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Aterramento do neutro

Capítulo V

Transformadores de aterramento
Parte I
Paulo Fernandes Costa*

Os transformadores de aterramento são baixo valor ôhmico em média tensão e resistores de


aplicados em muitas situações onde o arranjo do alto valor ôhmico em baixa tensão.
sistema elétrico exige que seja criado um ponto de Para sistemas de potência de alta tensão (SEP),
aterramento do neutro adicional, ou simplesmente a prática mais comum é a de aterrar o neutro
criar este ponto quando de sua inexistência. solidamente, o que é vantajoso para a isolação
Em função do que foi estudado nos quatro bem como para a aplicação de para-raios nestes
artigos anteriores, não se recomenda que um sistemas. A isolação dos SEP é um dos itens de
sistema elétrico trifásico industrial seja mantido maior peso no seu custo e geralmente é definida
sem aterramento do neutro, pois, durante períodos pelas sobretensões que podem ocorrer nos
de faltas fase-terra existe a possibilidade real de mesmos, entre as quais são importantes aquelas
ocorrência de sobretensões transitórias que podem que ocorrem durante períodos de falta à terra, que
danificar a isolação de motores, transformadores, são classificadas como “sobretensões transitórias”
cabos, bem como de outros componentes e “sobretensões temporárias”. Ambos os tipos são
importantes. controlados pelo aterramento do neutro.
Outra razão para se implementar o aterramento Outro motivo para se adotar sistema solidamente
do neutro se relaciona com as dificuldades de se aterrado nos SEP, se prende à facilidade de detecção
identificar o local da falta fase-terra em sistemas da falta fase-terra, uma vez que, com o sistema
com neutro isolado flutuante, isto é, neutro sem solidamente aterrado, obtemos baixo valor da
conexão à terra. impedância de sequência zero, que é importante
De fato, quando ocorre uma falta fase-terra fator de controle do valor do curto fase-terra. A
nestes sistemas a corrente é somente de natureza presença de impedância proposital no neutro
capacitiva, de baixo valor e, portanto, de difícil dos SEP, somada com as impedâncias naturais de
detecção e de identificação do local de sua retorno do curto fase-terra, principalmente das
ocorrência. resistências de pé de torre das linhas de transmissão,
Para sistemas elétricos industriais foi mostrado pode reduzir significativamente o valor do curto em
que a melhor opção é a de utilizar resistores de questão, e comprometer a operação de proteções
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importantes, como a dos relés de distância de falta fase-terra. vamos considerar duas situações reais de sua aplicação. A
Observa-se que nos sistemas elétricos industriais este primeira delas, já considerada no artigo anterior, é vista na
raciocínio não se aplica, pois o retorno do curto fase terra é Figura 1, a seguir.
garantido pelo sistema de aterramento (malha de terra industrial)
que se estende por toda a planta e garante reduzida impedância
de retorno. Estes sistemas podem, portanto, ser aterrados por
meio de resistores.
Do exposto, justifica-se plenamente a necessidade de
conhecermos a aplicação dos transformadores de aterramento,
cujo propósito é o de criar o ponto neutro em um sistema
trifásico quando é importante e se deseja fazê-lo.
Este artigo e o próximo estão dedicados ao estudo dos
transformadores de aterramento e juntamente com os quatro
capítulos anteriores deste fascículo, completam a série de seis
artigos que buscam fornecer informações importantes sobre o Figura 1 – Aplicação de transformador de aterramento na indústria.

aterramento do neutro, principalmente nos aspectos voltados Pode ser verificado que a aplicação de um resistor
para aplicação industrial. de aterramento na barra principal evita a instalação de
resistores de baixo valor ôhmico nos neutros dos geradores
Casos típicos de necessidade dos G1 e G2, mantendo o sistema elétrico industrial com, no
transformadores de aterramento máximo, dois pontos de aterramento, o que é ideal, uma
Para iniciar o estudo sobre transformadores de aterramento, vez que simplifica o esquema de proteção de falta à terra e
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reduz o valor da corrente total da falta de 1/3, no caso, da TR1, no lado da conexão triângulo.
Aterramento do neutro

