todos. Isso nas áreas de segurança delimitadas pelas
ocorreria porque eventos em um país tem o Nações Unidas na Bósnia, foi outro exemplo
potencial de afetar outros países, como nos de intervenção mal sucedida.
casos de conflitos violentos que levam a Em 1992, na Somália, a intervenção
população da região a se refugiar em outros internacional que visava salvar vidas e
países. restituir a ordem foi marcada por uma
Com base nas ideias apresentadas pelo estratégia mal planejada e excesso de
relatório, a intervenção humanitária passaria dependência de força militar. No Kosovo,
a ser justificada, já que violações de direitos em 1999, a intervenção humanitária gerou
individuais e outras situações emergenciais a muitos questionamentos sobre a
nível local podem disseminar problemas de legitimidade de uma intervenção militar não
segurança por todo o sistema internacional. autorizada pela ONU em um Estado
Ademais, com o advento da evolução dos soberano. Esses casos ilustram muitos dos
meios de comunicação, as condições problemas das intervenções militares. Para
domésticas dos países são difundidas para alguns autores solidaristas, como Vincent, é
praticamente todo o mundo, e passa-se a ter uma obrigação da sociedade intervir para

de – na qual se reconhece a soberania do Estado na medida em que este cumpre sua responsabilidade de prote-
ger seus cidadãos – em detrimento da ideia de soberania como controle, na qual o Estado teria total controle
sobre sua população e território.
impedir atrocidades (VINCENT apud para que uma intervenção seja iniciada a
WHEELER, 2000). No entanto, é difícil despeito do princípio derrogatório de não
saber de antemão se em uma intervenção intervenção; a intenção correta; último
mais vidas serão salvas do que perdidas por recurso, que coloca que se deve recorrer à
ela, ou seja, se será bem sucedida ou intervenção apenas quando todas as outras
fracassada. medidas á tiverem se esgotado sem sucesso
Levando em conta esses e outros na resolução do problema; os meios
acontecimentos, em 2000, o governo proporcionais; e as perspectivas racionais
canadense, juntamente com outros países, (ICISS, 2001).
apoiou o estabelecimento da Comissão Neste sentido, Wheeler (2000) apresenta
Internacional sobre Intervenção e Soberania alguns fatores que devem ser considerados
do Estado (ICISS) para “enfrentar o desafio ao se pensar nessa possibilidade. Primeiro,
da responsabilidade da comunidade deve ser uma causa justa, ou o que ele
internacional para agir em face das mais prefere chamar de uma emergência
graves violações dos direitos humanos, humanitária suprema, porque capta a
respeitando a soberania dos natureza excepcional dos casos em apreço.
Estados” (BAJORIA, 2011, tradução livre). Além disso, o uso da força deve ser um
Esta intenção carrega consigo o dilema entre último recurso e deve alcançar um resultado
ordem e justiça, onde a ordem está ligada ao (humanitário) positivo. Controvérsias sobre
respeito à soberania e a justiça aos direitos intervir ou não existem, logo, é importante
humanos. Além disso, ao pensar na analisar com cuidado a relação custo-
possibilidade de intervir é preciso estar benefício ao tomar uma decisão que pode
atento se os Estados interventores estão ser crucial para a segurança humana.
manipulando a situação a seu favor
(WHEELER, 2000). 4.3 ATORES NÃO ESTATAIS:
A Primavera Árabe, especialmente no O CASO DO TERRORISMO
que diz respeito à Líbia e à Síria, levantou,
mais uma vez, dúvidas sobre a intervenção. Uma das maiores ameaças à segurança
Neste sentido, vários acadêmicos teorizam internacional contemporânea é o terrorismo.
sobre que fatores deveriam ser considerados Apesar de sua crescente relevância,
para se decidir se a intervenção é necessária estudiosos e políticos estão apenas
e legítima. É interessante citar os seis começando a entender como se dá seu
critérios levantados no relatório da ICISS funcionamento. A definição do conceito
que justificariam uma intervenção: apresentada por Andrey Cronin (2004), em
autoridade correta, que é relativo a quem primeiro lugar, afirma que uma ação
pode autorizar a intervenção; causa justa, terrorista sempre possui natureza política,
que analisa que tipo de dano é suficiente objetivando a busca de alguma mudança.
Em segundo lugar, embora muitos outros WALTER, 2006, p.49, tradução
livre).
tipos de violência sejam inerentemente
políticos, incluindo guerra convencional Pouco mais de uma década depois dos
entre os Estados, o terrorismo se distinguiria ataques terroristas de 11 de setembro de
pelo seu caráter não estatal, mesmo quando 2001, analisar o que se passou é tão
os terroristas recebem apoio militar, político importante quanto buscar soluções. Smith
ou econômico de fontes estatais. Por último, (2004) entende que os teóricos de relações
terroristas não respeitam leis ou normas internacionais e os tomadores de decisão
internacionais e, para maximizar o efeito foram “responsáveis” pelo mundo estar
psicológico de um ataque, suas atividades desprevenido para o incidente que foi gerado
têm uma qualidade deliberadamente pelos ataques terroristas de 11 de setembro.
imprevisível que atinge indivíduos Segundo Smith, as questões de segurança
inocentes. eram tradicionalmente orientadas a tratar de
O terrorismo tem sido, muitas vezes, assuntos entre Estados, e não de
uma tática eficaz para o lado mais fraco em agrupamentos menores (ou maiores). Como
um conflito. Isto porque não segue a lógica a al-Qaeda (grupo supostamente responsável
das guerras convencionais, de modo que não pelo ataque) realizava atividades dentro dos
haveria necessidade de grandes arsenais e países do Oriente Médio, não era de se
nem de qualquer superioridade bélica para esperar que o território estadunidense
cumprir seu objetivo: o ato terrorista cumpre estivesse sob ameaça.
sua função através do ataque a alvos seletos Com a ampliação do conceito, no sentido
que, geralmente, não são instalações da abrangência de diversos tipos de atores, a
militares, estando, pois, vulneráveis, teoria de Securitização torna possível
chamando atenção para sua causa. A explicar o modo de ação dos terroristas: a al-
natureza sigilosa e o pequeno tamanho das Qaeda, por exemplo, poderia ser autora
organizações terroristas são, ademais, securitizante, que visa securitizar a situação
fatores que muitas vezes dificultam a defesa dos islâmicos sunitas – passando-a do plano
contra estes. de políticas normais para o de políticas
emergenciais – apresentando estes, por meio
Contra-estratégias efetivas não
podem ser concebidas sem primeiro de ato de fala (incluindo-se expressão
compreender a lógica que corporal como o próprio atentado), como
impulsiona a violência terrorista. O
ameaçados pelos Estados Unidos, que
terrorismo não funciona
simplesmente porque infunde medo seriam apresentados como imperialistas,
nas populações-alvo, mas porque faz responsáveis por constantes intervenções em
os governos e os indivíduos
reagirem de maneira a ajudar a
países islâmicos.
causa dos terroristas (KYDD & Ao mesmo tempo, a al-Qaeda poderia ser
entendida como o objeto de securitização,
ou seja, como a ameaça que justifica a A multiplicidade de definições de
adoção de medidas emergenciais. Este segurança reflete uma conjuntura de
processo de securitização foi o que globalização e interdependência na qual os
embasou, por exemplo, a Guerra ao Terror, assuntos se tornam cada vez mais
empreendida pelos Estados Unidos. Neste intrincados. A segurança, do mesmo modo,
processo, o ator securitizante seria os não pode mais refletir preocupações apenas
Estados Unidos ou, analisando mais a fundo militares e estratégicas, apesar de estas
a situação, o Congresso norte-americano que continuarem relevantes. Ainda que se
aprovou o Patriot Act de 26 de outubro de considere como ameaça apenas algo que
2001, em resposta aos atentados e visando possa colocar fim a vida de alguém,
convencer a audiência (composta por norte- questões ambientais, na medida em que
americanos) de que a sobrevivência dos tsunamis e terremotos podem matar
Estados Unidos estava sendo posta em risco milhares, e questões comunitárias, na
pelos grupos terroristas. medida em que problemas de migração e
identidade abrem espaço para práticas
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS violentas como o neonazismo, não podem
ser excluídas da teorização. É, no entanto,
Finalmente, após empreender uma válida a consideração tratada ao longo do
análise das diversas abordagens de presente artigo, de que uma ampliação
segurança, bem como das vantagens e desmedida do conceito pode fazer com que
desvantagens de cada uma, pretende-se este perca sua funcionalidade e, por isso, é
agora apresentar o consenso a que se chegou aqui colocado que a priori o conceito de
sobre a definição de segurança. São várias as segurança deve ser amplo na medida em que
tentativas de se definir a segurança – seja em possibilita o estudo dos mais diversos
termos amplos ou restritivos, com foco no fenômenos que possam ser apresentados
Estado ou nas pessoas, como um processo como ameaça a qualquer que seja o objeto
positivo ou negativo e mesmo como uma de referência.
construção social mediante "ato de fala" ou No entanto, antes de todo estudo, deve
como uma realidade objetiva passível de ser salientada a definição de segurança que o
mensuração mediante a contagem de embasa, como se salientou no estudo dos
tanques e soldados - e talvez por isso tenha temas contemporâneos deste artigo. Deste
se tornado extremamente difícil chegar-se a modo, aspectos do conceito de segurança
um consenso a respeito do conceito correto. humana, que são importantes para teorias
No entanto, em vez de ressaltar essa sobre intervenção humanitária, não são
dificuldade como algo negativo, que impede desqualificados e nem o são aspectos da
a evolução do campo de estudo, preferiu-se, vertente estratégica dos estudos de
aqui, entendê-la de forma positiva. segurança, importantes para questões
nucleares e mesmo para a questão de defesa
nacional contra países externos, que ainda é
um importante tópico da agenda
internacional.

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RESUMO ABSTRACT

Esse artigo se propõe a informar sobre This article aims to inform about
o Direito Internacional. Nele, analisa- international law. In this paper, we
se a conceituação, as bases jurídicas, propose to analyze the
as aplicações práticas, os defeitos e conceptualization, legal bases,
finalmente se há solução ou não para practical applications, defects and
os problemas desse tipo de direito tão finally, if there is a solution, or not, to
particular. the problems of this kind of law so
peculiar.

PALAVRAS-CHAVE: Direito KEYWORDS: International Law,


Internacional, Estrutura, Eficiência, Legal Structure, Efficiency, Failure,
Falhas, Ordenamento Jurídico. Legal Order.

1
Alunas do curso de Relações Internacionais na Universidade de Brasília e integrantes da Mesa
de Direito Internacional no IV FoCO-RI
O Direito Internacional (DI) é um questionamento se há algo superior à
sistema universal de regras e princípios que vontade dos Estados, como a existência de
trata sobre as relações entre os Estados uma estrutura já estabelecida, para sustentar
soberanos, e as relações entre os Estados e o ordenamento jurídico internacional. Para
as organizações internacionais2. Num entender esse questionamento, é exposto
primeiro momento, o objeto do Direito como o direito internacional está organizado
Internacional são os Estados, regendo, de uma maneira geral, falando dos principais
portanto, a atividade inter-Estatal. Com o órgãos e de como eles se organizam entre si,
fim da 2ª Guerra Mundial, as Organizações esse ordenamento jurídico, destacando o
Internacionais começaram a ganhar maior papel do Conselho de Segurança das Nações
relevância no cenário internacional e estas Unidas. A partir daí, será feita uma análise
passaram a deter também personalidade das eficiências e falhas do DI perante, para
jurídica internacional, atribuindo aos uma melhor avaliação do real preparo desse
indivíduos capacidades postulatória sistema jurídico em responder as demandas
(GUTIER, 2011, p. 6). dos Estados.
Por diversas vezes, as nações apelam a
este aparato jurídico visando à resolução de 1. O QUE SUSTENTA O DIREITO
controvérsias em temáticas econômicas, INTERNACIONAL E QUAL SUA
sociais e de segurança. Nesse sentido, o foco NECESSIDADE NO CENÁRIO
do presente artigo é debater a necessidade INTERNACIONAL
de se recorrer a este mecanismo quando se
refere a questões que abarcam a temática de O Direito Internacional se desenvolve
segurança e de crimes que envolvem em decorrência de fatos históricos, e seus
violações de pressupostos internacionais fundamentos se adéquam conforme a
nessa área. E abordar como o DI se mostra evolução dos acontecimentos políticos,
eficiente ou não na aplicação das suas sociais e econômicos. O desenvolvimento
diretrizes. histórico do Direito Internacional está
Primeiramente, será feita uma análise da descrito na Carta das Nações Unidas3,
necessidade de intervenção do Direito segundo a qual um dos propósitos das
Internacional e uma abordagem do Nações Unidas (ONU) é o de “incentivar o
ordenamento jurídico internacional. Dessa desenvolvimento progressivo do Direito
maneira, há uma discussão e inicial sobre o Internacional e a sua codificação” (DE
que sustenta o direito internacional MEDEIROS, 2005, p. 12). Sem dúvidas, a
atualmente. Nesse ponto é levantado o ONU tem uma contribuição relevante no

2
Disponível em: <http://www.legalanswers.sl.nsw.gov.au/hot_topics/pdf/international_69.pdf>. Acesso 4 de
setembro de 2012
3
Disponível em: <http://www.un.org/en/documents/charter.html>. Acesso em 04 de agosto de 2012.
estabelecimento do Direito Internacional. e imposição da jurisdição internacional
Como exemplo disso, estão as convenções obrigatória. O Brasil, por exemplo,
sobre direito do mar (1958 e 1982); sobre reconheceu na penúltima década a
relações diplomáticas (1961); sobre relações competência obrigatória da Corte
consulares (1963); sobre direito dos tratados Interamericana de Direitos Humanos e
(1969); e sobre direito dos tratados entre emendou a sua Constituição para aceitar a
Estados e organizações internacionais ou jurisdição do Tribunal Penal Internacional.
entre organizações internacionais (1986) Esses fatos, que, entre outros, evidenciam a
(DE MEDEIROS, 2005, p. 43). expansão e o relevância do Direito
Novos acontecimentos mudam os Internacional, conduzem também à
cenários e refletem-se no futuro. Com isso, o necessidade de manter-se informado sobre
ramo do Direito responsável pela seus institutos (DE MEDEIROS, 2005, p.
regulamentação das relações jurídicas entre 13).
os Estados é fruto de construções históricas. Na sociedade do Direito Interno, a sua
ordem jurídica está sustentada pela
O Direito Internacional assumiu
autoridade superior, o Estado. No plano
tarefas de regulamentação e de
solução de problemas, como os internacional, não há uma autoridade central
problemas relativos à saúde, ao superior, portanto os Estados, embora não
trabalho e ao meio-ambiente. Acima
de tudo, o Direito Internacional
estejam subordinados a nenhum governo
ganhou uma face humanizadora com central, uma vez que são soberanos, acabam,
o nascimento do Direito Humano em alguma instâncias, subordinando-se a
Internacional, notadamente com
uma arquitetura normativa de certos organismos e mesmo internalizando
proteção de direitos, nascida com o normas do direito internacional que limitam
advento da Carta das Nações suas ações. Nesse sentido, a
Unidas, desenvolvendo-se com a
Declaração Universal dos Direitos responsabilização internacional é o
do Homem e com os inúmeros instrumento utilizado pelo sistema jurídico
Tratados Internacionais de Proteção
internacional como forma de manter a
aos Direitos Humanos surgidos no
cenário internacional após esse supremacia do Direito Internacional frente
período. (DE MEDEIROS, 2005, p. às ordens jurídicas nacionais (LIMA;
12)
SEQUEIRA, 2012).
Cabe destacar que é sob a jurisdição do É, pois, importante ressaltar a posição do
Direito Internacional contemporâneo que se ordenamento jurídico. A jurisprudência
desenvolvem as regras de proteção internacional defende a primazia do Direito
internacional dos direitos humanos. Cada Internacional sobre a posição do direito
vez mais, esse ramo jurídico procura fazer interno dos Estados. Porém, essa supremacia
com que os regimes abandonem as cláusulas ainda não foi adotada de maneira uniforme
facultativas em favor da institucionalização nos ordenamentos jurídicos estatais.
Segundo Sequeira e Lima (2012): contexto das relações internacionais” (de
MEDEIROS, 2005, p. 12).
Alguns países como Alemanha,
Estados Unidos e Itália adotam em Um dos aspectos mais importantes do
suas Constituições cláusulas de Direito Internacional é o ambiente onde ele
adoção global das regras do Direito
opera: um ambiente anárquico marcado pela
Internacional Público pelo Direito
interno e regras que conferem assimetria de poder. Disso decorre o fato de
primazia às normas de Direito cada Estado ter sua soberania e seu próprio
Internacional; outros países também
adotam a cláusula de adoção global
ordenamento jurídico. Ou seja, os Estados
das regras do Direito Internacional, não se subordinam a outro direito que não
mas não estabelecem a primazia do aquele que eles reconheceram ou criaram
Direito Internacional sobre as
normas de Direito interno; e outros para si (REZEK, 2011). Assim como
estabelecem a primazia do Direito argumenta Medeiros (2005, p. 16), os
Internacional sobre as normas de princípios de autodeterminação, não-
Direito interno apenas no que diz
respeito aos tratados internacionais intervenção, solução pacífica de
que versam sobre direitos humanos controvérsias e igualdade soberana dos
(SEQUEIRA; LIMA, 2012).
Estados devem ser a base da elaboração do
A sociedade internacional Direito Internacional.
contemporânea permitiu o desenvolvimento O ordenamento jurídico internacional
do Direito Internacional (MIRANDA, advém de convenções internacionais,
2000). O progresso dos processos de costumes internacionais, princípios gerais do
integração econômica, política e cultural direito, jurisprudência, doutrina, atos
dinamizou e popularizou a atuação do unilaterais, resoluções e regimento interno
Direito Internacional. Esses processos de de instituições internacionais 4 . As
integração resultaram na formação de blocos instituições internacionais são provenientes
regionais, como União Europeia e da relação entre os Estados e de
MERCOSUL. Com isso, o Direito organizações internacionais e têm o intuito
Internacional deixou de ser um direito de de direcionar a atuação dos Estados, regular
relações bilaterais ou multilaterais entre os o uso da força e auxiliar a cooperação
próprios Estados, para se tornar um direito internacional nas áreas comercial, cultural e
de maior presença e participação nos tecnológica e nas relações diplomáticas e
organismos internacionais. “Ademais, o consulares, além de delimitar o uso dos
Direito Internacional passou a extravasar o espaços marítimos, terrestres e cósmicos
âmbito das relações entre os Estados e (SOUZA, 1999, p. 222). Por fim, vale
penetrou em quaisquer matérias relativas ao ressaltar que essas normas não são
Direito Interno, bem como ao próprio hierarquizadas.

4
Disponível em: <http://more.com.br/artigos/Fontes%20do%20Direito%20Internacional.pdf>. Acesso em: 24
de set. 2012.
Entre as instituições internacionais 2. A EFICIÊNCIA DO DIREITO
responsáveis pela elaboração de normas INTERNACIONAL
jurídicas internacionais, destaca-se o
Conselho de Segurança das Nações Unidas Conforme exposto anteriormente, uma
(CSNU). Ele é constituído por dez membros das grandes dificuldades do Direito
não-permanentes e cinco membros Internacional advém da inexistência de um
permanentes (Estados Unidos, Rússia, órgão judicial centralizado que possua
China, França e Reino Unido), os quais, legitimidade para impor as suas decisões
diferentemente dos primeiros, possuem (SOUZA, 1999, p. 219). Nesse sentido, o
direito a veto. Os objetivos desse órgão sucesso ou não desta instituição
visam principalmente a: “manter a paz e a internacional é relativo, uma vez que ela
segurança internacionais de acordo com os interage com variáveis independentes, como
princípios e propósitos das Nações Unidas”5. os Estados soberanos. A análise da
Para isso ele deve: eficiência do Direito Internacional se torna
ainda mais delicada quando é estudada a
Investigar qualquer disputa ou
questão das intervenções, já que ela recai
situação que possa vir a se
transformar em um conflito sobre a problemática da interferência na
internacional; recomendar métodos soberania de um país. Porém, o Direito
de diálogo entre os países; elaborar
planos de regulamentação de
Internacional, através da atuação das
armamentos; determinar se existe organizações internacionais, produz regras
uma ameaça para a paz ou ato de que delimitam e regulamentam essas
agressão e recomendar quais
medidas devem ser tomadas; intervenções levando em conta a soberania
solicitar aos países que apliquem estatal. Ou seja, o direito exclusivo de cada
sanções econômicas e outras Estado de tomar decisões sobre seu território
medidas que não envolvam o uso da
força para impedir ou deter alguma e população (AYOOB, 2002, p. 82).
agressão; decidir sobre ações No cenário internacional, há meios
militares contra agressores; exercer
voluntários e descentralizados que mitigam
as funções de tutela das Nações
Unidas em “áreas estratégicas”.6 a ausência de um poder supremo entre os
países (SOUZA, 1999, p.219). Esses meios
Dessa maneira, será analisado como o são capazes de intermediar e tomar decisões
CSNU se comporta em intervenções referentes às questões internacionais tendo
internacionais diante da questão da por base o Direito Internacional. Entre eles,
soberania dos Estados. merece destaque o Tribunal Penal
Internacional (TPI), a Corte Internacional de

5
Disponível em: <http://www.brasil-cs-onu.com/o-conselho/funcoes-e-competencias/>. Acesso em: 25 set.
2012.
6
Disponível em: <http://www.brasil-cs-onu.com/o-conselho/funcoes-e-competencias/>. Acesso em: 25 set.
2012.
Justiça (CIJ), a Corte Permanente de possibilita a ocorrência de intervenção “por
Arbitragem e o Conselho de Segurança das parte das forças aéreas, navais ou terrestres
Nações Unidas (SOUZA, 1999, p.219). O dos Membros das Nações Unidas”9.
sucesso desses órgãos, e, consequentemente, Porém, de acordo com a Carta das
o sucesso da atuação do Direito Nações Unidas10, uma intervenção só é
Internacional, está vinculado à adesão dos regulamentada se nenhum membro
Estados soberanos a estes instrumentos permanente do CSNU vetá-la. Dessa
legais, à obediência e ao comprometimento maneira, o DI delimita quando os países tem
dos países com as diretrizes estipuladas pelo o direito de intervir na soberania do outro. A
Direito Internacional. Porém, nem sempre os Líbia, por exemplo, só sofreu uma
países atuam de maneira condizente com intervenção em 2011 pois nenhum membro
essas regras e surge a necessidade de permanente vetou essa decisão11. Diferente
medidas que solucionem a situação criada da Síria, a qual, devido ao veto da China e
pela nação desviante. Uma dessas medidas é da Rússia, ainda mantém a sua soberania12.
a intervenção internacional. Assim sendo, o DI é eficiente ao criar bases
O CSNU é o órgão internacional sobre as quais uma intervenção é
responsável por essa questão. Seu objetivo regulamentada, de forma que ela não ocorra
principal é manter a paz e a segurança aleatoriamente, ignorando o fato de que os
internacional. Dessa maneira, ele determina Estados são soberanos.
se existe alguma ameaça a esses dois O Direito Internacional, ao recair sobre a
quesitos e propõe medidas para freia-la7. organização dos Estados e embutir os
Primeiramente, o CSNU lança mão de indivíduos de responsabilidade e deveres,
medidas provisórias como: “interrupção reforça a noção de bem mundial
completa ou parcial das relações (HURRELL, 2003, p. 31). Dessa maneira, a
econômicas, dos meios de comunicação interdependência atual entre as nações as
ferroviários, marítimos, aéreos, postais, estimula a se submeterem às regras do DI,
telegráficos, radiofônicos, ou de outra uma vez que essas geram maior estabilidade
qualquer espécie e o rompimento das social, econômica e política mundial, o que
relações diplomáticas”8. Caso essas medidas é benéfico aos interesses nacionais. Caso
se mostrem ineficazes em restabelecer a paz uma intervenção na Síria ocorra sem o
e a segurança, o Direito Internacional consentimento da Rússia e da China, por
7
Disponível em: <http://www.brasil-cs-onu.com/o-conselho/funcoes-e-competencias/>. Acesso em: 25 set.
2012.
8
Disponível em: <http://unicrio.org.br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf>. Acesso em: 25 set. 2012.
9
Disponível em: <http://unicrio.org.br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf>. Acesso em: 25 set. 2012.
10
Disponível em: <http://unicrio.org.br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf>. Acesso em: 25 set. 2012.
11
Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,onu -autoriza-intervencao-na-
libia,693415,0.htm>. Acesso em: 26 set. 2012.
12
Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/eua-descartam-intervencao-na-siria-sem-o-
aval-da-onu.> Acesso em: 26 set. 2012.
exemplo, isso pode desencadear uma é necessária para que a ordem mundial não
instabilidade mundial prejudicial para todos seja afetada e os indivíduos, prejudicados.
os países. Além disso, o Direito Assim, o Direito Internacional, ao julgar a
Internacional, apesar de não ser capaz de perda da soberania de um país, concilia a
obrigar um país a agir de maneira questão da soberania com a necessidade de
determinada, ele coíbe as ações egoístas das uma intervenção.
nações, pois essas são submetidas a Porém, nem todas as intervenções
retaliações por parte da comunidade internacionais são controversas, algumas
internacional e podem acarretar na perda de ocorrem com o apoio e autorização do
credibilidade do país perante ela13, afetando, governo nacional, como no caso das ajudas
assim, os interesses desse. humanitárias14. Em tais casos, o Direito
Ademais, uma intervenção é permitida Internacional não tem de lidar com a
pelo Direito Internacional quando um país problemática referente à soberania dos
deixa de ser soberano. Isso ocorre no Estados. Essas intervenções são um esforço
momento em que o Estado falha em garantir da comunidade internacional para auxiliar o
a segurança dos seus cidadãos, o bem estar governo nacional a lidar com questões que
social, os direitos humanos e usa o governo fogem do seu controle. Dessa maneira, o
contra seu próprio povo (HURRELL, 2003, Direito Internacional é eficiente ao criar as
p. 38). Dessa maneira, é necessária a bases para que essas intervenções sejam
interferência da comunidade internacional concretizadas. Devido à ausência de tropas
para estabilizar a situação interna e prover exclusivas da ONU15, é determinado na
aos cidadãos aquilo que estava incumbido ao Carta das ONU que:
governo. A intervenção, nesse caso, é o
Todos os Membros das Nações
único meio de fornecer “essential goods and
Unidas, a fim de contribuir para a
services to suffering populations as well as manutenção da paz e da segurança
to bring the multiple perpetrators of terror to internacionais, se comprometem a
proporcionar ao Conselho de
book” (AYOOB, 2003, p. 93). A partir do Segurança, a seu pedido e de
momento que um país infringe os ideais conformidade com o acordo ou
estabelecidos para ser considerado soberano acordos especiais forças armadas,
assistência e facilidades, inclusive
ele representa uma ameaça não só para a direitos de passagem, necessários à
segurança nacional, mas também para a manutenção da paz e da segurança
estabilidade internacional. Uma intervenção internacionais.16

13
Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/mundo/conteudo.phtml?id=1112370>. Acesso em: 25
set. 2012.
14
Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/mundo/conteudo.phtml?id=1112370 >. Acesso em: 25
set. 2012.
15
Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekeeping/operations/newoperation.shtm>. Acesso em: 26 de set.
2012.
16
Disponível em: <http://unicrio.org.br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf>. Acesso em: 25 set. 2012.
Além disso, para financiar essas Em contrapartida ao que foi
intervenções humanitárias, cada Estado é apresentado, esta seção analisa os casos em
legalmente obrigado a pagar suas que os Estados agem em desacordo com
respectivas quotas17. Nesse sentido, o regras internacionais de proteção dos
sucesso de ações perpetradas pelas tropas da Direitos Humanos, de não violação de
ONU sucede de uma adequada colaboração soberania e respeito mútuo. Nesse cenário,
dos países pertencentes a esta organização, o algumas vezes o Direito Internacional se
que é possível através das imposições feitas mostra falho. Cabe a esse ponto, questionar
pelo DI. se afinal estaríamos nos referindo a uma
O Direito Internacional, no caso das falha do conceito em si? E ainda, se essas
intervenções internacionais, se mostra falhas seriam superáveis? Primeiro, é
eficiente ao delimitar a maneira como elas importante observar a materialização das
devem ocorrer para que a soberania de um falhas, como elas se manifestam na
país não seja ameaçada. Dessa forma, elas comunidade internacional para mais tarde
não acontecem aleatoriamente, há um passar para a análise estrutural, de suas
direcionamento no modo com que elas origens.
devem ser conduzidas e quando elas devem Para ilustrar esses questionamentos, essa
ser conduzidas. Para que uma intervenção sessão analisará os casos das prisões de Abu
seja regulamentada ela deve passar pelo Ghraib no Iraque e de Guantánamo em
consentimento do CSNU, caso o contrário, o Cuba. No caso de Abu Ghraib, desde sua
país que desafiá-la pode sofrer represálias construção, por britânicos nos anos 1960,
por parte da comunidade internacional. sua história foi marcada por violações. A
Porém, conforme será mostrado na seção prisão foi fechada em 2006 e reaberta em
seguinte, o Direito Internacional pode, 2009 sob outro nome: Prisão Central de
muitas vezes, ser falho devido a um Bagdá e é considerada símbolo da invasão
desequilíbrio de poder existente no mundo. americana no Iraque18. Por sua vez, a prisão
Alguns países possuem muito mais de Guantánamo ficou sob o controle
influência sobre as instituições estadunidense desde sua construção depois
internacionais do que outros e podem da Segunda Guerra Mundial.
interferir nas decisões tomadas por elas. Nos dois casos foram denunciados
flagrantes de desrespeito aos direitos
3. QUANDO O DIREITO humanos envolvendo práticas como tortura,
INTERNACIONAL FALHA violência sexual e assassinato que podem ser
classificados como crimes de guerra (MAY,

17
Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekeeping/operations/financing.shtml> .Acesso em: 26 de set.
2012.
18
<http://www.infoescola.com/historia/prisao-de-abu-ghraib/>. Acessado em 26 de setembro.
2005). É importante ressaltar que a maioria de autoridade se propondo a regular as
dos presos não foi julgada e nem mesmo relações entre os Estados, porém sem um
teve direito de defesa, além de terem sido poder que gere obrigações. Como produto
detidos em condições duvidosas. de um sistema desigual impregnado de
Ao se analisar tal cenário, percebe-se a princípios éticos (e, em alguma medida,
incapacidade do Direito Internacional em parciais), sua contaminação é inevitável.
atuar nessas situações, uma vez que pouco Assim, o Direito Internacional pode
foi feito para impedir a violação de direitos, acabar servindo como instrumento dos
de garantias jurídicas e até da integridade países centrais para imposição de suas
física dos indivíduos envolvidos. concepções de ordem e justiça sobre outros
No caso de Guantánamo, frente a países (HURREL, 2003). Suas bases legais
pressões da ONU, da Cruz Vermelha e da podem ser utilizadas para a intervenção em
Anistia Internacional em 2009, o presidente sistemas não democráticos, ou não
Barack Obama assinou decreto dando fim às capitalistas. Quase que em uma perspectiva
atividades na penitenciária, porém tal fato messiânica, colocam esses países em uma
ainda não se concretizou19. Já em Abu posição de inferioridade, ligada a
Ghraib, depois da divulgação de fotos que concepções de injustiça e desordem que
mostraram praticas de tortura e estupro a deveriam ser corrigidas pelos países centrais
prisão foi fechada nominalmente e aberta (do status-quo).
sobre outro nome: Prisão Central de Bagdá. Dessa forma, o Direito Internacional
Recentemente, ex-presos resolveram também traduz a hegemonia do sistema. É o
processar os responsáveis pelos atos de que se vê nos casos das prisões de Abu
tortura, mas os Estados Unidos, apesar de Ghraib e Guantánamo. A comunidade
terem permitido seguimento aos processos, internacional se omite para não fazer frente
decidiu de antemão que essas pessoas não à potência por trás das violações: os Estados
seriam processadas.20 Unidos. Percebe-se, portanto, que o Direito
Uma das razões para essa inação do Internacional é mais relevante para a
Direito Internacional pode ser decorrente de manutenção do status-quo do que para a
sua própria estrutura. Vivemos em uma correção de situações de abusos em relação
sociedade anárquica que carece de uma a civis.
autoridade para impor limitações e sanções Além disso, os Estados dificilmente
(BULL, 2002). O Direito Internacional realizam algum tipo de intervenção
surge, então, como uma espécie de imagem arriscando a vida de seus soldados,

19
<http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/19101/prisao+de+guantanamo+completa+dez+anos.shtml>
Acessado em 26 de setembro.
20
Disponível em <http://abcnews.go.com/Politics/federal-court-decide-abu-ghraib-prisoners-sue-us/story?
id=15498030&page=3#.UGmikJiX9ac>. Acessado em 1 de outubro de 2012.
despendendo recursos somente com o intuito (…) is not a world government, or
international policeman, but
humanitário, de resgatar a população civil de
essentially a body through which
determinado pais (WHEELER, 2003). Essa pressure and influence can be
intenção acaba mascarando algum interesse, brought to bear on states whose
disputes come before the
alguma expectativa de beneficio próprio. Organization (MERRILS, 2005, p.
Como ainda não houve interesse dos Estados 306).
em modificar a situação nas prisões e os
Assim, apesar de contribuir, em alguma
custos poderiam ser muito altos para aqueles
medida, para o relacionamento entre os
que insistissem nessas mudanças (pelos
Estados, o Direito Internacional está longe
motivos apontados no parágrafo anterior de
da perfeição. Existiriam falhas inerentes a
embargos econômicos a ações militares) não
ele como as exploradas ao longo desse
houve reação e o Direito Internacional foi
artigo: ausência de uma autoridade, ligação
deixado de lado.
com princípios éticos e com a hegemonia do
É certo, ao mesmo tempo, que o Direito
sistema. Tais falhas não seriam superáveis
internacional exerce certa pressão sobre os
uma vez que elas estão incrustadas no
países, fazendo-os mais atentos as
sistema. Sem modificar o sistema, não há
repercussões de suas ações e de alguma
como resolvê-las. Elas são, portanto, o
vigilância vinculada à publicidade dos fatos.
reflexo de um sistema desigual,
Já que “o Estado, por mais poderoso que
hegemônico, competitivo e impregnado de
seja, está sujeita ao julgamento da
concepções éticas. Como esse não dá sinais
comunidade internacional e dos órgãos
de modificação, o Direito Internacional
político das organizações
permanecerá limitado.
internacionais” (SOUZA, 1999, p. 5) e há
certa preocupação com a imagem e a
4. O ORDENAMENTO JURÍDICO
credibilidade.
ESTÁ OU NÃO PREPARADO PARA
Ele também contribuiria para uma
RECEBER AS DEMANDAS E DE FATO
relação mais harmoniosa entre os Estados na
ACOLHER E SOLUCIONAR AS
medida em que cria um espaço para
CONTROVÉRSIAS DO DIREITO
negociações e diálogo entre eles. Seria uma
INTERNACIONAL
espécie de arena dos problemas já existentes
na qual se tenta chegar a um consenso ou ao
Retomando o que já foi analisado nas
menos a resolução pacífica de disputas.
sessões anteriores, a existência de normas
Entre suas principais características está esse
intrínsecas ao sistema internacional, que
caráter participativo. Sobre a ONU, um
forneçam um comportamento esperado de
desses espaços para o diálogo, J. G. Merrils
todas as partes envolvidas, é, sem dúvida, o
coloca:
ponto de partida para a construção de um
ordenamento jurídico universal. Larry May seu ordenamento jurídico se baseia em evitar
(2004) denomina tais normas como jus e punir aquilo que ameaça o bem-estar, os
cogens, sendo estas “normas que podem ser direitos fundamentais, a dignidade e valor
claramente conhecidas e entendidas por do ser humano (CARTA DAS NAÇÕES
todos como universalmente conectadas”21. UNIDAS, 1945). O ordenamento jurídico do
Desse modo, as jus cogens constituiriam Direito Internacional, portanto, é observado
uma base inicial para o Direito Internacional nas mais diversas convenções, tratados, e
não por representarem normas universais, documentos firmados entre países com o fim
uma vez que não se dão de forma consensual de preservar os direitos humanos, para tal
pelos Estados, e sim assumindo a forma de seguindo dois princípios de se manter a
uma “consciência comum”. Assim, seu segurança assim como evitar danos aos
ordenamento jurídico baseado em uma indivíduos.
moral inerente a todas as unidades da Por meio dos instrumentos em geral
sociedade – uma “legimidade moral” utilizados pelos Estados, pode-se ver que o
segundo May (2004) – e assim validar suas Direito Internacional passa a ser
possibilidades sobre até onde se encontram costumeiramente reiterado nas mais diversas
seus limites de ação. práticas internacionais, promovendo dessa
Mas em que estaria baseada tal forma a defesa dos dois princípios
legitimidade moral? E como May (2004) fundamentais para a sociedade, não provocar
retoma o questionamento de John Stuart danos e não pôr em risco a segurança dos
Mill: “quais são a natureza e os limites do seus cidadãos (MAY, 2004). A forma com
poder que pode ser legitimamente exercido que age o Direito Internacional, no entanto,
pela sociedade sobre os indivíduos?”22, o é um ponto em meio algumas de suas
que, de forma análoga, leva à reflexão sobre controvérsias. Segundo Ielbo de Souza
o poder do Direito Internacional sobre os (1999), inexiste uma autoridade executiva
países. centralizada assim como um legislativo
A legitimidade moral proposta por Larry internacional, assim a realização do Direito
May estaria fixada no interesse comum dos Internacional propõe alternativas a uma
indivíduos – independente de suas diferentes situação que requere seu empenho, levando
culturas e Estados – em dois princípios: na em consideração a existência de uma
prevenção de danos e na manutenção da igualdade jurídica entre todas as unidades.
segurança. Assim, para ele, a resolução de conflitos no
Assim, tendo em vista a atuação do meio internacional se dá através das vias
Direito Internacional nos casos em que tais judicial (Corte Internacional de Justiça e
princípios são violados, é possível ver que outros tribunais internacionais), arbitral

21
Tradução Livre.
22
Tradução Livre.
(Corte Permanente de Arbitragem de Haia e Direito Internacional precisa fazer entre
tribunais arbitrais ad hoc), e outros meios motivos altruístas e considerações
diplomáticos, além, é claro, do Conselho de econômicas e estratégicas para poder
Segurança das Nações Unidas. realizar-se de acordo com o que ele mesmo
A partir desse ponto, portanto, pode-se propõe (AYOOB, 2002).
ver que o Direito Internacional atua de O uso da força em algumas intervenções
formas diversas, mas nestas implica, humanitárias também pode ser visto como
necessariamente, em agir em nome da outro ponto de discussão. O Direito
comunidade internacional e em defesa de Internacional, enquanto ferramenta de
uma vontade internacional. Isto se deve ao defesa dos direitos humanos e com o
caráter universal e a consciência comum que principal objetivo de pôr fim às formas de
o Direito Internacional pressupõe, uma vez sofrimento e violações de indivíduos (MAY,
que sua realização retrata, antes de tudo, a 2004), apresenta certa ambiguidade por
solidariedade de indivíduos em diferentes meio de sua conduta intervencionista, pois
lugares do mundo com uma causa ou contra ao mesmo tempo em que visa o fim de
uma situação que poderia atingi-los qualquer forma de agressão e ameaça aos
independentemente de cultura, mas direitos fundamentais, faz do uso da força e,
enquanto seres humanos. portanto, da violência, seu instrumento de
As intervenções humanitárias são um ação
exemplo evidente da execução do Direito Tal aspecto deve ser observado uma vez
Internacional. Porém, diante de sua que o uso de força é empenhado dentro de
realização ou não nos mais diversos casos, o uma intervenção a fim de estabilizar a
que se pode notar não é uma maior ou situação de caos e conter o sofrimento
menor comoção dos indivíduos por humano em muitos casos, mas se manifesta
determinadas situações que ferem seus através da morte e danos de muitos
direitos fundamentais, e sim a interferência envolvidos. Dessa maneira, cabe indagar a
de outros fatores, como interesses nacionais, necessidade ou não da realização do próprio
na realização deste (AYOOB, 2002). Esse Direito Internacional. E no caso em que ele
aspecto revela, desse modo, que há mais atua, como poderá ser avaliado seu êxito ou
fatores, além de uma solidariedade, que não diante da proposta inicial de defender os
guiam a aplicação do Direito Internacional. direitos humanos: uma análise quantitativa
Com isso, o que se vê é uma limitação à das vítimas num momento anterior, com
eficácia do Direito Internacional. Até que uma intervenção, e depois ao fim desta, por
ponto este de fato funcionaria levando em exemplo? Porém, é difícil quantificá-lo e
conta sua forte dependência com os mesmo avaliá-lo uma vez que há situações e
interesses dos países envolvidos? O que fica mais situações de conflito, algumas em que
evidente, portanto, é a conciliação que o a única forma de se agir e a última opção a
se recorrer é, de fato, o uso da força. preparado para realizar todas suas
Além disso, é relevante considerar o demandas. Porém, o que é visto é que
impacto da globalização atualmente. “Há mesmo com a presença de diversas
agora uma rede mais densa e mais integrada controvérsias, o Direito Internacional é o
de instituições e práticas nas quais mecanismo pelo qual os países continuam a
expectativas sociais de justiça e injustiça agir, em prol da defesa dos direitos humanos
global tornaram-se estabelecidos de forma e contra qualquer tipo de agressão e
mais segura”23 (HURRELL, 2003, p. 36). sofrimento dos indivíduos.
Isso se deve, sem dúvida, a um maior
intercâmbio de tecnologia, ideias, cultura, 5. CONCLUSÃO
tradições e formas de vida, como também de
uma maior integração dos mercados, por Ao longo deste artigo, foram expostas as
exemplo. Assim, segundo Andrew Hurrell, contradições nas quais se inserem as ações e
uma maior solidariedade é para onde a intervenções do Direito Internacional em
estrutura normativa da sociedade questões de segurança. Ao analisar-se essas
internacional tende a direcionar-se. controvérsias, partiu-se do pressuposto que a
Com isso, cabe questionar o papel do sociedade internacional é anárquica e nela
Direito Internacional quanto a uma não há um órgão de consenso, aceito por
sociedade pluralista, tal como ela é vista todos os países, que estruture o ordenamento
hoje em dia. É pertinente indagar o papel da jurídico internacional.
solidariedade e da moral (lembrando das Apesar da existência de organizações
normas jus cogens) como frutos de uma internacionais que direcionam essas ações,
visão ocidental, sendo que o Direito ao se confrontar os custos humanos da ação
Internacional tenderia, de fato, a respeitar do Direito Internacional, percebe-se o
todas as diferentes partes ou refletiria a quanto esse aparato jurídico ainda precisa
retomada de valores defensores da ser debatido e questionado visando sua
democracia ocidental. Com isso, abre-se melhor atuação. Reformulações nesse
espaço para um novo questionamento: o campo, que extrapolem o plano das
Direito Internacional é realmente discussões, são de suma importância para o
internacional? desenvolvimento e atuação ativa desse ramo
A existência dessas controvérsias, ou jurídico. Enquanto isso não ocorre, cabe ao
mesmo falhas, desse modo, põe em questão menos aos demais Estados não falharem
a preparação do Direito Internacional e da internacionalmente por omissão. Nesse
forma como ele atua. Assim, pode-se pensar sentido o presente trabalho mostra que,
que frente a tais incoerências seu ainda que o Direito Internacional se mostre
ordenamento jurídico não estivesse eficaz em algumas situações e intervenções,

23
Tradução Livre.
suas falhas não podem ser omitidas ou
desqualificadas.

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RESUMO ABSTRACT

As teorias tradicionais de Relações Traditional theories of International


Internacionais não são os instrumentos Relations are not the instruments of
mais indicados para a elaboração de choice for the preparation of analysis
análises que deem conta dos that give account of the constitutive
fenômenos constitutivos da ordem phenomena of contemporary
internacional contemporânea. Por seu international order. Post-positivists
turno, as teorias pós-positivistas são theories on the other hand are more
mais apropriadas para lidar com a appropriate to deal with the current
atual conjuntura pela variedade de sua situation for the variety of its research
agenda de pesquisa, bem como pela agenda, as well as the epistemology
epistemologia e ontologia adotadas and ontology adopted, which are able
aptas a assimilarem os novos desafios to assimilate the new challenges
que se apresentam. O artigo analisa a ahead. The article analyzes the vision
visão de quatro escolas pós - of four post- positivists schools, namely
positivistas, a saber, Teoria Crítica, Critical Theory, Constructivism,
Construtivismo, Feminismo e Pós- Feminism and Post-colonialism on
colonialismo sobre temas da disciplina topics of the discipline of International
de Relações Internacionais com Relations with emphasis on
destaque para a ordem internacional. international order.

PALAVRAS-CHAVE: Teoria Crítica, KEYWORDS: Critical Theory,


construtivismo, feminismo, pós- constructivism, feminism, post-
colonialismo, ordem internacional. colonialism, international order.

1
Os autores são graduandos em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e com-
põem a diretoria da mesa de Teoria das Relações Internacionais na equipe do IV FoCO .
1. INTRODUÇÃO A partir de 1980, o campo de estudo das
Teorias das Relações Internacionais
O início do século XXI trouxe eventos expandiu sua agenda de pesquisa por meio
internacionais marcantes cujas causas, da incorporação de novos temas, atores e
consequências e desdobramentos possuem debates provocada pela dinâmica do sistema
alto potencial para mudanças na ordem internacional e pelos movimentos e
global, seja na construção de uma nova processos que este engloba. As teorias
ordem, seja na transformação da ordem críticas ganharam destaque nesse período
preexistente. Pode-se citar, como exemplos, como teorias emancipatórias e foram
o engajamento norte-americano em duas classificadas como pós-positivistas
guerras simultâneas no Afeganistão e no realizando críticas quanto à epistemologia e
Iraque, além de três importantes a problemática analisada pelas teorias
acontecimentos que, segundo Velasco e tradicionais.
Cruz (2011), marcaram o ano de 2008, a O pós-positivismo nas Relações
saber: a crise financeira global, o fracasso Internacionais não é homogêneo, existindo
oficializado da Rodada Doha e a incisiva diferentes escolas e até mesmo correntes
resposta russa ao ataque do exército da distintas dentro de uma mesma escola
Geórgia contra a então separatista República teórica. No entanto, elas compartilham
da Ossétia do Sul. pressupostos comuns. Em linhas gerais, as
A nova realidade requer meios teorias pós-positivistas vão além das esferas
específicos para sua apreensão. Acredita-se tradicionais de segurança, política externa e
que a compreensão do atual ordenamento do poder. Elas atacam as quatro implicações
sistema internacional utilizando-se apenas positivistas nas relações internacionais
teorias positivistas das Relações apontadas por Smith (1996): a crença na
Internacionais se torna incompleto. Para unidade da ciência; a suposta neutralidade
Steve Smith, a predominância do dos fatos; a existência de regularidades nas
positivismo na disciplina foi fator limitador, ciências sociais à semelhança do que ocorre
que determinou a realidade internacional e, nas ciências exatas e a crença no empirismo
consequentemente, o que poderia e deveria como único meio de produção de pesquisa
ser estudado (SMITH, 1996). Portanto, neste válida.
trabalho, buscar-se-á apontar as Por contestarem tais premissas e
contribuições de quatro teorias pós- proporem a construção do conhecimento em
positivistas como meios para o novas bases, considera-se que as abordagens
entendimento dos movimentos pós-positivas oferecem ferramentas mais
contemporâneos da ordem mundial e, em adequadas para a análise do sistema
menor escala, seus desdobramentos para a internacional contemporâneo.
segurança e o direito internacionais. O presente trabalho analisará a questão
da ordem internacional e seus pós-colonial nas explicações elaboradas
desdobramentos para a segurança e o direito acerca dos fenômenos internacionais,
internacionais à luz das abordagens pós- chamando atenção para uma perspectiva que
positivistas da Teoria Crítica, do havia sido ignorada até então.
construtivismo, do feminismo e do pós- Neste sentido, além desta breve
colonialismo. Escolheu-se a Teoria Crítica introdução, o artigo se desdobrará em cinco
para a análise pelo seu pioneirismo na crítica seções. As quatro primeiras seções serão
ao positivismo sendo a primeira escola destinadas a análise das teorias pós-
teórica marginal a alcançar grande positivistas selecionadas, respectivamente
expressão. Além disso, a Teoria Crítica Teoria Crítica, construtivismo, feminismo e
questiona à suposta neutralidade e pós-colonialismo, bem como suas
universalidade da ciência ao destacar que as contribuições para a questão da ordem
teorias têm propósitos e são determinadas internacional. A quinta e última seção será
pelo contexto espaço-temporal em que se reservada às considerações finais.
inserem.
O construtivismo, por sua vez, foi 2. TEORIA CRÍTICA
escolhido pela posição de destaque no
âmbito das teorias críticas das Relações Philosophers have only interpreted
Internacionais e, principalmente, pela he world in various ways;
concepção proposta de construção social da he point is to change it.
realidade, da qual decorre um papel central (Karl Marx)
aos indivíduos nos processos de mudança
das estruturas sociais. Nada mais A escola da Teoria Crítica das Relações
apropriado, portanto, do que utilizar o ponto Internacionais apresentou-se como uma
de vista construtivista para analisar alternativa às teorias tradicionais2, mais
fenômenos de uma ordem internacional em especificamente ao realismo, sendo uma das
transição. primeiras teorias pós-positivistas do campo.
Já o feminismo foi escolhido pelos A sociedade é o objeto da análise dos
questionamentos concebidos contra a teóricos críticos e, uma vez que as teorias
alegação de neutralidade de gênero, assim não independem de seu contexto social, a
como pela denúncia dos vieses de gênero Teoria Crítica adquire um caráter
presente nas teorias tradicionais. Por fim, a autorreflexivo, considerando nas análises
abordagem pós-colonialista foi escolhida seu processo de criação e aplicação na
pela defesa proposta de inclusão do discurso sociedade (DEVETAK, 2005). Ao

2
Neste artigo, por teorias convencionais, perspectivas convencionais, teorias tradicionais ou perspectivas tradi-
cionais nos referimos à teorias de epistemologia positivistas que dominaram os debates teóricos na disciplina
de Relações Internacionais no século XX, a saber: realismo e liberalismo e suas respectivas correntes.
denunciar a relatividade histórica das vertente se baseia na ideia de uma moral
teorias, a Teoria Crítica ataca a premissa universal, na ética do discurso e na teoria da
positivista segundo a qual existiria uma ação comunicativa. Ao considerar-se a visão
verdade científica universal. de Habermas, prevalecem o indivíduo e suas
Ao ressaltar o fator espaço-temporal da interações. O discurso é parte fundamental e
produção teórica, a Teoria Crítica questiona o espaço para existência de debates é
não só a universalidade científica, mas essencial para a emancipação.
também sua neutralidade. Aqui cabe citar a A vertente gramsciana, por outro lado,
célebre frase de Robert Cox, segundo a qual discute, principalmente, as estruturas de
“Theory is always for someone and for some produção, as forças sociais e as forças
purpose” (COX, 1986, p. 207). Para os históricas. A corrente de Cox faz
teóricos críticos, teoria e prática se considerações importantes sobre hegemonia
relacionam estreitamente. As teorias não são e ordem mundial com foco nas estruturas.
utilizadas apenas para explicar a realidade, Para ele, as teorias estão inseridas em
até porque a realidade como fato dado perspectivas, nas quais as forças sociais têm
constitui-se em um equívoco. Ao contrário, profundas consequências na distribuição de
elas são utilizadas para legitimar práticas poder. Por isso, adotar-se-á essa corrente
sociais. Neste sentido, as teorias refletem para as análises dos movimentos da ordem
estruturas de dominação social – argumento internacional.
próximo ao do pensamento pós-colonial
como será abordado mais adiante. 2.1. A TEORIA CRÍTICA
Tendo por base as tradições teóricas que E A ORDEM
influenciaram a Teoria Crítica se pode dividi
-la em duas correntes principais: a vertente A Teoria Crítica se dedica, também, à
cosmopolita ligada à Escola de Frankfurt, questão da transformação social. Neste
cujo maior expoente é Jürgen Habermas, e a ponto especialmente, percebe-se a influência
vertente gramsciana de Robert Cox. do pensamento marxista no que concerne à
A Escola de Frankfurt originou-se na superação de estruturas de dominação e à
década 1920 e, desde seu início, foi marcada indissociabilidade entre política e economia.
por uma preocupação principal: a No entanto, Marx aparece na Teoria Crítica
emancipação universal do indivíduo através com uma nova roupagem. A releitura
do esclarecimento. A teoria social proposta se afasta da concepção de um
desenvolvida por seus integrantes marcou padrão único de luta de classes aplicável a
época porque questionava as teorias todas as sociedades. Rejeita-se o marxismo
consolidadas, elaborava novas proposições, ortodoxo e determinista em prol de um
promovia a autorreflexão e utilizava a marxismo que admite toda teoria como
intersubjetividade na teorização. Esta relativa ao seu tempo histórico, tal qual
Marx acreditava (NOGUEIRA & interesse comum de preservação da biosfera.
MESSARI, 2005). Já o segundo cenário seria uma continuação
Uma vez que o desenvolvimento da luta pela dominação mundial, da qual a
histórico possui lugar de destaque nos guerra americana ao terror pode ser
trabalhos de teóricos críticos, pode-se entendida como um exemplo (COX, 2010).
afirmar que a Teoria Crítica se baseia no De um lado desse embate, estariam os
pressuposto da construção histórico-social Estados Unidos, do outro, Europa e Ásia.
da ordem internacional. Segundo o pensamento crítico de Cox,
Um aspecto da Escola de Frankfurt portanto, o momento atual é de mudanças
transportado para a Teoria Crítica diz estruturais e possibilidades. Os cenários
respeito à superação das patologias e das propostos são fortemente influenciados pelo
formas de dominação da sociedade a partir declínio norte-americano frente às demais
da compreensão de seu desenvolvimento nações no sistema internacional. A questão
histórico-social e da denúncia de suas mais importante, deste modo, diz respeito à
contradições internas (DEVETAK, 2005). capacidade dos Estados Unidos de
Não existe, no entanto, uma fórmula adaptarem-se a uma ordem internacional que
predefinida de superação da dominação eles não mais presumidamente dominam.
social. Logo, essas contradições sociais Dessa forma, o papel de efetivação da
podem, ou não, ser superadas (COX, 2010). mudança, portanto, cabe aos atores que se
Sobre o atual contexto internacional, encontram na estrutura histórica.
Cox (2010) afirma ser um momento de
gradual desintegração da estrutura histórica 2.2. CONCLUSÃO PARCIAL
e enxerga dois possíveis cenários. No
primeiro cenário, existiria uma estrutura A Teoria Crítica vai além dos limites das
prevalecente que seria constantemente teorias tradicionais de Relações
desafiada por uma estrutura rival composta Internacionais para investigar as premissas
por forças sociais que se movimentariam em que vinculam a política internacional à
direção a uma configuração de forças reflexão acadêmica sobre ela. Dentre as
alternativas. Desse embate resultaria uma contribuições da Teoria Crítica estão a
ordem mais plural com vários centros de constatação de que a política nunca pode ser
poder, que estariam constantemente separada da economia e o fato de que toda
negociando os termos da convivência mútua. teoria está sempre ligada à prática.
Uma espécie de balança de poder do século Outro aspecto relevante problematizado
XIX agora em escala mundial. Nessa pelos teóricos críticos diz respeito ao papel
situação, pairaria sobre o sistema a ameaça fundamental do conhecimento para a
da questão ambiental global pressionando a emancipação do indivíduo de diversas
coordenação entre interesses particulares e o amarras sociais. As teorias refletem valores
e interesses daqueles que as escrevem e, por positivistas, o construtivismo volta a discutir
conseguinte, refletem as estruturas de questões ontológicas e epistemológicas
dominação de determinada sociedade. Desta negligenciadas pelas teorias tradicionais.
forma, o conhecimento é um importante Isso porque nega a universalidade das
instrumento de superação porque auxilia na teorias e afirma não ser possível analisar a
identificação e modificação das contradições realidade mediante formas fixas e pré-
que originaram ordenamentos sociais moldadas. O construtivismo trabalha com a
injustos. concepção de que a realidade é socialmente
construída.
3. CONSTRUTIVISMO Ademais, o construtivismo é constituído
por muitas influências das ciências sociais.
“Hope is like a road in the country; As principais contribuições são de Anthony
there was never a road, Giddens, Jürgen Habermas e Ludwig
but when many people walk on it, Wittgenstein. A Teoria da Estruturação de
he road comes into existence.” Giddens evidencia o caráter social do
(Lin Yutang) sistema internacional e é desse princípio que
a teoria construtivista, principalmente a de
O construtivismo das Relações Nicolas Onuf, se baseia para desenvolver a
Internacionais ganhou maior expressão e ideia de coconstituição. A linguagem para
solidez conceitual com Friedrich Onuf é permeada por relações de poder
Kratochwil, John Ruggie, Nicholas Onuf e como será tratado adiante. As contribuições
Alexander Wendt. O pensamento de Habermas se referem ao caráter
construtivista, assim como as demais teorias emancipatório e à teoria da ação
pós-positivistas abordadas neste artigo, tem comunicativa. Já Wittgenstein (1921)
a intenção de estimular reflexões sobre os trabalha com o conceito de linguagem como
temas pesquisados e sobre a própria a teoria pictórica do significado, na qual as
disciplina. palavras possuem significados
Os argumentos construtivistas intersubjetivos, assim como as relações entre
convergem em três pontos: as estruturas são agentes e estrutura.
definidas em termos de compartilhamento Existem diferentes interpretações a partir
de ideias, valores e identidades; as do construtivismo. Nas duas próximas
identidades e os interesses são formados subseções serão abordadas especificidades e
através de um processo de interação mútua; contribuições das correntes construtivistas
a definição das estruturas no sistema de Wendt e Onuf, respectivamente, para o
internacional foca o compartilhamento de d e s e n v o l v i me n t o d o p e n s a me n t o
ideias e não a distribuição de forças construtivista e suas implicações teóricas e
materiais. Assim como outras correntes pós- práticas para as relações internacionais. O
construtivismo de Wendt foi adotado pela o surgimento de novas configurações de
característica de reunir tanto aspectos pós- poder e a relativização da proeminência do
positivistas quanto positivistas, facilitando o poder material cujo motor foi o
diálogo interteórico, e pela discussão agente- compartilhamento de ideias e identidades.
estrutura proposta. Por outro lado, a teoria O argumento construtivista desenvolvido
de Onuf foi adotada pelas duras críticas que na obra de Wendt abrange o debate agente-
levanta contra o realismo, bem como pelo estrutura, destacando que a relação de
fato de não restringir-se às relações interdependência entre ambos os termos do
internacionais, constituindo, assim, uma debate, de tal forma que eles são
teoria social abrangente. mutuamente constituídos (NOGUEIRA e
MESSARI, 2005). A relação entre o self e o
3.1. WENDT E A EQUIDISTÂNCIA other é presente no pensamento do autor e
representa a interação entre os significados e
O construtivismo de Wendt não se os agentes. Segundo Wendt (1992), o
ocupa, especialmente, com críticas às teorias princípio da formação de identidade é um
tradicionais. Sua teoria construtivista reflexo do processo de socialização (other)
encontra-se no meio termo entre positivismo vivenciado pelo indivíduo (self).
e pós-positivismo. Desta forma, o autor Do mesmo modo, a interação entre os
pretende fornecer condições para que haja Estados é importante para a constituição de
diálogo entre as diferentes correntes teóricas identidades e interesses (WENDT, 1992).
nas Relações Internacionais. A teoria As relações interestatais variam conforme as
desenvolvida por Wendt possui muitos atitudes, interações e modificações quanto às
adeptos e é capaz de compor argumentos identidades coletivas, não existindo uma
pós-positivistas das teorias críticas com força externa que determine tal
elementos positivistas tradicionais. relacionamento. A anarquia, segundo
Com relação à análise da ordem Wendt, pode agregar tanto conotação
internacional, algumas contribuições conflituosa quanto harmoniosa sendo as
construtivistas devem ser elencadas. A interações e percepções entre os Estados o
principal consequência dos pressupostos fator determinante. Sendo assim, as
construtivistas é a negação da suposta mudanças relativas aos entendimentos
imutabilidade das estruturas da ordem coletivos geram as modificações no
internacional. Para o construtivismo, a funcionamento da anarquia.
ordem mundial está em constante
transformação. Uma breve análise da 3.2. A TEORIA SOCIAL DE ONUF
história do último século seria suficiente
para revelar as grandes modificações na Nicholas Onuf, por seu turno, dedica sua
organização do sistema internacional. Houve análise à questão das ideias e sua influência
na formação de interesses e identidades e à da ordem.
desconstrução dos argumentos realistas sem Outro aspecto apontado por Onuf está
preocupar-se, necessariamente, em utilizar relacionado com a função da linguagem e do
um discurso que permita o diálogo com as discurso em todas as interações sociais.
teorias tradicionais. Sobre esse ponto, vale citar a relação saber-
O construtivismo de Onuf desenvolve poder e discurso-linguagem do pensamento
explicações por meio de argumentos mais de Foucault. Em resumo, para Foucault toda
amplos que extrapolam os limites da forma de conhecimento, inclusive a
disciplina constituindo, assim, uma teoria linguagem e o discurso, é permeada por
social. A análise construtivista de Onuf é relações de poder (FOUCAULT, 1970).
cética quanto à ideia de anarquia como um Mais um ponto a ser mencionado é a
ambiente sem regras ou normas, tal qual crítica de Onuf acerca da ideia de que o
compreendida no sentido hobbesiano sistema internacional foi estruturado por
(WIND, 1997). Segundo o teórico, o termo pressões exógenas e, portanto, por um
anarquia é assim compreendido para que não processo pré-social. Esta análise do autor
seja preciso aos tomadores de decisão no tem como base os três argumentos essenciais
sistema internacional fornecerem maiores do pensamento construtivista já citados.
explicações sobre suas ações. Seu raciocínio Destarte, as estruturas materiais adquirem
reflete que toda mudança é possível mesmo significado social via compartilhamento
com elevado grau de internalização de ideias intersubjetivo. Disso infere-se que a
e valores. Nas palavras de Onuf (1989, p. realidade é produto das interações e das
244), percepções dos agentes. Logo, a ordem
internacional é criada e estruturada mediante
among peoples, political theorists
as relações sociais e os valores de
favour the alternative premise that
anarchy, not order, reigns. By not determinada sociedade, já que absorve as
existing, international order needs demandas do contexto histórico-social no
no explaining. […] From this
follows the dominance of concern
qual está inserida.
for conflict and disorder and the
paucity of theory in the study of 3.3. CONCLUSÃO PARCIAL
international politics.

A anarquia na perspectiva de Onuf é uma Mesmo com a variedade de abordagens


construção social. Por conseguinte, ela dentro do construtivismo, pode-se afirmar
possui regras, que podem ser modificadas que a escola construtivista das Relações
por meio dos entendimentos coletivos. As Internacionais agrega teóricos que utilizam
ideias e percepções dos agentes na teoria de as ideias como base para a construção do
Onuf são de relevância primordial e conhecimento em resposta à insatisfação
constituem o principal elemento de mudança com as explicações limitadas das teorias
tradicionais. SYLVESTER, 1989; KEOHANE, 1989;
Um dos principais pontos do WEBER, 1994; HANSEN, 2010).
pensamento construtivista é o debate agente- O feminismo empírico, segundo Hansen
estrutura e a análise da coconstituição entre (2010), pertence à denominada abordagem
esses elementos, que evidencia a racionalista, que utiliza epistemologia
impossibilidade de se sustentar o argumento positivista a partir da qual elabora teorias
realista de antecedência da estrutura em causais sobre o comportamento dos Estados,
relação aos agentes no sistema internacional. instituições internacionais e atores
Outro aspecto construtivista diz respeito à transnacionais. Essa corrente, a mais
construção social da realidade. A percepção próxima das escolas tradicionais, toma o
de que as relações sociais e os Estado como o ator principal das relações
entendimentos coletivos pesam mais do que internacionais e o considera isoladamente,
fatores supostamente exógenos na preocupado com a sua própria sobrevivência
determinação da realidade é relevante, pois (HANSEN, 2010).
reforça a possibilidade de transformações na O feminismo pós-moderno, por seu
ordem internacional via compartilhamento turno, não considera que haja um indivíduo
intersubjetivo. mulher exterior ao discurso – não haveria
sexo biológico fora do discurso que constitui
4. FEMINISMO o feminino e o masculino (HANSEN, 2010).
Tal posição é muito criticada pelas outras
“Policies developed and decisions correntes feministas, já que se não há mulher
made by men alone reflect only part of exterior ao discurso, não é possível falar das
human experience and potential.” desigualdades estruturais que elas enfrentam
(Comitê de Eliminação da Discriminação e o poder emancipatório da abordagem é
Contra as Mulheres) diminuído.
Já o ponto de vista feminista considera
“Because gender hierarchies have contributed to que o conhecimento é baseado em
the perpetuation of global insecurities, all those experiências, ou seja, o que se faz
concerned with international affairs – men and constrange e informa o que se pode saber
women alike – should also be concerned with (HARDING, 1987). As teorias das Relações
understanding and overcoming their effects.” Internacionais comumente consideram
(Anne Ticker) apenas as experiências dos homens. Por isso,
Uma categorização possível do a preocupação fundamental dessa corrente é
feminismo nas teorias das Relações construir conhecimento a partir das
Internacionais as classifica em: feminismo experiências das mulheres. Para tanto, o
empírico, ponto de vista feminista e foco é dirigido para a forma com que as
feminismo pós-moderno (HARDING, 1986; estruturas econômicas e de segurança
nacionais e internacionais afetam a vida premissas. O vocabulário do direito
delas. O Estado, por sua vez, é entendido, internacional, por exemplo, torna as
sob essa perspectiva, como um conjunto de mulheres invisíveis. Além disso, existem
práticas patriarcais que corroboram as muitos princípios aparentemente neutros e
desvantagens estruturais enfrentadas pelas regras de Direito Internacional que atuam de
mulheres (HANSEN, 2010). forma diferenciada em homens e mulheres.
Ênfase maior é dada às mulheres Há ainda conceitos básicos como Estado,
marginalizadas na perspectiva feminista, segurança, ordem e conflito que são
devido às circunstâncias específicas que as tomados como neutros no Direito
constrangem e por elas serem Internacional, mas que escondem profundas
sistematicamente ignoradas. Segundo desigualdades de gênero.
Hansen (2010), a preocupação com as O Direito Internacional incorpora a
mulheres oprimidas evidencia a influência separação entre público e privado. A relação
da tradição pós-marxista nessa corrente. O entre Estados está no âmbito público ao
ponto de vista feminista defende que a passo que matérias que dizem respeito à
masculinidade e a feminilidade são esfera doméstica de jurisdição, no âmbito
categorias socialmente construídas, contudo, privado. O Direito Internacional ocupa-se
as mulheres permanecem sendo um objeto quase que exclusivamente das atividades
de análise particular. Nesta seção, será públicas ou oficiais dos Estados – que não é
adotada a perspectiva do ponto de vista considerado responsável pelos atividades
feminista pela concepção de tal corrente privadas de seus nacionais ou quaisquer que
sobre o conhecimento produzido na estejam sob sua jurisdição
Academia, entendido como limitado – uma (CHARLESWORTH & CHIKIN, 1993).
vez que considera apenas as experiências Isso traz consequências para as mulheres
dos homens – bem como pela proposta de que encontram-se comumente fora da área
superação de tal quadro por meio do de atuação do Direito Internacional.
conhecimento construído a partir das A distinção entre público e privado é
experiências das mulheres. desafiada pelos Direitos Humanos, a
desigualdade de gênero, contudo, é mantida,
4.1. A INVISIBILIDADE DA já que os Direitos Humanos são definidos
MULHER NO DIREITO por homens conforme as ameaças das quais
INTERNACIONAL buscam se resguardar (CHARLESWORTH
& CHIKIN, 1993). O mesmo acontece com
Segundo Charlesworth (1999), pode-se o Direito Internacional Humanitário. Como
perceber a desigualdade de gêneros no exemplo, temos o que se lê no artigo 27 da
Direito Internacional em várias camadas de Convenção de Genebra relativa à proteção
práticas, procedimentos, símbolos e das pessoas civis em tempo de guerra, de 12
de Agosto de 1949: “As mulheres serão Segundo Charlesworth (1999), a
especialmente protegidas contra qualquer desigualdade de gênero presente no Direito
ataque à sua honra, e particularmente contra Internacional não é uma simples lacuna que
violação, prostituição forçada ou qualquer pode ser remediada pela rápida construção
forma de atentado ao seu pudor”. A provisão de novos direitos. Contudo, esforços foram
deixa transparecer que a mulher deve ser feitos nesse sentido, sendo a Convenção
protegida de crimes sexuais porque estes sobre a Eliminação de Todas as Formas de
tem implicação na honra e não porque esses Discriminação contra as Mulheres –
crimes constituem em si violência conhecida como Convenção das Mulheres –
(CHARLESWORTH, 1999). Ao considerar- o maior exemplo. Charlesworth, Chinkin e
se a honra como algo a ser protegido, a Wright (1991) argumentam que a
noção da mulher como propriedade do formulação de direitos aplicáveis apenas às
homem é reforçada. No Protocolo Adicional mulheres, além de enfrentar sérias
I, retira-se a referência à honra. Contudo, dificuldades políticas, pode ter efeito
segundo Charlesworth (1999), o status contrário e causar a marginalização desses
especial de proteção da mulher decorre do direitos. Segundo as autoras, a Convenção
seu papel de progenitora. foi utilizada para justificar a ausência ou
Outro exemplo de concepção machista incipiência de perspectivas das mulheres em
encontra-se em um parecer para prossecução novos textos jurídicos, uma vez que estas já
emitido por uma câmara que antecedeu o teriam sido consideradas na Convenção.
Tribunal Penal Internacional para a antiga Com isso, conclui-se que uma
Iugoslávia: “o estupro sistemático de transformação feminista do Direito
mulheres é, em alguns casos, feito com a Internacional envolveria mais do que
intenção de transmitir uma nova identidade reformas nas leis existentes ou na criação de
étnica para a criança, como forma de novas. Tal transformação culminaria na
humilhação e terror, com o intuito de criação de um regime internacional focado
fragmentar o grupo”. Nesses termos, na superação do abuso estrutural e na
percebe-se que os principais problemas do revisão das noções de responsabilidade
estupro são principalmente a alteração da estatal, podendo, inclusive, questionar a
identidade étnica das crianças que nascerão centralidade do Estado e das tradicionais
em decorrência de tal ato e o efeito fontes do Direito Internacional
desmoralizador que ele tem no grupo como (CHARLESWORTH; CHINKIN;
um todo. A preocupação é com a questão WRIGHT, 1991). A transformação feminista
étnica, ao invés da inviolabilidade do corpo iria além da simples reforma porque a
da mulher como direito humano a ser desigualdade de gênero é parte integrante da
protegido pela jurisdição estrutura do atual Direito Internacional. A
(CHARLESWOTH, 1999). desigualdade de gênero integra, também, a
atual ordem internacional, sendo um interna. Em última instância, é o Estado que
elemento crítico para a sua estabilidade. gera insegurança.
Ao se rejeitar o Estado como o provedor
4.2. A (IN)SEGURANÇA da segurança, a análise feita pelas feministas
DAS MULHERES sobre poder e capacidades militares diverge
significativamente das análises das teorias
As teorias convencionais, ao tratar de convencionais. Capacidades militares não
segurança, fazem a distinção entre o plano são vistas como garantia de segurança contra
internacional e o doméstico, sendo que a as ameaças externas já que os militares são
segurança é uma característica deste ao percebidos como causadores de insegurança
passo que aquele é caracterizado pela para os indivíduos, particularmente para as
anarquia e insegurança. A análise, em si, é mulheres. Isso porque são recursos estatais
estadocêntrica: há segurança quando o destinados a um âmbito no qual as mulheres
Estado está seguro. Dessa concepção infere- dependem desproporcionalmente dos
se que é o Estado o provedor da segurança. homens e ao qual geralmente têm acesso
Essa premissa é rejeitada pelo ponto de vista vedado (TOBIAS apud TICKNER, 1997,
feminista, posto que, quando se consideram pp. 625). Essa relação entre militarismo e
as origens e manifestações contemporâneas sexismo confirma a tese defendida por
do Estado percebe-se que ele é permeado muitas feministas de que as várias
por desigualdades de gênero; prescrições modalidades de violência estão
para aumentar a sua segurança interrelacionadas.
possivelmente promoverão mais segurança Há diversas potenciais ameaças aos
para os homens do que para as mulheres indivíduos que são frequentemente
(TICKNER, 1992). ignoradas pelas teorias convencionais, como
Os conflitos armados da segunda metade as citadas por Tickner (1992): conflitos
do século passado ocorreram, em sua étnicos, pobreza, violência familiar e
maioria, dentro de fronteiras nacionais – degradação ambiental. A crítica à limitação
movimentos de independência, guerras civis, do conceito de segurança no âmbito das
conflitos étnicos, repressão de minorias – o teorias convencionais não é exclusiva das
que inspirou questionamentos acerca do feministas, outras teorias críticas também
caráter de provedor de segurança geralmente defendem a inclusão nos estudos de
atribuído ao Estado. A Primavera Árabe, um segurança de outras esferas além da militar.
exemplo contemporâneo, endossa essa O problema, contudo, é que, segundo as
crítica, pois a falta de segurança da feministas, essas outras teorias ignoram as
população árabe advém não de ameaça diferenças de gênero, o que contribuiria para
exterior – das quais o Estado supostamente a perpetuação da desigualdade entre homens
protege a população – mas antes da ameaça e mulheres.
As concepções feministas sobre
segurança geralmente focam nos indivíduos “We live in a post-colonial,
ou nas comunidades enquanto que as teorias neocolonized world.”
convencionais focam nos Estados ou no (Gayatri Spivak)
sistema internacional. E, por considerarem a
inter-relação entre os diferentes tipos de Na segunda metade do século XX,
violência nos diversos níveis, é comum que diversos países alcançaram sua
as definições sejam multidimensionais e independência. Inicialmente as antigas
multiníveis. colônias africanas e asiáticas e,
posteriormente, as ex-repúblicas soviéticas,
4.3. CONCLUSÃO PARCIAL impuseram novos desafios ao sistema
internacional com suas recém-conquistadas
Nesta seção, buscou-se apresentar independências. Os estudos pós-colonialistas
algumas das críticas feministas ao Direito nas Relações Internacionais se dedicam,
Internacional e à forma com que a segurança entre outros tópicos, à análise da ordem
internacional é tradicionalmente entendida. internacional pós-colonial e das relações de
Considerou-se a inter-relação entre hierarquia que se desenvolvem neste
desigualdade de gênero, estruturas sociais e contexto entre ex-colônias e ex-metrópoles.
construção do conhecimento. Em resumo, as À semelhança das demais teorias
desigualdades de gênero constituem as abordadas neste artigo, o pós-colonialismo
estruturas sociais, as quais influenciam parte de epistemologia não-positivista; não
fortemente o conhecimento produzido. há presunção da neutralidade teórica dos
Dessa relação resulta a deficiente fatos abordados. Disto decorre a denúncia
proteção da mulher pelo ordenamento do enviesamento do conhecimento
jurídico internacional e os privilégios dados produzido pelo Ocidente – uma das
aos homens pela definição de segurança principais críticas do pensamento pós-
vigente decorrentes da ausência ou colonial.
incipiência de experiências de mulheres na A perspectiva pós-colonialista, assim
formulação do conhecimento. denominada, ganhou maior notoriedade na
década de 1990. No entanto, algumas de
5. PÓS-COLONIALISMO suas críticas já eram feitas na década de
1950, quando intelectuais latino-americanos
“Colonialism is first of all a matter of passaram a escrever sobre a temática
consciousness and needs to be defeated influenciados pelos escritos de Heidegger e
ultimately in the minds of men.” estudos de literatura (MIGNOLO, 1993).
(Ashis Nandy) Também influenciaram o pós-colonialismo
os estudos subalternos da historiografia
indiana (ABRAHAMSEN, 2007). Deve-se perspectiva não hegemônica. As diversas
ressaltar, ainda, a contribuição de teóricos regiões do mundo pós-colonial formam um
africanos para o desenvolvimento desta novo loci de enunciação do discurso. O local
escola. de origem desse discurso é problematizado
por Walter Mignolo (1993, p.123): “the
5.1. A DENÚNCIA DO Third World is not only an area to be studied
OCIDENTALISMO but a place (or places) from which to speak”.
Consequentemente o conhecimento local
A abordagem pós-colonialista parte de produzido na realidade pós-colonial passa a
uma crítica ao ocidentalismo nas narrativas ser valorizado, uma vez que consegue captar
humanas. A partir de uma visão suas demandas específicas promovendo a
foucaultiana, o discurso ocidentalista pode identificação entre emissor e receptor do
ser encarado como produto de relações de discurso.
poder Norte-Sul e instrumento para a O local de produção do conhecimento é
construção de realidades e perpetuação de tão importante para a abordagem pós-
relações desiguais entre regiões colonialista que, segundo Abrahamsen
anteriormente ligadas por vínculos coloniais. (2007), o “pós” no pós-colonialismo refere-
Desta forma, o pós-colonialismo chama se antes ao local do que à época da
atenção para o caráter ocidental dos elaboração do discurso. Não se trataria,
conceitos e entendimentos elaborados e para portanto, de analisar o relacionamento entre
o modo como esse discurso serve aos ex-metrópoles e ex-colônias apenas a partir
interesses do Ocidente na justificação e do fim do regime colonial. O pós-
manutenção de uma ordem injusta, sendo colonialismo, inclusive, trabalha com a
esta a mais importante consequência noção de continuidade informal de uma
material do discurso ocidentalista. Tal ordem desigual anteriormente formalizada.
narrativa priva as demais regiões do mundo A principal questão das análises pós-
de uma história própria e as coloca em colonialistas diz respeito ao relacionamento
posição secundária nos grandes Norte-Sul no decorrer do tempo, em
acontecimentos mundiais. diversas áreas – economia, política e cultura
– e à forma como Norte e Sul constituem
5.2. O LOCUS DO DISCURSO mutuamente suas identidades um em
PÓS-COLONIAL contraposição ao outro por meio do
discurso.
Uma vez que as narrativas históricas
foram elaboradas a partir da perspectiva do 5.3. A ORDEM INTERNACIONAL
Ocidente, o pós-colonialismo propõe que se SOB A ÓTICA
reescreva a história agora sob uma PÓS-COLONIALISTA
Apesar de abordar temas contemporâneos dicotomias para justificar intervenções
importantes para as Relações Internacionais, durante e após o colonialismo. Nessas
as críticas levantadas pelo movimento pós- situações, os países interventores se colocam
colonialista recebem pouca atenção dentro como sociedades avançadas cujo dever é
da disciplina. Mesmo dentre as correntes pós levar o desenvolvimento às demais regiões,
-positivistas, o pós-colonialismo tem infantilizadas nesse discurso. É possível
impacto reduzido. No entanto, acredita-se perceber um padrão das intervenções
aqui na relevância das críticas levantadas existente ainda hoje: ex-metrópoles
pela perspectiva pós-colonialista, bem como intervêm, enquanto ex-colônias sofrem
em sua capacidade de fornecer instrumentos intervenções.
úteis para a compreensão da ordem O debate levantado pelo pós-
internacional vigente. colonialismo tem o objetivo de desconstruir
As desigualdades no relacionamento entre a imagem universal e neutra que o discurso
ex-colônias e ex-metrópoles persistem ocidental reclama para si e fazer com que as
mesmo após o fim da colonização formal. vozes do mundo pós-colonial, até então
Tal arranjo de forças reverbera na silenciadas, sejam ouvidas. Busca-se a
construção do conhecimento, refletindo emancipação das ex-colônias de uma
estruturas de dominação dentro das teorias posição de inferioridade nas relações
de Relações Internacionais. Os pressupostos internacionais. Apesar disso, a efetividade
ocidentais predominantes nas teorias, por da abordagem pós-colonialista, focada no
sua vez, servem como instrumentos para se discurso, para a mudança concreta da ordem
reafirmar a desigualdade da relação entre ex- internacional e de suas desigualdades
colônias e ex-metrópole. As estruturas de estruturais é questionada por críticos do pós-
dominação ocidental refletem-se na colonialismo para os quais as preocupações
predominância quase exclusiva de teóricos dessa escola negligenciam as desigualdades
norte-americanos e europeus nas Relações materiais entre o Norte e o Sul. No entanto,
Internacionais. em defesa da abordagem pós-colonialista,
O pós-colonialismo reafirma a identidade Abrahamsen (2007) afirma ser o pós-
do mundo pós-colonial e com isso colonialismo essencialmente um projeto de
proporciona um novo modo de lidar com a crítica e que, segundo a noção de poder
segurança e o direito internacionais. No caso dentro desta abordagem, as mudanças
das missões de organismos internacionais, visíveis na ordem internacional devem vir
por exemplo, a preocupação em contribuir acompanhadas de mudanças no discurso.
com a segurança internacional sem ferir a Pode-se ir além e afirmar que só há mudança
soberania das partes envolvidas deve ser estrutural na ordem quando se transformam
constante. Isso porque o ocidentalismo já se as percepções em função das alterações do
utilizou de seu discurso permeado por discurso.
5.4. CONCLUSÃO PARCIAL construtivismo, do feminismo e do pós-
colonialismo considerados mais adequados
O pós-colonialismo enxerga as narrativas para cada caso.
históricas como marcadamente A partir da Teoria Crítica, pode-se
ocidentalistas – mais especificamente, observar a forte relação entre conhecimento,
eurocêntricas. Elas, por sua vez, implicam valores e política, sendo todos elementos
numa ordem internacional também produzidos por determinado contexto
ocidentalista, que deixa pouco espaço histórico. Desta forma, a Teoria Crítica,
justamente para o universalismo que tanto segundo Devetak (1996), trouxe três grandes
defendem. A transformação dessa ordem contribuições para a disciplina: a análise
enviesada se inicia pela detecção da histórico-sociológica das estruturas, a crítica
presença do ocidentalismo na produção do ao particularismo e à exclusão e a discussão
conhecimento e pela posterior desconstrução das condições nas quais seria possível
de suas premissas equivocadas. atingir a emancipação.
A grande contribuição pós-colonialista é Com o construtivismo estabeleceu-se
a inclusão na agenda de pesquisa do campo uma discussão mais voltada à análise da
do ponto de vista de um grupo expressivo, ordem a partir da construção das ideias que a
mas que não possui voz. Nesse aspecto, o modelam e a determinam e das interações
pós-colonialismo se aproxima do que se dão em seu contexto. Na escola
feminismo; enquanto aquele dá voz às ex- construtivista, mais do que em qualquer
colônias, este fornece uma perspectiva de outra, existe a noção da construção social da
mundo baseada nas experiências das realidade.
mulheres. A abordagem feminista, por sua vez, foi
utilizada para analisar especialmente as
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS contradições entre as concepções de direito e
segurança das teorias convencionais e as
Neste artigo, buscou-se apontar algumas atuais demandas da sociedade nessas áreas.
contribuições pós-positivistas para o A distinção de gênero presente nas
entendimento da ordem internacional interações sociais – retratada nas
contemporânea e, no caso do feminismo, construções teóricas das Relações
seus desdobramentos para o direito e Internacionais – apresenta importantes
segurança internacionais. Acredita-se que as consequências práticas. As mulheres são
diferentes teorias pós-positivistas das desconsideradas em vários níveis do Direito
Relações Internacionais são antes Internacional em razão do discurso machista
complementares do que antagônicas. Logo, de certos textos jurídicos, que nada mais é
as conclusões aqui apresentadas foram feitas do que a expressão da desigualdade de
a partir de elementos da Teoria Crítica, do gênero estrutural presente nas sociedades
contemporâneas. dessas estruturas e de sua capacidade de
Por fim, a questão da ordem prejudicar o desenvolvimento social em
internacional foi debatida sob o prisma do base s j u st as, ma s t a mbé m no
pós-colonialismo. Neste ponto, a principal reconhecimento de meios úteis para sua
contribuição apontada foi a denúncia das superação. Este é o primeiro ponto.
relações de dominação nas estruturas O segundo ponto é a constatação de que
teóricas da disciplina, bem como a defesa de o caminho para a emancipação passa,
um novo loci de enunciação das Relações necessariamente, pela modificação das
Internacionais – as antigas possessões ideias, das percepções e do discurso. As
colônias do velho continente. teorias críticas analisadas conferem aos
Ainda que possuam questões específicas atores uma capacidade de ação impensável
às quais se dedicam – gênero para as para as teorias convencionais. São eles os
feministas e desigualdades coloniais para os agentes que são determinados pela estrutura,
pós-colonialistas, por exemplo – todas as mas que também a determinam em um
escolas pós-positivistas aqui abordadas contínuo processo de interação. A noção de
inovam na busca por alternativas ao modo uma ordem internacional pré-definida e
tradicional de se problematizar as relações estática dá lugar a uma ordem construída,
internacionais. Tais teorias trouxeram para o fluida e repleta de possibilidades. O
debate questões capazes de alcançar o nível momento atual é certamente propício para
metateórico de abstração ao questionarem transformações no sistema internacional,
princípios e postulados inerentes às próprias muitas delas já foram inclusive iniciadas.
teorias. Além disso, elas carregam Resta saber se os grupos marginalizados
diferenças profundas no modo de produção dentro do sistema internacional atuarão
do conhecimento em contraste às diferenças como agentes da ordem, aproveitando a
superficiais que existiam nos denominados oportunidade para abandonarem
grandes debates da disciplina. Lá existiam permanentemente essa condição, ou se
várias versões de um mesmo mundo ao adotarão postura passiva, que possivelmente
invés de visões alternativas e originais das os manterá na posição em que se encontram
relações internacionais (SMITH, 1996). atualmente.
Dois pontos merecem destaque na
discussão proposta. As quatro escolas pós-
positivistas analisadas buscam algum tipo de
emancipação de estruturas sociais, políticas,
culturais e econômicas que limitam as
capacidades humanas em certas áreas. Daí
decorrem as vantagens dessas teorias. Adotá
-las implica não só no reconhecimento
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RESUMO ABSTRACT

A principal finalidade deste artigo é The main objective of this article is to


apresentar um panorama geral da present a general vision of the
política externa brasileira nas áreas de Brazilian foreign policy in the areas
segurança e direito internacional, em of international security and
especial para facilitar o international law in order to facilitate
acompanhamento do debate recente the comprehension of the recent
que se dá acerca desses assuntos nas debate within these areas of
Relações Internacionais. São International Relations. The intern,
discutidos os contextos interno, regional and global contexts are
regional e global do Brasil, de modo a discussed to provide an overview of
possibilitar uma ampla visão do the process of construction of the
processo de construção da postura national posture within those topics.
nacional no que concernem esses
tópicos.

