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Gregory em:

“Sua voz é a minha cor favorita”.

Foi legal viver nos EUA, nos anos em que


estivemos lá. Eu nunca poderia negar isso. Entretanto,
quando meus pais, irmãos e eu viajamos, naquela
noite fria em que pegamos o avião que estava fadado
a cair, algumas coisas ficaram pendentes. Coisas que
eu jamais acreditei que se resolveriam.
-Os índios nos pegaram! Corre! - Dizia Valete.
-Tem muito índio!
Eu fiz dele naqueles anos, antes de viajar, o irmão
mais velho que não tinha entre os meus. Ele me
visitava e aparecia para brincar quase todos os dias,
mesmo que nossas brincadeiras e o que fazíamos
juntos mudassem com o tempo. Na última vez que
nos vimos antes de eu ir, ele tinha acabado de fazer
quinze anos, e eu ainda tinha nove. Mas ele estava na
minha vida como meu melhor amigo e mentor desde
quando eu consigo me lembrar. Mas só até o
momento da viagem.
Foi bem tribulado quando retornamos. A
vingança do Martin. Ele enganando a própria família.
Todos nós acreditando que os Windness haviam
matado meu irmão, Kevin. E sem saber, eu acabei
fazendo parte de algo terrível. Nunca tive chance de
me desculpar com a senhorita Nancy por ter
machucado ela no dia em que ataquei os Windness e
por ter acreditado nas mentiras do meu irmão. Ainda
me arrependo de não ter contado sobre Martin bem
antes para eles, quando muitas daquelas tragédias
ainda poderiam ser evitadas. O fato é que se
passaram dois anos, e ele nunca me visitou e nem
sombra daquela convivência que tínhamos retornou.
-Ainda sente falta dele?
-Sim. Como sabe?
Tio Bernard entrou em meu quarto, e puxou a
cadeira da escrivaninha para perto de mim. Eu estava
sentado sobre a cama, perdido em meus
pensamentos. Nas lembranças, nossas brincadeiras
quando eramos crianças.
-Só quando pensa sobre isso você tem esse olhar.
É um conflito pessoal, seu, não é?
-Sim, é sim. Quando eu estava com ele, ele tinha o
dom de fazer com que o fato de eu ser cego não
fizesse diferença nenhuma. O jeito de ele contar o que
imaginava fazia com que suas imaginações se
tornassem minhas também. Ele fazia com que eu não
me sentisse mais inferior a ninguém por causa da
minha condição.
-Mesmo?
-Sim. Sabe, tio, espero que não entenda errado,
mas, desde aquele tempo que a voz dele é minha cor
favorita, e espero poder dizer isso a ele de novo! Ele é
um herói para mim, e sempre foi! Mas, talvez não
tenha me perdoado por aquele dia!
-Você foi tão vítima do Martin quanto os
Windness. Não deve se culpar. E nem ele deveria te
culpar.
-Nem sei mais o que pensar sobre isso.

***

Alguns dias se passaram. Um belo dia, ao voltar


para casa do colégio, tive um quase enfarto ao chegar
em casa. Ele estava sentado na poaltrona. Se levantou
ao me ver novamente. Eu não podia vê-lo, mas sabia
que era ele. Como sempre, tateando as pessoas e as
coisas a minha volta em alta velocidade com o ar.
-A-alex?
-Seu tio pediu que eu viesse conversar com você.
Espero que não me odeie.
-M-mas, porque eu te odiaria?
-Porque eu não te procurei nesses dois anos. Sabe,
muitas coisas aconteceram. Quando você foi embora,
e ainda mais depois, quando achei que vocês tivessem
morrido na explosão do avião eu procurei dar outro
rumo na minha vida. Me foquei nos estudos e
também no Luke, que de uma forma ou de outra,
sempre precisou de mim. Enfim, eu continuei minha
vida. Quando voltou, achei que, crescendo, também
se esqueceu de mim e da nossa infância juntos, por
isso nunca quis forçar a barra!
-E...?
-E, até Bernard vir falar comigo hoje mais cedo e
me pedir para vir te visitar, as coisas ficaram por isso
mesmo.
-E não... Não me odeia pelo que fiz quando
Martin me enganou?
-Qualquer pessoa no seu lugar teria cometido os
mesmos erros. Não é sua culpa. E não estaria entre os
amigos dos meninos Windness se fosse.
Se aproximou de mim e me fez um carinho no
cabelo, sorrindo, como há muitos anos eu já não o via
sorrir. Ao menos não para mim. Abracei-o ternamente
naquele momento. Senti uma lágrima escapar-me ao
olhar, que ele prontamente enxugou com os dedos.
-Não sabe como fico feliz de termos nos
reaproximado de novo!
-Eu também, maninho! - Disse, usando
novamente o apelido de outrora.
-Não sabe como fico feliz em te ver de novo! E
ouvir também! Sua voz... É minha cor favorita!

Fim!

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