presença de dois geradores. A solução correta neste caso consiste em criar um ponto
Por exemplo, se não fosse utilizado transformador de aterramento no lado da conexão triângulo, utilizando
de aterramento e o valor necessário para controlar a um transformador de aterramento com o neutro solidamente
sobretensão transitória com o sistema industrial operando aterrado, conforme indicado na Figura 2. Este procedimento
com, no mínimo, um gerador, for de 200 A e o sistema evita a ocorrência de sobretensões transitórias na linha/
elétrico da concessionária puder também alimentar o sistema que executa a conexão entre os disjuntores DJ1 e
sistema na ausência de qualquer gerador, seria necessário DJ2 após abertura do disjuntor DJ2 para curto no ponto F.
utilizar resistor de 200 A em todos os neutros (G1, G2, e A solução para o caso do transformador de acoplamento
transformador de acoplamento com a concessionária), ser de conexão contrária à examinada, isto é, triângulo no
totalizando 600 A de falta fase-terra. lado da indústria e estrela aterrada no lado da concessionária,
Com a aplicação do resistor de aterramento na barra, seria instalar o transformador de aterramento no lado da
conforme mostra a Figura 2, serão necessários apenas dois conexão triângulo, isto é, lado da indústria, como visto
resistores, totalizando 400 A de falta à terra. Naturalmente na Figura 3. Neste caso o neutro do transformador de
que, quanto maior o número de geradores presentes na planta aterramento será aterrado por meio de resistor, devido às
industrial, maior o ganho na aplicação do transformador necessidades do sistema elétrico industrial.
de aterramento na barra, em termos e redução da corrente
total de falta à terra.
Outra situação, bastante comum, está delineada na figura
2B a seguir, onde temos a interface de um sistema industrial
com cogeração, e no qual o transformador de acoplamento
com a concessionária possui a conexão estrela do lado da
indústria e conexão triangulo do lado da concessionária.
Verifica-se que, estando os sistemas de cogeração e da
concessionária em paralelo, um curto circuito fase-terra
no ponto F indicado provoca a abertura do disjuntor
DJ2 na subestação da concessionária (que possui neutro
solidamente aterrado), enquanto que o disjuntor DJ1 na
planta industrial se mantém fechado devido ao fato de não Figura 3 – Aplicação de aterramento no lado da indústria.
existir ponto de aterramento do neutro no transformador
Observa-se que algumas concessionárias padronizam
este tipo de conexão na interface com os sistemas elétricos
industriais, a fim de eliminar as sobretensões transitórias
e garantir a operação da proteção fase-terra nos dois lados
da conexão, isto é abertura dos dois disjuntores DJ1 e DJ2
mostrados na Figura 2.

Tipos de transformadores de aterramento


Embora existam outros tipos, atualmente, são utilizadas
três conexões básicas de transformadores de aterramento para
criação do neutro em um sistema elétrico trifásico, a saber:
• Conexão estrela com neutro acessível no lado primário
e triângulo no lado secundário. O enrolamento em triângulo
é utilizado apenas para compensação das correntes de
sequência zero, não sendo utilizado para cargas. O neutro
acessível do lado em estrela é utilizado para aterramento
Figura 2 – Aplicação de aterramento no lado da concessionária.
solido ou através de resistor. Ver Figura 4.
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Aterramento do neutro

Figura 6 – Transformador de aterramento conexão “ziguezague”.

Figura 4 – Transformador de aterramento conexão estrela-triângulo.


Qualquer dos tipos de conexão, quando projetado
corretamente funciona bem, sendo apenas uma questão de custo.
Por exemplo, pode-se dispor na instalação de um transformador
• Conexão estrela com neutro acessível no lado primário
na conexão estrela- triangulo que se aproveitado, reduz os custos.
e delta aberto no lado secundário. O lado em estrela
A conexão estrela aterrada com o resistor conectado nos
deve neste caso deve ser sempre solidamente aterrado,
terminais do delta aberto permite utilizar um resistor de baixa
enquanto que o lado em delta aberto só pode ser utilizado
tensão, o que pode reduzir os custos. Em termos de custo
para o caso de aterramento através de resistor, pois se
de aquisição de um transformador de aterramento novo, em
for fechado, voltamos ao caso anterior. Observa-se que
geral, o de conexão ziguezague é o de menor custo.
o resistor fica instalado entre os terminais do delta aberto
(Figura 5).
Operação dos transformadores e
aterramento
Qualquer transformador de aterramento deve em
princípio oferecer um caminho de baixa impedância para
as correntes de sequência zero que circulam durante a
falta à terra. Admitindo-se a existência de um curto fase-
terra na fase A do sistema, com o mesmo sem carga, temos
as seguintes condições de contorno para as correntes
envolvidas:

IFT = IA, IB = o, I C=o

IFT é a corrente de fase-terra, e IA, IB,IC, são as correntes de


nas fases A, B, C, respectivamente.