PALAVRAS-CHAVE: Itamaraty, KEYWORDS: Itamaraty, Brazilian


Política Externa Brasileira, Política Foreign Policy, Brazilian Security
Brasileira de Segurança. Policy.

1
Alunas do programa de graduação do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de
Brasília e responsáveis pela Mesa de Política Externa Brasileira no IV Fórum Centro-Oeste de
Relações Internacionais.
INTRODUÇÃO2 Para isso, o artigo explica,
primeiramente e de uma forma simples,
O fim da Guerra Fria é um marco porém necessária, as três principais e mais
tradicional nas análises de Política Externa discutidas características da política externa
Brasileira. A maioria dos acadêmicos que se brasileira: pacifismo, multilateralismo e
dedica ao tema tem em comum a universalismo. Em seguida, nas sessões dois,
contextualização da postura brasileira a três e quatro, são discutidas as três esferas
partir do fim do conflito bilateral entre em que se concretiza a política externa: em
Estados Unidos e União Soviética, quando a âmbito interno, regional e global.
ordem mundial sofre profundas A segunda sessão tem como objetivo
transformações, uma nova agenda identificar os aspectos internos que acabam
internacional é criada e o Brasil se vê diante refletidos na formulação da política externa
da necessidade de adotar uma nova postura, brasileira, especialmente desde os anos
capaz de comportar todas essas mudanças. 1990, quando essa relação tornou-se mais
Tendo em vista essa enorme variedade evidente. É dada atenção especial ao
de análises de qualidade incontestável, a governo Lula e à sua concepção de política
participação desse artigo se dará de forma externa, na tentativa de compreender como
modesta e através da revisitação daquilo que seu posicionamento geral se reflete nos
os estudiosos da área têm escrito. Seu temas de segurança e direito internacional.
objetivo é, senão, suscitar uma nova Em seguida, a terceira sessão parte para
pergunta a partir de fatos e situações já um contexto um pouco mais abrangente, que
exaustivamente tratados pela literatura. corresponde à região em que o país se
Pretende-se, apenas, provocar a reflexão do insere. Recentemente, o contexto regional
leitor acerca de um novo questionamento: o brasileiro tem ganhado relevância, estejam
Brasil é capaz de, através do comportamento os pesquisadores falando de América Latina,
que vem adotando recentemente, conciliar América em geral, ou mesmo da região Sul
suas preocupações com Segurança como um todo. O objetivo dessa sessão é
Internacional àquelas no âmbito do Direito que se compreenda como as atitudes dos
Internacional? Este artigo, não tem, vizinhos e parceiros próximos são capazes
portanto, a pretensão de propor uma visão de interferir no processo decisório brasileiro.
inédita dos últimos anos da Política Externa Destacam-se, portanto, os atentados de 11 de
Brasileira, nem mesmo de se inserir nesse setembro, cujo efeito sobre os Estados
campo de estudo através da apresentação de Unidos provocou não só a alteração da
novos fatos ou de comentários agenda internacional, mas também uma
surpreendentes. mudança em suas relações com os vizinhos

2
Gostaríamos de agradecer à equipe do IV FoCO RI, em especial, Mário Frasson, pela orientação e correção, e
Diego Bielinski, pelas sugestões a nós dadas. Ainda assim, todo o conteúdo é de responsabilidade das autoras.
americanos e, por sua vez, uma historicamente, distante da sociedade3. Em
transformação no comportamento desses, contrapartida, não havia interesse dos
inclusive o Brasil. cidadãos em interferir nas decisões de
Por fim, a terceira sessão enfoca a âmbito internacional. No atual cenário, no
dimensão mais global do posicionamento entanto, esse isolamento é superado e a
brasileiro, em especial a percepção da interação das políticas domésticas com as
comunidade internacional frente ao externas tem sofrido um aumento.
crescimento do país. Nessa parte, se O prestígio internacional de que goza a
destacam as reações dos demais países e diplomacia brasileira atualmente é
atores globais, não diretamente consequência do histórico de medidas em
influenciados pelas decisões da política busca do consenso nas discussões
externa brasileira. internacionais, ações que refletem a agenda
Em meio às considerações finais desse brasileira, pautada no multilateralismo4, no
artigo, o leitor não encontrará uma resposta universalismo, no pacifismo e no
para a pergunta inicialmente proposta. juridicismo. Essas características têm
Colecionando os mais atuais e principais aplicação linear e podem ser, inclusive,
acontecimentos de Política Externa encaradas como componentes de um
Brasileira, o resultado é apenas um processo de amadurecimento. Ainda assim,
apanhado daquelas situações que, de uma apesar de serem consideradas partículas
forma ou de outra, e aliadas ao essenciais da diplomacia brasileira, esses
conhecimento das linhas gerais e conceitos não são aplicados
tradicionais da postura brasileira no cenário automaticamente e nem praticados da
internacional, seriam capazes de alimentar o mesma forma, gozando de empregos
debate acerca da dicotomia “Segurança x heterogêneos entre si.
Direito” que hoje permeia a agenda Para explicar como o uso dessas
internacional. características se torna comum na realidade
brasileira é preciso uma abordagem
1. UM PANORAMA GERAL, histórica. Durante a Guerra Fria, os
E TRADICIONAL, DA POLÍTICA interesses nacionais eram subordinados à
EXTERNA BRASILEIRA hierarquia mundial existente, até que, na
segunda metade da década de 1990,
O Ministério das Relações Exteriores, Fernando Henrique Cardoso julgou que os
órgão responsável pelas atividades de problemas seriam melhor resolvidos por
política externa do Brasil, manteve-se, uma política mais pró-ativa, que se utilizasse

3
Para a história das Relações Internacionais do Brasil ver a obra clássica Amado Cervo e Clodoaldo Bueno,
2002.
4
Mais sobre o multilateralismo brasileiro ver OLIVEIRA, 2007.
da autonomia pela integração, em demonstrou interesse e desenvolveu
contraposição à autonomia pela distância. iniciativas em diversos projetos de
Essa mudança não refletiu alteração da base integração regional como na UNASUL, no
ideológica, mas apenas da interpretação: na MERCOSUL, na OMC e muitos outros com
prática, o país carecia de atuação mais finalidades específicas. Assim, caminhava
aparente vis-à-vis o meio internacional. A rumo à ampliação dos investimentos,
evolução da globalização foi ponto mercados e fontes de tecnologia e energia.
determinante para que se percebesse essa Esse viés carregava ainda a integração no
nova necessidade, expandindo os horizontes fluxo econômico mundial e uma autonomia
de desenvolvimento econômico de nações que aplicava a diversificação de parcerias
como o Brasil. Segundo Fernando Henrique independente de alinhamentos.
Cardoso: A vocação do Brasil para esse
universalismo tem origem na consolidação
O Itamaraty, geralmente entregue a
de relações pacíficas e funcionais em regiões
diplomatas de carreira naqueles anos
de tendência tecnocrática, acabou diversas do globo. Ao atingir o apogeu do
por desenhar uma política de defesa processo iniciado com o fim da Segunda
de nossos interesses que jogava com
o terceiro-mundismo. [...] A política
Guerra Mundial, o universalismo brasileiro
externa do regime militar tinha a intensificou o peso das relações com as
legitimidade do governo que a potências ocidentais e proporcionou a
criara. Após a queda do muro de
Berlim, em 1989, e com a abertura de novos horizontes como a África,
aceleração dos processos a Ásia e o Oriente Médio.
econômicos vinculados à O pragmatismo tornou o universalismo
globalização, nos anos 1980 e 1990,
havia que rever seus objetivos seletivo, o que implicou uma escolha
centrais. (CARDOSO, 2006, p. 604- observando ordem preferencial de parceiros,
606).
a fim de destinar melhor a atenção
Dessa forma, o país se preocupava mais diplomática privilegiada. Desse
com aspectos econômicos do que com a procedimento derivam as Parcerias
segurança, especialmente após a queda do Estratégicas, caracterizadas por relações
muro de Berlim, que marcava o recíprocas construídas pela vocação
encerramento do ciclo de conflito armado da histórica bilateral da práxis. Nas palavras de
Guerra Fria. A perspectiva de solucionar Nye:
problemas domésticos através da (...) a universalidade da cultura de
participação em ações de caráter mundial um país e sua capacidade de
estabelecer um conjunto de normas
ganhou espaço.
e instituições favoráveis que
Na busca pela adaptação aos mecanismos governem setores de atividade
liberais do sistema internacional, o Brasil internacional são fontes decisivas de

5
Mais sobre o pacifismo brasileiro, ver VIDIGAL, 2010.
poder. Os valores da democracia, da
liberdade pessoal, na mobilidade
Uma cordialidade que se mostra,
social e da abertura, frequentemente
expressos na cultura popular especialmente, na relação com os países
americana, a instrução superior e a vizinhos em situações de solução pacífica de
política externa contribuem com o
poder do nosso país em muitas
conflitos e de cooperação. Trata-se da
áreas. (NYE, 2002, p. 37, tradução cordialidade oficial, caracterizada pela
livre). visibilidade de um fim estratégico.
O pacifismo5, por sua vez, é evidenciado Essas marcas tradicionais da diplomacia
através da ausência de conflitos armados brasileira apresentam-se reunidas nos oito
desde a Guerra do Paraguai em 1870. anos de governo de Luís Inácio Lula da
Somado ao juridicismo, são os responsáveis Silva, que contou com o profissionalismo do
por assegurar a estruturação de um direito então ministro das relações exteriores Celso
internacional com ênfase nos acordos Amorim para dar continuidade a estes
multilaterais. A passividade que caracteriza traços. Dessa forma, tal comportamento não
a aplicação desses dois processos seria uma reflete simples ingenuidade do governo, mas
consequência do próprio alinhamento ao cumpre com os princípios do art. 4º da
Ocidente, marcante na política exterior do Constituição Federal: independência
país. Mas Amado Cervo afirma que a nacional, prevalência dos direitos humanos,
cordialidade característica da diplomacia é autodeterminação dos povos, não
herança da política do Visconde e do Barão intervenção, igualdade entre os Estados,
de Rio Branco. defesa da paz, solução pacífica dos conflitos,
repúdio ao terrorismo e ao racismo,
A cordialidade oficial aconselha cooperação entre os povos para o progresso
conduta regional que não ostente a da humanidade e concessão de asilo político.
grandeza nacional e a superioridade Nota-se, então, que a política
econômica e que elimine gestos de
prestígio, mas que se guie pela diplomática brasileira atual é resultado de
realização dos interesses do Brasil um histórico de atitudes não agressivas em
sobre os dos vizinhos, seja pela
relação aos vizinhos, independentemente de
cooperação seja pela negociação, e
fortaleça seu poder internacional, interesses visíveis. Sendo assim, sua atuação
razões que podem esteve sempre permeada pelo
momentaneamente quebrar a
cordialidade. A quebra não é
multilateralismo, pacifismo, e
aconselhável, por tal razão o universalismo, como meios através dos
governo Lula recusou-se a abrir quais o Brasil expressava sua política
conflito com seus colegas da
Argentina e Bolívia, Néstor externa. Os resultados foram inúmeras
Kirchner e Evo Morales, quando parcerias que colaboraram com o
interesses do comércio exterior e desenvolvimento doméstico em diversos
dos investimentos brasileiros foram
afetados. (CERVO, 2008, p. 30). âmbitos, sejam eles o econômico ou o
social, e principalmente a sua imagem no Desde o fim da ditadura militar e
sistema internacional como um país principalmente depois dos anos 1990, o
envolvido com ações humanitárias, Brasil tem sofrido grandes transformações
cooperação e resolução de conflitos. É um internas, as quais não poderiam deixar de se
dos fatores de grande colaboração para que, refletir no comportamento global do país. A
hoje, o país possa ser visto como líder reinstalação do governo civil, a estabilização
regional. Atingir tal posição não seria econômica e mesmo a criação do Ministério
possível senão através de uma atuação da Defesa são fatores que colaboraram para
moderada e pacífica, diferenciando-se das dar ao Brasil uma nova realidade de ator
demais lideranças que se afirmam, em geral, global enquanto país emergente. Nas seções
através da supremacia militar. seguintes enfatizar-se-á o papel dos
governos Lula nesse novo contexto,
2. CONTEXTO INTERNO – ressaltando como a ideologia e a visão de
A POLÍTICA EXTERNA DE DENTRO mundo de um homem, ou um grupo de
PARA FORA governantes, podem alterar a forma de se
fazer política externa.
Apesar de as três características acima
explicitadas trazerem à tona um parâmetro 2.1. O GOVERNO LULA
importante para a compreensão da política
externa brasileira ao longo de sua história e, A diplomacia brasileira pode ser
principalmente, nos anos mais recentes, não conceituada, tradicionalmente, como uma
é sensato resumir essa realidade de forma política de Estado, ou seja, um ramo do
tão simplista. O universalismo, pacifismo e poder executivo que não costuma sofrer
multilateralismo são conceitos que podem grandes alterações conforme se alternam os
ajudar a compor o quadro da política governantes no poder. Em grande medida, a
externa, mas não revelam a real postura brasileira no contexto internacional
complexidade dos processos que se é regida pelo Itamaraty com tamanho
desencadeiam em sua formulação. Outro profissionalismo que requer pouca
fator, geralmente negligenciado e cada vez interferência de outros atores, sejam eles o
mais importante enquanto determinante da Congresso, a opinião pública ou mesmo o
postura internacional brasileira, é o contexto Chefe de Estado. No que diz respeito ao
interno do país. A alternância de presidentes, cunho ideológico das ações empreendidas
as políticas públicas nacionais e mesmo a pela diplomacia do Itamaraty, é possível
opinião pública que, até pouco tempo não se dizer que elas se adéquam mais ao contexto
manifestavam de forma ativa sobre a histórico regional e global do que às
atividade diplomática, ganham cada vez mudanças políticas internas. Ou talvez isso
mais espaço. tudo fosse verdade até as eleições de 2002.
Com a ascensão de Luís Inácio Lula da Lula retomaria a cooperação de forma
Silva à Presidência da República, pela intensa, como um dos pilares da política
primeira vez, a postura ideológica do externa brasileira. Os demais países sul-
Presidente bem como do partido americanos voltam a ter espaço na agenda
predominante (Partido dos Trabalhadores – brasileira bem como serem considerados
PT) teria uma participação determinante no parceiros importantes na inserção global do
rumo da construção e prática da política Brasil. E Lula vai além, estendendo sua
externa nacional. Lula chamou para si não concepção regional e seu ideal de
só boa parte da responsabilidade pela cooperação também ao resto do hemisfério
concepção da política externa, mas também Sul.
todo o “poder imperial” reservado ao seu Essa iniciativa ficará conhecida como
cargo, pela Constituição Federal, no que diz “cooperação Sul-Sul”, através da qual o
respeito ao exercício da diplomacia e governo brasileiro buscou se aproximar de
idealização da política externa. O governo seus vizinhos americanos e incrementar sua
de Lula ficaria conhecido então pela preocupação com os interesses da África e
“diplomacia paralela” ou “diplomacia até de países do Oriente Médio. Uma
presidencial”, exercida por sua assessoria postura que, diante do crescimento do
direta, em complemento àquela atividade interesse internacional pelos temas de
tradicional desenvolvida pelos diplomatas de segurança, trouxe algumas consequências
carreira. preocupantes.
De uma maneira geral, A determinação de Lula em promover a
cooperação latino-americana, por exemplo,
(...) sob a gestão de Lula a gera situação incômoda no que diz respeito
diplomacia tem sido praticada como
uma política do governo de turno,
aos países de ideologia bolivariana.
permeada pela ideologia do partido Enquadrados entre aqueles violadores dos
dominante (...): uma orientação direitos humanos bem como possivelmente
terceiro-mundista, Sul-Sul, (...) a
infinita tolerância dos desmandos complacentes com organizações terroristas
comerciais dos parceiros do como as FARC, os parceiros não sofrem
MERCOSUL; a onerosa sanções morais por parte do Brasil e sequer
‘diplomacia da generosidade’ para
com países da América Latina, da são questionados quanto à legitimidade de
África e do Oriente Médio [e] a suas ações. A associação da imagem
afinidade com países de ideologia
brasileira a esses outros países sul-
“bolivariana”. (LANDAU, 2010,
p.6). americanos custou ao país algumas
explicações em âmbito internacional e, em
A gestão Lula marca, portanto, uma nova certo sentido, deu um ar de anti-americanista
reviravolta da postura brasileira no que à política externa brasileira (LANDAU,
tange à abordagem do contexto regional. 2010, p. 8).
Também conhecida como “diplomacia da vez que, até recentemente, a política
externa ou era praticamente
generosidade”, essa vertente se estendeu a
ignorada no cenário político e nos
outras regiões do hemisfério sul e abarcou as meios de comunicação, ou dispunha,
relações brasileiras no que tange aos nesses meios, assim como na
opinião pública de forma geral, de
parceiros da África e Oriente Médio. O relativo consenso positivo entre as
segundo caso, de forma semelhante àquele diversas tendências político-
da Venezuela, constitui um comportamento ideológicas em que se divide a
sociedade. (ALMEIDA, 2006, p.
igualmente passível de questionamentos. O 95).
apoio aos interesses do Irã frente ao
Conselho de Segurança, por exemplo, Com a nova proposta de Lula, formaram-
geraram desconfiança internacional e se grupos diversos, sejam eles de crítica ou
acabaram por comprometer outros interesses apoio à nova concepção, o que acabou
da diplomacia brasileira. florescendo os debates na mídia e tornando
Ainda que a estratégia de Lula tenha o contexto internacional próximo o
custado alguns reveses (em seu mandato, suficiente da população a ponto de que ela
por exemplo, não foi assinado sequer um quisesse tomar parte na discussão.
tratado comercial bilateral) (LANDAU,
2010, p. 11), é preciso reconhecer toda uma 3. CONTEXTO REGIONAL –
outra coleção de méritos por trás desses oito UMA PERSPECTIVA COLETIVA
anos de governo. Pesquisadores como José
Flávio Sombra Saraiva, da Universidade de Com o fim da Guerra Fria, as
Brasília, defendem a postura adotada desde preocupações e as posturas da América do
2002. Para o professor, a política externa Sul, e da América como um todo, também
que se vinha fazendo anteriormente buscava sofreram algumas alterações, especialmente
um modelo ultrapassado de se fazer política na área de segurança e Direito Internacional.
externa (ALMEIDA, 2006, p. 103). Alguns elementos já existentes passaram a
Outro ganho da administração Lula foi a ser mais usados e uma forma diferente de
capacidade de alçar as questões de política inserção e controle das ações dos atores
externa ao interesse público. Paulo Roberto vizinhos surgiu (CERVO & BUENO, 2011:
de Almeida reforça que, até então, o assunto 487). Primeiramente, é interessante analisar
encontrava consenso entre acadêmicos e os mecanismos que continuaram sendo
tomadores de decisão e, por isso, nunca usados para manter o equilíbrio regional, e,
chegava a ser discutido com entusiasmo nas em contrapartida, quais foram as alternativas
mídias sociais. criadas.
Esse equilíbrio, por vezes muito frágil
Trata-se de configuração
relativamente nova no panorama
devido às disputas existentes, era produto
político-institucional brasileiro, uma especialmente das organizações e tratados
internacionais que haviam sido e que vieram internacionais, em especial o 11 de
a ser estabelecidos na região. A efetividade Setembro influenciaram a agenda dos países
desses tratados se deu, especialmente, da América e que mudanças eles trouxeram
devido ao aproveitamento que alguns para o cenário regional.
Estados da região deram às suas conquistas,
como o fortalecimento da economia, a 3.1 OS MECANISMOS DA
promoção da democracia e então, uma maior ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS
relevância no cenário internacional (CERVO AMERICANOS
& BUENO, 2011: 487-494).
O Brasil, por exemplo, usufruiu dessas A organização internacional mais antiga
conquistas ao liderar a criação do Mercado da região é a Organização dos Estados
Comum do Sul, o MERCOSUL, buscar o Americanos (OEA). Criada em 1948,
estabelecimento de acordos diversos com reunindo todos os trinta e cinco países da
países da América Latina, fortalecendo o América, a OEA é composta por diversos
comércio com seus vizinhos e dessa forma, órgãos com funções específicas que atuam
criando maiores possibilidades de para resolver controvérsias de forma
cooperação (CERVO & BUENO, 2011: 517 pacífica no continente. São eles a
-524). Dessa forma, percebe-se que o apoio Assembleia Geral, a Reunião de Consulta
norte-americano tem sua importância dos Ministros das Relações Exteriores, o
diminuída e países como o Brasil alcançam Conselho Permanente, o Conselho
certo status, coordenando ações e buscando Interamericano de Desenvolvimento
vias de cooperação. Elenca-se também que Integral, Comissão Jurídica Interamericana,
houve uma alternativa de auto-exclusão dos a Comissão Interamericana de Direitos
Estados Unidos na política americana Humanos, a Secretaria Geral e outros
durante a Guerra Fria, posição que viria a se organismos e conferências especializadas.
alterar apenas após o 11 de Setembro. Dentre as funções da Reunião de
É claro que nem todas as tentativas de Consulta e do Conselho Permanente, destaca
estabelecer laços mais significativos entre os -se a manutenção e cumprimento do TIAR,
países da região foram bem recebidas e nem o Tratado Interamericano de Assistência
todos os mecanismos que já existiam foram Recíproca6. Elaborado em 1947 e tendo
usados de forma efetiva. Entretanto, a entrado em vigor em 1948, o Tratado tem
compreensão desses mecanismos é como principal objetivo mobilização dos
necessária para uma análise mais apurada países do sistema interamericano quanto a
dos fenômenos que ocorrem na região ameaças externas e internas (BUNZ, 1948:
atualmente. Outro ponto importante para 114).
reflexão é como os acontecimentos É importante ressaltar que ter um tratado
6
Disponível em <http://www.cnen.gov.br/Doc/pdf/Tratados/TRAT0005.pdf> Acesso em 10 set. 2012.
desse tipo no continente tem a intenção mas também cooperação com outros
também de criar mecanismos regionais e que organismos multilaterais. Essa preocupação
eles tenham preferência, mesmo que, pelo demonstra o respeito a não uso da guerra
tratado estar baseado também no artigo 51 como instrumento de coerção bem como a
da Carta das Nações Unidas, mecanismos da preferência pela resolução pacífica dos
própria ONU sejam citados (BUNZ, 1948: conflitos. Elenca-se também que o TIAR foi
114-115). Em resumo, o TIAR é um assinado por apenas vinte e três países do
instrumento de segurança coletiva do continente, dos quais o México retirou sua
continente. assinatura em 20047. O Tratado continua
Ele foi elaborado segundo recomendação aberto para assinaturas.
da VIII da Conferência Interamericana sobre É importante destacar que o TIAR foi
Problemas da Guerra e da Paz, que ocorreu acionado algumas vezes pelos Estados
na Cidade do México, em 1945. Naquela Unidos durante a Guerra Fria e, mais
ocasião, os países americanos decidiram, de recentemente, como um chamado à Guerra
acordo com as cláusulas preambulares do ao Terror (OLIVEIRA, ONUKO, SENNES,
Tratado, manter-se em um sistema 2006: 9-10). Sua ação, porém, mostrou-se
interamericano caracterizado pela paz e pela pouco efetiva. O posicionamento dos
assistência entre seus membros. A guerra Estados Unidos em apoio à ação do Reino
seria um recurso indesejável e passível de Unido nas Ilhas Malvinas, em detrimento da
condenação por todos os signatários do A r g e n t i n a, d e mo n s t r ou o c l a r o
Tratado (BUNZ, 1948: 114). enfraquecimento do TIAR e foi acusado
De acordo com o artigo 3º, a assistência pelo México como uma das principais
se daria de seguinte forma: em caso de razões para denunciar o Tratado
ataque, a agressão seria vista como agressão (OLIVEIRA, ONUKO, SENNES, 2006: 9).
ao sistema, desencadeando uma reação Percebe-se então que há ainda certa
regional em defesa do atacado. Essa resposta desconfiança no sistema interamericano, já
se daria de forma independente, afirmando o que nem mesmo a maior potência da região
princípio de legítima defesa e através da obedeceu de fato o acordo, e que sua
coordenação das diretrizes estabelecidas por importância tem sido constantemente
uma reunião do Conselho Permanente, até questionada.
que o Conselho de Segurança das Nações
Unidas discutisse e deliberasse sobre a 3.2 A PROTEÇÃO DOS DIREITOS
matéria (BUNZ, 1948: 114-115). HUMANOS NO ÂMBITO DA OEA
É interessante perceber que o Tratado
não previa apenas uma articulação regional, Outros instrumentos, com função mais

7
Assinaturas, denúncias e depósitos legais do TIAR estão disponíveis para consulta em <http://www.oas.org/
juridico/spanish/firmas/b-29.html> (em espanhol) Acesso em 10 set. 2012.
específica, são as comissões e cortes Direitos Humanos.
destinadas a promover os direitos humanos A Corte tem funcionamento parecido
nos países americanos. Esse sistema8 - cujos com a Corte Europeia de Direitos
órgãos mais importantes são a Comissão Humanos12: ela dá possibilidade aos
Interamericana de Direitos Humanos e a indivíduos de apresentarem denúncias contra
Corte Interamericana de Direitos Humanos – Estados no âmbito dos direitos humanos,
gerou uma série de controvérsias, desde que os remédios locais sejam
principalmente por deixarem latentes esgotados13. As sentenças da Corte devem
contradições internas. Os casos mais ser cumpridas sob pena de levar o assunto
emblemáticos são aqueles relacionados às para a Assembleia Geral da OEA.
violações dos Direitos Humanos pelas Alguns países, como o Peru,
ditaduras militares que atingiram, em desenvolveram mecanismos que facilitam o
especial, a América da Sul nos anos 60, 70 e cumprimento das sentenças da Corte, outros,
809. como o Brasil, não possuem tais
Primeiramente, é interessante analisar a mecanismos. Isso evidencia a fragilidade
origem de tais mecanismos e sua existente no processo de resolução de
efetividade, principalmente no que tange o controvérsias através da Corte, sem
cumprimento das sentenças e também dos invalidar, no entanto, seu papel enquanto
deveres desse sistema., criado a partir da promotora e defensora dos direitos humanos
aceitação da Declaração Americana de na América.
Direitos e Deveres do Homem10, em 1948.
Em 1961, a comissão começou a fazer 3.3 O BRASIL NA CORTE
visitas e relatórios sobre a condição dos INTERAMERICANA DE DIREITOS
direitos humanos em países específicos e, HUMANOS
em 1965, deu início a petições de casos
específicos. Já em 1969, a Convenção Dentre os casos submetidos à Corte
Americana dos Direitos Humanos11 foi Interamericana de Direitos Humanos,
adotada e criou a Corte Interamericana de encontra-se um em especial, que condena o
8
Os órgãos que compõem o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, seus estatutos e regulamentos po-
dem ser consultados em <http://www.oas.org/en/topics/human_rights.asp> Acesso em 10 set. 2012.
9
A relação completa de casos da Corte Interamericana de Direitos Humanos está disponível em <http://
www.corteidh.or.cr/casos.cfm> (em espanhol). Acesso em 10 set. 2012.
10
Disponível em <http://www.cidh.oas.org/Basicos/English/Basic2.American%20Declaration.htm> (em in-
glês). Acesso em 10 set. 2012.
11
Disponível em <http://www.oas.org/dil/treaties_B-32_American_Convention_on_Human_Rights.htm> A-
cesso em 10 set. 2012.
12
A Corte Europeia de Direitos Humanos, com sede em Haia, é o principal órgão jurídico da área para a Comu-
nidade Europeia. Para mais informações, assim como acesso ao estatuto da corte, consulte <http://
www.echr.coe.int/ECHR/homepage_en> (em inglês). Acesso em 10 set. 2012.
13
O estatuto da Corte está disponível em <http://www.corteidh.or.cr/estatuto.cfm> (em espanhol) Acesso em
10 set. 2012.
Brasil por violações cometidas durante a imperou no caso (CIDH, 2010,
resumo, tradução livre).
Ditadura Militar (1964-1985). É o caso
Gomes Lund e outros (Guerrilha do A sentença ainda não foi cumprida pelo
Araguaia) vs. Brasil14. Levado à Corte em Estado brasileiro, o que tem gerado uma
2009 pela Comissão Interamericana de série de controvérsias em relação à política
Direitos Humanos, o caso considerou o externa e sua relação com problemas
Brasil culpado pela internos do Brasil. O governo Lula se
absteve de tomar qualquer atitude em
a) violação do direito ao
reconhecimento da relação à decisão, uma tendência que tem
personalidade jurídica, à vida, à sido reproduzida pela sua sucessora, Dilma
integridade, à liberdade em
Rousseff.
perjúrio de 62 pessoas
desaparecidas que faziam parte Tais atitudes mostram que, embora o
da Guerrilha do Araguaia; b) Brasil faça uso de um discurso a favor dos
pela violação dos direitos e
garantias judiciais em perjúrio
direitos humanos, condenando aqueles que
de alguns familiares de os violam, assume uma posição contraditória
desaparecidos e de Maria Lúcia ao não adotar qualquer medida para que tais
Petit da Silva em virtude da
interpretação e aplicação da Lei violações sejam esclarecidas e combatidas
da Anistia nº 6.683/79; c) pela no âmbito interno. A criação da Comissão
violação dos direitos à liberdade da Verdade15 foi um avanço na questão,
de pensamento e de expressão,
das garantias judiciais e da muito embora pouco eficiente, haja vista o
proteção judicial em perjúrio limitado poder decisório delegado a ela.
dos familiares que iniciaram
Espera-se, portanto, que uma resposta mais
uma Ação Ordinária obter
informações sobre os fatos e satisfatória sobre o assunto seja dada, até
destino de seus familiares e d) para que o país reforce a legitimidade de seu
pela violação do direito à
integridade de familiares das
discurso internacional.
vítimas, entre outras razões,
devido ao sofrimento causado 3.4 A REPERCUSSÃO DO
pela falta de investigações
efetivas para o esclarecimento EPISÓDIO DE 11 DE SETEMBRO
dos fatos e pela impunidade que

14
O resumo oficial do caso pode ser encontrado em <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/
resumen_219_esp.pdf> Acesso em 10 set. 2012. A sentença, emitida em 24 de novembro de 2010, pode ser
vista em <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_esp.pdf>. Acesso em 10 set. 2012.
15
A Comissão Nacional da Verdade, criada pela Lei nº 12.528 de 18 de Novembro de 2011, começou seus
trabalhos em Maio de 2012, tem a prerrogativa de investigar as violações aos direitos humanos cometidas no
período de 1946 a 1988 no Brasil. O período investigado abarca, mas não se restringe à Ditadura Militar e o
resultado das investigações não poderá conflitar com a Lei da Anistia (Lei nº 6.683/1979) e pode colaborar ou
colher informações com outras comissões, como a de Mortos e Desaparecidos e a da Anistia. Por ter caráter
exclusivamente investigatório, os resultados não podem ser usados para iniciar processos judiciais. Os termos e
restrições podem ser consultados no próprio texto da lei disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
_ato2011-2014/2011/lei/l12528.htm> Acessado em 23 set. 2012.
O marco de 11 de Setembro simboliza o os Estados Unidos tentaram acionar o TIAR,
“fim dos felizes anos 90” (CUNHA, 2010, p. alegando que os atentados não só
21). Os atentados terroristas nos Estados representavam ataque ao território
Unidos mudaram de forma considerável o americano estadunidense, mas uma afronta à
contexto internacional. O sistema se viu segurança coletiva do continente como um
diante de uma nova ameaça – o terrorismo – todo. Com o posicionamento regional
capaz de atacar a hiperpotência americana, desfavorável ao pedido de assistência, no
no auge de seu poderio militar, dentro de seu entanto, percebeu-se relativa diminuição na
próprio território. Aquele momento marca o força coercitiva dos Estados Unidos frente a
“retorno da iniciativa civil à guerra”, bem seus vizinhos. O fortalecimento dos laços
como a substituição das guerras tradicionais entre os demais países da região através das
pelos “novos conflitos”, ampliando o organizações multilaterais diminuíram sua
universo militar, antes restrito aos Estados dependência em relação ao hegemon. O
Nacionais, para inclusão de entes não papel dos Estados Unidos continuaria tendo
estatais (CUNHA, 2010, p. 16). Um ponto relevância fundamental, mas demonstrava
de inflexão profundo nos rumos da política que já não era o único fator decisivo no
externa americana. posicionamento do continente americano
Com o lançamento da Doutrina Bush de como um todo.
“guerra ao terror”, a institucionalização do Considerando-se que os temas de
combate ao terrorismo e o início do ataque interesse das potências são ainda
armado contra o Iraque, e diante das preponderantes na determinação da agenda
ameaças constantes feitas pelo governo internacional, a alteração sofrida nos
norte-americano contra os denominados interesses americanos desviou os rumos das
“países hostis”, o contexto regional ganhou discussões multilaterais que vinham se
nova importância como área de influência e desenvolvendo até então. O terrorismo
cooperação16. Se durante a Guerra Fria a passaria a ocupar posição central na agenda
América foi pouco relevante nos planos dos (CUNHA, 2010: 47), ofuscando outros
Estados Unidos, após os atentados ao World temas em discussão, tal qual meio ambiente
Trade Center, em 11 de setembro de 2001, a ou comércio (CUNHA, 2010: 26). Sendo
região voltou a ser considerada digna de assim, foi inevitável que o 11 de setembro
atenção especial. tivesse algum impacto sobre a formulação
Diante da nova realidade suscitada pela da política externa brasileira.
ocasião, tornava-se importante assegurar Com a impulsão do terrorismo ao centro
apoio regional às novas medidas de política da agenda internacional, os temas de
externa norte-americanas. Em decorrência, segurança voltariam a ganhar espaço nos

16
Para mais detalhes acerca da Doutrina Bush, ver HAKAN TUNC, Preemption in the Bush Doctrine: a Reap-
praisal, Foreign Policy Analysis. 2009, vol 5: 1-16.
foros multilaterais, desviando a atenção oportunidade de estabelecer contatos para
daqueles itens aos quais o Brasil vinha se resolver outros problemas semelhantes e
dedicando há algum tempo: ainda mais importantes do ponto de vista
desenvolvimento econômico e social. brasileiro: as questões de segurança pública,
Processos de integração regional cujos crime organizado, proteção da Amazônia e
principais objetivos tinham cunho fiscalização de fronteiras. Uma vez que o
econômico, como é o caso do MERCOSUL, processo de cooperação para essas duas
não puderam se abster de dedicar-se mais áreas se dá de forma bastante semelhante,
seriamente às novas questões de segurança e abarcando o compartilhamento de
o Brasil, na sua ambição pelo papel de líder informações, a cooperação judicial e o
regional sul-americanos, também se viu controle do fluxo de bens e pessoas
pressionado a dar maior importância ao tema (CUNHA, 2010, p. 117), o Brasil tem se
da segurança, historicamente não prioritário beneficiado com o acesso à cooperação
em sua pauta diplomática. internacional no âmbito da segurança
Comprometido constitucionalmente com interna, o que possivelmente não seria
o repúdio ao terrorismo pela Carta de 1988 possível na ausência do episódio de 11 de
(Art. 4, VIII), o Brasil precisou ceder setembro.
parcialmente às pressões internacionais e Ainda assim, o desenvolvimento
posicionou-se, oficialmente, como continua sendo a prioridade máxima da
cooperador no processo de luta contra o política externa brasileira e, uma vez que o
terrorismo. Ainda assim, é preciso ressaltar terrorismo não dá sinais de que abrirá
que, diante das poucas probabilidades de novamente espaço a esse tema em tempo
que o país venha a ser alvo de ações desse próximo, o Brasil acabou por desenvolver
gênero, dispensar a ele atenção em demasia uma postura que, de certa forma, conecta os
pode se tornar custoso, significando que o dois itens. Para o país, o combate à pobreza
país deixaria de contemplar seus reais e o incentivo ao desenvolvimento poderiam,
interesses. Por isso, as autoridades indiretamente, evitar o surgimento de novas
brasileiras reforçam, frequentemente, que é ideologias radicais, das quais tendem a
preciso reconhecer as preocupações descender os movimentos terroristas (Celso
desiguais que esse tema representa para os Amorim apud CUNHA, 2010, p. 124).
diversos países (CUNHA, 2010, p. 28).
Ainda assim, o Brasil tem usado a seu 4. CONTEXTO GLOBAL –
favor as características do sistema A ASCENSÃO BRASILEIRA
internacional decorridas da situação que se
instalou pós-11 de setembro. A cooperação Tendo perpassado alguns dos
construída em torno da temática do acontecimentos mais marcantes da história
terrorismo serve ao país como uma da política externa brasileira no que diz
respeito à segurança e direito internacional Heleno Ribeiro Pereira foi designado para o
em duas esferas limitadas, é possível voltar- comando de componente militar (Force
se para um contexto mais abrangente, no Commander), atendendo a um convite do
qual todas as situações apresentadas se presidente francês, Jacques Chirac, em 4 de
misturam à realidade de outros atores e março de 2004. A ocasião permite perceber
acontecimentos. A compreensão da uma nítida demonstração da política
formulação da política externa torna-se multilateral brasileira e da preocupação da
ainda mais complexa ao saltar da esfera ONU com a integração na América Latina.
regional para a global. Nos cinco anos que se seguiram à
Na constante busca pela inserção no implementação da operação, seu sucesso já
cenário mundial, o Brasil tomou duas era considerável. O presidente Aristide, pivô
iniciativas marcantes em sua política externa da crise política fora exilado e diversas áreas
recente: a liderança na missão de paz no que, antes da operação, encontravam-se sob
Haiti e o pleito a um assento permanente no o poder das gangues protagonistas da crise
Conselho de Segurança das Nações Unidas. política, haviam sido retomadas e estavam,
A primeira foi consequência da então, entregues aos cidadãos haitianos e
disponibilidade brasileira a ocupar uma supervisionadas pelas tropas de paz.
posição que amenizaria problemas dos EUA Na 59ª Assembleia Geral da ONU, em
e da França. 21 de setembro de 2004 Lula da Silva17
Desse modo, o país conseguiu afirmou em seu pronunciamento:
simultaneamente desenvolver as relações
Foi assim que atendemos, o Brasil e
com esses líderes. A segunda, por sua vez, outros países da América Latina, à
dá continuidade à histórica ambição convocação da ONU para contribuir
na estabilização do Haiti. Quem
brasileira de ocupar um assento junto às
defende novos paradigmas nas
potências – um comportamento típico já da relações internacionais, não poderia
participação brasileira na Liga das Nações, se omitir diante de uma situação
concreta. (2004, p. 1).
na década de 1920 – para aumentar seu
prestígio internacional. O objetivo de assegurar a segurança e a
estabilidade inclui, de acordo com a
4.1 A MISSÃO DE PAZ NO HAITI interpretação de Maria Celina D’Araujo
(2010) medidas de cunho social como
Em 2004, o Brasil assumiu a Missão de atendimento odontológico, distribuição de
Estabilização das Nações Unidas no Haiti alimentos e palestras sobre saúde e
(MINUSTAH), quando o General Augusto higiene18. Em Perspectiva brasileira para os
17
Discurso completo disponível em: <http://www4.planalto.gov.br/consea/noticias/discursos/2004/09/discurso-
do-presidente-da-republica-luiz-inacio-lula-da-silva-na-59a-assembleia-geral-da-onu.> Acesso em 7 set. 2012.
18
Mais informações sobre a missão de paz da ONU no Haiti disponível em: <https://www.defesa.gov.br/
arquivos/File/2011/mes02/livreto_haiti.pdf>. Acesso em 5 set. 2012.
novos aspectos da segurança regional a determinada por sua vez pela participação
autora aponta o desenvolvimento social em eventos tais quais as missões de paz, é
como um dos aspectos necessários para a notável o caminho percorrido pelo Brasil.
estabilidade, pois esta não pode existir Mas o interesse pelo assento no
mediante conflitos e instabilidade interna. Conselho não deve ser encarado como uma
Desse modo, após o terremoto do dia 12 de nova ambição da diplomacia brasileira.
janeiro de 2010, o Gabinete de Segurança Desde a Liga das Nações, primeiro órgão
Institucional da Presidência da República do criado com a finalidade de garantir a paz e a
Brasil (GSI/PR), o Ministério da Defesa, em segurança mundiais, o assunto aparece na
conjunto com as três Forças Armadas, a pauta do Brasil. Já na ONU, a
Agência Brasil de cooperação (ABC) do institucionalização de um órgão tal qual o
Ministério das Relações Exteriores (MRE) e Conselho de Segurança – restrito a um
o Ministério da Saúde intensificaram grupo seleto de membros permanentes,
conjuntamente a ajuda humanitária no constituindo pilar executivo e detendo poder
Haiti19. discricionário de afirmar agressão, ameaça
ou ruptura da paz – deu continuação à
4.2 O PLEITO POR UM ASSENTO empreitada.
PERMANENTE NO CONSELHO DE O poder reservado ao Conselho de
SEGURANÇA Segurança é um dos principais fatores
elencados para a proposição de uma
A MINUSTAH garantiu maior reforma. De acordo com os defensores de
participação do Brasil na ONU, de tal forma um novo Conselho, é necessário que a
que o assento permanente no Conselho de mudança do meio internacional se reflita no
Segurança do órgão se tornasse um sonho aumento do número de países membros.
mais próximo. Apesar das diversas atuações Dessa forma, e ao lado de Japão, Alemanha
brasileiras em missões de paz, nenhuma se e Índia, o Brasil se candidatou a um posto
compara ao protagonismo exercido pelo país permanente pela primeira vez ainda no
no Haiti, principalmente quando se governo Itamar. O principal argumento é
considera a posição brasileira de potência aquele de que o Brasil seria o melhor
emergente. Seguindo a lógica de Ilyana indicado para representar os países em
Kuziemko e Eric Werker (2006) sobre a desenvolvimento e a América do Sul no
relação direta existente entre os membros cenário internacional.
não permanentes do Conselho de Segurança A candidatura foi lançada oficialmente
e ajuda financeira oferecida pelo mesmo, em 1994 e desde o estabelecimento do grupo

19
Segundo os dado oficiais dessas agências governamentais, foram entregues, uma média de 60 toneladas de
alimentos/ano, feitos 8.000 atendimentos odontológicos/ano, 42.000 atendimentos médicos/ano, 12 perfurações
de poços artesianos/ano, pavimentado 20km de estradas/ano e recuperados outros 50km/ano.
de trabalho responsável pela reforma, o brasileiro precisou se alterar de tal forma
Brasil tem investido na busca de apoio, que passasse a englobar preocupações com
essencial para que a medida passe em uma segurança, refletindo e se adequando aos
votação na Assembleia Geral, fórum no qual acontecimentos das esferas mundial,
precisa obter 2/3 dos votos dos países regional e interna.
membros. Ainda assim, apesar de todo Com essa alteração de rumos na agenda
esforço, é provável que, quando ocorrer a internacional exigindo que os países
reforma, ela não inclua o poder de veto aos discutam um novo tema em detrimento
novos membros do Conselho. daqueles que vinham ganhando destaque
Dessa maneira, o Brasil tem chamado a recentemente, o Brasil procurou uma
atenção do mundo. Primeiramente sendo posição intermediária, que conferisse aos
convidado a exercer uma posição notável demais países a certeza de que ele está
dentro da ONU, e atualmente lutando pelo dando a essa questão a devida importância e
reconhecimento efetivo de seu potencial. A dedicação, porém, sem se descuidar de seus
ascensão brasileira, especialmente apoiada verdadeiros interesses nas demais áreas. A
em suas ações cooperação, é visível e segurança internacional que, para o Brasil,
inegável aos demais atores internacionais. até então dizia respeito somente ao âmbito
No entanto, o país encontra dificuldades em econômico, teve que tomar nova conotação.
adquirir poderes e posições que se Através de uma nova estratégia, que se
equiparem àquelas defendidas tanto no inaugura com o governo Lula, o Brasil tem
discurso de seus parceiros, que reconhecem defendido a preocupação com segurança e se
a singularidade brasileira, quanto no seu aproveitado da ocasião para estabelecer
próprio discurso. parcerias que lhe acarretem benefícios,
inclusive, no desenvolvimento da gestão
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS pública. Mas esse comportamento é
acompanhado pelo esforço de garantir que a
Diante do apresentado, é possível notar a ascensão desse novo tópico não ofusque os
evolução e transformação da política externa temas prioritários da diplomacia do
brasileira no que diz respeito aos aspectos de Itamaraty: desenvolvimento econômico e
segurança internacional. O assunto, que social.
nunca ocupou posição de destaque na A postura cautelosa é plausível,
formulação da política externa nacional, principalmente, se considerada a ambição
fosse por opção ou mesmo pela existência brasileira de ocupar um lugar permanente no
de outras prioridades, foi alçado à posição Conselho de Segurança das Nações Unidas,
de “tema que merece atenção”. Graças ao mas demonstra tanto méritos quanto
novo contexto histórico em que se encontra incoerências. A aproximação latino-
o sistema internacional, o posicionamento americana, a defesa dos interesses iranianos,
a recente inclusão da Venezuela no Como disse Celso Amorim:
MERCOSUL, entre outros exemplos,
É preciso pagar um preço pela
colocam em dúvida o comprometimento do
manutenção da paz. Esse preço é a
Brasil com a manutenção da ordem mundial, participação. Se abstiver de omitir
tal qual o interesse das potências. Por outro opinião ou evitar agir diante de uma
crise pode significar sua exclusão do
lado, é exatamente nessas iniciativas que o processo decisório ou, ainda pior,
país embasa sua imagem de liderança e ter que contar com a ação de outros
angaria apoio para empreitadas países e regiões (AMORIM, 2004: p
45).
internacionais cada vez mais ambiciosas.
Em suma, o mais importante é considerar
a atuação extremamente pró-ativa que tem
caracterizado a política externa brasileira.

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leiro de Relações Internacionais, 2010.
RESUMO ABSTRACT

As Organizações Internacionais The international organizations play


exercem papel central nas dinâmicas a central role in the dynamics of
de segurança entre as nações na security among nations in this
presente estrutura internacional, international structure, shaping up as
configurando-se como importantes major agents of global governance.
agentes de governança global. Estas These institutions are based on
instituições são pautadas no Direito international law and are legitimized
Internacional e são legitimadas por by multilateral decision-making
processos decisórios multilaterais processes between the States which
entre os Estados os quais abrangem. cover. Effectiveness and limitations of
Eficácia e limitações de atuação these actions, when responsible for
destas, quando responsáveis por balancing the sometimes contrasting
equilibrar as demandas por vezes demands of Security and International
contrastantes da Segurança e do Law, and the positions of the United
Direito Internacional, serão Nations (UN) and the Organization of
analisadas no artigo, bem como as American States (OAS) in this debate
posições da Organização das Nações will be analyzed in this article.
Unidas (ONU) e da Organização dos
Estados Americanos (OEA) nesse
debate.

PALAVRAS-CHAVE: organizações KEYWORDS: international


internacionais; segurança; Direito organizations; security; International
Internacional; ONU; OEA; Law; UN; OAS; intervention.
intervenção.

1
Estudantes de graduação em Relações Internacionais da Universidade de Brasília e membros da
Mesa de Organizações Internacionais do IV FoCO-RI.
INTRODUÇÃO áreas de atuação e às suas características
como organizações de alcance universal e
As Organizações Internacionais 2 , regional3, respectivamente. A primeira
enquanto campo de estudos, foram seção tratará da eficácia das OIs em atender
extensamente trabalhadas em seu caráter às demandas nacionais, internacionais e
institucional. Grande parte de seus globais, de uma forma geral. Uma temática
estudiosos focaram-se na análise do bastante exaltada na literatura, que enaltece
desenvolvimento das estruturas que a função destes organismos como agentes de
compõem instituições específicas e de seus governança global em determinados
objetivos e metas, ou ainda, em fase mais aspectos e a sua relevância como promotores
recente destes estudos, muitos são os que se de comunicação entre as nações e como
debruçam sobre uma análise organizacional “mediadores” de conflitos internacionais.
do objeto. A segunda seção fornece uma análise
O presente artigo, no entanto, visa sobre limitações e falhas de atuação das OIs.
elucidar os impactos que a atuação das Nesta seção, vários autores e correntes
Organizações Internacionais (OIs) exerce teóricas são revisitados e assuntos como o
sobre as relações internacionais na cena princípio da neutralidade nas organizações,
contemporânea. Serão abordadas reflexões o desgaste proporcionado por negociações
sobre como estas instituições estão infindáveis e o tradicional dilema entre
constantemente lidando com problemáticas soberania dos Estados e interferência nos
de segurança dos países que as compõem e assuntos domésticos, entre outros, serão
como, ao se pautarem no Direito expostos e discutidos.
Internacional, se pretendem universais e Na terceira seção, os pontos estudados
imparciais. anteriormente serão inseridos ao contexto da
Para tanto, o artigo divide-se em seções, Organização das Nações Unidas, ONU,
estando as primeiras voltadas para a análise sendo trabalhados, já na seção 3.1, casos de
das OIs em geral e as últimas, para “sucesso” e “fracasso” desta entidade na
organizações específicas como a execução de suas missões e alcance de seus
Organização das Nações Unidas (ONU) e a objetivos. Ainda nesta subseção, será
Organização dos Estados Americanos discutida a ação do Conselho de Segurança
(OEA), devido à abrangência destas em das Nações Unidas e as reformas propostas

2
Neste artigo, a utilização do termo Organizações Internacionais (OIs) se refere às Organizações Intergoverna-
mentais Internacionais (OIGs). Ao serem tratadas instituições que fujam a este perfil, a nomenclatura corres-
pondente será especificada.
3
De acordo com Francisco Rezek (2002, pp. 254-260), existem as organizações de alcance universal, as quais
pretendem ter o maior número de membros, sem restrições, e as organizações de alcance regional, que abran-
gem apenas os países de determinada região. Além disso, no que concerne à finalidade, pode-se dividi-las entre
as de vocação política, aquelas que têm como propósitos a preservação da paz e a segurança internacionais, e
as de vocação específica, aquelas voltadas para um fim econômico, financeiro, cultural ou técnico.
aos seus “braços institucionais”. A segunda A questão da saúde pública, por
seção interna à terceira trabalhará a questão exemplo, pode ilustrar bem a situação.
da Intervenção Humanitária sobre os pilares Agentes infecciosos, como vírus e bactérias,
da Segurança e do Direito Internacional. não estão condicionados a determinado
Por fim, a última seção tecerá sobre o território e, dada a constante circulação de
caso da Organização dos Estados pessoas entre as regiões do planeta, tornam-
Americanos (OEA), provendo uma análise se de fácil e fugaz disseminação as doenças
sobre o seu papel decisivo nas crises por estes causadas, perpetuando casos de
democráticas que sucederam a Guerra Fria epidemia como em 2009, quando o vírus
na América Latina, o seu sistema de H1N1 colocou em risco populações do
segurança, os limites para a influência México ao Japão. Questões como estas, que
hegemônica sob a instituição e o seu não se acomodam às barreiras territoriais,
possível declínio nos cenários atual e futuro. necessitam de articulação em escala global
para serem bem resolvidas, uma vez que,
1. EFICÁCIA DAS OIs EM LIDAR com a globalização, houve e há a formação
COM AS DEMANDAS GLOBAIS de uma nova agenda de interesse mundial
que não pode mais ser tratada, ou bem
São de amplo conhecimento acadêmico tratada, apenas por um único Estado.
os impactos da globalização sob as formas É nesse contexto que as
de organização e estruturação das relações Organizações Internacionais (OIs) se
internacionais apresentadas na apresentam com o importante elemento para
contemporaneidade. Este fenômeno trouxe a conjuntura internacional. Seguindo esta
como resultado uma intensa dinâmica linha, Eiiti Sato reconhece em seu texto
global, tornando possível, entre outros Conflito e Cooperação nas relações
processos, o adensamento do comércio, da internacionais: as organizações
troca de informações e do fluxo de pessoas. internacionais do século XXI que
Os parâmetros contemporâneos, nos quais
Atualmente, é inimaginável um
não só a quantidade de trocas e fluxos é
mundo sem o enorme fluxo de bens,
alarmante, mas também a velocidade com recursos financeiros, informações,
que ocor r em, sã o i nédi tos ao pessoas e de uma série de outros
elementos mais difusos e menos
desenvolvimento das relações humanas e, quantificáveis que transitam
nesse sentido, questões antes restritas à continuamente entre as fronteiras
região de origem passam a demandar que delimitam os Estados. Na base
desse fenômeno, está uma ampla e
soluções e respostas em escopo mais complexa malha de organizações
abrangente, cuja extensão, por vezes, é internacionais, que, de maneira
equivalente à totalidade das dimensões integrada, possibilita esse fluxo
relativamente ordeiro e
globais. continuamente crescente (SATO,
2003, p. 167). outros fatores, faz com que as organizações
internacionais estejam diretamente
Sato destaca que na base do processo de relacionadas à prática da governança global4
globalização atuam as OIs, dinâmica esta da forma com a qual é concebida hoje.
cuja ocorrência pode ser notada através do Alguns teóricos liberais, como Robert
exemplo do vírus H1N1. Durante a Keohane, consideram que os regimes
epidemia, a Organização Mundial da Saúde internacionais, base fundantes para a
(OMS) se reuniu para debater a situação, instituição de organizações internacionais,
servindo como fonte de informações para detêm um papel crucial para o ordenamento
auxílio aos países, os quais, através destas, do sistema: partindo da “escolha racional”
poderiam lidar melhor com a questão, trocar dos atores (KEOHANE, 1982, p. 325), (os
experiências e buscar soluções mais regimes) mitigam os efeitos da anarquia
satisfatórias. O resultado foi a criação de um internacional (KEOHANE, 1982). Para o
documento intitulado Preparación y autor, muitas questões não podem ser
respuesta ante una pandemia de influenza resolvidas por acordos bilaterais ou por um
(ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA sistema de balanço de poder. Nestes casos,
SALUD, 2009), que contribuiu para a as OIs viabilizam a produção de acordos
resolução da questão. entre os Estados, pois seus regimes
Esta digressão permite perceber o papel “facilitate agreements by providing rules,
fundamental que as OIs exercem como norms, principles, and procedures that help
fóruns de debate e como mediadoras em actors to overcome barriers to agreement
situações específicas, o que tem impactado (...) that is, regimes make it easier to actors
as relações internacionais de forma positiva to realize their interests
ao facilitar a comunicação entre os países e collectively” (KEOHANE, 1982, p. 354).
outros diversos atores. Além disso, as OIs se Sendo assim, a criação de normas e
revelam aparatos permanentes que devem regras diminui os custos de transação das
gerar respostas mais rápidas a estas relações internacionais, uma vez que dentro
demandas da nova agenda global, algo que a do aparato das OIs as negociações já podem
ausência de institucionalização da ser iniciadas com alguns parâmetros
cooperação não possibilitaria. Nessa direção, estabelecidos (HERZ; HOFFMANN, 2004,
Haas (apud GALLAROTTI, 1991, p. 187) p.56). É, ainda, importante destacar que a
afirma que os problemas da nova agenda própria corrente liberal, preservadas as suas
demandam uma promoção dos interesses distinções internas, não assume a
comuns, que só é possível nas estruturas das cooperação como fácil de ser alcançada, mas
instituições supranacionais. Este, entre possível e vantajosa, principalmente se esta

4
Para maiores reflexões a respeito da influência das instituições sob a governança global ver em KRATOCH-
WIL & RUGGIE, International Organization: A State of the Art on an Art of the State (1986).
se provar promotora dos interesses nacionais por meio de um processo decisório aceito
(LAMY, 2011, p. 122). pelos Estados-membros. Nesse sentido, o
Destarte, a produção de normas e que é produzido por uma OI tende a ter uma
procedimentos para regular mecanismos de ampla aceitação e pode gerar um sentimento
resolução de disputas, procedimentos de de obrigação moral (HERZ; HOFFMANN,
ajuda humanitária internacional e utilização 2004). Outro fator que contribui para a
da força militar, por exemplo, são algumas legitimação das decisões são os temas
das práticas proferidas pelas OIs que tratados. Direitos humanos e meio ambiente,
contribuem para a governança global por exemplo, são parte de uma cultura
(HERZ; HOFFMANN, 2004, p. 18). Estes internacional em alguma medida
órgãos transcendem a existência dos compartilhada e, sendo assim, são
indivíduos, pois são organizações coletivas, trabalhados com base em valores
logo mais fortes e duráveis, permitindo um disseminados, facilitando a aceitação das
ordenamento sistêmico mais sólido (ELLIS, decisões concernentes (HERZ;
2010, p.13). Kratochwil e Ruggie resumem HOFFMANN, 2004, p. 24).
bem essas ideias: Desta forma, as OIs ganham destaque e
relevância na cena internacional e é possível
Here, international organizations
perceber que, cada vez mais, passam a não
have been viewed as potential
dispensers of collective legitimacy, servir apenas como instrumento dos Estados,
vehicles in the international politics mas tornam-se agentes com programas e
of agenda formation, forums for the
creation of trans- governmental
interesses próprios, alcançando certa
coalitions as well as instruments of autonomia. Mônica Herz e Andrea Hoffman
transgovernmental policy afirmam em seu livro Organizações
coordination, and as means through
which the global dominance Internacionais Histórias e Práticas:
structure is enhanced or can possibly
come to be undermined As OIGs [Organizações
(KRATOCHWIL; RUGGIE, 1986, Internacionais Governamentais] são
p. 758). atores, uma vez que adquirem
relativa autonomia em relação aos
Na citação, Kratochwil e Ruggie Estados-membros, e elaboram
políticas e projetos próprios, além
apontam para a importância das OIs na de poderem ter personalidade
construção de uma legitimidade coletiva. jurídica, de acordo com o direito
Esta derivaria do fato de que esses órgãos internacional público (HERZ;
HOFFMANN, 2004, p. 23).
são reconhecidos por um conjunto de atores
internacionais, ou seja, para serem legítimas Enquanto organismos respaldados pelo
as OIs dependem da aderência dos Estados Direito Internacional, as organizações
(HERZ; HOFFMANN, 2004, p. 24), sendo internacionais possuem uma complexa rede
as normas e regras de conduta estabelecidas burocrática e muitos teóricos, como David
C. Ellis (2010), assumem que é possível seus interesses (HERZ, 2004, p.23). Por
perceber o comportamento da instituição por isso, muitos autores, a partir dos anos 2000,
meio desta rede, cuja existência é reformularam o conceito de OI para adequá-
perceptível mesmo na definição de lo à nova realidade, ou seja, para abranger a
organização internacional, que, para Angelo sua autonomia. No prefácio de International
Piero Sereni (apud MELLO, 2004, p. 601), Institutions (2001) Martin e Simmons
definem OI como:
(...) é uma associação voluntária de
sujeitos de direito internacional, The formal embodiment of
constituída por ato internacional e institutions and regimes. They are
disciplinada nas relações entre as housed in buildings, employ civil
partes por normas de direito servants and bureaucrats, and have
internacional, que se realiza, que budgets. They have varying degrees
possui um ordenamento jurídico of agency, sometimes able to take
interno próprio e é dotado de influential actions without explicit
órgãos e institutos próprios, por authorization from their member
meio dos quais realiza as finalidades states (MARTIN; SIMMONS apud
comuns de seus membros mediante ELLIS, 2010, p. 17).
funções particulares e o exercício de
poderes que lhe foram conferidos
Por meio dessa análise, conclui-se que as
(grifo nosso).
OIs, em determinadas circunstâncias, detêm
Assim sendo, compara-se as OIs aos poder de agência, autonomia. Elas podem
organismos internos de um Estado: apesar favorecer uma agenda sobre outra
de limitados, definem projetos próprios, propositalmente, constantemente ligam
encaminham processos da sua maneira e temas distintos e são capazes de encaminhar
influenciam o cenário interno – da mesma devidamente um processo ou não (ELLIS,
forma que as OIs impactam no contexto 2010, p. 20).
externo. Nesta linha, Michael Barnett e Portanto, o funcionamento adequado das
Martha Finnemore identificam duas fontes OIs é fundamental na contemporaneidade,
de poder para as OIs: a primeira seria a seja quando atuam de forma autônoma, seja
legitimidade racional-legal, pois as OIs são quando são utilizadas como meios
baseadas em regras e procedimentos legais e facilitadores da cooperação. Mesmo quando
impessoais, e a segunda seria o controle a OI é voltada para um tema específico, seu
técnico e informativo (HERZ; bom funcionamento tende a favorecer
HOFFMANN, 2004, p.25). diversas áreas. Isso é explicado pela teoria
Também é possível perceber que dentro da integração, a qual advoga que a
do âmbito das OIs, metas para os Estados- cooperação em uma dada área contribui para
membros são traçadas, novas categorias, que os governos passem a estendê-la para
como a de refugiados, são criadas e, a partir outras áreas (DUNNE, 2011, p. 106), o que
dessa interação, os Estados podem redefinir pode ser muito útil também em
circunstâncias de crise, pois “as crises do sistema internacional se desvencilhado
internacionais podem ter origem variada e do papel das OIs. Estas instituições se
geralmente são o resultado de demonstram eficazes, sendo exaltadas por
desentendimentos sobre diversas questões autores como Sato (2003, p. 169), que
que se combinam agravando -se afirmam que “há muito mais sucesso que
mutuamente” (SATO, 2003, p. 169), logo a fracasso a ser registrado na história das OIs
sua resolução também exige a aplicação de e é possível identificar trajetórias
medidas nestas diversas faces do problema. semelhantes nas finanças, nas relações
As características das OIs aqui citadas monetárias, ciência e tecnologia e outros
demonstram a sua importância no cenário campos da cooperação internacional que são
internacional. Os próprios liberais, incluindo a ponte do relacionamento entre nações e
Keohane e Nye, concordam que o Estado é o povos”. No entanto, há aqueles que não se
ator principal, contudo pode-se dizer que mostram tão positivos e, apesar de muitos
perderam o monopólio. Eiiti Sato afirma que sucessos, as OIs possuem sérias limitações
“(...) as organizações internacionais têm sido de atuação a serem consideradas.
muito eficazes e hoje fazem parte integrante
da vida das sociedades” (SATO, 2003, 2. LIMITAÇÕES DE ATUAÇÃO
p.167).
Uma forma prática de perceber a eficácia As organizações internacionais lidam,
das OIs foi a transformação do General desde a sua criação, com problemas
Agreement on Tariffs and Trade (GATT) em inerentes à sua atuação no sistema
Organização Mundial do Comércio (OMC). internacional. Historicamente, um de seus
primeiros problemas está na dicotomia entre
Sem a colaboração de fundos de
o respeito à soberania dos Estados e o poder
fomento, como o Banco Mundial,
talvez teríamos um sistema de atuação das OIs, assinalando distintas
econômico muito distinto de nosso “formas de governo” no cenário
atual, possivelmente negativo.
Acesso a fontes de matérias primas e
internacional. Nas palavras de Eiiti Sato
aos meios de construir e acumular (2003, p. 162), “Não há uma fórmula para
riqueza sempre teve papel estabelecer os limites da noção de soberania
fundamental na definição de
políticas internas e externa. Por esse em confronto com normas, princípios e
motivo o cenário internacional do instituições internacionais”.
comércio já seria suficiente para Assim sendo, as OIs há muito lidam com
explicar o sucesso das OIs (SATO,
2003, p. 169). o problema de até onde podem atuar sem se
sobrepor a soberania dos Estados nações, e
Destarte, entende-se que as OIs integram este se mostra um ponto de extrema
as relações internacionais hoje de tal forma sensibilidade, uma vez que “o Estado
que não é possível uma ampla compreensão moderno tem na sua soberania um de seus
princípios fundantes” (SATO, 2003, p. 161). normas, regras e procedimentos decisórios
Portanto, ceder parte da autonomia de em torno dos quais as expectativas dos
tomada de decisões ou permitir uma atores convergem em uma área temática”6. E
intervenção em território soberano é algo em variados momentos “os regimes
que “tem sido um desafio para estadistas e internacionais produzem organizações
pensadores nos últimos quatro séculos”, na internacionais, ou seja, elas emergem como
opinião de Sato (2003, p. 161). resultado da existência de normas e
Para o melhor entendimento das expectativas em comum” (HERZ, 2004, p.
limitações que cercam a atuação das OIs, 20), mas não é a organização que “obriga”
uma análise sobre suas características os Estados a obedecerem às normas e regras,
intrínsecas se faz necessária. As pois, as organizações não se configuram
Organizações Internacionais são estruturas como uma forma de governo mundial7,
sistêmicas que restringem o comportamento estando as unidades comprometidas com a
de seus membros (WILLETTS, 2011, p. normatização do comportamento que elas
337). Segundo Mearsheimer, as instituições mesmas criaram. É neste ponto que ocorre
internacionais seriam um conjunto de regras uma das mais fundamentais limitações de
que delimitam as formas como os Estados atuação das OIs, a qual se restringe à
devem cooperar e interagir uns com os condescendência dos Estados soberanos.
outros (MEARSHEIMER, 1995, p. 8), Quando as OIs agem, influenciam a
determinando ações comportamentais política externa e interna dos países que a
cabíveis à interação dos Estados5. Essas elas aderiram. Fator que pode ser tanto
regras são preliminarmente acordadas entre positivo como negativo para cada caso
as unidades, sendo elas “standards of específico. Nas palavras de Monica Herz e
behavior defined in terms of rights and Andrea Hoffmann, em seu livro
obligations” (KRASNER apud Organizações Internacionais: histórias e
MEARSHEIMER, 1995, p. 186). práticas:
Para Krasner (apud MEARSHEIMER, O processo decisório dentro das
organizações internacionais
1995, p. 186), instituições e regimes seriam
intergovernamentais convive com a
o mesmo, “um conjunto de princípios,

5
A recente entrada da Rússia na Organização Mundial do Comércio (OMC) ilustra como os regimes interna-
cionais determinam ações comportamentais à interação dos Estados, propiciando maior estabilidade e previsi-
bilidade às ações destes. Apesar de precoces quaisquer análises sobre o assunto, há grandes expectativas de que
o comércio de mercadorias e serviços com a Rússia, bem como seus investimentos, se tornem mais transparen-
tes com a sua inserção na organização e de que o país atenda melhor aos direitos de propriedade intelectual
para se adequar às normas, regras e procedimentos da instituição.
6
Tradução dos autores.
7
Com referência à possibilidade de um governo supranacional exercido pelas OIs, Inis Claude afirma em
Swords into Plowshares (1964) que o governo mundial exige uma comunidade já existente. A organização
internacional pode acabar atrasando ou impedindo essa comunidade de vir a existir, porque diminui o caráter
emergencial para a formação de uma comunidade real e substantiva.
tensão entre o conceito de soberania complexos e fortemente coesos. A
e a produção de decisões que
administração de relações complexas é parte
implicam na flexibilização desse
mesmo conceito, pois geram uma dos objetivos das OIs, mas esses sistemas
interferência externa nos assuntos de possuem caráter peculiar para serem
política externa e doméstica dos
Estados (HERZ et al, 2004, p. 26).
compreendidos por completo e manejados
com êxito, havendo oportunidades
O problema está no fato de que intrínsecas para falhas. Ou seja, as relações
são demasiado complicadas e imprevisíveis,
O Estado convive, portanto, com
de forma que o total controle sobre os seus
uma dupla realidade: uma interna,
em que é soberano e tem a resultados se torna uma missão que beira a
autoridade e a legitimidade de impor impossibilidade.
decisões e diretrizes, e outra
realidade externa, em que está
Outro ponto de extrema sensibilidade
ausente qualquer autoridade que entre os teóricos de relações internacionais
tenha a legitimidade de tomar e diz respeito à parcialidade das, ou nas, OIs.
impor decisões. Nesta segunda
realidade, o Estado tem como Muitos autores defendem que estas
função principal - para não dizer serviriam como instrumentos aos Estados
única - a defesa do interesse poderosos que as compõem, elas
nacional (NOGUEIRA &
MESSARI, 2005, p. 25).
Só exercem funções importantes
quando expressam a distribuição de
Logo, para Eugene Skolnikoff (apud poder no sistema internacional.
GALLAROTTI, 1991, p.188), os Estados Apenas quando os atores mais
precisam “aceitar um grau de regulação poderosos acordam a utilização
conjunta das OIGs para a realização
internacional e controle sobre suas de seus objetivos é esperado que
atividades domésticas” para que haja a elas se tornem efetivas (HERZ,
2004, p.50).
interdependência e para que as OIs atuem de
forma a beneficiar o conjunto de seus Portanto, essas OIs acabam por manter o
integrantes. equilíbrio da balança de poder no sistema
Um segundo grande problema que ronda internacional, consolidando e perpetuando
a atuação das OIs é que as mesmas podem as posições de mando das grandes potências.
atuar como “uma força desestabilizadora da Com esta política de benefício de uns em
política internacional pela maneira detrimento de outros é que alguns agentes
inflamatória pela qual ela[s] media[m] as enxergam as organizações como
disputas [...] e pela forma que ela[s] controversas, tendendo a servir como
perpetua[m] outras falhas aparelhos para a promoção de interesses
gerenciais” (GALLAROTTI, 1991, p. 189). estatais no globo, sejam estes de caráter
As OIs, portanto, podem promover político, militar, econômico, intelectual ou
desequilíbrios quando tentam gerir sistemas cultural, dentre suas formas mais
comumente manifestas. internacionais no processo de reprodução
Este argumento é trabalhado, por desse modelo de produção
exemplo, por John Ikenberry em sua obra [capitalista]” (HERZ, 2004, p.67). Edwards,
After Victory, na qual é defendido que o Scott, Allen e Irvin (EDWARDS et al, 2008,
estabelecimento de instituições pp. 394-395) levantam a mesma
intergovernamentais reorganiza grandes problemática ao investigarem os padrões de
disparidades de poder entre os Estados, participação na Comissão da Organização
funcionando como arma de controle político das Nações Unidas para os Direitos
dos países líderes sobre os outros e Humanos, percebendo que os membros
mantendo certa estabilidade na ordem promovem seus interesses políticos a partir
vigente, uma vez que adquire características da conveniência de estarem presentes na OI
constitucionais. Como ilustração, destacam- e, assim, poderem proteger sua soberania.
se os esforços para a institucionalização da Outra falha gerencial que advém dessa
ordem mundial pelos Estados Unidos após atuação supranacional encontra-se no fato
1945, com a criação de órgãos como a ONU que as decisões tomadas por grandes
e a Organização do Tratado do Atlântico organismos internacionais, as suas
Norte (OTAN), que também impuseram resoluções, acabam por “reduzir os
algumas limitações à hegemonia americana. incentivos para que as nações sugerirem
Estas instituições permitiram que mesmo em melhores alternativas” (GALLAROTTI,
um cenário de unipolaridade como o que se 1991, p. 193) para os problemas pelos quais
seguiu com o encerramento da Guerra Fria e estão passando e em alguns casos, para
a ascensão norte-americana, não houvesse o países com menor desenvolvimento acaba
enfraquecimento das demais nações por gerar uma “eterna dependência” da
poderosas, já que estas se encontravam ajuda dos subsídios das OIs. “Na forma de
unidas em torno de organismos sua intervenção [...] perpetuam o
internacionais. subdesenvolvimento de determinadas
Argumentação semelhante está presente regiões” (HERZ, 2004, p.48).
na visão de autores marxistas. “As Para Gallarotti, uma “OI serve como
instituições internacionais são arranjos ‘paliativo’ que reduz o fervor por um real
possíveis para as potências imperialistas, em governo mundial” e que esta mesma
um dado momento histórico, que permitem organização, “funciona como outro tipo de
administrar a competição entre as substituto: substitui uma política doméstica
mesmas” (FERNANDES apud HERZ, 2004, responsável” (1991, p. 202), pois países com
p. 64). Assim, as OIs “não são mais do que um menor nível de desenvolvimento cessam
um epifenômeno das relações estruturais de promover políticas sociais e econômicas
econômicas e de poder” (HERZ, 2004, p.67) eficazes para a sua população por sempre
e “salientam o papel das organizações contarem com programas de subsídios
oferecidos por essas OIs. ter um efeito adverso tanto na longevidade e
É natural que a gestão das organizações na intensidade de uma
garanta soluções imediatas para a saída de disputa” (GALLAROTTI, 1991, p. 208).
problemáticas internacionais. No entanto, ao Além disso, a criação de road-blocks para
desmotivarem nações a encontrarem solucionar disputas e a possibilidade de
soluções mais substanciais ou de longo conspiração e acordos tácitos dentro das OIs
prazo para conflitos, divergências políticas também podem inflamar situações as quais
ou problemas sócio-econômicos, promovem se propõem a solucionar8.
desestabilidade. Este fator limitante levanta Uma vez que as organizações
a reflexão a respeito, por exemplo, de como internacionais têm seu surgimento e sua
se deve determinar o momento para a manutenção, baseados na vontade de se
intervenção, se esta é realmente necessária evitar guerras, crises ou de garantir a
ou se apenas o assessoramento desses segurança contra os efeitos colaterais de
problemas é a melhor escolha e, ainda, grandes conflitos, estes que partem do
levanta questionamentos sobre como a comportamento irregular e (in)consequente
população poderá lidar com um cenário pós- de alguns Estados, seus objetivos estão
intervenção, evitando, assim, tornar a nação minados quando este tipo de limitação se
“necessitada” dependente e estimulando a manifesta. Ao amenizar as consequências de
sua autonomia. determinados ato, a OI reduz ou extingue o
Há, ainda, a possibilidade de as OIs incentivo que esses Estados teriam para
intensificarem as disputas internacionais em eliminar o problema primário, ou seja, o seu
várias circunstâncias. Segundo Gallarotti próprio comportamento inadequado.
(1991, p. 204), uma OI pode “atribuir força Uma limitação que também pode ser
moral para a posição de política externa das apontada, sendo inerente à existência da OI,
nações, e isso tende a ser usado como uma é que a mesma ou “é mais especializada e
forma de política para promover seus envolvida com um limitado número de
interesses globais”, assim sendo as OIs, ao questões políticas” (WILLETTS, 2011, p.
invés de resolverem conflitos, são 339), atuando em áreas específicas, como
“frequentemente usadas para promover ou economia, segurança e área social, ou atua
intensificar conflitos” (GALLAROTTI, em diversas áreas, tomando atitudes muito
1991, p. 204). As nações que as integram generalizadas. As que atuam em áreas
acabam por ter que assumir uma posição e específicas acabam por ter um espaço de
“quando uma OI escolhe seu lado, isso pode atuação minimizado e não resolver o

8
Perrow (apud GALLAROTTI, 1991, p. 193-194) argumenta que a complexidade dos sistemas fortemente
acoplados deixam-no impossíveis de serem gerenciados de forma que não ocorram crises periódicas, conside-
rando as catástrofes e os acidentes com eventos “normais”, sendo estes regras e não exceções. A OI não só é
incapacitada de evitar as crises, como também é ela, muitas vezes, a fonte ou o agravante de tais problemas,
pois oferece soluções cujos efeitos são imprevisíveis e, provavelmente, desestabilizadores.
problema como um todo, pois o problema ou da possibilidade de impor decisões com o
geralmente não se restringe a uma única uso da força, com exceção de casos
área. E as que são muito gerais, apenas extremos” (HERZ, 2004, p. 25). Esta citação
amenizam os problemas sem solucioná-los, implica em dois pontos de grande
pois não podem agir mais incisivamente em relevância: um sobre a questão cultural
determinados campos. relacionada às OIs e outro sobre a imposição
Estas OIs, as que tentam atuar de uma do uso da força por estes organismos. Com
maneira mais generalizada como as Nações relação ao primeiro, Reeves (apud BAYLIS,
Unidas ou as que tratam de temas mais 2011, p. 417) faz uma interessante menção à
específicos como a Organização do Tratado relação entre a cultura e o seu impacto na
do Atlântico Norte, por exemplo, servem política mundial, afirmando que
como “seguros” dos Estados que as
compõem. E “um problema inerente aos Uma das principais críticas da
análise cultural é que ela falha em
seguros é que eles encorajam os indivíduos a mostrar como a cultura funciona:
serem mais imprudentes no gerenciamento como uma identidade cultural
de seus bens” (GALLAROTTI, 1991, p. realmente afeta o comportamento
humano, especialmente em termos
209). Assim, sabendo que serão amparados de política mundial.
pelas OIs por meio destes seguros, os países
agem de forma descuidada e até mesmo Assim sendo, a presença e, sobretudo, a
irresponsável, “impondo maiores gastos à falta de uma cultura densamente
sociedade” (GALLAROTTI, 1991, p. 209) e compartilhada entre os países que
tornando-se os financiadores das OIs, como participam de uma OI implicam na
demonstra os casos em que empréstimos facilitação ou problematização da tomada de
tomados do FMI tornaram seus devedores decisões e da aceitação de resoluções, pois
mais descuidados e, consequentemente, os países acabam tendo que seguir as
financiadores desta instituição. diretrizes “impostas” pelas OIs, o que
As organizações internacionais, apesar podem ser incompatíveis com os seus
de serem criadas no intuito de facilitar a padrões culturais9. Este processo termina por
tomada de decisões e a convergência de contribuir para certa “uniformização
interesses entre os Estados, ainda acabam cultural”, como expresso por Murden:
por enfrentar “dificuldades específicas como
Em termos de política mundial, uma
a ausência de uma cultura comum robusta
análise cultural pode procurar traçar

9
Exemplo dessa incompatibilidade cultural como elemento que dificulta a tomada de decisões em organismos
multilaterais foi a delimitação dos direitos humanos no contexto bipolar da Guerra Fria. Nesta circunstância, o
mundo visualizou a divisão entre o que se pode chamar de “direito humanos vermelhos”, defendidos pela Uni-
ão das Repúblicas Socialistas Soviéticas, e os “direitos humanos azuis”, defendidos pelos Estados Unidos e
aliados. Esta separatibilidade, fruto de incomensurabilidade cultural e ideológica, tornou impossível quaisquer
decisões em torno do conceito de direitos humanos no período mencionado.
uma relativa influência nas cultura da comunidade autônoma na qual
principais crenças culturais, normas, estiver atuando. Esse diferencial influencia
e práticas - em comparação aos
outros principais fatores de para que sejam aceitas as ações da
influencia como a ideologia ou os organização no local, caso contrário, a
imperativos econômicos - na tomada
mesma estaria demonstrando um
de decisão dos atores: o jeito pelo
qual a cultura molda uniformização posicionamento diante da situação de
cultural, notavelmente na forma conflito e seria impedida de atuar. (Comitê
regional ou funcional das
organizações; e, a sub-nível
Internacional da Cruz Vermelha, 2012).
estadual, os sistemas transnacionais Quanto à imposição do uso da força,
que estão imbuídos de criar visão ainda são os Estados que detém o
cultural comum (MURDEN, 2011,
p. 417). “monopólio legítimo uso da força física em
um dado território” (WEBER, 1946, pp. 77-
A questão cultural também é limitante 78) e, além disso, dentro desse território,
quando se observa a recepção das OIs pelos ainda contam com sua soberania, o “que
povos e pela opinião pública. Ao se significa que o Estado tem a autoridade
posicionarem diante de disputas suprema para fazer cumprir as
internacionais, ou na visão de alguns líderes leis” (DUNNE & SCMIDT, 2011, p. 93).
e acadêmicos, de acordo com os interesses Assim sendo, as OIs não têm autoridade e
das grandes potências, algumas OIs legitimidade para impor suas resoluções por
enfrentam a resistência de atuação dentro meio da utilização da força, a não ser que a
desses países, seja para ajudar com fundos o r ga ni za çã o d i g a , e m e s t a t ut o ,
sociais, seja para fundos econômicos. especificamente que os Estados participantes
Questões religiosas, contestadas pelos abrem mão de sua autonomia quanto a estes
direitos humanos, ou a simples liberdade de quesitos.
expressão feminina, são assuntos que as Como já foi demonstrado anteriormente,
Nações Unidas, por exemplo, ao se as organizações são instrumentos que
posicionarem, podem infringir culturas e estabelecem padrões de comportamento e
ideologias religiosas de tal forma que esta regras para regulação das práticas sociais
organização seja impedida de garantir os envolvidas em sua constituição, aqui em
cumprimentos dos acordos feitos por essas sentido amplo. Tendo como pré-requisito a
nações. intersubjetividade dos regimes, que se revela
A Cruz Vermelha, por exemplo, uma explícita em diversas áreas, dentre elas, a de
organização humanitária que atua em não proliferação nuclear, dos direitos
momentos de guerra para aliviar o humanos e também na área de
sofrimento humano, buscando o respeito à investimentos, as OIs possibilitam a maior
dignidade e a equidade, varia sua simbologia transparência no ambiente internacional.
representativa de acordo com a religião e a Kratochwil e Ruggie (1986, p. 773) afirmam
que a base intersubjetiva dos regimes sugere conclui que as instituições teriam uma
a existência de transparência por parte dos influência mínima no comportamento dos
agentes e que, para isso, é necessária a Estados e, assim, disporiam de pouca
presença de expectativas. probabilidade para promover a tão almejada
Essas características nos levam a estabilidade no mundo pós-Guerra Fria. Esta
considerar o último ponto a ser trabalhado seria, então, a maior limitação das OIs:
como fator limitante à ação das OIs, a dizer: garantir a estabilidade em um mundo no
o tempo perdido com negociações qual os interesses dos Estados se mostram
infindáveis. Os autores consideram que um superiores aos interesses globais.
regime pode ser perfeitamente racional, mas
que pode se corroer quando a sua 3. A ORGANIZAÇÃO DAS
legitimidade está minada. A não NAÇÕES UNIDAS
transparência entre os atores resultaria em
infindáveis negociações que, por sua vez, Segundo o que consta em Taylor e Curtis
corroborariam para a perda de legitimidade (2011, p. 310), em 24 de Outubro de 1945 é
de um regime, de uma instituição ou de uma estabelecida a organização internacional que
organização internacional. é uma junção de instituições as quais
Grandes conferências são realizadas para refletem os interesses dos grandes países
se alcançar determinados acordos, que poderosos: a Organização das Nações
definirão diretrizes de atuação, mas algumas Unidas (ONU). Entre as instituições que
delas acabam estagnadas devido à compõem as Nações Unidas estão agências
divergência de interesses entre os países. especializadas como a Organização Mundial
Um caso tratado na literatura de OIs por de Saúde (OMS), Organização Internacional
Edwards, Scott, Allen e Irvin (EDWARDS do Trabalho (OIT), programas e fundos
et al, 2008, p. 395) é o de que algumas como o Fundo das Nações Unidas para
nações, por estarem fora dos padrões Infância (UNICEF), entre outras.
exigidos pela OI a qual integra e se A expectativa mundial era de que a ONU
depararem com questões que infrinjam seus corrigisse as falhas de seu antecessor, a Liga
interesses, dificultam as negociações para das Nações. O desenho institucional das
que não sejam prejudicadas em sua política Nações Unidas foi um grande diferencial em
interna. comparação à Liga das Nações, de forma
É importante ressaltar ainda que, as que a primeira se mostrou mais
organizações internacionais, devido à sua “institucionalizada” que a segunda. Entre os
aparência como “global”, mostram-se, desde seus maiores órgãos o Conselho de
a sua formulação, como um grande palco Segurança, a Assembléia Geral, o
para a luta de legitimação entre as nações. Secretariado, o Conselho Econômico e
No entanto, Mearsheimer (1995, p. 7) Social, o Conselho de Tutela e a Corte
Internacional de Justiça. algumas de suas missões em Estados
Inis Claude (1994) acredita que, ao longo entendidos como “necessitados” de ajuda
do período da Guerra Fria, a ONU exerceu internacional serão expostos a seguir. São
um papel ativo no cenário internacional, eles: Israel, Coréia do Sul, Congo Belga,
principalmente pelo fato de que esta OI Iraque, Ruanda e Haiti.
serviu de ponte para o desenvolvimento das À justificação da escolha destes casos,
economias de Terceiro Mundo e para o pode-se dizer que a missão israelense
fortalecimento e auxílio de sociedades em merece destaque por ser a primeira
desordem ou na iminência de um colapso. experiência das tropas das Nações Unidas no
Contudo, de uma forma geral e cenário internacional. As missões na Coréia
extensamente verificada na bibliografia do Sul, Congo Belga e Guerra do Golfo são
sobre o tema, a Organização das Nações peculiares por serem as “três operações de
Unidas foi afetada de forma negativa pelo peace-making” (DE ALMEIDA, 2005, p.18)
contexto de bipolaridade. de sucesso das Nações Unidas, enquanto a
Diversos autores acreditam que, assim operação promovida em Ruanda operou no
que foi criada, a ONU teve sua atuação formato de peacekeeping, depois peace-
“moldada pelo contexto político making e por ultimo resultou em uma
global” (TAYLOR; CURTIS, 2011, p. 317), retirada de tropas, constatando-se uma clara
passando por um momento de certa falta de preparo e falha da ONU em seus
ineficácia de atuação durante a Guerra Fria e propósitos de intervenção pacificadora. Por
se estendendo do final da II Guerra Mundial fim, e mais recentemente, encontra-se a
ao início da década de 90. intervenção no Haiti, que após o terremoto
contou com uma “comoção internacional”
Na verdade, a ONU conseguiu da população civil de grande abrangência.
‘fazer a paz’ em raríssimas ocasiões
nos quase 50 anos de “guerra fria” No Haiti, analisar-se-ão as incertezas dos
entre 1946 e 1991, quando terminou benefícios ou malefícios vindouros de uma
oficialmente o estado de não- intervenção que ainda não encontrou o seu
beligerância belicosa entre as duas
superpotências, contentando-se a fim.
organização, no mais das vezes, com Destarte, serão discorridos os sucessos e
um mero papel de peacekeeping, insucessos que a Organização das Nações
quando não foi virtualmente
paralisada em sua ação de prevenção Unidas obteve no ínterim de atuação. Ao fim
e de eliminação de focos de conflito da seção, serão abordadas reflexões a
armado entre países ou no seio deles
respeito de serem estas ações benéficas e
(DE ALMEIDA, 2005, p. 18).
positivas ou retardatárias e limitantes no
Para os fins de análise do trabalho deste ordenamento do sistema internacional.
organismo sobre os pilares da segurança e
do Direito Internacional no presente artigo, 3.1 ENTRE SUCESSOS E
INSUCESSOS: MISSÕES DAS ausentar no Conselho de Segurança das
NAÇÕES UNIDAS Nações Unidas (CSNU). A URSS o fazia
para protestar pelo fato de que a China
Marcello de Araújo (2007) tece em seu nacionalista de Chiang Kai-Tchek fosse
artigo sobre a primeira missão da ONU após representada no CSNU. Em contrapartida,
a formação das Forças de Paz da desejavam o regime comunista chinês de
Organização das Nações Unidas (PKO). Mao Tsé-Tung.
Essa atuação ocorre em 1948 com a estreia A segunda atuação foi no Congo Belga,
no cenário internacional do envio de tropas um salvo dentre as intervenções da ONU.
militares, a PKO, às terras do Oriente Médio Ocorreu entre 1960 e 1964, quando o
para acordar a paz entre os Árabes e Conselho de Segurança enviou tropas para
Israelitas. Dentre as diversas missões de paz apaziguar a guerra civil ocasionada pelo
executadas nessa região, a de maior processo de descolonização desse país e
destaque foi a de 1956: o inédito combate também pela fomentação da guerra por
armado no conflito Egito-Israel pelo canal antigas potências coloniais.
de Suez. A última atuação foi a “Guerra do
Pelos anos que se seguiram, a ONU Golfo” e ocorreu entre 1990 e 1991. Esse
permaneceu ativa. Segundo Paulo Roberto momento foi singular na história, pois
de Almeida (2005, p. 18), pode-se enumerar conciliou os extremos em um objetivo
três atuações de peace-making10 do comum. Os EUA e a União Soviética
Conselho de Segurança da ONU de meados concordaram em cooperar a fim de que as
do século XX até o inicio do século tropas iraquianas fossem expulsas do
seguinte. território kuwaitiano. A partir disso, se
O primeiro desempenho em peace- desenrola um conflito internacional
making das Nações Unidas ocorreu no provocado pelo Iraque ao invadir o Kuwait,
período de 1950 até 1953. A Assembleia em agosto de 1990. Saddam Hussein julga o
Geral das Nações Unidas (AGNU) , em Kuwait como manipulador do preço do
novembro de 1950, utilizou a resolução 377 petróleo, colocando esse produto em menor
A (V), também conhecida como “Uniting preço que o estipulado pela Organização dos
for Peace”, com o intuito de findar a Guerra Países Exportadores de Petróleo (OPEP).
da Coréia. A AGNU seguiu essa resolução Logo, tenta anexar o Kuwait como forma de
para impedir que a União das Repúblicas sanção. A ONU interviu condenando essa
Socialistas Soviéticas (URSS) continuasse ação do Iraque. Graças ao auxílio das
com sua estratégia equivocada de se Nações Unidas o cessar-fogo é assinado

10
Boutros Boutros-Ghali, Secretário Geral das Nações Unidas do final da Guerra Fria, propôs o peace-making
como uma forma de preparar as bases da ONU no que tange paz e segurança das políticas internacionais do pós
Guerra Fria. O Peace-making seria projetado para solucionar as controvérsias de maneira pacífica. Sendo esses
meios pacíficos baseados em formas de negociação.
apenas um mês após a intervenção. visão ficou conhecida na literatura sobre o
Paulo Roberto de Almeida conclui que tema pelo termo "sleeping beauty theory of
as primeiras atuações da ONU foram The United Nations". A “teoria da bela
exercidas muito pouco sobre influência do adormecida” traça a noção de que a ONU
Conselho de Segurança, mas que o esteve desacordada durante o período da
verdadeiro mentor dessas intervenções Guerra Fria, mas que despertou de seu sono
teriam sido os Estados Unidos. Nessas em meados da década de 1980 e, a partir de
ocasiões o CSNU teriam servido apenas então, iniciou suas intenções descritas na
como “pano de fundo”, Carta das Nações Unidas.
Outro caso de intervenção da ONU
No primeiro e segundo casos, de
aconteceu em Ruanda na década de 1990.
qualquer forma, se tratou muito
pouco de operações conduzidas e Ali há anos conviviam majoritariamente
guiadas pelo CSNU, sendo de fato dois grupos étnicos diferentes, os tutsis e os
guerras conduzidas pelos EUA com
a cobertura do CSNU (DE
hutus, que, embora conturbadamente devido
ALMEIDA, 2005, p. 18). às suas incalculáveis diversidades,
habitavam o mesmo território. Entretanto,
Essa percepção de Paulo Roberto de como expõe Joabson Soares (2012):
Almeida (2005) serve como reflexão para a
questão das assimetrias de poder na ONU. Desde a colonização europeia na
África, a s riv alid ades se
Geralmente, as assimetrias são divididas em aprofundaram, sobretudo quando o
diferenciais de poder político, ou seja, país se tornou um protetorado belga,
superpotências, países emergentes e países impôs a classificação da população
segundo a raça. Depois da
sem grande peso na comunidade independência do país e a ascensão
internacional. As verdadeiras superpotências ao poder de Gregoire Kayiabanda,
se espelham na figura dos cinco membros os conflitos étnicos se intensificaram
(SOARES, 2012).
permanentes do Conselho de Segurança da
ONU. Sendo assim, a importância das Assim, a ONU juntamente à
Nações Unidas no equilíbrio do sistema Organização da Unidade Africana (OUA)
internacional seria imprescindível. enviaram tropas a Ruanda com “um
Essas missões de paz promovidas pelo mandato limitado para observar o
Conselho de Segurança ratificam o cumprimento dos acordos de
pensamento de Inis Claude (1994) sobre o Arusha” (CARNEIRO, 2008, p. 44), como
comportamento ativo da ONU no período da recomendava a Resolução 812 do Conselho
Guerra Fria, contradizendo os acadêmicos de Segurança de março de 1993. O acordo
que notam certa "paralisia" ou de Arusha visava colocar fim ao conflito
"adormecimento" das atividades de alcance entre as etnias ruandenses e o objetivo era de
desta organização durante o período. Esta que esta instituição observasse “o processo
que levaria a uma resolução política ao representantes desses países,
Ruanda e Burundi, envolvidos no
embate étnico, com o intuito de prevenir a
acordo de Arusha e em seguida com
retomada do conflito e monitorar o cessar o advento dos massacres étnicos em
fogo entre o governo ruandês e a Frente Ruanda, inclusive com o assassinato
de dez soldados da ONU, o
Patriótica de Ruanda” (SOARES, 2012). Conselho de Segurança das Nações
No entanto, entre diversas atitudes Unidas afirmou ser impossível a
tomadas pela ONU em resposta às demandas MANUR continuar com suas
responsabilidades no país, pois
das resoluções do Conselho de Segurança havia muita insegurança e
esteve o ordenamento da operação para instabilidade no mesmo e o conflito
manutenção da paz, denominada Missão de entre a Frente Patriótica Ruandesa e
as forças governamentais
Assistência das Nações Unidas na Ruanda (SOARES, 2012).
(MANUR), que visava “monitorar o
cumprimento do acordo de paz de Arusha, O que se observou em Ruanda a partir
que estabeleceu o cessar-fogo e o processo desse momento foi a eclosão de uma guerra
de repatriação dos refugiados ruandeses, civil que causou um dos maiores genocídios
como também auxiliar na coordenação das da história da humanidade. Apesar dos
atividades de assistência diversos esforços, como a aprovação pelo
humanitária” (SOARES, 2012). Apesar Conselho de Segurança de uma segunda
disso, as investidas da ONU foram obsoletas missão chefiada pela França e intitulada de
nos acontecimentos que se seguiram. Operação Turquesa, autorizando o uso da
Nesse ínterim de disputas políticas entre força para a remediação do conflito, a
as duas etnias rivais, “A ONU havia situação de Ruanda já estava caótica.
arquitetado uma solução política que
Milhares de pessoas eram
colocava as duas vertentes étnicas em nível exterminadas nas ruas e as ações da
de igualdade quanto à administração de MANUR se restringiram a dar
proteção a alguns grupos de tutsis
Ruanda, objetivando assim a pacificação do que conseguiram obter refúgio em
conflito” (SOARES, 2012). Entretanto, um poucos lugares. Em dois meses
atentado anularia as diversas tentativas para foram exterminados cerca de
800.000 pessoas, em sua maioria
que houvesse o estabelecimento da paz em tutsi naquilo que foi considerado
Ruanda, uma das piores guerras civis do
século XX (SOARES, 2012).
Em Relatório especial do secretário-
geral da Missão de Assistência das Assim, observa-se a incapacidade das
Nações Unidas em Ruanda datado Nações Unidas em promover suas
de 20 de abril de 1994, após o intervenções de peacekeeping 11 e,
atentado que matou os dois
posteriormente, de peace-making no caso da
11
As operações de peacekeeping, na sua forma clássica, consistem na presença de campo (da ONU) com o
consentimento de todas as partes.
guerra civil de Ruanda. Pelo Relatório 2007). Após anos de lutas entre as diversas
publicado pela MANUR em 1999, observou classes e etnias almejando o poder, inicia-se
-se que “a missão de paz não estava em 1957 a ditadura de François Duvalier, o
equipada o suficiente para impedir o Papa Doc, seguida pela de seu filho “Baby
conflito” (SOARES, 2012), mas, além disso, Doc”, governo no qual “os opositores eram
o fator falta de apoio das partes fez com que presos, torturados e assassinados.
a atuação da ONU fosse limitada e ficasse Entretanto, em 1986 os militares forçaram
incapacitada de agir. ‘Baby Doc’ a abdicar. Em dezembro de
1990, Jean Bertrand Aristide foi
Em março de 2000, uma comissão
de especialistas nomeada pelo
eleito” (ARAÚJO, 2007). Apesar disso,
Secretário Geral, Kofi Annan, “revoltas marcaram o governo de Aristide
apresentou um relatório acerca dos por toda a década de 90 e início do século
padrões mínimos necessários ao
sucesso de uma missão de paz. As XXI. [...] O avanço dos rebeldes forçaram
exigências são três: mandado claro e Aristide a fugir para África” (ARAÚJO,
específico emitido por órgão 2007).
competente, concordância das partes
do conflito e recursos suficientes e Nessas condições, no ano de 2004, o
adequados (ARAÚJO, 2007). Haiti sofre a intervenção da ONU.

Mais recentemente, já no século XXI,


O Conselho de Segurança da ONU,
pode-se apontar o caso do Haiti como foco por meio da resolução 1542, de 30
de atenção da ONU. Desde a sua de Abril de 2004, criou a Missão das
Nações Unidas de Estabilização do
colonização pelos espanhóis, e depois da Haiti (United Nations Stabilization
concessão da ilha que viria a se tornar o Mission in Haiti – MINUSTAH),
Haiti à França, houve demasiadas trocas com permissão do uso da força para
a manutenção da paz
culturais entre colonizadores, escravos (ALVARENGA, 2004, p.1).
trazidos da África e os ameríndios nativos.
Todavia, Esta tem a missão de “não apenas manter
a paz, mas de auxílio ao desenvolvimento
A situação de ódio e opressão entre
econômico e ao desenvolvimento de
as classes levou em 1791 ao inicio
das revoltas que culminariam em instituições políticas no Haiti, além de
1804 com a primeira independência assegurar o cumprimento dos direitos
de um país negro das Américas. O
que deveria ser o inicio de uma
humanos” (ALVARENGA, 2004, p. 2).
história de vitórias, tornou-se uma “O Haiti é um dos mais pobres países do
de pobreza e revoltas (ARAÚJO, continente, com instituições de saúde,
2007).
educação e segurança bastante precárias, o
Dessa forma, desde a sua independência, que dificulta ainda mais a situação de seu
o “Haiti é um caldeirão de problemas povo” (ALVARENGA, 2004, p. 2). Além
políticos, sociais e econômicos” (ARAÚJO, disso,
isso dá aos endividados poucos incentivos
Boicotes internacionais e períodos
de promover mudanças econômicas que nos
políticos desastrosos (ao todo,
somam-se 30 golpes de Estado) fariam menos dependentes do empréstimo
promoveram sismos internos tão estrangeiro” (GALLAROTTI, 1991, pp. 183
marcantes quanto o terremoto de
2010. [...] A resposta veio em 2004
-184).
com a Missão da ONU de Restam questionamentos quanto aos
Estabilização do Haiti (Minustah), esforços que estão sendo feito pelas tropas e
que antes do terremoto logrou
controlar a violência local e sua verdadeira melhoria quanto à
respaldar o erguimento de pacificação e reestruturação do Haiti. Há,
instituições básicas; entretanto, ainda, a dúvida quanto ao fato de se o Haiti
enfrentou um contexto interno
adverso de tentativa de golpe, terá condições de se manter, exercer o
negociações político-diplomáticas domínio da força e proteger seus cidadãos,
frágeis e desastres naturais
dando-lhes acesso à saúde, educação de
devastadores (SOARES, 2012).
qualidade e segurança quando a
Nesse contexto, considerando que a MINUSTAH for retirada do país. Estas
Missão das Nações Unidas para a questões rondam a temática da intervenção
Estabilização do Haiti (MINUSTAH) em sua totalidade, não se resumindo ao caso
conseguiu “promover sua mais importante específico do Haiti ou de quaisquer outros
tarefa” - ou seja, a de garantir as eleições aqui estudados. Muito além de uma questão
presidenciais em 2006 - é que a Missão de prática, a intervenção assume um caráter
Paz é entendida pela ONU como bem ético e discursivo que tem alimentado
sucedida. Além disso, para os seus debates fervorosos à dimensão de seus
membros, “o Haiti se encontra em situação efeitos sobre aqueles por ela afetados.
melhor do que aquela em 2003; os bairros e Reflexões a seu respeito serão tratadas na
distritos estão voltando à normalidade próxima subseção.
graças às ações dos capacetes azuis em suas
atribuições como segurança e 3.2. REFLEXÕES SOBRE
reconstrução” (ARAÚJO, 2007). INTERVENÇÃO
No entanto, vários autores acreditam que
essa ajuda humanitária ao Haiti criou uma Após o holocausto, a sociedade
dependência severa do país. Como explicado internacional estabeleceu várias leis
na seção sobre limitações de atuação das proibindo o genocídio, o mau tratamento dos
OIs, “na forma de sua intervenção [as civis e reconhecendo uma série de direitos
organizações internacionais] perpetuam o humanos. Antes de 1990, valorizava-se
subdesenvolvimento de determinadas muito a não intervenção, isso por que a
regiões” (HERZ, 2004, p.48) e “a provisão é ordem era avaliada como um quesito
liquidamente abundante para os países [...] primordial. A soberania, na qual a própria
ser inadequadas, poderá levar a
sociedade se fundava, estava acima da
efeito, por meio de forças aéreas,
aplicação dos direitos humanos navais ou terrestres, a acção que
(BELLAMY & WHEELER, 2011, p. 512). julgar necessária para manter ou
restabelecer a paz e a segurança
Contudo, o fim da Guerra Fria levou a um internacionais. Tal acção poderá
novo quadro da segurança internacional, os compreender demonstrações,
assuntos internos dos Estados começaram a bloqueios e outras operações, por
parte das forças aéreas, navais ou
ser foco de debates, tanto entre países terrestres dos membros das Nações
quanto internamente (inclusive a população Unidas (CARTA DAS NAÇÕES
passou a pressionar governos em prol dos UNIDAS).

direitos de diversos povos), e a questão de Apesar das concessões do capítulo VII,


como proteger os civis em situações de alega-se que nada na carta da ONU permite
conflitos passou a ser contemplada a intromissão em assuntos internos de um
(UNITED NATIONS, 2011, p. 59). Estado (UNITED NATIONS, 2011, p. 5).
Entre as reflexões mais comumente Essa contradição entre intervenção e
levantadas em torno do assunto está a soberania é, em parte, complementada pelo
relação para com a soberania. O tema da argumento de que quando se instaura uma
intervenção humanitária e o princípio da situação internamente anárquica, na qual um
soberania frequentemente se chocam. É Estado já não é capaz de garantir a
esperado do Estado que proteja seus segurança de sua população, é por que este
cidadãos, porém, quando este é tirânico, faliu. Nesse sentido não haveria mais
questiona-se se a não intervenção é soberania naquele território e, assim, a
transformada em licença para matar, se intervenção não feriria o princípio
Estados tirânicos perdem o direito à “máximo” da soberania, não entrando em
soberania e até se os Estados mais fracos desacordo com a carta da ONU.
não ficam expostos à arbitrariedade dos mais Devido ao mandato das Nações Unidas
fortes. (BELLAMY & WHEELER, 2011, p. em zelar pela segurança e dado o seu caráter
512). de organização plural, muitos já aceitam que
A carta das Nações Unidas permite ao o Conselho de Segurança da ONU tenha
Conselho de Segurança tomar medidas que autorização para demandar uma intervenção.
recorram ao uso da força. Mais Desde 1990, o Conselho vem expandindo a
precisamente, sob o capítulo VII, artigo 42, sua lista do que considera ameaça à paz e
os membros do conselho já autorizaram o situações passíveis de intervenção, incluindo
uso de “all necessary means”. sofrimento humano, queda da democracia,
perda do controle pelo Estado, movimento
Se o Conselho de Segurança de refugiados e limpeza étnica (BELLAMY
considerar que as medidas previstas
& WHEELER, 2011, p. 516), apesar de
no Artº. 41 seriam ou demonstraram
haver uma série de questionamentos e
controvérsias quanto à catalogação destes levanta uma série de críticas bastante
casos. relevantes. Alega-se não existir uma base
Esses novos quesitos de avaliação para a legal que autorize essas intervenções, afinal,
ameaça à paz estão ligados às modificações muitos dos conflitos são, na verdade,
pelas quais a definição de soberania vem internos e não poderiam ser autorizados com
sofrendo nos últimos anos, visando o artigo VII da carta das Nações Unidas
compreender a noção de responsabilidade - (BELLAMY & WHEELER, 2011, p. 514).
aqui entendida como o respeito mínimo aos Outros questionam as razões pelas quais um
direitos humanos - como atributo da país decide intervir. Um ato de intervenção
soberania (AYOOB, 2002, p. 84). Acusam- tem um custo econômico e de vidas muito
se as grandes potências de manipularem esse alto para ser simplesmente altruísmo. Defesa
conceito para abranger seus interesses dos direitos humanos pode até ser um dos
(AYOOB, 2002, p. 83). Utilizando esse fatores, mas é complicado, se não
novo sentido de responsabilidade durante contraditório, um Estado enviar soldados
seu mandado, o Secretário Geral Kofi seus para arriscarem a vida por “estranhos”.
Annan impulsionou o debate sobre se a Realistas afirmam que os líderes políticos
comunidade internacional deveria intervir não possuem o direito moral de fazer isso
em um país para impedir ampla violação dos (BELLAMY & WHEELER, 2011, p. 514).
direitos humanos. A partir daí a noção de Existem, ainda, questionamentos de
Responsibility to Protect foi criada e outra natureza. Muitos acreditam que o
desenvolvida. argumento de intervenção pode ser utilizado
Hoje, a questão já não é mais tanto se a pelas grandes potências para interferir nos
intervenção deve ou não ocorrer nesses assuntos internos de um Estado (AYOOB,
casos, mas quando deve ocorrer. O 2002, p. 92). Há também críticas mais
Secretário Geral Ban Ki-moon criou um básicas, como, por exemplo, a de que os
documento intitulado Implementing the direitos humanos precisariam ser mais bem
Responsibility to Protect, no qual ele definidos e codificados em sistemas legais.
reafirma o dever dos Estados de zelarem “Quem define o que é direito são os mesmos
pela proteção de seus cidadãos, assim como que também escolhem se irão
reafirma a missão da ONU em contribuir intervir” (AYOOB, 2002, p. 81). Além
para a ação coletiva com todos os meios disso, não há critérios bem delineados sobre
necessários, sob o capítulo VII, caso seja o que é violação ou não. A partir daí, há uma
preciso (UNITED NATIONS, 2011, p. 63). seletividade12 arbitrária em relação a quando
A questão da intervenção também intervir, o que está estreitamente relacionado

12
O caso da “seletividade” nas intervenções humanitárias pode ser mais bem entendido através da leitura do
livro de Nicholas J. Wheeler, intitulado Saving Strangers: Humanitarian Intervention in International Society
(2002).
ao interesse dos Estados intervencionistas. 88).
As decisões de intervenção, muitas Apesar desses argumentos críticos à
vezes, são tomadas pelo Conselho de intervenção, há outros pontos que pesam a
Segurança e este tem suas peculiaridades. favor da mesma. Hoje, as pessoas estão hoje
Os membros permanentes detêm poder de muito mais sensíveis às causas humanitárias,
veto e, no total, há poucos países ocupando havendo uma pressão internacional para que
seus assentos em comparação ao número de alguma atitude concreta seja tomada. Muitos
membros das Nações Unidas. Sendo assim, dizem que, quando os governos nacionais
questiona-se a legitimidade do Conselho. O falham em defender seus cidadãos, a
poder de veto impede que tanto os P5 (cinco comunidade internacional tem a obrigação
membros permanentes: Estados Unidos, moral de interferir, pois todos os seres
França, Reino Unido, Rússia e China), humanos dividem direitos básicos que
quanto seus aliados sofram uma intervenção. devem ser assegurados. Em um mundo
É o caso que se verifica em relação às globalizado e mais cosmopolita como o da
decisões do Conselho de Segurança sobre a atualidade, desrespeito aos direitos humanos
Síria. China e Rússia constantemente vetam em uma parte do globo afeta a todas as
a imposição de sanções econômicas e demais, daí a importância da ajuda
diplomáticas, que poderiam levar à internacional. O argumento de ordem, no
intervenção militar, contra o governo de qual um genocídio é permitido por respeito à
Bashar al-Assad, o qual tem utilizado soberania, não possui crédito perante a
armamento pesado em conflitos com civis. sociedade internacional (BELLAMY &
Enquanto estes países forem aliados da WHEELER, 2011, pp. 512-513).Dos
Síria, a ONU é impossibilitada de atuar mais organismos existentes, a ONU é o mais
incisivamente para a proteção da população universal, e sua carta se propõe a zelar pela
síria. segurança e proteção dos direitos humanos.
Além disso, pergunta-se: seria o Nesse sentido, a ONU argumenta que a sua
Conselho de Segurança suficientemente “universalidade” oferece legitimidade à
representativo para tomar uma decisão em intervenção, além de limitar as implicações
nome da comunidade internacional? E para a soberania do Estado que a estará
quando o Conselho de Segurança autoriza o sofrendo, pois seria uma intervenção
uso da força, se a intervenção em si é feita legítima e não um ato unilateral. Uma ação
por uma coalizão de países, isso não gera da ONU chama a atenção necessária para
um viés? Afinal os países membros da “abrir portas”, o que, caso contrário, não
coalizão acabam por influenciar os objetivos ocorreria. Portanto, a assistência da
da intervenção (AYOOB, 2002, p. 88). Em comunidade internacional é muito relevante
grande medida, interferir ou não são acordos nesses casos (UNITED NATIONS, 2011, p.
e trade-offs entre os P5 (AYOOB, 2002, p. 64).
Resultando deste debate, permanece o julgar os responsáveis por crimes de direitos
questionamento a respeito da eficácia ou não humanos. Em outras, como no Camboja, El
das intervenções para as coletividades Salvador, Guatemala, Libéria, Moçambique,
afetadas. Para responder a esta questão, pode Namíbia, Serra Leoa e Timor-Leste são
-se dividir as suas consequências em curto e consideradas missões de sucesso (UNITED
longo prazo. A conclusão a que se chega, NATIONS, 2011, p. 59).
analisando casos práticos, é a de que as Na intervenção em Serra Leoa, por
intervenções são medidas mais paliativas, exemplo, o Revolutionary United Front
aliviando tensões imediatas, porém sem (RUF), derrubou o governo vigente, gerando
solucionar o conflito adequadamente. Elas um período de grande instabilidade. Por
tornam o país dependente da sociedade mais de uma vez a ONU buscou restaurar a
internacional (BELLAMY & WHEELER, paz e todo o processo construído era
2011, p. 517) e há ainda quem argumente derrubado por um novo golpe. Foi preciso
que atrapalham questões de ordem que o Reino Unido, por meio de um pacto
doméstica, sendo “contra- bilateral, interviesse para que o processo de
produtivas” (AYOOB, 2002, p. 93). reestabelecimento da ordem pudesse ter
A maioria dos problemas deriva das continuidade. Com isso, a ONU continuou
críticas já citadas. Há ocasiões em que as no país após a intervenção para ajudar na
grandes potências se negaram a intervir e reconstrução da democracia, tendo tanto a
acabaram permitindo um genocídio na qual atuação da ONU quanto a do Reino Unido
morreram 800.00 mil pessoas e dois milhões sofrido vários questionamentos, muitos
deixaram o país, isso em uma população de deles ligados às críticas supracitadas
7.9 milhões, como ocorreu em Ruanda (UNITED NATIONS, 2011, p. 81-82).
(UNITED NATIONS, 2011, p. 72). Em Estava o Reino Unido sendo altruísta com
outros casos, considera-se que a intervenção sua ex-colônia ou restaurando laços de
foi realizada prematuramente, como em dependência? Sem o Reino Unido, teria a
Kosovo, intervenção esta feita pela ONU sido capaz de controlar o conflito?
Organização do Tratado do Atlântico Norte Sem a intervenção, será que Serra Leoa teria
(OTAN) sem a autorização do Conselho de hoje um governo democrático?
Segurança da ONU, o que gerou maiores Um relatório da International
questionamentos quanto à sua legitimidade Commission on Intervention and State
(BELLAMY & WHEELER, 2011, p. 516). Sovereignty (ICISS) gerou algumas
A própria ONU reconhece alguns casos propostas para melhorar os mecanismos e
de insucesso, como na República instrumentos de intervenção humanitária. O
Democrática do Congo, Ruanda, Somália e a principal instrumento seria uma série de
ex-Iugoslávia. Nessas situações, tribunais critérios para avaliar se a intervenção
foram estabelecidos para estudar os casos e poderia ser legitimada com base em
princípios humanitários. O objetivo é o de Estados Americanos “uma ordem de paz e
impedir que os P5 utilizem o veto de forma de justiça, para promover sua solidariedade,
imprevisível, ao mesmo tempo em que intensificar sua colaboração e defender sua
impede abusos sob as justificativas de soberania, sua integridade territorial e sua
auxílio humanitário. independência”.
O ICISS argumenta que, se os países se A OEA se baseia em quatro pilares: a
comprometessem a seguir determinados democracia, os direitos humanos, a
critérios, seria mais fácil alcançar o segurança e o desenvolvimento. A
consenso em torno de como responder às organização propõe a existência de uma
questões humanitárias. Contudo, mesmo as integração entre estes elementos que os faz
soluções pensadas pela comissão possuem se apoiarem em “uma estrutura que inclui
suas lacunas, pois concordar em relação a diálogo político, inclusividade, cooperação,
critérios para avaliar intervenções não instrumentos jurídicos e mecanismos de
significa concordância em casos práticos, acompanhamento, que fornecem à OEA as
além do fato de critérios em si serem ferramentas para realizar eficazmente seu
passíveis de manipulação (BELLAMY & trabalho no hemisfério e maximizar os
WHEELER, 2011, pp. 521-522). Sendo resultados” (OEA, Sítio Institucional, data
assim, conclui-se que a questão da não disponível).
intervenção ainda permanece um caso em As organizações internacionais, nos
aberto, sobre o qual muitas ações e reflexões últimos anos, vêm exigindo de forma mais
podem ser feitas para torná-la mais frequente de seus Estados membros o
responsável e eficaz. enquadramento em regimes internos de
caráter democrático. Na Carta da OEA, o
4. A ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS Artigo 3 enumera os princípios da
AMERICANOS organização, determinando que os fins aos
quais ela visa “requerem a organização
A Organização dos Estados Americanos política dos mesmos com base no exercício
(OEA) é um organismo internacional efetivo da democracia” (CP/INF. 3964/96
regional, conhecido como um dos mais rev. 1 de 6 de outubro de 1997).
antigos sistemas institucionais do gênero. A partir da estrutura jurídica da OEA,
Foi fundada em 1948 com a assinatura da desde os anos 1990, seus membros são
Carta da OEA e emendada, ao longo dos obrigados
anos, por alguns protocolos: Protocolo de
Buenos Aires, Protocolo de Cartagena das A incorporarem cláusulas
democráticas de compromisso e de
Índias, Protocolo de Manágua e Protocolo acatamento obrigatório como um
de Washington. Como delimita o Artigo 1º requisito sistêmico de adequação às
necessidades normativas de
da Carta, a entidade busca alcançar para os
ordenamento, equilíbrio e em que ocorreram os estopins que minavam
estabilidade da política internacional a permanência da instituição democrática,
do pós-Guerra Fria. Ou seja, passam entendida não apenas como o poder de
a ser vinculados e obrigados a
democratizar-se a partir de uma sufrágio universal, mas este unido às
certa racionalidade formal não de liberdades civis, direitos humanos,
caráter nacional, mas exógena,
instituições fortes e controle da corrupção, é
internacional (VILLA, 2003, p. 57).
que se convocou a ação da organização.
Visto que a realidade histórica vivida Por vezes solicitadas pelo próprio país, a
pelos países da América Latina – regimes invocação da resolução 1080 procurou
totalitários e ditatoriais, ou democracias defender os interesses do povo, as riquezas
frágeis muitas vezes contestadas – impediu nacionais daquele e a manutenção do regime
que a maioria deles tivesse uma democrático. Os casos em que a resolução
democratização bem institucionalizada e não foi invocada, como na Venezuela, em
coesa, de forma que a instabilidade política 1992, e no Equador, em 1997, se
não interferisse na “paz” vivida pelos seus manifestaram mais violentos. Aplicaram-se
vizinhos, é que a OEA se mostrou eficaz, sanções, missões diplomáticas foram
promovendo a democracia a partir do enviadas e algumas intervenções foram
princípio de não intervenção e protegendo a renomeadas para missões de paz, para que o
soberania dos Estados-membros. conflito ou a atuação direta da potência
Criou-se, então, a resolução 1080 ou líder, EUA, fossem evitados a fim de
“cláusula democrática”, que estipula salvaguardar a soberania dos países
diretrizes de atuação da organização diante adentrados.
do rompimento com esta forma de regime Lisboa (2011, p. 39) sugere o
político, prevendo a exclusão daqueles questionamento da atuação da OEA. Se a
países nos quais haja quebra da ordem analisarmos sob a perspectiva dos resultados
constitucional e institucional democrática do sobre o levante democrático,
sistema interamericano. consideraremos que toda atuação da OEA
Com isso, a OEA promoveu os diálogos na América Latina foi bem sucedida, mesmo
em países que se encontravam em crise que, em algumas situações, isso não tenha
políticas13 e dessa forma, a resolução 1080 sido fruto direto de sua atuação. Sendo
foi invocada quatro vezes: no Haiti em assim, “também é preciso avaliar se a OEA,
1991; Peru, 1992; Guatemala, 1993; e como organização internacional, teria
Paraguai, 1996. Nesses países, no momento condições de agir de forma mais eficaz e
13
Para citar um caso bem atual dessa promoção de diálogos pela OEA em momentos de crises políticas, pode-
se mencionar a observação do Paraguai pela organização desde que o presidente Fernando Lugo foi destituído
do poder e o país, suspenso do Mercado Comum do Sul (Mercosul) e da União de Nações Sul-Americanas
(Unasul). A missão enviada ao Paraguai pretende estabelecer um diálogo e analisar a situação política no terri-
tório, examinando se o processo de reestabilização tem ou não seguido pelos caminhos democráticos.
causar maior impacto” (LISBOA, 2011, p. 5. CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS
39). Com a preocupação de não ferir o
princípio da não intervenção, deve-se levar Não se pode negar que as Organizações
em consideração se a organização detém Internacionais constituem-se como parte
poder suficiente para agir diante de crises, integrante das relações internacionais da
garantindo a posterior estabilidade no local forma como existem hoje. A globalização e
de intervenção. a intensificação dos fluxos comerciais,
A questão é: será que a OEA age de culturais e intelectuais evidenciaram e
forma a resolver problemas pontuais e ampliaram as demandas por atenção
momentâneos ou as soluções para as crises internacional, além de propiciarem a
propostas dentro da América Latina são efervescência de agentes transnacionais,
levadas para a continuidade histórica? O como as OIs. Estas se mostraram eficazes
fato de alguns países terem sofrido crises em lidar com uma grande diversidade de
sucessivas, às vezes ocasionadas pelos assuntos, transformando, em muitas
mesmos atores, nas últimas décadas pode situações, beneficamente o mundo e as
depor contra o argumento de que a atuação interações globais. Sua autoridade e
da Organização dos Estados Americanos autonomia têm sido legitimadas e essas
tenha não apenas atenuado ou solucionado entidades se tornaram a forma mais
as crises no momento de impacto, mas consistente em gerenciar a complexidade da
também o tenha feito de forma a deixar um interdependência.
regime bem consolidado e a prevenir futuras No entanto, muitas falhas e limitações
alterações de ordem constitucional. são apontadas à medida que o escopo de
A questão leva, como consequência, à atuação das organizações é expandido. A
reflexão sobre a situação futura da OEA. soberania dos Estados restringe a ação das
Cada vez mais Estados e acadêmicos instituições, o que é positivo por um lado,
atentam para a escassez de recursos da uma vez que as políticas nacionais ficam
organização, que, em meio à crise financeira protegidas de interferências externas
que tem assolado o mundo desde 2008 e as desnecessárias ou autoritárias, e é negativo
investidas para outros planos territoriais da por outro, nos casos em que o governo
principal potência da instituição, os Estados nacional se constitui como ameaça à sua
Unidos da América, tem tido seus gastos população. As OIs frequentemente são
redirecionados. Uma atuação mais efetiva acusadas de inflamar conflitos os quais se
não se sustentará sem uma liderança propõem a solucionar, agindo
decisiva e bons investimentos e, por este unilateralmente, ou são acusadas de tornar
motivo, a boa gerência e agência da Estados dependentes de sua ajuda. As
organização estará comprometida. correntes teóricas em Relações
Internacionais se identificam com opiniões
variadas a respeito das OIs. Há aquelas que intervenção podem causar. As atrocidades
se posicionam criticamente, como realistas e cometidas ao redor do mundo e sua
marxistas, há aquelas que ressaltam seus exposição e discussão pela mídia e opinião
benefícios, como os liberais e pública elevaram exponencialmente os
construtivistas. Isso demonstra a debates a repeito dos direitos humanos e das
preocupação com o tema na área e como as seguranças pessoal e nacional.
OIs estão inseridas nos debates acadêmicos. O incremento das demandas pela atuação
Ao trazermos essa discussão para as das organizações internacionais revela a
experiências vivenciadas pelas OIs, é necessidade de expansão também dos
possível perceber que estas possuem estudos nesta área, bem como de sua melhor
histórias de sucessos e fracassos quando delimitação. É importante que as reflexões
comparados os objetivos iniciais das acadêmicas sejam levadas para o campo de
missões aos seus resultados finais. O casos efetiva agência das OIs para que, assim,
bem-sucedidos da ONU e da OEA deficiências e patologias sejam sanadas,
exemplificam como instituições limitações sejam trabalhadas e falhas sejam
internacionais podem promover a paz e o remediadas.
desenvolvimento em situações de completo
caos, assim como os casos falhos
evidenciam os transtornos que uma

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RESUMO

Este artigo pretende apresentar o A questão do combate ao terrorismo


regime de proteção internacional dos também apresenta um desafio aos
refugiados a partir de grandes Estados ao tentarem equilibrar sua
questões presentes na cena segurança nacional com suas
internacional. Seu objetivo é entender obrigações internacionais. Por fim,
a problemática do refúgio como um novas classificações de refugiados se
assunto primordialmente político que fazem necessárias para abarcar um
afeta, direta ou indiretamente, todos os número crescente de pessoas que
governos no mundo. Em uma necessitam de assistência. Contudo,
perspectiva geral, os campos de esses são apenas alguns
refugiados – por serem soluções questionamentos que podem ser feitos
temporárias que se tornam no âmbito das Relações Internacionais
permanentes – apresentam um desafio a respeito do direito internacional dos
para a comunidade internacional que refugiados.
se agrava com o aumento dos fluxos
migratórios. Por outro lado, os PALAVRAS-CHAVE: refugiados,
organismos internacionais ACNUR, Convenção de 1951,
humanitários, com especial atenção apátridas, segurança nacional,
para o ACNUR, têm sua ação limitada UNRWA, migrantes, “refugiados
por fatores políticos e orçamentários. ambientais”, direitos humanos.

1
Graduanda do terceiro semestre de Relações Internacionais da Universidade de Brasília.
2
Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Rural do Rio de Janeiro.
3
Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e membro do Programa
de Educação Tutorial em Relações Internacionais da UnB (PET-REL).
ABSTRACT 1. INTRODUÇÃO

This article aims to present the regime of Calcula-se que existam atualmente
international protection of refugees from the no mundo mais de 43 milhões de
great questions raised in the current pessoas que necessitam de proteção
como a prevista na Convenção de
international scene. Its goal is to understand
Genebra de 1951 Relativa ao
the problematic of refuge as a matter which Estatuto dos Refugiados4. De acordo
is mainly global and political, affecting, com a definição estabelecida por
directly or indirectly, all the governments in esta Convenção, em seu artigo
the world. In a general perspective, the primeiro, é considerado refugiado
refugee camps - temporary solutions that toda pessoa que, em consequência
became permanent- present a challenge for de acontecimentos ocorridos antes
the international community that is de 1º de Janeiro de 1951, receando
aggravated with the increase of migratory com razão ser perseguida em virtude
fluxes. On the other hand, the international da sua raça, religião, nacionalidade,
humanitarian organisms, mainly United filiação em certo grupo social ou das
suas opiniões políticas, se encontre
Nations High Commissioner for Refugees
fora do país de que tem a
(UNHCR), have their action limited by nacionalidade e não possa ou, em
political and budget shortcomings. The fight virtude daquele receio, não queira
against terrorism is also presented as a pedir a proteção daquele país; ou
challenge to States when trying to balance que, se não tiver nacionalidade e
their national security with their estiver fora do país no qual tinha a
international obligations. Lastly, the sua residência habitual após aqueles
creation of new labels for refugees becomes acontecimentos, não possa ou, em
necessary to encompass an increasing virtude do dito receio, a ele não
number of people in need of assistance. queira voltar5.
Nevertheless, those are just some of the
several questionings possible of being raised Os princípios básicos que embasam a
in the scope of the International Relations Convenção de 1951 são a não-devolução
concerning the international law of the (non-refoulement) e a não-discriminação. O
refugees.
primeiro destes está descrito em seu artigo
33, segundo o qual
KEYWORDS: refugees, UNHCR,
Convention relating to the Status nenhum dos Estados Contratantes
of Refugees (1951), stateless, national expulsará ou repelirá um refugiado,
security, migrants, “environmental seja de que maneira for, para as
fronteiras dos territórios onde a sua
refugees”, human rights.
vida ou a sua liberdade sejam
ameaçados em virtude da sua raça,

4
São signatários apenas do Protocolo de 1967: Estados Unidos, Venezuela e Cabo Verde. São signatários ape-
nas da Convenção de 1951: Madagascar, Mônaco e São Cristóvão e Névis. Países não-signatários: Cuba, Guia-
na, Saara Ocidental, Líbia, Arábia Saudita, Omã, Emirados Árabes, Kuwait, Iraque, Síria, Jordânia, Israel, Lí-
bano, Uzbequistão, Mongólia, Paquistão, Índia, Nepal, Bangladesh, Butão, Burma, Tailândia, Laos, Vietnã,
Coreia do Norte, Indonésia e Taiwan.
5
Ver ACNUR. Convenção de 1951 Relativa ao Estatuto dos Refugiados. Série Tratados da ONU, Nº 2545,
Vol. 189, p. 137.
religião, nacionalidade, filiação em associados ao tema dos refugiados, tais
certo grupo social ou opiniões
como os chamados apátridas, definidos pelo
políticas6.
artigo 1º da Convenção Sobre o Estatuto dos
Já o conceito de não-discriminação, Apátridas de 1954 como “toda a pessoa que
definido no artigo 3º, se refere à não seja considerada por qualquer Estado,
recomendação aos Estados de que não segundo a sua legislação, como seu
promovam qualquer tipo de segregação de nacional”9. Há também os chamados
grupos de refugiados, seja por razões de deslocados internos (pessoas deslocadas
raça, país de origem, religião ou etnia7. internamente, PDI, em português, e IDP,
A proposta da Convenção de 1951 internally displaced people, em inglês). Um
considerava que o problema dos refugiados instrumento jurídico que trata
era pontual, causado exclusivamente pela especificamente desse grupo é Convenção
Segunda Guerra Mundial, que se limitaria a da União Africana sobre a Proteção e
determinadas populações atingidas e que Assistência as Pessoas Deslocadas
seria resolvido rapidamente. Como essas Internamente na África (Convenção de
suposições se mostraram falsas ao longo dos Kampala)10 que o define em seu artigo 1º,
anos, foi adotado, em 1967, o Protocolo como
Relativo ao Estatuto dos Refugiados, que
modificou sua definição de forma a retirar a pessoas ou grupos de pessoas que
restrição temporal definida no artigo 1º da tenham sido forçadas ou obrigadas a
fugir ou a abandonar as suas
Convenção, ou seja, os fluxos que não habitações ou locais de residência
estivessem relacionados aos efeitos da habitual, em particular como
resultado ou como forma de evitar
Segunda Guerra também seriam
os efeitos dos conflitos armados,
considerados em termos da proteção de situações de violência generalizada,
refugiados8. No entanto, mesmo essa versão as violações dos direitos humanos
ou calamidades naturais provocadas
mais abrangente da definição ainda não pelo próprio homem e que não
engloba outras categorias de refugiados que tenham atravessado a fronteira de
surgiram desde então. um Estado internacionalmente
reconhecido11.
Outros grupos também aparecem

6
Ibidem, p. 149.
7
Ibidem, p. 138.
8
As considerações iniciais do Protocolo de 1967 Relativo ao Estatuto dos Refugiados incluem: “Considerando
que, desde que a Convenção foi adotada, surgiram novas situações de refugiados e que os refugiados em causa
poderão não cair no âmbito da Convenção”. Ver ACNUR. Protocolo de 1967 Relativo ao Estatuto dos
Refugiados. Nações Unidas, Coletânea de Tratados, vol. 606, pág. 267.
9
Convenção Sobre o Estatuto dos Apátridas. Aprovada em Nova Iorque, em 28 de Setembro de 1954, p. 01.
10
Adotada pela União Africana em 23 de outubro de 2009, em Kampala, Uganda, durante uma cúpula sobre
deslocamentos forçados, a Convenção de Kampala garante a proteção e assistência legal às pessoas deslocadas
internamente em países africanos, por conflitos ou calamidades.
11
Convenção da União Africana sobre a Proteção e Assistência as Pessoas Deslocadas Internamente em África
A agência da Organização das Nações proteção destas populações, com foco
Unidas (ONU) que se dedica a zelar pelo principal para o ACNUR. Com isso, será
bem-estar destas populações é o Alto possível refletir sobre alguns dos problemas
Comissariado das Nações Unidas para no atual regime dos refugiados, tais como a
Refugiados (ACNUR). Seu mandato ainda questão do refúgio no pós-11 de setembro,
engloba ações em conjunto com governos, as novas categorias de refugiados não
Organizações Não governamentais (ONGs) abarcadas pela Convenção de 1951 e seu
e o setor privado, que visem a reduzir a Protocolo de 1967 e outras brechas nos
ocorrência de situações que levem ao mecanismos jurídicos de proteção.
deslocamento forçado, bem como buscar A abordagem escolhida pretende
soluções duradouras para os problemas apresentar o tema de estudo de uma forma a
enfrentados pelos migrantes. Dentro do propiciar ao leitor um entendimento do
escopo de pessoas que recebem atenção do problema enfatizando os grandes debates
ACNUR também se encontram, além dos existentes a cerca da proteção dos
refugiados, os requerentes de asilo, os refugiados. Analisando os tópicos a partir da
deslocados internos, os apátridas, os tríade segurança, política e direito, este
retornados (pessoas que se repatriaram artigo pretende contribuir para a formação
voluntariamente) e os chamados refugee-like de uma visão crítica sobre a instituição do
situations, (pessoas que não estão mais sob a refúgio e as ações humanitárias nesse
proteção jurídica de um Estado, porém ainda quesito.
não possuem oficialmente o status de
refugiado)12. 2. REFUGIADOS NO MUNDO:
O presente artigo visa apresentar as UMA ABORDAGEM GERAL
classificações e os dispositivos legais
referentes ao tema dos refugiados e analisar Os refugiados, classificados sob um
a atual situação da instituição do refúgio, status que denota pessoas em situação de
apresentando alguns desafios extrema vulnerabilidade, recebem ajuda
contemporâneos. Inicialmente, o artigo humanitária de diversos órgãos
apresenta uma abordagem geral dos internacionais. O mais reconhecido destes é
refugiados no mundo, expondo a situação o Alto Comissariado das Nações Unidas
dos campos de refugiados e as violações dos para Refugiados (ACNUR). Outras
direitos humanos a que estes indivíduos organizações militantes de direitos humanos
estão sujeitos. Posteriormente, ainda serão e agências de variados portes também
abordadas as ações e inações dos órgãos de mobilizam a sociedade civil em prol dos

(Convenção de Kampala) Adotada pela Cimeira Especial da União Africana, realizada em Kampala, no dia 23
de Outubro de 2009, p. 03.
12
Informações disponíveis em: <http://www.acnur.org/t3/portugues/a-quem-ajudamos/> Acesso em 22 de
junho de 2012.
deslocados forçados, como o Comitê maior quantidade de alimento. Um dos casos
Internacional da Cruz Vermelha (CICV) e a que ilustram tais situações é o de um grupo
Médicos Sem Fronteiras (MSF). de refugiados que vinha há oito meses
De acordo com o Statistical Yearbook omitindo a morte de um ente da família a
2010 do ACNUR13, cerca de 33,9 milhões fim de continuar recebendo sua ração
de pessoas teriam sido beneficiadas por seus alimentar17.
programas de ajuda humanitária durante o A despeito de críticas existentes acerca
ano em questão. Dentre estas, de forma da prática de contagem de refugiados, a
direta ou indireta14, mais de 10,55 milhões tentativa de se obter uma estatística fiel se
seriam indivíduos sob o status de refugiados, faz necessária à medida que o ACNUR
cerca de 597 mil estariam em situações precisa “planejar seus programas, traçar
semelhantes à de refugiados, 14,7 milhões orçamentos, alocar seus recursos, conseguir
seriam IDP’s15 e 242 mil pessoas itens essenciais de assistência, estabelecer
classificadas de forma similar aos IDP’s. seu sistema logístico, angariar dinheiro dos
Apesar das estatísticas existentes, Estados doadores e prestar contas das
contabilizar o número de refugiados despesas da organização”18. Tais números
constitui uma tarefa complexa devido à também seriam importantes para a
impossibilidade de quantificá-los sem elaboração e implementação de políticas
margem de erros. Isto se dá por fatores públicas de Estados voltadas para essas
como as altas taxas de natalidade e populações e obtenção de um maior controle
mortalidade nos campos de refugiados16 e com fins de monitoramento e registro para a
por existirem situações, como, por exemplo, garantia de seus direitos19.
as em que os próprios indivíduos assistidos
nos campos burlam o sistema para 2.1. CAMPOS DE REFUGIADOS
contabilizá-los a fim de conseguirem uma

13
Population Levels and Trends. In: UNHCR Statistical Yearbook 2010. p. 21. Disponível em <http://
www.unhcr.org/4ef9c7849.html > Acesso em 14 de junho 2012.
14
Ajuda “direta ou indireta”, entende-se como “humanitarian assistance under arrangements in which UNHCR
was either the lead agency or a key partner”: In: UNHCR Statistical Yearbook 2010 (”Population levels and
Trends”: cap. 2, p. 21).
15
IDPs: Internally Displaced People. Deslocados forçados dentro das fronteiras de seus próprios países, possu-
indo status diferente do status de indivíduos refugiados. Disponível em: <http://www.unhcr.org/
pages/49c3646c146.html > Acesso em 14 de junho 2012.
16
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an Journal of Population (2005) 21: P. 271. Disponível em: <http://www.hicn.org/papers/fertility.pdf > Aces-
so em 26 de junho de 2012.
17
HARREL-BOND, Barbara. Can Humanitarian Work with Refugees be Humane? Human Rights Quaterly,
Vol. 24, No. 1 (Fev., 2002). John Hopkings University Press. Nota: p. 61.
18
CRISP, Jeff. “Who has counted the refugees?” UNHCR and the politics of numbers.
19
Doctors Without Borders. Press Release: “UNHCR must take full responsibility for all of the Kosovo refu-
gees”: MSF calls on Mrs. Sadako Ogata to Take Action, 9 de abril de 1999. (Tradução livre) Disponível em:
<http://www.doctorswithoutborders.org/press/release.cfm?id=488 > Acesso em 26 de junho de 2012.
Um dos locais onde é possível observar programas que possam garantir alívio para
a atuação do ACNUR (e de outras agências) os refugiados palestinos. A agência, pensada
é nos campos de refugiados, nos quais como temporária, pode ser vista como uma
muitos deles são registrados, e recebem resposta para lidar com os deslocados do
auxílio alimentar e abrigo. Em alguns conflito árabe-israelense de 1948. Contudo,
campos, há postos dos Médicos Sem frente à impossibilidade de atenuar o
Fronteiras, que realizam exames para problema que leva ao deslocamento forçado
verificar as condições físicas dos indivíduos, na região, teve seu mandato estendido até 30
incluindo dos recém-chegados, que de junho de 201421. Atualmente, tem sob sua
frequentemente encontram refúgio nos atenção cerca de 5 milhões de palestinos.
campos após extensas e debilitantes Dentre estes, 1,4 milhões vivem em 58
peregrinações desde seus locais de origem. campos reconhecidos pela UNRWA, sendo
Como não há uma definição específica 10 na Jordânia, 9 na Síria, 12 no Líbano, 19
do que seria um campo de refugiados, é na Banca Ocidental (o que inclui a
comum mencionar a definição apresentada Jerusalém Oriental) e 8 na Faixa de Gaza22.
pela agência da ONU para os refugiados Grande parte dos campos de refugiados
palestinos, a UNRWA (United Nations está localizada no continente africano e
Relief and Work Agency for Palestine muitos deles se encontram acima de suas
Refugees), é também pode ser aplicada aos capacidades originalmente previstas. No
campos acompanhados pelo ACNUR, a Quênia, por exemplo, estão localizados os
despeito da UNRWA trabalhar de forma campos de Nairóbi, que atualmente abrigam
distinta deste. Um local com fins de refúgio 32.342 pessoas e Kakuma, com 46.851
seria “um lote de terra disponibilizado à refugiados23.
UNRWA pelo governo anfitrião para O campo de Daadab– considerado o
acomodar refugiados palestinos e mais antigo- teve seus primeiros
estabelecer instalações para prover as suas assentamentos instalados “em outubro de
necessidades”20. 1991 e junho de 1992 para abrigar os
A UNRWA foi criada pela resolução refugiados que fugiam da guerra civil
302 (IV) da Assembleia Geral das Nações somali”24. Construído inicialmente para
Unidas em 8 de dezembro de 1949 para criar receber 90 mil pessoas, hoje contabiliza
20
UNRWA. Palestine refugees. Where do Palestine Refugees live? Disponível em <http://www.unrwa.org/
etemplate.php?id=86 > Acesso em 26 de junho de 2012.
21
UNRWA. Overview. Disponível em: <http://www.unrwa.org/etemplate.php?id=85> Acesso em 10 de julho
de 2012.
22
UNRWA. UNRWA Statistics -2010. Selected Indicators, página 4. Disponível em: <http://www.unrwa.org/
userfiles/2011120434013.pdf> Acesso dia 11 de julho de 2012.
23
UNHCR. Refugees in the Horn of Africa: Somali Displacement crisis (country). Disponível em: <http://
data.unhcr.org/horn-of-africa/country.php?id=110>. Acesso em 14 de junho 2012.
24
ACNUR. Dadaab, o maior campo de refugiados do mundo, completa 20 anos. Notícia de 21 de Fevereiro,
2012. 14:00 . Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/portugues/noticias/noticia/dadaab-o-maior-campo-de-
cerca de 465.611 indivíduos de diversas Tanzânia (1.515)28.
nacionalidades. Há ainda outros milhares de A enorme quantidade de pessoas em
deslocados não registrados por deficiências campos, pensados inicialmente como uma
logísticas e demais razões supracitadas. solução de curto prazo que se torna
O fluxo de chegada de novos refugiados permanente, contribui para violações de
ao campo de Daadab é contínuo, devido à Direitos Humanos dentro dos próprios locais
grave situação de fome e seca na Somália25. de refúgio. Uma das maiores dificuldades é
Ele é subdividido entre Dagahaley, o fato de um campo estar sob a jurisdição de
Hagadera, Kambios e Ifo, e já recebeu três um determinado Estado que não consegue
gerações de refugiados que nele encontram fornecer cidadania para os refugiados que lá
uma estrutura social, mercados e escolas26, se encontram. Muitos desses Estados, que,
sendo que as dinâmicas comerciais chegam frequentemente, não conseguem fazer uso de
a gerar postos de trabalho dentro do próprio sua legislação nem para proteger os próprios
campo, permitindo que os refugiados nacionais que carecem de auxílio, tampouco
trabalhem apesar da ausência de seu direito alcançam a proteção de refugiados
legal, visto que não possuem cidadania do desprovidos de proteção nacional para lutar
país em questão. por seus direitos. Há, ainda, casos de
Como possível forma de exemplificar a fornecedores de ajuda humanitária que
problemática do deslocamento forçado de violam os direitos humanos de seus próprios
pessoas, a situação de crise na Somália soma assistidos por diversas razões, tais como
quase um milhão de somalis (993.403 falta de recursos para garantir um tratamento
pessoas)27 obtendo refúgio no exterior, em equitativo para todos, despreparo
campos da ONU, como os do Iêmen, com psicológico e até medidas punitivas29.
214.485 somalis, e os da Etiópia, que A segurança é outro problema nos
abrigam 200.031 refugiados. Números campos de refugiados. Há um grande risco
significativos de deslocados forçados da de que esses lugares sejam contaminados
Somália também são encontrados em pelos conflitos que motivaram essas pessoas
campos em Uganda (22.766), Djibouti a saírem de seus locais de residência. Essa
(16.449), Egito (7.437), Eritreia (4.668) e situação acontece quando grupos rivais estão
refugiados-do-mundo-completa-20-anos/>. Acesso em 14 de junho 2012.
25
Médicos sem Fronteiras. Uma visão realista sobre a crise na Somália. 05 de setembro de 2011. Disponível
em <http://www.msf.org.br/noticias/1321/uma-visao-realista-sobre-a-crise-na-somalia/> Acesso em 14 de ju-
nho 2012.
26
G1. Maior campo de refugiados do mundo faz 20 anos em crise humanitária. 12/08/2011 07h12 - Atualizado
em 31/08/2011 12h24. Disponível em <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2011/08/maior-campo-de-
refugiados-do-mundo-faz-20-anos-em-crise-humanitaria.html> Acesso em 14 de junho 2012.
27
UNHCR. Refugees in the Horn of Africa: Somali Displacement crisis (regional). Disponível em: <http://
data.unhcr.org/horn-of-africa/regional.php> Acesso em 14 de junho 2012.
28
Ibidem.
29
HARREL-BOND, Barbara. Can Humanitarian Work with Refugees be Humane? Human Rights Quaterly,
Vol. 24, No. 1 (Fev., 2002). John Hopkings University Press. Nota: p. 67
localizados em um mesmo campo, mas não lugares carece de vitaminas e minerais
possuem atendimento psicológico que evite necessários para uma boa nutrição.
enfrentamentos mesmo em locais longe dos Embora um dos objetivos previstos no
centros de tensão. Além disso, a localização Estatuto do ACNUR seja “reduzir o número
de muitos campos de refugiados em regiões de pessoas necessitadas de proteção”31, a
fronteiriças ao conflito permite que pessoas proporção do número de refugiados no
que lá residam sejam atacadas ou até mundo é crescente, seja por motivos de
contribuam para que sua parte seja a conflitos ou novas questões que
vencedora na questão. Assim, um espaço transcendem as habilidades humanas de
que deveria garantir proteção para quem contenção, como fenômenos naturais
dela precisa acaba se tornando uma (tsunamis, furacões, terremotos e erupções).
continuação daquilo que esses indivíduos
temem. 2.2. REPATRIAÇÃO E
Idealizados como medida assistencialista REASSENTAMENTO
temporária para receber deslocados forçados
carecendo de proteção, os campos abrigam Não obstante o recebimento de maior
pessoas que por vezes nem sequer conhecem proteção nos campos de refugiados que nos
outra realidade além do campo. Todavia, países de origem e do trabalho exercido
nem todos os campos de refugiados são pelos organismos internacionais de ajuda
iguais, de forma que existem casos de humanitária, a melhor solução para essas
campos sustentáveis, que permitem a pessoas seria voltar para casa ou serem
subsistência de seus moradores. O campo de reassentadas em algum outro lugar onde
Kyangwal, em Uganda, fornece terra e pudessem reconstruir suas vidas. Contudo,
ferramentas para que os seus residentes muitos refugiados não têm buscado a
possam plantar alimentos, de modo que repatriação voluntária por ainda se sentirem
apenas os mais vulneráveis e os recém- em situação de risco e ameaça em seus
chegados têm necessidade de receber países de origem, e, por vezes, também não
assistência alimentar30. Essa solução permite têm oportunidade de reassentamento.
que os habitantes do campo tenham uma Conforme seu Estatuto, o ACNUR visa
melhor condição de vida. Ainda que seja “promover a repatriação voluntária dos
passível de críticas, essa medida promove a refugiados”32. Dessa forma, contabilizou
ocupação dos refugiados e enriquece sua 532.099 repatriações voluntárias e cerca de
dieta, visto que a ração fornecida em muitos 3,2 milhões de deslocados internos puderam