A definição de corrente ou componente de sequência


Figura 5 – Transformador de aterramento conexão estrela-delta aberto.
zero significa que a mesma é a média aritmética das três
correntes de fase, ou seja:
• Conexão denominada “ziguezague”. Esta é uma conexão
especial que utiliza um transformador trifásico, na realidade I0= 1/3 (IA +IB +I C)
um reator trifásico, com duas bobinas por fase, conectadas
de uma forma especial, cruzada, que caracteriza o nome Considerando as condições de contorno:
do transformador. Esta conexão será alvo de considerações I0 = 1/3 (IA) = 1/3 (IFT)
adicionais, devido a sua importância. I FT = 3I0
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Concluímos que, durante um curto fase-terra, a corrente zero, entra pelo ponto de aterramento criado pelo transformador
3I0 circula do ponto de falta pelo neutro do transformador de aterramento (com ou sem resistor) e se divide pelas três fases
de aterramento, distribuindo-se no circuito de acordo com do mesmo, isto é, por cada fase ou perna do transformador
sua topologia, conforme mostra a Figura 7: de aterramento circula somente um terço da corrente total de
falta, que é igual ao valor da corrente de sequência zero (I0).
Isto acontece em qualquer tipo de transformador de aterramento,
independentemente da sua forma construtiva.

b) Em termos de tensão, podemos, utilizando a Figura 7, extrair


as seguintes conclusões que são importantes para se calcular a
potência do transformador de aterramento para qualquer tipo de
transformador que seja utilizado.

Considerando o neutro do transformador de aterramento


aterrado por meio de resistor, podem ser obtidas as seguintes
equações, em que VAT,VBT,VCT são as tensões de fase para terra;
Figura 7 – Circulação da corrente de sequência zero 3I0.
VAN,VBN,VCN são as tensões de fase para neutro e VNT é a
Observam-se, no sistema da Figura 7, no qual foi adotado tensão de neutro para terra.
um transformador de aterramento na conexão “ziguezague”, os
seguintes aspectos importantes: VAN – VAT + VNT = 0
VBN – VBT + VNT = 0
a) A corrente de falta, igual a três vezes a corrente de sequência VCN – VCT +VNT =0
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Considerando que VAN + VBN+ VCN = 0, segue que:


Aterramento do neutro
carga.
A “potência instantânea” pode ser calculada considerando
3 VNT = VAT+ VBT+ VCT que, conforme mostra a Figura 7, circula a corrente de sequência
VNT = 1/3 (VAT + VBT + VCT) = V0 zero em cada fase.
Portanto, considerando o circuito de sequência zero,
Conclui-se, pois, que a tensão de neutro para terra, ou o podemos escrever que a potência instantânea (PINST) vale:
“deslocamento do neutro” como algumas vezes é denominada
a tensão VNT, é igual à tensão de sequência zero das tensões de PINST =3V0 I0 = (3I0)V0
fase para terra.
Para calcular V0 vamos considerar as equações de contorno Porém, 3I0 é igual à corrente de falta à terra IFT e V0 é igual
de tensão correspondentes a um curto fase-terra na fase A, com à tensão de fase terra VFN.
o neutro aterrado por meio de resistor.
PINST = IFTVFN
VAT = 0, VBT = VBA, VCT = VCA
Para encontrar a potência instantânea em kVA, devemos
Considerando a sequência de fases VAB,VBC,VCA, na qual VAB considerar a corrente em Ampères e a tensão fase neutro em
é a referência, com ângulo zero, obtemos: kV. Teremos então:

V0 = 1/3(0 +VBA+ VCA) =1/3(0 -VAB + VCA) PINST(kVA)= IFT kVFF / √3

Considerando VFF como o módulo da tensão fase-fase e Em geral, o valor da corrente de falta à terra IFT, é prefixado
VFN como módulo da tensão fase neutro, segue: pelo projetista em função do sistema elétrico (industrial ou
de potência). Para os sistemas elétricos industriais valem as
V0 =1/3(VFF < 180º + VFF < 120º) =1/3( VFF< 150º recomendações fornecidas nos dois primeiros capítulos deste
V0 = 1/3(3 VFN<150º) = VFN<150º fascículo.
A potência de curto tempo PCT também em kVA será:
Este resultado mostra que o módulo da tensão de sequência
zero das tensões de fase para terra é igual em módulo da tensão PCT (kVA) = (IFTkVFF/ √3 )/K= PINST(kVA)/K
fase neutro.
O fator K, que depende do tempo de carga, pode ser
Cálculo da potência dos transformadores avaliado conforme tabela a seguir.
de aterramento
A potência do transformador de aterramento é definida em Tabela 1 – Fator K e tempo de carga

primeiro lugar pela potência desenvolvida por ele no momento Tempo de carga Fator K

do curto fase-terra denominada “potência instantânea” e em 10 segundos 10

segundo lugar em função do tempo de operação desejado para 1 minuto 4,7

o mesmo (10 segundos, 1 minuto, 5 minutos, 10 minutos, 30 5 minutos 2,8

minutos, 1 hora, 2 horas) que conduz a potência denominada 10 minutos 2,5

“potência de curto tempo”, “potência de curta duração” ou 30 minutos 1,8

“potência de carga”. 1 hora 1,6

Se o aterramento é realizado por meio de resistor na 2 horas 1,4

indústria, em geral, o tempo de carga utilizado para o resistor é


de 10 segundos, sendo adotado o mesmo para o transformador Potência contínua do transformador de
de aterramento. Em primeiro lugar, calcula-se a “potência aterramento
instantânea” e, então, calcula-se a “potência de curto tempo”, Além da potência de curta duração do transformador
utilizando-se um fator de redução em função do tempo de de aterramento convém fazer previsão para uma potência
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permanente para acomodar correntes que circulam


continuamente no neutro como aquelas geradas por
chaveamentos de inversores de frequência.
Esta potência, em geral, varia de um mínimo de 3% da
potência de curta duração até cerca de 10% dela.

Reatância do transformador de
aterramento
Além das potências permanentes e de curta duração
do transformador de aterramento deve ser fornecida
também a sua reatância em Ohms para que seja possível
fabricá-lo.
Esta questão será tratada no próximo artigo, juntamente
com outros aspectos também importantes para aplicação
de transformadores de aterramento.

Referências
[1] Costa, P.F; “Capitulo I – Aspectos importantes da
escolha do tipo de resistor de aterramento do neutro nos
sistemas elétricos industriais” Revista O Setor Elétrico,
Julho 2014.
[2] Costa, P.F; “Capitulo II - Avanços na especificação e
aplicação dos resistores de aterramento do neutro dos
sistemas elétricos industriais em média tensão” Revista O
Setor Elétrico, Agosto 2014.
[3] Costa, P.F; “Capitulo III - Avanços na especificação
e aplicação dos resistores de aterramento do neutro dos
sistemas elétricos industriais em baixa tensão”, Revista O
Setor Elétrico, Setembro 2014.
[4] Costa, P.F; “Capitulo IV - Aterramento de sistemas
elétricos industriais de média tensão com a presença de
cogeração” Revista O Setor Elétrico, Outubro de 2014.

*Paulo Fernandes Costa é Engenheiro Eletricista


e Msc pela Universidade Federal de Minas Gerais,
professor aposentado dos cursos de engenharia
elétrica da UFMG e CEFET-MG e diretor da Senior
Engenharia e Serviços LTDA, Belo Horizonte-MG.
É palestrante e autor de vários artigos na área
de aterramento, proteção, segurança, qualidade
de energia e sistemas elétricos industriais
em geral. Atua como consultor, bem como na
área de desenvolvimento tecnológico, com
experiência de mais de 40 anos. E-mail: pcosta@
seniorengenharia.com.br.
Continua na próxima edição
Confira todos os artigos deste fascículo em www.osetoreletrico.com.br
Dúvidas, sugestões e comentários podem ser encaminhados para o e-mail
redacao@atitudeeditorial.com.br
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Aterramento do neutro