30
BETTS, Alexander. Self-Reliance for Refugees: a view from Kyangwali Settlement. 24 de maio de 2012
Disponível em: <http://www.alexanderbetts.com/1/post/2012/05/self-reliance-for-refugees-a-view-from-
kyangwali-settlement.html> Acesso em 26 de junho de 2012.
31
Estatuto do ACNUR.Cap. II. 8. b).
32
Estatuto do ACNUR.Cap. II. 8. c).
retornar para suas casas no ano de 201133. milhões de indivíduos localizados em 79
Outra tentativa de solução de longo Estados, o que o configura como maior
prazo para a questão dos refugiados é seu emissor de solicitantes de refúgio no
acolhimento em países que lhes atribuam mundo36. Isso mostra que há uma
cidadania e condições de enraizamento, o necessidade crescente de a comunidade
chamado reassentamento. Atualmente, o internacional acolher os refugiados em
ACNUR declara como sendo uma de suas vistas a reintegrá-los em uma sociedade.
prioridades “encontrar outros Estados Porém, é importante salientar que se os
dispostos a aceitar pessoas vulneráveis e países dessem maior atenção à problemática
fortalecer programas introduzidos do refúgio, haveria um aumento no número
recentemente”34. De acordo com a agência, de repatriações e reassentamentos, assim
os países participantes do programa de como no de reconhecimento do direito ao
reassentamento são: Estados Unidos, asilo.
Canadá, Austrália, Suécia, Noruega,
Finlândia, Nova Zelândia, Dinamarca e 2.3. O BRASIL E O REFÚGIO
Holanda. Recentemente, novos países
integraram a lista, a saber: Chile, Benin, É interessante analisar o caso do Brasil,
Burkina Faso, Irlanda, Islândia, Reino Unido que conta com o Programa Reassentamento
e Brasil35. Segundo o ACNUR, durante o Solidário acordado com o ACNUR em 1999
ano de 2011, 79.800 refugiados (com e sem e com a lei nº 9.474 de julho de 1997, que
a ajuda da agência) foram reassentados em “define mecanismos para a implementação
22 países diferentes. Os Estados Unidos da do Estatuto dos Refugiados de 1951 e
América foram o país que recebeu o maior determina outras providências.”37. Esta lei
número, 51.500. criou o Comitê Nacional para Refugiados
Apesar de tais iniciativas, no mesmo ano (CONARE), o qual é composto por
de 2011, 4,3 milhões de pessoas foram representantes do Ministério da Justiça (que
forçadas a se deslocarem por causa de o preside), Ministério das Relações
conflitos e perseguições, das quais 800.000 Exteriores, ACNUR (que não tem voto),
conseguiram cruzar a fronteira e as outras Ministérios da Saúde, do Trabalho, do
3,5 milhões estão na condição de deslocados Esporte e da Educação, Departamento da
internos. O Paquistão é o país com maior Polícia Federal e por um representante da
número de refugiados 1,7 milhão e o sociedade civil (Cáritas Arquidiocesana de
Afeganistão é o país de origem de 2,7 São Paulo e Cáritas Arquidiocesana do Rio
34
UNHCR. Emerging Resettlement Countries: News Doors Open. (Tradução livre). Disponível em <http://
www.unhcr.org/pages/4a2ced836.html> Acesso em 26 de junho de 2012.
35
Ibidem.
36
Ver nota 30.
37
Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/
L9474.htm> Acesso em 14 de junho 2012.
de Janeiro, que se revezam nas reuniões, e nas condições previstas no presente
Estatuto, e de encontrar soluções
Instituto Migrações e Direitos Humanos –
permanentes para o problema dos
IMDH –, que atua caso as duas primeiras refugiados, prestando assistência aos
não possam comparecer)38. governos e, com o consentimento de
tais governos. (Artigo 1º do Estatuto
O país se destaca por ter internalizado as do Alto Comissariado das Nações
obrigações acordadas internacionalmente de Unidas para Refugiados, 1950)
uma maneira que garanta que as decisões a
Para entender a problemática de proteção
respeito dos refugiados sejam tomadas
aos refugiados, é importante observar o
levando em consideração a opinião do
papel do Alto Comissariado das Nações
governo, da sociedade civil e do ACNUR.
Unidas para Refugiados (ACNUR) bem
Esse é um dos motivos de porque o ACNUR
como seus objetivos, mandatos, meios de
considera o Brasil um líder regional nessa
atuação e falhas. Essa seção pretende
temática39. Atualmente, vivem 4500
apresentar esse importante órgão da
refugiados no país oriundos de 75 Estados
Organização das Nações Unidas (ONU),
diferentes, com destaque para os angolanos
bem como discutir sua eficácia e limitações.
em maior número, seguido pelos
colombianos e pelos congoleses. Dentre
3.1 A ESTRUTURA DO ACNUR
esses, 1800 estão na cidade de São Paulo40,
que conta com o apoio do Comitê Estadual
O ACNUR foi criado pela Assembleia
para os Refugiados de São Paulo, criado em
Geral das Nações Unidas (AGNU) em 14 de
novembro de 1997 e que possui a mesma
dezembro de 195041 com a missão de
estrutura tripartite do CONARE.
proteger os refugiados e buscar soluções
duradouras – principalmente repatriação
3. ATUAÇÃO DO ACNUR E SUAS
voluntária, integração local e
LIMITAÇÕES INSTITUCIONAIS
reassentamentos – para os deslocamentos
O Alto Comissariado das Nações
forçados. Contudo, seu mandato foi
Unidas para Refugiados, atuando estendido para também abranger apátridas e
sob a autoridade da Assembleia pessoas deslocadas dentro de seus próprios
Geral, assumirá a função de
proporcionar proteção internacional, países (IDPs). Nesse aspecto, Goodwin-Gill
sob os auspícios das Nações Unidas, mostra que um dos desafios para a proteção
aos refugiados que se enquadrem internacional dos refugiados seria o próprio
38
Ver MOREIRA, J. B. Políticas para refugiados nos contextos internacional e brasileiro do pós-guerra aos
dias atuais. In: XVI Encontro ABEP, 2008, Caxambu. Anais do XVI Encontro da ABEP, 2008, p.9 Disponível
em: <http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2008/docsPDF/ABEP2008_1951.pdf> Acesso em 26 de ja-
neiro de 2012
39
Ibidem, p. 11.
40
Ver ADUS. Instituto de Reintegração de Refugiados –Brasil. Dados sobre o refúgio no Brasil. Disponível
em: <http://www.adus.org.br/dados-sobre-o-refugio-no-brasil/> Acesso em 11 de julho de 2012.
41
Data de aprovação do Estatuto do ACNUR pela resolução 428 (V) da AGNU.
mandato do ACNUR, visto que seu conceito ao deslocamento forçado de outros
de proteção não é definido42, ou seja, ele é indivíduos que também estarão sujeitos à
concebido de forma extensa e abstrata. Isso proteção do órgão. Segundo informações
leva a interpretações variadas que podem deste, atualmente, estima-se que mais de 43
causar problemas quanto à atuação do órgão. milhões de pessoas estão dentro de seu
Primeiro, por essa definição estar fortemente escopo (maior número desde meados dos
atrelada ao consentimento dos Estados, e , anos 9045), entre solicitantes de refúgio,
segundo, por não determinar ações refugiados, apátridas, deslocados internos e
específicas da agência em relação às pessoas repatriados. Além disso, a agência atua em
que estão sob sua atenção. 126 países e conta com 7.200 funcionários
A questão da amplitude e que, em sua maioria, trabalham em regiões
indeterminação do mandato do ACNUR de conflito, zonas afetadas por desastres
deve ser entendida como uma das naturais e em operações de repatriação46.
dificuldades enfrentadas pelo órgão. A fim de proteger tal número de pessoas,
Contudo, Goodwin-Gill ainda apresenta era de se esperar que o órgão tivesse um
outras questões que devem ser consideradas orçamento alto. Contudo, ele se mantém
ao se analisar o regime dos refugiados. O com contribuições voluntárias de países
autor acredita que originalmente o ACNUR doadores e particulares, o que se traduz em
não foi pensado para lidar com movimentos um montante de aproximadamente US$ 3
de refugiados em larga escala43. Além disso, bilhões por ano47. Diferentemente de outras
fluxos de refugiados são geralmente agências da ONU, o ACNUR precisa fazer
imprevisíveis, o que dificulta determinar campanha de captação de recursos para
quando acontecerão, quanto tempo durarão, obter fundos do setor privado, doadores
a quantidade de pessoas envolvidas e quais particulares e da comunidade internacional.
serão suas necessidades44.
Dessa forma, o ACNUR lida com um 3.2 SUAS CAPACIDADES
número variável de pessoas que estão sob
sua responsabilidade, pois, de forma O financiamento é um antigo
problema, que perpassa o ACNUR
imprevisível, pode ocorrer um fato que leve
desde sua criação, agravado pela
42
Ver GOODWIN-GILL, Guy S. Refugees: Challenges to Protection. International Migration Review, vol.
35, nº 1, Special Issue: UNHCR at 50: Past, Present and Future of Refugee Assistance, spring 2001, pp. 130-
131.
43
Ibidem, p. 131.
44
Ibidem, p.139.
45
ACNUR. Number of forcibly displaced rises to 43.3 million last year, the highest level since mid-1990s.
News Stories, 15 June 2010. Disponível em: <http://www.unhcr.org/4c176c969.html> Acessado em 14 de
junho 2012.
46
Informações disponíveis em: <http://www.acnur.org/t3/portugues/informacao-geral/breve-historico-do-
acnur/>. Acesso em 11 de junho de 2012.
47
Ibidem.
ampliação de suas atividades. argumenta que a agência tem “sanções”
Embora seja a maior agência do
limitadas para lidar com os mesmos. Essa
sistema ONU, apenas 2% de seu
orçamento é repassado pela incapacidade de punir violadores dos
organização, sendo 98% obtido por direitos das pessoas em situação de refúgio
contribuições voluntárias
(VÄYRYNEN, 2001)48.
seria uma fraqueza do regime internacional
de proteção aos refugiados51.
Sua dependência financeira de doações é O artigo 2 de seu Estatuto garante que “o
uma das principais vulnerabilidades do trabalho do Alto Comissariado terá um
ACNUR. Para Gallagher, os recursos caráter totalmente apolítico; será
disponíveis para as situações que envolvem humanitário e social”. Porém, a dependência
refugiados ditam a natureza das respostas às financeira do ACNUR impede que isso
mesmas e hoje esses dependem de fundos ocorra na realidade. Para Goodwin-Gill, o
governamentais49. Além disso, uma das regime tem debilidades, particularmente ao
funções do órgão seria verificar como os se considerar a relação entre movimento de
Estados tratam aqueles que buscam refúgio massa, obrigação e solidariedade
e, principalmente, se respeitam o princípio internacional. Isso porque a proteção e
de não devolução (non-refoulement). Por assistência a indivíduos sob os cuidados do
esse motivo, Gallagher acredita que órgão dependem de contribuições
these donor nations therefore voluntárias e seus doadores têm seus
typically do not wish their funds to próprios interesses52. O autor acredita que
be used to strengthen the capacity of
UNHCR to monitor the ways in
esse é um dos pontos críticos da agência que
which they exercise their legal impede sua atuação autônoma.
obligations under the Refugee
Convention. The very nature of
refugee problems impedes the 3.3 OS SILÊNCIOS DA AGÊNCIA
capacity of the international refugee
system to afford adequate O ACNUR tem recursos escassos para
protection50.
lidar com uma enorme quantidade de
Sob a possibilidade de ação do ACNUR pessoas com diferentes necessidades, o que
frente a Estados que não cumpram suas muitas vezes pode gerar atitudes
obrigações internacionais, Goodwin-Gill contestáveis da agência. Uma dessas teria

48
Ver ROCHA, Rossana Reis e MOREIRA, Julia Bertino. Regime Internacional para refugiados: Mudanças e
Desafios. Revista Sociologia Política, Curitiba, v. 18, out. 2010, p.24.
49
Ver GALLAGHER, Dennis. The Evolution of the International Refugee System. International Migration
Review, vol. 23, nº3, Special Silver Anniversary Issue: International Migration an Assessment for the 90’s,
autumn, 1989, p.595.
50
Ibidem, p.596.
51
Ver GOODWIN-GILL, Guy S. Refugees: Challenges to Protection. International Migration Review, vol.
35, nº 1, Special Issue: UNHCR at 50: Past, Present and Future of Refugee Assistance, spring 2001, p.141
52
Ibidem, p.133.
levado a um protesto nos anos de 2008 e direitos55. Dessa forma, essas lógicas
2009 de refugiados palestinos reassentados levariam a violações massivas de direitos
no Brasil alegando falta de assistência e humanos em situações em que os refugiados
diálogo com o ACNUR. Moulin aborda a estariam teoricamente protegidos por
manifestação realizada em Brasília com o organizações e agências.
intuito de demonstrar a necessidade de Mudar a maneira como a comunidade
observar o “direito de voz” dos refugiados e internacional percebe a questão desse grupo
sua capacidade de lutar por seus direitos53. É é uma discussão delicada. Primeiro porque,
importante considerar o refugiado como co mo most r a Agi er ( 2006) , a
uma pessoa capaz, que tem voz e “vulnerabilidade é o que distingue, de uma
sentimentos, e que consegue agir na lógica maneira geral, as vítimas das quais se ocupa
existente da proteção humanitária. o humanitário e o que legitima sua
Ainda sobre a importância de considerar existência56.” Quando os refugiados são
o ser humano em situação de refúgio não vistos como seres humanos que precisam de
apenas como uma vítima, Harrell-Bond ajuda, há maior possibilidade de obter
evidencia a relação de poder existente entre atenção para a causa e, assim, um número
aqueles que realizam a ação humanitária e considerável de doações. O ACNUR, como
aqueles que a recebem. Segundo o autor, é dependente de contribuições voluntárias
possível perceber que oriundas, em grande parte, dos Estados,
também opera nessa lógica. Por isso, deve-
in the context of giving se considerá-lo como um órgão político (que
humanitarian assistance, whether or
not they are aware of it, lida diretamente com as demandas de seus
humanitarian workers stand in an doadores e das pessoas sob sua proteção).
asymmetrical relationship to
Além disso, ele atua em um mundo em que
refugees who are symbolically
disempowered through becoming os diversos atores envolvidos na
clients of those upon whom they are problemática dos refugiados possuem
dependent for the means of survival
and security54.
interesses particulares. Assim, segundo
Goodwin-Gill
Isso aconteceria porque a assistência aos
No one doubts that the protection of
refugiados é concebida em termos de
refugees must take place in a
caridade e não como uma maneira de political world, and no one should
permitir que essas pessoas desfrutem de seus underestimate the pressures – moral,

53
Ver MOULIN, Carolina. Os Direitos Humanos dos Humanos sem Direitos: Refugiados e a política do pro-
testo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 26, nº 76, junho/2011, pp. 145-155.
54
Ver HARRELL-BOND, Barbara. Can Humanitarian Work with Refugees Be Humane? Human Rights
Quarterly, vol. 24, nº 1, p., fev. 2001, p.55
55
Ibidem, p.53.
56
Ver AGIER, Michel. Tradução de Paulo Neves. Refugiados diante da nova ordem mundial. Tempo Social,
revista de Sociologia da USP, vol.18, nº 2, nov. 2006, p.208.
financial, circumstantial – on an aos direitos humanos dos indivíduos sob sua
essentially humanitarian
atenção. Sua autonomia é algo questionável,
organization when confronted with
human suffering on a massive visto que depende fortemente de outros
scale57. atores, principalmente dos Estados. Essa
Frente a isso, é importante recordar que questão central revela o caráter político da
o ACNUR não é o único envolvido no organização, mesmo que essa se proponha
regime estudado, razão pela qual não é o humanitária e apolítica. Ainda assim é
único responsável por todas as falhas importante ressaltar sua relevância no
observadas no sistema de proteção dos sistema de proteção internacional dos
refugiados. Goodwin-Gill argumenta que, refugiados. Afinal, é uma das principais
ainda que o ACNUR tenha um papel agências humanitárias do mundo
proeminente e responsabilidades específicas, atualmente, que já ajudou mais de 50
ele ainda é dependente de governos milhões de pessoas e ganhou duas vezes o
doadores, de parceiros no âmbito da ONU e Prêmio Nobel da Paz (1954 e 1981)60.
das organizações não governamentais
(ONGs) para implementar suas ações e de 4. O REFÚGIO NO PÓS 11 DE
defensores dos refugiados em seus países de SETEMBRO
origem e no exterior58. O próprio ACNUR
acredita que, para que possa exercer seu Os ataques terroristas perpetrados em 11
mandato efetivamente, é necessária de setembro de 2001, nas cidades
cooperação entre a agência, os Estados, as americanas de Nova York e Washington por
ONGs, a sociedade civil e as organizações membros da Al-Qaeda, não foram as
locais59. primeiras ações que levaram a uma tensão
Ao compreender o papel do Alto entre a instituição do refúgio e as questões
Comissariado das Nações Unidas, de segurança nacional61; políticas e posições
juntamente com suas limitações nesse sentido já vinham sendo adotadas
institucionais, é possível perceber a pelos Estados nos anos anteriores. No
necessidade de mudanças na agência a fim entanto, é inegável que, após o ocorrido, a
de garantir uma melhor proteção e respeito situação dos refugiados tem sido

57
Ver GOODWIN-GILL, Guy S. Refugees: Challenges to Protection. International Migration Review, vol.
35, nº 1, Special Issue: UNHCR at 50: Past, Present and Future of Refugee Assistance, spring 2001, pp.135-
136.
58
Ibidem, p.134.
59
Informações disponíveis em <http://www.acnur.org/t3/portugues/informacao-geral/breve-historico-do-
acnur/. Acesso em 11 de junho de 2012.
60
Ibidem.
61
Para maiores informações acerca das discussões que permeiam o conceito de segurança nacional, indicamos
o terceiro capítulo da tese de Marco A. C. Cepik, intitulada Serviços de Inteligência: Agilidade e Transparên-
cia como Dilemas de Institucionalização (2001), o artigo As Nações Unidas e o conceito de segurança coleti-
va, de Marcos Castrioto de Azambuja (1995).
progressivamente relegada a segundo plano, apoio da comunidade internacional no que
diante das necessidades de segurança dos diz respeito à manutenção dessa população
Estados, como podemos observar na ou mesmo a busca por soluções de longo
seguinte afirmação: prazo para o problema, o que levou
Paquistão, Irã e Tajiquistão a fecharem suas
Em matéria de refúgio o que esses fronteiras a refugiados afegãos. Depois do
eventos trouxeram a tona foi a noção 11 de setembro, essa atitude foi seguida por
de que ‘Asylum is increasingly
viewed as vehicle through which China, Turcomenistão e Uzbequistão,
terrorists and other undesirables alegando questões de segurança nacional e a
might enter Western
incapacidade de absorver mais refugiados64.
states’ (GIBNEY, 2002, p. 40. In:
Forced Migration Review 13). Esse
tipo de generalização traz 4.1 DESDOBRAMENTOS LEGAIS
consequências nefastas para os
indivíduos que realmente necessitam DO 11 DE SETEMBRO
da proteção conferida pelo refúgio e
é objeto de preocupação do Com a imagem dos ataques às Torres
ACNUR62.
Gêmeas ainda recente no imaginário da
Mesmo antes de o Afeganistão sofrer população, o Conselho de Segurança das
com a “Guerra ao terror” conduzida pelos Nações Unidas aprovou, em 28 de setembro
Estados Unidos em outubro de 2001, com o de 2001, a resolução 1373 (2001), que
intuito de desmantelar a rede terrorista Al- recomenda aos países:
Qaeda e instaurar um regime democrático
Take appropriate measures in
com a derrubada do Talibã, o país já sofria
conformity with the relevant
uma crise humanitária, agravada com a provisions of national and
intervenção Soviética em 1979. Estima-se international law, including
international standards of human
que, naquele ano, 2,5 milhões de pessoas rights, before granting refugee
foram levadas a buscar refúgio no Paquistão status, for the purpose of ensuring
e um número similar no Irã63. Quando that the asylum-seeker has not
planned, facilitated or participated in
incursões contra o Talibã se iniciaram, em the commission of terrorist acts;
2001, centenas de milhares de pessoas Ensure, in conformity with
somaram-se a esses contingentes. A maior international law, that refugee status
is not abused by the perpetrators,
parte desse fluxo se dirigiu aos países mais organizers or facilitators of terrorist
próximos, contando com pouco ou nenhum acts, and that claims of political

62
Ver JAROCHINSKI, João Carlos Silva. Uma análise sobre os fluxos migratórios mistos.In: . RAMOS, An-
dré de Carvalho, RODRIGUES, Gilberto e ALMEIDA, Guilherme Assis (orgs.) 60 anos de ACNUR: Pers-
pectivas de futuro. São Paulo : Editora CL-A Cultural, 2011, p. 214.
63
Ver HELTON, Arthur C. The Price of Indifference: Refugees and Humanitarian Action in the New
Century. New York : Oxford University Press, , 2002, p. 181
64
Ver HUMAN RIGHTS WATCH World Report, 2002. Refugees, Asylum Seekers, Migrants, And Inter-
nally Displaced Persons, p. 631.
motivation are not recognized as foram aprovadas pelo Parlamento italiano.
grounds for refusing requests for the
extradition of alleged terrorists65. Ainda alguns intelectuais extremistas
italianos passaram a incitar a discriminação
Esta resolução forneceu as justificativas
e inferiorização dos árabes. Essa transição é
legais para tendências de endurecimento de
explicitada em:
legislação que já vinham sendo observadas
nos anos anteriores. Um dos mais antes do 11 de Setembro vigorava na
emblemáticos exemplos é o incidente com o Itália uma espécie de código ético, o
qual Paola Caridi define como uma
cargueiro norueguês Tampa, que resgatou “autocensura positiva”, que do fim
sobreviventes do naufrágio de um navio da Segunda Guerra Mundial em
indonésio em agosto de 2001. Ao entrar em diante determinava que certos
limites na relação com o outro não
águas australianas, o cargueiro foi abordado poderiam ser ultrapassados,
por oficiais do exército do país e impedido sobretudo nos jornais e na televisão.
de ancorar em terras nacionais. A Austrália Depois do 11 de Setembro, esses
limites passaram a ser
enfrentou severas críticas por sua atitude à completamente ignorados66.
época, no entanto observa-se que não se
trata de uma conduta singular, 4.2 O ÔNUS DE SE PRIORIZAR A
principalmente depois de haver justificado SEGURANÇA NACIONAL EM
suas ações como visando à segurança DETRIMENTO DOS DIREITOS
nacional (já que a maioria dos 438 INDIVIDUAIS
solicitantes de refúgio a bordo era afegã).
Além disto, a resolução 1373 explicita a É possível observar que o endurecimento
conexão entre os deslocamentos das políticas de imigração e o crescimento
internacionais de refugiados e o terrorismo, das dificuldades de entrada nos países
contrapondo medidas de segurança àquelas aumenta o contingente de imigrantes que
adotadas para a acolhida dessas populações. cruzam as fronteiras ilegalmente, não
Na Itália, depois do 11 de setembro, o podendo gozar dos direitos de proteção que
anti-islamismo acompanhou a ascensão de a condição de refugiado lhes garantiria.
partidos conservadores ao poder, a medida Nestas situações, estão sujeitos não apenas a
que as relações com os vizinhos árabes abusos por parte de autoridades e por parte
diminuíam e as populações islâmicas no país de terceiros (são comuns, nesses casos,
eram perseguidas. Nessa época, diversas leis detenções, violências física, sexual e
que restringiam a entrada de imigrantes psicológica, entre outras), como ainda
65
Ver United Nations Security Council Resolution 1373 (2001). Adopted by the Security Council at its 4385th
meeting, on 28 September 2001. Disponível em: <http://www.un.org/Docs/scres/2001/sc2001.htm>. Acesso
dia 10 de maio de 2012.
66
Disponível em: <http://operamundi.uol.com.br/conteudo/reportagens/15043/
italia+ficou+mais+xenofoba+e+perdeu+papel+de+interlocucao+com+o+mundo+arabe+depois+do+119.shtml>
Acesso em 22 de agosto de 2012.
correm o risco de serem enviados de volta Contudo, alguns autores defendem que
para o país do qual saíram e no qual sofriam não apenas as medidas em prol de segurança
violações de direitos humanos e ameaças são compatíveis com a adoção de
contra sua vida e integridade67. Estas mecanismos de proteção aos refugiados,
ocorrências não obedecem ao princípio de como ambas são interdependentes, de modo
non-refoulement e ainda expõem os que uma solução para o dilema seria a
migrantes a preconceitos e discriminações, institucionalização e efetivação da proteção
por parte da população e das autoridades, aos direitos humanos, o que desvincularia a
sendo ambos princípios basilares da imagem dos refugiados da dos grupos
Convenção de 1951. terroristas70. Essa tese parte do pressuposto
Os critérios mais rígidos de imigração, de que uma situação de segurança nacional
justificados pelo argumento em defesa da seria pré-requisito indispensável para a
segurança nacional, levam ao surgimento de garantia das seguranças individuais (e,
preconceitos e generalizações no ideário da consequentemente, da efetivação dos
população civil, associando a imagem do direitos humanos). Assim, um migrante que
estrangeiro a uma ameaça à nação. Essa ameace a segurança do país onde se
associação é muitas vezes propositalmente encontra, não merece proteção internacional,
veiculada pela mídia e por alguns políticos, ainda que a necessite; essa perspectiva é
principalmente em épocas de eleições68, considerada pelo artigo primeiro, parágrafo
como no caso de ataques com motivações sexto, da Convenção de 1951, no que diz
xenófobas a refugiados no Reino Unido, respeito às condições que excluem
dentre as quais podemos incluir o ataque a indivíduos da condição de refugiado:
um motorista de táxi de origem afegã, que
As disposições desta Convenção não
ficou tetraplégico, incêndios e atentados
serão aplicáveis às pessoas a
com explosivos caseiros em mesquitas, respeito das quais houver razões
e s p a n c a m e n t o s , of e n s a s v e r b a i s, sérias para pensar que:
a) Elas cometeram um crime contra
depredações, entre outros. Muitos dos casos a paz, um crime de guerra ou um
de ofensas verbais se concentravam contra crime contra a humanidade, no
mulheres mulçumanas, facilmente sentido dos instrumentos
internacionais elaborados para
identificáveis por seus véus69. prever tais crimes.
67
Ver HALL, Julia. The Treatment of Asylum Seekers and Migrants in the Context of the Global “War on
Terror”. Proceedings of the Annual Meeting (American Society of International Law), Vol. 98 (MARCH
31-APRIL 3, 2004), p. 259.
68
Ver HUMAN RIGHTS WATCH World Report, 2002. Refugees, Asylum Seekers, Migrants, And Inter-
nally Displaced Persons, p.640.
69
Extraído de BBC News -UK- Racist attack on Afghan taxi driver. Disponível em: <http://news.bbc.co.uk/2/
hi/uk_news/1548981.stm> Acesso em 28 de agosto de 2012.
70
Ver GONZÁLEZ, Juan Carlos Murillo. Os legítimos interesses de segurança dos Estados e a proteção dos
refgiados. SUR - Revista Internacional de Direitos Humanos, Ano 6- Número 10, São Paulo, 2009, p. 130-
131.
b) Elas cometeram um crime grave Juan Carlos González define três níveis
de direito comum fora do país de
nos quais a aplicação de normas que
refúgio antes de serem nele
admitidas como refugiados. priorizam a segurança nacional
c) Elas se tornaram culpadas de atos comprometem a efetivação dos direitos dos
contrários aos fins e princípios das
Nações Unidas71.
refugiados, bem como dos direitos
humanos74. O primeiro nível é o de acesso
A resolução 1456 de 2003 do Conselho ao território, no qual um maior controle
de Segurança das Nações Unidas submete as fronteiriço de imigração leva a um aumento
ações de combate ao terrorismo ao direito do fluxo de imigrantes ilegais. Nesse
internacional, principalmente aos direitos âmbito, ainda se somam as violências que
humanos e ao direito de refugiados, de podem sofrer um grupo de migrantes no
forma que estes objetivos não violem as trânsito ao país de destino, incluindo não
obrigações dos Estados para com a serem capazes de cruzar fisicamente a
legislação internacional: fronteira dos Estados e tornarem-se
deslocados internos. Nos Estados Unidos,
States must ensure that any measure por exemplo, após o 11 de setembro,
taken to combat terrorism comply
with all their obligations under medidas rigorosas foram adotadas, levando a
international law, and should adopt situações como a descrita a seguir:
such measures in accordance with
international law, in particular Some 752 non-nationals were placed
international human rights, refugee, in custody for routine immigration
and humanitarian law;72 violations, because they were
"presumed guilty" of links to
Desta forma, considerar que questões de terrorism, and were subjected to
segurança nacional possam representar uma unique practices and rules not used
cláusula de exclusão adicional à definição de for other visa violators. They thus
suffered a number of human rights
refugiado é uma má interpretação da abuses, such as prolonged and
Convenção de 1951 e de outras normas e sometimes arbitrary detention and
physical ill-treatment.75
dispositivos da legislação internacional73.
71
Ver Convenção de 1951 Relativa ao Estatuto dos Refugiados. Adotada em 28 de julho de 1951 pela Confe-
rência das Nações Unidas de Plenipotenciários sobre o Estatuto dos Refugiados e Apátridas, convocada pela
Resolução n. 429 (V) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 14 de dezembro de 1950. Entrou em vigor
em 22 de abril de 1954, de acordo com o artigo 43. Série Tratados da ONU, Nº 2545, Vol. 189, p. 137.
72
Ver United Nations Security Council Resolution 1456 (2003). Adopted by the Security Council at its 4688th
meeting, on 20 January 2003. Disponível em <http://www.un.org/Docs/scres/2003/sc2003.htm> acesso em 10
de maio de 2012.
73
Ver GONZÁLEZ, Juan Carlos Murillo. Os legítimos interesses de segurança dos Estados e a proteção dos
refgiados. SUR - Revista Internacional de Direitos Humanos, Ano 6 • Número 10 • São Paulo • Junho de
2009, p. 126.
74
Ibidem, p. 125.
75
Ver HALL, Julia. The Treatment of Asylum Seekers and Migrants in the Context of the Global "War on Ter-
ror”. Proceedings of the Annual Meeting (American Society of International Law), Vol. 98 (MARCH 31-
APRIL 3, 2004), p. 259.
O segundo nível é o processo para direitos.
determinar a condição de refugiado. Para um amplo entendimento dos
Adotando critérios cada vez mais restritivos, problemas do refúgio e das dificuldades que
cláusulas de exclusão e ressalvas, muitos enfrenta um refugiado, é importante
países distorcem o sentido original da considerar a receptividade da população na
Convenção de 1951, de proteção abrangente qual ele será inserido. A visão que o Estado
e efetiva dos refugiados, sem distinções de que o recebe faz deste grupo também é
etnia, raça, religião e nacionalidade. essencial para que tanto a segurança
Questões como nacionalidade e religião se nacional como os direitos dos refugiados
tornaram as mais complexas, já que sejam garantidos.
oficialmente não devem ser condicionantes
ou excludentes para a aceitação do 5. DESAFIOS DA INSTITUIÇÃO DO
refugiado; porém, Estados têm se atentado a REFÚGIO NO SÉCULO XXI
elas com cada vez mais frequência para
permitir ou não a entrada de solicitantes de Antes de analisar as dificuldades
refúgio em seus países76, o que afeta enfrentadas pelo coletivo de refugiados nas
principalmente afegãos e mulçumanos no primeiras décadas do último século, é
pós-11 de setembro. importante notar que seu status na esfera
Por fim, é possível destacar a relação individual já evoca desafios. Ser refugiado
entre o exercício de direitos individuais e a implica ter sido desprovido de seu lar, do
busca de soluções duradouras para o seu contexto social, do que lhe era familiar
problema dos refugiados com a segurança e e, frequentemente, do que lhe atribuía senso
estabilidade nacionais. Em casos em que não de identidade.
há segurança, aumenta o espaço para a Hannah Arendt ilustra tais sentimentos
xenofobia, que advém da desinformação por ao escrever sobre o exílio, a violência de ter
parte da população do país de acolhida e em de apagar as lembranças e a necessidade de
grande medida, das informações incorretas e adaptar-se, visto que a autora, por ser judia,
preconceituosas frequentemente veiculadas teve de fugir da Europa no período da II
pela mídia. Essa situação influencia Guerra Mundial77. Arendt menciona o
negativamente a integração dos refugiados, próprio termo “refugiado” como sendo uma
repatriados e reassentados na sociedade, denominação para pessoas que têm a
impedindo-os de gozar plenamente de seus infelicidade de chegar a um país sem meios

76
Nas palavras de González: “Uma vez que o elemento chave é determinar se existe ou não um ‘temor fundado
de perseguição’ por um dos motivos protegidos, hoje, em alguns países, leva-se em conta a forma de entrada no
país, a nacionalidade, a origem étnica ou a região da qual provém o solicitante”. GONZÁLEZ, Juan Carlos
Murillo. Os legítimos interesses de segurança dos Estados e a proteção dos refugiados. SUR - Revista Inter-
nacional de Direitos Humanos, Ano 6, Número 10, São Paulo, junho de 2009, p. 124.
77
ARENDT, Hannah. We Refugees. In: Altogether Elsewhere: Writers on Exile (1943). Editado por Marc
Robinson. Editora: Faber and Faber. 1994. p. 110.
de sustento e que necessitam ser ajudadas sendo uma das formas mais eficazes de, a
por agências. longo prazo, evitar mais fluxos de
De fato, muitas sequelas são originadas deslocamentos forçados.
com o processo de deslocamento forçado. A
perda de identidade, quando essa é vista 5.2. NOVAS DEFINIÇÕES
como sentimento de pertencimento, é uma
experiência extremamente traumática que 5.2.1. Refugiados x Deslocados
gera incertezas sobre o futuro. Por vezes, Ambientais
abandona-se o que um dia teria sido comum
ou mesmo confortável, e se cria uma espécie A necessidade de maior abrangência de
de anomia, conforme conceito desenvolvido definições vigora à medida que a sociedade
por Émile Durkheim78, concebida através da sofre transformações constantes, resultado
ausência do sentimento de integração em de alterações no meio ambiente e em
uma sociedade. regimes políticos. Um dos mais alarmantes
A partir da afirmativa reconhecida pela fatores que têm exigido a ampliação da
Declaração de San José de 199479 de que a classificação dos refugiados é o
violação dos Direitos do Homem é uma das deslocamento humano por condições
principais causas do deslocamento forçado ambientais adversas, como:
de pessoas, a não garantia de tais direitos a rise in average temperatures, often
potencializa a vulnerabilidade dos referred to as ‘global warming’;
changes in rainfall patterns leading
indivíduos. Tal situação gera receios não
to floods, droughts and, in some
previstos nas classificações formais, mas areas, desertification; extreme and
que são igualmente legítimos para que estas unpredictable weather patterns
leading to more numerous and
pessoas tenham condições dignas de vida, intense natural disasters; and, the
conforme previstas pelo direito melting of glaciers and the polar ice-
internacional80. Desta forma, o respeito aos caps resulting in rising sea-levels
and coastal erosion, rendering low-
direitos humanos deve ser percebido como lying areas uninhabitable81.

78
Émile Durkheim aponta a anomia como um dos fatores que conduzem pessoas a, sem vínculos sociais, bus-
carem o suicídio como alternativa ao sofrimento. Este menciona também a emigração como fator redutor do
índice de ocorrência de suicídios. (DURKHEIM, Émile, tradução de Monica Stahel. O suicídio: estudo de so-
ciologia;. - São Paulo: Martins Fontes, 2000. P. 311.)
79
Como é descrito em uma das considerações iniciais da Declaração de San José sobre Refugiados e Pessoas
Deslocadas, de 1994: “Considerando que a violação dos direitos humanos é uma das causas das deslocações de
população e que, portanto, a salvaguarda dos mesmos é um elemento essencial tanto para a proteção dos deslo-
cados como para a busca de soluções duradouras”.
80
Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembleia
Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, em seu artigo 3º, prevê que “todo indivíduo tem direito
à vida, à liberdade e à segurança pessoal” e, no artigo 5º, “ninguém será submetido à tortura nem a penas ou
tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.” (grifo nosso).
81
GUTERRES, António. Climate Change, Natural Disasters and Human Displacement: a UNHCR perspec-
tive. United Nations High Commissioner for Refugees (UNHCR). 23 de outubro de 2008. Nota da p. 1.
Ainda mais ampla do que a questão de crê-se que os exemplos de deslocamentos
mudanças climáticas, a má distribuição de causados por desastres naturais são muito
recursos do planeta e os danos causados por específicos e divergentes entre si,
fenômenos naturais como epidemias, envolvendo outras variáveis que
furacões, terremotos, vulcões e tsunamis dificultariam classificá-los de forma
têm deixado milhões de pessoas à margem generalizada83. Através da análise casuística,
de suas sociedades, sofrendo com a fome, alguns refugiados sob novas categorias que
insegurança e medo, sem condições básicas transcendem a de temor de perseguição “em
de vida prevista pela Declaração de Direitos virtude da sua raça, religião, nacionalidade
do Homem. ou opinião política”84 logram refúgio do
A definição de “refugiado ambiental” foi ACNUR. Atualmente o maior campo de
estabelecida pelo Programa das Nações refugiados do mundo, em Daadab, no
Unidas para o Meio Ambiente da seguinte Quênia, possui grande parte de seus
forma: habitantes provenientes de situações de
extrema seca e fome na Somália85.
“Refugiados ambientais são pessoas O ACNUR, ao contabilizar os indivíduos
que foram obrigadas a abandonar aos quais presta auxílio, classifica os não
temporária ou definitivamente a
zona tradicional onde vivem, devido oficialmente reconhecidos como refugiados
ao visível declínio do ambiente (por em “Refugee-like situations” e “people of
razões naturais ou humanas)
concern”. Tais grupos de pessoas
perturbando a sua existência e/ou a
qualidade da mesma de tal maneira correspondem àqueles que, dentre outras
que a subsistência dessas pessoas razões, buscam escapar de situações de
entra em perigo.”
“Por declínio do ambiente se quer
instabilidade política de seus Estados de
dizer, o surgir de uma origem e questões associadas ao meio
transformação, tanto no campo ambiente86. Contudo, não há interesse por
físico, químico e/ou biológico do
ecossistema que, por conseguinte, parte do ACNUR, segundo António
fará com que esse meio ambiente Guterres, Alto Comissário da Agência desde
temporário ou permanentemente não 2005, em expandir os termos da definição de
possa ser utilizado.” (Environmental
Refugees, PNUMA, 1985)82 refugiado reconhecida por eles, pois

No que tange aos refugiados ambientais, arriscaria sua renegociação que, no

82
Definição de refugiados ambientais do PNUMA traduzida e disponibilizada por “Living Space for Environ-
mental Refugees: ” Disponível em: <http://www.liser.eu/>. Acesso em 11 de julho de 2012.
83
MATTAR, Marina Rocchi Martins. Deslocamentos Ambientais: O Caso dos Pequenos Países Insulares. São
Paulo, Junho 2011. Pág.11.
84
Estatuto do ACNUR, cap II. 6 (ii)
85
MSF. Daadab: Shadows of lives. Junho 2012. Disponível em <http://www.msf.org.br/arquivos/uploads/
daadab.pdf> Acessado em 14 de junho de 2012.
86
BETTS, Alexander; LOESCHER, Gil. Refugees in International Relations. University of Oxford, 2011.
p.2
atual contexto, poderia resultar em majoritariamente como “migrantes”, que se
uma redução do grau de proteção
arriscam ao irem para outro país em busca
dos refugiados e até prejudicar o
regime internacional de proteção ao de melhores condições de vida. Contudo,
refugiado como um todo. Não é o frequentemente sofrem violações de direitos
objetivo do ACNUR estender seu
mandato, mas sim cumprir sua
humanos neste processo e são submetidos a
obrigação de alertar a comunidade situações degradantes que os privam de sua
internacional sobre as lacunas de própria dignidade humana.
proteção que estão surgindo87.
O argumento pode ser reiterado com a
Mesmo no que concerne aos direitos crítica do professor Antônio A. Cançado
garantidos pelas definições legais já Trindade, de que ”as fronteiras têm sido
existentes do ACNUR e demais convenções, abertas para bens, capitais e serviços, mas
cabe aos Estados soberanos internalizá-los não para pessoas”89. Segundo Cançado
ou não. Além disso, esses Estados também Trindade, todas as pessoas, por sua condição
devem fiscalizar o cumprimento das humana, estão protegidas pelo Direito
obrigações conjuntamente acordadas tanto Internacional, independente de seu estado
em seu contexto nacional como no jurídico. Sejam elas apátridas, IDP’s,
internacional. refugiados, migrantes econômicos ou sob o
rótulo de quaisquer outras classificações, são
5.2.2 Migrantes x Refugiados seres humanos. São todos dignos de
econômicos possuírem seus direitos assegurados90.
O questionamento, portanto, configura-
A relutância dos Estados em receber se na forma como tais direitos serão
solicitantes de asilo, assim como a garantidos. Muitos Estados são incapazes de
dificuldade de categorizar refugiados proteger os direitos de seus próprios
ambientais, torna a questão das migrações cidadãos, o que constantemente impede que
desse tipo ainda mais complexa e pouco eles consigam fornecer todas as medidas de
apoiada internacionalmente 88 . Nesse auxílio a refugiados e demais grupos
contexto, surge também a categoria dos vulneráveis. Alexander Betts e Gil Loescher,
“ r e f u gi a do s e c o nô mi c o s ” , v i s t o s escrevem que “Conceptually, what connects
87
GUTERRES, António. Millions Uprooted: Saving refugees and the displaced. Foreign Affairs Magazine.
Setembro/Outubro 2008.
88
Ver nota 81. P. 2.
89
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Uprootedness and the protection of migrants in the Internatio-
nal Law of Human Rights (Desarraigamento e a proteção dos migrantes no Direito Internacional dos Direitos
Humanos). Revista Brasileira de Política Internacional, nº 51 (1), 2008, p 137.
90
Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 1º, prevê que “todos os seres humanos nascem
livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os ou-
tros em espírito de fraternidade”. Em seu artigo 6º, “todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento, em
todos os lugares, da sua personalidade jurídica.” E, no artigo 7º, “todos são iguais perante a lei e, sem distinção,
têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a
presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação”.
these categories of people [refugees] is that As limitações estatais e o argumento da
the assumed relationship between state and proteção à segurança nacional colaboram
citizen is likely to have broken down91”. Os para que os Estados tendam a beneficiar
autores prosseguem acentuando que as seus próprios cidadãos em detrimento dos
necessidades geradas pela condição dos não nacionais, ainda que a Convenção de
refugiados os faz lograr uma interação em 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados
níveis da sociedade que vai além das preveja um tratamento igualitário94. Desta
tradicionais relações estatais, considerando a forma, ameaças de instabilidade econômica,
importância da ação das organizações e desemprego e possíveis inseguranças como
demais agentes nas relações internacionais o terrorismo fazem com que os Estados
no auxílio à proteção dos direitos do tendam a fechar suas fronteiras e restringir a
indivíduo92. entrada de estrangeiros.
A cooperação suscitada pela questão dos Cançado Trindade declara ser uma
refugiados não envolve só a tentativa de que questão de “mentalidade”95, pois normas
instituições como a ONU e os Estados básicas de respeito ao indivíduo já existem
soberanos reconheçam e auxiliem a pôr em no âmbito internacional, mas falta
prática os direitos dos deslocados forçados. reconhecimento de tais valores para fins de
Envolve, também, o auxílio dado aos aplicação dos mesmos. O autor preconiza a
refugiados através do engajamento da necessidade de prevalência do ser humano
sociedade civil em ações paraestatais para sobre questões de bens e capitais e a garantia
sua integração. Essas ações são cruciais para dos direitos aos indivíduos deslocados,
que estes recuperem o sentimento perdido de “principalmente aos ilegais”, a fim de
inclusão social. Um dos principais desafios é pr ese r var a di g ni da de hu ma na ,
a classificação de crianças nascidas nos independentemente de sua situação jurídica.
campos de refugiados que se encontram em Quiçá, a maior dificuldade não seja
um limbo jurisdicional visto que não são legalizar as novas classificações que
refugiadas, mas também não são cidadãs do identificam a vulnerabilidade dos indivíduos
país onde residem e muitas vezes não que se deslocam compulsoriamente de seus
possuem sequer a mesma nacionalidade de lares, mas uma conscientização do respeito
seus pais, figurando em uma condição ao ser humano per si, independente de sua
semelhante aos apátridas93. condição legal/financeira/jurídica. Esse
91
BETTS, Alexander; LOESCHER, Gil. Refugees in International Relations. University of Oxford, 2010.
p.6.
92
Ibidem. p. 6-8.
93
Vale ressaltar também que nem todo apátrida é um refugiado. Para conhecer mais acerca da apatridia, ler a
Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, aprovada em Nova Iorque, em 28 de Setembro de 1954. Disponível
em: <http://www.cidadevirtual.pt/cpr/asilo2/2cea.html#a1> Acesso em 17 de julho de 2012.
94
Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados. Organização das Nações Unidas, 1951. Questão
mencionada em diversos artigos, a saber: artigos 4, 8, 14, 15, 17, 20, 22, 23, 24, 25 e 29.
95
Ver nota 87. P. 150.
trabalho ocorre necessariamente com a ajuda de pessoas deslocadas internamente, que
de toda a sociedade civil, que atua também aumenta todos os anos, e o fechamento das
na inserção local do refugiado e do migrante fronteiras por supostas questões de
em geral, a partir do reconhecimento de seus segurança nacional. O sistema precisa ser
direitos humanos e da luta para que sejam reforçado para solucionar os novos
respeitados. problemas, e para tal é necessário vontade
política dos Estados juntamente com a
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS coordenação do ACNUR e o apoio da
sociedade civil internacional
Os mecanismos internacionais de (principalmente ONGs), além da pressão da
proteção aos refugiados caracterizados opinião pública internacional. É importante
primeiramente pela Convenção de Genebra evidenciar que o regime dos refugiados não
de 1951 e depois pela criação do Alto pode ser analisado apenas como uma
Comissariado das Nações Unidas foram questão de direito internacional, mas sim
pensados para serem temporários, de modo como uma situação que envolve debates
que resolvessem a situação dos europeus contemporâneos sobre segurança estatal e
deslocados durante a Segunda Guerra individual e sobre o lado político da ajuda
Mundial96. Contudo, frente aos desafios e às humanitária.
percepções dos Estados sobre eles, foram A problemática dos refugiados é política
evoluindo a fim de lidar com as novas e não apenas humanitária, visto que a
questões que lhes foram impostas, como a escolha de fazer parte do regime e de
necessidade de acabar com a reserva cumprir suas obrigações internacionais parte
geográfica e temporal e de englobar pessoas exclusivamente dos Estados, assim como a
oriundas de conflitos complexos que concessão de proteção para seres humanos
misturam o nacional e o internacional. que não fazem parte de sua população. Para
No século XXI, o regime de proteção a Rossana Rocha e Julia Moreira, a
pessoas que necessitam de refúgio enfrenta Convenção de 1951 pode ser considerada
outras dificuldades que não foram pensadas um passo fundamental no direito
na época de sua elaboração: novas internacional por conter a cláusula da não
categorias de indivíduos que precisam de devolução e criar obrigações para os Estados
assistência, mas não são abarcados pelas partes frente a indivíduos que não são seus
definições formais de refugiados cidadãos97. Contudo a concessão do asilo
(principalmente deslocados por motivos (ou refúgio) seria sempre uma decisão
ambientais e econômicos), o enorme número política baseada em cálculos entre os

96
Ver ROCHA, Rossana Reis e MOREIRA, Julia Bertino. Regime Internacional para refugiados: Mudanças e
Desafios. Revista Sociologia Política, Curitiba, v. 18, out. 2010, p.18.
97
Ibidem, p. 20.
interesses nacionais do Estado e o controle seria representada pelos refugiados101, visto
de suas fronteiras e território98. Assim, “toda que sua própria existência demonstra que os
a lógica e dinâmica inerente à questão dos Estados foram incapazes de proteger seus
refugiados tem como engrenagem a esfera nacionais.
política do Estado-nação e as relações entre Além disso, a problemática de pessoas
Estados e organizações no cenário deslocadas de modo forçado deveria ser
internacional” 99. Dessa maneira, é possível tratada como uma preocupação que atinge a
observar que os Estados preocupados com comunidade internacional como um todo e
seus interesses nacionais (dentre eles não apenas os países diretamente envolvidos
segurança) tomam decisões políticas que nos fluxos migratórios. Assim, é necessário
influenciam diretamente nos direitos desse o diálogo e a cooperação entre os Estados
grupo. que originam e os que recebem refugiados e
Para Betts e Loescher, as causas que todos os outros atores que fazem parte do
originam deslocamentos forçados seriam regime. Cançado Trindade acredita que “the
políticas100. Também a principal agência problem of forced population fluxes ought to
pensada para coordenar o regime dos be treated as a truly global issue, concerning
refugiados por sua concepção estrutural e the international community as a whole”102.
falta de autonomia seria política. Ainda que Isso é importante porque a questão dos
se proponha a apolítico, o ACNUR se traduz refugiados não representa apenas uma
como uma organização política influenciada situação isolada oriunda de problemas
pelos interesses daqueles que o apoiam e de internos do país de origem. É importante
que dele precisam. O que reforça a ideia de analisar também o contexto internacional,
que o regime em si seria mais político do por quais motivos e com que objetivos essas
que humanitário. pessoas se deslocam para que sejam
Uma das dificuldades de repensar esse encontradas respostas comuns a fim de
sistema internacional seria justamente a falta minimizar a situação de sofrimento e
de vontade política dos Estados de discuti-lo garantir assistência para quem dela precisa.
e de se comprometerem com ações A melhor maneira de lidar com
concretas. Segundo Alexander Betts e Gil refugiados é evitar que seu número aumente,
Loescher, uma parte significativa do foco ou seja, tentar impedir possíveis causas de
internacional crescente na fragilidade estatal deslocamentos forçados. Quando isso não é

98
Ibidem, p. 18
99
Ibidem, p. 21.
100
Tradução livre de BETTS, Alexander e LOESCHER, Gil. Refugees in International Relations. Oxford:
Oxford University Press, 201, p.12.
101
Ibidem, p 10.
102
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Uprootedness and the protection of migrants in the Internatio-
nal Law of Human Rights (Desarraigamento e a proteção dos migrantes no Direito Internacional dos Direitos
Humanos). Revista Brasileira de Política Internacional, nº 51 (1), 2008, p.162.
viável, a resposta mais favorável seria assistência.
trabalhar para resolver as questões locais em Os pontos abordados nesse artigo são
seu país de origem que motivaram a pessoa apenas algumas questões que surgem ao
a procurar refúgio, de modo que possa tratar da temática do regime internacional de
ocorrer sua repatriação voluntária. Como proteção de refugiados que, como foi
mostra Rocha e Moreira, a ação preventiva exposto, abrange ainda várias outras
tem sido a posição de países desenvolvidos - categorias de pessoas que não se encaixam
o que pode ser observado pelo nas definições jurídicas formais. Contudo,
financiamento de programas dirigidos para esse assunto merece ser melhor estudado
Estados que originam refugiados 103. pelas Relações Internacionais em diversos
Segundo Goodwin-Gill âmbitos. Como mostram Betts e Loescher

UNHCR and others engaged in the study of forced migration has


providing protection and assistance enormous relevance for IR. It
could identify potential or even touches upon issues relating to
actual refugee receiving countries, international cooperation,
negotiate employment relief, and globalization, human rights,
train local people in international organizations, regime
communications, computer complexity, the role of non-state
applications, office administration, actors, regionalism, North–South
logistics, relief delivery and relations, and security. There is also
distribution, as well as in the culture a need for a ‘top-down’ level of
of protection and solutions104. analysis in order to understand the
macro-level structures that influence
Medidas que contribuam para evitar o states’ and other international
fluxo de refugiados e para garantir uma actors’ responses to forced
migration.105
maior segurança para esses seres humanos
são importantes para obter soluções duráveis Apesar de seus problemas e novos
para a questão. A ideia de prevenção pode desafios, o sistema de proteção aos forçados
ser vista ainda como uma das maneiras de a se deslocarem consegue cumprir seu papel
garantir a segurança nacional de países e garantir que milhares de pessoas desfrutem
desenvolvidos que seriam os possíveis de condições mínimas de vida. O regime
receptores desses refugiados. Isso impede evoluiu para resolver as questões que lhe
que esses Estados tenham de lidar com foram colocadas anteriormente. Da mesma
enormes fluxos de pessoas entrando em seus forma, é provável que aconteça nos
territórios nacionais e demandando próximos anos para que esse lide melhor

103
ROCHA, Rossana Reis e MOREIRA, Julia Bertino. Regime Internacional para refugiados: Mudanças e
Desafios. Revista Sociologia Política, Curitiba, v. 18, out. 2010, p.26.
104
GOODWIN-GILL, Guy S. Refugees: Challenges to Protection. International Migration Review, vol. 35,
nº 1, Special Issue: UNHCR at 50: Past, Present and Future of Refugee Assistance, spring 2001, p.139.
105
BETTS, Alexander e LOESCHER, Gil. Refugees in International Relations. Oxford: Oxford University
Press, 201, p.03.
com a problemática do refúgio. Em suma, o atores envolvidos no regime e considerações
direito internacional dos refugiados depende sobre segurança estatal e individual.
de um equilíbrio que envolva proteção dos
direitos humanos, vontade política dos

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RESUMO

O século XX se apresenta como um perigo à paz internacional: a


período chave para compreensão das globalização do terrorismo. Desse
relações internacionais modo, usando-se de uma abordagem
contemporâneas – um período quando histórica, o presente artigo tem por
se globalizou, de facto, a Sociedade objetivo mapear o processo histórico
Internacional Européia. Neste sentido, que resultou na atual sociedade
a nova ordem, emergida após a internacional global e, a partir disso,
Guerra Fria, consolidou a chamada delinear os principais desafios a serem
Sociedade Internacional Global, cuja enfrentados na esfera da segurança
principal característica é a internacional após dos atentados
coexistência entre um sistema terroristas de 11 de setembro de 2001.
multipolar na esfera econômica e um
unipolar norte-americano na esfera da Palavras-Chave: Sociedade
segurança internacional. Internacional Global; Terrorismo;
Concomitantemente, muitos História das Relações Internacionais.
comemoravam, de forma otimista, a
“vitória” da ideologia liberal
americana face às suas concorrentes,
entre as quais o exemplo mais óbvio é
o socialismo. Contudo, contrariando
as expectativas, o alvorecer do novo
milênio se viu marcado pela
assustadora ascensão de um novo
1
Graduando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB)
(lclab90@gmail.com).
2
Graduanda em Relações internacionais pela Universidade de Brasília (UnB)
(fernandafdfreitas@gmail.com).
ABSTRACT 1. INTRODUÇÃO

The twentieth century appears to be a key O século XX figura como um dos


period to understand the contemporary
períodos de mais profundas modificações no
international relations – a period when the
International European Society was, de campo das Relações Internacionais. Com o
facto, globalized. In this sense, the new advento de uma nova sociedade
order emerged after the Cold War internacional3, pautada na dissolução da
consolidated the so-called Global
chamada bipolaridade, segundo José F. S.
International Society, whose main
characteristic is the coexistence of a Saraiva (2007) ainda na década de 1970,
multipolar system in the economic sphere quando se conformou, primeiramente no
and an American unipolar one in the sphere campo econômico, a denominada
of International Security. At the same time,
multipolaridade. Assim:
many people optimistically celebrated the
"victory" of the American liberalism
A multipolaridade e a recomposição
ideology upon their competitors, among
da balança de poder a favor da
which the most obvious example is Europa e de certas partes da Ásia,
socialism. However, against all the especialmente do Japão e da China,
expectations, the dawn of the new seriam [...] [a] maior contribuição
millennium was marked by the rise of a [da década de 1970] à diversidade
frightening new threat to the international nas relações internacionais
peace: the globalization of terrorism. Thus, (SARAIVA, 2007, p. 233).
using a historical approach, this article
aims to map the historical process that has Essa caracterização, todavia, se deve não
led to the current Global International
apenas às Grandes Guerras e à Guerra Fria,
Society and, from this starting point, outline
the main challenges to be faced in the mas também à nova configuração de poder
sphere of international security after the por elas gerada, a qual ainda hoje condiciona
terrorist attacks of September 11, 2001. fortemente o cenário internacional, tanto em
sua distribuição de poder quanto acerca dos
KEYWORDS: Global International Society;
Terrorism; History of International fenômenos nele presentes, como os
Relations. movimentos nacionalistas, cuja emergência
se fez ainda no século XIX, e o terrorismo.

3
Para fins práticos, distinguir-se-á nesse artigo o termo “sistema internacional” de “sociedade internacional”,
segundo os critérios expostos por Adam Watson e Jean-Baptiste Duroselle. Nesse sentido, concebe-se como
sistema internacional “um conjunto de elementos interligados por um conjunto de relações” (DUROSELLE,
2000, p. 21), ou seja, uma estrutura inicial básica advinda do mero reconhecimento, por um ser, da existência
do outro e que gera. No âmbito internacional, concebe-se, em um sistema, que as entidades políticas encontram
-se suficientemente envolvidas umas às outras, de modo a terem o seu comportamento modificado por certas
pressões conjuntas e a relacionarem-se mutuamente de alguma maneira, seja sob a forma de unidades indepen-
dentes, de suseranas, impérios, ou de quaisquer outras organizações que lhes sejam características (WATSON,
2002). Já por sociedade internacional entende-se um conjunto de relações mais desenvolvido, resguardado por
acordos formais e regras, sejam estes voluntários ou impostos, advindos de um relacionamento mais intenso e
regular entre os seus membros (WATSON, 2002).
Até mesmo a sua periodização, baseada no distanciamento temporal que o
aparentemente simples, é sujeita a historiador possui de seu objeto de estudos –
questionamentos como os de Eric o passado – possibilita que ele selecione os
Hobsbawn, Paul Bairoch e Ivan Berend, que elementos que lhes sejam úteis ao seu
o conceituam como o “Breve Século XX”, estudo; que ele analise simultaneamente
indo de 1914 a 1991. Tal século seria, mais de um lugar ou tempo e que ele se
portanto, segundo Eric Hobsbawn (1995), desloque facilmente da escala micro- para a
iniciado com a Primeira Guerra Mundial e macroscópica em sua análise.
se encerrado com a queda da União Portanto, esses três elementos
Soviética. Na História das Relações (seletividade, simultaneidade e mudança de
Internacionais, todavia, tal tema é escala) possibilitam ao historiador uma
amplamente estudado devido à sua analise que, não obstante limitada pelas
relevância para a compreensão dos grandes evidências e pela necessidade de se ater aos
temas da área atualmente. fatos, é, na medida do possível, completa e
A despeito de sua importância, a geral, revelando a visão única do historiador
historiografia tradicional do período ainda se e de se tempo quanto aos acontecimentos
encontra em fase de maturação, devido à passados.
proximidade dos observadores em relação a Por outro lado, como visto na segunda
esse século, o que coloca, em geral, torna o parte deste artigo – aquela que focará nos
historiador mais suscetível às influencias elementos da segurança internacional após
políticas e aos julgamentos morais os atentados de 11 de setembro de 2001, em
determinados por sua própria especial na análise do próprio terrorismo
contemporaneidade com os fatos enquanto elemento caracterizador do novo
apresentados. século – poder-se-á observar que tal
Contudo, acredita-se que o ainda capacidade de análise historiográfica tornar-
pequeno distanciamento temporal que se-á ainda mais limitada, tão mais próximo
possuímos do período em questão já nos for o objeto de estudos em questão. Essa
permite a vantagem daquilo que John L. análise é igualmente dificultada pela grande
Gaddis (2002) denominou de “visão difusão geográfica do fenômeno do
ampliada” (“a wider view”), ou seja, a terrorismo, que atualmente atinge todas as
capacidade do historiador de observar os partes do globo.
acontecimentos passados como um todo, Entretanto, tal limitação é parcialmente
como uma grande paisagem “enevoada” a compensada por uma relativamente maior
ser descoberta e descrita, a partir das disponibilidade de dados, possibilitada pelos
evidências deixadas pelos que lá viveram. avanços tecnológicos nos meios de
Assim, continua Gaddis, essa “visão comunicação que, segundo Jean-Baptiste
panorâmica” dos acontecimentos passados, Duroselle (2000), possibilitaram “saber
imediatamente ou em alguns centésimos de internacionais que levaram à conformação
s e g u n d o f e n ô m e n o s do que Adam Watson (2002) denominou de
distantes.” (DUROSELLE, 2000, p. 20). “Sociedade Internacional Global”. Para isso,
Feitas essas considerações iniciais e será estudada, inicialmente a expansão do
tendo em vista as limitações inerentes da sistema internacional europeu para além do
própria análise aqui delineada, o presente Velho Continente, ainda no século XIX;
artigo terá como foco, principalmente, o posteriormente a gestação e a maturação de
final do século XX. Isso se deve às um novo sistema global, que sobrepujará o
mudanças observadas nesse período em ainda limitado sistema europeu, durante o
relação ao início do século, tal como a queda período que se inicia na Primeira Guerra
do eurocentrismo4, possibilitada a partir da Mundial, finalizando-se apenas com a
ascensão inédita de duas superpotências Segunda Guerra, seguido por um período de
extra-europeias, a intensificação da consolidação dessa nova ordem,
globalização e, finalmente, a queda do dito verdadeiramente mundial, e marcado pela
socialismo “real”, a partir da dissolução da bipolaridade. Por fim, realizaremos breves
União Soviética, em 1991, evento este que, considerações acerca do período atual,
de acordo com Hobsbawn (1995), destruiu o objeto de estudo da terceira parte do artigo.
sistema internacional que dera estabilidades A terceira parte consiste em um estudo
às relações internacionais durante cerca de breve, porém denso, acerca dos desafios da
quarenta anos. segurança internacional após os atentados
terroristas de 11 de setembro de 2001. Para
1.1. A ESTRUTURA tal, exploramos, inicialmente, a emergência
DO ARTIGO do fenômeno do terrorismo, enquanto
grande marca característica desse novo
Quando à organização, este artigo divide- período e que o distingue,
se em quatro partes principais. A primeira consideravelmente, dos que o precederam.
dela consiste na própria introdução aqui Nesse sentido, enfatizar-se-á,
apresentada, na qual se procurou delinear os primeiramente, os problemas de
limites e as vantagens da abordagem conceitualização intrínsecos a tal fenômeno.
historicista, porém política, aqui abordada, Feitas essas considerações, avançaremos
principalmente quando aplicada a estudos de para uma breve descrição das conflagrações
objetos temporalmente mais recentes. recentes do terrorismo, visando, assim,
A segunda parte tem por objetivo analisar imbuir nossa analise de um necessário teor
as modificações no sistema e na ordem empírico. Em seguida, focaremos,

4
Entendido, para fins práticos, como a centralização da gerência do sistema internacional nas potências euro-
peias. Estudos mais aprofundados sobre esse tema poderão ser encontrados em obras como, por exemplo, as
de estudiosos da vertente teórica pós-colonialista, como, a título de exemplo, “Orientalism”, publicada em
1978 por Edward Said.
especificamente, nos Estados Unidos, estratégias” (WATSON, 2002, p 265,
considerado como o principal ator que move tradução livre).
no cenário internacional no século XXI. Entretanto, as origens dessa nova
Assim, discorremos especificamente acerca sociedade global podem ser vista ainda no
da chamada Doutrina Bush e de suas século XIX, quando os europeus, cujas
especificidades. Por último, expomos, a pretensões expansionistas já se faziam sentir
titulo de conclusão e buscando incitar o em escala mundial, segundo Watson (2002),
debate sobre os assuntos aqui abordados, desde as cruzadas medievais, deram novo
algumas indagações acerca do rumo atual vigor ao processo de alargamento de seu
dos acontecimentos internacionais. sistema internacional.
Nesse século, assim, foram incorporados
2. A MUNDIALIZAÇÃO DAS aos grandes “impérios” europeus os últimos
RELAÇÕES INTERNACIONAIS redutos existentes no Sul e no Leste
Europeu, as “civilizações avançadas da Ásia
2.1. A EMERGÊNCIA DE UMA e do Mediterrâneo e as comunidades mais
NOVA ORDEM primitivas da África e da
Oceania” (WATSON, 2002, p 268, tradução
Surgida ainda em meio aos eventos da livre), a partir daquilo que se passou a
Segunda Guerra Mundial, a nova cunhar de neocolonialismo. Ademais,
configuração internacional bipolar assinalou permaneceram sob a responsabilidade
a comunidade internacional no final do coletiva, ou seja, do conjunto de países
século XX, representando uma forma inédita europeus, áreas remanescentes, tal como o
de gerenciamento do sistema internacional decadente Império Otomano e a China.
que rompeu com a tradicional sociedade Esses “impérios”, vale salientar, não
europeia e abrindo espaço para a marcaram o fim das especificidades
consolidação, de facto, daquilo que Adam culturais e sociais presentes em cada um
Watson (2002) denominou de sociedade desses territórios conquistados, mas, ao
internacional global (“global international contrário, dentro dessas grandes estruturas
society”). coexistiam diversas “‘subfronteiras’ internas
Essa nova configuração integrou, de de variedades e de importâncias
forma inédita, as distintas comunidades múltiplas” (DUROSELLE, 2000, p. 67) que,
existentes ao redor do globo em uma única com o afloramento do nacionalismo, ainda
grande sociedade que, baseando-se naquilo no século XIX, culminaram na grande onda
que se convencional denominar de “Estado de descolonização afro-asiática (nos anos
Westfaliano”, ou ainda, de “Estado-nação”, 1950 e 1960).
unificou “todo o mundo em uma única rede Outra característica essencial do sistema
de relações econômicas e europeu em xeque é a sua particular
configuração normativa. Nesse sentido, vale majoritariamente não-europeus, mas
destacar que os valores únicos e, como também por regras e instituições herdadas
diriam os estudiosos de vertente diretamente do antigo sistema (Watson,
construtivista, socialmente construídos ao 2002, p. 277).
longo de conturbada e peculiar experiência
histórica, tinha no respeito às soberanias, na 2.2. A GESTAÇÃO E A
organização social por meio de Estados- MATURAÇÃO
nações e na gerência conjunta por um
“Concerto” formado pelas grandes Conformado o grande sistema
potências, a princípio, europeias as suas internacional, segue-se para a consolidação
máximas essenciais. Tais máximas, com da grande sociedade internacional global,
menor ou maior ênfase, continuarão a que se formará a partir de três fases
regularizar as relações internacionais até a definidas por Watson. A primeira é a própria
atualidade, sobrepujando temporal e expansão do sistema europeu mundialmente
espacialmente a própria sociedade no século XIX. A segunda fase foi marcada
internacional europeia. por um período de desordem que marcou o
Desse modo, não obstante as múltiplas e chamado período entre-guerras e que é, na
únicas experiências sistêmicas que prática, um interregno de autoridade no
coexistiam no interior dessa nova sociedade sistema, quando, enfraquecidos pela Grande
global e a gradual elevação dos Estados Guerra, os europeus se encontravam
Unidos e do Japão ao status de potências incapazes de gerir o sistema internacional,
regionais, a sociedade internacional, como como o faziam até então, abrindo espaço
um todo, permanecia intrinsecamente para as ascensões americana e soviética. A
conectada às nuances e aos terceira fase, finalmente, se dará após o
constrangimentos advindos da término da Segunda Guerra Mundial,
movimentação dos Estados europeus, tanto quando, de facto, emerge um sistema gerido
no velho continente quanto no restante do por dois atores não-europeus (Estados
globo. Unidos e União Soviética) que deverão
Instaurou-se assim, o plano de fundo para remodelar o sistema, criando para isso novas
a consolidação da sociedade internacional regras e instituições (enfaticamente, a
global, e, paralelo a ela, o nosso sistema ONU). (WATSON, 2002, p. 288)
atual, surgido não de uma abrupta revolução, Dessa forma, a movimentação das
tal como a Revolução Francesa de 1789, antigas potências européias no cenário
mas, simplesmente, de uma gradual internacional durante os primórdios do
emancipação da concentração de poder nos século XX terminou por resultar na queda
Estados europeus, e caracterizado por um definitiva do próprio sistema europeu, a
grande número de atores (Estados), partir da Grande Guerra. Essa guerra, assim,
não foi nada mais do que o resultado final de criada a partir da revolução bolchevique
uma intricada combinação de diversos encabeçada por Vladimir Lênin, levou à
fatores unicamente agrupados, tal como, configuração de um império, segundo
segundo Henry Kissinger (1994), a Duroselle (2000) fundado sobre uma teoria
transformação da balança de poder em uma monista (ou seja, que atribui a todos os
verdadeira corrida armamentista pelas eventos possíveis e imagináveis uma única
grandes potências do concerto europeu, a causa fundamental, no caso, a dependência
desenfreada busca pelo poder, especialmente econômica), universalista (no sentido de que
pela Alemanha recém-unificada, o tem pretensões de se difundir por todo o
descolamento das práticas de planejamento mundo, o que pode ser observado na difusão
militar da diplomacia – que dava verdadeira dos partidos comunistas por todo o globo e
autonomia às primeiras – e, finalmente, ao no patrocínio, já na década de 1960, de
acionamento, a partir do assassinato do governos e guerrilhas de matizes socialistas
arquiduque Francisco Ferdinando, de uma ao redor do globo) e fundamentalista.
complexa rede de alianças secretas, firmadas
entre os diversos Estados europeus desde os 2.3. DOS ESCOMBROS DA
tempos de Bismarck. GUERRA, UMA NOVA ORDEM
Em meio à fraqueza dos Estados
europeus resultante da guerra, que terminou Não obstante a importância da Grande
por levar ao fim da sociedade europeia Guerra pode-se considerar que, contudo, foi
expandida globalmente, emergiram os dois a Segunda Guerra Mundial que, de fato,
grandes atores que, até a década de 1970, marcou a emergência do novo sistema e da
deverão protagonizar a gerência das relações nova sociedade internacional global,
internacionais. resultando, como afirma Saraiva (2007), na
Primeiramente, os Estados Unidos, cuja agonia europeia e gestando a nova ordem
pujança econômica crescia internacional. Desse modo, considera-se a
assombrosamente, a ponto de gerar uma Segunda Guerra Mundial como um marco
bolha especulativa que culminaria com a que demarca uma mudança sistêmica brusca
quebra da bolsa de valores de Nova York em ou, em outros termos, um ponto de ruptura5.
1929, gerando uma crise financeira mundial Diversas são as razões às quais se pode
sem precedentes. atribuir a deflagração da Segunda Guerra,
Em segundo, a União Soviética que, se entretanto, vale destacar o nacionalismo
5
No sentido descrito por Gaddis (2002), ou seja, uma transição abrupta de um período de equilíbrio para outro,
que, por si só, deverá se reorganizar, segundo o principio do “self-organization”, segundo o qual a regularidade
existe, mesmo que em sistemas caóticos. Além da Segunda Guerra Mundial, pode-se considerar, para esse tra-
balho, como outros pontos de transição, embora de menor intensidade, a Primeira Guerra Mundial (que marca
o início da fase de transição do sistema europeu, que será coroada com o término da Segunda Guerra); o final
da Guerra Fria, já nos anos 1970; o fim do socialismo real, com a dissolução da União Soviética no inicio da
década de 1990; e os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001.
exacerbado que se desenvolveu, tradicionais, o que elevava o país ao centro
principalmente, na Alemanha como das decisões internacionais de maneira
decorrência do desenvolvimento de um distinta da tradicional ideia de hegemonia
sentimento de revanchismo advindo das coletiva, que presidira até então o
múltiplas e severas cláusulas impostas a ela ordenamento internacional e que se ficara
impostas pelo tratado de Versalhes. impossibilitada, dada a precária posição
Encorpado pela instabilidade econômica, britânica. (SARAIVA, 2007)
pela hiperinflação e pela insuficiência das Com a derrota militar da Alemanha de
políticas levadas a cabo pela Republica de Hitler e com a explosão de duas bombas
Weimar, o revanchismo inspirou a ascensão atômicas pelos Estados Unidos nas cidades
de um governo totalitário e racista em japonesas de Hiroshima e Nagasaki,
Berlim, encabeçado por Adolf Hitler, o que forçando a rendição imediata de Tóquio, tem
levaria ao delineamento de uma política -se inicio um novo sistema internacional.
mundial, a Weltpolitik, e o patrocínio de Nesse sentido, a conferência de Yalta,
uma série de campanhas militares que em 1945, consagrou temporariamente a uma
assolariam a Europa. divisão plurilateral do mundo em zonas de
Paralelamente, desenvolvia-se no influência, a serem geridas pelos aliados
Pacífico um novo império também ocidentais e pela União Soviética, que
expansionista, cuja produção industrial deveriam agir como sócios em um
crescente demandava, segundo acreditavam, “concerto” de nações, inspirado pelo
a conquista de novos territórios na região: o Concerto Europeu do século XIX.
Japão. Entretanto, tal ordem cedeu prontamente
Deste modo, desenvolveram-se duas lugar ao “unilateralismo do poder soviético
guerras simultâneas, uma na Europa e outra na Europa Oriental” (SARAIVA, 2007, p.
na Ásia. Segundo Saraiva (2007), o ponto de 192)
inflexão foi o ano de 1941, quando se A nova sociedade se consolida, então,
finalizou o período de transição ( iniciado na em meio a um sistema internacional, até
Primeira Guerra Mundial), a partir da certo ponto, dúbio. Por um lado, surgia, em
mundialização da guerra, resultado do São Francisco, a Organização das Nações
ataque alemão à União Soviética, em junho, Unidas, com aspiração a se tornar uma
e do japonês às bases americanas de Pearl garantia para a manutenção da paz e da
Harbor, em dezembro (SARAIVA, 2007) cooperação internacionais, mas “sem ignorar
Ademais, nesse mesmo ano, emergia o a existência de desigualdade de status e de
conceito de superpotência – resultado da responsabilidades entre as
superioridade econômica dos Estados potências” (SARAIVA, 2007, p. 192-3), o
Unidos, associada à capacidade e à vontade que pode ser observado na própria existência
para sobrepujar as potências europeias de um Conselho de Segurança, no qual
integram cinco membros permanentes com da confirmação da vocação integracionista
poder de veto. europeia, o que resultaria na manifestação
Por outro lado, mundo se dividia em dois de dois novos pólos econômicos.
“condomínios do poder”, duas esferas de Concomitantemente, perdia cada vez mais
influência – uma capitalista, sob a tutela espaço nas relações internacionais o foco no
americana, e outra socialista, a cargo dos confronto Leste-Oeste, ou seja, na dicotomia
soviéticos –, de modo que as relações Socialismo-Capitalismo, na medida em que
internacionais, grosso modo, foram os países do Terceiro Mundo chamavam a
resumidas às relações intra-condominais e atenção para diálogo Norte-Sul para o
entre as superpotências. desenvolvimento e se esforçavam na
Tal sistema, ademais, baseava-se em um construção da chamada “nova ordem
modelo instável caracterizado pelo econômica internacional”.
equilíbrio atômico, introduzindo a grande Por último, recordando a obra de
ameaça de uma guerra termonuclear, ameaça Duroselle (2002), cabe ainda salientar o
essa que, no século XXI, será catalisada pelo aparecimento de certas regras temporárias,
medo de que tais armas caiam nas mãos de ou seja, de regularidades imperfeitas válidas
grupos terroristas não-estatais, capazes, até para determinado período temporal, que,
mesmo de cometer suicídio. surgidas em 1945 – com o fim da Segunda
De qualquer maneira, esse sistema Guerra Mundial – sobreviveram à Guerra
internacional bipolar começou, já na década Fria, sendo válidas até hoje. A se saber:
de 1970, com a consubstanciação da deténte
- Não há mais nenhuma grande
entre os Estados Unidos e a União Soviética,
potência propriamente europeia. [...]
a demonstrar certa flexibilidade. Nessa
década, assim, ambas as superpotências - Não há mais coalizões contra a
hegemonia. [...]
intensificam o seu diálogo, dando início ao
plano Salt de limitação de armas estratégicas - O sistema de compensação não
e ampliando suas relações comerciais, vale mais [,ou seja, as negociações
mormente territoriais que levam, por
enquanto, por outro lado, as crises que exemplo, à formação de Estados-
levaram à intervenção soviética na tampões]. [...]
Tchecoslováquia, pondo fim à chamada
- Não há “concerto mundial” entre
“Primavera de Praga”, e os confrontos no os dois grandes, devido à
Vietnã, tendo à frente os Estados Unidos, desconfiança estrutural” existente as
superpotências [...].
revelam a crescente porosidade do sistema
bipolar. - O direito internacional, de essência
Ademais, o princípio da bipolaridade europeia, conheceu uma grande
desordem, devido à introdução de
não mais se aplicava ao campo econômico, a um conceito comunista do direito e
partir do soerguimento econômico japonês e devido à ‘mundialização’ das fontes
de direito. [...] sistema internacional, porém com grandes
dificuldades de caráter econômico, político
- Vemos aparecer uma nova força,
difusa, mas real, à qual chamamos e estratégico.
de ‘opinião pública mundial’, Com uma economia incrivelmente
constituída por uma maioria nas
Nações Unidas. [...] fragilizada e marcada pela pouca
flexibilidade inerente da própria natureza da
- Não há continuidade com os ciclos planificação econômica patrocinada pelo
econômicos, inteiramente destruídos
pelo abandono progressivo do Estado e exemplificada pelos Planos
[sistema] ouro. [...] Quinquenais, a União Soviética entrava
gradualmente em uma fase de categórica
- A própria regra das nacionalidades
utilizada para a descolonização escassez de seus recursos financeiros.
parece ser substituída [...] pela regra Isolada do hemisfério capitalista, tornava-se
de estabilidade das fronteiras. [...]
cada vez mais menos sensível à
- A estratégia é derrubada pela disseminação das inovações tecnológicas lá
invenção técnica – a arma nuclear e desenvolvidas, enquanto a ausência da livre
termonuclear – e pelo sucesso de
todas as guerras de subvensão iniciativa impossibilitava o florescimento da
(exceto Grécia e Malásia). competição e o consequente
(DUROSELLE, 2000, pp. 379-381)
desenvolvimento de inovações próprias.
Por outro lado, como lembra Paulo
2.4. O DECLÍNIO SOVIÉTICO E A Roberto de Almeida,
NOVA ORDEM INTERNACIONAL
“[a] agonia final do modo de
PÓS-BIPOLAR
produção socialista teve início
quando a superpotência americana
Dos destroços do regime bipolar, que se adotou o programa armamentista
‘Guerra nas Estrelas’, forçando a
mantinha ainda cambaleante e superpotência soviética a tentar
extremamente poroso desde a década de reproduzir o ‘keynesiano militar’ da
1970, mas cuja extinção definitiva fora administração Reagan, numa corrida
tecnológica e militar que, ao seu
marcada, inicialmente, pela queda do muro turno, se revelará custosa demais
de Berlim, em 9 de novembro de 1989, e, para a União
decisivamente, pela dissolução da União Soviética.” (ALMEIDA, 2007, p.
256)
Soviética, em dezembro de 1991, emergia
uma nova ordem, marcada pela categórica No campo político-estratégico, de modo
ascensão dos Estados Unidos enquanto semelhante, a União Soviética também se
única grande superpotência global. encontrava enfraquecida, o que pode ser
Cada vez mais enfraquecida, a União observado na impopular e controversa
Soviética nos anos 1980 ainda se mantinha, invasão que realizara ao Afeganistão,
de certa forma, como uma potência rival no iniciada em 1979, e pelas crescentes
manifestações no interior de seu condomínio globalização financeira e econômica, que
de poder, o que levará, por exemplo, à integrou todo o globo em um único sistema
ascensão, em 1989, do grupo sindical econômico, quiçá, um único grande sistema
anticomunista Solidarność (solidariedade) produtivo e, por outro lado, a
ao poder na Polônia. regionalização, observada na rápida
Assim, impulsionada pelas políticas do disseminação de blocos regionais: além da
Glasnost e da Perestroika do premier União Europeia (constituída, em definitivo,
Mikhail Gorbachev, em 1991, a dissolução pelo Tratado de Maastricht, de 1992), tem-se
definitiva da própria União Soviética, abriu o Acordo de Livre-Comércio da América do
espaço para o advento de uma nova ordem. Norte (que entrou em vigor em 1992,
Essa nova ordem viu-se, desse modo, quando recebeu também a adesão do
marcada pela unipolaridade no campo México), o Mercado Comum do Sul
político-estratégico, ou seja, pela supremacia (Mercosul, cujo marco é o Tratado de
dos Estados Unidos – país que, segundo Assunção, assinado em 26 de março de
dados do Departamento de Defesa para o 1991), e as aproximações livre-cambistas na
ano de 20106, gasta, neste campo, incríveis Ásia.
663,8 bilhões de dólares –, e, no campo Tais movimentos, vale destacar, não
econômico, pela multipolaridade, a partir da apenas permanecem, mas também se
manifestação, nos anos 1980, de novas e intensificaram na primeira década do século
dinâmicas “potências comerciais”, nos XXI, o que pode ser observado, por
termos de Almeida (2007) – enfaticamente, exemplo, na generalização dos efeitos
o Japão e a Alemanha7–, pela ascensão negativos advindos da crise econômica de
asiática, inicialmente dos “tigres asiáticos”, 2008.
seguidos pela China e, no limiar do século, Ainda no que tange à década de 1990,
pelas potências emergentes, que vale destacar, no âmbito das Nações Unidas,
posteriormente terão no BRICS o seu grande o fim da paralisação que a organização
exemplo. sofria em suas capacidades de atuação pela
Desse modo, a queda da União Soviética Guerra Fria, o que pode ser claramente
abriu espaço, já na década de 1990, para a observado na sucessiva utilização do poder
intensificação de movimentos únicos, que já de veto por parte dos americanos e,
se mostram seus tímidos avanços no final da principalmente, dos soviéticos. A
década anterior. Dentre esses, destacam-se a organização, contudo, ainda se mostra como

6
Disponíveis em: <http://www.defense.gov/releases/release.aspx?releaseid=12652>, acessado em 14/08/2012.
7
Na realidade, Paulo Roberto de Almeida (2007) destaca, em um primeiro momento, apenas a Alemanha, in-
cluindo-a nessa categoria. Contudo, dada a importância crescente do processo de integração que, já na década
de 1950, confirmava a vocação integracionista europeia, delineando os primeiros passos daquilo que pelo Tra-
tado de Roma (1957) criará a Comunidade Econômica Europeia, transformada em União Europeia pelo Trata-
do de Maastricht (1992), acredita-se ser pertinente que se enquadre a própria comunidade, enquanto grande
ator econômico a nível global, nessa categoria especifica.
um sistema instável e em transição, por o socialismo e o capitalismo;
aprofundamento da diferenciação
exemplo, não acomodando os vencidos da
entre países pobres e países ricos;
Segunda Guerra (Alemanha e Japão) e fim das ideologias (já anunciado
alguns outros países menos desenvolvidos e desde os anos 1950 por Daniel
Bell); ou mesmo, segundo Francis
não administrando o delicado e complexo Fukuyama, o próprio ‘fim da
fenômeno da rejeição islâmica ao mundo história’.” Contudo, ainda que esse
ocidental (ALMEIDA, 2007, p.301). não se tenha provado verdade, “o
que se logrou, no limiar do século
Os anos 1990, também, paralelamente ao XXI, foi o ‘fim da Geografia’, com
surgimento de novos atores (como as ONGs a eliminação progressiva e o virtual
e os grupos terroristas) observaram o desaparecimento de algumas das
fronteiras políticas que impediam,
surgimento dos chamados novos temas ou até aqui, a unificação efetiva dos
de antigos problemas inovadoramente mercados globais.” (ALMEIDA,
2007, pp. 254-5)
enfocados, surgidos a partir dos anos 1970.
Entre esses, destacam-se:
2.5. A ORDEM LIBERAL
“Danos extensos ao meio ambiente, AMERICANA
violações dos direitos humanos,
natalidade explosiva em
determinadas regiões, epidemias
Com a queda da URSS, mesmo com a
devastadoras como a Aids, herança de seu poderio bélico por parte da
desigualdades criadas com a Federação Russa e de outros países que a
revolução informática e
instabilidade associada à compunham, emergiu uma ordem unipolar
volatilidade financeira dos Estados tendo, em seu centro, os Estados Unidos,
nacionais”. (Almeida, 2007, pp. 302 que começou o novo século como o grande
-3)
vencedor dos conflitos do século XX. Tal
A título de conclusão, pode-se dizer que ator, porém, optou por exercer sua
os acontecimentos das ultimas décadas do hegemonia por meio da construção de uma
século XX inspiraram diversos tipos de nova ordem institucionalizada, visando
análise que, solidificar o status quo do qual desfrutava
(IKENBERRY, 2000).
“[d]e forma não surpreendente, [...]
Dentro desse novo contexto, os Estados
[marcam] um certo sentido de
conclusão e de ruptura: queda dos Unidos atuaram no intuito de criar um
impérios (Paul Kennedy); fim do cenário favorável aos seus interesses,
Estado-nação e aparição do
borderless State (Kenichi Ohmae);
promovendo valores como o livre-mercado e
fim do Estado territorial e ascensão a democracia, os quais, segundo o
do Estado comercial (Richard pensamento norte-americano, seriam os
Rosecrance); fim do Terceiro
Mundo (Nigel Harris); fim do mais eficientes instrumentos para a
dualismo político e econômico entre construção de um mundo pacífico, ecoando
a ideia kantiana de que democracias são fator que inseriu novos debates e questões
essencialmente pacíficas. acerca da natureza dos conflitos entre
Consolidou-se, então, sob a égide Estados e da ascensão de ameaçadores
americana, uma nova ordem, a qual Francis atores não-estatais.
Fukuyama denominou “ordem Sua própria emergência implica em
liberal” (FUKUYAMA,1989), que é, severas contestações acerca da validade da
essencialmente, uma ordem tese segundo a qual o mundo assistiria, após
“americana” (IKENBERRY, 2000). a bipolaridade, a inequívoca preponderância
Mesmo com a emergência econômica de do sistema capitalista-democrático e
países como China e Alemanha, ao menos ocidental, engendrando o verdadeiro “fim da
politicamente a referida ordem parecia história”, nos termos de Francis Fukuyama.
manter-se inalterada, sendo as ameaças aos Desse modo, teriam eclodido, de fato, as
Estados Unidos não suficientemente últimas consequências de um avassalador
significativas para abalar as estruturas da choque civilizacional, segundo a concepção
ordem americana pós-Guerra Fria. Em 11 de de Samuel Huntington?
setembro de 2001, porém, a aparente Como previu o próprio Fukuyama, ainda
inexpugnabilidade desse país recebeu um haveria na ordem pós-Guerra Fria um alto
golpe que mudaria profundamente o cenário nível de violência étnica e nacionalista,
internacional, tendo os Estados Unidos implicando na permanência do terrorismo,
sofrido atentados terroristas em grande assim como das guerras de libertação
escala, em símbolos do poder e da própria nacional, na agenda internacional
ordem que este havia construído. contemporânea (FUKUYAMA, 1989). O
fim da história, portanto, não implicaria no
3. A EMERGÊNCIA TERROR fim dos conflitos internacionais per se, os
ENQUANTO FATOR DE RISCO À quais ainda se manteriam presentes e
ESTABILIDADE SISTÊMICA GLOBAL significativos.
Por outro lado, afirmou Huntington que
Mais do que um ponto de ruptura, os os conflitos no novo mundo, emergidos da
ataques perpetrados na fatídica manhã de 11 Guerra Fria não consistem, essencialmente,
de setembro de 2001 (doravante 11/9), em conflitos ideológicos ou econômicos,
elevaram a percepção do terrorismo a um mas sim em conflitos culturais
novo patamar, globalizando-o enquanto (HUNTINGTON, 1994). Mesmo com a
ameaça e provocando modificações no permanência dos Estados-nação, como os
próprio sistema internacional, atores mais poderosos no âmbito das
principalmente nas questões relacionadas à relações internacionais, os principais
proteção contra o mesmo. O terrorismo, conflitos desencadear-se-iam entre nações e
agora, apresenta-se como um importante grupos de diferentes civilizações.
Assim, ultrapassando as ideias de implicações das ações terroristas no âmbito
Fukuyama ao não circunscrever o cenário internacional.
internacional pós-Guerra Fria tão somente à
existência de uma ordem liberal, Huntington 3.1. TERRORISMO: AS
mostra as diferenças inerentes às diferentes ARMADILHAS CONCEITUAIS
culturas que podem tanto gerar conflitos ou,
trazendo as ideias de Huntington à ordem A segurança no período pós-11 de
liberal, condicionar a forma que cada setembro é caracterizada pela elevação do
sociedade assimila a própria ordem combate terrorismo a um inédito status
preconizada por Fukuyama. Assim sendo, proeminente na agenda internacional,
Huntington (1994) traça as linhas dos destacando-se, principalmente, a atuação do
conflitos internacionais contemporâneos governo norte-americano. Paradoxalmente,
como um grande "choque de civilizações" contudo, carece tal conceito de uma clara e
que dominaria a política mundial. consensual definição, tanto no campo
Esse “choque” não representa uma político quanto na academia. Diferentemente
novidade, sendo uma constante histórica do que se poderia supor, tal ausência gera
exemplificada pelos séculos de interação preocupantes consequências políticas,
militar entre o Ocidente e o Islã, a qual, tudo limitando e moldando as políticas estatais
indica, não declinará, tornando-se, ao com respeito às organizações terroristas e
contrário, ainda mais ardente. Destarte, é militantes (EKMEKCI, 2011).
nesse contexto que se inserem os atentados Originalmente, o próprio conceito de
de 11 de setembro de 2001, modificando “Terror” foi cunhado com a Revolução
significativamente o contexto internacional Francesa de 1789, como caracterização para
até então vigente e reforçando a importância os horrores perpetrados pelo governo
dos debates sobre segurança. jacobino sob a liderança de Maximilien de
O mundo das civilizações em choque, Robespierre. Atualmente, entretanto,
para Huntington (1994), seria, todavia, inexiste uma única acepção clara e
inevitavelmente um mundo de dois pesos e consensual acerca do terrorismo, dada a
duas medidas, no qual um padrão seria dificuldade de se chegar a um consenso em
aplicado pelos países internamente e outro se referindo aos critérios de sua definição, os
diverso seria aplicado nas relações com os quais, segundo Kofi Annan (2004), urgem,
demais. Dessa forma, faz-se necessário mais do que nunca, serem discutidos e
analisar não apenas o terrorismo como determinados.
fenômeno, mas também as políticas dos Desse modo, coexistem diversas e, até
países em relação a ele, a fim de ultrapassar mesmo, contraditórias acepções acerca dele:
o "duplo padrão" identificado por enquanto algumas prezam pela generalidade
Huntington e melhor compreender as e abrangência, classificando-o segundo a
ameaça do emprego da violência para atingir congelados 112 milhões de dólares de
objetivos políticos, tal como a adotada, em fundos classificados como terroristas, nos
2005, pela Assembleia Geral das Nações dois anos que se seguiram apenas 24
Unidas8, outras visam atender objetivos milhões de dólares foram congelados
específicos de determinados países ou (UNITED NATIONS, 2004).
políticas, tal como a definição pregada pelo Ademais, vale destacar que essa dita
Departamento de Estado dos Estados indefinição conceitual impede, também, que
Unidos, segundo a qual, para ser terrorista as Nações Unidas exerçam sua “autoridade
um grupo “must ‘threaten the security of US moral” e enviem “uma mensagem
nationals, or the national security...of the inequívoca” segundo a qual o terrorismo
United States. ’” (HUMAN SECURITY nunca é “uma prática aceitável”, mesmo que
PROJECT, 2007: 2). por motivos defensivos (UNITED
Tal indefinição gera, por conseguinte, NATIONS, 2004). Além disso, esta
duras consequências, tanto no campo indefinição gera outra, e talvez a pior,
político, dadas as divergências no que se “armadilha”, no que se refere à conformação
refere à formulação conjunta de uma política de políticas contraterroristas: Sabe-se que o
antiterror, observada, por exemplo, na terrorismo é uma política de suma relevância
Colômbia, onde o chamado “Plano internacional e abrangência global, contudo,
Colômbia”, levado a cabo pelos Estados seria ele um fenômeno em expansão?
Unidos com o intuito de combater o Após 11/9 o governo norte-americano,
narcotráfico patrocinado pelas FARC9, sob George W. Bush, intensificou suas
gerou duras reações, principalmente por medidas de combate ao terror, segundo
parte do governo venezuelano (SANTOS, Barbara Victor, instaurando uma atmosfera
2010), quanto no campo econômico, o que de “agonia e pavor” no país, personificada
pode ser observado no congelamento de no Patriot Act10 e na intensificação do uso
fundos considerados terroristas: enquanto de medidas sob a égide do FISA11, por parte
nos três meses posteriores à 11/9 foram do Ministério da Justiça, sob a liderança de

8
“any action constitutes terrorism if it is intended to cause death or serious bodily harm to civilians or non-
combatants with the purpose of intimidating a population or compelling a Government or an international
organization to do or abstain from doing any act” (EKMEKCI, 2011: 126)
9
Sigla para Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia, uma organização guerrilheira de inspiração
marxista que atua, principalmente, na Colômbia. Embora classificada por Colômbia, Estados Unidos e União
Europeia como um grupo terrorista, esta definição não é consensual, sendo recusada por países como
Venezuela, Brasil, Argentina e Chile.
10
Transformado em lei em 26 de outubro de 2001, o Patriot Act permite aos departamentos de polícia do país
realizarem buscas aleatórias, apreensões sem mandato judicial e detenções arbitrárias. Desde 11/9 existe uma
nova categoria de matéria jurídica, destaca Victor (2005), a partir da qual desenvolveram-se diversas sutilezas
jurídicas que permitem que tanto cidadãos norte-americanos quanto moradores legalizados na país sejam
aprisionados indefinidamente ou, mesmo, levados à solitárias, sem o direito a um advogado, tornando, assim, a
prerrogativa de habeas corpus uma mera formalidade.
11
Sigla para Foreign Intelligence Surveillance Act. Introduzido ainda no governo Carter, em 1978, o FISA
John Ashcroft, visando a defender não ou seja, é um fenômeno que se mostra,
apenas o país, mas a Cristandade como um quanto ao número de suas ocorrências,
todo (VICTOR, 2005) dos ataques pouco cambiante ao longo do tempo. Esses
perpetrados pela ameaça islâmica, de forma dados divulgados, dessa maneira,
semelhante às ideias de Huntington. apresentam-se como falaciosos e
Formalmente, o recrudescimento das politicamente dirigidos, na medida em que
medidas de segurança e da política norte- pecam, primeiro, ao se basearem em quadros
americana de “Guerra ao Terror” foi conceituais pouco precisos e genéricos, que
justificado a partir de uma pressuposta mesclam definições básicas, tal como
expansão do terrorismo em nível global. Tal “terrorismo”, “crime de guerra” e “crime
percepção foi largamente corroborada a contra a humanidade” e, segundo devido à
partir das pesquisas realizadas pelas pouco criteriosa seleção dos casos definidos
principais agências estatísticas norte- como “terroristas” (HUMAN SECURITY
americanas: segundo o US National PROJECT, 2007).
Counterterrorism Center (NCTC), o número Nesse sentido, a súbita elevação do
de fatalidades advindas do terrorismo número de casos de incidência do terrorismo
cresceu, entre 2005 e 2006, em 41%; já de observada pelas agências norte-americanas
acordo com o MIPT Terrorism Knowledge deve-se, primordialmente, ao método de
Base, a incidência de tais fatalidades contagem por elas utilizado no que se refere,
quadruplicaram entre 1998 e 2006, especialmente, às ocorrências de fatalidades
observando-se uma maior ascensão nesse ocorridas durante a Segunda Guerra do
número após a invasão do Iraque em 2003. Golfo, iniciada a partir da invasão do Iraque
O START12, por outro lado, afirma que por tropas lideradas pelos Estados Unidos
apenas no ano de 2004, essas incidências em 2003 (como observado nas Figuras 1.1 e
aumentaram em 75% (HUMAN SECURITY 1.2). Tal método, motivado pela excludente
PROJECT, 2007). definição sobre “terrorismo” desenvolvida
De fato, atualmente, os grupos terroristas pelo Departamento de Estado dos Estados
têm apresentado maiores dinamicidade e Unidos, considera como vítimas do
i ns tr ume nt a li dade, desencadeados, terrorismo todas aquelas que foram mortas
especialmente, a partir do advento de novas por grupos armados não-estatais no Iraque.
tecnologias de informação. Entretanto, o que No entanto, tal método é falacioso, na
se observa, contrariamente ao afirmado medida em que, normalmente, a morte
pelas agências norte-americanas, é intencional de civis durante período de
constância do número de ataques terroristas, guerra não é descrita como “terrorismo”,

prescreve procedimentos para a fiscalização e coleta de dados acerca da troca de “informações” entre “poderes
estrangeiros” e seus “agentes” em território norte-americano.
12
National Consortium for the Study of Terrorism and Responses to Terrorism
mas como “crimes de guerra” ou, ainda, terroristas. Neste ponto, observa-se um claro
“crimes contra a humanidade” (HUMAN viés de seleção desses casos, na medida em
SECURITY PROJECT, 2007). De fato, que são, claramente, elegidos casos
como é observado nos gráficos abaixo, caso politicamente interessantes aos Estados
se retirem da contagem as fatalidades Unidos. Por exemplo, enquanto classificados
ocorridas no Iraque, não se observam como terroristas as fatalidades levadas a
relevantes variações na incidência do cabo por grupos não-estatais em países
terrorismo em nível global. como o Iraque, Colômbia e Afeganistão, são
comumente desconsideradas as praticas
idênticas cometidas por atores similares nas
guerras civis da África Subsaariana
(HUMAN SECURITY PROJECT, 2007).
Dessa forma, são desconsiderados, por
exemplo: a espiral de violência no Quênia
que, segundo dados de 2007, gerou mais de
1.000 mortes e deslocou mais de 250.000
pessoas; a conformação de um verdadeiro
campo de batalha na Somália, país que,
ainda sem governo, constitui campo fértil
para o afloramento tanto de organizações
terroristas – como a Al Qaeda –, quanto de
preocupantes práticas, tal como a pirataria,
além de causar sérios reflexos em seus
vizinhos; a violência em Dafur que, no ápice
de seus conflitos, gerou um preocupante
efeito de spill-over pelos países vizinhos –
em especial o Chad, a Eritreia e a Etiópia; e
os elevados níveis de doença e subnutrição
observados na República Democrática do
Congo, o que levou, a partir de 2003, a
Fonte: HUMAN SECURITY PROJECT, quase uma década de violência política
“Human Security Brief 2007: Featuring a
special report. Dying to lose: explaning the gerando, segundo dados de 2007, uma
decline in global terrorism”, Simon Fraser matança média de 45.000 pessoas por mês,
University, Vancouver: 2007
metade delas composta por crianças
A segunda falácia em potencial cometida (HUMAN SECURITY PROJECT, 2007).
pelas agências norte-americanas se deve à Por último, de acordo como o Human
seleção de casos considerados como Security Brief 2007, o que se observa, a
partir de 2007, mesmo em casos como o alvos quanto os perpetradores são
iraquiano, é o declínio do número de provenientes do território no qual ocorrem
incidências do terrorismo no mundo os ataques (EUBANK; WEINBERG, 2006).
muçulmano, o que se deve: (1) aos esforços Independentemente do tipo de
de contraterrorismo, que após 11/9 tornaram terrorismo, porém, seus ataques respaldam-
-se mais coordenados e disseminados; (2) à se em uma motivação política, não em uma
descentralização das redes terroristas causa privada (EUBANK; WEINBERG,
islâmicas, devido às suas dissidências 2006). Seus praticantes têm uma agenda
doutrinárias internas; e (3) à extraordinária política, na qual acreditam promover por
queda do apoio prestado pelas populações meio dos ataques. Sendo assim, consiste o
locais às organizações terroristas islâmicas, terrorismo em uma tática, uma forma
devido à rejeição popular ao seu uso violenta de comunicação política transmitida
indiscriminado de violência (HUMAN pela mídia, a qual atinge uma extensa
SECURITY PROJECT, 2007). audiência, que terá suas emoções e hábitos
alterados.
3.2. AS CONFLAGRAÇÕES DO Sendo um ato intimidatório por natureza,
TERROR APÓS 11 DE SETEMBRO o terrorismo pode, ainda, ser qualificado
como uma tentativa de dar visibilidade a
A priori, o terrorismo pode possuir duas “determinada causa”, tal como fizeram os
modalidades principais e, em certa medida, grupos IRA13 e ETA14. Em outros casos, tal
comumente aceitas: quando um país utiliza- como nos sequestros de diplomatas e
o contra seus cidadãos e quando é autoridades, o terrorismo funcionará como
perpetrado por atores sub-estatais instrumento de “barganha”, com objetivo de
(ROGERS, 2010). No presente artigo, influenciar no processo de tomada de
enfatizar-se-á o segundo tipo, em especial, decisão e conformação de agenda de
no que concerne ao terrorismo internacional, determinado governo.
assim denominado devido às diferentes O terrorismo, portanto, figura como uma
proveniências tanto dos responsáveis quanto forma eficiente para criar publicidade para
das vítimas, além dos locais onde incidem os as causas dos grupos que o praticam,
atentados. O terrorismo doméstico, por outro provocar reações das autoridades e levantar
lado, diz respeito a ações nas quais tanto os a moral do grupo que representam,

13
Sigla para Irish Republican Army, um grupo terrorista guerrilheiro que atuou, principalmente, na década de
1920 contra a presença britânica na Irlanda e, posteriormente, na Irlanda do Norte.
14
Sigla para Eukadi Ta Askatasuna (Pátria Basca e Liberdade), um grupo separatista que luta, principalmente
na Espanha, pela independência do denominado País Basco, que englobaria o chamado País Basco do Sul, que
é constituído pela comunidade autônoma do País Basco (composta pelas províncias de Álava, Biscaia e Gui-
púscoa) e pela comunidade autônoma de Navarra, e, também, em território francês, o País Basco do Norte,
constituído pelas províncias históricas de Labour, Baixa Navarra e Soule. Desde o ano de 2010, o ETA abando-
nou oficialmente o uso de práticas terroristas.
mesclando psicologia e publicidade para Cabe frisar, ademais, que as
instaurar terror nas comunidades organizações terroristas podem ser, tanto
(EUBANK; WEINBERG, 2006). Dessa exclusivamente privadas em sua natureza,
forma, o terrorismo também engloba “uma quanto desfrutar da assistência ou suporte de
perspectiva ‘culturalista’ que articula o um Estado, o que ocorre principalmente
fenômeno à identidade e aos valores de quando esse não possui suficiente
padrões culturais dominantes” (VEIGA, capacidade para fazer frente a um inimigo
2004: 12), ou seja, o terrorismo apresenta-se mais poderoso, oferecendo um substituto
com um “choque de valores” que, após 11/9 barato para as operações militares abertas e
adquiriu abrangência global, não mais se evitando as responsabilidades e retaliações
limitando às fronteiras geográficas – como provenientes das ações (EUBANK;
ocorria até então, por exemplo, no caso dos WEINBERG, 2006).
ataques perpetrados pelo IRA e pelo ETA, Desse modo, têm os grupos terroristas
restritos à Irlanda e Espanha, nos ditos “Estados fracos” um “santuário”,
respectivamente. no qual o recrutamento de novos membros é
Nesse sentido, os atentados de 11/9 propiciado pela pobreza, pela ocupação
também demonstraram a miditização do estrangeira, pelas clivagens sociais, pela
terrorismo, tornando os seus efeitos globais. falta de democracia e pela violência civil
Assim, a mídia “subverte a relação entre (UNITED NATIONS, 2004). Nesses locais,
meios e fins e [...] maximiza o fenômeno encontram os grupos terroristas um
como um espetáculo de dimensões ambiente ideal para angariar recursos
épicas” (VEIGA, 2004: 14). Mais do que um financeiros e capital humano necessários
catastrófico efeito psicossocial, o terrorismo para a realização de suas atividades, como se
causou calamitosas consequências à observa, por exemplo, na obtenção por
globalizada economia internacional. “grupos remanescentes do Sendero
Segundo estimativas do Banco Mundial, tais Luminoso”15 de grandes somas de dinheiro
ataques, por si só, aumentaram em 10 advindas do narcotráfico em regiões de fraca
milhões o número de pessoas que vivem na presença estatal no Peru e na instauração,
pobreza e gerou um custo financeiro que por parte da Al Qaeda16, de “emirados”, ou
extrapola os 80 bilhões de dólares (UNITED seja, instituindo um processo de “nation-
NATIONS, 2004). building” em regiões tidas por falidas17, a

15
Fundado na década de 1960, o Sendero Luminoso é uma organização terrorista peruana de inspiração maoís-
ta que buscava, a partir da guerrilha camponesa, derrubar as instituições burguesas do país e instaurar um novo
regime. O grupo perdeu força durante a década de 1990, voltando a tona já no inicio do século XXI, principal-
mente na região do Valle do Alto Huallanga e do Valle do Rio Apuríma, onde a fraca presença do Estado per-
mite que a organização desenvolva uma cadeia de produção e comercialização de drogas, em especial a cocaí-
na. (SANTOS, 2010b: 16-17)
16
Uma organização fundamentalista islâmica formada por uma rede de células colaborativas espalhadas pelo
globo. Dentre os ataques realizados por esta organização destacam-se os realizados em Nova Iorque, contra as
partir do financiamento de instituições organização militante iraniana - MEK18)
governamentais, controladas pela (EKMEKCI, 2011). Por essa via, buscam os
organização, e de facilidades de Estados concretizar seus anseios político-
infraestrutura e saneamento (MCCANTS, estratégicos sem gerar, contudo, a excessiva
2012). repercussão internacional e os riscos
O patrocínio estatal ao terrorismo militares que uma intervenção direta geraria.
destaca-se como um elemento essencial na Além disso, crescem as preocupações
agenda política internacional, gerando com os Estados falidos, como a Somália, os
polêmicas e motivando políticas contra os quais muitas vezes possibilitam a livre
"Estados Párias", os quais dariam suporte a operação de organizações terroristas,
essas organizações e possibilitariam, até conduzindo treinamentos, planejando
mesmo, a obtenção de armas de destruição ataques e desenvolvendo atividades
em massa por parte dos terroristas: hipótese necessárias para a operação dessas. Nesses
norteadora dos pensamentos da Doutrina casos, porém, não há patrocínio estatal, mas
Bush, em relação a qual é um de seus sim uma significativa falta de meios para
pilares. Ainda nesse ponto, vale destacar, tomar atitudes acerca da presença dessas
como corrobora Faruk Ekmekci (2001), que, organizações (EUBANK; WEINBERG,
apesar de serem atores não-estatais, as 2006).
organizações terroristas são apoiadas, ou
mesmo exploradas, por “alguns Estados”, 3.3. A ERA BUSH E A
que delas se utilizam para pugnar os seus ASCENSÃO DO COMBATE AO
“inimigos iminentes” e as ameaças à sua TERRORISMO APÓS 11 DE
segurança nacional. SETEMBRO DE 2001
Dessa maneira, as justificativas para o
suporte estatal às organizações terroristas 3.3.1. A Doutrina Bush
pairam sobre aspectos ideológicos (como no
apoio cubano às FARC marxistas, na Com os atentados de 11/9, o governo
Colômbia), religiosos (como no apoio Bush, que antes carecia de objetivos claros
iraniano ao Hezbollah xiita, no Líbano e na acerca de sua gestão, ganha sentido ao tornar
Síria), eleitorais (como no apoio indiano aos o combate ao terrorismo um dos pontos
Tamil Tigers, no Sri Lanka) e políticos chave de sua gestão, impelido pela suposta
(como no apoio norte-americano à necessidade de ações ofensivas. Se antes

duas torres do World Trade Center, e em Washington, contra o Pentágono, em 11/9.


17
Principalmente no Iêmen, via grupo Ansar al-Sharia, no Mali, onde o grupo Ansar al-Din, alinhado com a Al
Qaeda, criou um Estado Islâmico ao norte do território, na região de Timbuktu, e na Somália.
18
O Mujahedin-e Khalq (Lutadores pelo Povo) é uma organização militante iraniana fundada nos anos 1960
para combater ao regime pró-ocidente do Xá Pahlavi a partir do uso de métodos violentos. Desde o inicio dos
anos 1980, contudo, o grupo tem se oposto e alvejado o regime islâmico iraniano, utilizando-se de métodos
similares. (EKMEKCI, 2011:132)
prevaleciam as ilusões de fim da história e 2009), mesmo que tal possibilidade seja
da nova ordem, sustentadas nas teses de demasiadamente pequena.
Francis Fukuyama, depois o mundo pareceu A preempção, todavia, não é uma
fechar-se em uma era de violência novidade na política americana tendo sido
(PECEQUILLO, 2011). O pensamento considerada em episódios como a crise norte
acerca dos princípios da ação americana -coreana de 1994 e a Presidential Decision
nessa era, por sua vez, seria apresentado, Directive 39, assinada em 1995, pelo
entre outras situações, no discurso de presidente Willian J. Clinton, a qual também
George W. Bush na academia de West Point contemplava preempção no tocante ao
e no Relatório de Estratégia de Segurança terrorismo (LEFFLER, 2004).
Nacional dos Estados Unidos, de 17 de
setembro de 2002 (NSS 2002). 3.3.2. Antecedentes da
Neles foram preconizados os objetivos preempção na Doutrina Bush
de defesa da paz por meio da luta contra
Durante a crise norte-coreana, o
terroristas e tiranos, de preservação da
Secretário da Defesa William Perry pedira
mesma por meio das boas relações entre as
ao General John M. Shalikashvili para
grandes potências e expansão da paz pelo
preparar um plano de contingência para um
encorajamento de sociedades livres e abertas
ataque preventivo contra as instalações
ao redor do globo (GADDIS, 2002). Além
nucleares da Coréia do Norte19. Tal ataque,
dos referidos objetivos, foram contempladas, porém, nunca foi realizado devido ao temor
também, questões como a rejeição do do Pentágono de uma possível retaliação
relativismo moral, a reconcepção do norte-coreana, lançando um ataque contra a
terrorismo e, principalmente, a preempção, a Coréia do Sul (GUOLIANG, 2003).
qual figura como um dos mais polêmicos Mesmo que as circunstâncias
aspectos da doutrina (PODHORETZ, 2002). apontassem para a derrota da Coréia do
Considerando-se a dificuldade de se Norte, uma guerra entre as Coréias geraria,
conter e influenciar o terrorismo e o medo inescapavelmente, um grande número de
da obtenção de armas de destruição em vítimas e possível envolvimento de Armas
massa por parte dos mesmos, a preempção de Destruição em Massa. Assim sendo, os
surge no sentido de parar uma ameaça antes Estados Unidos, por meio da mediação do
mesmo que essa surja, tendo como principal presidente Carter, trabalhou junto às
alvo os Estados párias os quais poderiam negociações que levariam à assinatura do
transmitir esse tipo de tecnologias a quadr o acor dado e m G e ne br a 2 0
organizações como a Al Qaeda (TUNÇ, estabelecendo um pacto que tiraria a região

19
Tais ataques seriam inclusos no “Operation Plan 5027”, o qual era um plano americano para derrotar, em
definitivo, a Coréia do Norte.
20
Em 21 de Outubro de 1994.
do conflito iminente (GUOLIANG, 2003). legalmente a decisão americana de invadir o
A PDD 39, por sua vez, estabeleceu, Iraque, colocando-o como um dos Estados
antes mesmo dos atentados de 11 de párias que ameaçariam a segurança
setembro de 2001, a política americana em americana, categoria na qual também estão
relação ao terrorismo. Nela foram afirmados incluídos países como Irã e Coréia do Norte.
os princípios americanos de dissuadir, Cabe ressaltar, porém, que a formulação
derrotar e responder vigorosamente a todos da preempção não é, de forma alguma,
os atentados terroristas dentro do território e condicionada à invasão do Iraque, tendo o
contra seus cidadãos ou instalações, sejam presidente George W. Bush deixado claro
eles ocorridos domesticamente ou em águas, antes mesmo da guerra que a preempção não
espaço aéreo ou territórios internacionais. se associava apenas ao caso do regime de
Portanto, considerando o terrorismo como Saddam Hussein, mas sim a todos os
uma ameaça potencial à segurança nacional, Estados párias, os quais deveriam ser
assim como um ato criminoso, os EUA constrangidos a se comportarem de maneira
determinaram o uso de “todos os meios consistente com os objetivos políticos
necessários” para combatê-lo (WHITE americanos, o que seria feito por meio da
HOUSE, 1995). divulgação do conceito de guerra preventiva
Partindo dessa determinação, busca-se (TUNÇ, 2009).
justificar esforços para ações preemptivas e
dissuasivas dentro das ações de combate ao 3.3.3.1. Por que o Iraque?
terrorismo, os quais seriam conduzidos em
cooperação com os governos aliados e Mesmo não sendo associado apenas a
“amigáveis”. Ademais, afirmou-se o seu caso, o Iraque, todavia, foi o alvo da
empenho americano em identificar grupos e primeira ação de guerra preventiva sob a
Estados que patrocinam e/ou apoiam Doutrina Bush devido a um conjunto de
terroristas, isolando-os e fazendo-os pagar fatores específicos, em especial, a política
um “alto preço” por suas ações (WHITE externa conduzida por Saddam Hussein.
HOUSE, 1995). Logo, além do antecedente Diferentemente do comumente pregado,
criado pela crise coreana, é possível a política externa do ditador não era, de
perceber claros traços da PDD 39 na forma alguma, irracional, sendo conduzida
formulação da Doutrina Bush, em especial com base em um conjunto de preferências
no que concerne à preempção. voltadas para seus interesses. O grande
desafio em lidar com Hussein consistia em
3.3.3. Preempção sua visão dos cenários de forma mais
favorável do que a realidade, ignorando
Além de sua importância para a Doutrina informações negativas e usando como base
em si, a preempção enquadrou política e experiências passadas selecionadas cujo
resultado a ele agradasse (BARAM, 2012). ele havia retido uma parte do arsenal de
Além disso, a própria compreensão do WMD, provavelmente a fim de manter o Irã
governante do Iraque dos diferentes “pesos” receoso.
de baixas militares para os iraquianos e para Como é possível inferir, na mente de
os americanos apresentava uma ameaça aos Saddam Hussein, elementos racionais
Estados Unidos, tendo motivado Saddam misturavam-se com cálculos inconstantes,
Hussein a desafiar os EUA em episódios t ornando -o não i rr acional, ma s
como a Guerra do Golfo, situação na qual extremamente perigoso e imprevisível. Tal
Saddam declarou: “Your is a society which aspecto, assim como o comportamento
cannot accept 10,000 dead in one rebelde e ameaças aos Estados Unidos,
battle” (BARAM, 2012). provavelmente exerceu importante
Hussein, ademais, recusou retirar-se do influência na escolha americana do Iraque
Kuwait, estimulou ataques terroristas contra para servir de exemplo para os demais
alvos norte-americanos e destruiu grande Estados Párias, afirmando-se como o
parte da estrutura petrolífera do País, mesmo principal exemplo de Guerra Preventiva
com a declaração americana de que haveria dentro da Doutrina Bush (TUNÇ, 2009).
severas retaliações caso isso acontecesse. O
único aspecto respeitado da declaração 3.3.4. Consequências e medidas
americana foi a interdição do uso de armas internacionais e domésticas
químicas e biológicas contra a coalizão. Os
americanos não fizeram distinção entre as Com o ambiente incerto do pós-11 de
questões, mas Saddam o fez, provavelmente setembro somado às pressões americanas, o
por temor de uma resposta nuclear por parte combate ao terrorismo tornou-se um dos
dos EUA. Infere-se, assim, que a dissuasão elementos centrais da agenda internacional
(deterrence) parece ter funcionado nesse dos países.
caso, mas apenas parcialmente, pois Saddam Indo além dos controles de fronteiras,
Hussein escolheu as ameaças que gostaria de criou-se consciência da necessidade de
respeitar (BARAM, 2012). tomar ações concernentes não só ao combate
Juntamente com tais experiências ao terrorismo, mas também à sua prevenção,
passadas, o programa iraquiano para dificultando a obtenção de capital por parte
obtenção de Armas de Destruição em Massa dos grupos terroristas e pressionando países
(WMD) gerou uma grande apreensão por que possam acobertar tais grupos.
parte da comunidade internacional e, mesmo Com tal preocupação em mente foi
que posteriormente houvesse ficado claro criada a “Convenção Internacional para a
que esses realmente desistiram do programa, Supressão do Financiamento do Terrorismo”
Saddam Hussein continuava agindo no sob a tutela do Banco Mundial, urgindo para
intuito de convencer os demais atores que que os Estados tomassem todas as medidas
possíveis, adaptando sua legislação 3.3.5. Fundamentalismo:
doméstica caso fosse necessário, para o aspecto religioso
combater a ameaça terrorista. Nela são enquanto justificativa política
contempladas medidas como a proibição de
atividades de pessoas ou organizações que Outra face menos difundida, porém não
reconhecidamente encorajem, organizem ou menos importante, da Era Bush é a ascensão
estejam engajados com o terrorismo, a do fundamentalismo enquanto fenômeno
adoção de regulações proibindo a abertura presente nos discursos e ações políticas.
de contas cujos titulares ou beneficiários não Nesse ponto, merecem destaque tanto o
sejam identificados, a obrigatoriedade de fundamentalista islâmico, doutrina que
relatar operações financeiras suspeitas e justifica os ataques perpetrados por
realizar trocas de informações com a organizações como a Al Qaeda, quanto o
Interpol21, entre outras determinações (IMF, fundamentalismo cristão evangélico, que
2004). marcou as ações e reações da própria
Além das consequências no âmbito administração George W. Bush.
internacional, tais como a política contra os Primeiro, cabe destacar, que a
Estados párias e as fiscalizações financeiras, associação entre terrorismo e
os atentados de 11 de setembro tiveram fundamentalismo não é tão evidente como
fortes impactos internos nos Estados Unidos, parece, tendo aparecido, mais enfaticamente,
dando força ao pensamento neoconservador apenas em algumas e seletas organizações.
e aprovando medidas polêmicas tais como o No caso do fundamentalismo islâmico
Patriot Act, o qual restringiu liberdades perpetrado por grupos como a Al Qaeda, o
individuais dentro dos Estados Unidos discurso busca forjar percepções de
(PECEQUILLO, 2011). antagonismos culturais e religiosos entre o
Houve, ademais, a edição do Ocidente e o mundo muçulmano (UNITED
Memorando do Departamento de Justiça, o NATIONS, 2004), difundindo assim a sua
qual flexibilizou a definição de tortura para tendenciosa, e mesmo equivocada, visão de
seu emprego em interrogatórios, uma jihad global.
acobertando episódios como os abusos aos Essa modalidade específica de
direitos humanos em Abu Graib e fundamentalismo, ao contrário do que
Guantánamo (PECEQUILLO, 2011). Como afirma significante parcela da opinião
é possível observar, a política de combate ao pública, é um fenômeno em franco declínio
terrorismo nos Estados Unidos deu-se em no mundo muçulmano, no qual a população
detrimento à liberdade, delineando um civil tende a rejeitar o intensivo uso de
cenário polêmico. violência utilizado por essas organizações.
Um exemplo marcante seria o Paquistão
21
International Criminal Police Organization.
onde a porcentagem da população que da Bíblia e, frequentemente, a atitudes
apoiava a Al-Qaeda caiu de 33%, em agosto apocalípticas. Com o surgimento da
de 2007, para apenas 18%, em janeiro de Organização para a Libertação da Palestina
2008 (HUMAN SECURITY PROJECT, (OLP), durante a Guerra dos Seis Dias, a
2007). Além disso, cabe frisar a grande revolução islamita no Irã em 1979 e as
apreensão presente em muitos países polêmicas relacionadas ao terrorismo,
islâmicos em relação aos xiitas, porém, o fundamentalismo passou a ser
frequentemente associados ao Irã. associado primordialmente ao Islã (PAINE,
Essa visão é clara em declarações como 2010).
a de Hosni Mobarak, o qual argumentou Cabe ressaltar, porém, que os quatro
que: “Os xiitas na região são mais leais ao traços típicos do fundamentalismo como
Irã do que a seus próprios países”22. expostos por Scott Randall Paine (2010), os
Ademais, a popularidade de Hassan quais são: o subjetivismo fechado, o
Nasrollah do Hezbollah libanês e do fideísmo radical, o literalismo na
presidente Ahmadinejad nos países árabes, interpretação das escrituras e a tendência a
dois líderes xiitas, é um objeto de grande medidas radicais, à militância e até ao
preocupação das elites sunitas os quais terrorismo na busca efetiva de seus fins, não
temem não só a ascendência da vertente são observáveis apenas em vertentes do
xiita, mas a crescente influência do Irã na islamismo, estando presentes no
região (BARZEGAR, 2008). fundamentalismo cristão, presente no
A despeito da verdadeira relação entre os Ocidente.
xiitas, o Irã e o terrorismo, os esforços de Diferentemente do que ocorre com o
muitos países do Oriente Médio de dissociar fundamentalismo islâmico, a sua versão
-se do “radicalismo islâmico” muitas vezes evangélica é amplamente difundida e
propagado de maneira caricatural no crescentemente aceita nos Estados Unidos,
ocidente são claros, sendo a relação entre ecoando na Casa Branca, dentro da qual o
terrorismo e fundamentalismo mantida de próprio presidente Bush, segundo o
maneira cada vez mais artificial nos reverendo Jerry Falwell, é um de seus
discursos de agentes políticos. representantes, e no Ministério da Justiça,
O fundamentalismo, por sua vez, não é encabeçado pelo devoto e pregador
exclusivo do mundo islâmico, tendo o termo pentecostal John Ashcroft (VICTOR, 2005).
surgido, inclusive, dentro das religiões Reflexos de sua influência podem ainda ser
cristãs. Ao longo do século XX, o termo vistos na difusão dos meios midiáticos
fundamentalismo era usado apenas dentro da evangélicos, com claras estratégicas e
comunidade protestante para designar propósitos doutrinários em rádios e
correntes mais ligadas à interpretação literal televisões e de livros evangélicos, cujas

22
Baztab, 10 de Abril de 2006.
vendas, durante o primeiro mandato de por Deus” e, portanto, devem “batalhar
George W. Bush (2001-2004) evoluíram de contra o mal”. Assim, tal como expresso por
1,77 milhões de dólares por ano para cerca Ashcroft, muitos americanos demonizavam
de 11 milhões. Ademais, desde a década de tanto a figura de Osama Bin Laden, quanto a
1970, possui esse grupo a taxa de do próprio islamismo, relacionando a luta
crescimento mais acentuada nos Estados contra o terrorismo com a antiga luta contra
Unidos, tendo sido responsável por 42% dos os ímpios (Gottlosen), ou seja, os filhos
votos republicanos, em um total de 120 perdidos de Abraão23. Nessa linha de
milhões de votos (dos quais um quinto eram pensamento, anunciou o presidente Bush,
do grupo dos “renascidos”, de ideologia em discurso no local do antigo World Trade
claramente fundamentalista) na eleição de Center, no dia 16 de dezembro de 2002,
2004 (VICTOR, 2005). uma “cruzada” contra o terrorismo – uma
Esses grupos, em especial dos ditos duradoura guerra contra esse novo tipo de
“renascidos”, pregam ser a Bíblia um “mal” (VICTOR, 2005).
instrumento infalível e que a fé individual é Tinha então início, em meio ao
a resposta para todos os problemas éticos e estrondoso apoio popular e legitimida a
morais da sociedade. Além disso, acreditam partir de uma ideologia fundamentalista que,
eles que ninguém poderá ser salvo se não paradoxalmente, se assemelhava àquela a
acreditar em Jesus Cristo, o que traz consigo qual se combatia, a famosa “Guerra ao
duas implicações: (1) que os adeptos das Terror”. Assim, anunciava a administração
demais religiões não serão salvos, e (2) que Bush ser “a vontade de Deus” que os
é sua obrigação disseminar a palavra divina Estados Unidos se mobilizassem
por todo o mundo (VICTOR, 2005). militarmente para eliminar aqueles tidos por
Nesse sentido, após os atentados de 11/9, inimigos da Democracia e do Cristianismo
fortaleceu-se no discurso de proeminentes (VICTOR, 2005), abrindo espaço para as
políticos norte-americanos um viés invasões do Afeganistão e, posteriormente,
religioso. Assim, em 20 de setembro de do Iraque.
2001, ao discursar para a “Associação Cabe, enfim, ressaltar que tal discurso,
Nacional de Emissoras Religiosas”, afirmou embora muito contribuísse para justificar as
o Ministro da Justiça John Ashcroft que os ações norte-americanas, não modificou
ataques de setembro provavam, apenas, que importantes aspectos de sua atuação externa,
os Estados Unidos são uma “nação escolhida principalmente no Oriente Médio, região na

23
Segundo o Livro do Gênesis, o profeta Abraão casou-se com Sara, que, sendo estéril, ofereceu sua serva Ha-
gar ao marido, de modo que este pudesse gerar descendência. De Hagar nasceu Ismael, considerado, mesmo
entre os muçulmanos, o ancestral dos povos árabes. Contudo, surgem conflitos entre Hagar e Sara, o que resul-
ta na fuga da primeira. Posteriormente, um anjo do Senhor aparece para Sara, anunciando o fim de sua esterili-
dade e o nascimento de seu filho. Nasce, então, Isaac, o filho da promessa, do qual descenderão o povo judeu e
o cristão.
qual o governo continuou a, americana?
paradoxalmente, prestar apoio a regimes não Como é possível perceber, muitas
-democráticos e não-cristãos, muitos dos questões ainda permanecem acerca da
quais viriam a cair durante a chamada ordem internacional deixada pela Guerra
“Primavera Árabe”, iniciada em 2010. Fria, sendo muitos traços deixados pela nova
Com a ascensão de Barack Obama à ordem americana ainda não tão claros,
Casa Branca, contudo, esvaziou-se o devido, entre outros motivos, pelo ainda
discurso fundamentalista e enfraqueceu-se a pequeno distanciamento temporal que o
política de “Guerra ao Terror”, o que pode analista possui dos acontecimentos
ser claramente observado a partir da retirada estudados. A própria hegemonia dessa
total das tropas norte-americanas do “superpotência” é, em alguns aspectos,
território iraquiano, anunciada pelo contestável.
presidente em 21 de outubro de 2011. A A “ordem do vencedor” da Guerra Fria
“Doutrina Obama”, assim, “encerrava a era está longe de ser inquestionável, levantando
das intervenções preventivas e detinha polêmicas ao redor do globo e motivando
caráter progressista no sentido de identificar muitos grupos, dentre os quais figuram
a tendência à multipolaridade e apontar a alguns grupos terroristas, os quais veem os
ausência de ‘um’ só inimigo contra os Estados Unidos como tiranos e não
EUA.” (PECEQUILLO, 2011). assimilam os valores por eles pregados.
Nesse sentido, estaríamos observando a
4. UMA CONCLUSÃO? uma mudança estrutural no sistema
internacional, ou a alterações que poderiam
Mesmo com claras consequências desencadear, em última instância, uma
práticas, muitas questões ainda pairam modificação na própria forma de
acerca da importância dos atentados de 11/9, relacionamento dos membros da já
em especial no que concerne à postura conformada sociedade internacional global?
americana. Por que os atentados de 1995 em Como observamos ao longo do processo que
Oklahoma City e os de 1993, também no a conformou, necessitaríamos de um grande
World Trade Center não suscitaram medidas ponto de ruptura que fosse capaz de dar
similares de combate ao terrorismo? Quais inicio a um novo processo de conformação.
foram os fatores desse atentado particular Correndo o risco de cair na quimera do
que possibilitaram a emergência da Guerra anacronismo, poderíamos comparar o
Global contra o terrorismo, cunhada entre terrorismo aos grandes movimentos de
atores internacionais de caráter distintos? E, expansão colonial europeus, principalmente,
caso fossem países como Rússia, China ou do século XIX? Nesse sentido, poder-se-ia
França que tomassem iniciativas dizer que ambos movimentos, de algum
semelhantes, como seria a reação modo, espalharam globalmente uma
ideologia e, quiçá, uma nova forma de garantiria a paz seria compatível com
organização social internacional – o qualquer país, em especial com os islâmicos,
primeiro, a ordem europeia, seus valores e lançando o questionamento se o que existe
sua organização, enquanto o segundo entre esses seria realmente um antagonismo,
globalizou, simultaneamente, uma como é comumente retratado, ou, antes de
“perigosa” alternativa idealizada por certos tudo, uma incompatibilidade de paradigmas
grupos fundamentalistas e uma política entre o Ocidente e o Oriente. De qualquer
expansiva de combate ao terror e exportação forma, tudo indica que a ordem americana,
da democracia, por parte, principalmente, da concomitantemente unilateral e multilateral,
administração George W. Bush, nos Estados não é tão estável como o pós-Guerra Fria
Unidos. apontava e que, talvez, estejamos
Logo, ao contrário do que defende vivenciando um mero período de transição,
Fukuyama (1989), ainda existem conflitos no qual uma nova ordem internacional, a
que não podem ser resolvidos dentro da partir de sociedade internacional global,
ordem liberal, e tais conflitos parecem ainda acredita-se, consolidada, ainda está sendo
estar longe de acabar. Torna-se imperativo, construída.
portanto, indagar se o modelo da democracia
liberal que na visão dos Estados Unidos

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RESUMO ABSTRACT

A atuação em Missões de Paz da ONU, The participation in UN Peacekeeping


em concordância com a Política Missions, in accordance with the
Externa tradicional ganhou maior foreign policy drawn over the years,
importância na política brasileira nos especially under the President Lula
últimos anos. Através de uma análise administration, gained greater
dos documentos oficiais do governo importance. Through an analysis of the
Brasileiro, busca-se mostrar a official documents of the Brazilian
influência direta do caráter da missão government, we seek to show the direct
– humanitária ou intervencionista – na influence that the character of the
aprovação junto ao Congresso mission - humanitarian or
Nacional, tendo por pressuposto que é interventionist - affects the approval by
interesse fixo do Executivo que isto the National Congress, with the
ocorra. Ao final, conseguimos assumption that the Executive interest
demonstra-se que o posicionamento do for the approval is fixed. At the end, we
Legislativo Brasileiro se dá em could demonstrate that the positioning
concordância com o histórico of Brazilian Legislative takes place in
posicionamento do país em sua accordance with the historical position
atuação internacional de respeito à of Brazil in their international
não intervenção e soberania de outros activities of non-intervention and
Estados, priorizando sempre as causas respect for the sovereignty of other
humanitárias em detrimento da states, always prioritizing
intervenção. humanitarian cause over intervention.

PALAVRAS-CHAVE: Missão de KEYWORDS: UN Mission, Brazilian


Paz; Congresso Brasileiro; Congress, MINUSTAH, Brazil.
MINUSTAH; Brasil.

1
Os autores são estudantes do 6º semestre do programa de graduação do Instituto de Relações
Internacionais da Universidade de Brasília.
1. INTRODUÇÃO Consegresso Nacional Brasileiro, o Haiti
acabava de sair de séculos de ditaduras, lutas
O presente trabalho tem por objetivo políticas e crise socioeconômica. A situação
analisar a aprovação pelo Congresso do Haiti agravou-se, em 2004, a partir da
Nacional do Brasil do envio de tropas para a renúncia do presidente Jean-Bertrand
Missão das Nações Unidas para a Aristide. O caos generalizado e a iminência
estabilização do Haiti (MINUSTAH). de uma guerra civil ensejaram a mobilização
Pretende-se, ainda delinear algumas urgente da comunidade internacional. O
considerações a respeito da política externa Conselho de Segurança das Nações Unidas
brasileira e de como suas características (CSNU) estabeleceu uma Força
particulares interferiram nos trâmites desse Multinacional Interina (MIF), a fim de evitar
processo. a eclosão de uma guerra civil, enquanto
Através de uma análise dos documentos estruturava uma operação de paz. À convite
oficiais, tais como discursos de do Conselho de Segurança, o Brasil aceitou
parlamentares e votação em plenário, este participar da Missão, com o envio de 1200
estudo busca responder de que forma as militares e assumindo seu comando militar.
peculiaridades da Política externa Brasileira A MINUSTAH foi estabelecida por um
(PEB) influenciaram a aprovação da período inicial de seis meses, com a previsão
participação brasileira por parte do de renovação por períodos adicionais e
Legislativo. Tem-se como pressuposto que o solicitou que a Força Multinacional Interina
apoio do Executivo sobre a aprovação da (MIF) fosse substituída pela MINUSTAH
participação brasileira na MINUSTAH é em 1º de junho de 2004.
tida como variável fixa.
As possíveis razões para a participação 2. O PROCESSO DECISÓRIO E O
brasileira na MINUSTAH vão desde o LEGISLATIVO BRASILEIRO
multilateralismo e a busca por um assento
permanente no Conselho de Segurança das Atualmente, o envio de tropas para
Nações Unidas (CSNU)aos novos princípios missões de paz pelo Brasil envolve o
da política externa brasileira, pautada na não Ministério das Relações Exteriores (MRE),
-indiferença e na diplomacia solidária o da Defesa (MD), o do Planejamento
(AMORIM, 2007) e a forte diplomacia Orçamento e Gestão (MPOG), a Presidência
presidencial. Seguindo uma mesma linha de da República e o Congresso Nacional
ação desde o governo Sarney (SENNES, (UZIEL, 2010).
2003), a política externa do Brasil busca Os tomadores de decisões políticas
uma maior projeção em nível regional e atuam num ambiente dividido por
internacional. paradigmas acadêmicos que competem entre
Na época da aprovação da missão no si. Eles vêem as relações internacionais
sobretudo como um sistema: há um padrão confiança aos outros atores ao assumir
regular de interações entre sociedades publicamente seus compromissos,
diferentes na maioria das questões que diminuindo assim os custos de transação
afetam a vida humana. Segundo Keohane e inerentes ao processo(MARTIN, 2000).
Nye, as unidades do sistema são Estados e À primeira vista, a decisão brasileira de
outros atores e comunidades transnacionais agir no Haiti parece, segundo Verenhitach,
que vivem em interdependência uma decorrência direta de um objetivo geral
(KEOHANE, NYE, 1977). da política externa brasileira.
Na política externa brasileira, há dois (VERENHITACH, 2008). Especialmente
paradigmas, núcleos duros, que balizam as dentro do Itamaraty essa versão teve
percepções dos tomadores de decisões ao ressonância, defendendo uma política de
longo dos anos: o autonomista, surgido com fortes princípios, nos quais a resolução
o Barão do Rio Branco, e o globalista, pacífica de conflitos ocupa um lugar
surgido na década de 60 que universalizava privilegiado (AGUILAR 2010). Com uma
a política externa (MELLO e SILVA, 1998). análise mais detida, entretanto, é possível
Após um retorno ao americanismo nos perceber um conjunto de “decisões
primeiros governos militares, a partir dos aparentemente inconsistentes, acentuadas
anos 70 e até o final dos 80, há uma forte ênfases em sutilezas interpretativas que
retomada do globalismo. sugerem que a decisão foi mais complexa
Não obstante, Maria Regina Soares de que o que pareceria a primeira
Lima (1994) reduz as diferentes perspectivas vista” (DINIZ 2005, p. 91).
sobre política exterior a três enfoques Mesmo que realizada segundo os canais
básicos: o clássico, o político-social e o pertinentes, a decisão hierárquica (top-
interativo. Segundo arcabouço teórico down) (VERENHITACH, 2008) por parte
formalizado por Robert Putnam (1988) do Executivo nacional despertou uma série
ações do sistema internacional impactam as de protestos dentro do governo e fora deste
tomadas de decisões no ambiente político (IOAKIMEDES, 2006). A Comissão de
doméstico, assim como as decisões políticas Relações Exteriores e de Defesa Nacional
internas afetam fortemente o Sistema declarou-se frontalmente contrária ao envio
Internacional. O principal desafio do de tropas ao Haiti. A discussão sobre a
Executivo seria, portanto, a busca de uma autorização do envio de 1200 soldados teve
estratégia de negociação que seja um alto tom de oposição. De maneira geral,
politicamente viável nas ordens interna e a discussão foi dominada pela oposição ao
externa (LIMA, 1994). governo (SARMIENTO, 2010).
As democracias têm grandes vantagens Alguns congressistas contrários ao envio
nesse sentido justamente por causa do de tropas argumentaram que a participação
Legislativo, uma vez que este sinaliza brasileira na MINUSTAH constituía mero
apoio à política intervencionista norte- passo adiante na construção da liderança em
americana na região caribenha e que seu nível regional e global.
envio serviria para corroborar um golpe de
Estado abertamente apoiado pelos Estados 3. CONCLUSÃO
Unidos (Câmara dos Deputados, 2004).
Uma missão nestes moldes representaria Por meio da análise dos debates travados
clara ingerência nos assuntos internos no plenário da Câmara, identificamos o
haitianos, sendo muito mais sensato o envio conteúdo substantivo que pauta a
de ajuda humanitária no lugar de tropas.De polarização entre as coalizões de governo e
modo geral, a oposição fez frente aos oposição. Entre os discursos contrários
princípios norteadores da política externa do observou-se a ênfase no envio de uma ajuda
governo, do qual a MINUSTAH é uma das humanitária ao invés de tropas. Entre
principais bandeiras (FELIU e MIRANDA, os discursos favoráveis observou-se um
2011, p.326). comprometimento com a política governista.
Com 118 votos contra a proposta, 266 a Destaca-se a pressão do poder Executivo
favor e uma abstenção (vide gráfico 1), o para a aceitação da participação da
texto só foi aprovado devido a um acordo MINUSTAH pelo Congresso Nacional.
entre as lideranças da oposição e governo O presente trabalho tentou, assim,
para que não houvesse verificação dos votos clarificar a dinâmica específica da
(Câmara dos Deputados, 2004), usando mão aprovação de Missões de Paz pelo Brasil no
do presidencialismo de coalizão. âmbito do Poder Legislativo e as análises
Para os deputados favoráveis ao projeto, que privilegiam a incorporação da arena
o envio de tropas ao Haiti representaria, ao doméstica no processo decisório da política
mesmo tempo, uma continuidade na tradição externa ainda precisam ser amplamente
em participação de missões de paz e um estudadas.