Capítulo VI

Transformadores de aterramento
Parte II
Paulo Fernandes Costa*

Nos capítulos anteriores, foram tratados os pouco mais sugerimos a leitura das indicações
aspectos relativos ao aterramento do neutro nas referências bibliográficas.
em sistemas elétricos industriais, sendo que,
especialmente no último, foram abordadas Funcionamento do
as situações em que os transformadores de transformador de aterramento
aterramento aplicam seus tipos principais e a “zigue-zague”
forma de se calcular suas potências instantâneas O transformador de aterramento “zigue-
e de curto tempo. No presente artigo serão zague” é constituído por um núcleo magnético
fornecidas informações adicionais sobre o de três colunas, sendo que em cada coluna
transformador de aterramento na conexão existem dois enrolamentos iguais, indicados
“zigue-zague”, o mais utilizado na atualidade, na Figura 1A. O diagrama vetorial da Figura
bem como será vista a metodologia de cálculo 1B mostra os vetores das bobinas individuais
de sua reatância, parâmetro este que, senão for das três colunas, considerando tratar-se de um
fornecido ao fabricante, inviabiliza o seu projeto sistema trifásico. Observa-se neste diagrama
e fabricação. que os vetores acompanham as respectivas
Com este artigo encerramos uma sequência polaridades estabelecidas para as bobinas,
prevista de seis capítulos, nos quais foram conforme marcado na Figura 1A.
discutidos aspectos do aterramento do neutro, Na conexão da Figura 1A, a primeira bobina
principalmente de sistemas elétricos industriais. do primeiro núcleo é ligada com a segunda bobina
Devido à vastidão e à importância deste tema, do segundo núcleo, sendo esta com a polaridade
não consideramos, de forma alguma, que ele trocada. A primeira bobina do segundo núcleo é
foi esgotado. Pelo contrário, muitos aspectos ligada com a segunda bobina do terceiro núcleo,
importantes ainda necessitam ser tratados, sendo esta de polaridade trocada. Finalmente, a
mormente se saltarmos para aplicações em outros primeira bobina do terceiro núcleo é ligada com
sistemas elétricos, como os de distribuição e de a segunda bobina do primeiro núcleo, sendo
potência. Àqueles que desejarem aprofundar um esta de polaridade trocada.
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Quando o transformador é ligado ao sistema trifásico de fase para neutro. Pode ser verificado que o transformador
sem falta à terra, forma-se então o diagrama vetorial da funciona na realidade como um reator de alta impedância,
Figura 1C, em que as tensões AA1, BB1, CC1, são as tensões pois não existe enrolamento secundário, sendo absorvida
somente uma pequena corrente de excitação. As formas
de conexão das bobinas e do diagrama vetorial sugerem o
nome escolhido de “conexão zigue-zague”.

Figura 1A – Diagrama de conexão das bobinas do transformador zigue-


zague. Figura 1B – Diagrama vetorial com as bobinas desconectadas.
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geral. Esta reatância é a reatância de sequência zero do


Aterramento do neutro

transformador (X OT).
Existem técnicas construtivas que permitem alterar a
reatância do transformador de aterramento, de forma que
se pode aplicá-lo com baixa ou alta reatância.
Por exemplo, quando se utiliza o neutro do
transformador de aterramento aterrado por meio de resistor,
deseja-se baixa reatância de sequência zero, para que
ela não interfira no nível de curto limitado pelo resistor.
Quando o referido neutro é solidamente aterrado, deseja-se
obter uma reatância compatível com o nível de curto fase-
terra preestabelecido pelo projetista, o qual deve seguir os
princípios discutidos no próximo item.

Figura 1C – Diagrama vetorial da conexão da Figura 1A.


Determinação da reatância de sequência
zero do transformador de aterramento
Quando ocorre um curto fase-terra no sistema, a
situação modifica-se, pois a corrente de falta fase-terra é Considerações
constituída de três vezes a corrente de sequência zero, isto Os sistemas trifásicos são suscetíveis de sofrer
é, IFT = 3I0. Considerando que as correntes de sequência sobretensões durante períodos de falta à terra, que podem
zero se distribuem como na Figura 2, pode ser visto que em ser classificadas em sobretensões transitórias e sobretensões
cada coluna do núcleo magnético, o fluxo total, e também temporárias.
o de dispersão, é praticamente nulo, pois as bobinas de Quando ocorre um curto fase-terra em uma das fases de
uma mesma coluna, que possuem polaridade contrária, são um sistema trifásico com neutro isolado, conforme a Figura
percorridas por correntes iguais em módulo e ângulo. 3, as correntes resultantes são de natureza capacitiva, que
Esta configuração conduz a um baixo valor de reatância circulam também pelos enrolamentos do transformador,
de dispersão, que essencialmente forma a impedância do formando um circuito LC. Devido ao baixo valor da corrente
transformador de aterramento e dos transformadores em capacitiva, esta em geral é intermitente, gerando pequenos

Figura 2 – Circulação das correntes de sequência zero na conexão “zigue-zague”.