GRÁFICO 1
Votação Brasil
Envio de Tropas ao
Haiti

Fonte: Feliu e Miranda (2011), a


partir de dados de
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RESUMO

O presente artigo tem por objetivo inexistência de normas restritivas que


analisar a relação entre o Direito busquem erradicar entraves aos quais
I nternacional e a Segurança o sistema de segurança
Internacional no âmbito da América interamericano se submete.
Latina contemporânea, buscando
demonstrar os limites de atuação das PALAVRAS-CHAVE: Segurança
estruturas legais de tais governos Internacional, Direito Internacional,
desta área do globo. Para tal, expõem- América Latina, Conflitos Fronteiriços
se estudos de casos relacionados à e Soberania.
reivindicações fronteiriças, questões
soberanas bem como desafios que
surgem a partir da integração
econômica entre determinados Estados
latino-americanos. Assim, almeja-se
por meio da exposição de tais
problemáticas, evidenciar as lacunas
presentes no exercício de poder dos
governos latinoamericanos e a

1
Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Participa também em
outros projetos extracurriculares de seu instituto.
2
Graduando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Foi bolsista voluntário
do Programa de Iniciação Científica da Universidade de Brasília no ano 2011/2012.
3
Graduando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Atualmente, dedica-se
ao Programa de Educação Tutorial em Relações Internacionais, participando também de outros
projetos extracurriculares de seu instituto.
ABSTRACT 1. INTRODUÇÃO

This article intends to analyze the relation A emergência de novas interpretações e


between International Law and
International Security in the framework of debates sobre Segurança Internacional e a
contemporary Latin America. Thus, it seeks relação desta com o Direito Internacional
to demonstrate the limits of governments’ chamou a atenção de autores de Relações
actions in this area of the globe, within Internacionais estudiosos do tema no âmbito
their legal structures. For such, there are
some case studies related to border claims, da América Latina. O renovado debate sobre
sovereign issues and challenges arising o assunto no contexto acadêmico também se
from the economic integration between deve à mudança das dinâmicas de segurança
certain Latin American states. Therefore, na região nas últimas décadas. O declínio e a
by exposing of such problems, the goal is to
highlight gaps in the exercise of power by queda dos regimes militares da década de
Latin American governments and the lack 1980 levaram os Estados latino-americanos,
of restrictive rules that seek to eradicate especialmente na América do Sul, a um
barriers to which the inter-American processo lento, mas consistente, de
security system undergoes.
atenuação de tensões e à reaproximação
KEYWORDS: International Security, entre os Estados, minimizando a doutrina
International Law, Latin America, Border enfaticamente geopolítica das décadas
Conflicts, Sovereignty. anteriores (HURRELL, 1998). A maior
segurança interestatal foi, no entanto,
contrastada com um crescimento de ameaças
não-estatais e transnacionais na região, com
destaque para as ameaças advindas do
tráfico internacional de drogas.
Nesse sentido, as novas ameaças à
segurança internacional na América Latina
aparentam seguir a reorientação dos debates
sobre Segurança Internacional ocorrida após
o fim da Guerra Fria. Entretanto, como será
visto mais adiante, o Estado continua a ter
um papel central no âmbito da segurança
regional: seja como provedor ou ameaça à
segurança de Estados e populações vizinhas
ou da comunidade regional como um todo.
Assim, mesmo com a amplificação das
chamadas ameaças à segurança
internacional, abordagens mais tradicionais
ainda possuem relevância no contexto latino Latina. Para tanto, utilizar-se-á de estudos de
-americano. caso, cada qual referente a alguma dinâmica
O respeito ao direito internacional dita as específica de relação ou tensão entre direito
relações internacionais da América Latina e segurança. O artigo é, então, estruturado
desde o século XIX no que diz respeito à da seguinte maneira: a primeira seção
administração e resolução de conflitos fornece uma perspectiva conceitual do
(Ibid.). Mais recentemente, o supracitado direito internacional e da segurança
processo de reaproximação entre os países internacional, enfatizando a relação entre
latino-americanos levou à assinatura de uma ambas e o surgimento de novas
série de novos tratados bilaterais e interpretações para o segundo termo.
multilaterais, alguns dos quais versam sobre A seção seguinte, já imersa no contexto
a segurança e outros cujas garantias latino-americano, trata da tensão entre o
auxiliaram a criar um quadro de maior respeito à soberania nacional externa e o
segurança e estabilidade nas relações entre combate ao tráfico de drogas e grupos
os Estados da região. guerrilheiros, analisando os casos do ataque
Entretanto, desenvolvimentos recentes da Colômbia às Forças Armadas
no contexto regional mostraram os limites Revolucionárias da Colômbia (FARC) em
do direito internacional como mecanismo de território equatoriano, em 2008, e dos
garantia da segurança da região. Muitas grupos paramilitares atuantes na Guatemala.
vezes, a solução para problemas de A terceira seção discute as consequências da
segurança regional tem passado por integração regional do Mercado Comum do
flexibilizações e até desrespeitos a normas Sul (MERCOSUL) para a segurança
tradicionais do direito internacional. Do internacional, além de analisar o caso do
mesmo modo, algumas atuações estatais impeachment paraguaio de junho de 2012. A
regionais estariam indo contra normas ou quarta e última seção discorrerá sobre
tratados aos quais os Estados se conflitos de fronteiras e disputas territoriais,
submeteram, como o recente impeachment ilustradas pelo caso da reivindicação de
de Fernando Lugo no Paraguai, aumentando parte do território da Guiana pela
a preocupação sobre a segurança na região. Venezuela.
Em suma, a relação entre segurança
internacional e direito internacional não é, 2. A RELAÇÃO ENTRE DIREITO
no âmbito da América Latina, estável e INTERNACIONAL E SEGURANÇA
tampouco sempre positiva. NTERNACIONAL: PERSPECTIVA
Tendo em vista o exposto, esse artigo se CONCEITUAL
propõe a analisar as relações e tensões entre
segurança internacional e direito O debate sobre a relação entre direito
internacional no panorama atual da América internacional e segurança internacional têm
sido alvo de interesse acadêmico internacionais descumpram convenções as
recentemente. Se por décadas a ordem legal quais haviam se comprometido a cumprir,
internacional serviu de moldura para sem entretanto, serem sancionados por isso.
assegurar a segurança dos Estados, os Mesmo com suas limitações inerentes, as
debates pós-Guerra Fria sobre segurança normas e costumes do direito internacional
internacional clarificaram os limites e têm historicamente servido de estrutura legal
deficiências do direito internacional perante para assegurar a segurança internacional.
o novo leque de definições e preocupações Exemplo contemporâneo de suma
de Segurança. importância é a Carta da Organização das
De maneira simplificada, podemos Nações Unidas (ONU), que estabelece a
definir o direito internacional como sistema manutenção da segurança como um dos
universal de normas e princípios que regem propósitos da Organização. Para a realização
as relações entre Estados soberanos e entre de tal objetivo, a Carta proíbe que cada um
estes e Organismos Internacionais dos membro da ONU intervenha em
(STRATTON, 2009). Logo, o direito assuntos internos dos outros Estados. Assim,
internacional configura-se como moldura por meio desses e outros dispositivos, o
essencial para a condução organizada das documento fundador da ONU procura
relações internacionais. Entretanto, o direito garantir a segurança internacional e a
internacional tem limitações inerentes à sua sobrevivência de uma ordem internacional
natureza e estrutura, que acabam por centrada na soberania estatal
prejudicar sua eficácia como ordem legal. (OBERLEITNER, 2005).
Tais limitações decorrem principalmente do Apesar de a expressão “segurança
fato de o sistema jurídico internacional, em internacional” ser utilizada em muitos
oposição ao doméstico, ser descentralizado. acordos internacionais (fontes de direito
Assim, mesmo com a existência de diversos internacional), discursos de política externa
meios para a resolução de disputas e obras acadêmicas, ela não o é empregada
internacionais, não existe um órgão judicial de forma consistente. De fato, apesar de o
centralizado que julgue a validade e o termo segurança internacional ter sido
conteúdo de normas internacionais amplamente utilizado como justificativa de
(SOUZA, 1999). Tampouco existe uma diversas políticas (como declarações de
autoridade executiva centralizada capaz de guerra, suspensão de direitos individuais
fazer cumprir tais normas. Assim, tanto o etc.) e como objetivo a ser alcançado, a
cumprimento de regras do direito definição e o significado do conceito
internacional como a resolução de “segurança”, per se, foi amplamente
controvérsias sob o mesmo acabam sendo negligenciado por décadas (BALDWIN,
por vezes um ato voluntário dos Estados 1997). Neste sentido, Baldwin (Ibid, p. 13)
(SOUZA, 1999). Não é raro que atores propõe uma caracterização conceitual que
consegue fundamentar e abarcar o novo modo geral, a segurança humana troca o
pensamento sobre segurança: “[segurança é Estado pelo ser humano como objeto da
ter] pequena probabilidade de dano a valores segurança internacional. Os valores
adquiridos”. Essa definição serve como adquiridos a serem protegidos são a vida
ponto de partida para conceituar dimensões humana individual. As ameaças à segurança
específicas de segurança, que devem indicar internacional também deixam de ser
“o quanto de segurança é buscado, para oferecidas apenas pelos Estados, passando a
valores de quais autores com a respeito a englobar desastres naturais e atores não-
quais ameaças” (Ibid., p. 17). estatais, como grupos paramilitares,
Tendo em mente o caminho conceitual terroristas e ONGs. Destaca-se a
indicado por Baldwin, podemos inferir que o flexibilização do princípio da soberania,
termo segurança internacional foi deixando o Estado de ter monopólio sobre o
tradicionalmente interpretado como a uso da força em seu território. Assim sendo,
segurança da comunidade internacional de não se pode mais estudar segurança
Estados, objetivando asseguração da internacional apenas em termos estatais.
soberania, do não-uso da força e da não- Independentemente dos rumos que o
intervenção de um Estado nos assuntos direito internacional tomará no que concerne
internos dos outros. Sob essa perspectiva, os à segurança internacional, a garantia desta
objetos da segurança internacional seriam os última encontra limitações inerentes na
Estados, julgados como únicos atores ordem legal internacional. O principal
relevantes no âmbito internacional, e cujos objetivo das demais seções do trabalho é
valores de soberania, integridade territorial apontar os pontos de tensão entre direito
deveriam ser protegidos de ameaças internacional e segurança internacional na
essencialmente militares de outros Estados. América Latina, iniciando-se pelas ameaças
O fim da Guerra Fria trouxe consigo o transnacionais advindas do tráfico de drogas,
surgimento de uma série de abordagens que desafiam o tradicional princípio da
sobre segurança internacional, tanto em soberania estatal.
termos acadêmicos quanto de política
externa. Dentre as novas abordagens de 3. A SOBERANIA FRENTE ÀS
segurança internacional, a chamada AMEAÇAS TRANSNACIONAIS
segurança humana ganhou especial
destaque. Não há uma definição única para o Nesta seção do artigo procurar-se-á
termo: sua conceituação por vezes é mais evidenciar os dilemas enfrentados pela
restrita, focando na integridade física do ser Segurança e Direito Internacional no âmbito
humano, ou mais ampla, enfatizando da América Latina, revelando de que
aspectos psicológicos e econômicos do maneira os diversos países inseridos nesta
indivíduo (OBERLEITNER, 2005). De região do globo lidam com questões
relacionadas ao conflito entre soberania e como relevar a ineficácia do Direito
ameaças transnacionais. Internacional quando aplicado a questões
Assim, com vistas a colocar tal relacionadas a regiões limítrofes entre
pensamento em prática, dois estudos de caso países.
serão expostos. O primeiro se apresenta
como um panorama da dinâmica dos grupos 3.1 DROGAS NA
paramilitares na Colômbia — vinculados ao COLÔMBIA V. SOBERANIA
narcotráfico — demonstrando de que forma (COLOMBIA-EQUADOR/
estes grupos irregulares afetam as relações VENEZUELA)
entre as nações latinas. Pretende-se, ainda,
ao analisar tal exemplo, evidenciar as Forças Em 1º de março de 2008, uma ação
Armadas Revolucionárias da Colômbia conjunta entre forças militares e policiais
(FARC) como uma organização que colombianas ingressou em território
sustentada por sua subcultura mafiosa equatoriano com vistas a eliminar as FARC
consegue atuar com total autonomia em — a qual se encontrava clandestinamente
regiões fronteiriças, o que demonstra a em região fronteiriça equatoriana. A
debilidade dos governos nacionais e a empreitada foi protagonizada por
ineficácia de medidas para mitigar tal bombardeios ao acampamento no qual a
ameaça. organização paramilitar se situava, tendo
Quanto ao segundo exemplo, será como resultado a morte de dezenas de
abordada a debilidade existente na pessoas, estando entre estas o comandante
Guatemala, demonstrando a dificuldade do Raúl Reyes, importante figura no escalão
país em erradicar sangrentas invasões de das FARC e chefe-negociador nos diálogos
cartéis de drogas que originam um ciclo de soltura de reféns (SUBCOMMITTEE ON
vicioso de violência e fracasso institucional. THE WESTERN HEMISPHERE, 2008).
Tal estudo de caso se sobressai em razão da A referida façanha foi efetuada sem o
vulnerabilidade estatal, resultante do livre devido consentimento por parte do governo
comércio de armas que auxiliam a equatoriano, desencadeando fortes censuras
ocorrência destes atentados públicos, por parte de outros países americanos.
ocasionando, por sua vez, uma atmosfera de Aliada a este contexto, a ação executada
terror na população e subjugação da mesma pelo lado colombiano foi denunciada, em 2
à máfia das gangues. de março, durante o Conselho Permanente
Por fim, esta seção aspira a identificar as da Organização dos Estados Americanos
falhas nas estruturas políticas dos governos (OEA) — convocada em razão do apelo
latinoamericanos, a inexistência de medidas equatoriano, na qual este país ressaltou a
restritivas que busquem erradicar entraves violação da integridade do Equador por
ao sistema de segurança interamericano bem representantes colombianos e a mobilização
de tropas equatorianas para a zona sentido de que estes passaram a atuar sem o
fronteiriça norte (Ibid). respaldo do Direito Internacional (predileção
Ressalta-se, ainda, que de acordo com o antes incorporada às deliberações nacionais
Subcommittee on the Western Hemisphere destes), utilizando-se da intervenção militar
(2008), durante a incursão, computadores como principal artifício em suas operações,
pertencentes a membros das FARC foram indo, dessa forma, de encontro aos preceitos
confiscados e entregues às autoridades presentes na Carta da OEA, tais como o
colombianas. Após minuciosa análise dos respeito pela soberania e a preservação da
documentos presentes nos equipamentos paz.
eletrônicos, o governo colombiano alegou Assim, compreende-se que o uso da
que arquivos e mensagens obtidos força no caso entre Colômbia e Equador se
demonstravam que o presidente Hugo configurou como uma espécie de
Chávez apoiara as FARC, podendo ter instrumento diplomático (Ibid). Desse modo,
colaborado com 300 milhões de dólares. buscou-se evidenciar à agenda internacional
Além disso, houve também acusações latino-americana as ameaças transnacionais
relativas a um possível auxilío financeiro e possíveis debilidades que os conflitos
fornecido pelas FARC à campanha eleitoral armados, organizados por conjuntos
de 2006 do presidente do Equador, Rafael paramilitares, acarretariam aos sistemas de
Correa. Deste modo e em razão do segurança, economia e política regionais.
acumulado de denúncias com os quais Segundo Briscoe (2008), como
Equador e Venezuela sofriam, os dois países exemplos de tais problemáticas, manifestam
optaram pela ruptura das relações -se as fronteiras desregradas e
diplomática com a Colômbia, dando início à desgovernadas da Colômbia bem como
Crise Andina (Ibid). aquelas sob controle territorial de
Observa-se, então, com este episódio, paramilitares (FARC) ou milícias rebeldes
uma mudança na postura diplomática (Exército de Liberdade Nacional - ELN) ao
adotada pelas nações latinas, se comparada à longo das linhas limítrofes com Venezuela e
utilizada no fim do século XIX — Equador. Nessas zonas extremas se têm
caracterizada tanto pelo repúdio ao uso da verificado o cultivo estável de coca, apesar
força quanto pela redução na intensidade dos dos esforços para fumigar plantações e
conflitos inter-estatais, apesar da existência desarmar estes grupos. Salienta-se que tais
de grandes disputas fronteiriças e altos ações ofensivas resultaram na transferência
níveis de violência e instabilidade política na da produção de ilícitos para partes mais
esfera doméstica dos países (HURREL, inacessíveis, onde as organizações militares
1998). Contudo, a partir do início do século aproveitam-se da porosidade e do ineficaz
XX, uma forte radicalização é evidenciada monitoramento nas fronteiras para
nas ações externas dos países latinos. No contrabandear, lavar dinheiro ou procurar
refúgio4. assentam-se no princípio da liberalização, o
Com isto, as circunstâncias qual envolve a criação de um espaço que
anteriormente explanadas podem ser permita o fluxo de bens e serviços e a
traduzidas no seguinte pensamento: adequação daquele a leis, afim de criar
economias desprotegidas (BONILLA,
A redução da capacidade do Estado 2004).
de impor a ordem legítima levou à
Entretanto, sobressai-se o seguinte
privatização da violência visto que
diversos grupos sociais e revelam dilema que surte efeitos no bloco latino: se
cada vez mais capazes de mobilizar por um lado, os processos de regionalização
a força armada, como culminou
igualmente na privatização da
e interdependência demonstram-se efetivos
segurança a grupos sociais que na criação de um ambiente latino-americano
procuram se proteger, seja através estável e seguro, reaproximando antigas
do vigilantismo, da formação de
grupos paramilitares ou pela compra nações rivais. Por outro lado, os mesmos se
de segurança dentro de um mercado denunciam como problemas à ordem
em expansão comercial regional, manifestando-se por sua vez como
(HURRELL; 1998; pag. 542,
tradução livre). potenciais externalidades negativas
(HURREL, 1998). Apresentam-se como
Outra questão relevante a esta conjuntura modelos de tais efeitos: operações armadas,
regional está no fato de que a presença de criminalidade, as migrações, degradação
grupos armados nas fronteiras entre os ecológica e de culturas e o agravamento da
países origina o estabelecimento de novas ordem pública em face das diferentes formas
formas de estruturas de autoridade. Nestas de violência externas (BONILLA, 2004;
fronteiras os direitos tradicionais dos HURREL, 1998).
cidadãos se tornam promessas vazias, sendo Por fim, deve-se ter em mente que tais
aqueles substituídos pelo fornecimento de fenômenos socioeconômicos e políticos de
proteção e bem-estar oferecidos pela máfia cunho internacional, aliados à dinâmica
(BRISCOE, 2008), corroborando o militar comandada pelos grupos
supracitado ideal de privatização da paramilitares, contribuem tanto para a
segurança protagonizado pelos grupos ampliação dos eixos de troca dos ilícitos
paramilitares. quanto para o reforço da estrutura de
Tal inexistência de instrumentos legais produção dessas economias fronteiriças
para gerir determinadas áreas limítrofes (BISCOE, 2008), culminando na dificuldade
corrobora com a evolução do processo da de erradicar as mesmas e,
corrosão institucional, na qual esta assume- consequentemente, na propagação da
se como condição inicial para a formação violência no sistema latino-americano.
das economias fronteiriças (Ibid). Estas
4
Tais regiões são pouco viáveis às culturas lícitas dada a baixa qualidade da terra e ao alto custo de transporte.
3.2 AMÉRICA CENTRAL: OS AND CRIME, 2008, p.7).
GRUPOS PARAMILITARES NA Paralelamente ao referido indicador,
GUATEMALA E A SEGURANÇA outros atuam simultaneamente, sendo este: a
REGIONAL pobreza, que fornece aos cartéis população
vasta e marginalizada, de fácil recrutamento,
América Central continua sendo uma das intimidação e fragilizada, visto que metade
regiões mais vulneráveis ao crime organizado, da população da Guatemala vive abaixo da
uma vez que encontra-se em um ambiente de linha de pobreza internacional. A região
pós-conflito e por deter uma posição geográfica apresenta, ainda, abundância em armas
entre os maiores fornecedores mundiais e
legais e ilegais, incluindo estoques
consumidores de cocaína. Há escassa áreas
remanescentes das guerras civis. Ademais, a
policiadas em vários países da América Central,
Guatemala impõe baixo controle sobre as
incluindo a Laguna del Tigre Park na
Guatemala, Mosquita em Honduras e a Costa vendas de armas de fogo ou munição, tendo
Atlântica da Nicarágua (UNITED NATIONS a maior taxa de posse de armas por civis na
ON DRUGS AND CRIME; 2008; pag. 6, América Latina (CRISIS GROUP LATIN
tradução livre) AMERICAN REPORT, 2001, pag, 11).
Durante décadas, a Guatemala tem sido Além de tais aspectos de cunho social e
utilizada por traficantes de drogas como rota militar serem relevantes ao presente
para México e Estados Unidos. Segundo o contexto, torna-se necessário evidenciar a
relatório do Grupo de Crises Latino- ineficácia das instituições estatais que
americano (2011), esta vulnerabilidade traduzem-se como vantagem crucial para o
fronteriça já podia ser observada ao final dos crimes organizado. Isto é, inexistência de
anos 1970, quando o país ainda se uma estrutura institucional que proporcione
encontrava sob regime militar, e grupos de aos seus cidadãos os devidos direitos e a
traficantes colombianos já deslocavam proteção necessária contra quaisquer
grandes quantidades de cocaína para a ameaças à integridade e bem-estar de sua
América Central. população (CRISIS GROUP LATIN
O primeiro fator que contribui para que a AMERICAN REPORT, 2001, pag. 12)
Guatemala se torne um ponto estratégico ao acarreta na criação de uma atmosfera de
comércio de ilícitos é o aspecto geográfico. medo e reduzida confiança entre as
O país caracteriza-se por ser a nação mais instituições:
setentrional da América Central, possuindo
Com relação ao nível de
fronteira com o Estado mexicano. Assim,
policiamento, vários países da
com as transações comerciais de ilícitos uma América Central revelam políticas
vez que a Guatemala se configura como área de relações públicas fracas,
incluindo Honduras, Guatemala e
de transporte rodoviário e aéreo para o Nicarágua. Outros setores do
México (UNITED NATIONS ON DRUGS sistema de justiça também são
desafiados por problemas de como esses, ocorre o crescimento do índice
recursos e gestão. Os juízes em
de assassinatos no país e nas zonas
muitos países da região são
conhecidos por estarem sujeito à fronteiriças. Todavia, sublinha-se o
influência financeira e política. A argumento de que nem todas as mortes
falta de política e capacidade do
Ministério Público em índices de
podem ser atribuídas ao tráfico de drogas e
condenação muito baixo em alguns agentes transnacionais (CRISIS GROUP
casos (UNITED NATIONS OFFICE LATIN AMERICAN REPORT, 2011, pag.
ON DRUGS AND CRIME; 2007;
pag. 13, tradução livre). 7, tradução livre), conforme descreve o
seguinte relato:
Tal fraqueza institucional tem origem no
século XX, quando as forças armadas Das 5960 mortes comitidas na
Guatemala no ano de 2010, 41%
passaram a dominar o Estado, operando com ocorreram no distrito de Guatemala,
pouca consideração por representantes região mais urbanizada do país,
eleitos, autoridades judiciais ou onde gangues e crimes comuns são
considerados como responsáveis.
Constituição. Atrela-se, ainda, a isto a Entretanto, a geografia dos óbitos
questão de subordinação do poder civil às fora da área da capital sugere que os
autoridades militares, que priorizavam os traficantes de drogas – cujas
atividades, como observado,
interesses políticos e econômico da elite, também incluem tráfico de seres
ignorando a maioria populacional (CRISIS humanos, extorsão e sequestro –
estão por trás da violência.
GROUP LATIN AMERICAN REPORT,
2011, pag, 12), iniciando, então, o processo Dado isto e almejando erradicar tais
de corrupção e desvios de dinheiro que pontos de estrangulamento da segurança e
ainda perduram no país. integridade nacional e dos países vizinhos,
Concomitantemente, outra problemática duas frentes políticas foram estabelecidas
que assola a segurança e estabilidade com vistas a se complementarem. A
guatemalteca é a presença de gangues. Estes primeira é o Escritório das Nações Unidas
atores irregulares geralmente “controlam o para Drogas e Crimes (UNDOC), divisão da
mercado de drogas no varejo sendo Organização das Nações Unidas (ONU) que
igualmente acusados de terem envolvimento destina-se a reforçar a capacidade da
no tráfico transnacional de ilícitos, Guatemala e demais países latino-
utilizando o fundo destas trocas para americanos nas áreas de justiça criminal,
continuar a promover a criminalidade reforma das prisões, cibercriminalidade e
local” (UNITED NATIONS OFFICE ON tráfico de seres humanos5.
DRUGS AND CRIME, 2007, pag. 33). Quanto à segunda frente, esta se
Como consequência da impunidade por caracteriza como um pacote de ações
parte de grupos armados transnacionais políticas ofensivas formuladas pela

5
Ver: <http://www.unodc.org/unodc/en/justice-and-prison-reform/index.html?ref=menuside>.
Comissão Internacional Contra Impunidades regional.
na Guatemala (CICIG)6 e pelo Sistema de
Integração da América Central (SICA). Tais 4. CONSEQUÊNCIAS DA
órgãos buscam o desmantelamento dos INTEGRAÇÃO REGIONAL
corpos ilegais e de grupos de segurança
paramilitares clandestinos criados durante o Assim como os temas relacionados à
longo período conflito armado (1960-1996) segurança internacional recentemente têm
que se infiltrararam em grande parte das sido levantadas ao redor do mundo, põe-se
instituições estatais desde o acordo de paz em questão as implicações do tema
de 1996. Tais grupos evoluíram de uma relacionadas à integração regional.
associação contra-insugentes para grupos de Processos de integração entre países tendem
crimes organizados. Contudo, salienta-se a a ter início em termos mais econômicos,
problemática relativa ao mandato do CICIG com algumas contemplações políticas e logo
que enfrenta dificuldades para a seu depois a introdução de uma relativa
cumprimento. homogeneização entre as legislações dos
Os entraves surgem, inicialmente, em Estados-membros.
razão do mínimo alcance de poder O caso do Mercado Comum do Sul
designado a esta comissão, visto que ela não (MERCOSUL) se mostra representativo
pode tratar de questões relativas à corrupção como processo de integração de relevância
e, principalmente, ao crime organizado — comercial e força política dentro da região
tópicos estes que se resumem como os aqui tratada. Tomando-o como exemplo,
p r i n ci p ai s d a a g e n d a n ac i o n al . destacam-se, dentre suas questões políticas
Consequentemente, as organizações estratégicas, os acordos relativos ao fluxo de
transnacionais ilegais que protagonizam pessoas e mercadorias entre as fronteiras,
crimes de alta gravidade acabam por não mas pouco se abordam questões de
receber quaisquer punições, incentivando a segurança internacional ou ações conjuntas
continuação do ciclo vicioso da violência de órgãos militares Estatais. Dessa forma, as
interna. políticas internas dos países-membros
Então, compreende-se que o fracasso tendem a ser traçadas de acordo com
institucional provém da escassez de recursos critérios próprios, atendendo a demandas
nacionais para o combate ao narco-tráfico e domésticas.
ao crime organizado. Ou seja, seria No entanto, observa-se atualmente um
consequência da inexistência de meios sistema internacional assimétrico, no qual
jurídicos rígidos que visem a uma países de maior influência tendem a intervir
abordagem mais disciplinada para o (ou ameaçar fazê-lo) em países “menores”
estabelecimento da democracia e segurança caso as decisões internas desses

6
Para saber mais, ver: <http://cicig.org/index.php?page=mandato>.
prejudiquem ou atinjam aqueles consensuais entre os países do bloco e,
(MIYAMOTO, 2000). Esse entendimento é possivelmente, membros-associados. A
aplicável à lógica intra-bloco abordada a realidade existente entre os países do
seguir, a partir da análise do fenômeno da MERCOSUL reflete, então, uma
segurança no MERCOSUL e, peculiaridade geopolítica da própria região
especificamente, no recente caso do sulamericana. Uma guerra entre os países do
impeachment no Paraguai dentro desse bloco seria, por sua vez, estrategicamente
contexto. improvável. Para Alcides Vaz (2002, p. 7),
tal particularidade se deve ao “fato de as
4.1 MERCOSUL – SEGURANÇA OU ameaças potenciais não emanarem de
INSEGURANÇA? políticas de Estado (...)”, mas sim estarem
relacionadas mais fortemente aos arranjos
A integração proposta pelo políticos internos dos países.
MERCOSUL, desde sua formação, tem Considerando essa realidade regional,
cunho predominantemente econômico, não percebe-se mais claramente a eliminação –
estabelecendo metas específicas referentes a ou a diminuição – do potencial de conflito
temas de segurança estratégica regional. do que a tentativa de estabelecer políticas de
Logo, apesar de o bloco almejar sua total defesa coordenadas entre os países
inserção na cena internacional, temas como (OLIVEIRA; ONUKI, 2000). Nesse sentido,
defesa territorial, soberania nacional e o próprio histórico de tensões entre Brasil e
condições para o uso de forças militares, são Argentina – principais países dentro do
tangenciados em seus documentos-base. MERCOSUL – veio sendo atenuado desde
Desde os primeiros procedimentos para a as últimas décadas do século XX. Um dos
formação do mercado comum (Programa de fatos que mais colaborou para o fim desse
Integração e Cooperação Econômica, em foco de instabilidade foi justamente o
1986), foram assinados 24 protocolos entre Acordo Tripartite de Cooperação Técnico-
Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Operativa entre Itaipu e Corpus, em 19 de
Entretanto, em nenhum deles, houve outubro de 1979. De acordo com o
especificações ligadas à defesa nacional ou Embaixador Francisco Thompson Flores
segurança internacional, nem mesmo foi Neto (2000), tal acordo permitiu a alteração
delegado o tratamento dessas questões a gradual da lógica de contraposição de
outro mecanismo do escopo do bloco interesses em direção a um entendimento
(SOARES, 2004). favorável à cooperação política e à
Ainda assim, o MERCOSUL representa integração econômica entre os dois países e
um elemento de estabilidade para a América também o Paraguai.
do Sul, ao passo que instaura um aparato Em relação à segurança na área de
institucionalizado que congrega interesses fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai,
foi elaborado o Plano Geral de Segurança da aos países vizinhos. No caso da fronteira
Tríplice Fronteira (1998), como tentativa de brasileira na região amazônica, tal
harmonizar a abordagem dos países em fragilidade se dá, principalmente, em
relação às atividades ilícitas como lavagem decorrência da baixa densidade demográfica
de dinheiro, narcotráfico, terrorismo, ou da região e da baixa presença do Estado por
questões como comércio de automóveis e meio de suas instituições, além do
imigração. Apesar disso, a facilitação do ineficiente monitoramento por parte de
fluxo de pessoas e bens, decorrente do órgãos de fiscalização como a Polícia
próprio mecanismo do MERCOSUL, vem Federal e Exército – fato observado também
fazendo com que haja certo afrouxamento na tríplice fronteira (GATTO, 2005).
no controle e fiscalização dessa região Nessa região, o Brasil tem posição de
fronteiriça. Os Estados Unidos, por sua vez, destaque, sendo o país que intermediou boa
após o atentado de 11 de Setembro, parte das negociações e tratados
destacaram a área como propícia para a internacionais ligados à segurança
formação de bases terroristas devido à sua internacional direta ou indiretamente. Pode-
importância estratégica e frágil vigilância se citar, por exemplo, o apoio ao Tratado
(GATTO, 2005). Nesse sentido, os EUA para a Proibição de Armas Nucleares na
chegaram inclusive a enviar tropas para o América Latina e o Caribe (Tratado de
Paraguai, o que gerou questionamentos Tlatelolco) e, posteriormente, ao Tratado de
acerca do real motivo dessa movimentação Não-Proliferação; assim como auxílios
militar, cogitando-se relação estratégica outros que configuraram a região como uma
frente à Venezuela de Hugo Chávez. zona livre de armas nucleares. Além disso, a
Ademais desse contexto de iniciativa proeminente no Tratado de
vulnerabilidade na tríplice fronteira, gerada Cooperação Amazônica (TCA) que, em
principalmente por fatores de grupo 1979, definiu alguns parâmetros relativos à
desestabilizadores não-Estatais, pode-se integração amazônica em seu aspecto
observar uma fronteira talvez ainda mais técnico, objetivando desenvolvimento
preocupante: a área fronteiriça amazônica tecnológico e econômico da região,
(OLIVEIRA; ONUKI, 2000). Apesar de a colaborou para uma maior estabilização na
região citada conter somente o Brasil e, mais área (OLIVEIRA; ONUKI, 2000).
recentemente, aVenezuela como membros Desse modo, a antiga estratégia, baseada
oficiais do MERCOSUL, existem muitas na lógica da confrontação global, observada
características de vulnerabilidade territorial no Tratado Interamericano de Reciprocidade
que influenciam as rotas de narcotráfico ou (TIAR)7, vem sendo substituída pela visão
o andamento de atividades ilícitas que de uma América do Sul livre de conflitos de
acabam por implicar consequências sérias grandes proporções. Nesse sentido, podem-
7
Também chamado “Tratado do Rio”, foi celebrado em 1947 no Rio de Janeiro entre diversos países america-
se elencar a Declaração de Iguaçu (área 2012). Com este libelo acusatório, Lugo foi
nuclear), a Declaração de Mendonza (armas afastado e o vice-presidente Federico Franco
químicas e biológicas) e a Declaração de assumiu o cargo da presidência após um
Ushuaia, em 1998, constituindo a Zona de processo de impeachment relâmpago (com
Paz e Livre de Armas de Destruição em duração de menos de 48 horas), que trouxe
Massa. muita tensão e discordância entre países
Assim, mesmo com fragilidades nas vizinhos e instituições regionais como a
regiões fronteiriças de seus países-membros, União de Nações Sul-Americanas
o MERCOSUL continua concentrando (UNASUL) e o próprio MERCOSUL.
Estados que se esforçam para que – ao Questiona-se, portanto, se o processo de
menos, bilateralmente – uma América do deposição foi legítimo e democrático. Em
Sul pacífica seja assegurada. O bloco tem, que medida os organismos regionais e
portanto, reunido países com intenções Estados vizinhos poderiam intervir na
pouco belicosas e, embora haja ameaças soberania paraguaia?
transnacionais na região, tem havido “um A princípio, o fato de o Congresso
esforço de aproximação bastante acentuado paraguaio entender o assunto como
no nível diplomático entre os países plenamente interno não era facilmente
integrantes do bloco de questionável. Porém, com o envio de uma
integração” (SOARES, 2004). missão de chanceleres da UNASUL, no dia
21 de Junho (um dia antes da efetiva
4.2 CASO PARAGUAI - UM deposição de Lugo), ficou claro que os
CONFLITO DE LEGITIMIDADE países vizinhos estavam interessados em
compreender a situação e apoiar um
A crise política instaurada no Paraguai, processo que tivesse bases democráticas
em meados de 2012, vem trazendo sólidas. Após reunião com líderes do
relevantes repercussões internacionais. Congresso e então presidente Lugo e vice-
Tanto no contexto regional quanto do presidente Franco, a UNASUL externou
próprio MERCOSUL. O então presidente “sua preocupação com a não observância ao
Fernando Lugo – eleito emblematicamente devido processo legal, que poderia ferir o
por um partido esquerdista adversário, texto dos artigos de apoio à democracia”
retirando o partido Colorado, que estava há dispostos como protocolo ao seu Tratado
décadas na presidência do país – foi deposto, Constitutivo (Ibid.). Foi exposto, também,
com acusações de que “não estava que alguns países isoladamente – como
desempenhando suas funções como Argentina, Bolívia, Venezuela e Equador –
deveria” (NOGUEIRA; GONÇALVES, haviam decidido não reconhecer o novo

nos, entrando em vigor ao final de 1948. Seu princípio central objetiva a defesa mútua, no qual um ataque con-
tra qualquer membro seria entendido como um ataque contra todos, baseando-se na “doutrina da defesa hemis-
férica”.
governo e que a UNASUL concretizaria sua domésticas do Paraguai frente ao
posição em assembleia, posteriormente. questionamento acerca do cumprimento de
Semelhantemente, o MERCOSUL, em cláusulas democráticas acordadas em
reunião dos três outros países-membros, protocolos internacionais; há, ainda, a
entendeu que o processo ocorrido no perspectiva de segurança energética e
Paraguai feria o Protocolo de Ushuaia financeira da nação paraguaia.
(MERCOSUL, 1998) em sua cláusula Logo, percebem-se dois posicionamentos
democrática. Desse modo, foi decidido pela em relação ao impeachment ocorrido. O
suspensão do país do bloco econômico sem primeiro criticaria tanto a forma rápida
que houvesse sanções relativas a direitos ou como se deu todo o processo, quanto a
obrigações, seguindo a primeira frase do pouca possibilidade ampla de defesa por
artigo 5 do referido protocolo. O bloco parte do ex-presidente Lugo, ferindo as
optou por não aplicar sanções ao Paraguai a cláusulas democráticas assinadas pelo
fim de que o povo do país não sofresse Paraguai nos protocolos do MERCOSUL e
consequências graves; medida bem recebida da UNASUL. Alguns países que assim se
por parte do ex-presidente Fernando Lugo8. posicionam defenderiam a ideia de “golpe
Mesmo sem efetivo isolamento branco”, discordando da legitimidade do
econômico ou político, o Paraguai já novo governo. O segundo defenderia a
enfrenta represálias por parte de alguns soberania do país, discordando do
vizinhos. Estas não se relacionam somente envolvimento e intervenção de países
ao não-reconhecimento de seu novo vizinhos e de organismos internacionais.
governo, mas também a problemas com Nesse posicionamento, a deposição é vista
suprimento antes acordado de alguns bens, como legítima, já que ela teria cumprido
como a interrupção no envio de petróleo todos os trâmites previstos na Constituição
venezuelano para o país. A atmosfera de paraguaia, respeitando, portanto, o Estado de
insegurança nessa nova fase de relações com direito.
o país é observada, por exemplo, na Assim, persiste o questionamento
diminuição do tradicional comércio na clássico acerca da definição de democracia,
região fronteiriça com o Brasil e com a bem como de instituições e ações que sigam
nomeação de novo diretor-geral paraguaio tal conceito. Ao assinar o protocolo
da Usina de Itaipu, ameaçando parte do adicional da UNASUL, o Paraguai estaria
suprimento de energia elétrica para o Brasil. abdicando de parte de sua soberania em prol
Desse modo, além da questão de Direito do ideal democrático e pacífico regional, de
Internacional envolvendo as decisões modo a garantir a estabilidade e
8
Nessa mesma oportunidade, os chefes de Estado anunciaram a entrada da Venezuela: fato que causou descon-
forto na região, não só no próprio Paraguai quanto no Uruguai. Para compreender melhor o fato, acesse:
<http://www.cartacapital.com.br/internacional/entrada-da-venezuela-no-MERCOSUL-e-mais-economica-que-
politica/>. Acesso em 20 de setembro de 2012.
securitização sul-americana. Entretanto, definição de fronteiras dos Estados do que é
estariam os países vizinhos e organismos aparente (DIAS, 2007). Tais conflitos não
dos quais o Paraguai é membro, se dizem respeito somente às disputas entre
utilizando tal situação de crise política para países da própria região latino-americana,
alcançarem alguns objetivos internos? Ou mas também com antigos colonizadores,
seriam somente ações visando à garantia de como os litígios existentes com os territórios
uma ordem democrática na região? Espera- reivindicados perante a Grã-Bretanha.
se que a estabilidade regional, corroborada Nesse sentido, pode-se salientar o
pelas próprias instituições de integração conflito histórico das ilhas Malvinas
regional, não seja ameaçada por essa tensão. (Falkland Islands, em inglês) entre a
Argentina e a Grã-Bretanha que, mesmo
5. REIVINDICAÇÕES TERRITORIAIS após uma guerra e a efetiva tomada britânica
E CONFLITOS DE FRONTEIRA da posse da ilha, continua gerando eventos
desconfortáveis para a política argentina e
Outra perspectiva relacionada à para os países vizinhos. Além disso, observa
soberania diz respeito à delimitação -se a persistência do Peru no redesenho de
territorial dos países. As antigas colônias de sua fronteira marítima com o Chile, levando
países europeus iniciaram, a partir do século inclusive uma denúncia contra este último
XVIII, seus processos de independência e na Corte Internacional de Justiça. As
foram criados Estados soberanos na região fronteiras laterais marítimas geram conflitos
latino-americana. As peculiaridades dos também entre Honduras e Nicarágua,
impérios espanhol e português na região, Colômbia e Equador, além de outras tensões
ademais das possessões inglesas, holandesas terrestres vistas entre Honduras e Costa
ou francesas, trazem à região algumas Rica, e Colômbia e Equador.
tensões históricas na territorialização das O caso a ser abordado de modo mais
nações. Ao longo dos séculos, as fronteiras aprofundado a seguir será o de Venezuela e
dos Estados foram se formando e se Guiana. Esse contencioso possui longo
consolidando, deixando a impressão de que histórico e continua levantando tensões entre
a região teria plena estabilidade em termos dois Estados latino-americanos em relação à
fronteiriços dos países. delimitação territorial, revelando que a
Entretanto, os conflitos de fronteira não região, aparentemente estável, esconde
se limitam aos tratados firmados para conflitos relevantes.
delimitação ou anexação territorial no Brasil
ou à divisão pacífica de Colômbia em mais 5.1 VENEZUELA V. GUIANA –
um Estado: Venezuela. Ainda nos dias REIVINDICAÇÃO DO
atuais, após complexos esforços de TERRITÓRIO DE
integração, existem mais tensões relativas à ESSEQUIBO
Na atualidade, o
e nt e ndi ment o de bl ocos
econômicos e integração
regional contempla, ao menos
em sua teoria, a busca pela
estabilidade nas fronteiras entre
os países-membros da região.
Nesse sentido, a querela entre
Venezuela e Guiana deve ser
percebida tanto em sua
perspectiva histórica quanto no
contexto contemporâneo no qual
tais Estados estão inseridos.
Assim, o objetivo dessa
subseção é explorar questões
pertinentes à disputa pelo
território de Essequibo.
A área reclamada atualmente
pelos dois países supracitados já
serviu de base comercial
holandesa forte durante o século
XVII (MANGAR, 2009) e foi
ocupada no século seguinte por
diversas potências europeias.
Dentre elas, notadamente Grã-
Bretanha e França, podendo
também serem citadas missões Imagem 1: Linhas Fronteiriças da Guiana
de origem espanhola na região.
Em 1814, pelo Tratado de Londres, a Grã- ao Rio Orinoco (ver imagem 1). Em relação
Bretanha compra a posse de Essequibo, à definição de tais fronteiras por parte da
juntamente com Berbice e Demerara: áreas Grã-Bretanha houve; além de um litígio
controladas primordialmente pela Holanda. resolvido pelo Barão do Rio Branco
É assim que, no ano de 1831, forma-se a (“Questão do Pirara”) relativo à fronteira
Guiana Inglesa, por meio da Linha norte do Brasil; a primeira grande
Schomburgk que delimitava o território contestação territorial venezuelana
entre o Rio Courantyne (fronteira com o (DESIDERÁ NETO, 2012).
atual Suriname) indo até o oeste chegando A Venezuela alegava que a primeira
ocupação de Essequibo teria sido feita por em um rio fronteiriço (rio Mazaruni) por
missões capuchinhas espanholas9, sendo a parte da Guiana. Nesse ponto crítico se
região, portanto, sua herança desde a reacenderam as tensões, chegando à
independência (Ibid.). Ademais, o país iminência de um confronto armado –
colocava que as fronteiras foram definidas coincidentemente, na mesma época em que
unilateralmente por uma expedição da coroa foi instaurada a Guerra das Malvinas na qual
britânica, sugerindo uma deliberação de Venezuela apoiou Argentina e Guiana sua
comum acordo para que fossem delimitadas ex-metrópole (Grã-Bretanha).
tais fronteiras. Tal tensão se manteve até que Já na década de 1980, iniciaram-se as
em 1897 foi definido um tribunal para tentativas de resolução pacífica dos
arbitrar tal contencioso, por meio do Tratado conflitos, no escopo das Nações Unidas por
de Washington10. meio de seu secretário-geral. A atmosfera
Em 1899, foi então posto um documento cooperativa – que incluía a área técnica na
vinculante para as duas partes (Laudo de usina hidroelétrica, a própria integração da
Paris) que delimitava as fronteiras entre os rede elétrica dos países e o auxílio mútuo
países basicamente como são hoje. Ambos militar no combate ao tráfico na região –
os Estados litigiosos referendaram a reverberou até para a Organização dos
sentença e o caso foi visto como resolvido Estados Americanos (OEA), quando o veto
durante algumas décadas. Só durante o venezuelano para a entrada da Guiana no
governo venezuelano de Rómulo Betancourt organismo foi retirado.
(1959-64), foi alegada a invalidade jurídica No início dos anos 2000, a solução do
da decisão do tribunal, devido a caso continua sob os bons ofícios do escopo
irregularidades das nacionalidades dos juízes das Nações Unidas, havendo declarações
eleitos para o caso (Ibid.). positivas, inclusive, do presidente Hugo
Por conseguinte, a partir da década de Chávez a respeito da relação com o país
1960, uma série de comissões foi instalada, vizinho. Apesar de um pequeno atrito
assim como acordados novos protocolos. ocorrido em 2008, devido ao bombardeio
Nesse período, as relações entre os países se venezuelano a dragas que estariam fazendo
tornaram mais amistosas, sobretudo, pelo extração ilegal (garimpo) no rio Cuyuni;
temor guianense frente a uma possível existe algum esforço de integração regional,
militarização de sua fronteira com o Brasil, inclusive, por meio de intenções de construir
necessitando de um possível aliado vizinho. -se uma rodovia que ligue as capitais dos
Tal calmaria é atrapalhada quando é dois países: Caracas e Georgetown (Ibid.).
cogitado um projeto de usina hidroelétrica Mesmo sem grandes avanços para a solução
9
Tais missões consistiam em um braço popular das tradicionais missões católicas de catequização, lideradas
pela Ordem das Irmãs Clarissas Capuchinhas (pertencente à Segunda Ordem Franciscana).
10
Possivelmente, em fins do século XIX, a disputa foi acirrada em decorrência da descoberta de jazidas de ouro
na região de Essequibo.
definitiva do caso, os princípios do Direito regional. O autor propõe, então, que haja
Internacional, defendidos pelas Nações uma tentativa de modificação na estrutura de
Unidas e organizações regionais, de uso de tais organismos a fim de permitir que essas
meios pacíficos para chegar a um acordo esferas sejam incluídas. Uma problemática,
têm sido, prioritariamente, seguidos. Desse então, levantada para a região é se a
modo, segundo Desiderá Neto (2012), não UNASUL seria uma proposta completa
há indícios de escalas sistematizadas de nesse sentido.
securitização entre os litigiosos, visto que a Para que esse conflito fosse resolvido, a
confiança mútua tem sido gradualmente via regional, provavelmente, seria ideal caso
alcançada, ambos participando de projetos se privilegiasse suas peculiaridades locais
de integração regional, por exemplo. nas organizações multilaterais da região,
Desiderá Neto (2012) sugere que o notadamente a UNASUL. Isso porque o
contencioso comece a ter resolução desenvolvimento regional e o próprio bem-
coordenada por órgãos regionais, visto que o estar da população local são diretamente
interesse da área mais afetada por tal tensão afetados por essa tensão (DESIDERÁ
faria com que a decisão fosse mais acertada. NETO, 2012). Nesse sentido, para que se
Nesse sentido, o autor ressalta: cumpra o objetivo da resolução com a
efetividade devida, é necessário que se
A criação da Unasul, em maio de observe a realidade de cada um dos
2008, e do seu Conselho de Defesa,
em dezembro do mesmo ano,
litigiosos; seja em seus aspectos políticos,
destaca a oportunidade de se buscar estratégicos ou econômicos; frente a suas
um novo meio pacífico para a reivindicações. Desse modo, mantendo em
solução da questão que consiga
trazer propostas concretas: o recurso mente os preceitos do Direito Internacional,
a entidades ou acordos regionais, a resolução do conflito teria eficácia para os
previsto no Artigo 33 da Carta da Estados envolvidos diretamente no
ONU e, portanto, em consonância
com o Acordo de Genebra. contencioso e seria de grande utilidade para
a manutenção da segurança de toda a região.
No entanto, existe uma visão contrária
expondo que “a formação de blocos 6. CONCLUSÃO
econômicos, como forma de fortalecer as
economias regionais, não estimula e Os debates a respeito das relações entre
tampouco oferece respaldo diplomático às Segurança Internacional e Direito
disputas fronteiriças” (SILVA, 2006). Desse Internacional têm ganhado espaço na agenda
modo, da forma como se configuram na acadêmica, política e diplomática no início
prática, essas organizações teriam do século XXI, e a América Latina não foi
pretensões muito mais econômicas do que uma exceção à tendência. No caso latino-
propriamente de auxílio mútuo e segurança americano, os debates refletem uma
realidade regional na qual Direito e renovaram as preocupações quanto à
Internacional e Segurança Internacional segurança do Cone Sul. Ao mesmo tempo, o
muitas vezes entram em tensão entre si. episódio levantou questionamentos sobre a
Em linhas gerais, Direito e Segurança capacidade dos protocolos e tratados do
entram em conflito pela incapacidade ou MERCOSUL em vincular seus membros ao
insuficiência do primeiro em garantir o cumprimento das normas. Assim, a
segundo. As tradicionais normas de interpretação pela qual o Paraguai teria
soberania não são capazes de lidar com a descumprido obrigações contraídas pelo
ameaça transnacional advinda do tráfico de Direito Internacional coloca em risco o
drogas, possibilitando a formação de poder deste de regular as atitudes dos
autoridades paralelas em zonas limítrofes ou Estados da região.
remotas, como na Colômbia, ou até A disputa territorial entre Venezuela e
enfraquecimento generalizado da estrutura Guiana elucida, por outro lado, a relativa
estatal, como na Guatemala. A ameaça funcionalidade do direito internacional no
transacional à segurança regional também já tratamento do território em disputa. Mesmo
levou à elevação de tensões bilaterais, como assim, a tendência de integração regional
a crise causada pela operação colombiana obscurece tais disputas, sem solucioná-las e
em território do Equador. Portanto, têm-se arriscando a ebulição de tensões bilaterais
um paradoxo gerado pela relação entre no futuro.
Direito e Segurança: apesar de alguns Em suma, Direito Internacional e
Estados e sua soberania doméstica se Segurança Internacional possuem uma
encontrarem debilitados pela corrosão relação relativamente tensa no contexto
institucional gerada pelo tráfico, latino-americano. O presente trabalho
intervenções armadas com objetivo de procurou ressaltar pontos de maior conflito
combater tal ameaça não são aceitas, pois entre os dois campos. Entretanto, não se
violam o princípio da soberania externa. pode falar em uma incompatibilidade entre
Ao se analisar a integração regional, da ambos na região. Apesar dos pontos de
qual o MERCOSUL é o exemplo mais bem- fricção, o Direito consegue oferecer, mesmo
sucedido, percebe-se que seu efeito para a que insuficientemente, certa segurança à
segurança regional é ambíguo. Se a região. Entretanto, o agravamento de
aproximação multilateral e interdependência ameaças como o tráfico internacional de
econômica minimizam a chance de conflitos drogas e uma virtual manutenção de tensões
regionais, as mesmas abrem espaço para a elevadas no MERCOSUL podem distanciar
penetração de ameaças não tradicionais. ainda mais Direito e Segurança, aumentando
Ademais, o polêmico impeachment no as incertezas e preocupações no sistema
Paraguai e a inclusão da Venezuela no latino-americano.
MERCOSUL elevaram as tensões regionais
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RESUMO ABSTRACT

Discutindo assuntos específicos The article discusses specific topics


relacionados aos temas de Direito e related to Law and Security in each of
Segurança em cada um dos países da the three North American countries
América do Norte (México, Estados (Mexico, United States and Canada),
Unidos e Canadá), o presente texto presenting a general view of the
visa a apresentar um panorama geral situation in this subcontinent. It also
da situação no subcontinente. Busca, seeks to discuss nowadays conjuncture,
ainda, discutir aspectos da conjuntura which is changing and affecting
atual que vêm mudando e afetam a security perception in these countries.
percepção de segurança nesses países.

PALAVRAS-CHAVE: América do KEYWORDS: North America, United


Norte, Estados Unidos, Canadá, States, Canada, Security.
Segurança .

1
Os autores são estudantes do quinto semestre do programa de gradução do Instituto de Relações
Internacionais da Universidade de Brasília.
1. INTRODUÇÃO Dois temas relacionados à política externa
norte-americana e a visão dos dois principais
O presente artigo tem como proposta candidatos são estudadas.
trazer um panorama das questões de direito
internacional e segurança atuais na América 2. CANADÁ
do Norte. A região compreendida por
México, Canadá e Estados Unidos é 2.1 O PAÍS FRENTE AO DIREITO
fundamental na compreensão da atual INTERNACIONAL E OS DIREITOS
situação do direito internacional no mundo. HUMANOS
A América do Norte possui diversos
exemplos do emprego ou não do direito O Canadá é considerado um país
internacional: tráfico de drogas, imigração, pacífico e pioneiro nas questões de direitos
violação de direitos humanos, conflito com humanos. O país teve função central na
outros países, entre outros. elaboração na Declaração Universal dos
O artigo se estrutura na análise Direitos Humanos de 1948, na qual John
individual de cada país e da situação do Peters Humphrey, jurista canadense, foi o
direito internacional e das questões de principal autor do projeto inicial da
segurança em cada um. Para cada país foram declaração (Morsink, 1999).
escolhidos temas pertinentes e de grande O Canadá se esforça para manter o
importância como o tráfico de drogas e a direito internacional e os direitos humanos
imigração no México. Quanto ao Canadá, o como parte de suas leis internas e elemento
foco do artigo é o estudo do país frente aos central de seus mecanismos jurídicos.
Direitos Humanos, a relação do país com as Existem quatro mecanismos jurídicos que
missões de paz da Organização das Nações protegem os direitos humanos no país: a
Unidas e com as missões militares da Carta Canadense dos Direitos e das
Organização do Tratado do Atlântico Norte. Liberdades, o Ato Canadense de Direitos
Já em relação aos Estados Unidos, o artigo Humanos, a Comissão Canadense de
busca estudar os anos do governo Bush e sua Direitos Humanos e as leis de direitos
doutrina de guerra além de trazer para a humanos de cada província do país.2
discussão novas questões de segurança e a Além de reforçar os direitos humanos
doutrina Obama. dentro de suas fronteiras, o Canadá tem
Além da análise de cada país da região nestes direitos o tema central na formulação
frente ao direito internacional, é feito da sua política externa. No entanto, o país é
também um estudo de caso da atual criticado internacionalmente por não
campanha presidencial dos Estados Unidos. reconhecer os direitos das suas populações

2
<http://www.international.gc.ca/rights-droits/policy-politique.aspx?view=d>, acessado em 25 de agosto de
2012.
indígenas, conhecidos como as primeiras Unidas e contribui financeiramente para o
nações no Canadá. O país não ratificou a estabelecimento delas. No entanto, sua
Convenção 169 da Organização Mundial do participação no financiamento e organização
Trabalho que versa sobre povos indígenas e das missões vem caindo e em 2006 o país
tribais e é o mais importante texto sobre os ocupava a posição 55 de 108 no envio de
direitos desses povos, que ainda tem uma tropas.4
presença grande no território canadense. Em outras áreas do direito internacional
A atuação do país no âmbito das Nações e dos direitos humanos, o Canadá também
Unidas também sempre foi pioneira e com tem participação ativa e pioneira5. Na
vistas a proteger os direitos humanos. Na Convenção sobre a Proibição do Uso,
década de 1950, eclodiu a Crise do Suez no Armazenamento, Produção e Transferência
Egito o que levou a Organização das Nações de Minas Antipessoais e sobre a sua
Unidas (ONU) a criar uma missão para a Destruição de 1997, o Canadá foi o primeiro
região. Por trás desse novo conceito de país a ratificar o tratado e teve grande
“peacekeeping” e o envio de uma força importância na sua elaboração e no diálogo
militar para resolver o problema no Suez entre a sociedade civil internacional, ONG’s
estava o canadense Lester B. Pearson, que e governos.
após isso ganhou o Prêmio Nobel da Paz e No campo do direito internacional na
se tornou primeiro ministro do país. América do Norte, um assunto de grande
Segundo a Associação das Nações Unidas importância é a prisão controlada pelos
no Canadá, Estados Unidos em Guantánamo. Uma das
grandes polêmicas recentes envolvendo a
[h]is vision of a UN peacekeeping
prisão é a extradição do egípcio-canadense
force was a multi-national force to
separate the combatants, lower Omar Khadr6, preso pelo exército norte-
tensions, and ultimately mediate americano pelo assassinato de um militar no
negotiations in order to bring lasting
peace to the area. So for the first
Afeganistão e por suporte ao terrorismo
time, a military force was quando tinha 15 anos de idade.
dispatched – not to impose a O caso de Khadr é considerado
settlement – but rather to facilitate
it. 3 emblemático nas repatriações de prisioneiros
em Guantánamo e nas relações EUA-
Desde então, o Canadá participou em Canadá. Após vários anos preso, diversos
quase todas as missões de paz nas Nações processos, indecisões do governo canadense

3
United Nations Association in Canada (2007) Disponível em: http://www.unac.org/peacekeeping/en/un-
peacekeeping/history/, acessado em 26 de agosto de 2012.
4
http://www.unac.org/peacekeeping/en/un-peacekeeping/canada-and-un-peacekeeping/, acessado em 26 de
agosto de 2012.
5
http://www.international.gc.ca/mines/support/index.aspx?view=d, acessado em 26 de agosto de 2012.
6
http://www.law.utoronto.ca/scholarship-publications/special-projects/khadr-case-resources-page, acessado em
26 de agosto de 2012.
e a opinião pública do país dividida em Crime. Canada also collaborates
with partners such as the United
relação ao caso, ele chegou ao fim com a
States, the European Union, Mexico
decisão do governo canadense em aceitar and Latin American partners to
Khadr no país para cumprir o resto de sua enhance security and build capacity
in the region.8
pena.7
2.2 POLÍTICA INTERNACIONAL Estados Unidos, Canadá e México têm
DE SEGURANÇA buscado agregar esforços no combate ao
crime organizado e ao tráfico de drogas na
Segundo o Ministério de Relações região. Segundo o jornal mexicano El
Exteriores do Canadá, a política Universal, os três países estão trabalhando
internacional de segurança do país se em um intercâmbio de informações para
ramifica em cinco eixos de atuação: crime e enfrentar as novas alianças dos cartéis
terrorismo, destruição de armas de mexicanos.9 Recentemente, a rota do tráfico
destruição em massa, banimento das minas de drogas México-EUA-Canadá intensificou
terrestres, não-proliferação de armas e na costa Oeste, resultando no aumento da
desarmamento e a pesquisa para o criminalidade em Vancouver, no Canadá.
desenvolvimento da política canadense de Além disso, o governo norte-americano
segurança. alertou para a vulnerabilidade das áreas
O Canadá prioriza em sua política indígenas na fronteira entre Estados Unidos
externa para as Américas o combate ao e Canadá que facilitam o tráfico de drogas.10
tráfico de drogas e ao crime organizado. O governo canadense também trabalha
Para o governo canadense, com a Comissão Inter-Americana para o
Controle do Abuso de Drogas da
[t]he illicit drug trade is of particular
concern as it fuels organized crime Organização dos Estados Americanos
networks, money laundering, (OEA) e dá suporte ao governo e a
corruption and other manifestations organizações não governamentais do
of transnational organized crime.
Canada has worked with its partners México e de outros países da América
to develop tools to combat these Latina para melhorar as políticas de combate
emerging transnational organized
ao tráfico e ao crime organizado.11
crime issues in the hemisphere,
including through the negotiation of
a Hemispheric Plan of Action 2.3 A RELAÇÃO CANADÁ – OTAN
Against Transnational Organized

7
http://www.huffingtonpost.ca/2012/09/12/omar-khadr-canada-return_n_1878041.html, acessado em 26 de
agosto de 2012.
8
Canadian Department of Foreign Affairs and International Trade (2012) Disponível em: <http://
www.international.gc.ca/crime/index.aspx?lang=eng&view=d>, acessado em 23 de agosto de 2012.
9
<http://www.eluniversal.com.mx/notas/845459.html>, acessado em 20 de agosto de 2012.
10
<http://www.gao.gov/products/GAO-11-508T>, acessado em 23 de agosto de 2012.
11
<http://www.international.gc.ca/crime/index.aspx?lang=eng&view=d>, acessado em 23 da agosto de 2012.
O Canadá foi um dos países fundadores estrutura política.12
da Organização do Tratado do Atlântico Na Cúpula da OTAN em Chicago em
Norte (OTAN) em 1949. De acordo com 2012, o primeiro ministro canadense
Norman Hillmer (2012), o país teve confirmou a retirada de suas tropas do
participação fundamental na realização do Afeganistão e a manutenção de um pequeno
acordo e principalmente na criação do artigo contingente para colaborar com o Exército
2 do tratado que versa sobre a parte política Nacional Afegão até 2014.13
e não-militar do tratado.
No começo da Organização, o Canadá 3. MÉXICO
atuou de forma bastante ativa, sendo um dos
países que mais investiam nos gastos 3.1 O PAÍS FRENTE AO DIREITO
militares dentro do acordo. No entanto, o INTERNACIONAL
país começou a atuar mais de forma política
do que militar. Segundo Steve Saideman O México enfrenta graves denúncias
(2012), do Canadian International Council, o quando o assunto é sua posição frente ao
Canadá ganha com a OTAN meios de Direito Internacional. Para as agências
influenciar que ele não conseguiria sozinho, internacionais focadas em direitos humanos,
além de segurança e um meio de agir o país vem sofrendo de inobservância de
multilateralmente. regras nacionais e internacionais a respeito
Para a OTAN, o Canadá contribui de do tema. Segundo a Anistia Internacional,
forma significativa ao ser um país confiável violações de direitos humanos vêm
e com uma boa estrutura militar. A missão acontecendo em diversos âmbitos no Estado
da organização no Afeganistão demonstrou mexicano: as forças federais, estatais e
isso, a falta de contingentes confiáveis na municipais estariam abusando de seu poder
missão favoreceu o Canadá dentro da missão e cometendo violações de direitos humanos;
no país e isso refletiu na recente missão da violência de gênero, rapto e abusos sexuais
OTAN na Líbia. de mulheres seriam frequentes,
O Canadá entrou na missão da OTAN no especialmente em zonas rurais; o acesso à
Afeganistão meses depois de seu início, justiça seria difícil; a situação dos migrantes
porém sua participação teve mais ilegais seria instável e perigosa; jornalistas
importância ao assumir em 2006 a província sofreriam com recorrentes afrontas à sua
de Kandahar. A atuação do Canadá na liberdade de expressão e ao seu trabalho
província afegã contou também com uma diário, assim como ativistas de direitos
ação de reconstrução da região e de sua humanos14.

12
<http://www.cbc.ca/news/canada/story/2009/02/10/f-afghanistan.html>, acessado em 23 de agosto de 2012.
13
<http://pm.gc.ca/eng/media.asp?id=4816>, acessado em 23 de agosto de 2012.
14
<http://www.amnestyusa.org/our-work/countries/americas/mexico< acessado em 05 de setembro de 2012.
As fontes oficiais do governo mexicano, Watch, a mera existência de órgãos deste
por outro lado, apontam progressos em tipo não é suficiente para garantir a
assuntos específicos, como os direitos dos observância de direitos humanos no país.
povos indígenas (que, quando atendidos por
órgãos federais, devem ter seus idiomas, 3 . 2 S E G U R A N Ç A
usos e costumes considerados15) e a INTERNACIONAL E A POLÍTICA DE
promoção cultural. O México é, inclusive, COMBATE AO TRÁFICO DE DROGAS
signatário de acordos internacionais como o
Protocolo de Istambul, que visa ao fim da O México enfrenta há mais de uma
tortura, e de convênios diversos com década uma guerra declarada contra os
agências públicas e privadas. Dentre os cartéis de drogas. Os embates já
objetivos dos convênios, destacam-se o mobilizaram mais de 45.000 homens e
desenvolvimento de novas estratégias para a mulheres das forças armadas e têm gerado
prevenção da violação de direitos humanos repercussões graves tanto doméstica quanto
em todo o território nacional. internacionalmente. A mobilização começou
A l é m d i s s o, e xi s t e m ó r g ã o s em 2006, no começo do mandato do
governamentais como a Comissão Nacional presidente Felipe Calderón, e segue até os
de Direitos Humanos do México16, que se dias atuais.
encarregam de assuntos relativos aos Segundo as fontes oficiais17, o atual
direitos humanos no país. É de plano de combate ao narcotráfico, parte do
responsabilidade desta comissão, por Plano Nacional de Desenvolvimento, tem
exemplo, receber queixas acerca das como principal meta a garantia do interesse
violações destes direitos por autoridades coletivo. O governo mexicano estabeleceu
administrativas federais, impulsionar o um sistema de informações estratégicas com
desenvolvimento da pesquisa acerca dos foco no tráfico e no consumo de drogas,
direitos humanos no país, propor mudanças endureceu leis a respeito da compra e até do
legislativas e regulamentares que acarretem consumo de entorpecentes, para prevenir e
na melhora de tais direitos no México e controlar a demanda. Outras estratégias do
formular ações para o cumprimento de governo mexicano envolvem a erradicação
tratados internacionais sobre o tema. de cultivos ilícitos de drogas, o combate ao
Para as agências internacionais como a crime organizado e aos delitos que advêm
Corte Interamericana de Direitos Humanos, do tráfico, além de interceptar as rotas
a Anistia Internacional ou a Human Rights internacionais que passam pelo país. O
15
http://www.pgr.gob.mx/combate%20a%20la%20delincuencia/combate%20a%20la%20corrupcion/
derechos%20humanos/asuntos%20indigenas/asuntos%20indigenas.asp, acessado em 05 de setembro de 2012.
16
http://www.cndh.org.mx, acessado em 05 de setembro de 2012.
17
<http://www.pgr.gob.mx/Combate%20a%20la%20Delincuencia/Combate%20al%20Narcotrafico/
Programa%20Nacional%20para%20el%20Control%20de%20Drogas/Programa%20Nacional%20para%20el%
20Control%20de%20Drogas.asp#>, acessado em 05 de setembro de 2012.
México vem trabalhando com cooperações advindos do consumo e do tráfico de drogas
internacionais para este fim. vêm sendo altos e não podem mais ser
O uso das forças armadas mexicanas tolerados. A estratégia do governo federal
vem sendo um dos grandes pontos de envolveria três componentes: o combate aos
discussão quando o assunto é o combate ao traficantes, o fortalecimento das instituições
narcotráfico. O treinamento militar é algo de segurança e justiça, além da abordagem
distinto. Treinados para enxergar cada civil social do problema, em toda a sua
de seu próprio país como um potencial complexidade. Sobre este último eixo, o
inimigo (traficante, usuário etc.), as presidente destaca as oportunidades que vêm
autoridades mexicanas e agências de direitos sendo oferecidas a jovens, em especial sobre
humanos vêm recebendo diversas denúncias saúde e educação, os espaços públicos que já
de prisões arbitrárias, uso de força e até foram reconstruídos e devolvidos às
mesmo prática de tortura18. comunidades, os programas desenvolvidos
O problema é, também, constitucional: em escolas e universidades, além das redes
segundo a constituição mexicana, as forças de prevenção e tratamento dos usuários. As
armadas não devem ser utilizadas para a possíveis denúncias de violência e violações
resolução de assuntos domésticos (para os de direitos humanos seriam um efeito
quais existem as autoridades civis). A colateral necessário para combater aquele
política de Calderón seria, portanto, uma cenário.
afronta ao regimento interno do país19. O sucessor de Calderón, Enrique Peña
Para autores como Laura Carlsen, a Nieto, eleito em julho de 2012, não
sociedade mexicana atual está sobre um anunciou a continuidade do projeto dentre os
falso dilema: a ideia de que segurança e seus planos e compromissos para os
direitos humanos são mutuamente próximos seis anos21.
excludentes. Para ela, não há segurança
doméstica sem a observância de direitos 3.3 QUESTÕES MIGRATÓRIAS
humanos e não se pode minimizar o papel
do governo em garantir e respeitar tais A imigração ilegal de mexicanos para os
direitos, além de prevenir e punir as suas Estados Unidos ou de outros latino-
violações. americanos através da fronteira mexicana é
Em discursos oficiais20, Calderón afirma ainda um assunto que requer cautelas ao ser
que os custos para a sociedade mexicana discutido. Segundo dados de 2004, os

18
“Neither Rights Nor Security. Killings, Torture, and Disappearances in Mexico’s ‘War on Drugs’”. Human
Rights Watch. United States of America. Novembro, 2011.
19
<http://www.cipamericas.org/archives/6748>, acessado em 15 de agosto de 2012.
20
<http://www.presidencia.gob.mx/prensa/discursos/>, acessado em 05 de agosto de 2012.
21
<http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/calderon-e-seu-sucessor-enrique-pena-nieto-iniciam-transicao-no
-mexico,> acessado em 05 de setembro de 2012; <www.enriquepenanieto.com>, acessado em 05 de setembro
de 2012.
mexicanos que moravam nos EUA (que (acrônimo para Development, Relief, and
somavam 10,5 milhões) representavam 31% Education for Alien Minors) e se aplicam a
da população de imigrantes. O número imigrantes que tenham chegado aos Estados
representa, ainda, 10% do total da população Unidos antes dos 16 anos de idade, que
do México. São ilegais 56% dos imigrantes tenham 30 anos ou menos, que estejam no
mexicanos vivendo naquele país – este país por pelo menos cinco anos e que
número cai para 17% de ilegais, quando se estejam na escola, tenham se graduado, ou
t r a t a de i mi gr a nt es de out r as estejam servindo nas forças armadas
nacionalidades22. americanas. O próprio presidente não
Muito se tem discutido sobre quais as classifica o DREAM Act como uma medida
medidas mais eficazes para controlar a permanente, mas paliativa24 e, ainda assim,
imigração ilegal advinda da fronteira vem enfrentando a descrença de parte da
mexicana. Além disso, tomam conta do comunidade latina, que esperava medidas
debate público americano discussões acerca acerca de imigração desde o seu primeiro
da necessidade de promoção de serviços ano de governo.
básicos de saúde para os imigrantes ilegais, O candidato republicano à presidência,
se eles devem ter status de cidadãos ou, Mitt Romney, sugere uma reforma cautelosa
ainda, se é eficaz militarizar as fronteiras e de longo prazo. A reforma do sistema de
americanas para impedir a sua entrada por imigração seria uma necessidade não só
terra. moral, mas também econômica, mas fazê-la
Segundo sítio oficial da Casa Branca, a às pressas logo antes das votações para a
administração Obama vem dedicando tempo presidência demonstraria apenas uma clara
e recursos para aumentar a segurança nas decisão política (em épocas em que o voto
fronteiras, além de melhorar o sistema legal da população hispânico-americana pode ter
de imigração e tornar as leis mais claras e o poder de mudar os resultados da eleição).
efetivas. Além disso, a atual política de Romney sugere, também, a facilitação
imigração (revista em junho de 2012) tornou da legalização de imigrantes que se graduem
mais provável a remoção de imigrantes em universidades americanas ou que sirvam
ilegais que possam colocar em risco a no exército dos Estados Unidos. Mas,
segurança nacional e eliminou o risco de quando o foco é nos imigrantes
deportação aos jovens que chegaram aos desqualificados, a sua posição é mais dura: o
Estados Unidos enquanto crianças23. As candidato busca o aumento de fiscalização
novas regras estão no chamado DREAM Act nas fronteiras, aumento da extensão de
22
HANSON, Gordon H. Illegal Migration from Mexico do the United States. Journal of Economic Litterature,
v. 44, n. 4. Dezembro, 2006. pp. 869-924.
23
http://www.whitehouse.gov/issues/fixing-immigration-system-america-s-21st-century-economy, acessado
em 05 de setembro de 2012.
24
<http://latino.foxnews.com/latino/politics/2012/06/15/obama-details-new-immigration-plan-but-skepticism-
abound/?intcmp=related>, acessado em 05 de setembro de 2012.
cercas de alta tecnologia ao longo da setembro. O ataque terrorista aos Estados
fronteira com o México, além da Unidos desencadeou uma onda de
fiscalização mais próxima de quem entra insegurança tanto doméstica quanto na
com vistos de turista (e que, muitas vezes, comunidade internacional. Parte deste clima
apenas ficam no país, sem observar o fim da foi traduzido na National Security Strategy
sua estadia legal)25. of 2002 (NSS 2002), documento
governamental que oficializava as diretrizes
4. ESTADOS UNIDOS para a política externa dos anos seguintes.
Entre outras linhas mestras, a NSS 2002
4.1 O PAÍS FRENTE AO DIREITO coloca o conceito de guerra preemptiva
INTERNACIONAL como aceitável e exequível pelos Estados
Unidos. Esta diretriz é claramente visível no
Temas como instituições americanas, quinto capítulo do documento, intitulado
terrorismo, ordem e justiça na sociedade “Prevent Our Enemies from Threatening Us,
internacional vieram à tona após o 11 de Our Allies, and Our Friends with Weapons
Setembro. Diversos autores retomaram as of Mass Destruction” (ou “Prevenir os
discussões acerca de como os Estados agem nossos inimigos de nos ameaçar, ameaçar
e cooperam entre si, se há justiça nas suas aos nossos aliados e aos nossos amigos com
ações em um contexto internacional, quais armas de destruição em massa”, em tradução
os limites da sociedade internacional ou, literal). Um ataque preemptivo poderia ser
ainda, se ela de fato existe (MAIONE DE feito em caso de ameaça iminente. Bush
SOUZA, 2009). Dentro deste contexto, era declarou a preempção como um dos
relativamente previsível que fossem principais centros da política externa
debatidos muitos os tópicos acerca de americana – elevação a esse status é uma
Direitos Humanos – que acabam por ser, característica fundamental da Doutrina
muitas vezes, controversos. Assuntos como Bush.
as detenções na prisão de Guantánamo, o Os críticos afirmam que atitudes de
uso da força em contexto internacional ou o preempção podem ter diversas
direito dos imigrantes são pauta em diversos consequências, entre elas fazer com que
veículos domésticos e internacionais. outros Estados tomem atitudes de
preempção para si mesmos (invadindo
4.2 DOUTRINA BUSH territórios e desrespeitando a soberania de
outros), fazer com que os Estados pária se
Para compreender o contexto da tornem ainda mais perigosos, aumentar a
Doutrina Bush e da Guerra ao Terror, deve- desconfiança dos aliados dos EUA frente a
se entender o contexto mundial no pós-11 de este último, diminuir a autoridade e a
25
<http://www.mittromney.com/issues/immigration>, acessado em 05 de setembro de 2012.
legitimidade dos Estados Unidos frente aos nas mãos de terroristas.
outros países. A lógica de retaliação não é algo que
Na teoria, ataque preemptivos sempre funciona com terroristas. Sua rede é muito
haviam sido uma possibilidade. Muito se mais porosa, eles não possuem
debateu, porém, o que tornou este cenário nacionalidade e poderio militar não pode
uma realidade no pós-11 de setembro, ameaçar nada que eles considerem
durante a administração Bush. importante – afinal, terroristas estão
Foi a noção de guerra preemptiva a dispostos a arriscar a própria vida pela
principal forma de legitimar a invasão causa. A única alternativa dos americanos é
americana ao Iraque, por exemplo, país que, a retaliação aos Estados que poderiam estar
diziam, possuía armas de destruição em financiando e abrigando tais pessoas e, por
massa. mais que a solução não seja direta, não se
Hakan Tunç acredita que, o objetivo poderia viver com o risco, por menor que ele
maior dos Estados Unidos com a fosse, de outra situação como a de 11 de
intervenção do Iraque eram mais a mudança setembro.
de comportamento que a mudança de regime Além disso, é parte da Doutrina Bush a
em Estados párias. Estes seriam estados ideia de “guerra justa”, ou seja, conflitos são
irresponsáveis na comunidades aceitos desde que por um motivo justo.
internacional, que não teriam apreço pelo Segundo Snauwaert, a essência da guerra
seu próprio provo ou por regras de conduta justa é o apreço pela vida inocente, pela
entre Estados e que, via de regra, não eram preservação de condições necessárias para a
favoráveis aos Estados Unidos ou à sua vida humana, a existência de direitos
política externa.26 humanos básicos. A auto-defesa ou a
Na lógica de demonstrative compellence proteção da vida humana e de valores como
sugerida pelo autor, invadir o Iraque, dentro estes são entendidos como uma causa justa e
da Doutrina Bush, tinha significados muito dignas até de um ataque preemptivo. A
maiores que a invasão em si. Era uma forma guerra iniciada seria uma resposta aos
de mostrar a outros Estados párias que a sua crimes de agressão territorial ou
atitude não era correta e que não deviam humanitária, portanto. Considerando o
insistir nela. Estados párias, terrorismo como o uso de força contra
institucionalmente desorganizados e de inocentes, ilegal e imoral, a luta contra o
posicionamento anti-americano seriam um terrorismo deve, sim, ser considerada uma
problema produzindo armas de destruição luta justa.27
em massa – que poderiam cair facilmente Em suma, considerando que a conjuntura
26
TUNÇ, Hakan. “Preemption in the Bush Doctrine: A Reappraisal”. In Foreign Policy Analysis. n. 5. pp. 1-
16. 2009.
27
SNAUWAERT, Dale T. “The Bush Doctrine and the Just War Theory”. In OJPCR: The Online Journal of
Peace and Conflict Resolution. n. 6.1, Outono. pp. 121-135, 2004.
internacional naquele momento parecia use of lethal American force, one of
envolver Estados párias com real desapreço multilateralism, transparency, and narrow
pelos Estados Unidos, terroristas e possíveis focus.”29
armas de destruição em massa, a guerra A Doutrina Obama, inaugurada com a
preemptiva parecia a melhor saída para o National Security Strategy (NSS) de Maio
governo americano. de 2010, modifica a linguagem utilizada na
Anos depois das primeiras intervenções Doutrina Bush ao excluir termos polêmicos
em solo iraquiano, a administração Obama como a “Guerra ao Terror” e declarando
já tem planos de retirada de todas as tropas guerra a um grupo específico. A NSS afirma
do Oriente Médio. Até o momento, mesmo que
depois da queda de Saddam Hussein e da We will always seek to delegitimize the
ascensão de um novo governo no Iraque, use of terrorism and to isolate those who
nenhuma arma de destruição em massa foi carry it out. Yet this is not a global war
encontrada. against a tactic – terrorism – or a religion –
Islam. We are at war with a specific
4.3 NOVAS QUESTÕES DE network, al-Qa’ida, and its terrorist affiliates
SEGURANÇA who support efforts to attack the United
States, our allies, and partners.30
Desde que o presidente Barack Obama A administração Obama procurou inovar
assumiu, em Janeiro de 2009, ele procurou seus recursos de guerra para torná-la mais
modificar um pouco a direção da Estratégia efetiva. O presidente expandiu os poderes
de Segurança Nacional adotada pelo ex- dados à CIA, a Agência Central de
presidente George W. Bush. Segundo a Inteligência norte-americana, permitindo
Foreign Policy, a administração Obama ataques específicos, no entanto isso levantou
aprimorou os recursos tecnológicos críticas por não mostrar uma nova
utilizados nos conflitos em que o país está abordagem para o uso da força letal pós 11
envolvido. A revista classificou Obama de Setembro.
como “a president who has dramatically Um dos temas que mais preocupa a
expanded the executive branch’s ability to administração em termos de segurança
wage high-tech clandestine war”.28 nacional é a segurança cibernética.31 A
A chamada Doutrina Obama é elogiada chamada Cyberwarfare pode ser definida
pela mesma revista ao ser classificada como como “actions by a nation-state to penetrate
“a promising new post-9/11 approach to the another nation's computers or networks for

28
<http://www.foreignpolicy.com/articles/2012/02/27/the_obama_doctrine>, acessado em 23 de agosto de
2012.
29
Ibidem
30
<http://www.whitehouse.gov/sites/default/files/rss_viewer/national_security_strategy.pdf>
31
Ibidem
the purposes of causing damage or Coréia do Norte.
disruption.” (Clarke, 2010) E é motivo de Segundo Delmonte33, o Irã afirma que
preocupação não só para os Estados Unidos seu programa nuclear surgiu há cinquenta
como para outros países do mundo. anos, é pacífico e tem apenas como fim o
Os ataques às redes de computadores de desenvolvimento econômico e científico do
bases militares e locais de segurança país. O que preocupa a comunidade
nacional têm se tornado mais comuns. Em internacional, e principalmente países como
2012, a rede de computadores localizadas Estados Unidos e Israel, é a falta de
nas instalações de enriquecimento nuclear transparência nas atividades nucleares
iraniano foram atacadas por um vírus de iranianas e o possível enriquecimento de
computador.32 urânio a fim de se desenvolver uma bomba
Sendo assim, é perceptível o esforço do atômica.
governo Obama em inovar seus recursos Diversos teóricos e especialistas em
tecnológicos e moldar sua doutrina de Relações Internacionais discutem se o Irã
segurança nacional, não só partindo para o deve ou não ter uma bomba e o que isso
conflito armado convencional, como pode significar para o mundo. Kenneth
utilizando outros meios. Waltz34 afirma que seria positivo para a
região um Irã nuclearmente armado. Assim,
4. ESTUDO DE CASO: CAMPANHA a balança de poder entre Irã e Israel seria
PRESIDENCIAL NORTE- equilibrada, como a entre Índia e Paquistão,
AMERICANA 2012 diminuindo a possibilidade de conflito entre
os dois. Além disso, Waltz discute que um
4.1 ROMNEY E OBAMA SOBRE O país não colocaria seu arsenal nuclear nas
IRÃ mãos de grupos terroristas, principalmente
porque é um grande custo para produzir esse
O programa nuclear iraniano se tornou tipo de armamento e eles são altamente
uma das principais preocupações da controlados pelas autoridades do país dono
comunidade internacional e em especial à do armamento.
diplomacia norte-americana. O Irã começou Já em argumento contrário ao de Waltz,
a desenvolver seu programa de forma Dov Zakheim afirma35 que um Irã com
secreta, o que preocupou o governo Bush em armas nucleares causaria uma corrida
2003 e levou a incluir o país no chamado armamentista no Oriente Médio e traria
“Eixo do Mal”, juntamente com Iraque e maior instabilidade na região do que existe
32
<http://www.nytimes.com/2012/06/01/world/middleeast/obama-ordered-wave-of-cyberattacks-against-
iran.html?pagewanted=all>
33
DELMONTE, Luis Mesa. “Las políticas de Bush y Obama hacia la República Islámica de Irán. La centrali-
dad del factor nuclear”. In Foro Internacional, v. 49, n. 4 (198) (Oct. - Dec., 2009), pp. 832-863, 2009.
34
WALTZ, Kenneth. “Why Iran Should Get the Bomb”. In Foreign Affairs, Julho/Agosto, 2012.
35
<http://www.pbs.org/newshour/bb/world/july-dec12/iran2_07-09.html>, acessado em 23 de agosto de 2012.
atualmente, principalmente em relação a intervenção militar no Irã, porém ele
Israel. continuará a implementar sanções mais
Atualmente, diversas sanções foram rígidas com a finalidade de impedir o
adotadas pelos Estados Unidos, Europa e no surgimento de um país nuclearmente ativo.
âmbito do Conselho de Segurança das Obama afirmou em uma conferência38 que
Nações Unidas a fim de barrar o programa não possui um plano para conter o Irã e sim
nuclear iraniano. Essas sanções vêm desde o uma política para previnir o Irã de obter uma
governo Bush e foram reforçadas pela arma nuclear.
administração Obama, elas vão desde Iran’s leaders should understand that I
embargos econômicos a diplomáticos. do not have a policy of containment; I
have a policy to prevent Iran from
Recentemente, a União Europeia, maior obtaining a nuclear weapon. And as I
parceiro comercial do Irã, suspendeu a have made clear time and again during
the course of my presidency, I will not
compra de petróleo do país. hesitate to use force when it is
A discussão sobre o programa nuclear necessary to defend the United States
and its interests.39
iraniano faz parte dos assuntos importantes a
serem debatidos pelos atuais candidatos à Obama também afirma no site de sua
presidência dos Estados Unidos, o campanha, que durante sua administração
democrata Barack Obama e o republicano ele conseguiu o apoio da Rússia, China e
Mitt Romney. outros países para passar no Conselho de
Barack Obama, candidato à reeleição Segurança das Nações Unidas o maior
pelo partido Democrata implementou um pacote de sanções contra o Irã, atingindo seu
conjunto de sanções durante o seu governo e sistema bancário e as exportação de petróleo
afirmou que tem uma política para previnir o e a venda de armas ao país.
Irã de obter uma arma nuclear36. No site de O candidato republicano à presidência
sua campanha presidencial37 não há uma dos Estados Unidos, Mitt Romney, possui
sessão dedicada exclusivamente à questão em seu site oficial40 diversas propostas em
iraniana, porém o candidato democrata relação ao Irã e ao programa nuclear do país.
rebate as críticas de Romney em uma sessão Romney afirma que um Irã com capacidades
intitulada “Fact Check” e demonstra o que nucleares é uma ameaça a Israel, cuja
fez durante o período de sua administração. segurança é um interesse vital dos Estados
Segundo o site da campanha de Obama, Unidos. Para impedir o crescimento do
o atual presidente não descarta uma possível programa nuclear iraniano e o possível

36
<http://www.cfr.org/iran/candidates-us-iran-policy/p26798#p1>, acessado em 26 de agosto de 2012.
37
<http://www.barackobama.com/>, acessado em 26 de agosto de 2012.
38
<http://www.whitehouse.gov/the-press-office/2012/03/04/remarks-president-aipac-policy-conference-0>,
acessado em 26 de agosto de 2012.
39
<http://www.whitehouse.gov/the-press-office/2012/03/04/remarks-president-aipac-policy-conference-0>,
acessado em 26 de agosto de 2012.
40
<http://www.mittromney.com/issues/iran>, acessado em 26 de agosto de 2012.
desenvolvimento de uma bomba atômica, o Romney critica a atitude do presidente
candidato afirma que utilizará todos os Obama durante a última eleição iraniana e
meios necessários. afirmando que foi uma “disgraceful
Romney não descarta o uso de forças abdication of American moral authority.”41
militares contra o Irã e um exercício O candidato republicano pretende apoiar a
conjunto de operações no mediterrâneo e no oposição a Ahmadinejad e promover a
Golfo Pérsico com seus aliados do Oriente democracia no Irã. Além disso, Romney
Médio e da Europa. Além de possíveis quer voltar ao plano original de George W.
medidas militares, Romney também é a Bush para criar um escudo anti-míssil no
favor de uma nova rodada de sanções contra leste europeu.
o país, essas sanções seriam mais duras e Romney recebeu grandes críticas em
envolveriam além de embargos financeiros, relação à sua postura com o programa
sanções diplomáticas e o encorajamento de nuclear iraniano. Muitos críticos afirmam
outros países a cortar laços com o Irã. O que ele critica as ações de Barack Obama
candidato não descarta passar por cima do durante seu governo, mas possui propostas
Conselho de Segurança para implementar muito semelhantes às ações do atual
essas sanções, ao afirmar que presidente e candidato a reeleição
Ideally, these sanctions would be
democrata. Stephen Walt (2012) critica
implemented through the U.N. justamente isso, ao querer saber do
Security Council, but persuading candidato republicano o que ele faria de
Russia and China to go along might
prove impossible. In the absence of diferente, se ele entraria em um conflito
a U.N. imprimatur, the United States direto com o Irã.42 O jornal New York
should be ready to take action in Times, em uma análise intitulada “Is There a
conjunction with as many willing
governments as possible. And if Romney Doctrine?”43, relata que durante um
necessary, we should be prepared to debate nas primárias da campanha
act on our own. (ROMNEY, 2012)
presidencial, Romney teve dificuldades ao
O candidato republicano também crítica responder o que faria de diferente do
o líder iraniano Mahmoud Ahmadinejad e presidente Obama em relação ao Irã.
sua posição em relação a Israel e o Sendo assim, a partir das propostas de
holocausto. Romney afirma que ele deve ser Romney e das ações de Barack Obama
indiciado por incitamento ao genocídio como presidente dos Estados Unidos vemos
devido a sua declaração sobre “apagar” que na verdade os dois não divergem muito
Israel do mapa. em relação às ações a serem tomadas contra

41
Ibidem
42
<http://walt.foreignpolicy.com/posts/2012/07/25/top_ten_questions_about_romneys_foreign_policy>,
acessado em 23 de agosto de 2012.
43
<http://www.nytimes.com/2012/05/13/sunday-review/is-there-a-romney-doctrine.html?pagewanted=all>,
acessado em 23 de agosto de 2012.
o Irã e seu programa nuclear. No entanto, o três formas: apoio direto a organizações da
que parece ser a diferença entre os dois é a sociedade civil, diplomacia e, por fim,
maior possibilidade de intervenção militar se ocupação e imposição. O caso do
o candidato republicano vencer as eleições Afeganistão foi o último e mais dramático.
presidenciais. O caso pode ser comparado com o dos
Emirados Árabes Unidos (EAU), que foram,
4.2 ROMNEY E OBAMA SOBRE O durante 30 anos, um modelo bem-sucedido
AFEGANISTÃO de equilíbrio entre modernização e Islã.
Com o 11 de setembro, porém, os EUA
Foi com o ataque de 11 de setembro, passaram a exigir um apoio mais ativo das
arquitetado por Osama Bin Laden e a al- monarquias aliadas do Golfo na luta contra o
Qaeda que teve início a “Guerra ao Terror” e que acreditam serem as causas do
a consequente intervenção americana no terrorismo. Esses governos, agora, precisam
Afeganistão e no Iraque. equilibrar pressões externas e domésticas
Para alguns autores, os Estados Unidos para a abertura política e econômica.45
tratam de forma inconsistente países aliados Ainda assim, a ocupação de países aliados,
e rivais na região. Segundo Katerina como os EAU, nunca foi cogitada.
Delacoura44, pressionam levemente os Lila Abu-Lughod, que se dedica a
primeiros para a abertura política e a pesquisar a situação das mulheres islâmicas,
democracia, o que leva os governos a fazer explora, em seu ensaio Do Muslim Women
reformas de fachada. Com os não alinhados, Really Need Saving? Anthropological
abandonam facilmente a promoção da Reflections on Cultural Relativism and Its
democracia quando os seus objetivos de Others46, como a imagem exótica da mulher
segurança interna são alcançados e islâmica (em especial a afegã) foi usada no
consideram a violação da soberania do começo dos anos 2000 como uma das
Estado em questão. A tese da autora é a de justificativas americanas para a invasão do
que os EUA muitas vezes dão a impressão Afeganistão e como é comum a crença de
de que a democracia é um objetivo que, conhecendo-se apenas a cultura
secundário: promovê-la visa somente a islâmica e tentando entender as suas
alcançar sua própria segurança interna e “excentricidades”, será possível
prevenir-se do terrorismo. compreender os ataques de 11 de setembro,
Ainda segundo a autora, a promoção de a situação política do Oriente Médio ou até
democracia no Oriente Médio pode se dar de as relações entre seus países e os Estados
44
DELACOURA, Katerina. ‘US Democracy Promotion in the Arab Middle East since 11 September 2001: a
critique”. International Affairs, 81, Vol. 5, pp. 963-979. 2005.
45
AL-SAYEGH, Fatma. ‘Post-9/11 Changes in the Gulf: The case of the UAE’. Middle East Policy, Vol. XI,
Nº. 2, pp. 107- 124. 2004.
46
ABU-LUGHOD, Lila. ‘Do Muslim Women Really Need Saving? Anthopological Reflections on Cultural
Relativism and Its Others’. American Anthopologist, 104 (3), pp. 783-790. 2002.
Unidos. americanas em maio de 2011. A data
Abu-Lughod analisa, primeiramente, um marcava a segunda metade do governo do
discurso da então primeira-dama Laura democrata Barack Obama. O presidente já
Bush. Bush afirma que um dos objetivos da lançara a sua campanha a reeleição, ainda
invasão americana no Afeganistão é libertar que não oficialmente 49 , e muitos
as suas mulheres e salvá-las da opressão, acreditavam que este fato apenas seria a
que normalmente toma figura na forma do guinada essencial de que a sua campanha
véu islâmico. Para a autora, a situação precisava e um dos grandes motivos para a
remete ao feminismo colonial de décadas mobilização da população americana em
passadas: a mesma justificativa foi usada favor da sua reeleição.
pelos franceses na Argélia, pelos ingleses no A morte de Bin Laden foi apresentada
Egito, pelos missionários cristãos em pela mídia para o mundo como uma
diversos países. O que intriga alguns autores operação conjunta entre exército americano
americanos, porém, é o fato de que, mesmo e a inteligência paquistanesa. Os medos de
depois da queda do regime Talibã, as uma retaliação à morte do líder da al-Qaeda
mulheres afegãs não “saíram por aí jogando não se concretizaram – os Estados Unidos
fora as suas burcas”47. não sofreram mais ataques depois que Bin
Abu-Lughod aponta duas movimentos Laden foi assassinado. Tudo parecia se
que considera muito perigosos. A primeira é encaminhar bem para a campanha do
a universalização de conceitos como o de presidente. Ainda assim, Obama vem
liberdade: se considerarmos liberdade enfrentando críticas e dificuldades quando o
somente nos moldes ocidentais, jamais assunto é Oriente Médio.
aceitaremos, por exemplo, o véu como uma A ocupação americana vem sendo tópico
forma de abertura das mulheres islâmicas à de discussão desde o seu início, mas foi no
esfera pública. Outro perigo é reduzir toda a governo Obama que se passou a vislumbrar
atividade das mulheres de determinada um fim para a sua presença em solo afegão.
região a um único aspecto de suas vidas. O atual presidente fez acordos recentes para
Isso pode ser reduzir as mulheres islâmicas a retirada definitiva das tropas até o ano de
ao uso do véu ou reduzir as mulheres dos 2014. Obama afirma que o Afeganistão e a
Bálcãs à vitimização, o que vem promoção de democracia lá foram seus
acontecendo nos retratos midiáticos acerca focos desde o começo do mandato e que o
do tema.48 que importa agora é a necessidade de um
Após uma década de combate em solo, caminho definitivo para a saída americana
Osama Bin Laden foi morto por forças do país.50
47
Ibidem, p. 785.
48
Ibidem, pp. 784, 786-787.
49
<http://g1.globo.com/mundo/noticia/2011/05/obama-confirma-morte-de-osama-bin-laden.html>, acessado
em 01 de setembro de 2012.
50
<http://www.barackobama.com/record/national-security?source=primary-nav>, visitado em 30 de agosto de
A oposição, por seu lado, discorda do combinado: o governo de Romney pretende
plano de retirada proposto pelo democrata – agir em conjunto com os governos afegão e
para eles, a saída é precipitada. Alegam, paquistanês, a fim de garantir que as
inclusive, que Obama está retirando tropas fronteiras e regiões montanhosas entre e
por pressões políticas. O sítio oficial do dentro dos dois países se encontram livres e
candidato republicano Mitt Romney aponta prontas para autonomia e suporte de longe51.
que Obama planejou a retirada sem Na sua proposta para “um século
considerar os conselhos de seus mais americano”, Romney acredita que os
renomados chefes militares, visando apenas Estados Unidos não podem ser neutros e
a questões políticas. Além disso, o apoio à passivos em relação ao que vem
reconstrução e ao engrandecimento do atual acontecendo no Oriente Médio: pretendem
governo afegão não vêm sendo tão eficientes dar apoio a grupos governamentais e da
quanto deveriam, deixando o governo sociedade civil em toda a região para que
oriental descoberto, caso o Talibã tente avancem na implementação de governos
novamente retomar o poder assim que os representativos, nas questões relativas a
americanos saírem. As propostas de Romney direitos humanos, para que aumentem as
acusam o governo de Obama de não ter pesquisas e as oportunidades econômicas
auxiliado nem se envolvido o suficiente com para a região e para que foquem em direitos
o atual quadro afegão. Para o republicano, humanos. Para Romney, a política externa
não há como manter o Talibã afastado se o americana deve ser levada com clareza e
governo de Hamid Karzai não tem decisão. Tanto amigos quanto inimigos
autonomia ou não está livre de corrupção. devem entender, sem hesitações, em que se
Retomando a análise de Katerina baseia a política externa do país.52
Delacoura, isso apenas significaria que os As dificuldades de Obama em garantir
Estados Unidos atingiram os seus objetivos uma transição de governo segura e tranquila
específicos de segurança – já podem voltar vêm sendo um problema tanto no
para casa. Afeganistão quanto no Iraque. A retirada das
A proposta de Romney gira, tropas deste último também vem sendo
basicamente, em torno o fato de que a turbulenta. Romney sugere utilizar
retirada das tropas não deve ser feita por diplomacia, recursos financeiros e militares
causa de pressões políticas, mas deve para garantir que ambos os países tornem-se
obedecer aos mais altos oficiais de fato em parceiros estáveis e aliados aos Estados
contato com o que acontece em solo afegão. Unidos, status importante dentro de uma
Também apontam a necessidade de jogo região tão volátil.

2012.
51
<http://www.mittromney.com/collection/foreign-policy>, acessado em 29 de agosto de 2012.
52
<http://www.mittromney.com/blogs/mitts-view/2011/10/mitt-romney-delivers-remarks-us-foreign-policy>,
acessado em 29 de agosto de 2012.
Os posicionamentos de Romney e de segurança dos presidentes Bush e Obama.
Obama são parecidos quando afirmam que Percebemos que houve uma pequena
mais importante neste momento é cuidar da mudança entre as duas, porém é perceptível
economia e dos americanos dentro de seu que as duas não levam em conta totalmente
próprio território – a campanha no Oriente os princípios do direito internacional.
Médio tem foco secundário em ambos os Com este artigo concluímos que a região
discursos. Mas, considerando que depois de é de extrema importância para o estudo das
onze anos de conflito mais de US$ 400 questões de segurança e de direito
bilhões já foram gastos e dois mil cidadãos internacional, principalmente pela atuação
americanos foram mortos na região53, a dos Estados Unidos. Existem inúmeras
questão afegã é, sim, relevante para a violações do direito internacional na atuação
população e para o resultado das campanhas. desses países, porém existe um esforço para
minimizá-las. Podemos concluir também
5. CONCLUSÃO que os governos têm se esforçado para a
proteção dos direitos humanos ao agir em
O presente artigo procurou estudar temas sensíveis, como a questão migratória
questões relacionadas ao direito entre México e Estados Unidos. Por fim, a
internacional e a segurança na América do discussão sobre estes temas na região é
Norte. Podemos perceber que a região contínua, o recente debate sobre a relação
possui inúmeros problemas em relação ao dos Estados Unidos com o Irã e seu
respeito ao direito internacional e a proteção programa nuclear poderá trazer novos temas
dos direitos humanos. para o estudo da segurança e do direito
Países como o Canadá, que são internacional para a região.
considerados exemplos de respeito ao direito
internacional, nem sempre realmente o
respeitam. O artigo aborda casos como o dos
povos indígenas no país e a extradição de
presos em Guantánamo. O México também
possui graves problemas, principalmente nas
questões migratórias com os Estados Unidos
e em controlar os cartéis de droga
responsáveis pela violência no país.
Já no caso dos Estados Unidos o artigo
abordou principalmente a atuação do país
frente ao direito internacional e as doutrinas

53
<http://www.newyorker.com/online/blogs/comment/2012/08/have -obama-and-romney-forgotten-
afghanistan.html?utm_medium=referral&utm_source=pulsenews>, acessado em 20 de agosto de 2012.
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RESUMO

O conjunto de protestos ocorridos é tomar o discurso como ferramenta de


desde 2010, denominado Primavera análise. Para isso, serão utilizados os
Árabe, causou diferentes respostas da escritos de Buzan, Wæver e Wilde
sociedade internacional e, mais sobre securitização, ou seja, sobre o
especificamente, dos organismos processo de transpor determinado
internacionais responsáveis pela assunto da política normal para a
segurança. Na Líbia, o Conselho de política emergencial, como uma
Segurança aprovou que medidas tentativa de resolver problemas de
militares excepcionais para que o segurança. Quatro fatores específicos
banho de sangue tivesse fim. Na Síria, serão identificados em cada caso: o
a falta de consenso no mesmo conselho ator securitizante, o ato de fala, o
faz com que mesmo medidas objeto de referência e as condições
envolvendo apenas sanções não sejam facilitadoras. Ao identificar cada um
aprovadas. No caso do Bahrein, as dos fatores, será explicado o sucesso
discussões sobre intervenções do processo securitizante na Líbia, a
humanitárias não chegaram a ser falha na Síria e o complexo caso
debatidas nas Nações Unidas; pelo bareinita, que representa um insucesso
contrário, o Conselho da Cooperação tanto da securitização quanto da
do Golfo enviou tropas para ajudar em politização do assunto.
uma contrarrevolução e garantir a
segurança do governo. PALAVRAS-CHAVE: Segurança,
Como explicar tamanha Conselho de Segurança, Síria, Líbia,
desproporção na reação a cada um Bahrein, ator securitizante, processo
dos eventos? O artigo proporá que o de securitização, condições
melhor caminho para entender a facilitadoras.
diferença entre estes meios de atuação

1
Rodrigo Guerra Bergmann, Pedro Henrique L. do Nascimento e Liliane Pessoa Silva são alu-
nos de Relações Internacionais na Universidade de Brasília, na qual ingressaram no 2º semestre
de 2010.
ABSTRACT 1. INTRODUÇÃO

The set of protests occurred in 2011, Desde 2010, alguns países do Oriente
called Arab Spring, caused different
Médio e norte da África presenciam uma
responses of international society and, more
specifically, of international organizations onda de movimentos revolucionários que
responsible for the security. In Libya, the procuram a modificação dos governos que
Security Council approved extraordinary por tantas décadas estão no poder. Os
military measures to end the bloodshed. In
manifestantes buscam por melhores
Syria, only sanction measures were
approved, because of the lack of consensus condições de vida, direitos civis, direitos
on the same council. In the Bahrain case, políticos e acesso digno ao mercado de
the possibility of a humanitarian trabalho (CARVALHO PINTO, 2011). Os
intervention was never discussed on United
governos autoritários que negavam – ou
Nations; on the contrary, the Gulf
Cooperation Council sent troops to aid a negam – esses direitos responderam e
counterrevolution, and ensure the security of respondem aos protestos de forma violenta.
government. No dia 18 de dezembro de 2010, o
How do explain so disproportion in the
tunisiano Mohamed Bouazizi se imolou em
reaction in each of the events? The article
will propose that the best way to understand praça pública na Tunísia como uma forma
the difference between those actions is take de protestar contra as péssimas condições
the speech act as an analyses tool. Then, it econômicas – principalmente empregatícias
will be used the Buzan, Wæver and Wilde
– do país em decorrência da má gestão do
texts about securitization, in other words,
about the process of transposing certain então presidente Zine el-Abdine Ben Ali
subject from the normal policy to the (SANT’ANNA, 2011). A partir de então, se
emergency policy, trying resolve the security espalharam manifestações no país que
problems. Four specific factors will be
fizeram o presidente renunciar 10 dias
identified in each case: the securizing
actors, the speech act, the referent object depois. Outros protestos também foram
and the facilitating conditions. After desencadeados em vários países árabes do
identifying these four factors, it will be Oriente Médio e do Norte da África. Alguns
explain the success of the securitization
governos não resistiram à pressão – como
process in Libya, the failure in Syria and the
Bahraini complex case, that represent both Tunísia e Egito –, outros estão se
a failure of securitization as the recompondo após a queda do líder – como
politicization of the issue. Iêmen e Líbia – e outros estão em estado de
guerra civil ou próximos a essa situação –
KEYWORDS: Security, Security Council,
Syria, Libya, Bahrein, securitizing actor, como Bahrein e Síria (KAMRAVA, 2012).
facilitative conditions. Examinando as diferentes formas como
os governos, a comunidade internacional, e,
em especial, o Conselho de Segurança das
Nações Unidas (CSNU) responderam a
Primavera Árabe, percebe-se que vários para a crise na Líbia, que se encontra no
discursos foram utilizados para legitimar as norte da África, reafirmava “that parties to
ações realizadas por cada um dos atores. armed conflicts bear the primary
Esses discursos serão analisados ao decorrer responsibility to take all feasible steps to
do artigo por meio da Teoria da ensure the protection of civilians” (UNITED
Securitização como abordada pela Escola de NATIONS, 2011). A situação na Síria,
Copenhagen, originalmente chamada de localizada no Crescente Fértil, vem sendo
Copenhagen Peace Research Institute tratada por meio de diálogos, condenações
(PEOPLES; VAUGHAN-WILLIAMS, do uso da violência, planos para cessar-fogo
2010). não respeitados e o envio de observadores
Criada em 1985 na Dinamarca, a Escola (BRITISH BROADCAST
de Copenhagen promove estudos CORPORATION, 2012a). Por último, o
relacionados à paz, tornando-se referência Bahrein, situado no Golfo, que não tem
na área de Segurança Internacional levantado a atenção da mídia e da
(TANNO, 2003). De acordo com Peoples e comunidade internacional a despeito da
Vaughan-Williams (2010), o espectro grande repressão sofrida pelos manifestantes
proposto por esta teoria vai de despolitizado (WELSH, 2011).
– quando a questão não é política –, passa Ao examinar os casos da Primavera
por politizado – quando a questão é parte do Árabe por meio da Teoria da Securitização,
debate público – e vai até securitizado – será possível perceber as limitações que a
quando a questão envolve ameaça a teoria apresenta quando não é aplicada ao
existência e, portanto, justifica respostas que cenário democrático europeu em que foi
vão além da prática política normal. Esse construída. Além disso, o artigo procura
processo sempre se dá através da utilização demonstrar como os diversos atores
de discursos. Os maiores expoentes desta internacionais competem pela securitização
Escola de pensamento são Barry Buzan e de determinados assuntos. Levando esse fato
Ole Wæver (PEOPLES; VAUGHAN- em consideração, o artigo se conterá a
WILLIAMS, 2010). discutir os processos que tem como alvo a
A análise que será apresentada neste comunidade internacional de maneira geral e
artigo se concentrará em três países afetados o CSNU mais especificamente. Portanto,
pelos protestos: Líbia, Síria e Bahrein. A para este artigo, a interpretação de um
escolha foi feita desta forma para englobar determinado assunto como uma questão de
países com características distintas tanto em segurança, política ou apolítica dependerá de
relação a sua localização na região, como medidas efetivas tomadas pelo CSNU e das
nas formas que o CSNU e a comunidade discussões e discursos que as envolverem.
internacional têm lidado com as suas O seguinte artigo foi dividido em seis
respectivas crises. A resolução do CSNU partes. Após esta introdução, há um breve
aprofundamento sobre a teoria a ser WÆVER; WILDE, 1998). Outro exemplo é
utilizada. As partes que se seguem são o campo político, cujas ameaças estão
análises respectivamente dos casos líbio, relacionadas aos princípios constitucionais e
sírio e bareinita. O texto é finalizado com ideológicos de um Estado, que podem ser
uma sucinta conclusão a cerca dos assuntos amedrontados por questionamentos a sua
abrangidos com uma comparação entre os autoridade, legitimidade e, enfim, soberania.
países analisados. Outras formas de segurança descritas por
Buzan, Wæver e Wilde (1998), incluem os
2. SECURITIZAÇÃO âmbitos econômico e ambiental.
O que há em comum em todos os setores
Barry Buzan, Ole Wæver e Jaap de é o fato de que algo neles é um problema de
Wilde (1998) argumentam que segurança segurança quando as elites o declaram como
está ligada à sobrevivência, isto é, a uma sendo um (WÆVER, 2007). Ao proferir
determinada questão colocada como uma segurança, o representante estatal move um
ameaça existencial. Diferentemente da assunto particular para uma área específica,
segurança social, que se refere a questões de na qual ele poderá utilizar-se de direitos
direitos e justiça social, segurança no âmbito especiais para o uso de quaisquer meios
internacional é relacionada à política de necessários, bloqueando o perigo eminente
poder, à sobrevivência de algum objeto de (idem, 2007). Securitização é, portanto, “the
referência, sendo este uma coletividade move that takes politics beyond the
suficientemente significante e que tenha sua established rules of the game and frames the
existência em perigo. issue either as a special kind of politics or as
A definição de segurança proposta pela above politics.” (BUZAN; WÆVER;
Escola de Copenhagen vai além do WILDE, 1998, p. 23).
tradicional campo militar; ligado a perigos É interessante ressaltar que Barry Buzan,
vindos de forças armadas. Os autores Ole Wæver e Jaap de Wilde (1998) se
argumentam que o processo de securitização utilizam de uma visão construtivista social
pode ocorrer em outros setores, como, por bastante relacionada com pressupostos da
exemplo, o societal2. Segurança neste setor filosofia da linguagem como desenvolvida
se relaciona com mudanças na configuração por John L. Austin. Austin (1997[1962])
das identidades – como nacionalidade ou argumenta que certas afirmações são, na
religião – de uma determinada localidade, verdade, sentenças performativas, ou atos de
que podem ser consideradas invasivas ou fala, por serem, por si só, uma ação. Logo, a
hereges por parte da população (BUZAN; teoria proposta por eles focará

2
Os autores usam o termo “societal security”. Não foi encontrada tradução para o termo, visto que se atribuí
outro significado a segurança social – já explicado anteriormente – e o termo societário se refere a sociedades
empresariais. O termo societal será usado aqui em um sentido mais ligado a identidade social.
principalmente na questão do discurso como senso de identidade, sendo considerada
forma de interferir no curso da realidade. como um “nós” posta em perigo ameaçado
De acordo com Wæver (1995 apud por outro grupo considerado rival (idem,
PEOPLES; VAUGHAN-WILLIAMS, 1998).
2010), discursos sobre segurança também Atores securitizantes são aqueles que se
podem ser entendidos como atos de fala. expressão por meio do ato de fala,
“[S]ecurity is not of interest as a sign that argumentando a favor da existência de uma
refers to something more real; the utterance ameaça em relação ao objeto de referência.
itself is the act. By saying it [security] (idem, 1998) São eles grupos de pressão,
something is done” (WÆVER, 1995, apud agentes de Estado, líderes políticos e entre
PEOPLES; VAUGHAN-WILLIAMS, 2010, outros. Há sempre um grupo que fala pela
p.77, grifo do autor). Ou seja, uma situação coletividade, ou seja, não é o próprio objeto
de segurança é considerada como tal, não de referência que destaca a necessidade de
necessariamente porque ela é real, mas sim acabar com a ameaça existencial, e sim um
porque alguém com legitimidade para grupo que fala em nome da segurança da
discursar a apresentou assim, argumentando coletividade.
a favor da existência da ameaça. Por O processo de securitização é composto
partilharem desta abordagem, os autores por várias etapas, sendo assim, uma questão
defendem que securitização é um processo não é securitizada apenas pelo discurso, mas
intersubjetivo que depende da interação pela legitimação que a audiência dá ao
entre os atores no cenário internacional, discurso, aceitando-o e tornando-o válido
levando em conta que deve ser uma ideia (idem, 1998). Desta forma, o ato de
compartilhada pela coletividade (BUZAN; securitizar é uma forma de interação entre o
WÆVER; WILDE, 1998).Os autores Barry agente securitizante, ou seja, o interlocutor,
Buzan, Ole Wæver e Jaap de Wilde (1998) e a audiência.
consideram que há duas unidades O sucesso da securitização depende de
componentes do processo de securitização: três condições facilitadoras importantes para
objeto de referência e atores securitizantes. legitimar o ato de fala do ator securitizante
O objeto de referência é a coletividade (PEOPLES; VAUGHAN-WILLIAMS,
que é ameaçada existencialmente (idem, 2010). A primeira condição é que a lógica
1998). Os mais utilizados são o Estado, que interna do ato de fala deve seguir o enredo
tem sua soberania desafiada, e a nação, que convencional de segurança, sempre
é ameaçada por sua identidade. Apesar de observando as regras linguísticas e
algumas tentativas de utilizar a humanidade gramaticais da fala.
como objeto de referência, uma coletividade A segunda condição está relacionada às
obtém mais sucesso por que, por ser um condições contextuais e sociais que se
grupo menor, é possível que ela tenha um referem à credibilidade do ator securitizante.
Esta condição ocasiona o pré-requisito do não mais existirá da mesma forma que
locutor estar em uma posição de autoridade existia anteriormente.
e que tenha “enough social and political
capital to convince an audience of the 3. O CASO DA LÍBIA
existence of an existential threat” (idem,
2010, p. 79). 3.1. A REVOLUÇÃO LÍBIA ATÉ A
Por último, a terceira condição são INTERVENÇÃO
“features of the alleged threats that either O processo que culminou na Revolução
f a c i l i t a t e o r i m p e d e Líbia começou com protestos realizados no
securitization” (BUZAN; WÆVER; dia 13 de janeiro de 2011. Líbios invadiram
WILDE, 1998, p. 33). Ela refere à existência casas subsidiadas pelo governo em protesto
de objetos ou situações que carreguem contra a demora na entrega das mesmas na
conotações históricas que os associem à cidade portuária de Darnah (EGYPT
ameaça, ao medo, ao perigo ou ao dano. Por INDEPENDENT, 2011). Os protestos
exemplo, objetos como tanques são continuaram nos três dias seguintes e se
normalmente associados a guerras, invasões espalharam para as cidades de Bani Walid e
e violência em geral. Benghazi, quando os manifestantes
Em resumo, o processo de securitização começaram a culpar a corrupção
é quando uma questão passa da política governamental pela demora na entrega das
normal para a política extraordinária, ou casas (AHRAM, 2011).
seja, em que é autorizado aos atores Apesar do modo como o governo lidou
seguirem uma conduta que em outra ocasião com esses protestos, criando rapidamente
seria ilegítima, como a quebra das regras, a um fundo de mais de 20 bilhões de dólares
limitação de alguns direitos civis, a (REUTERS, 2011a), ativistas políticos
utilização da força e entre outros. Nas começaram a se aproveitar da agitação
palavras de Wæver (2007, p. 71), em popular e a pedir demonstrações em favor da
situações securitizadas, “[A]lthough politics extensão das liberdades na Líbia, a exemplo
has to be prior to military, the logic of war das Revoluções na Tunísia e no Egito, no
[...] replaces the logic of politics”. A questão fim de janeiro (AMNESTY
é então considerada como algo mais INTERNATIONAL, 2011).
importante que as outras, sendo privilegiada Os protestos continuaram a escalar até
como prioritária na agenda política, já que se que as primeiras manifestações violentas
trata de uma questão de proteção existencial foram reportadas no dia 15 de fevereiro.
do objeto de referência. Se nenhuma medida Ativistas políticos e manifestantes
for tomada enquanto ainda há possibilidade, começaram a pedir a queda do regime
agir tardiamente acarretará em um ponto de empreendendo meios violentos e
não retorno, no qual o objeto de referência confrontando a polícia, que tentava, em
resposta, reprimir os manifestantes vários movimentos políticos, logísticos e
(FRANCE 24, 2011). A adesão aos protestos militares começaram a se articular. Nessa
desafiou não apenas a ordem civil imposta região, grande parte do exército desertou e
por Gadhafi na Líbia, mas também o se juntou aos rebeldes, reagindo à
controle que o governo do país exercia sobre contratação de mercenários africanos usados
as comunicações (PHILLY.COM, 2011). contra a população líbia (THE ATLANTIC,
Protestantes, com o auxílio das redes sociais 2011). Preparando-se para a tentativa de
e novas ferramentas de comunicação, retomada do leste líbio pelas forças pró-
articularam um “dia de raiva”; 17 de regime, os rebeldes e desertores começaram
fevereiro (AL ARABIYA, 2011). a organizar um exército revolucionário
O dia de raiva aconteceu, com protestos motivado a enfrentar as tropas da
maciços em que o governo confrontou Jamahiriya. (idem, 2011).
manifestantes com munição real. O governo Politicamente, os rebeldes foram capazes
empregou franco atiradores e atacou de articular o Conselho Nacional de
manifestantes durante velórios. Enquanto o Transição (CNT), uma instituição guarda-
número de protestantes feridos aumentava, o chuva que reunia todos os movimentos de
governo se recusava a suprir hospitais para o oposição ao regime de Gadhafi na Líbia (AL
tratamento destes (USA TODAY, 2011). JAZEERA, 2011a). O conselho foi
Durante a escalada de protestos, Gadhafi estabelecido em 27 de fevereiro após
tentou deslegitimar os motivos contra seu negociações entre os líderes da oposição no
regime atribuindo-os a incitações de países país e desde seu início demonstrou não
estrangeiros, alucinógenos e à influência do querer negociar com o governo, pedindo a
terrorista Osama Bin Laden e à Al Qaeda queda do então líder do país (idem, 2011a).
(DAILY MAIL, 2011a). Anteriormente, o O estabelecimento de uma nova
então governante líbio havia feito ameaças a autoridade em território líbio acirrou a
jornalistas, ativistas políticos e figuras disputa entre rebeldes e governo em torno de
midiáticas em reunião em prol da cidades estratégicas, agravando os contornos
Jamahiriya, o sistema de governo inventado de crise humanitária do evento (REUTERS,
e instalado por ele no país africano. Gadhafi 2011b). França, Inglaterra, Estados Unidos,
também disse que os manifestantes não Itália e outros países começaram a discutir
passavam de um pequeno grupo de não mais soluções militares para o fim da crise na
que 150 pessoas, enquanto a segunda maior Líbia, assim como a mobilizar os recursos
cidade do país era tomada pela violência dos de seus Estados (idem, 2011b).
protestos (BRITISH BROADCAST Com a pressão crescente de movimentos
CORPORATION, 2011a). pró-Gadhafi sobre os rebeldes, o Governo
O movimento revolucionário líbio Provisório, sediado em Benghazi, apelou por
conquistou cidades no leste do país, onde os uma zona de exclusão aérea (NEW
ZEALAND HERALD, 2011). A resposta da prol de uma política de segurança, defende a
comunidade internacional foi a Resolução securitização de determinado assunto para
1793 (2011) do CSNU, que estabelecia na que possam ser tomadas medidas que
Líbia uma zona de exclusão aérea, suprimam as liberdades individuais, como
autorizava o uso de todos os meios proposto por Williams (2003), a adaptação
necessário para a proteção de civis, da teoria para a análise do caso líbio
fortalecia o embargo de armas à Líbia e transporta-a para um contexto externo.
requisitava um cessar fogo imediato, o qual Nesse contexto, a audiência visada é a
não foi respeitado, e entre suas mais comunidade internacional, que pode
importantes resoluções (UNITED determinar ações que ignorem acordos entre
NATIONS, 2011). O documento é uma os Estados, como princípios de não
evidência inegável do sucesso do processo intervenção e respeito à soberania. Isso,
de securitização da Revolução Líbia perante claro, se for convencida da gravidade e
a comunidade internacional. importância dos acontecimentos.
O ator securitizante no caso da
3.2. O PROCESSO DE Revolução Líbia é facilmente identificado
SECURITIZAÇÃO no CNT, órgão político que, durante
revolução, foi capaz de reunir os grupos de
A aplicação da Teoria da Securitização oposição ao regime de Gadhafi (MALTA
ao caso líbio é uma adaptação do framing STAR, 2011). A própria intenção do
teórico proposto pela Escola de conselho, expressa desde o início, de “dar
Copenhagen, em que atos de fala podem uma face à revolução” (AL JAZEERA,
levar uma situação da política comum para tradução livre, 2011a) aponta para uma
uma esfera extraordinária em que as regras centralização do movimento revolucionário
do jogo político democrático não mais que foi providencial para o sucesso do
precisem ser inteiramente respeitadas. Essa processo de securitização. O
teoria foi pensada para contextos estabelecimento de uma autoridade
democráticos, em que a reação da audiência revolucionária, reconhecida pela população
é determinante para o sucesso do processo líbia e efetivamente formada por todos os
de transposição de um assunto da política movimentos de oposição ao regime, criou
comum para a política de segurança. Toda a um locutor com capital político e social
teoria se baseia na ideia do autor de que a suficiente para falar com legitimidade à
segurança não existe como dado prévio, comunidade internacional. O CNT líbio,
antes da linguagem – materializada através devido à sua articulação política e base
dos atos de fala (WÆVER, 2007). popular, dispunha da credibilidade
Ao invés de se aplicar a um contexto necessária, de acordo com o explicado por
interno em que um ator securitizante, em Peoples e Vaughan-Williams (2010) para
atuar como ator securitizante e convencer a continuaram a acontecer direcionados à
comunidade internacional da existência de comunidade internacional, caracterizando a
uma ameaça à segurança do povo líbio violência dos partidários de Gadhafi contra
durante os eventos da revolução. Toda essa os rebeldes e clamando por ajuda (NEW
credibilidade dada ao CNT é uma condição ZEALAND HERALD, 2011).
facilitadora do processo securitizante. Numa tentativa de dessecuritização que
O povo líbio, enquanto as insurreições ia contra os atos de fala de manifestantes,
contra Gadhafi ocorriam, constitui o objeto Gadhafi utilizou-se, também, de atos de fala
de referência inicial do processo. Mas um com o objetivo de atacar a credibilidade dos
segundo objeto de referência também pode manifestantes e apresentá-los à comunidade
ser identificado durante o período de de Estados como um movimento ilegítimo,
transição pelo qual passava a Líbia: o sem representatividade e associado a
estabelecimento do novo regime terroristas internacionais (DAILY MAIL,
democrático. Sendo o objeto de referência 2011). Entretanto, Gadhafi já havia perdido
definido como a coletividade ameaçada credibilidade entre sua audiência. Também
(BUZAN; WÆVER; WILDE, 1998) e o havia falta de articulação entre os elementos
CNT reconhecido como representante lógicos da narrativa proposta por Gadhafi,
legítimo do povo líbio e ator securitizante, a assim como sua não verificação quando
crise humanitária gerada pelos ataques de confrontados com a realidade factual. Foi,
grupos pró-regime configurava ameaça portanto, a ausência de condições
flagrante a segurança de civis. Ademais, era facilitadoras que levou ao insucesso das
uma ameaça ao estabelecimento de um tentativas dessecuritizantes.
governo democrático apoiado pelo povo, e O movimento revolucionário beneficiou-
posteriormente por outros países, em se, também, de uma cobertura positiva por
oposição à queda de uma ditadura. Como se parte da mídia ocidental, que retratou os
pode notar, é um caso de securitização tanto manifestantes como pacíficos e atribuiu ao
do setor militar quanto do setor político. regime de Gadhafi toda a violência do
Os rebeldes, de maneira geral, mas em conflito (INTERNATIONAL CRISIS
especial ativistas políticos e figuras GROUP, 2011). Os atos de fala
midiáticas, verbalizaram a agressão que empreendidos pelos manifestantes foram
sofreram em confrontos com o governo para recebidos sob o impacto dos movimentos
a mídia ocidental durante a onda de revolucionários do Egito e Tunísia, que,
protestos iniciada em 15 de fevereiro (AL apesar de recentes, carregavam consigo uma
JAZEERA, 2011b), visto como começo do significação histórica de ameaça suficiente
uso de atos de fala para securitizar a questão para se encaixar no papel de “features of the
dos manifestantes do país. Com o posterior alleged threats that either facilitate or
estabelecimento do CNT, esses atos de fala impede securitization” descrito por Buzan,
Wæver e Wilde (1998, p. 33). Esses mesmos internacional como um todo, mas mais
eventos podem ajudar a explicar porque o especificamente os países do centro com
regime de Gadhafi perdeu credibilidade e maior peso de decisão dentro das
legitimidade rapidamente, assim como a instituições internacionais bem como com
rápida ascensão no status político dos mais recursos à disposição para serem
rebeldes e suas organizações frente à empregados no auxílio aos rebeldes líbios.
comunidade internacional. Esses fatores Alguns desses países centrais, entretanto,
também foram importantes para o sucesso viram no desenrolar dos eventos fenômenos
do processo de securitização da situação do fora do controle das elites que conduziam os
povo líbio frente aos ataques da Jamahiriya. processos de securitização a acontecerem.
Fenômenos esses que os fizeram mais
3.3. DA INCLINAÇÃO DA inclinados a reconhecer como legítima a
AUDIÊNCIA tomada de ações extraordinárias em nome de
proteger a ameaça ao povo líbio apresentada
A situação de guerra civil que nos atos de fala.
caracterizava a crise humanitária na Líbia Após a França ser o primeiro país a
durante a revolução, por si mesma, deveria reconhecer os rebeldes como o governo
ter sido capaz de chamar a atenção das legítimo da Líbia, no dia 10 de março de
potências estrangeiras. No entanto, havia 2011 (BRITISH BROADCAST
ainda um ator securitizante definido e uma CORPORATION, 2011b), Saif al-Islam,
ameaça claramente reconhecível, além de filho do ditador Gadhafi, declarou em
objetos e situações carregados de conotação entrevista que o regime de seu pai havia
histórica que caracterizavam o grau de medo financiado a campanha do então presidente
e insegurança presentes nesses eventos. francês Nicolas Sarkozy, insultando-o
Todos os elementos essenciais descritos por pessoalmente e exigindo, em nome do povo
Buzan, Wæver e Wilde (1998) se líbio, o dinheiro de volta (EURONEWS,
verificavam no caso líbio. Mas isso, apenas, 2011). Dados os números apurados (THE
não explica o sucesso do processo de TELEGRAPH, 2012) a transação seria
securitização na Líbia, já que esses considerada ilegal, segundo a legislação
elementos, ainda que em menor ou maior eleitoral francesa. Assim, a deslegitimação
grau e mais ou menos definidos, de um chefe de Estado que pudesse
encontravam-se também presentes dentre os comprometer o governo francês – um caso
casos a serem ainda analisados nesse artigo, de segurança política – pode ter sido uma
que apresentaram resultado divergente. grande motivação para o engajamento da
A audiência à qual se dirigiam os atos de França na questão líbia. Este pode ser
fala durante o processo de securitização da também um fator que tornou o país europeu,
Revolução Líbia era a comunidade enquanto ator internacional, mais inclinado a
legitimar o processo de securitização importante para a audiência desse processo
empreendido pelos rebeldes, o que facilita, garantiu o sucesso da passagem do caso
em teoria, a aceitação por parte de outros líbio da esfera política comum para a esfera
atores. de política de segurança.
Buzan, Wæver e Wilde (1998) abordam
em seu texto a necessidade de estender o 4. O CASO DA SÍRIA
conceito de objeto de referência para
processos de securitização para além do 4. 1. A REVOLUÇÃO
Estado e seus limites formais. Os autores
citam a ameaça que a migração parece As manifestações que culminaram na
representar, para as elites europeias, à sua crise do regime sírio se iniciaram em
identidade nacional. Ainda que não seja um resposta à prisão e tortura de crianças na
problema que ameace o Estado enquanto cidade síria de Daara. Elas foram
estrutura formal, converte-se em problema responsabilizadas por terem escrito em
de segurança em que o objeto de referência é muros frases que incitavam a queda do
a nação (BUZAN; WÆVER; WILDE, presidente sírio Bashar al-Assad, e que se
1998). Donde se entende que o contingente referiam aos protestos da Tunísia e do Egito
de refugiados produzidos pelas revoluções (CARVALHO PINTO, 2011). Os primeiros
na Tunísia e na Líbia, ao gerar um fluxo manifestos começaram em 26 de janeiro de
maciço de migrantes para países europeus, 2011 (BANDEIRA, 2012).
converteu-se em problema de segurança A partir de então, os protestantes saíram
societal para a própria Europa, sendo o às ruas pedindo maior liberdade de
maior exemplo a ilha italiana de Lampedusa imprensa, respeito aos direitos civis,
(DAILY MAIL, 2011b), em que o número humanos e políticos, mais democracia,
de refugiados e migrantes superou o número liberdades individuais e a suspensão do
de habitantes. estado de emergência em vigor na Síria
A partir do momento em que os afeta desde 1962. Porém, como o governo
diretamente, o caso líbio ganha importância respondeu de forma violenta, abrindo fogo
para esses países centrais, que se sentem contra manifestantes desarmados, os
mais compelidos a buscar soluções. Apesar protestos começaram a exigir a saída de
de haver uma crise econômica na maioria Bashar al-Assad do poder (BRITISH
dos países que se envolveram na zona de BROADCAST CORPORATION, 2012b).
exclusão aérea, ela não se encontrava em um As manifestações se espalharam por todo
estágio tão drástico a ponto de impedir na país, atingindo províncias como Latakia,
operação. A coesão entre elementos do Bonias, Yable, Al Hasake, Damasco,
processo de securitização e a existência de Harasta e Duma (ÁLVAREZ-OSÓRIO,
fatores que tornaram o evento mais 2011).
Como forma de organizar a oposição e pela comunidade da religião alauíta, que
síria, tornando-a mais eficiente, foi criado o compreende apenas 13% da população do
Exército Livre Sírio em julho de 2011, país (ÁLVAREZ-OSÓRIO, 2011). Além
sendo este a união de militares desertores disso, o governo controla os meios de
com civis armados (ASHARQ AL-AWSAT, comunicação oficiais e privados, colocando
2011). E em Istambul, no dia 23 de agosto freios na liberdade de imprensa e expressão.
do mesmo ano, formou-se o Conselho Piorando a situação, 22 milhões de sírios
Nacional Sírio (CNS), o maior grupo estão abaixo da linha de pobreza e o país
opositor sírio atualmente (O’BAGY, 2012). vive a sombra da inflação (idem, 2011).
A partir do momento em que os opositores Várias sanções econômicas já foram
tomaram posse de armas, os conflitos entre aplicadas à Síria pela União Europeia, Liga
os manifestantes e os exércitos do governo Árabe, Estados Unidos e Austrália; essas
resultam em milhares de mortos e feridos medidas são, porém, unilaterais. O conteúdo
(CORBIN, 2011). das sanções é geralmente relacionado a um
Tentando atender algumas das congelamento de transações comerciais e
reivindicações, no dia 19 de abril de 2011, o contas bancárias do governo nos países (O
presidente decretou o fim o estado de ESTADO DE SÃO PAULO, 2012).
emergência e da Corte Suprema de Rompimentos diplomáticos unilaterais
Segurança, responsável por julgar presos também já ocorreram. Com o massacre de
políticos (ÁLVAREZ-OSÓRIO, 2011). Em Houla, em 25 de maio de 2012, em que 34
fevereiro de 2012, o Estado anunciou uma mulheres e 39 crianças foram mortas, vários
nova constituição que permitia o países expulsaram os diplomatas sírios,
pluripartidarismo, entrando em vigor após as dentre os quais estão Estados Unidos, Reino
eleições presidenciais em 2014. Unido, França, Alemanha, Espanha, Itália,
As manifestações são entendidas mais Bulgária, Austrália, Suíça e Canadá
facilmente com uma análise estrutural da (CABLE NEWS NETWORK, 2012).
situação do país. A Síria vive em um regime Em 23 de fevereiro de 2012, a ONU e a
autoritário, apesar de ser considerada uma Liga Árabe nomearam Kofi Annan como o
república aparentemente democrática, pois enviado especial para a crise síria e, em 16
os cidadãos podem escolher o presidente e o de março, Annan apresentou o Plano dos
parlamento a partir de eleições, mas a Seis Pontos, presente na Resolução 2042 do
escolha é limitada pelo unipartidarismo CSNU (UNITED NATIONS, 2012a). Esse
exer ci do pel o Baath (BRI TI SH plano visa que o governo trabalhe para
BROADCAST CORPORATION, 2012d). O suprir as aspirações da população síria e
regime de Bashar al-Assad concentrou o estipulou um cessar-fogo urgente tanto pelas
poder político, militar e econômico nas tropas do governo quanto pela oposição,
mãos de uma elite formada pela sua família sendo que o Estado deveria retirar suas
tropas e armamentos pesados dos centros políticas normais no contexto sírio.
populacionais, recuando seu exército. Assim sendo, pelo reconhecimento do
(UNITED NATIONS, 2012c). Para tornar a CNS como o maior grupo opositor, ele será
ação do órgão mais completa, foi redigida a considerado como ator securitizante para a
Resolução 2043, que programou a UNSMIS presente análise. A audiência que ele quer
(UN Supervision Mission in Syria), atingir é o CSNU, enquanto o objeto de
baseando-se no envio de 300 observadores referência é a própria população síria, que
desarmados para analisar a concretização do sofre uma ameaça existencial promovida
cessar-fogo no país (UNITED NATIONS, pelo governo sírio. O CNS acusa o governo
2012b). Porém, este não foi respeitado e de Assad de repreender os protestos com
com a continuação da violência em escalada, força excessiva, matando milhares de
a missão teve que ser suspensa em junho pessoas (CORBIN, 2011).
(UNITED NATIONS, 2012c). Entretanto, Deve-se levar em conta que, como
Kofi Annan, renunciou ao seu cargo de ressaltado pelo teórico Michael C. Williams
mediador em agosto, argumentando que era (2003, p. 524), “in a world where political
impossível negociar tanto com o governo communication is an essential element of
quanto com a oposição sírios communicative action”, as imagens podem
(KARPUKHIN, 2012). ser consideradas como a forma mais
importante de comunicação, tendo um papel
4.2. APLICAÇÃO DA fundamental em processos de securitização.
SECURITIZAÇÃO Levando isso em consideração, deve-se
reconhecer que o discurso securitizante não
Por causa de sua ampla repercussão e da é sópela fala em si.
força das manifestações na Síria, é possível Abordando as condições facilitadoras
encontrar vários processos de securitização ligadas à linguística e relacionadas ao
nesta situação. Como a Teoria da discurso e à construção de uma ameaça
Securitização foi idealizada em existencial, o CNS consegue por meio de
Copenhagen, na Europa, em um ambiente sua argumentação convencer que a situação
democrático com liberdade de expressão, é síria é preocupante. Neste sentido, o ator
complicado falar em processos de securitizante do caso sírio trabalhou bem ao
securitização internos na Síria, que se utilizar-se das redes sociais e da mídia para
apresenta em um contexto autoritário transmitir sua versão dos acontecimentos
altamente repressivo e que, até para a audiência. Nestas redes são postados
recentemente, estava em estado de vídeos e imagens de bombardeios
emergência. Percebe-se que medidas governamentais em bairros e vilas, de
extraordinárias, características da ataques militares e torturas, de feridos e
securitização, são consideradas medidas mortos (CORBIN, 2011).
Segundo ONGs, o número de mortos Chapter VII which protects the Syrian
chegou a mais de 15 mil, o de refugiados é people." (AL JAZEERA, 2012). O Capítulo
de mais de 200 mil (SHAW, 2012). A ONG VII a que se refere, faz parte da Carta das
Human Rights Watch (HRW), em novembro Nações Unidas e permite medidas punitivas
de 2011, publicou um relatório que expõe contra os regimes considerados uma ameaça
entrevistas de mais de 110 civis e para a paz, incluindo sanções e intervenção
manifestantes de Homs sobre as abordagens militar.
das forças de segurança nos ataques, as Apesar da ampla cobertura ao caso sírio,
torturas aos detentos e as prisões arbitrárias não ocorreu por, parte do CSNU, a aplicação
(HUMAN RIGHTS WATCH, 2011). Em das medidas prevista por aquele capítulo, ou
outra publicação de julho de 2012, a HRW seja, não houve ações extraordinárias em
acusou o governo sírio de manter 27 centros relação ao caso sírio no âmbito da ONU. É
de tortura ativos em toda a Síria, baseado possível procurar respostas para esta inação
nas entrevistas de mais de 200 ex-detentos e a partir da análise das condições
desertores (idem, 2012). Estes relatórios facilitadoras, que legitimam o discurso do
deram credibilidade empírica ao discurso do ator securitizante.
CNS e serviram como parte das condições Analisando as condições sociais, o CNS,
facilitadoras. apesar de ser o maior grupo opositor sírio
Ao buscar a condição facilitadora (O’BAGY, 2012), não dispõe de total
relacionada aos fatos e situações que dão legitimidade internacional, já que apesar dos
fundamento para o discurso, é possível Estados Unidos, França e Reino Unido
perceber que a imagem de Assad para a aceitarem sua legitimidade como
comunidade internacional sempre foi representante da oposição síria, o mesmo
marcada pelo seu jeito autoritário e pelo seu não ocorre com China e com Rússia. O CNS
governo repressivo. Além de outros fatores também passa por dificuldades internas, já
que caracterizam este tipo de regime como o que sofre com as divergências entre seus
da República Árabe Síria, destaca-se a próprios componentes, rivaliza com outros
existência de prisões arbitrárias aos grupos oposicionistas na região e não é
oposicionistas (BRITISH BROADCAST responsável por um comando direto da
CORPORATION, 2012). revolução, devido a sua base estar na
Como forma de securitizar a questão, um Turquia e França (MANFREDA, 2012).
dos representantes do CNS afirmou em julho Como nenhuma medida foi tomada,
de 2012: "To stop this bloody madness percebe-se que há falta de um apoio
which threatens the entity of Syria, as well substantivo da comunidade internacional. É
as peace and the security in the region and in interessante notar que a própria
the world, requires an urgent and sharp credibilidade interna do CNS está perdendo
resolution of the Security Council under força, já que apresenta falta de habilidade
em não conseguir promover uma enfraquecida. Embora seja composto por
intervenção internacional no país que fosse eruditos, elites ocidentalizadas e ativistas
capaz de acabar com guerra civil (SHAW, exilados, o grupo sofre de uma falta de
2012). consenso interna, que é demonstrada
Apesar dos Estados Unidos, Reino publicamente. Um exemplo é se deve ser
Unido e França não cogitarem uma dado apoio ou não aos grupos armados. Este
intervenção militar, defendem a aplicação do desacordo resultou na saída de 20 membros
Artigo 41 do Capítulo VII da Carta das do CNS, formando outro grupo opositor
Nações Unidas (CHACRA, 2012a). O (O’BAGY, 2012).
referido artigo dá direito de interrupção total
ou parcial das relações econômicas, dos 4.3. RETENÇÃO DO PROCESSO DE
meios de comunicação aéreos, telegráficos, SECURITIZAÇÃO
radiofônicos, marítimos ou rompimento de
relações diplomáticas, caso o país não Acrescenta-se a este fato a presença de
cumpra o plano de paz. Entretanto, Rússia e Bashar al-Assad como presidente do país,
China buscam no Capitulo VI uma solução que insiste em argumentar que as
pacífica, baseada no diálogo, já que manifestações são fruto de organizações
desconfiam do discurso da oposição. terroristas financiadas pelos governos
O presidente dos Estados Unidos, Barack Ocidentais. Em seu discurso de 2012, Assad
Obama, em seu discurso em 19 de Maio de enfatiza que os problemas internos devem
2011, condenou a repressão na Síria e diz ser resolvidos pelo governo, e não por países
que irá impor sanções, juntamente com a estrangeiros, repudiando uma intervenção.
comunidade internacional, ao país; porém Ele se refere a um ataque regional e global
em nenhum momento cita uma possível contra a Síria, acusando os países do
intervenção militar. Para ele, Assad deve Ocidente de terem ações colonialistas em
encabeçar uma transição ou então deixar o relação a seu país (SYRIAN FREE PRESS
governo, além de parar com a repressão e as NETWORK, 2012). Segundo Assad, os
prisões arbitrárias (THE GUARDIAN, grupos oposicionistas distorcem a imagem
2011). Entretanto, percebe-se a falta de do país para o exterior, por meio de vídeos e
apoio efetivo ao grupo opositor, que apesar imagens falsas, invocando por intervenções
de ter contato próximo com alguns membros estrangeiras (AL-BAB, 2011).
do governo por manter escritórios na França, Esse discurso de Assad tenta minar a
Inglaterra e Estados Unidos, não conseguiu veracidade da narrativa introduzida pelo
que uma intervenção fosse feita. A razão CNS, desacreditando sua história para a
desse apoio limitado vem das grandes comunidade internacional. A Rússia e a
desavenças que existem dentro do CNS, que China são a parte da audiência que foi
faz com que sua credibilidade seja convencida de que não há uma situação
emergencial na Síria e que o governo não Já a China se opõe veementemente a
constitui uma ameaça existencial à aliar-se ao Ocidente, afirmando que uma
população. Assad promove então uma força intervenção internacional pioraria a situação
politizadora ao caso sírio. Em outras atual síria. Além disso, o país acredita que
palavras, estes países continuam a apoiar de cerca de metade da população síria ainda é
certa forma o discurso de Assad, leal ao presidente Assad (WEE; MAO,
considerando sua legitimidade por este ser o 2012). Acima de tudo, Liu Weimin, porta-
presidente do país e pelas relações de voz da chancelaria chinesa, afirma que as
amistosas estabelecidas entre eles. É tentativas de intervenção são uma forma que
possível analisar pontos em comum nos o Ocidente encontrou para ditar seus valores
discursos dos três líderes. e padrões ao resto do mundo de forma
O Ministro das Relações Exteriores coercitiva (idem, 2012).
russo já fez declarações pedindo aos O discurso de Assad está surtindo efeito,
terroristas fim da violência no país, além de já que Rússia e China vetam qualquer tipo
se abrirem para negociações pacíficas com o de intervenção, ou até mesmo sanção, por
governo (ARAB TODAY, 2011). Isto não considerarem o regime sírio como uma
demonstra claramente a influência que o ameaça existencial e por não considerarem o
discurso de Assad tem na Rússia, decorrente CNS uma entidade legitima para tal apelo. A
das relações próximas entre os dois países. opção da aplicação de medidas
As relações históricas entre os dois governos extraordinárias parece bem distante,
dão capital político ao regime de Assad de principalmente uma intervenção militar. Isso
modo que este disponha de maior porque mesmo os Estados Unidos, França e
credibilidade que o CNS, para a Rússia Reino Unido não contam com essa opção.
enquanto audiência. Fora isso, há motivos Um dos motivos para tal cautela deriva
para uma maior inclinação a não aceitar o da comparação entre Síria e Líbia. A
discurso do CNS. A Rússia teme que situação daquela é diferente da Líbia antes
medidas extraordinárias levem a uma da intervenção. Primeiramente, a oposição
situação de ameaça à soberania, como síria é mais dividida e complexa, sendo
ocorrido na Líbia, onde a zona de exclusão formada por vários grupos; com o fim do
aérea logo desencadeou a intervenção regime atual, há temores de que a violência
militar. Além disso, o país é um grande instalada no país se intensifique ainda mais,
fornecedor de armas para a Síria e não abrirá gerando um caos. Já as forças de segurança
mão de seus lucros. Não se pode esquecer do governo e sua defesa aérea são mais
que a Rússia tem um entreposto militar na fortes e eficientes. A Síria é um ator de
costa síria, que é sua aliada desde a Guerra grande importância no Oriente Médio, tanto
Fria, sendo esta sua única base no geográfica quanto politicamente, e a
Mediterrâneo (CHACRA, 2012b). derrubada de Assad geraria instabilidade
ameaçando países como o Líbano (JAWAD, nepotismo e entre outras reivindicações. Há
2012). também falhas em modernizar o contrato
O processo de securitização do CNS está social das monarquias árabes do Golfo –
fadado ao fracasso, já que não houve baseadas em vagas em empregos públicos
aceitação total da audiência. Isso se deve aos para nacionais e taxação virtualmente nula –
discursos concorrentes presentes no em países que possuem uma receita de
processo, e a falta de coerência dentro do exportação de petróleo per capita
próprio grupo que se apresenta como ator relativamente baixa para a região, como é o
securitizante, fazendo com que sua caso do Bahrein (FORSTENIECHNER;
credibilidade seja limitada, impedindo uma RUTLEDGE, 2010). A discriminação
ação mais concreta dos países ocidentais. histórica contra a maioria xiita da
Além disso, pela Síria ser um ator de grande população, os privilégios outorgados à
importância no Oriente Médio, qualquer população sunita ligada à família real al-
medida extraordinária deve ser feita com Khalifa e as políticas de nacionalização de
cautela. estrangeiros sunitas com vistas a modificar a
balança demográfica também podem ser
5. O CASO DO BAHREIN inclusas nas causas das manifestações
(HAMAD; SALDAÑA, 2011).
5.1. A REPRESSÃO AOS Na madrugada do dia 17 do mesmo mês,
PROTESTOS E A REAÇÃO forças militares e policiais abordaram
INTERNACIONAL violentamente os manifestantes que
acampavam na Praça da Pérola, centro da
A crise política no Bahrein começou capital Manama (idem, 2011). Médicos e
com os protestos do dia 14 de fevereiro de ambulâncias foram impedidos de se
2011, que tomaram lugar na Praça da Pérola aproximarem do local e o principal hospital
na capital Manama (HAMAD; SALDAÑA, do país, o Complexo Médico Salmanyia,
2011). O documentário Bahrain: Shouting in tinha seus leitos lotados por feridos da
the Dark da emissora qatariana Al Jazeera repressão policial (WELSH, 2011). As
descreveu a crise como “the Arab revolution quatro mortes ocorridas naquela madrugada
that was abandoned by the Arabs, forsaken repercutiram em novos protestos que se
by the West and forgotten by the repetiram diariamente durante um mês,
world” (WELSH, 2011). sendo recebidos sempre com repressão,
De acordo com Leyla Hamad e Marta violência e morte.
Saldaña (2011), as causas das manifestações Falhas na negociação entre governo e
incluíam reclamações por reforma política, oposição, juntamente com a escalada da
taxas de desemprego elevadas, inflação violência, resultou na solução política
significativa nos últimos anos, corrupção, tomada no dia 15 de março, que envolvia
declaração de lei marcial e de Estado de arquipélago-reino. Em contraposição, no
Segurança Nacional. Neste mesmo dia, as mesmo discurso, caracterizou a repressão na
forças de segurança do Conselho da Líbia como uma violência em grande escala
Cooperação do Golfo (CCG) – chamadas de e as decisões do governo sírio como “the
Escudo da Península e formadas por tropas path of murder and the mass arrests of its
do Bahrein, Emirados Árabes Unidos, citizens” (OBAMA apud THE
Kuwait, Omã, Qatar e, especialmente, GUARDIAN, 2011).
Arábia Saudita –intervieram no país, no que Enquanto isso, Robert Cooper,
foi descrito por Kamrava (2012, p. 103) conselheiro da Alta Representante da União
como parte de uma política de Europeia (UE) para os Negócios
contrarrevolução na Primavera Árabe. Estrangeiros e Política de Segurança,
Após retirar o acampamento da Praça da defendeu as forças de segurança do Bahrein
Pérola e ocupar militarmente o complexo afirmando que “[i]t’s not easy dealing with
médico, a ação do governo se voltou para large demonstrations in which there may be
campanhas difamatórias e prisões em massa violence [...] accidents happen” (COOPER
de ativistas políticos, incluindo, entre outros apud RETTMAN, 2011). Ele reenfatizou o
médicos, parlamentares da oposição, direito das autoridades de reestabelecer a
advogados, poetasfutebolistas (WELSH calma e a ordem, além do fato do país ser
2011). Houve demissões por suspeita de normalmente pacífico e aprazível
desobediência civil, mesquitas xiitas foram (RETTMAN, 2011). O Ministro de relações
derrubadas, torturas foram realizadas em exteriores da Rússia acolheu os esforços do
centros de detenção e julgamentos governo real em estabilizar o país, apesar de
aconteceram mesmo sem a possibilidade dos declarar que o diálogo era a única maneira
acusados se expressarem (HAMAD; possível de resolver os problemas sociais do
SALDAÑA, 2011). Bahrein (PEOPLE’S DAILY, 2012).
Em discurso sobre a situação do Oriente No plano internacional, houve poucas
Médio no dia 19 de Maio de 2011, Obama críticas diretas à família real bareinita e ao
afirmou que os protestos em massa e o uso CCG e a maioria das reações à repressão
da força estavam em desacordo com o conteve-se no reconhecimento do direito
respeito aos direitos humanos dos cidadãos estatal de reestabelecer a ordem ou em
do Bahrein, chegando a citar as mesquitas críticas comedidas às violações aos direitos
xiitas derrubadas (THE GUARDIAN, 2011). humanos. A questão nunca foi debatida no
No entanto, a crítica só veio após o CSNU.
reconhecimento do interesse legítimo do
governo bareinita na manutenção da ordem e 5.2. O PROCESSO DE
de uma intenção do governo iraniano de se SECURITIZAÇÃO
aproveitar do tumulto existente no
Aplicar a Teoria de Securitização para o como ator securitizante, pode-se levar em
caso do Bahrein é explicar por que a crise consideração a existência de outros grupos
humanitária não é – ou, ao menos, não foi que, por sua vez, pregam pela violência. O
tratada como – um problema de segurança. Movimento Juventude 14 de Fevereiro, ao
Será necessário identificar o ator não conseguir permissão para manifestações
securitizante que tenta trazer a questão para pacíficas, começou a organizar protestos não
o campo da emergência e o objeto de autorizados e frequentemente violentos
referência que é ameaçado. A pouca contra forças policiais (BOCKENFELD,
cobertura do caso do Bahrein e o fato do 2012). A estratégia do movimento envolve
processo de securitização ter falhado são uso de coquetéis Molotov e dispositivos
condições que dificultam a análise do caso. explosivos improvisados (WEHREY, 2012).
Ao identificar quem seria o ator Contudo, ainda que possa ser considerado
securitizante, a resposta mais óbvia talvez um ator securitizante interno, o Movimento
fosse o principal grupo opositor ao governo, Juventude 14 de Fevereiro não poderia sê-lo
Al Wefaq. De fato, a renúncia de todos os 18 para o público externo, pois suas ações
deputados do Al Wefaq a seus postos no anônimas estão voltadas para convocar
parlamento real (HAMAD; SALDAÑA, cidadãos para a luta contra o Estado e não
2011) pode ser entendida como uma para uma intervenção estrangeira a seu
tentativa de deslegitimar o governo. No favor.
entanto, as lideranças do grupo e seus Apesar da falta de apelo externo por
discursos não têm clamado por resistência intervenção por estes dois grupos, um
através da força contra o regime; pelo pedido de ajuda registrado pela Al Jazeera
contrário, eles fazem pedidos públicos para chama a atenção. Doutor Ghassan Dhaif, em
que os manifestantes prezem pela meio ao caos que tomava conta do
abordagem pacífica (BOCKENFELD, Salmanyia após mais um dia de repressão
2012). Até o ativista político Abdulhadi al- policial, comparou a situação de seu país a
Khawaj, depois de preso e em greve de fome um estado de guerra e proferiu: “[e]
por três meses, pediu para sua filha tornar verybody in the world, United States,
público, via Twitter, seu pedido pelo European Union, all the Arab League, all the
caminho da resistência pacífica, mesmo que Arab countries, please, do come here to help
sua greve de fome resultasse em morte us” (DHAIF apud WELSH, 2011). No
(BRITISH BROADCAST documentário da mesma emissora, uma
CORPORATION, 2012c). O grupo Al multidão grita “não há segurança quando a
Wefaq vem, portanto, buscando por polícia vem do Paquistão” (WELSH,
mediação, especialmente no âmbito externo tradução livre, 2011), uma referência às
(WEHREY, 2012). políticas de nacionalização de estrangeiros e
Descartando a possibilidade do Al Wefaq sua empregabilidade nas forças policiais.
Por essas referências e por fazer acreditar se vêm, então, reduzidos a espaços mais
que as alterações demográficas afetariam a acessíveis a eles, como por exemplo, perfis
segurança, tal discurso pode ser pessoais em redes de relacionamento como o
compreendido dentro de um framework de Twitter e, mesmo assim, são presos por
segurança societal. declarações feitas no microblog (GULF
Uma vez identificados os discursos, NEWS, 2012).
torna-se mais fácil identificar quem os Por estes motivos, e pela dificuldade de
profere. Chega-se, então, a duas hipóteses se analisar discursos rapidamente abafados,
possíveis: ou pequenos e dispersos agentes, desconsiderar-se-á a primeira hipótese para
como a multidão e o médico, são agentes este artigo e trabalhar-se-á aqui com a
securitizantes que usam a Al Jazeera como segunda hipótese que tem a Al Jazeera como
meio de comunicação, ou a própria emissora ator securitizante. Porém, não se pode
é o agente securitizante que se utiliza das descartar a existência da tentativa de
manifestações como condições facilitadoras. securitização por parte dos manifestantes,
Ao trabalhar na primeira hipótese, nos por mais reprimida e contida que ela seja.
deparamos com um problema descrito por
Hansen (2000) como Segurança como 5.3. A MÍDIA COMO AGENTE
Silêncio: “a situation where the potential SECURITIZANTE
subject of security has no, or limited,
possibility of speaking its security Como visto anteriormente, de acordo
problem” (HANSEN, 2000, p. 294). De fato, com Williams (2003), imagens são
os pequenos e dispersos atores que poderiam importantes formas de ato de fala. Ao
indicar o problema de segurança do Bahrein considerar um veículo midiático, tal qual a
foram alvo de um sistema de opressão bem Al Jazeera, como o agente para o processo
eficiente que não só moveu uma campanha de securitização, será permitida a análise
difamatória contra eles, mas também os não só dos discursos, mas também das
prenderam, torturaram e, acima de tudo, os imagens. Segundo a interpretação de
silenciaram. Estes atores sofreram e sofrem Williams (2003, p. 526), “the speech-act of
um dilema no qual, ao falar sobre o securitization is not reducible to a purely
problema de segurança humana em seu verbal act or a linguistic rhetoric: it is a
próprio país, são ameaçados pelo Estado e broader performative act which draws upon
aumentam sua própria insegurança ao invés a variety of contextual, institutional, and
de diminuí-la. A demonstração mais clara symbolic resources for its effectiveness”.
disso é que vários dos entrevistados do Portanto, os atos de fala do ator
documentário da Al Jazeera, incluindo o securitizante não se resumem às já citadas
próprio Ghassan Dhaif, foram presos frases que pedem por interferência
(WELSH, 2011). Estes atores securitizantes internacional e questionam a legitimidade da
força policial. Cenas de manifestantes chegou nem a ser discutida em nenhum tipo
feridos nas ruas e no hospital, de funerais, de de fórum multilateral. Sendo assim, a
cidadãos vivendo em situações precárias, de segurança da população do Bahrein foi
multidões marchando, da entrada da força mantida no âmbito doméstico sob
militar do CCG, da demolição de mesquitas discricionariedade do próprio governo
são também atos de fala. bareinita.
No documentário, cenas fortes de
violência, que mostravam ferimentos 5.4. FALHAS NO PROCESSO DE
provocados por torturas, foram contrastadas SECURITIZAÇÃO E
com algumas palavras do discurso de POLITIZAÇÃO
Obama sobre a situação na Líbia: “some
nations may be able to turn a blind eye to A primeira e terceira categorias de
atrocities in other countries. The United condição facilitadora do ato de fala – como
States of America is different. Wherever explicada por Buzan, Wæver e Wilde (1998)
people long to be free, they will find a friend –, caracterizadas pelo uso correto dos
in the United States” (OBAMA apud procedimentos convencionais, acontece
WELSH, 2011). Suas palavras foram efetivamente. A produção da Al Jazeera foi
seguidas pela voz da narradora, que afirmou: capaz de construir uma narrativa que
“but when it came to Bahrain, the convence o seu espectador de que a situação
champions of freedom were humanitária no Bahrein é drástica, urgente e
silent” (WELSH, 2011). A maneira em que digna de preocupação. Isto só foi possível
é exposta a contradição da política externa através do uso correto das estruturas
americana é, também, um ato de fala com linguísticas dos discursos e dos recursos
objetivo de indignar o espectador e levá-lo, audiovisuais que apresentam cenas
se for americano, a exigir de seu próprio chocantes de violência e emocionantes
governo uma posição mais coerente. testemunhos, em sua maioria, anônimos.
O objeto de referência de todos os Tudo isso com a adição de objetos de
discursos e imagens é a própria população referência que claramente remetem a
bareinita, citada no apelo do Dr. Dhaif na violência, como, por exemplo, tanques de
palavra “us” (nós). As cenas de conflito com guerra, disparos de armas de fogo,
dezenas de mortos e feridos confirmam a ferimentos graves em manifestantes
população do arquipélago-reino como o pacíficos, marcas de tortura, demolição de
objeto de referência. mesquitas e monumentos históricos, entre
O caso bareinita representou não apenas outros.
uma falha no processo de securitização, mas Para demonstrar a maneira em que o
também uma falha no processo de discurso foi construído no documentário há
politização, já que a crise humanitária não o exemplo de uma cena ocorrida depois de
mostrada a desocupação da Praça da Pérola Khalifa al-Thani, foi sua habilidade em
por forças militares do CCG. Pode-se ouvir cobrir notícias em árabe com certo grau de
o relato anônimo de uma garota, que dizia: independência. No entanto, em Setembro de
2011, após o lançamento do documentário, o
Quer seja um país democrático ou diretor geral da rede, Wadah Khanfar, foi
um país autoritário, todos eles
agiram da mesma forma quando se substituído por um membro da família real
tratava de nós; eu descobri que do Qatar, xeique Ahmed Bin Jassim Bin
minha condição como ser humano
Mohamed al-Thani (idem, 2011), colocando
está sujeita a discussão [...] baseada
nos interesses dos Estados Unidos em xeque o real grau de independência da
ou da Arábia Saudita ou de outros emissora e o valor de sua atuação na região.
países. (WELSH, tradução livre,
2011).
Apesar da influência que vem ganhado nos
últimos anos, fruto das críticas a diversos
O principal problema está na segunda governos da região, a Al Jazeera continua
categoria de condição facilitadora, muito atrelada ao governo do Qatar, que,
relacionada ao capital social do ator vale lembrar, é um integrante do CCG e fez
securitizante e a sua comunicação com a parte da intervenção pró-regime no Bahrein.
audiência. A despeito de ser a única O medo de retaliação do governo do próprio
emissora de TV que permaneceu no país e emirado qatariano levanta suspeitas de que a
cobriu tanto os protestos quanto a repressão emissora tenha deliberadamente diminuído o
a eles, o serviço em árabe da Al Jazeera – alcance de suas notícias, sabotando assim
que, ao menos até Outubro de 2011, não sua própria securitização.
mostrou o documentário – pareceu ignorar a Em resumo, o próprio subtítulo do
violência do país vizinho (EAKIN, 2011). documentário citado – “Gritando no
Portanto, a audiência do processo de Escuro”, em tradução livre – pode explicar
securitização é diminuída das dezenas de as falhas no processo de securitização no
milhares de espectadores árabes do Oriente Bahrain. Ainda que existam apelos feitos
Médio a uma reduzida elite ocidental que por manifestantes, ninguém os ouve pela
assiste ao canal Al Jazeera English e não própria repressão interna do Estado bareinita
representam uma ameaça direta à e os poucos apelos registrados não são
estabilidade regional (idem, 2011). ouvidos pela audiência reduzida, deixando
Diferentemente das situações no Egito, os atores securitizantes na escuridão e a
Tunísia, Líbia e Síria; a situação no Bahrein situação no país, esquecida. Em adição a
não foi acompanhada de uma repercussão isso está a falta de independência da
regional ou global. emissora que, por estar muito atrelada ao
A maior inovação desta emissora, desde governo qatariano, não pode apresentar suas
sua fundação em 1996 pelo próprio críticas na língua da maioria dos seus
governante do Qatar xeique Hamad Bin ouvintes.
6. CONCLUSÃO audiência é fluida e diversa, os vários países
possuem agendas próprias e a credibilidade
A Teoria da Securitização se mostrou é uma característica atribuída conforme as
uma ferramenta interessante para a análise dinâmicas entre países, sendo muito mais
da política internacional quanto ao inconstante. Todas essas características
tratamento de crises humanitárias. Em três dificultam o processo de securitização
casos de repressão governamental escalando realizado em ambiente externo. A existência
para violência e consequente ameaça à de condições facilitadoras tem de ser
seguridade humana, três tratamentos acompanhada pela inclinação da audiência
diferentes por parte da comunidade em reconhecer os problemas, já que ela tem
internacional foram observados. Procurou-se não apenas o poder de decidir se a
entender a justificativa através da análise de securitização é válida ou não, mas também é
diversos atores, tanto os alvos da ela quem emprega recursos durante a
securitização quanto os securitizantes. tomada de medidas extraordinárias,
As fontes da ameaça eram semelhantes aumentando os custos dessa
tanto na Líbia quanto na Síria ou Bahrein, decisão.Analisando o sucesso da
assim como a gravidade do perigo. Securitização na Líbia percebe-se que era
Entretanto, seguindo o framework teórico, interessante à comunidade internacional
apenas a situação na Líbia seria classificada intervir no país já que além do CNT ter
como uma problemática de segurança, já conseguido legitimidade diante à audiência,
que este foi o único caso que resultou em a grande migração de refugiados líbios em
securitização efetiva. Isto ocorre porque países europeus, circunstância inicialmente
mesmo na presença de eventos que externa ao Processo de Securitização,
ameacem a existência de grupos ou acabou gerando fortes incentivos para que
indivíduos, há uma falha em responder de alguma solução fosse tomada rapidamente.
maneira a protegê-los. Já os casos da Síria e Bahrein carecem tanto
A teoria foi adaptada para ser aplicada de um ator securitizante com credibilidade,
ao cenário internacional, adotando a o que é crucial para o processo, quanto de
sociedade interestatal, com ênfase no estímulos adicionais que façam com que a
CSNU, como a audiência. Por consequência, audiência se pronuncie positivamente em
as medidas extraordinárias, necessárias ao relação a Securitização. Assim, percebe-se
processo de securitização, acabam sendo que o sucesso desta só é possível com um
baseadas no Capítulo VII da Carta das consenso entre a audiência e o ator
Nações Unidas, estimulando assim a securitizante. Tal acordo só é viável porque
utilização das bases do Direito Internacional o processo é intersubjetivo, ou seja,
para a resolução de questões emergentes. dependente do compartilhamento de ideias
Observou-se que, neste ambiente, a entre um grupo de atores, neste caso os
Estados. E isto ocorre a partir do discurso, democrático, Wæver (2007, p. 66) é
que constrói uma determinada situação de contrário à ideia de que “the more security,
acordo com os interesses do ator the better”. O teórico se preocupa com o
securitizante. modo com o qual se retira questões da
O próprio Direito Internacional política normal e as move para a política
proporciona caminhos para o processo de extraordinária, justificando tomadas de
securitização, poré, nota-se que este também decisão que em outra situação não seriam
afirma o direito de soberania e não aceitas. Seu artigo Securitization and
intervenção, promovendo assim um debate Desecuritization, Wæver (2007) questiona
sobre qual de seus princípios devem ser tendências modernas de tratar assuntos
utilizados, quando há uma situação em que como a degradação ambiental, por exemplo,
aplicação de intervenção humanitária é em termos de segurança e, por estas razões,
possível. Desta forma, a escolha dos faz um apelo pelo caminho inverso, a
princípios a serem empregados fica a cargo dessecuritização. Entretanto, defende-se
da comunidade internacional, que observa aqui, neste artigo, que em algumas situações
qual será mais adequado para o caso, e que vividas em contextos diferentes, como os
também sirva para seus interesses políticos e descritos nas últimas páginas, é fácil
até econômicos. Sendo assim, é isto que está reconhecer problemas de segurança que
ocorrendo nos países afetados pela necessitam de medidas efetivas.
Primavera Árabe, a procura da comunidade
internacional de aliar o que lhe convém com
a resolução dos problemas que se
apresentam.
Vivendo em um contexto europeu

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RESUMO ABSTRACT

O presente artigo tem por objetivo This article wants to identify the main
identificar os principais pontos de tension points of the international
tensão da agenda de segurança security agenda in the region Asia-
internacional da região Ásia-Pacífico. Pacific. This analysis is based on case
Esta análise está baseada em estudos studies able to show the fundamental
de caso capazes de expor pontos of the question, discussing the essential
fundamentais da questão, colocando concepts that animate the regional
em discussão os conceitos basilares debates.
que dão a tônica dos debates na região.