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arcos elétricos que são de natureza não linear. A corrente controle ainda mais efetivo das sobretensões transitórias,
Aterramento do neutro

gerada possui harmônicas de alto espectro de frequência, que e dependendo dos parâmetros do circuito, as tensões das
podem então excitar o circuito LC, levando-o à ressonância. fases sãs para terra não ultrapassam de 80% da tensão fase-
As tensões são então amplificadas nas capacitâncias de fase fase, no momento do curto fase-terra.
para terra das fases sãs e nas bobinas do transformador. As sobretensões das fases sãs para a terra, que ocorrem no
Devido à intermitência do curto, as tensões amplificadas momento de um curto fase-terra em sistemas que possuem
sofrem um processo de aumento sucessivo, denominado o neutro aterrado, de forma a controlar as sobretensões
“escalonamento”. As tensões amplificadas são as de fase- transitórias, são denominadas “sobretensões temporárias”.
terra nas fases sãs (fases a, b, na Figura 3, em que o curto
fase-terra foi estabelecido na fase c). Quando no processo Bases para dimensionamento da reatância dos
de escalonamento as tensões fase-terra nas fases sãs atingem transformadores de aterramento
valores da ordem de 5-6 P.U, ocorre a ruptura da isolação Tendo em vista o que foi exposto, para que um sistema
de uma ou das duas para terra (em pontos e equipamentos, elétrico trifásico sobreviva durante um curto fase-terra, é
tais como motores, cabos isolados, transformadores e outros necessário no mínimo controlar as sobretensões transitórias.
componentes), que resultam em duplo ou triplo curto à Com resistor no neutro dimensionado adequadamente,
terra, cuja consequência é o desligamento do sistema pela as sobretensões transitórias são eliminadas e as tensões
proteção. As tensões geradas no processo de escalonamento de fase-terra nas fases sãs são controladas e atingem no
são denominadas sobretensões transitórias. máximo o valor fase-fase. Nestes sistemas os para-raios
O controle das sobretensões transitórias, devido à ocorrência utilizados das fases para terra devem ser de tensão nominal
de faltas à terra, é realizado por meio do aterramento do fase-fase (tensão plena), denominados “para-raios 100%”.
neutro. Com aplicação de resistores no neutro dimensionados Quando o neutro é solidamente aterrado, pode-se
conforme teoria exposta nos artigos anteriores, as sobretensões conseguir que as tensões das fases sãs para terra atinjam no
de fase-terra nas fases sãs são controladas de forma que atingem máximo 80% da tensão fase–fase. O sistema é denominado
no máximo o valor da tensão de fase-fase, isto é se elevam de então “efetivamente aterrado” e os para-raios são
√3, pois, em regime normal, sem curto fase-terra, estas tensões denominados “para-raios 80%”.
são iguais em módulo, à tensão fase-neutro. As condições para controlar as sobretensões transitórias,
Os resistores no neutro amortecem o circuito LC considerado mas utilizando para-raios 100% podem ser resumidas na
anteriormente, de forma que a ressonância é evitada. Tabela 1 a seguir. A demonstração das condições indicadas na
Se o neutro é solidamente aterrado, existe um tabela pode ser encontrada, por exemplo, na referência [6].

Figura 3 – Circuito de circulação da corrente fase-terra em sistema com neutro isolado.


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Tabela 1 – Condições para eliminação das sobretensões transitórias (Z0) que, juntamente com a impedância de sequência negativa
utilizando para-raios 100%
(Z2), são utilizadas para cálculos da corrente de falta à terra e
Critério para limitação da
sobrecorrente transitória das tensões fase-terra. Z1, Z2, Z0 são impedâncias equivalentes de
Método de aterramento
X0 / X1 R0 / X0 Thévenin, vistas do ponto de falta, que podem ser escritas como:
Sólido ≤ 10 Qualquer