PALAVRAS-CHAVE: Segurança KEYWORDS: Security; International


Internacional; Direito Internacional; Law; Asia-Pacific; Japan; India;
Ásia-Pacífico; Japão; Índia; Coréia do South Korea; North Korea; Indonesia;
Sul; Coréia do Norte; Indonésia; China; ASEAN; United States of
China; ASEAN; Estados Unidos; America; SCO; Russia.
SCO; Rússia.

1
Graduanda do curso de Relações Internacionais na Universidade de Brasília. Atualmente, traba-
lha na diretoria de Responsabilidade Socioambiental da Simulação das Nações Unidas para Se-
cundaristas (SiNUS 2013). Seus principais interesses são segurança internacional e o estudo de
China e Rússia.
2
Graduando do curso de Relações Internacionais na Universidade de Brasília. É membro da or-
ganização acadêmica de modelos das Nações Unidas como a SiNUS e o Americas Model United
Nations (AMUN). Seu foco acadêmico se concentra nas áreas de Teoria das Relações Internacio-
nais, Instituições e Desenvolvimento, Crime Internacional e História Econômica.
3
Graduando do curso de Relações Internacionais na Universidade de Brasília. É membro do
Programa de Educação Tutorial em Relações Internacionais (PET-REL) e do Laboratório de
Análise em Relações Internacionais, o LARI. Trabalha com a organização acadêmica de simula-
ções do modelo “Nações Unidas” e se interessa por projetos que integrem a comunidade fora dos
meios universitários. Psicologia aliada à teoria política e direitos humanos são os assuntos que
compõem sua agenda de pesquisa principalmente.
1. INTRODUÇÃO problemáticas históricas e a deliberação
atual no sentido de criar espaço para a
O agrupamento de países dentro da resolução e o entendimento a partir de
compreensão de uma “sociedade de políticas e práticas convergentes.
Estados”, a qual se caracteriza por uma Para isso, o artigo foi construído em três
maior interação entre cada membro a partir seções, que se completam e dialogam entre
de regimes compartilhados e si, diferenciando-se quanto à especificidade
reconhecimento mútuo, acaba por trazer e à abordagem dos casos tratados. A
questões como Direito Internacional e primeira seção tece uma visão geral dos
segurança à pauta de assuntos globais com países com maior peso político dentro da
cada vez mais força consequentemente. Ásia-Pacífico, nas suas mais relevantes
Ambos os assuntos se completam de situações envolvendo segurança – a maioria
maneira interessante na medida em que dos casos contendas históricas. A segunda
problemas de segurança levam consigo parte mostra, por meio de uma maior
bases do Direito Internacional. especificação, as relações intrarregionais e a
Este artigo tem como objetivo apresentar configuração delas para com as
e analisar parte importante dos conflitos da problemáticas previamente citadas. E, por
Ásia-Pacífico sob o viés dos temas fim, a última seção abarca a influência de
supracitados, usando-os como pilares atores fora da Ásia-Pacífico na atuação
importantes dessa dinâmica. O tratamento política e delimitação de estratégias sob
dos casos mais relevantes e dos desafios das caráter multilátero particularmente. Acredita
maiores potências locais traduz, desse modo, -se, então, que tal estrutura se faz pertinente,
a tentativa de esclarecer os processos que uma vez que facilita a compreensão de
exercem maior influência na região e no situações importantes pela óptica de três
mundo, determinando as distintas panoramas distintos, incluindo e delimitando
atmosferas e implicações dessa mesma novas dimensões para uma compreensão
ordem. mais ampla e completa.
O tema deste artigo expõe o avanço
tímido da região em debate nos campos de 2. ESTUDOS DE CASO
segurança e Direito Internacional, ao mesmo
tempo em que apresenta uma crescente Esta seção tem como objetivo expor e
tentativa de cooperação nessas áreas, explorar as características da ação
reforçando e compartilhando elementos os internacional dos países mais proeminentes
quais dão novo fôlego às relações dos países da região da Ásia e do Pacífico, levando-se
tratados a seguir. Assim, como objetivo em consideração uma abordagem voltada à
central, tem-se a exploração dessas duas segurança internacional. Sendo eles: Japão,
vertentes: o tolhimento na solução de Índia, Coréia do Sul, Coréia do Norte,
Indonésia e China. Espera-se que os estudos japonês, o que acabou por torná-las a mais
de caso facilitem a compreensão das poderosa defesa militar do país (ARASE,
políticas internas e esmiúcem os pontos de 2007).
vistas de cada potência em segurança da Nesse contexto, as forças de autodefesa
região. Nela serão encontrados os puramente japonesas reduziram seu escopo
posicionamentos de cada um destes países e de atuação a uma definição extremamente
será detalhada a relação entre as políticas limitada de segurança nacional, cujo único
internas e as externas de cada um dos foco prático era o próprio território do
Estados em questão. Japão, sem a permissão para o envio dessas
tropas para atuações externas. Essa condição
2.1. O CASO JAPONÊS se firmava tanto com base nas restrições
legais imperativas em relação a atividade
Historicamente marcada por uma política militar que a Constituição imputava, quanto
de segurança restrita ao seu próprio território na comodidade que o tratado estabelecido
e dependente da proteção militar com os EUA proporcionava ao governo
estadunidense por cerca de 40 anos, a japonês. Simplificadamente, a doutrina de
sociedade japonesa somente assistiu a uma segurança nacional do período se baseava na
expansão global efetiva de suas iniciativas resistência a quaisquer invasões até que
nessa área a partir do início do século XXI, tropas aliadas dos EUA ou das Nações
em confluência com a percepção de que Unidas pudessem intervir (SINGH;
novas ameaças transnacionais também SHETLER-JONES, 2011).
concernem aos interesses de segurança do A própria sociedade japonesa já
país (SINGH; SHETLER-JONES, 2012). desenvolvia uma identidade coletiva em
Após a Segunda Guerra Mundial e a torno das premissas antimilitares do artigo
subsequente ocupação pelas Forças Aliadas, 9º, em grande parte pelo trauma social
o Japão passou por um longo período de causado pelos resultados desastrosos da
postura estritamente defensiva no campo da Segunda Guerra Mundial no que tange a
segurança internacional. No artigo 9º da perdas humanas (ARASE, 2007).
Constituição instituída em 1947, o país Consequentemente, a condução da política
abdica permanentemente de seu direito de externa japonesa durante o período da
promover guerras, em um claro afastamento Guerra Fria, em linhas gerais, preteriu a
do regime estritamente monárquico do preocupação militar em prol de uma
período anterior. Adicionalmente, o Tratado estratégia de desenvolvimento econômico,
de Segurança de 1951 entre Estados Unidos comportamento que recebeu a alcunha de
e Japão garantiu às forças americanas a “pacifismo de um só país” (SINGH;
prerrogativa de estabelecer bases e SHETLER-JONES, 2011).
movimentar tropas dentro do território Forte pressão foi exercida sobre o
governo japonês para que este abandonasse contínuo e cada vez mais intenso peso do
o territorialismo restrito e expandisse seus interesse americano por apoio e participação
interesses e conceitos em segurança. A ativos japoneses, mas também da conversão
maior fonte dessas pressões foi do governo de mentalidade e de um rejuvenescimento da
estadunidense, a quem o Japão devia boa política no país, simbolizado pela
parte de sua própria defesa, mas também são reinterpretação dos princípios pacifistas da
significativos os movimentos pela abertura Constituição japonesa (ARASE, 2007).
provenientes de algumas forças políticas Para além de influências externas, nota-
internas. Apesar disso, poucas foram as se um crescimento na agenda política
medidas oficiais nesse sentido até a última japonesa de um discurso de proteção contra
década do século XX (SINGH; SHETLER- forças transnacionais hostis, entre as quais
JONES, 2011). as mais flagrantes e facilmente identificáveis
A partir de 1989, o Japão começou a são o terrorismo internacional e o crime
expandir sua atuação em segurança organizado. Existe uma preocupação
internacional. O marco que simbolizou essa genuinamente japonesa – possivelmente
abertura foi a permissão para que as tropas intensificada pelo fato de que o Japão é um
de autodefesa ingressassem em missões de aliado histórico do Ocidente na região –
peacekeeping das Nações Unidas – o que quanto à expansão na proteção de território e
sugere a ocorrência de um relativo de civis contra potenciais riscos (ARASE,
afrouxamento da interpretação rígida 2007).
anteriormente feita do artigo 9º da O Japão da primeira década do século
Constituição japonesa. Adicionalmente, uma XXI assistiu a iniciativas de reforma
série de reformas políticas nas estruturas constitucional mais incisivas que as
partidárias japonesas – com ascensão anteriores e a uma postura mais ostensiva
política de grupos menos conservadores em em relação a ameaças de ordem diversa. O
relação a temas de segurança – teve lugar na perigo militar apresentado pela Coreia do
década de 1990, uma espécie de lento Norte tem sido encarado com cada vez
prelúdio para o que viria a ser a postura do menos brandura pelo governo japonês. A
país na década seguinte (ARASE, 2007). ascensão econômica chinesa também
Entretanto, foi apenas no ano de 2001 – representa uma preocupação hegemônica
por ocasião dos atentados de 11 de setembro com profundas implicações na economia do
– que se pôde observar uma mudança Japão, e tem sido securitizada e encarada de
prática, substancial e aparentemente forma menos passiva que a genericamente
definitiva na histórica política de segurança demonstrada durante quase a totalidade do
japonesa. A prontidão exibida pelo governo século XX. Os indícios apresentados podem
em apoiar a incursão dos EUA ao apontar para um tendência positiva de
Afeganistão é herdeira, presume-se, do participação japonesa gradativamente mais
ativa frente a questões de segurança amplas com seus vizinhos, principalmente com
e globalmente substanciais nas próximas Paquistão e China, configuram conflitos
décadas (ARASE, 2007). pontuais (LAVOY, 2007), sendo quase a
totalidade deles históricos, os quais são
2.2. O CASO INDIANO movidos por diferenças étnico-culturais na
maioria das vezes. O nacionalismo
A Índia é uma das nações que mais muçulmano foi o que possibilitou,
cresce no mundo em termos econômicos, juntamente com as rivalidades entre hindus e
aliado ao seu poder político. Na região da islâmicos e o progresso da independência da
Ásia-Pacífico o país é uma potência com Índia Britânica na década de 1940, que essa
papel central. É apoiada na sua geografia, imensa colônia desse origem a países
suas experiências históricas e no seu poderio distintos: Índia e Paquistão (1947); Sri
econômico-militar que a Índia se destaca Lanka (1948); e Bangladesh (1971), a partir
para firmar um maior estímulo ao seu do território paquistanês (BANERJEE,
crescimento econômico e, até mesmo, às 2002).
relações internacionais em si, como As disputas em regiões limítrofes como a
exercício e campo de estudos (CHADHA Caxemira são fatos e a militarização das
BEHERA, 2007). Dentro do subcontinente fronteiras é eminente. Entretanto, a Índia
indiano, ainda assim, as problemáticas de tenta construir um diálogo pacífico com as
segurança são latentes e as divergências autoridades paquistanesas. O governo e o
étnicas e religiosas contrastam nesse sentido corpo diplomático indiano, inseridos num
(RAJA MOHAN, 2006). contexto de reconfiguração das relações
Respeitada por grandes potências como internacionais, preferem o desenvolvimento
China e Estados Unidos, a Índia vem de uma diplomacia de paz, sem tomar parte
passando por um momento de ampliação dos em conflitos regionais como mediador ativo
fluxos internacionais, incluindo pessoas, mesmo tendo papel importante na região da
comércio e tecnologia, abarcando Ásia-Pacífico (LAVOY, 2007).
cooperação militar e estratégica (LAVOY, Atualmente, a política indiana tenta
2007). A ajuda no setor nuclear indiano por mitigar tensões com base em ações
parte americana vai de encontro a outros preventivas e em uma maior abertura
interesses que perpassam setores como o diplomática. Para o Paquistão, por exemplo,
econômico e o de segurança, com apoio inserido em conturbações com a Índia desde
dentro do cenário de tensões com o a sua independência, a chave indiana seria
Paquistão envolvendo a Caxemira combater o extremismo religioso juntamente
principalmente, uma vez que o intercâmbio com a modernização do Estado por meio de
entre os países é fortalecido (IDEM). negociações e um diálogo mais amplo, ainda
Os entraves por território e fronteiras assim, cauteloso (RAJA MOHAN, 2006). A
região da Caxemira, como maior alvo de relações internacionais, os quais criam
disputa, é o combustível dessa ação, uma espaço para um exercício de autoridade
vez que paquistaneses reivindicam essa área como potência emergente bastante valioso.
por conter uma população islâmica
majoritária, bem como dentro do próprio 2.3. O CASO COREANO
território do seu país.
Ainda assim, o crescimento comercial, Contrariando as grandes lógicas do
juntamente a um interesse grande por mundo pós-Guerra Fria, o de beligerância
energia e a cooperação nesse setor, entre as duas Coreias chegou ao século XXI
impulsionam a nação indiana para um futuro agravado na última década pelas constantes
próspero, no qual relações são ampliadas e o asserções norte-coreanas de que armas de
entendimento de potência internacional é destruição em massa estão sendo
desenvolvido. Contudo, como observado por desenvolvidas no país. Mantendo um longo
Lavoy, o país ainda sofre com problemas histórico de aproximações e de
domésticos como a pobreza e a poluição. O distanciamentos, os dois países ainda vivem
grande número da população ainda sob guerra declarada – apesar do cessar-fogo
analfabeta e os problemas do solo e do ar ratificado em 1953 – e a situação se
funcionam como travas ao desenvolvimento converteu em uma comentada questão de
geral da Índia. O principal desafio, nesse segurança internacional do início da década
contexto, compreenderia em nutrir uma de 2010 (PERRY, 2006).
economia saudável, indo de encontro às Questões nucleares geram atritos
novas fontes de energia e ao crescimento políticos e perpassam as discussões sobre a
constante de sua população já monumental península desde a deflagração da Guerra da
(LAVOY, 2007). Coreia, período em que os detentores de
A maior estabilidade do país, apesar dos poder atômico ainda eram atores externos à
desequilíbrios supracitados, possibilita uma região (EUA e URSS). Essa situação
atuação mais ampla na região, haja vista a mudaria na década de 1990, quando foram
sua posição estratégica e a realidade de seus tornadas públicas as aspirações norte-
vizinhos. “A maior parte dos vizinhos coreanas pela utilização de energia nuclear.
imediatos da Índia vivenciou grande Uma série de crises político-militares teve
volatilidade e um aumento de diferentes palco nesse lapso de tempo,
formas de extremismo nos últimos majoritariamente provocadas pela
anos” (LAVOY, 2007, p. 122, tradução desconfiança internacional em relação a
livre). A força internacional indiana, assim, possíveis intenções ocultas do regime de
é marcada cada vez mais por um Pyongyang (PERRY, 2006).
aprimoramento na área de segurança, de sua Em que pese esse clima de hostilidades
diplomacia, de sua cooperação e de suas no qual se desenvolvia a política externa da
Coreia do Sul em relação à Coreia do Norte, se concretizou e a Sunshine Policy foi
não se pode afirmar categoricamente que declarada oficialmente extinta em 2010,
esta foi uniformemente extremista. Um marcando um esforço do Sul em desvincular
exemplo de comportamento menos -se de uma Coreia do Norte
beligerante é encontrado na condução da progressivamente mais hostil e menos
política do governo de Kim Dae-jung na previsível (NARAYANA, 2010).
Coreia do Sul (1998-2003), que empreendeu Snyder (2012) identifica entre os
o que Kim e Lee (2010) denominam de motivos que dão margem para as constantes
dessecuritização da ameaça norte-coreana. A iniciativas bélicas tomadas por Pyongyang
Sunshine Policy (1998-2008) por ele nos últimos anos a ausência, na região, de
conduzida neste período fomentou uma um país que possa ou queira agir como
aproximação menos hostil e pautada por impedimento em termos de dissuasão
iniciativas pontuais nos ramos de transporte militar. Ações de preempção também são
e turismo – inclusive com a instalação de pouco cogitadas e no meio-tempo em que
empreendimentos conjuntos financiados uma postura austera em relação ao país não
pela multinacional sul-coreana Hyundai – e é estabelecida, o Norte tem conseguido
almejou certo nível de cooperação e de espaço suficiente para levar a cabo seus
auxílio ao Norte (SMITH, 2005). lançamentos e testes.
Entretanto, uma série de Para além das questões puramente
constrangimentos políticos ocorridos no militares ou de implicações mais imediatas
decorrer da década de 2000 encarregou-se em hard power, pode também ser
de minar o aparente sucesso que a Sunshine identificada uma ameaça de segurança na
Policy angariara. Acusações de que havia possibilidade de spillover de atividades
má-fé na postura norte-coreana em relação econômicas ilícitas em zonas fronteiriças
ao ocidente no início do decênio pouco fiscalizadas. A possibilidade de um
( pr i nci pal ment e p r ovocadas pel a ambiente propício para contrabando e tráfico
administração Bush nos EUA) levaram o de drogas e de pessoas não deve ser
governo norte-coreano a abandonar uma descartada, visto que já houve relatos e
série de tratados cooperativos anteriores e a indícios da ocorrência dessa sorte de ofícios,
retomar a proliferação aberta de energia como, por exemplo, de associação da yakuza
nuclear (HARRISON, 2005). Haggard e japonesa com produtores de narcóticos norte
Noland (2008) descrevem um -coreanos para tráfico (SMITH, 2005).
distanciamento maior entre os países durante
o ano de 2006, com atritos diplomáticos 2.4. O CASO INDONÉSIO
recorrentes e um enfraquecimento da
política amigável. Apesar de ter-se ensaiado O processo de democratização na
uma leve reaproximação em 2007, esta não Indonésia após a saída do ditador Hadji
Soeharto em 1998 marcou uma mudança na da separação do Timor, aproximando-se
política externa do país. A legitimação do muito do caso indonésio enquanto colônia
governo democrático e a pressão do meio da Holanda (CAREY e CABRAL, 2002).
internacional configuraram pontos que Por outro lado, na Indonésia, observa-se
implicaram em uma atmosfera mais livre um crescimento econômico alçado que,
(HE, 2007). Um ambiente eleitoral mais entretanto, não acompanha o aumento
aberto leva a opinião pública ao foco, populacional. Baixos investimentos
empreendendo campanhas e a ação do voto externos, aliados a uma economia de déficits
pela população indonésia (KINGSBURY, na balança comercial, fazem com que o país
2007). não alavanque de forma tão efetiva como
Além disso, foi em decorrência das potência. A baixa atratividade devido à
mudanças dentro da Indonésia que o Timor- pobreza e aos altos níveis de corrupção
Leste se tornou independente de fato, implicam em um número bastante
livrando-se da ocupação de seu vizinho. O insuficiente de capital externo dentro da
fim do colonialismo português no Timor a Indonésia para movimentar sua economia e
partir de instabilidades e transições no gerar empregos (KINGSBURY, 2007).
governo de Portugal em 1975 abriu espaço Demais problemas de segurança são
para que a Indonésia desconsiderasse a bastante comuns no país, envolvendo
decisão unilateral da FRETILIN (Frente caracteres de distintas esferas e se tornando
Revolucionária do Timor-Leste cada vez mais complexos. Internamente,
Independente) de independência, e se pode-se citar a violência de cunho religioso,
apoiando na ala pró-Indonésia do Timor- as ameaças separatistas e o terrorismo;
Leste, anexasse o território como uma enquanto, externamente, vê-se que as
província. Depois de um período médio de disputas territoriais, segurança de fronteira,
melhorias, a emergência de grupos violação da soberania e também mudanças
nacionalistas, principalmente por parte da de poder geoestratégico dentro da Ásia-
juventude timorense desempregada, fez com Pacífico são preocupações indonésias. Além
que um movimento separatista criasse força disso, é relevante citar as questões de
e formasse um exército de guerrilha voltado segurança marítima e de desastres naturais,
para uma guerra civil no território em bastante comuns no país (SUKMA, 2011).
questão (CAREY e CABRAL, 2002). Casos mais pontuais, como pequenas
Foi a partir da diferença religiosa – tensões com a Austrália resultantes de exílio
sendo os indonésios, muçulmanos e os por parte de indonésios e com os Estados
timorenses, católicos – e linguística que foi Unidos pelo posicionamento informal das
possível criar uma resistência à imposição autoridades da Indonésia com relação a
indonésia e uma identidade nacional grupos como o Hamas e o Hezbollah em
constituída, papel importante na legitimação confronto com Israel, devem ser
minimizados no futuro (KINGSBURY, certa forma, política – gerada pela
2007). Dessa maneira, será possível a intransigência governamental quando se
ampliação de sua segurança e de suas trata de casos de incompatibilidades
relações internacionais, respeitando os seus políticas como com as regiões autônomas do
maiores desafios: a maximização de Tibet e Xinjiang, é também um fator de
cooperações bilaterais, regionais e globais grande importância nas considerações de
para assegurar um impulso à nação e sua segurança interna (YANG, 2010).
influência na região e no meio internacional Outro fator significativo para postura
(SUKMA, 2011). chinesa em relação à segurança
internacional é o crescimento econômico da
2.5. O CASO CHINÊS China. Tal desenvolvimento gerou o que
Jian Yang (2010) denominou de “energy
Tratando-se da questão da segurança, o thirst” (sede de energia, em tradução livre,
governo chinês não tem apenas que caracteriza a grande demanda energética
preocupações externas, fatores internos chinesa); e essa é uma das principais razões
também são fontes de inquietação para para a existência das querelas fronteiriças
Pequim. Além dos problemas domésticos e entre a China e seus países vizinhos e da
das relações atribuladas com países da cooperação com regimes não alinhados ao
região a China preocupa-se, também, com a Ocidente.
relação com Taiwan (YANG, 2010). A aproximação chinesa a regimes como
A política interna do país tem grande o iraniano, o sudanês e o venezuelano é
influência na postura externa chinesa. motivada, como exposto anteriormente, pela
Políticas e decisões governamentais crescente demanda energética do país. É
controversas a regimes do Ocidente - como notável que tais países com os quais Pequim
a imposição de um sistema econômico tem cooperado são expoentes na produção
socialista de mercado, a existência de leis energética, porém de certa forma
que priorizem a estabilidade interna, mesmo concorrentes ao Ocidente. Tal alinhamento
que estas estejam em contraste com os da China aumenta a instabilidade política da
ditames do Direito Internacional e sua região e torna a segurança internacional uma
desigualdade social expressiva – e o fato de preocupação extremamente presente no
ter um governo sustentado pelo planejamento do governo chinês e da
unipartidarismo, o autoritarismo e o sociedade internacional. (LEE, 1997)
nacionalismo, aumentam o grau da Outra grande preocupação do governo
importância do fator segurança externa para chinês é a defesa de suas linhas de
o Partido Comunista Chinês (PCC) (YANG, comunicação marítima que promovem, além
2010). do abastecimento energético, todos os tipos
A instabilidade interna – social e, de de trocas e fluxos que ocorrem via oceanos.
Tais Linhas são cruciais para a economia Tem-se o objetivo de apresentar a maioria
chinesa, já que esta é voltada para o dos problemas ligados à segurança que
comércio exterior. Deriva, portanto, do fator existem na região e os choques entre as
energético a enorme importância que diferentes políticas externas de cada país
Pequim dá aos limites e tratados marinhos. numa perspectiva mais abrangente que a
A questão de Taiwan tem certa seção anterior, ainda que local.
magnitude para Pequim. Tendo apoio
institucional dos EUA, Taiwan se encontra 3.1. RELAÇÕES JAPÃO-CHINA
“protegido” do Exército de Libertação
Popular (ELP) chinês, uma vez que a China O ano de 2012 marca o quadragésimo
estaria ainda em desvantagem bélica e aniversário de normalização das relações
econômica em relação ao poderio diplomáticas entre Japão e China, e poderia
estadunidense. Contudo, a modernização do ser encarado como tempo oportuno para a
ELP só aumentou as tensões persistentes na consolidação de saudáveis e longevos laços
região e despertou a comunidade políticos. Apesar disso, ainda há diversos
internacional para uma guerra iminente. atritos históricos remanescentes entre os
Não obstante, quando o Kuomintang dois países, bem como numerosos pontos de
(KMT) retornou ao poder taiwanês em 2005 choque em questões territoriais,
houve uma reaproximação ao PCC, diálogos especialmente no que trata de áreas insulares
fundamentais foram estabelecidos entre o do Mar da China.
líder do KMT, Lien Chan, e o então A despeito do hiato de seis décadas, a
secretario-geral do PCC, Hu Jintao. ocupação japonesa empreendida em
Sendo assim, é notável o engajamento da território continental chinês durante a
China em assuntos de segurança primeira metade do século XX ainda produz
internacional da região, sendo muitos os efeitos adversos sobre a dinâmica política
fatores internos e externos que a motivam. entre Japão e China. Relatos de crimes de
Tal envolvimento é, portanto, uma das guerra praticados pelo exército imperial
características chinesas que fazem dela uma japonês da época, ainda que abundantes, não
potência na região e no globo. encontram reconhecimento por parte do
governo do Japão e indispõem as duas
3. PERSPECTIVA REGIONAL sociedades. A intransigência de líderes
japoneses em não se retratarem quanto a
Nesta seção serão tratadas as relações alegações de que não houve massacres –
entre Japão e China, Japão e Coréias, China como o que alegadamente ocorreu na cidade
e Coréias, China e Índia e as relações entre de Nanjing em 1937 – tem refreado
os países da região da Ásia e do Pacífico em intenções cooperativas entre os países
um ambiente institucionalizado (a ASEAN). (PRZYSTUP, 2012).
Outra questão que se interpõe às relações exploração natural, como a perfuração de
entre China e Japão é a disputa territorial reservas de gás natural. O dissenso quanto
pelas ilhas Senkaku/Diaoyu. O arquipélago aos limites territoriais marinhos entre os dois
está localizado a 140km de Taiwan e possui países gera acusações mútuas e pressões
administração japonesa, mas o governo políticas recorrentes. Não obstante, certas
chinês reivindica posse histórica e soberania tentativas de cooperação bilateral estão
indisputável. Um incidente em 2010 com sendo ensaiadas, tais como projetos de
navios chineses adentrando território empreendimento conjunto na extração de
declaradamente japonês abalou as gás em regiões de limite de fronteira
negociações sobre o tema e mobilizou os (PRZYSTUP, 2012).
líderes de ambos os Estados para a
elaboração de agendas para solução de crises 3.2. RELAÇÕES JAPÃO­-COREIAS
similares (PRZYSTUP, 2011).
A postura ativa do Japão em termos de Das relações entre Japão e Coreia do Sul
constantes iniciativas para nomeação e não se pode dizer que existe um senso de
possível compra de áreas particulares das uniformidade. Por vezes, o trabalho de
ilhas é qualificada pela China como uma cooperação existente é descrito como
ação unilateral, ilegal e inválida. Enquanto oscilante, com períodos de aproximação
uma decisão conjunta sobre a situação do sucedidos por abalos. Atualmente,
arquipélago não é produzida, incidentes coexistem iniciativas de cooperação e
constantes de “invasão de fronteiras” são pontos de entrave nas relações entre os
reportados por ambos os lados (PRZYSTUP, países. Assim como em relação à China, o
2012). Japão também possui com a República da
Uma série de relatórios produzidos entre Coreia querelas territoriais por ilhas
2011 e 2012 mostra um aumento próximas e atritos históricos que remontam
significativo no número de aeronaves e ao período de imperialismo japonês (BANG;
navios chineses no Mar da China, assim KANG, 2012).
como uma expansão visível dos Das questões históricas não resolvidas,
investimentos militares chineses. A uma das que tem recebido maior atenção
tendência pode indicar um possível aumento governamental nos últimos dois anos é a da
da assertividade nas ações de uma China em exploração sexual de mulheres coreanas por
franca ascensão hegemônica regional, o que membros do exército japonês entre 1910 e
representa para o Japão motivo para um 1945, durante a ocupação da península da
planejamento estratégico que inclua esse Coreia. O debate sobre o tema persiste
novo cenário (PRZYSTUP, 2012). atualmente e foi qualificado pelo governo
A parte leste do Mar da China também coreano como um dos impasses mais
suscita atritos no que tange a atividades de importantes entre os dois países, porém o
Japão tem adotado posições menos líder supremo no comando de Pyongyang
intransigentes e mais abertas ao diálogo do ainda é de indefinição e ausência de foco
que as publicadas em relação a incidentes específico de ação. Japão e Coreia do Sul
similares com a China. Ambos os países já concordaram em manter contato com a
declararam intenções de resolver essas presença dos EUA para a melhor
diferenças de forma ponderada (BANG; administração do cenário atual (BANG;
KANG, 2012). KANG, 2012).
Menos comedida tem sido a disputa
sobre a posse do arquipélago de Dokdo/ 3.3. RELAÇÕES CHINA-COREIAS
Takeshima, um conjunto de ilhotas
habitadas por cerca de 45 coreanos, porém A relação contemporânea entre as
considerado pelo Japão como território seu Coreias é uma herança da Guerra Fria. Sua
de direito. Durante os últimos anos, volatilidade e seu desfecho são
quaisquer declarações de ambas as partes significativos para Pequim, uma vez que,
que apontassem para uma alegação de posse para o governo chinês, é relevante o
sobre as ilhas poderia levar a manifestações desenvolvimento e a manutenção das trocas
exacerbadas de grupos civis nos dois países econômicas e relações políticas com o Sul e
e a constrangimentos políticos. Além disso, dos laços militares e ideológicos com o
uma comoção política tem se desenvolvido Norte (LEE,1997). Desta forma, “Pequim
na Coreia com o objetivo de modificar a adotou uma política de segurança em relação
nomenclatura do Mar do Japão para outra à península Coreana orientada a favor da
mais inclusiva em relação à península da diminuição das tensões e de uma
Coreia. (BANG; KANG, 2012). estabilidade pacífica na área.” (LEE, 1997,
Ademais, as relações nipo-coreanas tradução livre).
também têm espaço para cooperativismo em A relação da China com a Coréia do Sul,
uma variedade de âmbitos. As iniciativas tendo a segunda estrito relacionamento com
conjuntas abrangem temas como proteção de os EUA e forte presença militar
biodiversidade, prevenção de desastres, estadunidense em seu território, tencionou a
metas contra a crise econômica mundial e relação chinesa com a Coreia do Norte.
medidas contra a evasão de divisas e Logo, uma cooperação China-EUA viu-se
sonegação de impostos (BANG; KANG, necessária, já que ambos tem interesse na
2012). preservação da península. Mesmo sendo
A situação das relações frente à Coreia incomum tal cooperação, foram e estão
do Norte permanece ordenada pela cautela. sendo feitos apelos mútuos em favor da
A alternância no poder, com ascensão de desnuclearização da península. (LEE, 1997).
Kim Jong-Un, desperta a atenção japonesa A China é uma figura relevante para o
pelo motivo de que o período inicial do novo governo da Coreia do Norte, já que o regime
norte-coreano não sobreviveria sem a ajuda milenares. Apesar das semelhanças, a
econômica – energética e alimentar –, o relação sino-indiana é bastante controversa.
apoio militar e a influência ideológica Ambos os países se veem com cautela, seja
chinesa (KOO, 2006). Esse importante papel em cooperações de cunho econômico ou
chinês mostra a magnitude da político (TUCKER, 2004).
responsabilidade chinesa na manutenção da A histórica disputa por territórios de
paz na península Coreana. fronteira entre as duas nações, como por
algumas partes da Caxemira, alimenta
Uma política que busca a
desconfianças. Mesmo com o apoio indiano
estabilidade, enfatizando o
desenvolvimento econômico na ao reconhecimento de uma única China, a
Coreia do Norte, foi desenvolvida República Popular da China, Pequim foi
para que um melhor entendimento
do atual e futuro sistema político-
responsável por fornecimentos de armas ao
militar Norte-coreano ocorresse e Paquistão, principal inimigo da Índia, em
assim se desenvolvesse uma relação outra disputa histórica por independência e
mais próxima. (GILL, 2011).
territórios durante a Guerra Fria. Nesse
Por seu turno, as conversas diplomáticas sentido, a invasão chinesa a áreas
entre China e Coreia do Sul completaram fronteiriças e o confronto militar com o
vinte anos em 2012, sendo que “os laços governo indiano também somaram para que
econômicos da relação Sino-Sul-coreana barreiras na relação entre ambas as nações
continuam sendo seu aspecto mais crescessem e complicassem questões
forte” (BYUN, 2011, tradução livre). regionais, sendo o Paquistão um aliado
Mesmo tendo classificado suas relações chinês no contraste aos interesses da Índia
como uma “Parceria Estratégica (TUCKER, 2004).
Cooperativa” em 2008, os dois países A oscilação é a principal marca desse
enfrentam hoje muitos desafios como intercâmbio. A Índia, atualmente, ao mesmo
“conflitos territoriais no Mar Amarelo e a tempo em que apoia manifestantes e abriga
posição chinesa de tratar refugiados norte- exilados do Tibete – área que luta para ser
coreanos como ‘imigrantes econômicos independente da China – incomodando o
ilegais’” (SNYDER, 2012, tradução livre). governo chinês, tenta transparecer em seus
discursos diplomáticos a vontade de
3.4. RELAÇÕES CHINA-ÍNDIA cooperação com o vizinho principalmente
em vias econômicas. Ademais, a união
Índia e China são potências regionais. dessas duas potências faria frente à
Ambas possuem poderio nuclear e grande influência norte-americana na Ásia, uma vez
força econômica que vão ao encontro com que ambos os países são equipados
um amplo território e uma vasta população, nuclearmente e têm economias fortes e cada
inseridos em contextos de culturas vez mais dinâmicas, apresentando um dos
maiores crescimentos reais do mundo econômica aconteça, mesmo que o diálogo
(TUCKER, 2004). bilateral seja alimentado. Assim, é
A formação de um “triângulo nuclear” importante ter em mente que os desafios
por China, Índia e Paquistão cria níveis de dessa relação são relevantes para região e
aproximação e de confronto entre os transformam a configuração de poder da
respectivos governos. Ao criar um espaço Ásia-Pacífico. Dessa maneira, considerando
para um entendimento regional, também expressões globais de ambos os países, cria-
reflete um paradigma sobre a troca se expectativa para com suas trocas, na
intrincada entre os países, num complexo expressão de um espaço de cooperação mais
diálogo acerca de segurança regional e multiplamente canalizado e ameno nas
incongruência de princípios (SINGH, 2007). implicações de segurança (TUCKER, 2004).
Entretanto, esforços de cooperação
também vêm aumentando. A busca de 3.5. ASEAN
relações amigáveis com o reestabelecimento
de câmbios diplomáticos entre o alto escalão A Associação das Nações do Sudeste
de cada país no final da década de 1980 Asiático (em inglês, ASEAN) é uma
marca um novo fôlego na conversação sino- organização fundada em 1967 por Indonésia,
indiana. Acordos militares durante a década Malásia, Filipinas, Singapura e Tailândia.
de 1990 e uma maior apreciação comercial Atualmente, conta também com Brunei,
entre os dois países, além do compromisso Vietnã, Mianmar, Laos e Camboja como
na luta contra o terrorismo na virada do membros e Papua Nova-Guiné e Timor
século afirmam o fortalecimento dos laços Leste como observadores. É considerada
entre Índia e China. Segundo Tucker (2004), uma associ ação de paí ses e m
o estabelecimento de “joint ventures” no desenvolvimento bem sucedida,
outro país é a principal característica dessas promovendo coesão e institucionalização
novas movimentações, determinando um dentro da comunidade internacional e na
rápido crescimento no volume comercial região da Ásia-Pacífico (NARINE, 1998).
transacionado de 23,4% entre 2000 e 2001. A ASEAN foi fundada para encapsular
Ainda assim, questões como o Tibete e tensões de segurança entre seus membros ao
as relações entre China e Paquistão já fazer conexões políticas e econômicas. Além
expostas impedem que uma maior fluidez e disso, uma configuração bastante
despreocupação sejam possíveis nas relações desenvolvimentista se faz importante para
sino-indianas. Analogamente, a competição organização, uma vez que a cooperação
por mercados na Europa e nos Estados econômica é um dos alicerces da promoção
Unidos é eminente. As grandes populações do diálogo e, principalmente, instituir a
nacionais e sua respectiva empregabilidade segurança interna em um contexto mais
abrem margem para que uma disputa eficiente e de maior concertação entre tais
(NARINE, 1998). particulares (NARINE, 1998).
As conquistas da independência destes A ASEAN tem de ser capaz de abrir
países ocorridas, em sua maioria, na década diálogo com as grandes potências para que
de 1950 deixou no imaginário coletivo de consiga de fato institucionalizar seu poder
forma muito acentuada a idéia de soberania. na região e na comunidade internacional
Um sistema de Estados considerando uma como um todo. Facilitar relações com China,
“ordem vestfaliana” de princípios prevalece, Estados Unidos e Japão é o principal passo
baseando-se em unidades militares de para que o intercâmbio político seja eficaz
fronteira, não interferência em assuntos (GOH, 2011). A Cooperação Econômica da
domésticos e uma diplomacia que considera Ásia e do Pacífico (em inglês, APEC),
o equilíbrio de poder como foco surgida da própria ASEAN, nesse contexto,
(KISSINGER, 2011). Desse modo, a é meio para isso, uma vez que, como área de
ASEAN conduz uma maneira específica de livre comércio, consegue estabelecer e
agir, lidando com questões de segurança de aumentar a expressão da organização sem
forma limitada (NARINE, 1998). perder seu ideal desenvolvimentista
O “ASEAN way”, analogamente, preza principalmente.
pelo respeito à soberania com caráter não
intervencionista, sem se posicionar com 4. INTERAÇÕES MULTILATERAIS
relação a grupos dissidentes das nações
membro. A configuração focada no Não são apenas regionais as
desenvolvimento tenta usar essa expressão preocupações de segurança dos países
como a solução para conflitos, não se estudados nas seções anteriores. Nesta
detendo em questões de segurança seção, encontram-se as relações de
puramente. Ademais, um discurso segurança entre países da região (Japão,
diplomático imparcial, voltado para a paz e China, Taiwan, Coréia do Sul e Coréia do
bastante informal, reforça essa posição mais Norte) e atores importantes do cenário
branda com relação aos confrontos regionais internacional (EUA e Rússia), sendo elas
e internos (KIVIMÄKI, 2010). Japão-EUA, China-Rússia, China-Taiwan-
Tal posicionamento da ASEAN EUA e Coréias-EUA. Está exposto ainda o
conseguiu encabeçar uma forte diminuição papel da Shangai Cooperation Organization
da violência e da instabilidade doméstica (SCO) na institucionalização dessas
dos países que fazem parte da organização. relações. Desse modo, expandir-se-á a
Ainda assim, é importante lançar os desafios discussão para o cenário global,
dessa política no sentido do envolvimento demonstrando o quão significativa uma
com casos ainda mais complexos como no abordagem regional voltada à segurança
das Coreias e no de Taiwan (KIVIMÄKI, internacional é.
2010), aparando divergências de interesses
4.1. RELAÇÕES JAPÃO-EUA Em termos de problemas existentes
dentro da aliança, os mais flagrantes dizem
A aliança histórica entre Japão e Estados respeito a impasses quanto ao
Unidos se mantém forte e com amplas reposicionamento de tropas americanas
possibilidades de expansão, vista a recente dentro do território japonês. A base aérea de
tendência à abertura interpretativa da Futenma, por exemplo, está situada em uma
Constituição pacifista japonesa (ARASE, área densamente povoada da província de
2007). A manutenção do tratado de Okinawa e essa localização tem ocasionado
segurança continua sendo vantajosa para transtornos diversos. A iniciativa de
ambos, visto que provê aos EUA um enclave realocação dessa base já existe, porém ainda
asiático para o despacho de tropas e garante não se formou consenso sobre o local que
ao Japão uma margem de manobra valiosa receberá as tropas (CHANLETT-AVERY;
para lidar em segurança com uma Coreia do COOPER; MANYIN, 2012). Ademais, em
Norte pouco previsível e com uma China que pese a crescente flexibilização da
progressivamente mais assertiva em suas atividade militar japonesa, alguns setores da
ações (CHANLETT-AVERY; COOPER; sociedade norte-americana ainda observam a
MANYIN, 2012). atitude pacifista do aliado como um
Após um ligeiro período de atrito comportamento passivo e de pouca serventia
provocado por uma mudança de orientação para os interesses americanos
política do governo japonês, em 2009, e (GLOSSERMAN, 2009).
findo em meados do ano seguinte, os laços
entre os dois países retomaram sua 4.2. RELAÇÕES CHINA-RÚSSIA
estreiteza. O célere auxílio humanitário
estadunidense que sucedeu a ocorrência do Marcada por querelas e controvérsias a
desastre natural em larga escala no Japão em relação sino-russa tende, desde 1994, a uma
2011 pode ser compreendido como uma reaproximação. Com a frequente ocorrência
demonstração de que a aliança entre os dois de visitas entre os chefes de governo das
países continua sólida (CHANLETT- duas nações e um contínuo diálogo entre os
AVERY; COOPER; MANYIN, 2012). dois países uma relação de parceria foi
Dessa forma, apesar da intensa oposição estabelecida; especificamente durante uma
partidária existente na política americana e das visitas do então presidente russo Boris
da recente (e atípica) alternância no poder Yeltsin a Pequim em 1996, quando foi
japonês, as disputas políticas internas dos proposta uma “parceria estratégica de
dois países não parecem surtir efeitos igualdade, confidência e coordenação
decisivos ou de longo prazo na postura mútuas direcionada ao século XXI” (LI,
mútua assumida por eles (GLOSSERMAN, 2007). Tal parceria vem sendo intensificada
2009). pela institucionalização da relação por meio
na SCO (Shangai Cooperation 4.3. SHANGAI COOPERATION
Organization); ORGANIZATION
Em março de 1992, formou-se um
comitê de demarcação de fronteiras a partir Para além da escassez de iniciativas
da união entre Rússia e China. Este comitê multilaterais representativas na região da
evoluiu para o Tratado sobre as fronteiras Ásia-Pacífico, existem mecanismos de
orientais sino-russas em setembro de 1994. integração e segurança intergovernamental
A demarcação de fronteiras foi concluída em ainda pouco explorados que agrupam países
2004 e transformou o que antes era a dessa região a vizinhos de outros blocos no
“cortina de ferro mais comprida do mundo continente. A Shanghai Cooperation
em uma via pública econômica e melhorou Organization (SCO), por exemplo, surgiu
as relações entre dois dos maiores países do em 1996 por iniciativa de 5 países asiáticos
mundo” (LI, 2007, tradução livre). (China, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia e
Além da demarcação das fronteiras, a Tadjiquistão) e incluiu, desde então, o
desmilitarização dessas catalisou as Uzbequistão como membro permanente e
conversações bilaterais. Isso ocorreu em outros países como observadores. Como
1997 quando China, Rússia, Cazaquistão, objetivos gerais, a organização tem o
desenvolvimento de projetos conjuntos para
Quirguistão e Tadjiquistão assinaram o
cooperação e integração no bloco, assim
acordo chamado ‘Redução mútua das forças
como para o combate a ameaças
militares em áreas fronteiriças’ (LI, 2007).
transnacionais, nomeadamente, o terrorismo
Tal acordo serviu como base para a criação
internacional (BAILES et al., 2007).
do ‘Shangai-Five Mechanism’, que mais
Muitas das interações existentes na SCO
tarde foi institucionalizado, dando origem a
se desenvolvem, presumivelmente, entre os
SCO.
dois hegemons regionais que a integram:
Igualmente, acredita-se que o interesse
Rússia e China. De fato, discute-se a
de ambos os governos em diminuir as
hipótese de a própria organização não ter
barreiras sociais e culturais entre as
sido meramente uma instrumentalização da
sociedades chinesas e russas, intensificou a
necessidade de um fórum de debate entre
parceria entre esses dois países. Um
esses dois países, sendo os demais membros
exemplo dessa mobilização para a
pouco além de espectadores. De toda
identificação cultural foi a promoção do maneira, faz-se mister compreender as
‘Ano da China na Rússia’, em 2007, ao motivações dos países-membro para tomar
longo do qual mostras, exposições, shows e parte nessa instituição (BAILES et al.,
apresentações voltadas à demonstração da 2007).
cultura chinesa ao povo russo (XINHUA Os quatro países centro-asiáticos da SCO
NEWS, 2007). são historicamente menos desenvolvidos que
as potências vizinhas e alheios a um púlpito descontentamento de líderes ocidentais
multilateral que pudesse ser usado para como os EUA (BAILES et al., 2007).
expressão e defesa de seus interesses de Nesse sentido, a maior ressalva feita pelo
maneira “igualitária” em relação aos países Ocidente contra a SCO é a escassez de
maiores. A oportunidade proporcionada pela credenciais democráticas em seus membros.
organização é aproveitada para que esse Em linhas gerais, a maioria dos partícipes
países possam tomar parte em iniciativas de dessa instituição é governada por princípios
cooperação e integração regional relativamente autocráticos – a agenda da
anteriormente inacessíveis, as quais possam instituição é vocal no que tange à
gerar ganhos absolutos e dissipar a imagem preocupação quanto a princípios de não-
de subordinação que lhes foi legada ingerência e soberania. Princípios de
(BAILES et al., 2007). proteção a direitos humanos ou de
Além da busca por um espaço para autodeterminação dos povos, em
negociações bilaterais sobre temas de contrapartida, têm pouca menção no
conciliação estratégica e prevenção de documento fundamental da SCO. Essas
conflitos territoriais, China e Rússia inclinações políticas têm sido fonte de
encontraram na SCO um meio para maior desconfiança quanto à organização perante a
expansão de influência sobre a região pouco comunidade internacional. Observa-se,
desenvolvida da Ásia Central. Com efeito de portanto, que a SCO tem alcançado êxito
divulgação, a SCO também é um relativo em seus objetivos, ainda que essa
instrumento para exibir às potências eficácia prática não esteja pareada com um
ocidentais certa imagem de independência reconhecimento completo pelos demais
em relação a organizações internacionais atores internacionais, sejam eles regionais
extrarregionais (BAILES et al., 2007). ou globais (BAILES et al., 2007).
Esse desejo de independência, somado a
atitudes de distanciamento têm, 4.4. AS CRISES ENTRE TAIWAN E
contrariamente, provocado rejeição do CHINA E O DESENVOLVIMENTO
ocidente em relação à SCO. O fato de que a NORTE-AMERICANO
maioria dos documentos utilizados e
publicados pela organização são redigidos A situação de Taiwan perante a
em mandarim ou russo prejudica o acesso de comunidade internacional e, principalmente,
governos e de acadêmicos às resoluções a China continental é controversa e repleta
adotadas, o que reduz sobremaneira o de pequenos entraves. Após a vitória de Mao
entendimento ocidental sobre os meios e fins Zedong e a instauração de um regime
advogados pela SCO. Além disso, o endosso comunista na China, o grupo nacionalista,
dos países-membro à entrada do Irã como que também lutava pelo poder no país, se
país-observador instigou protesto e instalou na ilha de Taiwan, criando “duas
versões conflitantes da mesma identidade taiwanês desista da implementação
nacional chinesa” (KISSINGER, 2011). institucional de uma nação independente.
Taiwan como território chinês conseguiu Entretanto, essa questão é envolta por
estabelecer um governo próprio, diferente diversos fatores econômicos, políticos e
daquele responsivo a Pequim. Desde então, culturais principalmente, já que as
mesmo não tendo independência formal da construções de uma identidade nacional e de
República Popular da China, embates um sentimento de cidadania têm grande
políticos e militares envolvendo a República força em Taiwan (PEREIRA PINTO, 2004).
da China (Taiwan) são bastante comuns. As Nesse contexto, os Estados Unidos se
diversas crises alavancaram diálogos e fazem atuantes como mediadores, tentando
confrontos políticos que perpassam pelas compreender as motivações taiwanesas e de
complexas relações internacionais da Guerra seus líderes com as eleições dentro da Ilha.
Fria e suas maiores potências (KISSINGER, O fornecimento de armas a Taiwan e o
2011). apaziguamento das tensões com a China
A disputa por pequenas ilhas, num jogo continental são exemplos do ativismo norte-
que marcou uma luta por poder e americano nessa atmosfera, contemplando
armamentos, configurou as duas primeiras também interesses particulares dos EUA,
crises no Estreito de Taiwan, levando uma vez que a China se faz uma grande
Estados Unidos, no apoio de Taiwan, e potência dentro do cenário internacional,
União Soviética, como aliado da China, a parceira em relações comerciais de
participarem de operações militares em importância. Contudo, a possível
1954, as quais deixaram o mundo próximo a independência de Taiwan insurge
uma guerra nuclear. O discurso mais paradigmas e a grande ambiguidade nos
enfático dos representantes taiwaneses com discursos de seus líderes somada às
relação à separação institucional da Ilha dificuldades acerca da criação de um país
também conseguiu trazer uma grande e com bases fortes para continuar sendo
terceira crise já na década de 1990, em meio atraente economicamente e legítimo para a
a mudanças na configuração política sociedade internacional reforçam, em muito,
internacional com o fim da Guerra Fria e o essa ideia (PEREIRA PINTO, 2004).
esfacelamento da URSS (KISSINGER,
2011). 4.5. A PENÍNSULA COREANA E O
Atualmente, o caso de Taiwan é uma PAPEL DOS ESTADOS UNIDOS
incógnita. A independência da Ilha depende,
em grande parte, do amadurecimento da Os confrontos na Península Coreana
ideia de uma separação pacífica da China entre Coreia do Sul e Coreia do Norte
continental, fato que ainda é controverso. ocorrem desde a Guerra Fria e continuam a
Para a China, o ideal é que o governo trazer as questões de segurança da região à
pauta internacional. O conflito ideológico um grande ator internacional que não tem
aliado a um passado de guerra e turbulência ambições territoriais com relação à
é fonte para a preocupação das grandes Península como China e Japão, os EUA têm
potências mundiais e também dos vizinhos um papel decisivo na preservação da paz no
dos países em questão. Os Estados Unidos território sem relacioná-lo a interesses
são, dessa forma, bastante importantes em particulares diretamente (BAEG IM, 2006).
tal contexto, uma vez que, como grandes Os Estados Unidos tentam mediar a
parceiros do país ao Sul, compartilham possível cooperação nacional entre Coreias,
políticas e trocas comerciais que orientando, assim, uma maior assertividade
determinam alguns de seus interesses. da Coreia do Norte para com a comunidade
O discurso norte-americano para com a internacional e uma consecutiva abertura
Península Coreana foi sempre baseado em paulatina. Nesse sentido, a chamada ROK-
paz e prosperidade. Dessa maneira, a US, uma aliança promovida para proteger a
promoção do desenvolvimento econômico e Coreia do Sul durante a Guerra Fria, se
dos pilares democráticos se tornou conteúdo renova e assume uma roupagem diferente,
principal do diálogo com a Coreia do Sul. agregando a perspectiva da colaboração
Além de tudo, a proteção do Sul contra uma entre os países, fortalecendo alianças e
possível agressão do Norte é uma atenuando questões de grande preocupação
característica importante dessa relação, a como o programa nuclear norte-coreano
qual remonta à divisão do território que (BAEG IM, 2006).
resultou do fim da Segunda Guerra Mundial
em 1945 (BAEG IM, 2006). 5. CONCLUSÃO
Após os atentados terroristas de 11 de
setembro de 2001 e apesar da “Doutrina As iniciativas de cooperação no âmbito
Bush” criar sob a luz das implicações do de segurança estabelecidas na região da Ásia
terrorismo o “Eixo do Mal”, incluindo -Pacífico ainda não estão de todo
Coreia do Norte como integrante consolidadas. O tratamento dispensado a
(PECEQUILO, 2007), os Estados Unidos questões dessa sorte se concentram
remodelaram suas políticas tentando trazer à majoritariamente no setor bilateral, havendo
tona um sistema “bilateral múltiplo”, no escassos mecanismos multilaterais que
qual suas relações abrem espaço para uma regulem as interações da região.
diversidade de contatos, prezando por Muitos dos entraves à cooperação que
agilidade, entrelaçamento político e, ao permeiam a condução de relações
mesmo tempo, mobilidade. Desse modo, internacionais na área estudada são
fortalecendo alianças e dinamizando herdeiros de atritos militares históricos e
relações, tenta-se mitigar as consequências tensões políticas antigas que foram também
em relação à disputa entre Coreias. Por ser arraigadas na sociedade civil e ainda hoje
emperram o relacionamento plenamente área. Em termos de cooperação com outras
amigável entre governos. regiões da Ásia, a SCO é um exemplo de
A questão nuclear também se faz instituição bem-sucedida em seus
presente na região – Índia, China, Coreia do propósitos, porém pouco reconhecida por
Norte e a vizinha Rússia detêm níveis atores externos.
tecnológicos capazes de usar energia nuclear Analisando especificamente algumas das
para fins militares – e confere às principais questões de segurança da região
indisposições diplomáticas uma atenção da Ásia-Pacífico, é evidente a necessidade
maior da sociedade internacional. O caso do estabelecimento de frameworks legais/
norte-coreano suscita preocupação adicional institucionais para ação dos países, sem os
pela inconstância da posição do regime de quais a regulação de pendências tem poucas
Pyongyang, cujas intenções permanecem perspectivas de ser conduzida sob normas
veladas. aceitas mutuamente. Por fim, questões
No panorama de pouca concertação conflituosas de importância para os países
colaborativa que se observa na Ásia- envolvidos se mantêm restritas ao (pouco)
Pacífico, o exemplo da ASEAN caracteriza diálogo bilateral, nem sempre flexível ou
uma das poucas relações institucionalizadas efetivo como a ação de regimes multilaterais
na região, ainda que composta por diversos firmemente estabelecidos.
países relativamente inexpressivos em
termos de relevância militar ou de peso
estratégico determinante para a segurança da

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Autores

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Andrew Linklater
Richard Devetak
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Construtivismo
Alexander Wendt
Friedrich Kratochwil
John Ruggie
Nicholas Onuf
Feminismo
Ann Tickner
Christine Sylvester
Hilary Charlesworth
Lene Hansen
Sandra Harding
Pós-colonialismo
Gayatri Spivak
Sankaran Krishna
Walter Mignolo
Arik Dirlif
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Autores

Amado Cervo
Antônio Carlos Lessa
Clodoaldo Bueno
Eduardo José Viola
José Flávio Sombra Saraiva
Paulo F. José Visentini

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Cadernos Adenauer XI nº. 4. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2010.
DE SOUZA, Amaury. A agenda internacional do Brasil: a política externa brasileira de FHC a
Lula. São Paulo: Elsevier, 2009.
KENKEL, Kai Michael. Democracia, ajuda humanitária e operações de paz na política externa
brasileira recente: as escolhas de uma potência emergente. In: Brasil no contexto regional –
Cadernos Adenauer XI nº. 4. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2010.
MINISTÉRIO DA DEFESA. O Brasil e o Haiti. Disponível em: <https://www.defesa.gov.br/
arquivos/File/2011/mes02/livreto_haiti.pdf>. Acesso em: 10 set. 2012.
SARMIENTO, Luis Capelo. O Brasil e a MINUSTAH: As Motivações e Consequências de Uma
Operação Liderada Pelo Brasil. Disponível em: <http://institutoreko.org/disco/documentos/
monografia.pdf>. Acesso em: 10 set. 2012.
SEITENFUS, Ricardo Antônio da Silva; ZANELLA, Cristine Koehler; MARQUES, Pâmela
Marconatto. O Direito Internacional repensado em tempos de ausências e emergência: a busca
de uma tradução para o princípio da não-indiferença. In: Revista Brasileira de Política
Internacional. Publicação semestral. Brasília: Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, 2008.

Principais publicações

Meridiano 47
Política Externa
Revista Brasileira de Política Internacional

Autores

Andrea Hoffman
Augusto Cançado Trindade
David C. Ellis
Eitii Sato
Inis L. Claude Jr.
J. Martin Rochester
Giulio M. Gallarotti
Martha Finnemore
Michael Barnett
Monica Herz

Bibliografia recomendada

BARNETT, Michael N.; FINNEMORE, Martha. The Politics, Power, and Pathologies of
International Organizations. International Organization, Vol. 53, No. 4, pp. 699-732, 1999.
CLAUDE, Inis L. Swords into Plowshares. New York, Random House, Third Edition, 1964.
ELLIS, David C. Theorizing International Organizations: The Organizational Turn in International
Organization Theory. Journal of International Organizations Studies (JIOS), 2010, Vol.1, No. 1, pp.
11-28.
GALLAROTTI, Giulio M. The Limits of International Organization: Systematic Failure in the
Management of International Relation. International Organization, 1991, Vol. 45, No. 2, pp. 193-195.
HERZ, Mônica; HOFFMAN, Andrea. Organizações internacionais: história e práticas. Rio de
Janeiro, 2004, Editora Elsevier.
ROCHESTER, J. Martin. The Rise and Fall of International Organization as a Field of Study.
International Organization, Vol. 40, No. 4, pp. 777-813, 1986.
SATO, Eiiti. Conflito e Cooperação nas Relações Internacionais: as Organizações Internacionais no
século XXI. Revista Brasileira de Política Internacional, Vol. 46, No. 2, pp. 161-176. Brasília, 2003.
TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Direito das Organizações Internacionais. 3.ed. Belo
Horizonte: Del Rey, 2003.

Centros de pesquisa

Journal of International Organizations Studies (JIOS)


UN Studies Association (UNSA)
International Organization (IO)

Autores

Bruce Hoffman
Barry Buzan
Stephen Biddle
Linda Robinson

Bibliografia recomendada

ANNAN, Kofi. “Foreword by the United Nations Secretary-General”, 2004.In.: UNITED NATIONS,
“A more secure world: Our shared responsability”. Report of the Secretary-General’s High-Level
Panel on Threats, Challenges and Change, United Nations Foundation: 2004
EKMEKCI, Faruk. “Terrorism as war by other means: national security and state support for
terrorism”. REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICA INTERNACIONAL, n.54 (1), 2001. Pp. 125-
141
MCCANTS, Will. “Al Qaeda Is Doing Nation-Building. Should We Worry?”. FOREIGN POLICY,
30 de Abril de 2012. Disponível em: <http://www.foreignpolicy.com/articles/2012/04/30/
al_qaeda_is_doing_nation_building_should_we_worry>
ROGERS, Paul. “Terrorism”. In.: Williams Paul. “Security studies: an introduction”. New York:
Routledge, 2010, pp. 171-184
TUNÇ, Hakan.“Preemption in the Bush Doctrine: A Reappraisal. FOREIGN POLICY ANALYSIS,
vol. 5, Jan., 2009.

Centros de pesquisa

Terrorism Research Center – <www.terrorism.org>


Centre for the Study of Terrorism and Political Violence – St. Andrews University - UK
The Society for Terrorism Research (STR) - <http://www.societyforterrorismresearch.org/>
Council on Foreign Relations - <http://www.cfr.org/issue/terrorism/ri135>

Autores

Alexander Betts
Guy S. Goodwin-Gill
Antônio Augusto Cançado Trindade
Gil Loescher
Julia Bertino Moreira
José Henrique Fischel de Andrade

Bibliografia indicada

AGIER, Michel. Tradução de Paulo Neves. Refugiados diante da nova ordem mundial. Tempo
Social, revista de Sociologia da USP, vol.18, nº 2, pp.197-215, nov. 2006.
BETTS, Alexander e LOESCHER, Gil. Refugees in International Relations. Oxford: Oxford
University Press, 2011. 368p.
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Uprootedness and the protection of migrants in the
International Law of Human Rights (Desarraigamento e a proteção dos migrantes no Direito
Internacional dos Direitos Humanos). Revista Brasileira de Política Internacional, nº 51 (1), 2008,
pp.137- 168.
GOODWIN-GILL, Guy S. Refugees: Challenges to Protection. International Migration Review,
vol. 35, nº 1, Special Issue: UNHCR at 50: Past, Present and Future of Refugee Assistance, spring
2001, pp. 130-142.
MOREIRA, J. B. Políticas para refugiados nos contextos internacional e brasileiro do pós-guerra aos
dias atuais. In: XVI Encontro ABEP, 2008, Caxambu. Anais do XVI Encontro da ABEP, 2008. PP.1-
1 6 D i s p o n í v e l em : < h t t p: / / w w w . a b e p . n e p o . u n i c a mp . b r / e n c o n t r o 20 0 8 / d o c s PD F /
ABEP2008_1951.pdf> Acesso em 26 de janeiro de 2012.
MOULIN, Carolina. Os Direitos Humanos dos Humanos sem Direitos: Refugiados e a política do
protesto. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 26, nº 76, , junho/2011, pp. 145-155.

Centros de pesquisa

Refugee Studies Center (University of Oxford) – <http://www.rsc.ox.ac.uk/>


Center for Refugee Studies (York University, Canada) – <http://crs.yorku.com/>
Canadian Association for Refugee and Forced Migration Studies (CARFMS) – <http://
carfmsconferenc.yorku.ca/>
The Freeman Spogli Institute for International Studies at Standford University – <http://
fsi.stanford.edu/publications/refugees_in_international_relations/>
Centre for Refugee Research da University of New South Wales (Sidney-Canberra, Australia) –
<http://www.crr.unsw.edu.au/>.
Programme for the Study of Global Migration – <http://graduateinstitute.ch/globalmigration>
Doctoral Student (Doktorand) Fellowship in Ethnic and Migration Studies (Linkoping University) –
<http://www.refugeeresearch.net/node/9186>
Center for Gender and Refugee Studies (Yale Law School) – <http://library.law.yale.edu/center-
gender-refugee-studies>
Programa em Refugee Trauma (http://hprt-cambridge.org/?page_id=80) e Immigration and Refugee
Clinic (Haravard University) - <http://www.law.harvard.edu/academics/clinical/clinics/hirc.html>
The American University in Cairo: Center for Migration and Refugee Studies – <http://
www.aucegypt.edu/gapp/cmrs/Pages/default.aspx>
Núcleo Interdisciplinar de Estudos migratórios (Universidade Federal do Rio de Janeiro) – <http://
dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0202605CJT5EMV>
National Center for Migration Studies – <http://www.ini.smo.uhi.ac.uk/universities/c_unis.htm>
Southern African Migration Project (SAMP, Queens’s University) – <http://www.queensu.ca/samp/>

Autores

Cristina S. Pecequilo
Gordon Hanson
Joseph Nye
Luis Mesa Delmonte
Steve Saidman

Bibliografia recomendada

DELACOURA, Katerina. US democracy promotion in the Arab Middle East since 11 September
2001: a critique. International Affairs 81, 5 (2005) p. 963-979.
DELVOIE, Louis. Curious Ambiguities: Canada’s International Security Policy. Options Politiques,
Jan-Fev 2001.
HANSON, Gordon H. Illegal Migration from Mexico do the United States. Journal of Economic
Litterature, v. 44, n. 4. Dezembro, 2006. pp. 869-924.
JERVIS, Robert. Perceptions and misperceptions in international politics. Princeton: Princeton
University Press, 1976.
________. Understanding the Bush Doctrine. Political Science Quarterly, Vol. 118, No. 3 (Fall,
2003), p. 365-388.
KEOHANE, Robert. Neorealism and Its Critics. Columbia University Press, 1986.
LUTZ, Catherine. War at Home in the United States: Militarization and the Current Crisis. American
Anthropologist, New Series, Vol. 104, No. 3 (Sep., 2002), pp. 723-735
MEARSHEIMER, J. J. The Tragedy of Great Power Politics. W. W. Norton & Company New York,
2001.
MORGENTHAU. H. A Política entre as Nações. Editora Universidade de Brasília e Instituto de
Pesquisa de Relações Internacionais. Brasília, 2003.
NAU, H. R. The Myth of America's Decline. Leading the World Economy into the 1990's. Oxford
University Press, 1990.
NYE, Joseph. The Paradox of American Power: Why the World's Only Superpower Can't Go It
Alone. Oxford University Press, 2003.
PECEQUILO, Cristina S. A política externa dos Estados Unidos: Continuidade ou Mudança? Porto
Alegre, Editora da UFRGS. 423 p.
RESENDE, Erica S. A. Aporia e Trauma na Crise de Significados do Onze de Setembro. United
States Department of Defense. The National Military Strategy of the United States of America. 2011.
SERRANO, Monica. Integration and Security in North America: Do Good Neighbours Need Good
Fences? International Journal, Vol. 61, No. 3, North American Security and Prosperity: Annual John
W. Holmes Issue on Canadian Foreign Policy (Summer, 2006), pp. 611-632
The National Security Strategy of the United States of America. Setembro de 2002. White House.
The National Security Strategy of the United States of America. Maio de 2010. White House.
TUNÇ, Hakan. “Preemption in the Bush Doctrine: A Reappraisal”. In Foreign Policy Analysis. n. 5.
pp. 1-16. 2009.
WALTZ, Kenneth. Theory of International Politics. McGraw-Hill, 1979.

Fontes de pesquisa

Foreign Policy - <www.foreignpolicy.com>


Foreign Affairs - <www.foreignaffairs.com>
Council of Foreign Relations - <http://www.cfr.org/>
Blog do Stephen Walt - <www.walt.foreignpolicy.com>
Comisión Nacional de los Derechos Humanos México - <www.cndh.org.mx/>

Autores
Adrián Bonilla
Alcides Costa Vaz
Ivan Briscoe
Luis Henrique Soares Gatto

Bibliografia recomendada

BONILLA, Adrián. Percepciones de la amenaza de seguridad nacional de los países andinos:


regionalización del conflicto colombiano y narcotráfico. Buenos Aires: CLACSO, 2004. Disponível
em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/relint/bonilla.pdf.
BRISCOE, Ivan. Trouble on the borders: Latin America’s new conflict zones. Madrid: FRIDE, 2008.
Disponível em: http://www.fride.org/download/COM_Borderlands_Americas_ENG_jul08.pdf.
GATTO, Luis Henrique Soares. A Segurança Regional nas Relações entre o Brasil, o Mercosul e os
países andinos, 2005. Disponível em: <http://www.univag.edu.br/adm_univag/Modulos/
Connectionline/Downloads/
A_Seguranca_Regional_nas_relacoes_entre_o_Brasil,_o_Mercosul_e_os_paises_Andinos.pdf>.
HURRELL, Andrew. Security in Latin America. International Affairs, v. 74, n. 3, p. 529-546, 1998.
MIYAMOTO, Shiguenoli. A segurança regional no contexto do Mercosul. Disponível em: <http://
br.monografias.com/trabalhos/aseg/aseg.shtml.
OBERLEITNER, Gerd. Human Security: A Challenge to International Law? Global Governance, n.
11, 2005, p. 185-203.
OLIVEIRA, Amâncio Jorge de; ONUKI, Janina. Brasil, Mercosul e a segurança regional. Rev.
Brasileira de Política Internacional [online]. 2000, v.43, n.2, p. 108-129. Disponível em: <http://
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STAHN, Carsten. Responsibility to Protect: Political Rhetoric or Emerging Legal Norm? The
American Journal of International Law, v. 101, n. 1, 2007, p. 99-120.
SOUZA, Ielbo. A natureza e eficácia do direito internacional. Revista de Informação Legislativa, n.
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UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME (UNODC). The Threat of Narco-
Trafficking in the Americas. Disponível em: <http://www.unodc.org/documents/data-and-analysis/
Studies/OAS_Study_2008.pdf>.
VAZ, Alcides Costa. Desafios e Questões de Segurança nas relações do Brasil com os Países
Andinos. In: Research and Education in Defense and Security Studies, Panel on “Las Seguridades
Emergentes de la Comunidad Andina y MERCOSUR”, August 7-10, 2002, Brasilia, Brazil.
Disponível em: <http://www.fesseguridadregional.org/index.php?
option=com_content&view=article&id=4676%3Adesafios-e-questoes-de-seguranca-nas-relacoes-do-
brasil-com-os-paises-andinos&catid=206%3Adocumentos-no-oficiales&Itemid=318>.

Publicações

Asuntos del Sur

Autores

Christopher Claphan
Fritz Stenger
José Flávio Sombra Saraiva
Muemi Muiu
Paulo F. Visentini
Pio Penna Filho
S. K. Asante
Wolfgang Döpcke

Bibliografia indicada

DÖPCKE, Wolfgang. A vida longa das linhas retas: cinco mitos sobre as fronteiras da África
negra. In: Revista Brasileira de Políticia Internacional, ano 42, nº 1 (janeiro-junho 1999): p. 77-109.
DUNN, John. West African States: failure and promises. Cambridge: Cambridge University Press,
1978.
GIDDENS, A. The Constitution of Society: Outline of the Theory of Structuration. Berkeley:
University of California Press, 1984.
HOLDEN, Paul e Hennie van Vuuren. The devil in the detail – How the arms deal changed
everything. Jeppestown: Jonathan Ball Publishers, 2011.
PENNA FILHO, Pio. Segurança seletiva no pós-Guerra Fria: uma análise da política e dos
instrumentos de segurança das Nações Unidas para os países periféricos –– o caso africano. In:
Revista Brasileira de Política Internacional, ano 47, nº 1 (janeiro-junho 2004): pp. 31-50.
REGIONAL POLITICS HANDBOOKS OF THE WORLD. Political Handbook of Africa 2007.
Washington, D.C.: QC Press, 2007.
SARAIVA, José F. Sombra. Formação da África Contemporânea. São Paulo: Editora Atual, 1987.
SIOLLUN, Max. Oil, politics and violence: Nigeria’s Military Coup Culture (1966-1976). Nova
Iorque: Algora Publishing, 2009.
SOARES DE OLIVEIRA, Ricardo. Oil and politicsin the Gulf of Guinea. Londres: C. Hurst and Co.,
2007.
STEVENS, Fayiso Liyang. The African Philosophy of Self-Destruction. Johanesburgo: Pinetown
Printers, 2011.
THOMSON, Alex. An introduction to African Politics. Nova Iorque: Routledge, 2004.

Centros de pesquisa

African Studies Centre (Oxford University) – <http://www.africanstudies.ox.ac.uk/>


Institute for Security Studies (ISS Africa) – <http://www.issafrica.org>
Royal African Society – <http://www.royalafricansociety.org>
The Observatoire de l’Afrique – <http://www.obsafrique.eu/>

Autores

David Arase
Kai He
Peter R. Lavoy

Bibliografia recomendada

ARASE, David. Japan, the active state?: Security Policy, 2007. Disponível em: <http://
www.jstor.org/stable/pdfplus/10.1525/as.2007.47.4.560.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2012.
HE, Kai. Indonesia’s foreign policy after Soeharto: international pressure, democratization, and
policy change. International Relations of the Asia-Pacific, Vol. 8 (2008), p. 47-72. Disponível em:
http://irap.oxfordjournals.org. Acesso em: 24 de maio 2012.
KISSINGER, Henry. Sobre a China. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.
LAVOY, Peter R. India in 2006: A New Emphasis on Engagement. Asian Survey, Universidade da
Califórnia, Vol. 47, N. 1 (Janeiro/Fevereiro 2007), p. 113 – 124. Disponível em: <http://
www.jstor.org/stable/10.1525/as.2007.47.1.113>. Acesso em: 15 de maio 2012.
LEE, Lai To; (1997). “East Asian Assessments of China's Security Policy”, International Affairs
(Royal Institute of International Affairs 1944-), Vol. 73, No. 2, Asia and the Pacific, P. 251-262.
TUCKER, Tenente-Coronel Mona Lisa D. China e Índia: amigos ou adversários?. Air & Space Power
Journal, (Segundo Trimestre de 2004). Disponível em: <http://www.airpower.au.af.mil/
apjinternational/apj-p/2004/2tri04/tucker.html>. Acesso em: 16 de jul. 2012.
YANG, J; (2010). “China’s Security Challenges: Priorities and Policy Implications”, Asia Pacific
Countries’ Security Outlook and Its Implications for the Defense Sector, Tokyo: National Institute for
Defense Studies (NIDS), 141-159.

Sites e Centros de Pesquisa

Center for Strategic & International Studies: <http://csis.org/region/asia>


Chinese Journal of International Law: <http://chinesejil.oxfordjournals.org/>
Oxford Journals – International Relations of the Asia-Pacific: <http://irap.oxfordjournals.org/>
Institute of Peace and Conflict: <http://www.ipcs.org/>
Stockholm International Peace Research Institute: <http://www.sipri.org/research/security/china>
The official website of the Association of Southeast Asian Nations: <http://www.aseansec.org/>
The Shanghai Cooperation Organization: <http://www.sectsco.org/EN/>
(North) Korea Central News Agency: <http://www.kcna.kp/goHome.do?lang=eng>
Gateway to (South) Korea: <http://www.korea.net/>
Ministry of Foreign Affairs of Japan: <http://www.mofa.go.jp/>
XinhuaNet News: <http://www.xinhuanet.com/english/home.htm>
China Internet Information Center: <http://www.china.org.cn/>
Portal Nacional da República da Indonésia: <http://www.indonesia.go.id/en.html>

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