Por Qualquer ≥2 Z1 = R1 + jX2 ; Z2 = R2 + j X2 ; Z0 = R0 +j XO


Resistor ≤ 10 Qualquer
Nos sistemas de potência (SEP), pode-se considerar Z 1 = Z2
As condições para controlar as sobretensões transitórias e e R1 = R2 =0
ainda utilizar para-raios 80% somente são atingidas em sistemas
solidamente aterrados e efetivamente aterrados. Os parâmetros Exemplo de dimensionamento de
do sistema possuem as relações indicadas na Tabela 2. transformador de aterramento
Tabela 2 – Condições para eliminação das sobretensões Para ilustrar o calculo da reatância e da potência de um
transitórias utilizando para-raios 80%
transformador de aterramento, vamos utilizar um sistema de
Critério para limitação da
sobrecorrente transitória potência, com potência de curto-circuito de 1.000 MVA, na
Método de aterramento
X0 / X1 R0 / X1 tensão de 138 kV, alimentando um transformador de 20 MVA,

Sólido ≤3 ≤1 138/69 KV, Z% = 8,5%, conexão delta-delta, que alimenta uma


linha de transmissão de 69 kV com as seguintes características:

Nas Tabelas 1 e 2 anteriores, os parâmetros X1, XO, RO, são as


reatâncias de sequência positiva, reatância de sequencia zero e X1 = X2 = 10 Ohms

resistência de sequência zero, respectivamente, as quais são parte R0L = 2 Ohms

integrante das impedâncias de sequência positiva (Z1), e zero X0L = 35 Ohms


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Deverá ser instalado um transformador de aterramento ROL = 2 x 100 / 692 = 0,042


Aterramento do neutro

na barra de 69 kV do secundário do transformador, barra


esta que alimenta a linha de transmissão. O transformador X0L = 35 x 100 / 692 = 0,74
de aterramento será solidamente aterrado e deverá ser
dimensionado de forma que possam ser instalados para- As impedâncias equivalentes de Thévenin vistas do final da
raios 100% no final da LT, como primeira solução e para- linha são:
raios 80%, como segunda solução.
X1= X1F + X1T+ X1L = 0,1 + 0,425 + 0,21 = 0,735
Soluções
Utilizaremos o método P.U., considerando a potencia base XO = XOL+ XOT = 0,74 + XOT
de 100.000 kVA (100 MVA), e as tensões nominais em kV dos
lados primários e secundário como tensões bases. Porém, na primeira hipótese, de utilizarmos para-raios
Nestas condições as relações básicas para trabalho são 100% ,a condição é:
as seguintes:
XO = 10 X1 = 10 x 0,735 =7,35
kVAB = √3 kV IB ; IB = kVAB/ √3 kVB ; ZB =1.000kVB/ √3;
IB= KVB2 / MVAB XOT = 7,35 – 0,74 = 6,61

ZP.U = ZOhm MVAB/ kVB2; ZOhm= ZP.U KVB2 / MVAB XOT(Ohms) = 6,61 x 692 / 100= 315 Ohms

As impedâncias percentuais dos transformadores são O curto fase–terra, em P.U., no final da linha, valerá:
transformadas em P.U (ZT P.U) pela relação:
IFT = 3 / (RO +jXo+ j 2X1) = 3 / (RO + j10X1 +j2X1 ) = 3 / (RO+ j 12X1)
ZT P.U = Z% /MVAT, em que MVAT é a potência do transformador
em MVA e Z% é sua impedância percentual. IFT = 3 / ( 0,042 + j 12 x 0,735) = 0,34 P.U

A impedância da fonte em P.U (ZF P.U), é diretamente obtida IB =100.000 / √3 69 = 837 A


da relação:
IFT = 0,34 x 837 = 285 A
ZF P.U = MVAB / PCCF, em que PCCF é a potência de curto-circuito
da fonte em MVA. Para calcular a potência do transformador de aterramento,
devemos considerar o curto fase terra que ocorre na barra de 69
Caso 1 – Uso de para-raios 100% no kV, que apresenta valor superior ao que ocorre no final da linha.
final da LT Denominando este curto de IN, seu valor em P.U será:
Aplicando as relações acima e considerando ainda que
Z1 = Z 2 e R 1 = R 2 = 0 para a fonte e para o transformador, IN = 3 / [XOT +2 (X1S +X1T)] = 3 / [ 6,61 + 2 x ( 0,1 + 0,425)]
teremos os seguintes valores em P.U.:
IN = 0,39 P.U
Fonte: X1F = X2F = 100 / 1.000 = 0.1
IN = 0,39 x 837 = 326 A
Transformador: X1T = X2T = 8.5 / 20 = 0.425
A potência instantânea do transformador de aterramento
Para a LT de 69 kV: PTAT(INST) de acordo com o artigo anterior, vale:

X1L = X2L = 10 x 100 / 692 = 0,21 PTAT(INST)= 326 x 69/ √3 = 12987 ≅ 13.000 kVA
Apoio
53

A potência de curto tempo, 10 segundos, PTAT(10S) será: solidamente aterrado, de forma a controlar as sobretensões
transitórias e utilizar para-raios 100% ou para-raios 80%. Foi
PTAT(10S) = 13.000/10 = 1.300 kVA fornecida a metodologia para cálculo dos transformadores
de aterramento necessários. Quando é desejado incluir
Caso 2 – Uso de para-raios 80% no final da LT um resistor no neutro do transformador de aterramento a
Neste caso, deve ser utilizada a relação da Tabela 2, isto metodologia de calculo deve ser alterada, utilizando as
é, X0 = 3X1. Refazendo os cálculos, segue que: informações da Tabela 1.
O autor agradece aos leitores que leram algum ou todos
XO = 3 X1 = 3x 0,735 = 2,21 os artigos da série publicada e se sente feliz em receber
comentários.
XOT = 2,21 – 0,74 = 1,47
Referências bibliográficas
XOT(Ohms) = 1,47x 692 / 100= 67 Ohms [1] Costa, P.F; “Capitulo I – Aspectos importantes da escolha
do tipo de resistor de aterramento do neutro nos sistemas
O curto fase-terra no final da linha será recalculado da elétricos industriais” Revista Setor Elétrico, Julho 2014.
seguinte forma: [2] Costa, P.F; “Capitulo II - Avanços na especificação e
aplicação dos resistores de aterramento do neutro dos
IFT = 3 / (RO + jXo+ j 2X1) = 3 / (RO + j3X1 +j2X1 ) = 3 / (RO + j 5X1) sistemas elétricos industriais em média tensão” Revista Setor
Elétrico, Agosto 2014.
IFT= 3 / ( 0,042 + j 5x0,735) =0,776 P.U [3] Costa, P.F; “Capitulo III - Avanços na especificação e
aplicação dos resistores de aterramento do neutro dos sistemas
IB = 100.000 / √3 x 69 = 837 A elétricos industriais em baixa tensão”, Setembro 2014.
[4] Costa, P.F; “Capitulo IV- Aterramento de sistemas elétricos
IFT = 0,776 x 837 = 650A industriais de média tensão com a presença de cogeração”,
Revista Setor Elétrico, outubro de 2014.
O curto fase-terra na barra de 69 kV para cálculo da [5] Costa, P.F; “Capitulo V- Transformadores de aterramento
potência do transformador de aterramento vale: parte I”, Revista Setor Elétrico, novembro de 2014.
[6] Costa, P.F; Dissertação de Mestrado “Aterramento do
IN = 3 / [XOT +2 (X1S +X1T )] = 3 / [ 1,47 + 2 x ( 0,1 + 0,425)] Neutro dos Sistemas de Distribuição Brasileiros: Uma
Proposta de Mudança”, UFMG 1995.
IN = 1,19P.U

IN = 1,19x 837 = 996A


*Paulo Fernandes Costa é Engenheiro Eletricista
e Msc pela Universidade Federal de Minas Gerais,
A potência instantânea do transformador de aterramento
professor aposentado dos cursos de engenharia
PTAT(INST), de acordo com o capítulo anterior, vale: elétrica da UFMG e CEFET-MG e diretor da Senior
Engenharia e Serviços LTDA, Belo Horizonte-MG.
P TAT(INST)= 996x 69/ √3 ≅ 39.678 kVA ≅ 40.000 kVA É palestrante e autor de vários artigos na área
de aterramento, proteção, segurança, qualidade
de energia e sistemas elétricos industriais
A potencia de curto tempo, 10 segundos, PTAT(10S) será: em geral. Atua como consultor, bem como na
área de desenvolvimento tecnológico, com
PTAT(10S) = 40.000/10 = 4.000 kVA experiência de mais de 40 anos. E-mail: pcosta@
seniorengenharia.com.br.

Conclusão FIM
Acesse este e outros capítulos do fascículo “Aterramento do neutro”, em
Neste artigo foram fornecidas informações para formato PDF, no site www.osetoreletrico.com.br. Dúvidas e outros comentários
transformar um sistema com neutro isolado em neutro podem ser encaminhados para redacao@atitudeeditorial.com.br

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